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J. A. P. Aranha
ÍNDICE
294
3. ONDAS DE GRAVIDADE NA SUPERFÍCIE DO MAR
O arrasto viscoso é, em geral, somente uma das parcelas que contribuem para a
força total de arrasto em um corpo se movimentando em um meio fluido; é certamente o
mais estudado, posto que onipresente, mas nem sempre o mais importante. A resistência
ao avanço que aparece pela formação de ondas – quer de compressão no volume fluido,
quer de gravidade na interface ar-água – em alguns casos predomina sobre o arrasto
viscoso e necessita ser considerada no cômputo da resistência total oferecida pelo fluido.
As ondas de compressão, importantes no estudo dos vôos supersônicos, são brevemente
analisadas no Apêndice 2; as de gravidade, relevantes na determinação da resistência ao
avanço de embarcações, é um dos objetos de estudo neste capítulo, mas não o único.
A Teoria Ondulatória é dos tópicos mais importantes da Física-Matemática
bastando citar, como ilustração, os dois pilares fundamentais da Física do século XX: a
Mecânica Quântica, iniciada por Planck em 1900 e que encontra na equação de
Schrödinger das ondas de matéria seu clímax conceitual, e a Teoria da Relatividade de
Einstein (1905), que surge para contornar algumas aberrações teóricas introduzidas no
corpo da Física Clássica pelas ondas eletromagnéticas de Maxwell. O radicalismo de
ambas é em parte atenuado por um olhar clássico quando se observa, por exemplo, a
relação fundamental entre as ondas de matéria de Schrödinger e a teoria da refração de
ondas, utilizada tanto na ótica geométrica como no estudo do comportamento das ondas
de mar em mar raso, ou então quando se introduz a gênese da Relatividade via efeito
Doppler, o mesmo que explica por que a onda observada no navio em movimento tem
freqüência diferente da observada em terra firme. O enfoque clássico atenua o
radicalismo, mas não elude o “mistério” de ambas, centrado tanto na relação quântica
E como na “ação à distância” dos campos gravitacional e elétrico, onde um corpo
age sobre outro corpo sem que meio algum intervenha; não elude o mistério, mas torna-o
mais tátil, menos mágico, mais humano e por isso, para que se aprecie a construção de
um pensamento magistral mas humanamente humano, os fundamentos desses dois pilares
são sucintamente descritos em duas seções deste capítulo.
Além da relevância intrínseca dos tópicos citados, há uma outra motivação, de
ordem metodológica, que merece ser enfatizada: como no capítulo precedente, os
principais resultados serão aqui obtidos através de argumentos de escalas e ordens de
magnitude, relegando-se a um segundo plano o desenvolvimento matemático mais
elaborado. A questão das “escalas” e das “ordens de magnitudes” é orgânica na Física,
mas isso “não se aprende no colégio”, não há um arquétipo teórico que a axiomatize: nos
acercamos dos fenômenos por aproximações, em uma espiral difusa que negaceia por
295
caminhos hesitantes, muitas vezes se distanciando do foco e “atravessando inclusive ao
oposto do que se pretende aproximar” para eventualmente coalescer em uma
“compreensão” que, quando ocorre, ocorre quase sempre em um nível abstrato e se
materializa somente nos resultados por ela predita. Além do fenômeno em si e das leis
básicas da Física, o que nos guia nesse estágio ainda indeciso e confuso são as “escalas” e
as “ordens de magnitude”: apresentá-las aqui, no contexto mais tangível do pensamento
clássico, pode ter a virtude adicional – essa é a esperança – de incomodar o leitor, de
deslocá-lo das certezas operacionais que cercam e cerceiam todo estudante de engenharia,
obrigando-o a tangenciar o universo das dúvidas e hesitações, das incertezas, o palco
legítimo e único de qualquer pensamento criativo. Embora se reconheça a priori que não
se atinge esse “deslocamento” com um passo tímido e delimitado como o aqui proposto,
deve-se conceder ao menos que ele jamais será atingido se um primeiro passo não for
dado: é essa esquiva e frágil motivação que ancora a presente tentativa.
¼ m2 a 2 R
, (3.1)
¼ Ra 2 m
296
onda, T o período e (k) = 2/T a freqüência, a velocidade de fase da onda é definida
pelo quociente c(k) = (k)/k e uma perturbação harmônica de amplitude a pode ser
expressa na forma
No caso particular quando a função (k) for linear em k – isso é, quando (k) =
ck – a velocidade de fase não dependerá de k e é a mesma para todos os comprimentos
de onda. Nos exemplos acima citados – das ondas acústicas e eletromagnéticas – essa
condição, embora não seja a mais usual, é satisfeita em primeira aproximação; no caso
geral, quando c = c(k), a onda é dita dispersiva e a relação = (k) é denominada
“relação de dispersão”. A razão para esse nome pode ser compreendida se
considerarmos um “pacote de ondas”, definido, por exemplo, pela superposição de ondas
harmônicas,
com sendo a fase de cada componente. Como cada componente harmônica tem sua
velocidade própria de propagação c(k), as componentes se dispersam ao longo do tempo
e o pacote tende a se desintegrar. No caso das ondas do mar, por exemplo, as ondas mais
longas (menores k) são mais velozes e se destacam, com o tempo, das mais curtas; é por
isso que um mar gerado por tempestade, que tem uma forma semelhante a (3.2b) na zona
de geração, é percebido como um “mar quase harmônico” em uma região suficientemente
distante da zona de geração: é essa onda quase regular, gerada em pontos remotos do
oceano (“swell”), que percebemos na praia em dias calmos, sem vento.
A relação de dispersão das ondas do mar será estudada no item 3.1.1 e a seguinte
observação merece destaque aqui: a intensidade da perturbação (3.2a) pode ser aferida
pela declividade da onda, definida pela expressão
k 1 : escala de
ka , (3.2c)
x max comprimento
que fornece uma relação entre a amplitude a da onda e seu comprimento de onda.
Observando que /x deve ser da ordem de a/l onde l é o comprimento característico da
297
onda, a relação (3.2c) nos informa que l = k1 = /2: como a perturbação ondulatória é
expressa em termos das funções circulares {cos(); sin()} é mais conveniente que se tome
k1 ao invés de para representar a escala de comprimento no movimento oscilatório.
Analisaremos aqui, como um primeiro exemplo, as ondas acústicas, que
descrevem como pequenas variações na densidade se propagam pelo meio. Dado um gás
em equilíbrio com pressão e densidade (p;), respectivamente, suponhamos uma
perturbação na densidade em uma região delimitada do fluido, como indicado
esquematicamente na Fig.(3.1a). O mecanismo que tende a restaurar a situação de
equilíbrio original pode ser assim explicado: como o gás é compressível, um aumento
na densidade implica em um aumento na pressão dado, em primeira aproximação, por
uma relação linear p = que faz o gás fluir da região perturbada para o restante do
fluido, expulsando massa dessa região e fazendo assim a densidade retornar ao valor
original de equilíbrio.
¼ 2 a 2 ;
2
c . (3.3a)
¼ (ka ) ; k
298
Da mesma forma que a freqüência natural de um oscilador é proporcional à raiz
quadrada da restauração R, a velocidade de fase da onda acústica, /k, é também
proporcional à raiz quadrada do coeficiente de restauração volumétrico = p/:
portanto c , a “velocidade do som no meio”, é a velocidade com que pequenas
variações na densidade são propagadas pelo fluido e a onda acústica é não dispersiva.
Antes de encerrarmos essa análise é útil que se observe uma forma alternativa de
se estimar a energia média de restauração por unidade de volume, posto que ela explicita
a declividade = ka como uma medida adimensional da intensidade da perturbação. O
argumento aqui é o seguinte: assim como a energia de restauração de um oscilador pode
ser escrita na forma ½ F(t)(t), com F(t) = R(t), a energia de restauração por unidade
de volume de um fluido compressível pode também ser expressa na forma ½p(/) =
½(/)2, com = ocos(kx (k)t); a energia média em um ciclo é portanto
igual a = ¼(o/)2. Mas (o/) é uma medida da intensidade da perturbação na
densidade do fluido e como essa intensidade é da ordem de = ka tem-se
o
ka , (3.3b)
299
FIG.(3.1a): Onda na interface ar-água e restauração devida à
gravidade e à tensão superficial . S: elemento de área.
f z 2
2 k 2 ;
x y x xx
½ k (x, t) com k
2 2 2
.
f z
½ ;
x y
300
Para a onda harmônica (x,t) = acos(kx(k)t) a energia de restauração média
em um ciclo por unidade de área da superfície livre é assim dada pela soma
g ¼ ga 2 ; k 2
g ¼ ga 2 1 . (3.4a)
¼ k 2 a 2 ; g
k o2 2
1 o 2 1.7cm . (3.4b)
g ko g
w(x, t) z 0 (x, t) a sin kx (k)t . (3.5)
t
301
De (3.4a) e (3.6a) segue, portanto, em “águas profundas”
g
g : (k) gk; c(k) (dispersão normal );
k
(3.6b)
: (k) k 3/ 2 ; c(k) k (dispersão anômala ),
indicando que no caso das “ondas de gravidade” a velocidade de fase será tanto maior
quanto mais longa a onda for (quanto menor for k), ao passo que nas “ondas capilares” a
velocidade de fase será tanto maior quanto mais curta a onda for (quanto maior for k): o
primeiro caso, mais usual, é denominado “dispersão normal” na literatura e o segundo
“dispersão anômala”.
Em águas rasas (kh << 1) a escala de comprimento horizontal continua sendo k1,
mas a escala de comprimento vertical passa a ser a profundidade h << k1: essa
discrepância de escalas implica em uma discrepância entre as velocidades horizontal
u(x,t) e vertical w(x,t) pois, por conservação de massa, obtém-se com o auxílio de (3.5)
u w a
0 u(x, t) h w(x, t) k 1 u(x, t) w(x, t) . (3.7a)
x
z
kh
(u / k 1 ) (w / h)
a águas rasas
2
¼ h kh 1 . (3.7b)
kh
g (k) gh k; c gh . (3.7c)
302
f (z)
u w u a cos kx (k)t ;
div u 0 0 k (3.8a)
x z w a f (z) sin kx (k)t .
u w f (0) 1;
rot u 0 f k 2 f 0 com (3.8b)
z x f ( h) 0,
cosh k(z h)
u a cos kx (k)t ;
sinh k(z h) sinh kh
f (z) (3.8c)
sinh kh w a sinh k(z h) sin kx (k)t .
sinh kh
2
k tanh kh , (3.9)
g
303
como antes no caso do oscilador, a igualdade estamos a ignorar efeitos
dissipativos, descritos em fluidos incompressíveis pela parcela 2u que só se anula em
um escoamento no plano (x,z) se o rotacional for constante, o valor nulo sendo aí o mais
natural; ou, em outras palavras, o “balanço de energia” só se justifica em um
fluido incompressível se o escoamento for irrotacional no caso geral.
A energia média E das ondas por unidade de área da superfície livre é definida
pela soma E 2 , pois , e as expressões
(k) k 3 / ;
onda capilar
k com E ½ k 2 a 2 , (3.10b)
kh >> 1 c ;
(x,t) 0 (x,t )
p
h
u(x, z, t) eo u(x, z, t)
h
0
u(x, z, t) eo u(x, 0, t) (x, t eo ,
onda de a 2 E
: u(x, 0, t) (x, t ½ ;
gravidade tanh kh c E
p eo , (3.10c)
onda capilar E c
: u(x, 0, t) (x, t ½a ;
2
kh >> 1 c
uma fórmula geral para a quantidade de movimento média de uma onda que, como será
visto, determina não só a força de deriva em um sistema oceânico, como também explica
a orientação da cauda de um cometa em relação ao sol e origina a relação de de Broglie
p k eo das ondas de matéria da Mecânica Quântica, posto que E e c = /k.
304
3.1.2: Velocidade de Grupo
FIG.(3.2): “Senoide finita” no intervalo |x| qo, com q 1/1/2 >> 1, e grupo de ondas
com amplitudes Fodk e números de onda |k ko| ko recuperando a “senoide finita”.
Uma função “arbitrária” f(x), definida na reta real e quadrado integrável, pode ser
escrita como uma integral em < k < da função F(k) e ikx , com F(k) definindo a
Transformada de Fourier de f(x). Essa extensão das séries de Fourier é analisada no
Apêndice 1 onde se estabelece a relação fundamental
1 1
f (x) F(k) e ikx dk F(k) f (x) e dx .
ikx
(3.11a)
2 2
k o (1 )
Fo 2 ao
f (x)
2 k o (1 )
e ikx dk a (x) e iko x , Fo
2 k o
;
k o
(3.11b)
Fo sin k o x
a (x) e ikx dk ao ao 1 () se |k o x | 1/ 1/ 2 ,
2 ko k o x
305
a indicar como a “senoide finita” pode ser recuperada em uma larga faixa do eixo x:
quanto mais “espalhada” for a senoide no espaço físico quanto maior for q =
1/(21/2) , tanto menor será e mais “concentrada” será sua transformada de Fourier
F(k) no espaço dos números de onda, um resultado geral que é diretamente responsável
pelo Princípio da Incerteza de Heisenberg analisado no item (3.4.5) deste capítulo.
O termo “grupo de ondas” designa a superposição de ondas harmônicas com
números de onda e freqüências no entorno de valores centrais {ko;(ko)} e pode também
ser definido por uma série finita de Fourier, uma representação geralmente utilizada na
análise de dados de campo ou experimentais; nesse contexto
k ko k, 0; 1;; n; n
n
a e
i k x (k )t
(x, t) Real , (3.12a)
k
1; n
ko
pode ser utilizada, permitindo expressar (3.12a), no longo intervalo de tempo 0 < (ko)t
< (1/)79, na forma
n
(x, t) Real a(x, t) ei k o x (k o )t a(x, t) a
n
ei[(k ko )x ( (k ) (ko ))t] ;
n
(3.12c)
a(x, t) | a(x, t) | e i (x,t)
a
n
e
i(k k o ) x (k o )t
na faixa (k o ) t 1.
a n
i (k o ) (k k o ) a e o
i(k k ) x (k o )t
(k o )a ;
t n
|k k o | k k o
(3.13a)
a n
i (k k o ) a e o
i(k k ) x (k o )t
koa ,
x n
79
Para (ko)t > (1/) efeitos secundários, que implicam em uma dispersão do “grupo de ondas”, têm que
ser incorporados, ver exercício (3.1).
306
a indicar que nas escalas naturais {(ko)1; ko1} de tempo e espaço da “onda harmônica”
a amplitude a(x,t) pode ser considerada constante em primeira aproximação e portanto
(x, t) a (x, t) e
i k o x (k o )t
;
(3.13b)
E(x, t) ½g | a (x, t) |2 ,
ver (3.10). Derivando em relação ao tempo e espaço a função a(x,t) definida em (3.12c)
obtém-se a equação de onda (ver (3.13a))
| a| | a|
c (k ) 0;
g o
a a t x
cg (k o ) 0 (3.14b)
t x cg (k o ) 0 (x,t) cg (k o ) k(x, t),
t
x
(x,t) k (x,t )
com (x,t) = (xo,to) (xo,to)(t to) + k(xo,to)(x xo) nas vizinhanças de (xo;to).
A onda “quase harmônica” (3.13b) detectada em uma “antena” no ponto xo se
diferencia de uma onda harmônica por uma modulação |a(xo,t)| na amplitude (“amplitude
modulation”-AM) e uma modulação (xo,t) na freqüência (“frequency modulation”-
FM): se é verdade que a “onda harmônica” ideal não transmite informação alguma, posto
que “informação” exige sempre alguma variação do sinal no tempo e espaço, a onda
“quase harmônica” a transmite ou pela modulação da amplitude, ou pela modulação da
freqüência ou por ambas. A “informação”, no entanto, é propagada com a velocidade de
grupo cg(o) da onda-guia harmônica, que identifica a “rádio” pela frequência o em
kHz: de (3.13b) e (3.14b) segue
307
E E
cg (k o ) 0, (3.14c)
t x
n
(x, t) |a
n
| cos (k k o )x ( o )t ; | a(x, t) | 2 (x, t) 2 (x, t);
(x, t) (3.15a)
n
tan (x, t)
,
(x, t) | a | sin (k k o )x ( o )t ; (x, t)
n
(x, t) | a
| cos k x t ;
| a(x, t) | (x, t) (x, t) ,
2 2
(3.15b)
(x, t) | a | sin k x t ;
308
maior, mas a razão aqui é outra: ela ocorre pelas interferências “construtiva” e
“destrutiva” entre as componentes harmônicas do “grupo de ondas”.
envoltória |a(xo,t)|
da amplitude
(t)
(x, t) ao ei[ k o k x o t ] ei[ k o k x o t ] 2ao cos k x t ei ko x o t , (3.15c)
a (x,t )
309
Qualquer registro representativo de um “grupo de ondas” tem uma duração Tr
muito maior que o período típico 2/o, como na Fig.(3.3); definindo a frequência básica
= 2/Tr << o e os harmônicos { = ; = 1,2, }, as componentes de Fourier
do registro (t) podem ser determinadas pelas expressões
2 r
T
c (t) cos t dt;
Tr 0
(t) c cos t s sin t T
1 2 r
T (t) sin t dt,
s
r 0
o coeficiente c0 sendo nulo pois, pela definição da elevação (t) da superfície livre, o
valor médio de (t) é nulo. Introduzindo os coeficientes {|a| = (c2 + s2)1/2; tan = s/
c}, a “onda” (t) é representada na forma canônica
2 (t) | a | cos t : Registro de Onda;
; 1
Tr
(3.16)
; 1,; (t) | a | sin t : Transformada de Hilbert ,
1
a modulação |a(x,t))| podendo ser então calculada a partir de (3.15b): a parte de cima da
Fig.(3.3) apresenta o gráfico de |a(x,t)|, superposto no gráfico de baixo ao registro (t),
e é clara a aderência da envoltória |a(x,t)| ao perfil da onda.
