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A ESTRATÉGIA NACIONAL DE DEFESA BRASILEIRA, O

TERRORISMO E A DEFESA QUÍMICA, BIOLÓGICA, RADIOLÓGICA


E NUCLEAR: LACUNAS E REFLEXÕES

Edivaldo Pires de Figueiredo1

RESUMO

O presente artigo tem o objetivo de analisar a evolução da Estratégia Nacional de


Defesa (END) brasileira e verificar a existência de lacunas sobre a abordagem dos
temas terrorismo e Defesa Química, Biológica, Radiológica e Nuclear (DQBRN). Para
isso, foram realizadas pesquisas bibliográficas e documentais concentrando-se nos
Livros Brancos de Defesa Nacional (LBDN), nas Políticas Nacionais de Defesa (PND),
nas END e em trabalhos que abordassem os temas terrorismo e DQBRN e segurança
e defesa nacional. Foi possível verificar que, mesmo apresentando avanços em sua
redação, uma vez que conseguiu prever ações que contemplassem casos atuais
como os de pandemia, continuam a existir lacunas para o trato de eventos adversos
envolvendo agentes químicos, biológicos, radiológicos e nucleares e ações terroristas,
instando a necessidade de reflexões sobre como elevar a percepção do povo e,
consequentemente, do Estado brasileiro sobre esses temas, pouco explorados na
atual END. Para chegar a esta conclusão, buscou-se identificar dentro da Política
Nacional de Defesa (PND) do ano de 2020 as condições a serem alcançadas e
mantidas dentro dos Objetivos Nacionais de Defesa (OND) que tivessem relação com
a DQBRN e, dentro do único objetivo identificado, as Estratégias de Defesa (ED) e
Ações Estratégicas de Defesa (AED), restando claro que precisamos refletir sobre
esse tema para que ações hostis que envolvam elementos QBRN e terrorismo
possam ser mitigados com a resposta adequada e a altura da grande nação brasileira.
Palavras-chave: Defesa QBRN. Política Nacional de Defesa. Estratégia Nacional de
Defesa.

ABSTRACT

This article aims to analyze the evolution of the Brazilian National Defense Strategy
(NTS) and verify the existence of gaps in the approach to terrorism and chemical,
biological, radiological and nuclear defense (DCBRN). For this, bibliographic and
documentary research was carried out focusing on the White Papers of National
Defense (LBDN), national defense policies (PND), NDTs and works addressing the
themes of terrorism and DCBRN and national security and defense. It was possible to
verify that, even with advances in its writing, since it was able to predict actions that

1Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ciências Aeroespaciais da Universidade da Força Aérea –


PPGCA/UNIFA, Rio de Janeiro. Lattes: http://lattes.cnpq.br/4196633644155030 Contato:
epfpires@yahoo.com.br
contemplated current cases such as pandemic cases, there are still gaps in the
treatment of adverse events involving chemical, biological, radiological and nuclear
agents and terrorist actions, urging the need for reflections on how to raise the
perception of the people and, consequently, the Brazilian State on these topics , little
explored in the current EDT. To reach this conclusion, we sought to identify within the
National Defense Policy (PnD) of 2020 the conditions to be achieved and maintained
within the National Defense Objectives (OND) that were related to the DCBRN and,
within the only objective identified, the Defense Strategies (ED) and Strategic Defense
Actions (EDA), leaving it clear that we need to reflect on this topic so that hostile actions
involving CBRN and terrorism elements can be mitigated with the appropriate
response and the height of the great Brazilian nation.
Keywords: QBRN defense. National Defense Policy. National Defense Strategy.

1 INTRODUÇÃO

Os conflitos armados passaram por profundas mudanças no século XXI, sendo


perceptível a evolução dos embates assimétricos e irregulares, alguns chamando a
atenção mundial como os atentados terroristas ocorridos em território americano no
dia 11 de setembro de 2001 e outros tão discretos que não são percebidos pela
maioria da população. Principalmente, se dispensarem as armas convencionais e
explorarem veladamente materiais com capacidade de afetar negativamente a
segurança do Estado, como no caso do uso de materiais de natureza química,
biológica, radiológica e nuclear (QBRN), sendo que alguns desses itens possuem
emprego dual e são encontrados na sociedade com certa facilidade, potencializando
sua destinação inadequada, seja em ações de natureza criminosa ou simplesmente
negligentes, como foi o caso do acidente com Césio-137, em Goiânia/GO, no ano de
1987, considerado “[...]o maior desastre radioativo em ambiente urbano” do mundo.
(SCHUMANN; BERWIG, 2019, p.81)

Passados mais de trinta anos do evento de Goiânia e vinte anos do ataque


terrorista do 11 de setembro, percebe-se que houve pouca mudança na mentalidade
brasileira nos aspectos de segurança e defesa do país, muito se deve ao fato de “[...]
não termos mais em nosso país o entendimento e a percepção do que seja a
Segurança Nacional”.(DINIZ, 2020, p.1) Podemos atribuir esse fenômeno ao baixo
envolvimento da sociedade brasileira com assuntos de defesa(BRASIL, 2016b),
delegados quase que automaticamente para o meio militar. Também contribui para
essa falta de interesse pelo tema a confusão de definições entre o que seria segurança
e defesa, que, para este trabalho, serão consideradas as da Política Nacional de
Defesa (PND) do ano de 2020, a saber:

DEFESA NACIONAL - É o conjunto de atitudes, medidas e ações do Estado,


com ênfase na expressão militar, para a defesa do Território Nacional, da
soberania e dos interesses nacionais contra ameaças preponderantemente
externas, potenciais ou manifestas. [...] SEGURANÇA NACIONAL - É a
condição que permite a preservação da soberania e da integridade territorial,
a realização dos interesses nacionais, a despeito de pressões e ameaças de
qualquer natureza, e a garantia aos cidadãos do exercício dos direitos e
deveres constitucionais.(BRASIL, 2020b, p.13)

Para mitigar os efeitos deletérios produzidos por acidentes/incidentes


envolvendo agentes QBRN, que, segundo Croddy e Wirtz(2005) apud Fortes,(2012,
p.17)

[...]podem ocorrer como resultado de eventos adversos, provocados ou não,


causando grande impacto material, ambiental e a saúde pública, resultando
em perdas econômicas à nação.

faz-se necessário o emprego da Defesa Química Biológica Radiológica e


Nuclear(DQBRN), cujas atividades se pautam na tríade do sensoriamento(detecção
de agentes), da segurança(proteção) e da descontaminação(BRASIL, 2017).

Essas atividades são essenciais para a segurança e defesa nacional e


justificam a preocupação em analisar o tema Defesa QBRN, no contexto da Estratégia
Nacional de Defesa(END), pois o Brasil se destaca internacionalmente pela
capacidade do seu agronegócio, o qual superou todas as expectativas mesmo durante
a pandemia provocada pelo vírus SARS-CoV-2 causador da doença COVID-19,
batendo recorde na produção de grãos(INVESTSP, 2020). Esse desempenho
comercial chama a atenção no aspecto econômico e potencializam a intenção de
grupos com interesses a prejudicar a soberania do Estado, não se descartando para
isso o uso de elementos QBRN.

Outro aspecto importante e muito atual que traz uma justificativa plausível
para a abordagem detalhada da Defesa QBRN na END se repousa na própria
pandemia que estamos enfrentando, pois, a doença é provocada por um vírus que
está associado a um possível ataque biológico, provocado ou não pelo homem, mas
que desencadeou uma verdadeira “guerra mundial” para o seu o enfrentamento,
sendo mais um reforço quanto a relevância do tema. Portanto, este trabalho tem como
objetivo geral verificar se existem lacunas sobre a abordagem dos temas da Defesa
Química, Biológica, Radiológica e Nuclear e terrorismo ao analisar a evolução da
Estratégia Nacional de Defesa(END) brasileira, a partir de sua edição em 2008. Para
alcançar esse objetivo faz-se mister análise dos Objetivos Nacionais de Defesa(OND)
para identificar aqueles que se relacionam com as temáticas terrorismo e Defesa
QBRN, sendo, motivador para uma ou mais Estratégias de Defesa, tornando-se
também um objetivo específico para nova análise. Seguindo no menor detalhamento
previsto dentro da END, a verificação de possíveis Ações Estratégicas de
Defesa(AED) que possam aludir aos temas em questão e, por fim, como o LBDN
evoluiu o seu enfoque na temática de Defesa QBRN e terrorismo.

Pela pesquisa bibliográfica e documental, foi possível identificar documentos


estratégicos que tratam a Defesa Nacional: o Livro Branco de Defesa Nacional(LBDN),
a Política Nacional de Defesa(PND), a END. Também foram relacionados seus
documentos motivadores além de trabalhos que abordassem a temática da Defesa
QBRN e terrorismo, sob o enfoque da Segurança e Defesa. Assuntos que carecem
de melhor exploração acadêmica, principalmente fora do meio militar. O que explica a
frequente confusão conceitual.

Seguindo uma estrutura semelhante a encontrada na PND/END de 2020,


dividiremos a seção deste trabalho que trata da evolução da Política de Defesa
Brasileira em seis capítulos em ordem crescente de detalhamento. No primeiro
capítulo contextualizaremos a origem da PND e o seu marco na definição dos
Objetivos Nacionais de Defesa e como orientador dos Estados do que fazer de forma
harmônica, utilizando as expressões do Poder Nacional. No capítulo seguinte
analisaremos a evolução da END, ponto vital desse trabalho, pois nela repousa a
necessidade de definir como fazer o estabelecido na PND como Objetivos Nacionais
de Defesa, este que será o objeto de análise no terceiro capítulo, ocasião que
verificaremos sob quantas condições a serem alcançadas e mantidas a DQBRN e o
combate ao terrorismo estarão presentes. No quarto capítulo trataremos das
Estratégias de Defesa que devem se alinhar de forma inequívoca aos Objetivos
Nacionais de Defesa, permitindo o estabelecimento das Ações Estratégicas de Defesa
e no quinto capítulo veremos como o LBDN evolui a sua abordagem sobre os temas
objeto deste trabalho.

No final da estrutura apresentada, poderemos identificar como foi a evolução


da abordagem das temáticas terrorismo e Defesa QBRN e analisá-la de forma a
concluir se existem lacunas a serem preenchidas na própria END quando
vislumbramos ações envolvendo elementos de natureza QBRN e terrorista capazes
de provocar danos materiais, políticos, econômicos, psicossociais e com impactos
prolongados.