A frequência típica do mar – isso é, a frequência central o do “grupo de ondas”
(3.16) – pode ser definida segundo um critério simples: expressando (3.16) na forma
| a |2
2
|| t a || (o ) 0;
()
|| a ||
| a
|2 (o ) 0,
310
levando a um valor máximo da escala de tempo 1() da amplitude; ou, em outras
palavras, a frequência central o é definida de tal maneira que a variação no tempo de
a(t) seja a mais lenta possível. Portanto
o | a |2
(o )(o )
0;
| a |2
(o )(o ) (o ) (o )(o ) (o )(o ) 1,
2
de onde segue
| a |2
frequência central do
o
, (3.17a)
| a |
2
"grupo de ondas"
que pode ser determinada diretamente a partir do registro de onda escrito na forma (3.16);
conhecida o, as expressões
(t) | a | cos ( o )t | a(t) | 2 (t) 2 (t);
1
(t) (3.17b)
tan (t)
(t) | a | sin ( o )t
,
(t)
1
(t) | a | cos t | a(t) | cos o t (t) , (3.17c)
1
a lei de propagação desse registro a ser obtida, em primeira ordem, a partir da expressão
(3.14b). Tipicamente = (o)/o 0.2 para as ondas de mar e o parâmetro é
denominado “largura de banda da modulação” ou simplesmente “largura de banda”: o
mar real é, em geral, de “banda estreita” ( << 1).
Completando essa análise introdutória dos “grupos de ondas”, analisaremos a
seguir, no contexto de ondas na interface ar-água, alguns fenômenos onde a diferença
c(ko) cg(ko) entre as velocidades de fase e grupo desempenha papel fundamental.
311
3.1.4: Velocidade de Grupo e Resistência de Onda
E ct E cg t D ct
cg
D 1 E , kh 1 D ¼ ga 2 (3.18a)
c
a indicar que a resistência de onda só existe, no caso de uma onda na interface ar-água,
porque as velocidades de grupo e de fase são distintas (cg c).
312
Suponhamos que a velocidade U do corpo seja tão pequena que o efeito
restaurador dominante seja a capilaridade: agora cg/c = 3/2, ver (3.14a), e o resultado
(3.18a) é certamente errôneo: ele sugere um “moto perpétuo”, pois o corpo extrairia
energia do movimento ondulatório por ele causado. Esse paradoxo é resolvido
observando que no “regime capilar” o corpo não deixa rastro atrás de si: ao deslizar
lentamente o dedo em uma bacia d’água a superfície enruga-se na frente do dedo, não
atrás, um comportamento de resto típico das ondas em membranas: quando se desliza o
dedo na superfície de uma bexiga inflada ela também se enruga à frente.
A onda capilar, ao se formar na frente do corpo, exige que se considere a
conservação de energia na região entre a vertical V na Fig.(3.5b) e o corpo: no lapso de
tempo t a área perturbada diminui em Ut e a região à esquerda da vertical V perde a
energia E = EUt = Ect, perda essa causada pelos efeitos agora opostos do fluxo
de energia Ecgt para fora de V e do trabalho efetuado DUt = Dct pela resistência
de onda. Conservação de energia fornece portanto
E ct E cg t D ct
ou
cg
D 1 E ½E , E ½ k a
2 2
(3.18b)
c
313
B
FIG.(3.6b): Condição para interferência construtiva das ondas geradas pelo navio:
crista A + crista B percurso AB percorrido com a velocidade de fase c.
314
x = 0 no tempo t = 0 interfira construtivamente com a onda gerada em x = Ut é que a
distância AB, indicada na Fig. (3.6b), seja percorrida com a velocidade de fase:
interferência construtiva implica que a crista de uma onda encontre-se com a crista da
outra e como as duas ondas são idênticas a distância AB tem que ser percorrida com a
velocidade de fase. Seja o ângulo formado pelo segmento OAB e o eixo x; da
geometria da Fig. (3.6b) segue, no limite t 0,
c U cos , (3.19a)
315
3.2: PRESSÃO DE RADIAÇÃO E FORÇA DE DERIVA
(i) (ii)
FIG.(3.7): Pressão de Radiação: (i) Navio com “turret” alinhado com direção da onda
do mar; (ii) Cauda do cometa alinhada com a direção da radiação solar.
81
Ver J. Frenkel, “Princípios de Eletrodinâmica Clássica”, EDUSP; ver também A. Sommerfeld,
“Electrodynamics” e Morse & Ingard, “Theoretical Acoustics”.
316
No item (3.2.2) desta seção o problema da pressão de radiação será analisado de
um ponto de vista global, “termodinâmico”, a intenção sendo obter, com um argumento82
bastante simples, uma fórmula universal para essa pressão e para a quantidade de
movimento média transportada pela onda, válida para as ondas eletromagnéticas, para as
ondas acústicas, para as ondas do mar, em resumo, para qualquer sistema ondulatório;
essa fórmula é posteriormente verificada, no item (3.2.3), no caso das ondas do mar e a
expressão da força de deriva é deduzida para o problema bi-dimensional. O item (3.2.1)
introduz o “invariante adiabático” da Mecânica Clássica: esse resultado fundamental
serve não só para apresentar o “argumento termodinâmico” em um contexto mecânico
como também o próprio “invariante adiabático”, que é utilizado no item (3.2.2) para
deduzir a expressão geral da “pressão de radiação”.
p v cte.;
(3.20a)
cp / cv ,
82
O argumento termodinâmico é inspirado, em parte ao menos, pela leitura de L.Brillouin, “Les Tenseurs
en Mécanique et en Élasticité”; ver também M.Born, “Atomic Physics”.
317
com cp e cv sendo, respectivamente, os calores específicos a pressão e volume constantes.
A Teoria Cinética dos Gases, desenvolvida sob a hipótese que o gás seja tão diluído (gás
ideal) que o campo de forças intermoleculares possa ser desprezado, prediz a seguinte
expressão para ,
1 2 / fm , (3.20b)
E ½mgl o2 ;
(3.21a)
g/l .
A força estática no cabo é o peso mg e a força dinâmica total, FD(t), é igual à força
de vínculo total, FV(t), subtraída da parcela estática; o valor médio F da força dinâmica
de vínculo é portanto dado pela expressão (cos (t) 1 ½ 2 (t))
83
O valor de deve ser corrigido por efeitos quânticos para gases poliatômicos: nesse caso os valores
observados de se agrupam em torno de um valor médio 1.33 mas não são estritamente iguais a 1.33. Não
se observa na Natureza o valor = 3/2 (fm = 4), dissociado de qualquer modelo plausível sobre vínculos
impostos ao movimento molecular. Ver A.Sommerfeld, “Thermodynamics and Statistical Mechanics”.
318
FD (t) FV (t) mg ml 2 (t) mg cos (t) mg ml 2 (t) ½mg2 (t);
2 /
(3.21b)
F
2
0
FD (t)dt ¼mg o2 .
F E / 2l , (3.21c)
e a questão que se coloca é a seguinte: o que ocorre com a oscilação do pêndulo quando
seu comprimento l varia lentamente (comparada com a escala interna -1) no tempo84?
Este problema é essencialmente “termodinâmico”, pois envolve uma mudança
introduzida no sistema por uma variação lenta do vínculo macroscópico (o comprimento
l do pêndulo). Se S for a área seccional do fio, identificamos aqui as seguintes variáveis
macroscópicas
F F(l , E) E / 2l ,
ou (3.22a)
p p(v, E) E / 2v .
A idéia básica, tanto aqui como na termodinâmica, é que a mudança das variáveis
macroscópicas se dá em uma escala de tempo tão lenta comparada com a escala de tempo
microscópica (-1 no caso em questão) que o “equilíbrio estatístico” é localmente
sempre satisfeito, ou, em uma linguagem mais apropriada ao presente problema: a
variação de l é tão lenta que a oscilação harmônica da “variável microscópica” (t) pode
ser sempre reconhecida. Nessas situações de “quase-equilíbrio local” a equação de
estado, estritamente correta na condição de “equilíbrio termodinâmico”, pode sempre ser
utilizada em qualquer estágio da “transição termodinâmica”, associada à lenta variação
84
O estudo do pêndulo com comprimento variável é clássico na literatura; ver M. Born, “Atomic Physics”.
Se o comprimento l varia no tempo energia deve ser fornecida ou retirada do sistema e a energia E não
pode permanecer constante: o que permanece constante é o “invariante adiabático”.
319
dos vínculos macroscópicos. Como não existe troca de calor (processo adiabático, Q =
0), a Primeira Lei da Termodinâmica fornece
E U 0 , U p v (3.22b)
com U = Fl = pv sendo o trabalho realizado contra as forças de vínculo. Utilizando
esta expressão e a equação de estado E = 2pv (ver (3.22a)) em (3.22b), obtém-se
dp dv 3
2p v 3 p v 0 0
p v 2
ou (ver (3.20a))
p v cte.;
(3.22c)
3/ 2.
320
3.2.2: Pressão de Radiação e Quantidade de Movimento Média
E U 0;
(3.24a)
U pr v / v,
a equação (3.24a) indicando, como (3.22b), que a energia não se mantém invariante: o
que deve se manter invariante é a “wave action” E/, como discutido a seguir.
85
O “êmbolo” é um corpo negro ideal na linguagem do eletromagnetismo ou um absorvedor de onda ideal
em um tanque de ondas; neste contexto, a força que controla o absorvedor tem, além da parcela oscilatória,
uma parcela estacionária devida à pressão de radiação.
321
O problema aqui é em parte análogo ao do pêndulo: lá a variação do comprimento
l induz uma variação na freqüência ao passo que aqui a variação no comprimento k1
induz uma variação na freqüência, pois = cg(k)k; mas há uma distinção de
essência que deve ser enfatizada: no problema do pêndulo partimos de uma situação
concreta para deduzirmos a equação de estado e derivarmos então uma relação geral, a
invariância de E/; aqui postularemos a conservação da “wave action” E/, um
resultado que pode ser demonstrado a partir de um princípio geral da Mecânica
Analítica86, para obter a fórmula universal da pressão de radiação em sistemas
ondulatórios. A álgebra é simples: da conservação da “wave action” segue
E E E E
0 2 k 0 E cg (k) k 0 , cg (k) (3.24b)
k k
v
k k ;
v cg (k)
E E v / v 0 , (3.24c)
(k) c(k)
c(k) ;
k
cg (k)
pr E , (3.25)
c(k)
P p cg t S ,
86
O Princípio da Mínima Ação Média de Hamilton, ver Whitham (1975).
322
P
F p cgS ,
t
E
p eo . (3.26)
c
(x,t )
p(x, t) u(x, z, t) dz i .
h
323
Se p for a quantidade de movimento média em um ciclo por unidade de área da
superfície livre, por definição
2 /
f (t)
2
0
f (x, t) dt;
(x,t )
p p(x, t) ui dz ,
h
(x,t ) 0 (x,t) E
ui dz ui dz ui dz u(x, 0, t) (x, t) ,
h h
0 c
0
a última expressão sendo exata para toda onda na interface ar-água, independente da
profundidade da lâmina d´água e do fator restaurador ser a gravidade ou a capilaridade,
ver (3.10c): a expressão geral (3.26) está assim verificada para essa classe de ondas.
87
A aproximação da integral no intervalo 0 z é consistente com o erro da teoria linear utilizada em
todo esse capítulo; na teoria não-linear mudam a aproximação da integral e a expressão da energia.
324
| R(k) | 0;
lim
k 0
| T(k) | 1;
(3.27a)
| R(k) | 1;
lim
k
| T(k) | 0.
conservação de
| R(k) |2 | T(k) |2 1 , (3.27b)
energia
uma relação satisfeita por (3.27a). As ondas incidente, refletida e transmitida transportam
as quantidades de movimento médias {Ei/c ei; Er/c er; Et/c et} nas respectivas direções
{ei;er;et}; conservação de quantidade de movimento implica em
D ,
t c(k) t
com D sendo a força média aplicada pelo fluido no corpo; observando que {ei = i; er =
i; et = i} obtém-se, com o auxílio de (3.27b),
325
3.3: TEORIA DA REFRAÇÃO - APROXIMAÇÃO DA ÓTICA GEOMÉTRICA
Para fixar idéias, seja h(x2) = (x2/l)h para x2 l e h(x2) = h para x2 < l,
como indicado na Fig.(3.11): a escala de comprimento da variação da profundidade h(x2)
é l – ou l h/h de uma forma mais genérica – e se for o comprimento de onda na
região h = h dizemos que a variação da profundidade é “lenta” quando << l ou kl >>
326
1, com k = 2/: nesse caso podemos ignorar, na escala do comprimento de onda, a
variação da profundidade e supor, portanto, que o mar tenha nas vizinhanças de um ponto
x arbitrário uma profundidade “uniforme” igual a h(x). O número de onda k(x) deve estar
assim relacionado à freqüência (x) pela relação de dispersão
327
3.3.1: A Cinemática da Refração
2
W k
cg ei gh(x) U(t) W(x,k ,t) gh(x) k U(t) k , (3.30a)
i 1 k i k
(x, t) W x, k , t ;
n n
cg (x, t)
n
W
ei ,
x
i 1
x e
i i ; k
i 1
k i ei
(3.30b)
i 1 k i
com cg(x,t) sendo, como em (3.30a), a velocidade de grupo. Senso estrito, a relação de
dispersão é válida para uma onda plana harmônica: fixando um ponto xo no espaço e
congelando o tempo em to – por exemplo, supondo em (3.30a) que tanto a profundidade
do mar como a corrente marítima sejam constantes e respectivamente iguais a h(xo) e a
U(to) – a fase da onda plana harmônica é definida pela função
k ;
n
(x, t) k x t k i x i t W x , k, t , (3.30c)
,
o o
i 1
t
328
Se W() não variar com (x,t) – se, no exemplo citado, a profundidade do mar e a
intensidade da corrente marítima não variarem no espaço e tempo – a onda plana
harmônica permanece plana e harmônica para sempre; se, no entanto, W() variar
“lentamente” no tempo e espaço – tão lentamente que essas variações passem
despercebidas nas escalas do comprimento de onda e período típicos da onda –
observaremos localmente uma onda plana harmônica que paulatinamente vai ajustando a
direção de propagação, o comprimento de onda e a freqüência aos valores correntes
propostos pela função de dispersão: são como quadros fotográficos, “instantâneos” que se
desenrolam como um filme somente na escala muito mais lenta da variação de W().
O “filme da refração” exige duas condições: a primeira, que W() varie com (x,t),
pois é essa variação que permite a mudança de cenários e portanto a própria percepção do
filme; a segunda, que ela seja tão lenta que possamos montar o filme justapondo
fotografias onde se reconhece, em cada uma delas, uma função de fase (x,t) localmente
análoga a (3.30c): é natural, portanto, que se defina a onda pela expressão
i ( x ,t ) (x, t) ;
(x, t) a (x, t) e t (3.31a)
k (x, t) ,
k
j;
x j t
(3.31b)
k j
k
i,
x i x j
329
A Fig.(3.12) representa, de forma esquemática, o cenário da refração para uma
dispersão anisotrópica: da crista = 0 da onda plana harmônica, com comprimento de
onda o, partem raios que se distorcem na escala longa de comprimento l >> o do
gráfico; localmente, no entanto, na escala de comprimento o, invisível na escala l do
gráfico, as ondas são vistas como se fossem “planas e harmônicas”. As cristas estão bem
separadas na figura porque se supôs no l ou n >> 1: o desenho de todas cristas no
intervalo [0;8n] mostraria “um quase continuum” de linhas tracejadas, pois, como dito, a
separação o entre as cristas não aparece na escala do gráfico.