2 DESENVOLVIMENTO

Para entendermos o surgimento da PND faz-se necessária uma análise do


contexto nacional no qual foi redigida a sua primeira versão, em 1996, e chamada de
Política de Defesa Nacional(PDN), principalmente, sob os aspectos políticos, jurídicos
e econômicos que a envolveram e influenciaram a sua elaboração e revisões.
À época, o mundo estava passando por grandes mudanças geopolíticas com
o fim da guerra fria e avanço da globalização. O Brasil, com suas riquezas naturais,
experimentava avanços econômicos significativos, projetando-se como potência na
américa do sul, inevitavelmente, despertando algum tensionamento político nos
países do entorno geográfico. Nada mais natural que o Brasil buscasse seguir
tendências mundiais de interações entre militares e civis nos temas segurança e
defesa. Nesse diapasão, fez-se mister o estabelecimento de uma política que
integrasse interesses civis e militares no campo da segurança e defesa.
Como o objetivo da política de defesa, segundo Almeida(2010, p.222), é o de
tratar de “ problemas específicos, insuscetíveis de transferência à iniciativa privada ou
a qualquer outro campo da gestão governamental, e procurar implementar soluções
para esses problemas”, surgiu a necessidade de criar um vínculo da defesa nacional
com a política pública, uma vez que somente seria possível a sua plena realização
com a intervenção estatal, haja vista a interferência de fatores limitantes como os
políticos, jurídicos e econômicos.
Sob o aspecto político, faz-se necessário entender que a defesa nacional
deve estar acima da política de um governo específico sendo considerada,
essencialmente, uma política de Estado. Não podemos esquecer também que o poder
político permeia e impacta diretamente todas as demais expressões nacionais, sendo
esse o motivo principal para a abordagem do tema Defesa Nacional sob o enfoque
político na PND.
Do ponto de vista jurídico, surge a necessidade da política pública tomar,
como base, premissas legais para que atos e fatos decorrentes das ações sejam
validados pela sociedade, não sendo diferente o entendimento para ações envolvendo
a Defesa Nacional, pois somente cumprindo as legislações vigentes garantir-se-á que
o uso da força estatal não irá ferir direitos e garantias individuais ou coletivas sob o
argumento de defesa da sociedade

Um outro aspecto impactante e que inviabilizaria qualquer ação no sentido


de Defesa Nacional seria ignorar que os efeitos econômicos para a sua consecução
residem no fato de que o fornecimento do "bem" defesa foge a lógica comercial de
lucro, cabendo “[...]ao Estado, diante da natureza imprescindível da defesa e da sua
baixa aderência ao modelo de mercado, encarregar-se de sua entrega à
coletividade”.(ALMEIDA, 2010, p.224-225)

Nem sempre será economicamente viável o desenvolvimento e a produção


de itens de Defesa, fazendo-se necessária a interferência estatal para garantir o bem
público “defesa nacional”. Essa interferência precisa estar legitimada, ressaltando a
importância do aspecto jurídico, e incentivada por uma política de Estado. Isso
corrobora com a tese de que a PND surgiu com a finalidade de ser a interseção onde
se encontram a política, a lei e a economia.

A Política de Defesa Nacional foi reeditada em 2005 e em 2008 mudou para


a atual denominação, Política Nacional de Defesa, uma mudança aparentemente
simples de nomenclatura, mas que se reveste de um significado bem especial, pois
“[...] elevou o documento ao nível Estado-Sociedade, efetivamente abarcando as
diferentes instâncias da nação na problemática da defesa”.(MAIA NETO, 2020, p.22)

Com a finalidade de buscar o diálogo regular do tema defesa nacional entre


a sociedade e o governo, foi aprovada em 2010 a Lei Complementar(LC) n 0 136, de
25 de agosto, que determinou ao Poder Executivo o encaminhamento, de 4 em 4
anos, das atualizações da PND, END e do Livro Branco de Defesa Nacional(LBDN)
para apreciação do Congresso Nacional, à partir de 2012, o que foi feito com as
versões dos anos 2012, 2016 e 2020.

2.1 Defesa no mais alto nível


A PND é o documento que norteia o planejamento das ações do mais
elevado nível objetivando a defesa da pátria. Também procura aproveitar as
potencialidades nas interações e cooperações entre as expressões do poder nacional
para alcançar os objetivos do Estado, independentemente do tipo de ameaça que
possa ir de encontro aos interesses do país. Dentre as ameaças podemos citar as de
origem QBRN, cuja abordagem não foi possível ser identificada na versão publicada
em 1996, sob a nomenclatura de Política de Defesa Nacional, sendo observada, de
forma tímida, na PDN de 2005, em seu item 4.7, no qual cita a “[...] proscrição das
armas químicas, biológicas e nucleares [...]”(BRASIL, 2005, p.5), ignorando a ameaça
radiológica, mesmo após o acidente envolvendo o Césio-137. Em contrapartida,
aborda o assunto terrorismo em cinco momentos, destacando a necessidade de o
País possuir “[...] estrutura ágil, capaz de prevenir ações terroristas e de conduzir
operações de contraterrorismo.”(BRASIL, 2005, p.7).
Ao compararmos as duas PDN percebemos que a estrutura dos capítulos da
primeira versão foi migrada para a versão do documento de 2005 e acrescidos três
novos capítulos que tratam do Estado, a Segurança e Defesa, O Ambiente Regional
e o Entorno Estratégico e O Brasil, esses novos capítulos impactaram na mudança
dos Objetivos de Defesa Nacional entre as versões.

Na PND de 2012 percebe-se a manutenção, na íntegra, do texto do


documento predecessor, contudo, ao analisarmos a PND de 2016 percebemos a
supressão de textos apresentados nas versões anteriores e a inclusão no capítulo
dedicado à Concepção Política de Defesa, em seu item VII, subtópico 3.2, no qual é
apresentada a forma como o Brasil concebe a sua Defesa Nacional, de uma referência
sobre ações para a Defesa QBRN.(BRASIL, 2016b, p.11)

VII. apoiar as iniciativas para a eliminação total de armas químicas,


biológicas, radiológicas e nucleares, nos termos do Tratado sobre a Não-
Proliferação de Armas Nucleares, ressalvando o direito ao uso da tecnologia
para fins pacíficos.

Quanto ao enfoque do terrorismo se manteve nos moldes das versões


anteriores. Já na PND de 2020 percebe-se um cuidado maior ao tema de DQBRN,
que pela primeira vez aparece de forma clara, objetiva e direta na PND:
[...] o surgimento de grupos insurgentes e de organizações terroristas ou
criminosas que tendem a incrementar a guerra irregular e a possibilidade do
uso de artefatos nucleares, biológicos, químicos, radiológicos ou
explosivos.(BRASIL, 2020b, p.16, grifo nosso)

2.2 Evolução da END

A primeira END surgiu no ano de 2008 tendo como principais justificativas


para a sua elaboração e aprovação os seguintes aspectos: a) o tema ser de interesse
de todos os setores da sociedade brasileira; b) a posição de destaque do Brasil no
cenário internacional exigir uma nova postura no campo da Defesa o qual deverá
demandar o envolvimento do povo; e c) necessidade de um plano focado em médio e
longo prazo com a necessidade de atuar em três eixos estruturantes, a saber:
reorganização das FFAA, reestruturação da indústria brasileira de material de defesa
e composição dos efetivos das FFAA.(BRASIL, 2008)
A END descreve como o Estado deve agir para atingir os seus Objetivos
Nacionais de Defesa. Sendo possível perceber, logo na sua origem, a intenção de
incrementar o nível de Segurança Nacional e, na temática de Defesa QBRN, a
tentativa de direcionamento para ações que contemplassem a prevenção de atos que
envolvessem esses agentes, atos terroristas e, uma preocupação que atualmente
teria destaque para a sociedade, pandemias.(BRASIL, 2008, p.65-66)
Podemos ratificar a relevância da adequada elaboração da END para a
Defesa Nacional e, consequentemente, Segurança Nacional, ao acompanharmos a
evolução apresentada na versão de 2012, onde fica claro que ela “é o vínculo entre o
conceito e a política de independência nacional, de um lado, e as Forças Armadas
para resguardar essa independência, de outro.”(BRASIL, 2012b, p.42)
Um aspecto que merece destaque na END de 2012 é o reconhecimento da
vulnerabilidade das Forças Armadas brasileiras em ações “[...]contra os efeitos
causados por agentes contaminantes químicos, biológicos, radiológicos e nucleares.”
(BRASIL, 2012b, p.113) Alertando ainda para a necessidade de que todas as
instâncias do Estado devem colaborar para o incremento do nível de Segurança
Nacional, dando ênfase, dentre outras ações, sobre:

As medidas de defesa química, biológica, nuclear e radiológica dos


ministérios da Defesa, da Saúde, da Integração Nacional, de Minas e Energia
e da Ciência, Tecnologia e Inovação, e do Gabinete de Segurança
Institucional da Presidência da República, para as ações de proteção à
população e às instalações em território nacional, decorrentes de possíveis
efeitos do emprego de armas dessa natureza.(BRASIL, 2012b, p.133)

Quanto a temática do terrorismo manteve os apontamentos do documento


anterior.
Sobre essa preocupação mais acentuada com a ameaça QBRN, é possível
afirmar que o contexto nacional em que foi elaborada a PND de 2012 teve grande
influência, pois o Brasil acabara de sediar os V Jogos Mundiais Militares do CISM,
com atletas militares de 110 países(GUIRRA, 2014), alguns envolvidos em recentes
confrontos bélicos entre si, e estava se preparando para receber eventos de
repercussão internacional, como a Copa das Confederações e a Jornada Mundial da
Juventude em 2013, no ano seguinte sediaria a Copa do Mundo e, em 2016, as
Olimpíadas. Todos com elevado potencial de ações terroristas e propícios à utilização
de agentes QBRN, justificando o destaque na END de 2012.
Na revisão de 2016 houve uma redução na abordagem da Defesa QBRN se
comparada com a END anterior. Também percebe-se uma estrutura mais simples na
sua elaboração, relacionado diretamente os Objetivos Nacionais de Defesa com as
Estratégias de Defesa e as Ações Estratégicas de Defesa(MAIA NETO, 2020.
Também foi reduzida a abordagem do tema terrorismo, limitando-se a uma simples
menção de repúdio dentro do tópico 3.2 que trata das Ações de Diplomacia.
Essa abordagem reduzida envolvendo a temática da DQBRN mostra-se
preocupante ao ignorar eventos envolvendo agentes biológicos, como os da epidemia
causada pelo vírus Ébola, em 2014, que foi declarada pela Organização Mundial de
Saúde(OMS) uma emergência de saúde internacional.(VENTURA, 2016) Na época,
os casos suspeitos identificados no país foram transportados pela FAB para os
centros de referências nacionais, contudo, a experiência demonstrou que a
vulnerabilidade apontada na END de 2012 das FFAA em lidar com agentes
contaminantes de natureza QBRN continuava existindo.
Na versão da END de 2020 percebe-se uma retomada para a questão da
DQBRN, mais especificamente no setor nuclear, considerado um dos setores
tecnológicos essenciais para a Defesa Nacional, juntamente com o cibernético e o
espacial, em que descreve a necessidade desse setor de “incrementar a capacidade
de prover as defesas química e radiológica derivadas da atividade nuclear.”(BRASIL,
2020b, p.59) Já para a questão do terrorismo, manteve-se a menção de repúdio da
edição anterior.
2.3 Objetivos Nacionais de Defesa