Os raios da onda – os raios de luz na ótica geométrica – são as direções de
propagação da energia: eles definem curvas {x(t;xa); x(t;xb); x(t;xc); } que partem de
pontos {A xa; B xb; C xc; } ao longo de uma crista e são sempre tangentes ao
vetor velocidade de grupo cg(x,t); portanto88
dx i W W
cg,i ; cg ei . (3.32a)
dt k i i k i
dk i k i k dx j W k j
i .
dt t j x j
dt x i j k j x i
cg ,j
cg ,j
W W k j
.
x i x i j k j x i
dk i W
, (3.32b)
dt x i
88
Ver Whitham,G.B. (1974): “Linear and Nonlinear Waves”.
89
É neste ponto que a “discrepância de escalas” da ótica geométrica entra na análise: é porque (x,t) e
k(x,t) variam lentamente no tempo e espaço que, localmente, a onda aparece como se fosse harmônica e a
relação de dispersão (x,t) = W(x,k,t) pode ser utilizada.
330
a variação da freqüência ao longo do raio sendo dada por
d W dx i W dk i W
dt i x i dt k i dt t
d W
. (3.32c)
dt t
dx i W
;
dt k i
dk i W
; i 1, 2,, n (3.33)
dt x i
d W
,
dt t
sujeito às condições iniciais{xi(0) = xi,o; ki(0) = ki,o; (0) = o}: a solução do sistema
(3.33), com condições iniciais definidas nos pontos de origem {A;B;C; } da Fig.(3.12),
permite determinar não só a trajetória dos raios, mostrando como a onda vai pouco a
pouco mudando sua direção de propagação (vai “quebrando” a direção) no processo de
refração, como também os valores das entidades cinemáticas {(x,t); k(x,t); cg(x,t)} que
a caracterizam.
Deslizando um dos raios – por exemplo, o raio x(t;xa) da Fig.(3.12) – pela crista
= 0 que lhe dá suporte, um continuum de soluções é obtido: as funções {(x,t); k(x,t)}
ficam então definidas em todos os pontos do espaço e devem ser, por isso, descritas por
uma equação em derivadas parciais em (x,t), denominada equação da eiconal90 na ótica
geométrica (e, por extensão, na Teoria da Refração). Essa equação é trivialmente obtida a
partir da função de fase (x,t) e da relação de dispersão, de onde segue a identidade
90
Eiconal, do grego eikón = imagem, retrato: a ótica geométrica estuda a formação de imagens nas lentes,
espelhos e demais objetos óticos. O nome foi introduzido somente em 1895, mas a equação da eiconal em
sua forma mais simples é conhecida desde 1657, quando Fermat (1601-1665) enunciou o Princípio do
Tempo Mínimo para o raio de luz, ver exercício (3.5).
331
(x, t) ;
t W x, , t 0 . Equação da Eiconal (3.34a)
t
k (x, t) ;
dx i W
cg,i x x(t) . (3.34b)
dt k i
2 W W 2
0; k j
tx i x i j k j x i x j x
j
cg ,j
de outro lado, a derivada total de uma função f(x,t) em relação ao tempo ao longo da
curva x(t) é definida por
df f
x f ,
dt x x (t ) t
2 W W 2
0;
tx i x i j k j x i x j
d W
cg ,j
,
dt x i x x (t ) x i
d
cg, j ;
dt x i x x (t ) t x i j x j x i
dx j / dt
332
dk i W
; (3.34c)
dt x i
d W W W W
x i ki , (3.34d)
dt t i x i k i t
mostrando a equivalência entre (3.33) e (3.34a) ou, em outras palavras: que o sistema
(3.33) fornece a solução da equação da eiconal pelo método das características. A
equação da eiconal, além de preceder historicamente (3.33), tem alguma importância
conceitual na Mecânica Hamiltoniana, como mencionado mais adiante; a forma (3.3), no
entanto, é muito mais simples e direta e será, por isso, utilizada no estudo da
“cinemática” da Teoria da Refração.
onde E é a energia por unidade de “volume” da onda, e observando que o fluxo da “wave
action” é definido pelo vetor
E E cg ,
d
dt V
E dV E cg n dV 0 ,
V
333
de onde se obtém, com o auxílio do Teorema da Divergência, a equação de conservação
da “wave action”
E
div E cg 0 ou
t conservação da
(3.35b)
E "wave action" E
cg E E div cg 0,
t
dx
cg (x, t);
dt dE
E div cg 0. (3.35c)
dE E dt
cg E ; x x (t )
dt x x (t ) t
334
lo A o Bo E o cg, l
E o cg,olo E cg, l ,
l A B E cg,olo
os quocientes {cg,/cg,o; l/lo} sendo maiores que 1 (menores que 1) no caso da elevação
(depressão) do fundo do mar; o quociente cg,/cg,o depende da profundidade local, mas
l/lo depende da topologia do conjunto de raios gerados. O exercício (3.8) elabora o
problema da dinâmica da refração em um contexto bem definido.
dx1 k dk1
gh(x 2 ) 1 ; 0;
dt k dt d
0. (3.37)
dx 2 k dk 2 h(x 2 ) dt
gh(x 2 ) 2 ; ½k gh(x 2 ) ;
dt k dt h(x 2 )
e portanto
sin (s)
cte. lei de Snell (3.38a)
c(s)
335
que é a clássica lei de Snell da ótica geométrica, proposta em 1621 por Snell (1580-
1626); de (3.38a) obtém-se
h(x 2 )
sin ( x) sin lim ( x) 0 , (3.38b)
h x 2 0
mostrando que o raio da onda termina ortogonal à linha da praia, como esperado.
A amplitude a(s) é determinada pela lei de conservação da “wave action” (3.35c)
e no exercício (3.10) o problema aqui proposto é elaborado de forma mais completa.
(q i , q i , t) ½ m q
i
2
i (q i , t);
i d
0; i 1, 2, , n . (3.39a)
pi mi q i ; dt q i q i
q i
0;
q i
(3.41a)
dq i
q i ,
dt pi
indicando que () não depende de dq/dt: (q,p,t) é uma função definida no espaço 2n-
dimensional (q,p) denominado espaço de fases na literatura, a trajetória do sistema
mecânico sendo representada por uma curva nesse espaço.
91
O campo de forças é dito conservativo se puder ser expresso como o gradiente de uma função potencial
(qi,t); a energia desse sistema nem sempre se conserva, no entanto, como visto a seguir.
336
No exemplo analisado (3.40) toma a forma
pi2
(q i , pi , t) ½ m (q, t); (q(t), p(t)) : órbita do sistema
i i (3.41b)
dinâmico no espaço de fases
E(t) (q(t), p(t), t) : energia do sistema,
o valor da Hamiltoniana sobre uma órbita (q(t),p(t)) do sistema dinâmico – isso é, sobre a
curva (q(t),p(t)) no espaço de fases que define uma solução do sistema é a energia92
E(t) da órbita: no caso em questão, por exemplo, ela é dada pela soma da energia cinética
(p(t)) = ½ (pi2 (t) / mi ) com a energia potencial (q(t),t). Da equação de Lagrange
segue também que
dpi
p i (3.41c)
dt q i q i
com
dE d
(q(t), p(t), t) , (3.41d)
dt dt t
q i ;
pi
p i ; i 1, 2,, n (3.42)
q i
dE
.
dt t (q (t ),p (t ))
92
Como discutido no exercício (3.5), o valor da Hamiltoniana sobre uma órbita não é sempre igual à energia
da órbita embora, quando isso ocorre, ela continue relacionada a alguma forma de energia.
337
FIG.(3.15): Diagrama das órbitas no espaço de fases
((q,p) = ½ p2/m + (¼ q4 ½ qe2q2))
ui ;
q i x i ; q i u i yi n
u i vi
div u 0,
pi yi ; p i vi vi
; i 1 x i yi
x i
dx i W dq i H
; W H ;
dt k i dt pi
dk i W E dpi H
; x i qi ; (3.43)
dt x i dt q i
d W k i pi dE H
. ,
dt t dt t
338
Mecânica Quântica, como será visto na próxima seção, e poderiam ser induzidas a partir
das relações pi/ki = E/ válidas em um sistema ondulatório, pois a quantidade de
movimento média transportada por uma onda é definida pela expressão p = E/c = kE/.
Como já comentado anteriormente, a equivalência entre a ótica geométrica e a
dinâmica das partículas foi estabelecida por volta de 1830 por Hamilton, que tentava
assim explicar porque os fenômenos óticos apareciam, no domínio macroscópico, como
se fossem trajetórias de corpúsculos em um campo potencial. Na realidade ele mostrou
que a equação da eiconal, que descreve o fenômeno ótico no domínio da ótica
geométrica, é idêntica à Equação de Hamilton-Jacobi da mecânica, pois
S
; S E ;
t W x, , t 0 q, S, t 0 t
t
t
k ; equação da eiconal equação de Hamilton- Jacobi p S.
339
3.4: ONDAS DE MATÉRIA: EQUAÇÃO DE SCHRÖDINGER
340
consensual, uma regra não-escrita que servia de freio a qualquer especulação, qual seja,
que toda inovação só seria permitida se nos limites macroscópicos os resultados da Física
Clássica pudessem ser recuperados e, mesmo assim, que ela só seria aceita se referendada
no final por experimentos: a Natureza pode admitir uma descrição “abstrata”, posto que
esta é uma construção humana e “human kind cannot bear very much reality”, mas ela
deve ser sempre ouvida para que a “inovação” possa ser incorporada ao acervo já
conquistado. Esse freio à livre especulação ao invés de limitar o pensamento ofereceu um
norte, um ponto fixo, de referência: o pensamento na Física tornou-se tão fértil porque
assim se circunscreveu, incorporando o novo sem destruir a essência do já estabelecido.
A intenção aqui, repetimos, não é apresentar esse resumido conjunto de resultados
da Física Atômica pela importância intrínseca que possuem – e eles a possuem de forma
evidente, como atestado pelo próprio desenvolvimento científico e tecnológico do século
XX –, mas sim tentar mostrar como essa construção foi pouco a pouco engendrada, como
esse rendado teórico foi cerzido, alinhavando com a linha do “pensamento clássico” as
evidências experimentais tão distantes da “concepção clássica”. A Física Atômica pode
ser prescindível para um estudante de Engenharia, mas a compreensão de uma construção
magistral da mente humana é fundamental na formação de uma “cultura genuína”, que é
aquela que fica depois que a informação se perde no esquecimento: é por essa mesma
razão, não para formar agrimensores, que se ensina o Teorema de Pitágoras no ciclo
fundamental e é para ela, não para adestrar os alunos para o mercado de trabalho, que a
sociedade paga o que paga pela universidade pública de pesquisa.
Isso posto, e antes de descrevermos alguns fenômenos e experimentos notáveis,
listamos valores de constantes e unidades utilizadas ao longo da presente seção:
Potencial Elétrico:
1 q1q 2
o 8.85x1012 coul2 / Nm 2 V(r) ; (3.44a)
4o r
Elétron:
m e 9.1x1031 kg;
o 10
e 1.6021x1019 coul; 1A 1A 10 m (3.44b)
1 eV 1.6021x1012 erg 1.6021x1019 joules;
Constante de Planck:
E h
(3.44c)
h 2 6.626x1034 joules.sec.
341
3.4.1: Fenômenos e Experiências Notáveis
93
A bem da verdade, a experiência de Compton (1923) também foi imaginada para “confirmar” uma
especulação teórica, mas ela surge em um estágio ainda tão embrionário da teoria e é arquitetada de forma
tão inovadora e brilhante que é difícil distingui-la de uma “inovação teórica”, isso é, de uma “concepção”
do fenômeno atômico.
94
O nome “fóton” foi cunhado somente em 1926; Einstein utilizava o termo “quantum de energia”.
342
radical de Planck: a expressão E = é universal, ela reflete uma propriedade intrínseca
da matéria – das ondas eletromagnéticas, ao menos, no presente contexto.
O esquema à esquerda na Fig.(3.17) indica o aparato experimental utilizado por
Lenard e outros: a luz incidente na faixa ultra-violeta desloca elétrons do cátodo (sódio)
que se movimentam então na direção do coletor com energia ½meve2; aumentando o
potencial da placa coletora a energia dos elétrons diminui e para um valor Vo ela se anula.
O gráfico de Vo em função da freqüência da luz incidente tem sempre o aspecto indicado
na Fig.(3.17): elétrons só são observados no coletor para freqüências maiores que um
valor crítico cr e o potencial de parada Vo cresce, a partir desse valor, linearmente com
( cr). Utilizando uma linguagem mais atual, Einstein imaginou que a luz de
freqüência seja constituída por fótons de energia e argumentou que os elétrons do
cátodo absorvem esse quantum de energia, gastando a parcela W = cr para se
desprenderem do metal, a diferença W sendo suas energias cinéticas: portanto eVo=
½meve2 = W = ( cr), com W sendo uma propriedade do metal do cátodo.
3eV
A explicação oferecida por Einstein foi aceita, não sem algum desconforto pelos
mais ortodoxos, e só foi confirmada com precisão por um deles, Millikan, onze anos
depois, em 1916: o gráfico da Fig.(3.17) apresenta o resultado por ele obtido e se
(Vo;) for a diferença de potencial e de freqüência entre os ponto indicados (flechas)
na figura, o quociente eVo/ é dado por (ver (3.44b))
Vo e 3eV
1
4.124x1015 eV sec 6.61x1034 joule.sec ,
(121 48.25) 10 sec
13
que coincide, como predito por Einstein, com a constante de Planck, ver (3.44c).
343
3.4.1.2: Espalhamento de Partículas- (Rutherford (1911))
344
FIG.(3.18a): Espalhamento de partículas- : Esquema do aparato experimental.
(“contador Geiger” desliza sobre a esfera e conta as “cintilações” na direção ).
345
Com o objetivo de determinar teoricamente o número Ng() de partículas-
capturadas pelo “contador Geiger” na direção e compará-lo com as medidas
experimentais, Rutherford analisou esse problema clássico da Mecânica e a intenção a
seguir é elaborar esse desenvolvimento analítico, entre outras razões porque o resultado
final será, mais adiante, confrontado com a interpretação estatística de Max Born da
equação de Schrödinger; o desenvolvimento matemático é simples, como veremos, mas a
construção do modelo tem algum interesse.
A trajetória de uma partícula sob a ação de um campo de força central repulsivo
2
k/r , como o campo Coulombiano induzido pelos prótons do núcleo, é uma hipérbole com
um dos focos F coincidente com o “centro” da força (no caso o núcleo do átomo); esse
resultado clássico, incluindo as equações de conservação de energia e de momentum
angular em relação ao foco F e também a definição paramétrica das cônicas (círculo,
elipse, parábola e hipérbole), é discutido no exercício (3.8). Supondo que os dois focos da
hipérbole estejam localizados em y = df, como indicado na Fig.(3.18b), a equação da
hipérbole é dada por (ver exercício (3.8))
y / a 2 2
x / b 1 x 2 y d f x 2 y d f 2a
2 2
e dessas expressões seguem as relações geométricas
y a
tan ; a d sin OB;
| x | 2 b : ângulo de
f 2
1 sin
(3.45a)
2a; d A FA d f a a sin . espalhamento
2y d f 2
x 2 y2 2
1 2Ze 2
½ m v ½ m v
2
2
; 2Ze 2
4o d A b() cot ,
A
(3.45b)
4o m v
2
2
m v b m v A d A ;
346
do círculo de área Ac, projeção do orifício do colimador no espalhador95: a probabilidade
que essa partícula atravesse o plano do espalhador em algum ponto no interior do círculo
de raio b() e centro no átomo é assim igual a b2()/Ac e essa é portanto a probabilidade
que a partícula- seja defletida por um ângulo igual a ou maior; portanto
Essa partícula- assim defletida é capturada pelo detector, uma tela de sulfeto de
zinco ajustado à esfera centrada no espalhador e de raio ls, como indicado na Fig.(3.18a),
e atinge a tela em algum ponto dos semi-anéis de raios lssin e espessuras ls, ver
Fig.(3.18a): a probabilidade por unidade de área96 da tela receptora é dada por
1 2b( )b( )
p( )
A c 2ls2 sin
, S 2x ( ls sin ls )
Como discutido no item (3.4.4), a expressão (3.46b) foi utilizada por Max Born
em Julho de 1926 para validar a interpretação estatística da função de onda da equação de
Schrödinger; no presente contexto, entretanto, ela necessita ainda contabilizar o efeito de
todos os átomos do espalhador na área Ac que participam do espalhamento. Se for a
95
A hipótese aqui é que as partículas sejam tão velozes e a distância entre o colimador e o espalhador seja
tão curta que a difusão lateral do feixe de cargas positivas seja desprezível. Essa hipótese é, na realidade,
dispensável, mas facilita o argumento.