Os primeiros OND surgiram em 1996 e foram elencados como Objetivos da


Defesa Nacional, focando em garantias como soberania nacional, Estado de Direito,
manutenção da coesão e da unidade da Nação, salvaguarda de pessoas, bens e
recursos sob jurisdição brasileira, manutenção dos interesses nacionais no exterior,
projeção internacional do país e maior participação no processo decisório
internacional e na ajuda a manutenção da paz e segurança mundial.(BRASIL, 1996)
Os Objetivos de Defesa Nacional apresentados na versão de 2005 da PDN
sofreram modificações reduzindo em quantidade de 7 objetivos para 6 ao retirar do
texto apresentado na versão de 1999 o item que tratava da garantia do Estado de
Direito e das instituições democráticas. Uniu também dois objetivos da versão anterior
que tratavam da salvaguarda de pessoas, bens e recursos e dos interesses brasileiros
no exterior para incluir o objetivo da promoção da estabilidade regional. Tal objetivo
foi contemplado por conta da própria mudança na estrutura da PDN de 2005,
comentada no tópico 2.1 desse artigo que agregou mais elementos aos já
consolidados na PDN de 1996.
A mudança do acrônimo PDN para o PND no documento de 2012 impactou
mais do que na semântica das palavras e influenciou diretamente no “o que fazer”,
nos objetivos de defesa sob um enfoque pragmático, tornando-os mais exequíveis
com o apoio do Estado, sendo possível verificar isso ao analisarmos os cinco novos
OND elencados nessa edição, que continua em vigor, a saber:

[...]VII. manter Forças Armadas modernas, integradas, adestradas e


balanceadas, e com crescente profissionalização, operando de forma
conjunta e adequadamente desdobradas no território nacional;
VIII. conscientizar a sociedade brasileira da importância dos assuntos de
defesa do País;
IX. desenvolver a indústria nacional de defesa, orientada para a obtenção da
autonomia em tecnologias indispensáveis;
X. estruturar as Forças Armadas em torno de capacidades, dotando-as de
pessoal e material compatíveis com os planejamentos estratégicos e
operacionais; e
XI. desenvolver o potencial de logística de defesa e de mobilização nacional.
(BRASIL, 2012b, p.30)

Podemos perceber uma preocupação do incremento da capacidade de


Defesa Nacional por intermédio de investimentos em quem deverá agir como escudo
(FFAA) frente às ameaças, com preocupações no sentido de aceitar a existência de
ameaças externas por ocasião dos grandes eventos que o país iria sediar em tão curto
espaço de tempo. Ameaças estas que incluíam ações de ataque terrorista e eventos
adversos com agentes QBRN que, felizmente, não se concretizaram.
Em 2016 os OND sofreram ajustes na sua quantidade, reduzindo de 11 para
8 objetivos, uma vez que o objetivo da contribuição para a estabilidade nacional foi
complementado pelo da paz e segurança nacional formando um único objetivo e
também três dos OND do documento de 2012, que versavam sobre as capacidades
das FFAA, foram concentrados em um único objetivo que passou a tratar de
“assegurar a capacidade de Defesa, para o cumprimento das missões constitucionais
das Forças Armadas”(BRASIL, 2016b, p.12) e é nesse objetivo que as temáticas de
DQBRN e terrorista estão inseridas ao analisarmos as Estratégias que lhe foram
vinculadas e os seus respectivos desdobramentos nas Ações Estratégicas de Defesa.
Os OND previstos no documento de 2020 foram os mesmos apresentados
na versão de 2016, o que pode ser interpretado como um avanço do aspecto político
do documento, pois essa regularidade dos OND denota que a política de defesa pode
ser entendida como uma política de Estado e não de governo.

2.4 Estratégias de Defesa e Ações Estratégicas de Defesa

Ao analisarmos as PDN de 1996 e 2005 é possível notar que no tópico


DIRETRIZES ambas apresentam o que seria o “embrião” das Estratégias de Defesa
e das Ações Estratégicas de Defesa, contudo, não se apresenta uma ordem
hierárquica que distingue a estratégia da ação em si, o que traz uma certa dificuldade
na implementação das ações uma vez que para se atender a uma determinada
estratégia poder-se-ia lançar mão de mais de uma ação. Na PDN de 1996 é possível
identificar 20 diretrizes, muitas focando nas relações diplomáticas, e a que mais se
aproxima das temáticas em estudo é a diretriz contida na letra “m”, descrita como:

[...]aprimorar a organização, o aparelhamento, o adestramento e a articulação


das Forças Armadas, assegurando-lhes as condições, os meios orgânicos e
os recursos humanos capacitados para o cumprimento da sua destinação
constitucional;(BRASIL, 1996, p.10)
Já a PDN de 2005 apresenta 26 diretrizes e muda um pouco o foco da
abordagem da PDN anterior, relações diplomáticas, para o fortalecimento dos meios
militares para o cumprimento das ações de defesa e segurança nacional. Outro ponto
que se destaca em relação a PDN anterior é a presença de uma diretriz que trata do
tema terrorismo e que alerta sobre a necessidade do país “[...]dispor de estrutura
capaz de contribuir para a prevenção de atos terroristas e de conduzir operações de
contraterrorismo”.(BRASIL,2005, p.8).
Na END de 2008 as Ações Estratégicas orientadoras para a sua
implementação são divididas em 16 eixos, a saber: Ciência e Tecnologia, Recursos
Humanos, Ensino, Mobilização, Logística, Indústria de Material de Defesa, Comando
e Controle, Adestramento, Inteligência de Defesa, Doutrina, Operações de Paz,
Infraestrutura, Garantia da Lei e da Ordem, Estabilidade Regional, Inserção
Internacional e Segurança Nacional. Este último eixo concita a participação de toda a
estrutura Estatal na contribuição para a elevação do nível de Segurança Nacional e
aborda os temas DQBRN e terrorismo ao dar especial ênfase para ações de
“prevenção de atos terroristas e de atentados massivos aos Direitos Humanos, bem
como a condução de operações contra-terrorismo” (BRASIL, 2008, p.65) e:

Medidas de defesa química, bacteriológica e nuclear [...] para as ações de


proteção à população e às instalações em território nacional, decorrentes de
possíveis efeitos do emprego de armas dessa natureza;(BRASIL, 2008, p.65)

Contudo, uma ação escrita com poucas linhas nesse eixo das Ações
Estratégicas da END de 2008 chama a atenção e soa como um presságio para os
tempos atuais, pois trata das “medidas de defesa contra pandemias”.(BRASIL, 2008,
p.66) Tal apontamento foi posto à prova no ano seguinte quando o mundo enfrentou
a primeira pandemia de gripe do século XXI, provocada pelo vírus Influenza A(H1N1)
que causa uma doença conhecida como a gripe suína.(QUALITTAS, 2020)
A mesma quantidade de Ações Estratégicas da END de 2008 foi mantida na
sua nova edição em 2012. Houve mudanças de algumas nomenclaturas e a principal
alteração identificada foi a retirada da ação que tratava da Garantia da Lei e da
Ordem(GLO) e a inclusão da Comunicação Social, esta com a missão de buscar a
aderência da opinião pública aos assuntos de defesa do País.
Não houve mudanças nos textos sobre as temáticas de DQBRN e terrorismo,
contudo, o item que tratava da pandemia sofreu uma alteração e passou a tratar de
“[...]medidas de emergência em saúde pública de importância nacional e
internacional.”(BRASIL, 2012b, p.134)
A elaboração do texto da END de 2016 apresenta uma estrutura mais
simples, a exemplo da própria PND, com uma visualização linear dos OND, suas
respectivas ED e, para cada ED, as suas AED correspondentes. No total, essa edição
da END apresenta 81 AED.
Essa forma de apresentar as ED e AED facilita a leitura e o entendimento do
texto uma vez que fica claro, em seu preâmbulo, que “uma ED pode contribuir para
mais de um Objetivo Nacional de Defesa, o mesmo ocorrendo com as Ações
Estratégicas de Defesa em relação às Estratégias.”(BRASIL, 2016b, p.33) A
simplicidade e clareza sobre o “como”, “onde” e o “que fazer” permite avanços, mesmo
tímidos em ações de natureza prática.
Rodrigues(2020), em seu artigo intitulado “Si vis pacem para bellun”, faz
uma comparação entre as PND do Brasil, Estados Unidos, Russia e China, todos com
representatividade no cenário geopolítico, e chama a atenção para o fato de que um
item abordado na AED de 2016 permitiu o destaque positivo do Estado brasileiro no
enfrentamento da pandemia que, atualmente, assola o mundo e está diretamente
relacionado ao vírus SARS-CoV-2, causador da doença COVID-19, agente biológico
cuja origem ainda é desconhecida mas tratado mundialmente como uma guerra.
Essa previsão na AED influenciou a resposta brasileira da mesma forma que
no governo Russo, cuja PND, escrita em 2015, fazia menção a pandemia,

A Estratégia de Segurança Nacional da Rússia se distingue das anteriores.


Publicada em 2015, essa estratégia possui um total de 116 ações
estratégicas, as quais norteiam o esforço estratégico russo. Desse total, cinco
são destinadas à saúde pública, sendo que uma está voltada exclusivamente
às pandemias. Trata-se da ação estratégica nº 72, que define pandemia como
uma ameaça à segurança nacional, pois coloca em risco a proteção de saúde
dos cidadãos russos.(RODRIGUES, 2020, p.1)

No caso brasileiro, a ação em questão é a AED-19 que traz orientações


sobre o incremento das capacidades das FFAA na autodefesa e na parceria com
órgãos de Proteção e Defesa Civil para atuarem em eventos adversos envolvendo
agentes QBRN. Essa ação está contida na ED-3 (Dimensionamento do Setor de
Defesa) que por sua vez é parte integrante do OND-2 (Assegurar a capacidade de
defesa) para o cumprimento das missões constitucionais das FFAA.(BRASIL, 2016b)
Ações em relação à temática terrorismo não foram contempladas na END de 2016.
Na END de 2020 não se observou mudança no que se refere aos temas
DQBRN e terrorismo, mantendo, basicamente, o mesmo texto para a o enfrentamento
das ameaças envolvendo agentes QBRN e não fazendo menção às ações tipicamente
terroristas. O que pôde ser percebido foi um aumento na quantidade de AED, que
passou de 81 para 85, sem apresentar nova abordagem com impacto no objeto de
pesquisa deste trabalho.