96
O “elemento de área” dS na extremidade do vetor de comprimento ls e direção define o “ângulo
sólido” d = dS/ls2 ; se p() = ls2p() tem-se p()d = p()dS.
347
densidade do metal, No = 6.02x1023 o número de átomos por mol (número de Avogadro),
wa a massa atômica (massa de um mol) e mol o volume de um mol, então
2
Ze 2 / ls 1
pe ( ) n a tA c p( ) n a t 2
,
(8o ) ½m v sin 2
4
ver (3.46b); se agora Ni for o número total de partículas- que atingem o detector ao
longo da experiência e Ng() for o número de partículas detectadas no ângulo , então
pe()Sg = Ng()/Ni, com Sg sendo a área exposta do “contador Geiger”; portanto
número de partículas de - 2
Ze 2 / ls 1
N g ( ) tectadas pelo contador N i n a tSg 2 4
.
Geiger na direção (8o ) ½m v sin 2
Esta expressão foi verificada experimentalmente por Geiger & Marsden (1911), a
dependência em relação à energia E = ½ mv2 das partículas- e ao ângulo de
espalhamento sendo confirmadas com uma precisão muito boa; em particular, ela
permite também verificar que o número atômico Z, definido através da Tabela Periódica,
coincide, como inferido na própria construção da Tabela, com o número de prótons (ou
elétrons) do elemento; essa identificação de Z com o número de prótons está implícita na
expressão acima e dela segue que
1/ 2
1 1 N g ()
(8o ) ½m v 2
Z 2 d
4
sin ,
n a tSg 0
Ni
e 2 / ls
348
o que permite estimar Z a partir da determinação do quociente Ng()/Ni. A Tabela (3.1)
apresenta os resultados experimentais de Chadwick (descobridor do nêutron em 1932)
para diferentes metais e é evidente a concordância entre os valores experimentais (Zmed) e
os valores da Tabela Periódica (Zref).
2Ze 2 v 2A
max E 1 2 ;
(4o )d A v max 2sin 2
, (3.47)
v A b( ) sin 2 E 1 sin
cot 2 ;
2
v dA 1 sin 2
e a Tabela (3.2) fornece valores de max/E para alguns valores de . A condição (r)/E
<< 1 será utilizada no item (3.4.4).
Pe[] max/E
22,5 0.03% 0.33
11,25 0.12% 0.18
5,625 0.5% 0.09
TABELA (3.2): Relação entre máxima energia potencial e energia
da partícula- para diferentes valores do ângulo de espalhamento
(Pe[] = natAcP(), ver (3.46a))
349
3.4.1.3: Espectro do Átomo de Hidrogênio e Modelo de Niels Bohr (1913)
1 1 1
R 2 2 ; n 3, 4,5, ; 3 6563A
n 2 n
10
1A 10 m e (3.48a)
1 3646A
R 1.097x10 m : constante de Rydberg ,
7
conhecida como a série de Balmer (1885); a mesma constante R aparece nas séries de
Lyman, Paschen, Brackett e Pfund do hidrogênio,
1 1 1
R 2 2 n 2,3, 4 (série de Lyman);
n 1 n
1 1 1
R 2 2 n 4,5, 6 (série de Paschen);
n 3 n
(3.48b)
1 1 1
R 2 2 n 5, 6, 7(série de Brackett );
n 4 n
1 1 1
R 2 2 n 6, 7,8 (série de Pfund ).
n 5 n
350
As séries do hidrogênio (3.48a,b) podem ser reapresentadas em função da
freqüência da radiação utilizando a relação = c, com c sendo a velocidade da luz (da
radiação); compactando-as em uma única expressão obtém-se
1 1
;m cR 2 2 ; m 1; 2; . (3.48c)
m
E1
En ; n 1, 2, , (3.49a)
n2
E1
E ;
2 1 1
E ;m E m E h ;m hcR 2 2 ,
E m
E m 12 ;
m
levando à relação
E1
R . (3.49b)
hc
97
O modelo planetário, embora até hoje utilizado para representar o átomo, foi desde o início, como já dito,
considerado impróprio: um elétron girando em torno do núcleo emite ondas eletromagnéticas e perde
continuamente energia, obrigando que a órbita decaia para o núcleo no correr do tempo. Mesmo sabendo
disso, Bohr o utilizou em seu estudo indicando, mais uma vez ainda, a importância das imagens nas
construções teóricas e também que o pensamento em construção “atravessa inclusive o oposto do que quer
se aproximar”, se esquivando das dificuldades conceituais e quase propositadamente errando para poder
acertar: é só depois de pronta e axiomatizada que a teoria apresenta sua face mágica e inescrutável.
351
A concepção é certamente atraente e afinada com as idéias de Planck e Einstein,
mas necessita de alguma confirmação empírica e a chave aí reside em (3.49b): um
modelo teórico deve ser construído de forma que o valor da constante de Rydberg – isso
é, do nível E1 de energia – possa ser predito e comparado com o valor empírico R =
1.097x107m1.
A idéia-guia de Bohr foi sugerida pela própria forma de (3.49a): quando n >> 1, a
separação entre os níveis de energia vai tendendo a um continuum, pois
E1 E1 2E
E n;n 31 n; (n )
n (n )
2 2
n
e, dado que n; varia linearmente com , o fator multiplicador 2E1/n3 deve ser
associado a uma freqüência n do nível de energia E1/n2 ou
2E1 1 E1
n . (n ) (3.50a)
n3 n2
98
A coalescência entre as mecânicas quântica e clássica no limite n foi batizada por Bohr em 1923 de
Princípio da Correspondência e, de certa forma, ele nada mais faz que afirmar aquilo que já foi aqui
colocado: é porque se exige que o acervo clássico da Física não possa ser destruído por qualquer nova
teoria, que no limite clássico (macroscópico) a mecânica quântica deve recair na mecânica clássica.
352
A partir desse ponto o procedimento é trivial: do equilíbrio de forças no “modelo
planetário” obtém-se a freqüência n em função de rn e das duas expressões para a
energia En – a “quântica” ( E1/n2) e a “clássica” ( (e 2 / 8o ) / rn ) a relação entre rn e
E1 pode ser estabelecida; dessa forma
e2 1
1/ 2
1
n ;
4 m r 3/ 2
1/ 2
o e n
2E13 8o 1
e2 1 E1 e 2 n 2 n m e 2 n 3 , (3.50b)
2 rn ; e
8o rn n 8o E1
En
mee4
E1 2 2 ;
8h o E1 m e e 4
R 3 2 1.090x107 m 1 , (3.50c)
h 2
hc 8h o c
rB r1 o 2 (raio de Bohr );
m e e
o valor calculado de R coincidindo com o empírico com um erro menor que 0.7%.
O raio de Bohr do átomo de hidrogênio é definido como o raio da primeira órbita
e a concordância observada entre (3.50c) e (3.48a) indica que o modelo de Bohr descreve
adequadamente99 os parâmetros principais do átomo do hidrogênio, definidos pela
expressões
mee4 1
En ; n 1, 2,3, ;
8o2 h 2 n 2
me e4
E1 13, 6 eV (1eV 1.602x1019 joules); (3.51)
8o2 h 2
o h 2
rB 0.5x1010 m 0.5A. raio de Bohr
m e e 2
99
Apesar de terem sido derivadas com o auxílio do “modelo planetário”, reconhecidamente equivocado
pela razão já apontada.
353
O abandono do modelo planetário clássico, com suas órbitas circulares “não
observáveis”, e a predição teórica da existência dos “bound states” (“estados ligados”)
com energias En, exigem ambos um formalismo mais abstrato, só derivado em 1926 com
a Mecânica Ondulatória de Schrödinger discutida mais adiante.
FIG.(3.20a): Espalhamento de Raio-X com freqüência bem definida por sólido (grafite):
“fóton” da radiação espalhado na direção e elétron do sólido ejetado na direção .
h h '
p cos cos ;
pc h ' 2h ' 1 cos ,
c c 2 2 2 2
h '
p sin sin ;
c
354
enquanto da conservação de energia h = h ' + p2/2m tem-se
pc 2mhc 2 ' ,
2
h '
2
1 cos . c 0.024A
h h
' (3.52)
mc mc
Raios-X são ondas eletromagnéticas com comprimentos de onda no intervalo 0.1A < < 100A.
100
101
A expressão (3.52) é exata se efeitos relativísticos forem computados. Nesse sentido, o “erro” da ordem
de 0.1%, quando se despreza a parcela proporcional a (’)2, mede de fato o erro cometido quando as
correções relativísticas são desprezadas. Ver seção (3.5) para uma breve introdução à Relatividade Restrita
com um foco um pouco distinto dos apresentados nos livros textos tradicionais.
355
FIG.(3.20b): Comprimento de onda do raio-X incidente e da onda espalhada:
( = 90: X = c = 0.024A; = 135: X 1.7c- Compton (1923))
e anunciam os quatro anos seguintes como o ritual de passagem para a Física Moderna:
em 1924 de Broglie propõe as “ondas de matéria”, em 1925 Heisenberg, Born e Jordan
elaboram a Mecânica Matricial, em 1926 a equação de Schrödinger é proposta e
interpretada estatisticamente e em 1927 os experimentos de difração de elétrons
confirmam o caráter ondulatório da matéria e o Princípio da Incerteza de Heisenberg é
formulado. Os tópicos em itálico serão discutidos a seguir.
356
3.4.2: Ondas de Matéria e Relação de de Broglie (1924)
2
v
½ m e v 2.5keV 2500eV e 0.01
2
e (3.53a)
c
mo c2
E mo c2 ½ mo v 2 ; 2
1 (v / c) 2 mo c2 1 mo c2 k
1 , (3.53b)
E E mo v 1 (v / c) 2 mo c
p k k m o v;
c 1 (v / c) 2
e portanto
E
;
c (k) d v ,
g (3.53c)
p dk
k ;
a indicar não só que a onda de matéria deve ser dispersiva, mas também que sua
velocidade de grupo é igual à velocidade da partícula associada, um resultado de resto
esperado: como visto na seção (3.1) deste capítulo, a velocidade de grupo é a velocidade
com que a energia (a “informação”) é propagada.
102
Como já citado, na próxima seção uma breve revisão da Teoria Restrita da Relatividade é elaborada e as
expressões da energia e quantidade de movimento de uma partícula são derivadas.
357
Uma “onda de matéria” pode ser detectada em um experimento de difração
quando seu comprimento de onda = h/mv (ver (3.54) supondo v/c << 1) for da ordem
de magnitude da dimensão característica do “corpo difrator”; como é um comprimento
“microscópico” o “corpo difrator” também deve ser, uma condição naturalmente
satisfeita pela rede cristalina de metais (níquel, prata, estanho etc.), com dimensão
característica da ordem de 1A. No caso do elétron, por exemplo, tem-se
h h 150.4
e A, (3.54a)
me v 2m e E E(eV)
indicando que a energia do elétron deve ser da ordem de 100eV para e 1A.
358
0; na segunda hipótese (onda), as reflexões por átomos vizinhos interferem de forma
construtiva quando a diferença entre as distâncias percorridas pelos raios até o receptor,
igual a dsin , ver Fig.(3.21a), for um múltiplo inteiro do comprimento de onda, ou
n
sin , n 1, 2, (3.54b)
d
garantindo que as duas ondas refletidas cheguem em fase no coletor: nesse caso há uma
seleção de valores particulares de , definidos por (3.54b), que maximizam localmente a
função p(), como também esboçado na Fig.(3.21b).
150.4
e A 1.67A , E 54eV
E(eV)
359
“anéis de difração” são pontos
que se adensam nos círculos
(a) (b)
FIG.(3.21c): Difração de Elétrons por Rede Cristalina: (a) Lâmina de prata,
(E = 36keV; e 0.0645A); (b) Estanho branco, (E = 100keV; e 0.04A).
360
3.4.3: Equação de Schrödinger e Átomo de Hidrogênio (1926)
dx i W dx i H
; ;
dt k i dt pi
H W
dk i W dpi H
; E ; (3.55)
dt x i p k dt x i
i i
d W dE H
; .
dt t dt t
361
1
W(x, k , t) H(x, p, t) . (3.56a)
p k
p2
H(x, p, t) (x, t)
2m
e portanto
1 2k 2
W(x,k ,t) (x, t) . (3.56b)
2m
1 e2 2E r
(r) 1 (r r) (r) 1 (ver (3.51))
4o r r / rB r
2 2
k . cte.; r >> rB (3.56c)
2m
h
i k x t i h ;
h (x, t) e t
2 k 2 ,
h h
103
É evidente, portanto, que estamos tratando das “ondas de matéria” no domínio “não relativista”; a
generalização para a situação relativista, que exige a Hamiltoniana nessa forma, não será tratada aqui.
104
Assim como no estudo da refração das ondas do mar podemos supor que a profundidade do mar é
“constante” na escala do comprimento de onda, podemos aqui também supor que no domínio macroscópico
(r >> rB) a variação do potencial é desprezível na escala rB do comprimento das ondas de matéria.
362
para uma onda harmônica e utilizando-as em (3.56c) concluímos que a equação da onda
de matéria é definida por
2 2
i (x, t) 0 , (3.57)
t 2m
pois, supondo = cte., a função harmônica (x, t) ei k x t será solução de (3.57) se e
somente se (3.56c) for satisfeita: por construção, portanto, a equação de onda (3.57)
reduz-se, no domínio da ótica geométrica, à equação de uma partícula de massa m no
campo potencial (x,t).
Esta é a Equação de Schrödinger da Mecânica Quântica. O significado físico da
função de onda (x,t) não está claro ainda, como na realidade não estava para o próprio
Schrödinger quando a propôs, e a crença que (3.57) deva descrever o fenômeno atômico
se localiza, até aqui pelo menos, no nível abstrato da consistência interna da teoria: essa é
equação de onda que no domínio macroscópico (ótica geométrica) coincide com a
equação que rege o movimento de uma partícula de massa m imersa em um campo de
forças descrito pelo potencial (x,t). Mas o ambiente da época era de tal sorte que
Schrödinger seguiu adiante, mesmo não sabendo o que era (x,t), e nesse movimento
sempre para frente, apoiado somente em conjecturas abstratas, ele obteve resultados
alentadores, como veremos a seguir.
2 E o ( x)
½ mv 2 (x) E o cte. v , (3.58a)
m
2k 2 k 2 E o ( x)
(x) E o =cte. v (3.58b)
2m m m
e portanto
d k
cg v, (3.58c)
dk m
363
chega-se à seguinte conclusão: a velocidade de grupo da “onda de matéria” é igual à
velocidade da partícula de massa m no campo potencial (x).
Uma partícula livre ((x) = 0) descreve uma trajetória reta com velocidade v
uniforme; a onda que a representa propaga-se, portanto, ao longo de uma reta, mantendo
constantes não só a freqüência, mas também o vetor número de onda, ver (3.58b);
supondo que a partícula desloca-se ao longo do eixo coordenado x, a equação (3.57) toma
aí a forma
1/ 2 1/ 2
2m 2m
i t d 2 2m
i x
i x
(x, t) (x) e 0 (x) A e
A e
,
dx 2
o sinal (+) a indicar que a partícula desloca-se no sentido de x crescente e o sinal () no
sentido de x decrescente; observando que k = (2m/)1/2, a “partícula livre” é
representada pela “onda plana”
partícula
(x, t) A ei kx t , (3.59)
livre
a constante A sendo arbitrária, como arbitrária é a amplitude de uma onda plana: uma
partícula livre é representada por uma onda plana nas equações de Schrödinger.
105
Uma sub-classe deles, os chamados “problemas de Sturm-Liouville (1838)”, são fundamentais em
diferentes ramos da Física-Matemática, ver Coddington & Levinson (1955) e Courant & Hilbert (1953).
364
1 e2
(r) ,
4o r
2 d 2 n 2 d n 1 e 2
2 En n 0 ; E n n ,
2m e dr r dr 4o r
me e 4
E n E1 2n 2n ;
2 4o
2 2
(3.60b)
4o 2
r rB rˆ ˆ
r.
me e2
2 1 2 d n
n n 2 n n 0; n ˆ , (3.60c)
rˆ rˆ 2 dr
n 2n n 0 n (r)
ˆ A e n rˆ B e n rˆ .