2.5 O Livro Branco de Defesa Nacional

Com a expectativa de ampliar a discussão da temática defesa em todas as


esferas da sociedade foi publicado o LBDN, também com o viés político de tornar-se
um compromisso permanente com a transparência e a democracia, pois qualquer
cidadão, brasileiro ou não, poderia ter acesso às informações sobre o porquê, onde e
como o dinheiro pago sob a forma de impostos estava sendo empregado no campo
da Defesa Nacional.
A publicação de 2012 abordava o cenário estratégico para o século XXI, a
PND, a END, a modernização das FFAA, a racionalização e adaptação das estruturas
de defesa, o suporte econômico da Defesa Nacional, as três FFAA brasileiras e as
operações de paz e ajuda humanitária, totalizando 8 tópicos e buscando detalhar
dados estratégicos, institucionais, materiais e orçamentários das Forças Armadas.
Quanto ao enfoque dado no LBDN às questões de DQBRN e ao terrorismo,
percebe-se uma abordagem bem limitada, contrastando com o cenário nacional à
época da sua elaboração em que se vislumbrava uma grande exposição brasileira às
ameaças por ocasião dos grandes eventos internacionais que sediaria. Apenas duas
referências as temáticas deste trabalho se destacam no LBDN de 2012, sendo a
primeira uma apresentação do plano de segurança da Conferência das Nações
Unidas Sobre o Desenvolvimento Sustentável – RIO+20.
Vislumbrava-se uma possível ação hostil contemplando elementos QBRN e
de terrorismo, contudo o livro avança pouco no que se está se desenvolvendo,
nacionalmente, para elevar a capacidade de contrapor essas ameaças. Como é o
caso da segunda referência encontrada no LBDN de 2012, identificada ao verificar a
funcionalidade do Sistema Integrado de Proteção de estruturas Estratégicas
Terrestres(PROTEGER), do Exército Brasileiro(EB), um sistema desenvolvido para
defender estruturas em terra “responsáveis por 56% da matriz energética e 96% do
PIB do País”(BRASIL, 2012a, p.199), contra riscos naturais ou provocados pelo
homem, citando, como exemplo, sabotagens, ataques terroristas ou até mesmo o
crime organizado.
Na versão do ano 2016 é possível perceber um enfoque mais sucinto dos
dados estratégicos, institucionais, materiais e orçamentários das FFAA o que levou a
uma considerável redução na quantidade de páginas do livro, de 276 para 186.
Contudo, foi possível notar avanço nas temáticas do nosso estudo ao denotar uma
preocupação especial ao Setor Nuclear, mais especificamente, ao programa nuclear
da Marina do Brasil (MB) que deveria contemplar “a ampliação da capacidade de
defesa nuclear, biológica, química e radiológica em âmbito nacional.”(BRASIL, 2016a,
p.57) Para tal a MB desenvolveu projetos de interesse como o Sistema de Defesa
Nuclear, Biológica, Química e Radiológica da Marinha do Brasil, buscando atingir o
estado da arte no que se refere a Defesa NBQR, sigla utilizada pela MB para assuntos
da mesma temática do nosso trabalho, DQBRN.
Essa mudança de acrônimo chamou a atenção do Legislativo, no processo
de apreciação dos documentos de defesa de 2016, sendo objeto de nota da Comissão
Mista de Controle das Atividades de Inteligência do Congresso Nacional no sentido
de padronizar os termos relacionados ao Sistema de Defesa Química, Biológica,
Radiológica e Nuclear, “[...]em razão da Organização para a Proibição de armas
Químicas(OPAC) e quase a totalidade dos países usarem a sigla DQBRN.”(MAIA
NETO, 2020, p.27) Já o EB está desenvolvendo o “Sistema de Defesa Química,
Radiológica e Nuclear(SDQBNex), ampliando a formação e a especialização de
pessoal e a obtenção de PRODE específicos de DQBRN, em proveito das operações
terrestres”(BRASIL, 2020a, p.93) faltando a FAB desenvolver sistema que atenda
seus interesses na temática DQBRN.
Na versão de 2016 é possível, ainda, identificar algumas citações contendo
referência ao terrorismo e a pandemia, principalmente quando explora o ambiente
estratégico do século XXI, contudo, não avança a discussão para uma análise, mesmo
que superficial, sobre esses assuntos.
Em sua última edição, 2020, o LBDN mantém a abordagem da versão
anterior para a temática da DQBRN, porém, eleva o discurso sobre o terrorismo no
tópico que trata dos Aspectos Conjunturais e Estruturais que poderão afetar a Defesa
Nacional, afirmando que “o terrorismo internacional continua ativo em escala mundial
e deve permanecer assim nos próximos anos [...]”(BRASIL, 2020a, p.16), registrando,
ainda, uma preocupação latente de haver a migração de redes terroristas para regiões
ainda livre de sua presença.
Essa preocupação denota conexão do LBDN com o atual cenário geopolítico
mundial e suscita uma possibilidade real e bem próxima do Brasil, haja vista o
tensionamento político e econômico nas relações do Estado brasileiro com os países
do nosso entorno geográfico. Relações que sofreram mudanças significativas por
ocasião da alteração ideológica de governo, afetando diretamente as relações entre
as Nações, principalmente, as econômicas que movem, de forma velada, algumas
ações terroristas.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Aspectos políticos, econômicos e jurídicos motivaram o Estado brasileiro a


acompanharem a tendência mundial de ampliar a discussão dos temas Segurança e
Defesa Nacional, antes restrito ao meio militar. Uma política de integração dos
interesses civis e militares se fazia necessária como resposta às mudanças
geopolíticas após o fim da guerra fria e ao novo cenário de incertezas quanto à
segurança das Nações. Nesse contexto, surgiu em 1996 o marco legal dos
documentos de Defesa Nacional, a Política de Defesa Nacional, que buscava
promover o desenvolvimento do pensamento estratégico brasileiro na defesa do País.