ˆ e n r̂ Pn (r)
n (r) ˆ (3.61a)
365
rˆ Pn 2 2 n rˆ Pn 2 1 n Pn 0 . (3.61b)
ˆ 1 c1 rˆ c n 1 rˆ n 1 ; n = 1,2, ,
Pn (r) (3.61c)
2 n 1 n 2 1 n cn 1rˆ n 1 0
de onde segue
1
n ;
n
(3.62)
me e4 1
E n E1 2 2 2 ,
2
n h 2
o h n
366
A equação de Schrödinger é assim capaz de predizer a série de Balmer do átomo
de hidrogênio e ela foi aplicada, com um sucesso extraordinário, a vários problemas da
física atômica e molecular. Ela também recupera, como será visto no próximo item, um
dos conceitos mais importantes da Mecânica Quântica, o Princípio da Incerteza de
Heisenberg. Esses resultados derivados a partir da equação de Schrödinger, todos eles
marcantes, não podem ofuscar um outro, de diferente textura: a possibilidade de explicar
a dualidade onda-partícula da Mecânica Quântica como uma decorrência natural da
Ótica Geométrica. Nesse contexto, a “dualidade onda-partícula” retoma a antiga disputa
entre as teorias “corpuscular” (Newton) e “ondulatória” (Huygens) da luz,
reapresentando-a agora não de forma excludente, mas “complementar”: isoladamente, os
conceitos de “partícula” e “onda” são incapazes de descrever o mundo atômico. A
dificuldade conceitual da Mecânica Quântica deve-se, em parte ao menos, a essa
inadequação da terminologia usual, à semântica cotidiana impregnada pelos significados
“positivos” do mundo visível: a teoria subjacente é assim abstrata por natureza, porque
abstrata deve ser a “visibilidade” do mundo invisível.
367
no ano anterior, e recuperava a série de Balmer do hidrogênio; entretanto, não havia sido
ainda testada em problemas de difração e o significado de (x,t) continuava obscuro.
Em Julho de 1926, quando o quarto artigo de Schrödinger estava no prelo, Max
Born submeteu um trabalho que resolvia as duas questões ao mesmo tempo: ele
apresentou uma interpretação estatística para a função de onda e a confirmou através de
um problema de difração, versão “ondulatória” do problema de espalhamento das
partículas- analisado por Rutherford e verificado experimentalmente por Geiger &
Marsden. O propósito deste item é apresentar com algum detalhe esse trabalho de Born,
não só para que se perceba como experimento e teoria trabalharam em conjunto para
formalizar a concepção estatística, mas também para indicar como a necessidade de
confirmar experimentalmente essa concepção exigiu uma arguta elaboração matemática,
conhecida hoje por “aproximação de Born”, e pela representação da solução do
problema de difração através da função de Green, um procedimento clássico discutido no
exercício (1.19) no contexto da solução do escoamento potencial. Este item reproduz, de
forma mais didática e comentada, o Apêndice XVIII do livro Atomic Physics escrito por
Max Born em 1935.
“On this point I could not follow him (Schrödinger). This was connected with the fact that my
Institute and that of James Franck were housed in the same building of the Göttingen University. Every
experiment by Franck and his assistants on electron collision (of the first and second kind) appeared to me
as a new proof of the corpuscular nature of the electron”.
106
Apud Jammer, M. (1974): “The Phylosophy of Quantum Mechanics”, John Wiley & Sons. A frase inicial
“I could not follow him” refere-se à concepção de Schrödinger de que tudo seria radiação, de que a matéria
seria somente a “ótica geométrica” dessa radiação. As colisões de “first and second kind” designam os
experimentos de reflexão de Davidson & Germer e de difração de Thompson, ver item (3.4.2).
368
Do ponto de vista ondulatório, os “anéis de difração” devem estar associados aos
pontos de “máximo local” da função de onda (x,t) e do ponto de vista experimental era
visível que esses anéis eram regiões de “adensamento” da nuvem de elétrons incidente: a
conclusão óbvia é que a função de onda deve ser uma medida da probabilidade de se
encontrar elétrons em uma região do espaço. Mas que medida seria essa?
Born utilizou então uma identidade matemática já derivada por Schrödinger em
um de seus três primeiros artigos para concluir que |(x,t)|2 deveria ser a função
densidade de probabilidade de se encontrar a partícula no ponto x no instante t. A
identidade matemática é a seguinte (ver (3.57) e utilizar ||2t = *t + *t )
2 2
i (x, t) 0;
i
t 2m d
* * n dV ,
2
| | dV (3.63a)
*
2 dt 2m
i 2 * ( x, t) * 0; V V
t 2m
e ela impõe uma restrição matemática, qual seja, que em qualquer tempo finito a função
de onda (x,t) seja quadrado integrável no espaço de configurações n-dimensional V.
Uma condição suficiente para a integrabilidade de |(x,t)|2 é que (x,t) 1/r(+n)/2, com
> 0, quando r = |x| pois
dV r n 1dr;
dr
|| dV 1
2
1
( n) / 2
com 0; r
r
dV r n 1 ;
i
1 lim
n 1 ; r
2m V
* * n dV 0 ,
r
e portanto de (3.63a) segue que para qualquer (x,t) solução da equação de Schrödinger
a integral de |(x,t)|2 em todo espaço de configurações é constante, ela não varia com o
tempo. Observando agora que se (x,t) for solução de (3.57) então (x,t) também será,
pois a equação é linear em (x,t), a constante multiplicativa pode ser escolhida para
normalizar a função de onda, de tal forma que
| (x, t) | dV 1 .
2
(3.63b)
V
369
Se, nos ensaios de difração, a concentração ou rarefação de elétrons nos anéis
podem ser descritas por uma função densidade de probabilidade p(x,t) e se o lócus dessas
regiões de interferências construtiva e destrutiva são descritos pela função de onda (x,t),
deve-se ter p(x,t) |(x,t)|; como a integral de p(x,t) em todo espaço é, por definição,
unitária, de (3.63b) segue que a escolha óbvia parece ser
Essa proposta, por mais atraente e razoável que pareça, necessita de algum
respaldo empírico e exige, por essa razão, uma releitura de (3.63a) que possibilite uma
interpretação física mais clara da integral sobre a superfície de contorno V: nos ensaios
usuais, a energia, e portanto a freqüência , permanece constante e a função de onda
toma a forma harmônica (x,t) = (x)e-it, reduzindo (3.63a) à integral sobre V. Com
esse propósito, introduzindo o vetor j( ) ,
i
j( )
2m
* *
d
dt V
| |2 dV j( ) n dV 0 , (3.64)
V
Seja uma partícula-, com carga elétrica 2e, massa m e velocidade v, espalhada
por uma delgada lâmina de metal com número atômico Z; a energia E da partícula livre
e a energia (x) da perturbação introduzida por um átomo do metal são definidas pelas
expressões
370
E ½ m v 2 ;
2Ze 2 1 (3.65a)
(x) ,
4o r
2 2
i (x) 0; 2 2
t 2m E ( x) ,
2m
(x, t) (x) e it ;
e observando a relação
p 2m E ; 2m E
k
2
, (3.65b)
p k; 2
(x)
2 k 2 k 2 ;
E (3.65c)
(x) eikz quando r |x| ,
107
Difração vem do latim diffingere = quebrar, espedaçar, fazer em pedaços. O nome foi introduzido por
Grimaldi (1613-1663), um dos primeiros físicos a sugerir a natureza ondulatória da luz.
371
pode ser derivada. A condição no infinito é que diferencia o problema de “difração” do
problema dos “boud states” analisado no item (3.4.3): aqui o problema é determinar a
perturbação na trajetória da partícula- causada pela presença do átomo e a condição de
contorno no infinito simplesmente estipula que, longe da superfície difratora, o que se
observa é uma partícula livre deslocando-se na direção do eixo z, conforme discutido no
sub-item (3.4.3.1) e representado na Fig.(3.22). O problema (3.65c) é clássico na teoria
de ondas; por exemplo, como analisado no exercício (3.7), um problema formalmente
análogo ocorre na difração de ondas em mar raso causada por uma variação local da
profundidade do mar, definida pela expressão h(x)/h = 1 (x)/E, com h sendo a
profundidade do mar no “infinito”.
A solução analítica de (3.65c) é facilitada pela seguinte observação: como visto no
final do sub-item (3.4.3.2), que trata do espalhamento de Rutherford, a condição (x) =
(x)/E << 1 é satisfeita para a maioria das partículas-; escrevendo o potencial (x) na
forma da série assintótica,
2 1 k 2 1 0 1 eikz ; ( x )
k k ( x)
2 2 2
( x)
2 k 2 k (x) 1 k (x) e , E
2 2 2 2 ikz
2 s k 2 s k 2 (x) eikz ;
aproximação
(x) e ikz
s (x) com () ikr (3.66a)
s e quando r , de Born
r
onde s(x) é a onda espalhada que satisfaz no infinito a condição de radiação: como
s(x,t) = s(x)e-it e a onda espalhada se propaga do ponto O para o infinito, deve-se
escolher o fator eikr, e não e-ikr, pois ei(kr-t) se propaga radialmente para o infinito. A
“amplitude” ()/r depende do ângulo de espalhamento através da “função de
espalhamento” (), ver Fig.(3.22), e é inversamente proporcional ao raio r: a energia da
onda espalhada é proporcional à amplitude as(r) ao quadrado e sua integral na esfera
permanecerá invariante, como requer a conservação de energia, somente se as 1/r. O
372
comportamento de s(r,) no infinito, aqui antecipado, será formalmente derivado mais
adiante. Observando a relação
i
jo o*o *o o ikz v e z ;
o e
2m k
cg v (3.66b)
i | () |
2
s*s *s s v er ,
m
js (r, ) 2
2m r
com jo sendo o fluxo de partículas que “entram” na zona de difração pelo orifício de área
Ac, ver Fig.(3.22), e js (r, ) o fluxo de partículas espalhadas na direção na esfera de raio
r : esse fluxo é definido pelo produto da velocidade v da partícula pela amplitude ao
quadrado da onda – unitária na “entrada” (a = 1 para jo ) e igual a ()/r na direção da
“saída” – a velocidade da partícula na “saída” sendo igual ao valor de “entrada” v
quando r , um resultado consistente com o derivado no problema de espalhamento de
partículas-, ver Fig.(3.18a,b).
O número total de partículas que entram na região de difração pela abertura de
área Ac no intervalo de tempo t é assim igual a a2(vt)Ac = a2Ac|jo|t , onde a é a
amplitude da onda eikz e a2 é a densidade de partículas por unidade de volume; o número
de partículas que saem pela área S no entorno da direção nesse intervalo de tempo é
igual a a2S|js(r,)|t, pois as é a onda espalhada: se p() for a probabilidade, por
unidade de área da esfera de raio r, da partícula ser espalhada na direção , é evidente a
relação
373
seguir, essa solução pode ser representada com o auxílio da função de Green da equação
de Helmholtz e o comportamento quando r calculado analiticamente.
(x)
2 k 2 F(x);
x ) G(x; x) F( x) dV( x);
1 e ikR ( x , x )
V( (3.67)
G(x; x ) ; R(x, x ) (x x) 2 (y y) 2 (z z) 2 ,
4 R(x, x )
1 eikr
x 0; R(x; x ) r ; G ; G 1 eikr ik eikr
4 r ;
r 4 r 4 r
2
1 2 G 2 G k 2 G,
2G 2 r ;
r r r
seja V(x) uma pequena esfera de centro em x e raio << 1; de (3.67) segue
2 k 2
V ( 0 )
[ 2 G(x; x ) k 2 G(x; x )] F( x ) dV( x )
F(0)
V ( 0 )
[ 2 G(x; x ) k 2 G(x; x )]dV( x ) ()
G
F(0) dV ( x ) k 2 G(x; x )dV( x ) ()
V ( 0) r V ( 0 )
e portanto
G
2 k 2 F(0)
V ( 0 )
r
dV ( x ) ()
F(0) eik 1 ik
4 2 V ( 0 )
dV ( x ) () F(0) (),
4 2
374
3.4.4.4: Função de Espalhamento ()
k2 eikR ( x , x )
4 V(x ) R(x, x )
(x) eikz ( x )eikz dV( x ); 2m
k ( x ) 2 ( r )
2
(3.68a)
R(x, x ) (x x) 2 (y y) 2 (z z) 2 ,
| x | | x | R(x;x ) r x n | x 2 | / r 2 ,
eikr 1
(x) eikz eikxez n k 2 ( r )dV( x );
r 4 V( x )
r (3.68b)
e z n | e z n | e z,o n 2x n 2y 1 n z e z,o ,
2
com ez,o sendo o vetor unitário na direção (ez n). Da Fig.(3.22), nz = cos e da
identidade
() 2k sin 2 ;
() ikr
eikz e 2m 1 i ( ) x e z ,o (3.68c)
r () 2 4 e ( r )dV( x ).
V( x )
Seja agora o triedro ortogonal (ex,o; ey,o; ez,o), com ez,o sendo, como já
mencionado, o vetor unitário na direção (ez n); definindo coordenadas esféricas
baseadas no eixos (xo,yo,zo), sejam (;) os ângulos análogos aos ângulos (;) da
Fig.(3.22) e introduzindo o elemento de volume em coordenadas esféricas,
375
; dV( x ) r 2 sin dddr ;
; x e z,o cos ,
obtém-se
2
2m 1
4 0
() 2 sin d d r 2 ei ( ) r cos ( r )dr ,
0 0
2m
sin () r
() r dr ;
2
( r )
2 () r 2m 2Ze 2 1
2
2Ze 1
0
( )
2 4o () 0
sin () r dr . (3.68d)
( r ) ;
4o r
2m 2Ze2 1 ro 2m 2Ze2 1
() lim 2
sin () r dr lim 2 1 cos ( ) r ,
o 4o 2 ()
4 () 0
o
ro
ro
( )
2m 2Ze 2 1 Ze 2 1
() , (ver (3.65b));
4o () 8o ½m v sin 2 2
2 2 2
1 o / 2
(o ) lim lim () 1 cos () ro d ,
0 ro
o / 2
que reduz-se, em essência, ao valor médio de () no entorno de o: a idéia básica é que
a parcela “não convergente” cos () ro na integral que define (o) é “infinitamente
oscilatória”, pois ro , e tem contribuição nula para o valor médio; formalmente,
excluindo a “fase estacionária” o quando a integral I abaixo definida é da ordem
1/(kro )1/ 2 , tem-se
376
o o
()
() cos kro 2sin krlim sin(kro 2sin 2 ) d
d
I lim
kro
o
2
o
o
kro cos 2 d
( o ) o
sin(kro 2sin 2 ) d 0,
d
lim
kro kr cos o
o
2 o d
e portanto
() Ze 2 / r 1
2 , (3.69a)
8o ½m v
2
r sin 2
probabilidade de espalhamento na 2
1 Ze 2 / r 1
p() direção por unidade de área da A 8 ½m v 2 4
, (3.69b)
superfície da esfera de raio r. c o sin 2
109
Ver Liggthill (1958) “Fourier Analysis and Generalized Functions” e Cordaro & Kawano (2002) “ O
Delta de Dirac”; ver também discussão no item 3.7.3 da seção 3.7 (Apêndice 1).
377
3.4.5: Princípio da Incerteza de Heisenberg (1927)
110
Ver, por exemplo, Born (1935), “Atomic Physics”.
378
condição para que essa interferência ocorra é que as ondas emitidas a partir de B
cheguem em C em fase com as ondas emitidas a partir de A ou que a distância BD = BC
AC na Fig.(3.24) seja igual ao comprimento de onda e da “onda de matéria”; da
geometria segue, com erro da ordem (x/l)2, que BÂD 1 e BD xsin 1; portanto
p x pe sin 1 k e sin 1 ;
2 2
e p x , ke (3.70a)
sin 1 ; x e
x
1 1
(q, t) e dq (q, t) 2
i( k q ) i( k q )
ˆ (k , t) ˆ (k , t) e dk ;
2
n/2 n/2
(3.71a)
| (q, t) | dq | ˆ (k , t) |
2 2
dk : Identidade de Parseval ,
379
com {dq = dq1dq2dqn; dk = dk1dk2dkn}. A Transformada de Fourier é, como se
sabe, a extensão da série de Fourier,
l
1 1
ˆ (k , t) (q, t) e
i(k q)
dq (q, t) ˆ (k , t) e i(k q) ;
2
2l l 2l
k
l
| (q, t) |
2
dq | ˆ (k , t) |2 : Identidade de Parseval ,
| ˆ (k , t) | dk 1 ,
2
a indicar que |
ˆ (k , t) |2 é a função densidade de probabilidade no espaço n-dimensional
dos números de onda k = (k1;;kn). Os valores médios {qc(t); kc(t)} e os desvios padrões
{q(t); k(t)} são calculados pelas expressões usuais,
q c (t) q | (q, t) | dq; k c (t) k | ˆ (k , t) |
2 2
dk ;
(3.71b)
q (t) q q (t) | (q, t) | dq; k (t) k k (t) |
2 2
2 2 2 ˆ (k , t) | dk ,
2
c c
p c (t) k c (t);
(3.71c)
p(t) k (t).