Sua evolução sobre temas sensíveis como o terrorismo e ameaças de origem


química, biológica, radiológica e nuclear foi percebida de forma modesta no
documento de 2005, ocasião que explorou mais a temática do terrorismo. Poucos
anos depois, em 2008, houve a elevação do documento ao nível estado-sociedade,
ampliando a participação das diferentes instâncias da Nação na problemática da
Defesa. Nesse mesmo documento foi possível perceber a primeira referência a uma
ameaça biológica bem específica, a ação de vírus, ao tratar do assunto pandemia.
Essa preocupação se justificou ao constatar a primeira pandemia no país, conhecida
como “a gripe suína”.

A PND/END de 2012 aumentou o enfoque sobre os temas terrorismo e


ameaças QBRN, com destaque para o reconhecimento da vulnerabilidade das FFAA
para ações de DQBRN, fato percebido em 2014 com a suspeita do primeiro caso de
Ebola no país, poucos meses após o Brasil sediar o maior evento futebolístico do
mundo, a Copa do Mundo. Esse não foi o único evento de grande repercussão
internacional ocorrido no país, em um curto espaço de tempo sediamos a Jornada
Mundial da Juventude em 2103, a própria Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas
em 2016, justificando o incremento da PND/END de 2012 na abordagem dos temas
objeto deste trabalho.

Na PND/END de 2016 foi possível perceber uma redução na abordagem dos


temas terrorismo e DQBRN. Contudo, a estrutura mais simples permitiu a identificação
do único Objetivo Nacional de Defesa relacionado à DQBRN, o OND-2: assegurar a
capacidade de defesa, para o cumprimento das missões constitucionais das FFAA, e
a sua respectiva Estratégia de Defesa, a ED-3 Dimensionamento do Setor de Defesa,
dessa forma ficou fácil localizar a Ação Estratégica de Defesa que permitiria atingir o
OND sob o enfoque da DQBRN, a AED-19. À essa ação, mesmo limitada, Rodrigues
(2020) atribuiu o destaque nacional no enfrentamento da doença COVID-19.

Encerrando o ciclo das PND/END analisadas, a versão de 2020 trouxe como


única mudança significativa em seu texto, ao se comparar com a versão anterior, o
retorno da abordagem ao assunto pandemia alertando para as suas possíveis
consequências ambientais, sociais, econômicas e políticas e o incremento de mais 5
END, que não impactaram na temática desse estudo, perfazendo um total de 86 AED.

No que se refere ao LBDN, o documento elaborado pelo Estado como um


compromisso de transparência com a sociedade e de fortalecimento da democracia,
percebe-se a evolução de um enfoque mais diplomático e incipiente no trato das
temáticas envolvendo o terrorismo e as ameaças QBRN no documento de 2012 para
uma abordagem mais pragmática do contexto das ameaças internacionais, na edição
de 2020, com destaque para o alerta de que o combate ao terror pode levar a ameaça
terrorista para países que ainda não estão presentes. Esse aspecto da conjuntura
internacional afeta a nossa Defesa Nacional e suscita a reflexão de como estamos
nos preparando para eventuais ameaças. Será que estamos preparados?

A pouca abordagem sobre o tema terrorismo nos documentos de defesa


analisados, não permitem uma resposta simples para esse questionamento, pois
demonstram a existência de lacunas sobre o tema a serem preenchidas. Podendo
citar, por exemplo, a falta de Ações Estratégicas de Defesa (AED) para tratar
especificamente do assunto.
Para a temática da DQBRN, apesar de possuir uma AED que trata do
incremento da capacidade de autodefesa e mitigação para ações de natureza,
percebe-se a necessidade de padronização sistêmica entre as Forças Armadas para
o trato do assunto DQBRN, pois a Marinha do Brasil e o Exército Brasileiro possuem
sistemas independentes, faltando a Força Aérea desenvolver também o seu próprio
Sistema. Uma possível solução que melhoraria a interoperabilidade entre as forças
para ações dessa natureza seria o Ministério da Defesa desenvolver um sistema
unificado para as três forças.

Uma outra lacuna observada na END é o baixo envolvimento da sociedade


brasileira no trato aos assuntos de DQBRN. O atual cenário de pandemia se mostra
oportuno para o desenvolvimento da mentalidade de segurança e defesa nesse tema,
podendo ser explorado com o recurso da ED-14 (Emprego da Comunicação Social)
ao inserir AED específica para os temas DQBRN e terrorismo.

A leitura dos LBDN e das PND/END permitiram identificar avanços que


puderam agregar benefícios para a sociedade brasileira, principalmente, na temática
de DQBRN, como no recente envolvimento de setores da Defesa Nacional no
enfrentamento da doença COVID-19, destacando positivamente o Brasil. Também é
possível afirmar que a permanência dos mesmos OND em duas edições consecutivas
da PND, após três mudanças do chefe do executivo, pertencente a partidos políticos
com vieses ideológicos distintos, denota a adoção de uma Política de Estado para a
sua elaboração, o que permite uma melhor consolidação da Defesa Nacional,
tornando o nosso Brasil, rico em recursos naturais e pacífico por vocação, mais forte,
pois “nenhum Estado pode ser pacífico sem ser forte.”(BRASIL, 2020, p.12)

REFERÊNCIAS

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