A existência das integrais que definem {q;k} exige uma restrição mais forte
sobre { (q, t);
ˆ (k , t) } que a imposta na definição de (3.63b); por exemplo, que
1
{ (q, t);
ˆ (k , t)} quando r ;
( 2 n) / 2
r (3.72a)
{| (q, t) |2 ;|
ˆ (k , t) |2 } integráveis em V ,
380
e observando de (3.71a) que ik j ˆ (k , t) é a Transformada de Fourier de /qj, da
|
q j
(q, t) |2 dq k 2j |
ˆ (k , t) |2 dk , (3.72b)
uma expressão que será utilizada logo adiante. Imaginando, por instantes, que |(q)|2 seja
uma “distribuição de massa” no espaço n-dimensional da variável q, o ponto qc é o
“centro de massa” dessa distribuição e ||q|| = (q2)1/2 = (qj2)1/2 é o “raio de giração”
em relação ao “centro de massa”; o “raio de giração” em torno da origem O do sistema
coordenado é definido pela expressão
q q | (q, t) | dq q 2 q c2 ,
2 2 2
o
e o valor mínimo desse raio ocorre quando o pólo é o “centro de massa” e qc = 0; de outro
lado, definindo
1/ 2 1/ 2
ˆ (k , t) |2 dk
q j q 2j | (q, t) |2 dq ; k j k 2j | (3.72c)
381
*
1 q j | (q, t) | q j
2
(q, t) (q, t)
*
(q, t) (q, t) dq ,
q j q j q j
*
1 qj (q, t) * (q, t) (q, t) (q, t) dq 2 | q j | | (q, t) | | (q, t) | dq ,
q j q j
q j
ou
1
| q j | | (q, t) | | (q, t) | dq . (3.73a)
2 q j
1/ 2 1/ 2
| f (q) g(q)dq | | f (q) |2 dq | g(q) |2 dq , (3.73b)
estende para o par de funções a desigualdade clássica de vetores |fg| (ff)1/2 (gg)1/2, ver
exercício (3.11); utilizando (3.73b) em (3.73a) obtém-se, com o auxílio de (3.72b),
1/ 2 1/ 2 1/ 2 1/ 2
1
q 2j | (q, t) |2 dq
2
|
q j
(q, t) |2 dq
q 2j | (q, t) |2 dq
k 2j |
ˆ (k , t) |2 dk
q j k j ½ , (3.73c)
q j p j (3.74a)
2
382
e assim
n
n
q p q j p j . (3.74b)
j1 2
“At the moment of the position determination, that is, when the quantum of light is being diffracted
by the electron, the latter changes its momentum discontinuously” (on account of Compton effect)111
111
Apud Jammer, M. (1974): “The Phylosophy of Quantum Mechanics”; frase retirada do artigo de
Heisenberg de 1927 e traduzida do alemão por Jammer; a referência ao “efeito Compton”, feita tanto por
Heisenberg como por Jammer, coloca em contexto o termo “descontinuidade”.
383
ordem de é consistente com o fato da energia do fóton ser . Na realidade, ela vai um
passo além e coloca o Princípio da Incerteza como a base axiomática da Mecânica
Quântica, certamente não porque assim seja112, mas pela importância conceitual que ela
subentende; essa “interpretação”, como todo corte “pragmático”, deixa ao largo a questão
de essência seria essa incerteza intrínseca à natureza ou ela apareceria somente na
descrição da natureza para poder prosseguir com a “rotina” da Física.
No outro extremo, sem que haja qualquer modificação “prática”, mas
introduzindo uma visão radical e de alguma sutil maneira essencial, localiza-se a
“interpretação de Copenhagem” devida a Niels Bohr, baseada no Princípio da
Complementaridade: de forma resumida (e incompleta), ele afirma que os fenômenos
atômicos só podem ser descritos pelos conceitos simultâneos de “onda” e “matéria”,
vistos não de maneira excludentes mas complementares. O fenômeno atômico é “onda” e
“matéria” ao mesmo tempo, e ora uma descrição “ondulatória”, ora uma descrição
“corpuscular”, se mostra mais adequada; nas palavras de Bohr113
“The essence [of the quantum theory] may be expressed in the so-called quantum postulate, which
attributes to any atomic process an essential discontinuity, or rather individuality, completely
foreign to the classical theories and symbolized by Planck’s quantum of action”
“The two views of the nature of light [“wave” and “photon”] are to be considered as different
attempts at an interpretation of experimental evidence in which the limitation of the classical
concepts is expressed in complementary ways”.
112
Popper argumenta com propriedade que o Princípio da Incerteza não pode ser, do ponto de vista lógico,
definido como a base da Mecânica Quântica, pois ele pode ser deduzido a partir da equação de Schrödinger
com a interpretação estatística de Born, mas a equação de Schrödinger não pode ser deduzida a partir do
Princípio da Incerteza; ver K. Popper (1974), “A Lógica da Pesquisa Científica”, Editora Cultrix &
EDUSP, tradução baseada na versão do original revisto em 1973.
113
Apud Jammer (1974), em trabalho apresentado por Bohr no Congresso Internazionale dei Fisici, Como,
11-20 Settembre 1927.
384
argumentando, não sem razão, que a Física trabalha com as medidas das coisas e não com
as coisas em si; de outro lado, a “interpretação de Copenhagem” incomoda o pensamento
clássico, pois introduz a “incerteza” no âmago mesmo das coisas, como uma
impossibilidade teórica insuperável que continuaria a aparecer mesmo considerando
“medidas ideais”. É contra a “interpretação de Copenhagem” que Einstein levanta-se para
dizer que “Deus não joga dados” e propõe, como contraponto, uma “interpretação
estatística”, argumentando que em todo experimento de “difração da matéria” – de
elétrons, das partículas-, etc. – se trabalha com um número imenso de partículas e que
os “anéis de difração” nada dizem sobre uma partícula isolada, mas sim sobre a estatística
de um conjunto (“ensemble”) de partículas.
Antes de apresentar a elaboração de Popper sobre a “interpretação estatística” de
Einstein, é importante já aqui trazer à luz algumas diferenças de enfoque entre essas
distintas interpretações. As interpretações “operacional” e “estatística” estão centradas no
Princípio da Incerteza e nas “ondas de matéria” e, ao contrário da escola de Copenhagem,
são omissas, nada dizem sobre o “quantum de energia” da radiação eletromagnética,
como se fosse possível aceitar o “salto quântico” em um continuum de energia (radiação),
mas duvidoso aceitá-lo em um “elemento discreto” da matéria. Isso posto, há uma
segunda diferença de enfoque: as interpretações “operacional” e de “Copenhagem”
referem-se a uma partícula isolada, enquanto a “estatística” trata um conjunto
(“ensemble”) de partículas e é aí, é nesse ponto que Popper entra.
Popper foi um filósofo, não por formação acadêmica mas por atuação, com uma
acentuada preocupação epistemológica e, em particular, com a estrutura lógica das
ciências ditas empíricas. O problema central da teoria do conhecimento, como
reconhecido por Kant segundo Popper, é o problema de demarcação, assim entendido no
contexto em pauta: é o “problema de estabelecer um critério que nos habilite a distinguir
entre as ciências empíricas, de uma parte, e a Matemática e a Lógica, bem como os
sistemas “metafísicos”, de outra”.
Da centralidade do “problema de demarcação” Popper parte para definir um
critério de demarcação, assim colocado por ele:
“Contudo, só reconhecerei um sistema como empírico ou científico se ele for passível de comprova-
ção pela experiência. Essas considerações sugerem que deve ser tomado como critério de demarca-
ção não a vericabilidade, mas a falseabilidade de um sistema. Em outras palavras, não exigirei que
um sistema científico seja suscetível de ser dado como válido, de uma vez por todas, em sentido po-
sitivo; exigirei, porém, que sua forma lógica seja tal que se torne possível validá-lo através de recur-
so a provas empíricas, em sentido negativo: deve ser possível refutar, pela experiência, um sistema
385
científico empírico”.114
É evidente, portanto, que a única interpretação possível para Popper das “ondas de
matéria” e do Princípio da Incerteza é a “interpretação estatística”, pois é a única que tem
uma “forma lógica” possível de ser validada: as interpretações “operacional” e de
“Copenhagem”, ao tratarem do comportamento de uma partícula isolada, exigiriam em
tese um experimento com uma partícula isolada. Entretanto, uma revisão atenta da análise
clássica de Rutherford e da análise quântica de Born indica que o que se prevê é a
densidade de probabilidade de uma partícula e essa previsão só pode ser falseada se se
considerar um número imenso de partículas, que traga ao experimento a estabilidade
estatística que a teoria demanda; ou, em outras palavras, a “interpretação estatística” é a
que se impõe, pois o que é previsto pela teoria é uma função densidade de probabilidade.
A questão de fundo é outra, no entanto. O campo “estatístico” é, por definição,
“indeterminado”, pois só poderia ser determinado, no contexto da Física Clássica, se se
soubesse as posições e momentum de todas as partículas no instante inicial; o que Bohr
coloca, e é sobre esse ponto que Einstein e Popper, cada um com seu argumento, reagem,
é que existe uma impossibilidade teórica, e não só prática, de se conhecer esse estado
inicial precisamente. Einstein ao proclamar que “Deus não joga dados” e ao propor sua
“interpretação estatística” está reagindo contra o indeterminismo de essência colocado
por Bohr, um espécie de “livre arbítrio” da natureza, e não contra o “indeterminismo”
observado nos experimentos; Popper, ao rejeitar a “interpretação de Copenhagem”, a
rejeita por não considerá-la “científica” e a coloca na prateleira dos problemas
metafísicos: ela não é suscetível de ser refutada por nenhum experimento e, portanto,
pertence à categoria metafísica e não à da ciência.
A “interpretação operacional” tenta mitigar esse conflito oferecendo uma solução
de compromisso, usual nos enfoques pragmáticos: mesmo se se aceitar que “Deus não
joga dados” a Física, que não é a descrição da coisa em si, mas sim das medidas dos
fenômenos que explicitam a coisa, é indeterminada por natureza pois, repetindo
Heisenberg, o próprio ato de medir modifica a coisa medida. O pragmatismo tem a
virtude de acomodar as questões filosóficas ou de princípios para poder seguir adiante
114
Ver Popper (1974), ob.cit. Quase implícito nesse enunciado é a habilidade de um sistema científico
prever resultados que possam ser “falseados” por experimentos e é evidente que o “universo científico”
delimitado por Popper exclui muita coisa. Por exemplo, a teoria de Darwin, a leitura mais brilhante sobre a
evolução das espécies, encontra dificuldades óbvias em prever, na quantidade que a teoria necessita,
resultados que possam ser “falseados” pela realidade, mas parece difícil negar a essa “leitura” o status de
ciência. O paradigma de Popper em seu “critério de demarcação” é a Física e, nesse contexto, ele parece
apropriado; dizer, no entanto, que tudo aquilo que ele (critério) exclui é “metafísico”, isso é, “não
científico”, parece ser dogmático demais lá mesmo, na seara “não dogmática” da ciência.
386
com os procedimentos mais prementes; como usual, no entanto, em sua virtude reside sua
fraqueza: porque acomoda não radicaliza, e por não radicalizar evita uma discussão que
poderia (nem sempre, é verdade) descortinar um panorama novo, de uma fertilidade
insuspeita.
Na visão de Bohr as imagens que temos, e as palavras que as descrevem, foram
construídas no mundo clássico das “coisas visíveis” (“macroscópicas”) e são, por isso,
adequadas para descreverem os fenômenos aí observados; quando adentramos um
universo distinto, naturalmente o olhamos com o olhar impregnado pelo nosso mundo
original e descrevemos o que detectamos nesse novo universo com as imagens e palavras
herdadas do “mundo clássico” e que são, por isso também, intrinsicamente inadequadas
para descreverem um universo que lhes é estranho. Parte da dificuldade da Mecânica
Quântica reside aí, na inadequação da linguagem habitual e no abandono das imagens do
“mundo tátil”, que se incrustaram na percepção como um segundo ser e comandam, a
partir daí, nosso olhar e nossa compreensão: o ritual de passagem do “clássico” para o
“moderno” exige uma linguagem que misture os conceitos antes nela demarcados e
imagens que se desgrudem do “mundo tátil” e se coloquem como desenhos, por
necessidade abstratos, de um mundo novo que não se mostra ao visível. Já foi dito que a
interpretação de Bohr foi construída em fase com o desenvolvimento teórico-
experimental da Mecânica Quântica nos primeiro trinta anos do século XX; mas ela está
em fase também com todas as rupturas na cultura estabelecida no começo do século XX
que apontavam, todas elas, na literatura, na música e na pintura, para um esgotamento das
imagens e palavras do mundo clássico, incapazes que eram de traduzir as mesmas sempre
tensões com o vigor que só o novo possui e que encontraram, todas elas, na “linguagem
abstrata” uma rota de escape possível: não há acaso ou coincidência aqui, mas
simplesmente o esgotamento, simultâneo em todas as áreas do conhecimento, de um
pensamento clássico ainda com um forte resíduo escolástico115 e o deslocamento das
imagens do habitado e amigável concreto para o rarefeito e cerebral abstrato. O legado de
Bohr não deve ser medido por uma métrica operacional, tão pouco epistemológica: ele
deve ser reconhecido pela fertilidade conceitual que permite engendrar e pela sintonia
com uma nova cultura que então se estabelecia.
***
115
Identificado, na Física Clássica, pelos “arquétipos mecanicistas” que “explicam” os fenômenos
tornando-os “compreensíveis”, isso é, “assimiláveis” pelo senso macroscópico comum. Ao contrário do
coração, “que só entende o que é cruel e o que é paixão”, a razão só entende “o que é ordem e o que é
proporção”: embora isso exclua “quase tudo” de seu campo de ação, ela abarca ainda muito mais que só
“mecanismos”, essa espécie de “maneirismo” da razão utilizado, às vezes com alguma vantagem, para criar
imagens, sempre imperfeitas, do invisível.
387
3.5: EFEITO DOPPLER E RELATIVIDADE RESTRITA
Quando uma onda interage com um corpo em movimento – com um navio, por
exemplo – a freqüência observada no corpo é diferente da freqüência original da onda, a
diferença dependendo da velocidade relativa entre onda e corpo. Essa mudança de
freqüência é conhecida na literatura pelo nome Efeito Doppler e o estudo desse fenômeno
revela a importância do meio através do qual a onda se propaga no estudo de sistemas
mecânicos usuais; como será visto no item (3.5.1) desta seção, ele mostra também, por
contraste, a necessidade de correções profundas no formalismo da Mecânica Clássica no
caso de uma onda prescindir de um meio para se propagar, como ocorre em fenômenos
onde a interação entre corpos se dá à distância, no vácuo, sem que meio algum
intervenha.
Exemplos clássicos de “ação à distância” são a lei de gravitação de Newton,
onde massa atrai massa na razão direta das massas e inversa do quadrado da distância, e a
lei de Coulomb da Eletricidade, onde carga elétrica atrai (ou repele) carga elétrica na
razão direta das cargas e inversa do quadrado da distância: nesses dois casos meio algum
intervém entre os corpos e as forças que aparecem devem-se a uma “ação à distância”.
Se agora uma das massas, por exemplo, for deslocada essa informação é propagada para a
outra massa como uma onda do campo gravitacional, da mesma forma que o movimento
de uma carga origina uma onda do campo eletromagnético, e essas duas ondas
propagam-se no vácuo, isso é, na ausência de qualquer meio.
Na realidade a “ausência de um meio” nunca foi completamente aceita na Física
Clássica e a procura desse meio – o éter em relação ao qual a luz se propagaria –
consumiu mais de 200 anos e não chegou a lugar algum; o abandono do éter exigiu
modificações profundas na Mecânica que se consubstanciaram na Teoria da Relatividade
Restrita, como desenvolvida por Lorentz, Poincaré e Einstein no início do século XX.
Esse foi um dos primeiros marcos da Física Moderna, uma das últimas rupturas com a
escolástica, onde a preocupação residia menos na descrição do fenômeno em si e mais na
tentativa de explicar sua gênese ou, na versão mais moderna, na tentativa de descrevê-lo
em termos de “mecanismos” que tornassem “visível” sua compreensão. A Física
Moderna evita visibilidades herdadas de outros ramos do conhecimento e da própria
Física Clássica, pois o domínio onde atua é inacessível ao visível, aos sentidos, ao senso
comum. Por isso ela é abstrata por natureza e sua linguagem própria é a Matemática; por
isso a dificuldade de traduzi-la na linguagem usual, na semântica do senso comum.
O objetivo neste capítulo é obter os principais resultados da Relatividade Restrita
começando, justamente, com o estudo do Efeito Doppler. Nesse contexto a invariância
388
da velocidade da luz (ou da onda gravitacional) aparece como uma conseqüência da
teoria e não mais como um postulado; o postulado que substitui essa invariância é
justamente aceitar a existência de ondas que prescindam de meio para se propagarem.
Sejam TF o período com que apitos são emitidos pela fonte F e TR(a,b) os períodos
dos apitos percebidos em R nas situações (a) e (b) definidas na Fig.(3.24). No instante t =
0 pode-se considerar que fonte e receptor estejam coincidentes e o primeiro apito é
emitido; portanto tF,1 = tR,1 = 0 é esse tempo. O segundo apito é emitido no tempo tF,2 = TF
e é recebido no receptor no tempo tR,2 = TR(a) no caso do problema (a). Se c for a
velocidade do sinal (isso é, da onda acústica no caso), a distância percorrida pelo sinal do
segundo apito, c(tR,2 tF,2), deve ser igual à distância percorrida pelo receptor R, U(tR,2
tR,1). Portanto c(TR(a) TF) = UTR(a) ou
TR(a ) 1
. (3.75a)
TF 1 U / c
389
TR(b)
1 U / c . (3.75b)
TF
Essa aparente contradição pode ser removida quando se observa que o problema
(b), visto no sistema de referências onde a fonte F está fixa, exige a presença de um vento
U, como indicado na Fig.(3.25). Ora, c é a velocidade da onda acústica em relação ao
meio (ar) e como o meio se desloca com U, a velocidade da onda acústica em relação ao
“sistema fixo” F é cF = c + U. Utilizando este valor no lugar de c na expressão (3.75a)
obtém-se
116
Na realidade, no caso de ondas acústicas a velocidade da onda c varia com a densidade do fluido e não
pode ser considerada constante quando U c. Essa variação com uma propriedade do meio é típica nos
sistemas mecânicos usuais, onde as ondas se propagam através de um meio.
390
TR 1 cF
1 U / c ,
TF 1 U / cF c F U
391
de Galileu e Newton para todas províncias da Física, e uma importância histórica que será
comentada no item final desta seção.
tR tF;
xR xF U tF; (3.76)
v R v F U,
117
Por exemplo, quando se afirma no problema (a) que a distância percorrida pelo segundo sinal é igual a
c(tR,2 tF,2) a relação tR = tF está sendo (implicitamente) utilizada.
118
Em fins do século XVII a luz já era proposta como um fenômeno ondulatório (Huygens (1629-1695)),
embora não fosse ainda identificada com uma onda eletromagnética; essa identificação só ocorreu cerca de
duzentos anos após com Maxwell (1831-1879).
392
3.5.3: A História do “Éter” na História da Física
Como visto no item (3.5.1), um resultado paradoxal é obtido quando uma onda
“prescinde de um meio” para se propagar. Nos casos usuais da Mecânica, as ondas se
propagam ou em sólidos ou em fluidos e o meio se explicita naturalmente; no caso das
ondas eletromagnéticas – a luz, em particular – não existe evidência material de um meio
através do qual essas ondas se propagam e um esforço considerável foi despendido em
sua busca; quando ela se mostrou infrutífera não restou aos físicos outra opção que
abandonar aquilo que parecia óbvio e tentar o improvável119: essa é a gênese da Teoria da
Relatividade Restrita.
É instrutivo que se faça aqui um breve relato histórico sobre a busca desse meio
pois isso pode colocar, no devido contexto, a situação da Física no início do século XX; o
relato é baseado nos livros de Whittaker (1958) e Abro (1951).
Desde os tempos da Grécia Antiga acreditava-se que a interação entre corpos
ocorria por “contigüidade”, que forças não poderiam existir exceto pela ação direta da
pressão ou impacto. A “ação à distância”, como a observada entre imãs ou entre a Lua e
a maré, não era compreensível para o modo de pensar então vigente. Descartes (1598-
1650) propôs, por isso, que o espaço deveria ser ocupado por um meio que, embora
imperceptível ao sentido, fosse capaz de transmitir forças em corpos nele imersos120.
Esse meio foi denominado “éter”, uma palavra de origem grega significando o “azul do
céu” que passou para as línguas modernas via o latim. A história do “éter” coincide,
segundo Whittaker, com a própria história da Física.
A geração que sucedeu Descartes testemunhou um dos mais retumbantes sucessos
de um tipo de “ação à distância”: a Lei da Gravitação, proposta em 1687 por Newton
(1642-1727). Embora Newton mesmo não aceitasse a noção de “ação à distância” e a
considerasse um absurdo, procurou evitar discussões mais aprofundadas sobre como essa
atração entre corpos poderia ser exercida, sobre um “mecanismo” que a tornasse
compreensível. Sua frase “hypotheses non fingo” (hipóteses não faço) é uma desculpa
para se esquivar desses problemas especulativos e é citada na Literatura como
demonstrativa de sabedoria. Interrompendo, por instantes, a ordem cronológica, é
importante relembrar que Coulomb (1736-1806) propôs, em 1788, uma lei análoga para a
119
“It is an old maxim of mine that when you have excluded the impossible, whatever remains, however
improbable, must be the truth”, Sherlock Holmes apud Bender & Orszag (1978).
120
É importante observar que na proposta de Descartes define-se o “éter” como um atributo do “espaço”: já
lá na sua origem, portanto, “gravidade” e “eletricidade” estavam de certa forma ligadas, pois se reconhecia
a existência de interações que se estabeleciam através de um “espaço vazio” provido, no entanto, de um
“meio etéreo”.
393
atração (ou repulsão) de cargas elétricas. A semelhança entre essas duas leis, aprofundada
pelo fato que ambas referem-se a “ações à distância”, é responsável, sem dúvida, por uma
certa similaridade entre as Teorias da Gravitação e do Eletromagnetismo, como será visto
mais adiante neste capítulo; a diferença que mais intriga, a ausência de massas com
“sinais diferentes”, tem sido objeto de estudo em tempos recentes.
A propagação da luz sempre teve uma posição de destaque no estudo da Física e
duas Teorias competiram, ao longo do tempo, para explicá-la: a primeira, a Teoria
Corpuscular, atribuída em parte a Newton, identificava a luz como uma corrente de
corpúsculos emitidos pelos corpos luminosos; a segunda, a Teoria Ondulatória, é devida
a Huygens (1629-1695). A Teoria Corpuscular explicava qualitativamente bem os
fenômenos da Ótica Geométrica e era capaz de predizer a Lei de Snell da refração
supondo, no entanto, que a velocidade da luz, como a velocidade do som, fosse maior na
água que no ar. A teoria Ondulatória se adequava melhor a uma série de outros
fenômenos óticos e também predizia a Lei de Snell afirmando, no entanto, que a
velocidade da luz no ar deveria ser maior que na água. Somente em 1850 um experimento
clássico de Foucault & Fizeau mostrou que a velocidade na água era menor que no ar e
que portanto a Teoria Ondulatória era correta. No restante deste capítulo nos referiremos
exclusivamente a essa Teoria mas é importante relembrar, como visto na seção (3.4), que
na Mecânica Quântica o dualismo onda-partícula reaparece, não sob forma de confronto,
mas como conceitos complementares.
Na história do “éter” pinçaremos, aqui e ali, nomes de relevância na Física que
contribuíram para formar esse conceito. Euler (1707-1783), por exemplo, insistia com
vigor que o “éter está para a luz como o ar está para o som” e, antecipando Maxwell, já
propunha então que “eletricidade” e “luz” eram fenômenos com uma mesma origem;
essa relação foi formalmente proposta por Maxwell (1831-1879) em seu estudo sobre o
Eletromagnetismo, publicado em 1864, e verificada experimentalmente por Kerr em 1875
e, de uma maneira mais abrangente, por Hertz em 1888.
Young (1773-1829) e Fresnel (1788-1827), os principais responsáveis pelo
desenvolvimento da Teoria Ondulatória da luz, postulavam que o “éter” era um meio
elástico, com deformações controladas pelas leis da Mecânica e onde as ondas de luz
eram propagadas. Maxwell também imaginava o “éter” como um sólido elástico, onde a
energia magnética seria a energia cinética do meio e a energia elétrica sua energia de
deformação; muitos resultados da Teoria Eletromagnética por ele proposta foram obtidos
a partir dessa analogia e o sucesso inequívoco de seu trabalho ajudou, certamente, a
reforçar ainda mais a importância do “éter” na Física. Quase simultaneamente, no
entanto, o próprio esforço de dar substância ao “éter”, de provê-lo com propriedades
394
mecânicas que ele, enquanto meio, deveria possuir, começou a miná-lo como um
conceito relevante para a Física.
Pois, acima de tudo, o “éter” é intangível e sua substância foi construída a partir
de exercícios especulativos, onde propriedades desse meio eram propostas para que se
alcançasse os resultados desejados. Nesse contexto, por si só, o “éter” já perde quase toda
sua importância, pois funciona mais como um amuleto apaziguador do espírito que como
uma força viva do desenvolvimento teórico; ele torna-se quase uma reminiscência da
escolástica, onde os conceitos existem mais para acomodar os fatos da Natureza a uma
pré-concepção metafísica (no caso, o inconformismo com a “ação à distância”) que para
ordenar as idéias e promover a descrição do fenômeno. À parte isso – e esse foi um
comentário pessoal – é certo que uma série de diferenças, algumas delas irreconciliáveis,
existiram entre as distintas concepções de “éter” concebidas pelos cientistas.
Não entraremos aqui na discussão dos vários modelos propostos – existe um
capítulo inteiro de Whittaker dedicado a esse tema – mas centraremos a atenção em um
aspecto que parece da maior relevância: ele diz respeito ao movimento relativo entre o
“éter” e os corpos em geral. Embora alguns físicos, Hertz e Stokes entre eles,
defendessem a idéia que o “éter”, como um fluido, deveria ser arrastado pelo corpo em
movimento, essa é uma idéia estranha para algo que se pretenda como “meio” e parece
não ter contado com muitos adeptos na comunidade científica; a maioria entendia que
algum movimento relativo entre o corpo e o “éter” deveria existir e poderia ser detectado
pelo Efeito Doppler, de maneira similar ao estudado no item (3.5.1).
Michelson & Morley (1887) montaram um aparato ótico com a finalidade de
medir os padrões de interferência (freqüência) quando raios de luz propagam-se na
direção do movimento de translação da Terra e na direção perpendicular a ela; pois se a
Terra se movimentar através do “éter” um “vento”, como o observado na Fig. (3.24),
deve existir e modificar o padrão de interferência. O experimento forneceu um resultado
totalmente negativo: nenhuma diferença foi observada.
Michelson & Morley concluíram pela inexistência do movimento relativo entre o
“éter” e a Terra, mas poderiam ter concluído também pela simples inexistência do próprio
“éter”. No final do século XIX a comunidade científica concebia essa entidade em uma
forma próxima da definida por Lamor em 1900: como sendo um “meio imaterial”, suis
generis, não composto de elementos identificáveis e não possuindo uma localização
definida no espaço.
De uma certa maneira essa é uma forma eufêmica de se dizer que o “éter” é nada,
que não existe meio através do qual as ondas eletromagnéticas se propagam. Essa idéia
será alçada à condição de Postulado na próxima seção.
395
3.5.4: Efeito Doppler Revisitado: Transformação de Lorentz
Abandonada a idéia do “éter” e aceita, portanto, a noção que corpos podem exercer
forças sobre corpos sem a intermediação de meio algum, três conceitos coexistiam no
início do século XX, incompatíveis entre si; eles são:
i) O Princípio da Relatividade;
ii) As Transformações de Galileu (3.76);
iii) A existência de ondas que prescindam de um meio para se propagarem.
t R (t F , x F );
(3.77a)
x R (t F , x F ),
vR
/ t F vF / x F . (3.77b)
/ t F vF / x F
396
Se uma partícula em F estiver se deslocando com velocidade uniforme – isso é, se
vF = cte. e a aceleração da partícula for nula – o Princípio da Relatividade obriga que a
aceleração em R seja também nula, ou vR = cte. e portanto independente de xF e tF. Isso
exige que as derivadas parciais (/tF), (/xF), (/tF), (/xF) sejam constantes ou,
dito de outra forma, que
xR xF tF;
(3.78a)
tR xF tF.
xF xR tR ;
(3.78b)
tF xR tR ,
e alguns argumentos simples podem ser utilizados para determinar relações entre os
coeficientes , , e . De fato, a origem xR = 0 do “sistema móvel” R desloca-se com
velocidade + U em relação ao “sistema fixo” F e assim, de (3.78a), segue que U = xF/tF =
/ (xR = 0); de outro lado, a origem xF = 0 do “sistema fixo” F desloca-se com
velocidade U em relação ao “sistema móvel” R e assim, de (3.78b), segue que U =
xR/tR = / (xF = 0); portanto = > 0, pois xR/xF >0. A escolha do sistema F como
“fixo” e do sistema R como “móvel” é arbitrária, posto que o Princípio da Relatividade
estipula a perfeita equivalência entre ambos: no sistema de referências R este sistema é
“fixo” e o sistema F translada-se para a esquerda com a velocidade U; efetuando a troca
{tF tR; xF xR} o sistema móvel e fixo invertem posições e de (3.78b) obtém-se
x R xF tF;
(3.78c)
tR xF tF ,
397
U / ;
0; (3.78d)
1.
x R x F Ut F ; x F x R Ut R ;
2 1 x F 2 1 x R (3.79a)
t R 2 tF ; tF 2 tR ,
U U
vF U
vR . (3.79b)
2 1 vF
1
2 U
398
e, para evitar ambigüidades, suporemos, como no problema acústico ( = 1), que a
celeridade c da onda é aquela que se observa no sistema fixo em relação ao chão, ver
Fig.(3.25).
No problema (a) o “sistema fixo” é a fonte F e o “sistema móvel” é o receptor R
que se desloca para a direita com velocidade + U. O evento (iii) é caracterizado, no
sistema F, pelas coordenadas {xF(3) = UtR(3) = UTR; tF(3) = TR}, ver (3.79a): o
sinal percorre a distância xF = xF(3) xF(2) = UTR no interval de tempo tF = tF(3)
tF(2) = TR TF e portanto ctF = xF, de onde segue
TR(a ) 1
. (3.80a)
TF (1 U / c)
TR( b)
1 U / c . (3.80b)
TF
1
0. (3.81a)
1 (U / c) 2
x
t R t F (U / c) 2 F ;
U
x R x F U t F ; (3.81b)
vF U
vR ,
1 U / c vF / U
2
399
que são as Transformações de Lorentz obtidas em 1903 por Lorentz.
Relembrando que c é a velocidade da onda que prescinde de um meio para se
propagar, se vF = c em (3.81b) então vR = c: a velocidade dessa classe de ondas é
invariante, isso é, é sempre a mesma em qualquer sistema inercial deslocando-se
uniformemente em relação a outro sistema inercial. De (3.81a) segue também que U c e
portanto a celeridade c dessas ondas é a máxima velocidade possível. Em outras palavras:
toda onda que prescinde de um meio propaga-se com a mesma velocidade c, o máximo
valor possível da velocidade. Portanto c é a velocidade da luz no vácuo, pois a luz é uma
onda que prescinde de meio (do “éter”); as ondas gravitacionais, que também prescindem
de um meio, propagam-se com a mesma velocidade c da luz e ela é a maior velocidade
possível.
Se a velocidade da luz c fosse infinita as Transformações de Lorentz (3.81b) se
reduziriam às Transformações de Galileu ou, em outras palavras, a Mecânica Clássica é o
limite da Mecânica Relativística quando U/c 0; usualmente U/c << 1 e as
Transformações de Galileu (U/c = 0) podem ser, por isso, utilizadas em primeira
aproximação.
Veremos, a seguir, como certas relações conhecidas da Teoria Restrita da
Relatividade podem ser recuperadas a partir de (3.81) e do uso, ainda que informal, da
idéia de invariância, que já marcara presença na Mecânica Lagrangeana e é elevada ao
status de princípio na formulação de Minkowski da Relatividade.
Com o intuito de tornar mais direta a exposição diremos, a seguir, que o sistema F
é “estacionário” e o sistema R, que se desloca em relação a F com velocidade U, é
“móvel”; queremos determinar como um intervalo de tempo T = TR e um
comprimento l = lR medidos no sistema “móvel” R aparecem no sistema
“estacionário” F.
Um intervalo de tempo T = TR, associado à duração de um evento em R, deve
ser medido em um ponto fixo do sistema “móvel”; sem perda de generalidade suporemos
que esse ponto coincida com a origem xR = 0. Utilizando as Transformações de Lorentz
(3.81b) concluímos que xF = UtF e assim tR = [1 (U/c)2]tF = tF/. Portanto TF =
TR = T e como > 1 diz-se que “o tempo se dilata quando medido no sistema
estacionário”.
O comprimento de uma régua fixa no “sistema móvel” R é dado pela diferença de
coordenadas de suas extremidades: l = lR = xR,2 xR,1; o comprimento dessa mesma
400
régua, medido no sistema “estacionário” em um certo instante tF, é também dado pela
diferença de coordenadas de suas extremidades: lF = xF,2 xF,1. De (3.81b) tem-se xR,j =
[ xF,j UtF] e portanto lR = lF ou lF = l/; como > 1 diz-se que “o
comprimento se contrai quando medido no sistema estacionário”.
É claro que nem a contração do comprimento nem a dilatação do tempo têm
caráter absoluto: um intervalo de tempo medido na origem do sistema “estacionário” será
visto dilatado no sistema “móvel”, por exemplo.
121
Essa definição é inspirada na fórmula clássica de Einstein E = mc2 mas não tem, nesse argumento,
significado físico algum: ela serve somente como um valor de referência. A relação E = mc2, esta sim,
tem um significado físico profundo, como discutido no item (3.5.8) desta seção.
401
forma quando expressas em sistemas de referências que se movimentam com velocidade
uniforme uns em relação aos outros.
A relação entre EF e ER deve ser função do “parâmetro relativista” introduzido
em (3.81a) e assim
E F mc2 ; m 1
2
E F f ( ) E R f ( ) com 1 . (3.82a)
E R m oc ; mo 1 U / c
2
m
T E F E R ½ mo U 2 f () 1 ½ U / c quando U / c 1 (3.82b)
2
mo
mo c2
F E mc 2
;
1 U / c
2
mo
m (3.82c)
1 U / c p mU
2 mo U
,
F
2
1 U / c
Seja uma onda plana que se propaga no espaço caracterizada, como indicado na
Fig.(3.28), pela energia por unidade de “volume” E, pelo número de onda k, freqüência
e direção em relação ao eixo x. Pretende-se definir as relações cinemáticas entre os
valores {F; kF; F} observados no sistema F e os valores {R; kR; R} observados no
402
sistema R, que se desloca com velocidade Ui em relação a F, e também a relação
dinâmica entre as energias EF e ER.
k R x R cos R y R sin R R t R ; c R R / k R ,
pois cristas e cavas devem ser observadas como cristas e cavas em F e R; como xR =
[xF UtR]; yR = yF; tR = [tF (U/c)2xF/U] tem-se
c U U
k R cos R R x F sin R y F R 1 cos R t F
c c cR
k F cos F x F sin F y F F t F ,
com
F U
1 cos R ;
R cR
1/ 2
(3.83a)
2
cR U cr
2
kF (U / c)
1 cos R 1 sin R 1
2
,
c c c 2
kR
1 cos r
c U
c c
R
sin R
tan F . (3.83b)
c U
cos R R
c c
403
A mudança na direção de propagação é denominada fenômeno da aberração122 e
para R = F = 0 tem-se
F c U
cF R
k F 1 cR U
, 0
(3.83c)
c c
de acordo com (3.81b); também, como RTR = FTF = 2, de (3.80b) obtém-se F/R =
TR/TF = (1+U/c), que coincide com (3.83a) quando R = 0.
Para estabelecer a regra de transformação da energia irradiada pela onda
precisamos definir o invariante que caracteriza esta entidade e podemos aqui ir direto ao
ponto: o fóton, a “partícula” de luz, tem energia E , uma relação universal a obrigar
a invariância da constante de Planck ; portanto E/, o “invariante adiabático” do item
(3.2.1), é aqui também invariante e EF = ER(F/R) , de onde segue, para qualquer onda,
E F 1 (U / c R ) cos R E R , (3.84c)
122
De ab-errare: afastar na direção errada, desviar. Bradley verificou em 1728, um ano após a morte de
Newton, que o desvio angular observado ao longo do ano na posição de estrelas distantes era devido à
variação do sentido da velocidade do ponto de observação, isso é, da velocidade da Terra em torno do Sol.
Esse desvio angular, da ordem de 2”, permitiu mostrar que a velocidade da luz é 104 vezes maior que a
velocidade da Terra e observando que a distância do Sol à Terra é da ordem de 150x106 km, Bradley
concluiu que a velocidade da luz é da ordem de 300.000 km/s, um valor muito próximo do correto. O
desvio angular pode ser obtido de (3.83b) – por exemplo, se F = /2 então R = /2 com tan =
U/c –, mas é curioso observar que Bradley, contemporâneo de Newton, entendia a luz como “corpúsculos
luminosos” emitidos pela fonte (estrela), a relação tan = U/c sendo então obtida pela soma vetorial da
velocidade desses corpúsculos com a velocidade da Terra; ou seja, uma concepção incorreta, mas plausível,
pode às vezes nos levar mais facilmente à uma conclusão correta. Nesse relato do fenômeno da aberração
impressiona, também, a precisão experimental de 2”, reafirmando como o desenvolvimento teórico apóia-
se, em parte ao menos, no desenvolvimento tecnológico.
123
A “informalidade” do argumento pode ser reconhecida na identificação f() = em (3.82) ou mesmo na
“invariância” de E/, invocando-se tanto a invariância da constante de Planck como do invariante
adiabático da Mecânica Ondulatória. Mas ele tem a virtude de explorar, mais uma vez, uma rota mais
intuitiva quando o argumento formal não se apresenta ainda de forma nítida.
404
3.5.8: Relação Entre Inércia e Energia124: E = mc2
E R ,1 E R ,0 E . (3.85a)
U U
E F,1 E F,0 ½ 1 cos E ½ 1 cos E
c c
e portanto
124
O argumento nessa seção segue, em linhas gerais, o trabalho original de Einstein “Does the inertia of a
body depend upon its energy-content?” publicado em 1905; ver Lorentz et al. (1952), Dover.
405
E F,1 E F,0 E . (3.85b)
A energia cinética T1 = EF,1 ER,1 é assim dada por (T0 = EF,0 ER,0)
T1 E F,1 E R ,1 T0 1 E ,
E
T T0 T1 1 E ½ 2 U 2 para U/c << 1. (3.85c)
c
Quando o corpo com massa mo e velocidade U emite uma radiação com energia
E sua energia cinética passa de ½ moU2 para ½ (mo E/c2)U2 ou, em outras palavras: a
emissão de energia E implica em um decréscimo da massa por um valor m definido
pela expressão
E m c 2 . (3.86)
Essa é uma das mais famosas relações da Física Moderna e mostra que a um
pequeno decréscimo na massa está associada uma brutal liberação de energia, pois c =
300000km/s. Em reações nucleares, por exemplo, elementos pesados são bombardeados
com partículas (nêutrons) e desintegram-se, transformando-se em elementos com menor
massa atômica; a diferença de massa é em parte compensada pela emissão de partículas e
em parte por uma tremenda liberação de energia, com conseqüência conhecida e
devastadora.
406
realmente? Eu não acredito que observações mais precisas possam revelar algo mais que
deslocamentos relativos”; no mesmo ano ele também sugeria que a energia
eletromagnética deveria produzir uma densidade de massa igual a 1/c2 ou E = mc2. Em
1903 Lorentz derivou as equações de transformação (3.81b) e em 1904 Poincaré
enunciava o Princípio da Relatividade e terminava sua exposição afirmando: “de todos
esses resultados deve surgir uma nova espécie de dinâmica que será caracterizada, acima
de tudo, pela regra que nenhuma velocidade pode exceder a velocidade da luz”
Somente em 1905 Einstein publicava seus trabalhos acerca da Relatividade, no
mesmo número da Revista onde dois outros trabalhos seus eram publicados: um sobre o
movimento Browniano e outro sobre o efeito foto-elétrico, que viria a lhe dar o Prêmio
Nobel em 1921. Em seu trabalho sobre a Relatividade, Einstein não faz referência ao
trabalho de Poincaré, embora aparentemente o conhecesse, e essa omissão, se não lhe tira
os méritos, tisnou sua reputação para pelo menos parte da comunidade acadêmica.
A precedência de Poincaré e Lorentz na antevisão dos resultados mais importantes
da Teoria da Relatividade Restrita – e, certamente, as comentadas omissões de Einstein –
levaram Whittaker a praticamente ignorar Einstein como um dos mentores dessa Teoria.
Embora os nomes de Poincaré e Lorentz não devam ser omitidos, a posição de Whittaker
parece ser exagerada no sentido oposto. Pois se Poincaré anteviu os resultados ele não os
apresentou de uma maneira formal e se Lorentz derivou formalmente as expressões
(3.81b) seu raciocínio físico foi frágil em demasia para que pudesse ser considerado a
origem de uma nova Teoria. Somente Einstein foi capaz de unir o arquétipo teórico de
Poincaré com uma derivação formal dos resultados, dando substância à Teoria que então
se iniciava; mais que isso, ele foi o primeiro a reconhecer que a idéia intuitiva de
“simultaneidade” de eventos em sistemas de referências com movimentos relativos
necessitava de uma definição mais precisa, posto que o sinal tem uma velocidade finita de
propagação. Por isso talvez os créditos hoje pertençam exclusivamente a ele, o que
também não faz justiça a Poincaré.
Alguns trabalhos importantes sobre a origem da Relatividade, incluindo todos de
Einstein, encontram-se condensados em um livro editado por A. Sommerfeld (ver
Lorentz et al. (1952)); o item (3.5.8) deste capítulo segue, com alguma fidelidade, o
trabalho de Einstein relacionado ao tema.
Além de mostrar a importância do “meio” na propagação de ondas dos sistemas
mecânicos usuais, o propósito desta seção, como da anterior, foi também o de tentar
fornecer um certo panorama sobre o início da Física Moderna enfatizando,
principalmente, a mudança de postura inevitável que esse desenvolvimento impôs.
407
Como regra geral a Física Clássica, de Descartes até o final do século XIX,
compreendia os fenômenos não como coisas em si, mas sim através de “modelos
mecânicos” que os “visualizavam”, que os tornavam inteligíveis; só o “visível” – isso é, o
“compreensível” em um arquétipo pré-estabelecido – era aceitável no imaginário
invisível da tradição e o “visível” era o universo da Mecânica. De uma certa forma, o
“mecanicismo” continha ainda um resíduo do pensamento escolástico125, preso que estava
a uma certa estética e semântica do “cotidiano deificado”, isso é, a uma percepção quase
sensorial induzida por uma certa pré-concepção do real. Se, entre outros pecados, Galileu
havia sido criticado por observar, com um telescópio, as crateras da Lua e conspurcar
assim a forma esférica perfeita, pois a perfeição é um atributo da divindade126, a
“inquisição do mecanicismo”, embora mais sutil e menos violenta, foi também
persistente: 300 anos, por exemplo, foram necessários para acomodar o pensamento a
uma realidade que os olhos não vê e os demais sentidos não sentem, a “ação à
distância”.
Os primeiros 30 anos do século XX testemunharam uma ruptura global com o
pensamento clássico na Filosofia, Arte e Ciência. O movimento impresso pela
relatividade na Física se aprofundou e se completou com a Mecânica Quântica, onde a
própria questão da observabilidade teve que ser redefinida: segundo Einstein é a teoria
que diz o que pode ou não ser observado por que a teoria é o olho do cientista. A
abstração na Física Moderna torna a semântica do senso comum quase incapaz de
descrever os fenômenos e força o aparecimento de expressões híbridas, como o dualismo
onda-partícula da Mecânica Quântica, por exemplo. Essa mesma abstração reaparece na
pintura da época de forma evidente, na música de Debussy e Stravinsky na forma de uma
certa dissonância que quebrava a harmonia clássica, na literatura de Joyce e Eliot na
forma de ruptura cronológica, de labirintos e despistes que enovelam e confundem a
narrativa habitual para reapresentar as mesmas sempre tensões com uma nova feição, e
em uma corrente filosófica, talvez a mais característica desse começo de século, a
125
Escolástica: pensamento cristão da Idade Média, baseado na tentativa de conciliação entre um ideal de
racionalidade, corporificado esp. na tradição grega do platonismo e aristotelismo, e a experiência de
contato direto com a verdade revelada, tal como a concebe a fé cristã (Houaiss).
126
O “inquisidor”, contestando Galileu, afirmou que aquelas crateras que Galileu havia visto estavam, na
realidade, cobertas por “matéria invisível” que reconstituíam a esfericidade perfeita que a Lua, a fortiori,
deveria possuir. Galileu retrucou então, com seu humor cauteloso mas obstinado, que concordava com o
“inquisidor” mas que pressentia também a existência de montanhas imensas feitas daquele mesmo
“material invisível”, ver A.Berry (1898) “A Short History of Astronomy”.
408
Fenomenologia de Husserl, que buscava justamente situar o “fenômeno em si” abstraído
de seu contexto usual, “entre parêntesis”127.
Os primeiros 30 anos desse século presenciaram, também, o primeiro conflito
mundial, contemplaram as promessas da Revolução de 1917 e incubaram o “ovo da
serpente”, a gestação do nazismo após a hiper-inflação de 1923 na Alemanha; esses anos
atestam, mais uma vez ainda, o tortuoso e ambíguo caminho da humanidade, com seu
“prodigioso e frágil destino”.
***
127
Ortega y Gasset, discípulo de Husserl, escreveu em 1914 em Meditações do Quixote: “O martelo é a
abstração de cada uma de suas marteladas. Não existem mais que partes da realidade; o todo é a abstração
das partes e delas necessita. Todo o genérico, todo o apreendido, todo o alcançado na cultura é só a volta
tática que temos de tomar para nos dirigirmos ao imediato”. “Eu sou eu e minhas circunstâncias” dizia esse
autor e, no entanto, a teoria é a abstração dos detalhes, dessas circunstâncias. Se para o filósofo a fuga dos
arquétipos clássicos representava, no nível do indivíduo (da “existência”), o distanciamento do
conhecimento genérico e abstrato, originalmente proposto pela escolástica, e a volta à apreensão do
“imediato”, já a Ciência (e, em larga medida, também a Arte) buscava sua “essência” nessa distância, na
distância do “mecanicismo” no caso da Ciência, fugindo das imagens e da linguagem genérica do senso
comum, impregnadas que estavam pela cultura então vigente: pois se “é a teoria (cultura) que diz o que é
observável ou não” é porque ela marca com sua cor as coisas do mundo imediato tornando-as “visíveis” e
só uma nova “cultura” seria capaz de colorir aquilo que antes era opaco, invisível, ignorado. De certa
forma, portanto, mesmo tendo em conta os movimentos aparentemente opostos, a Filosofia, a Arte e a
Ciência buscavam, todas elas, a formatação de uma nova cultura que passava, necessariamente, pela ruptura
com a tradição escolástica; porque, se “Deus não existe tudo é licito”, até o Princípio da Incerteza; ou, em
outras palavras, somente nesse ambiente cultural, somente nele poderia germinar um conceito tão estranho
como esse que propunha, de certa forma, uma espécie de “livre arbítrio” da Natureza e que só poderia se
explicitar em uma linguagem mais abstrata, mais distanciada da “semântica cotidiana”. E é nesse ponto, na
distância e na crítica da linguagem habitual e da estrutura de pensamento – da cultura – que lhe dava
suporte, é aí que a Filosofia, a Arte e a Ciência do primeiro terço do século XX confluem de forma tão
igual, na forma às vezes tão diversa.
409
3.6: RESISTÊNCIA DE ONDA EM EMBARCAÇÕES DE SUPERFÍCIE
FIG. (3.29): (a): Prisma elíptico (“navio”) com comprimento l, boca b e calado t,
indicando sentido de u nas vizinhanças do corpo de “entrada” (+) e “saída” ().
(b): Esteira em forma de cunha deixada pelo navio e “amplitude típica” aT da onda.
S 2tl bl l bt CS ;
4
(3.87a)
t b
CS (b / t ) 2 ,
b 4 t
o valor de CS variando fracamente com b/t para valores usuais desse parâmetro
geométrico: o mínimo de CS ocorre para b/t = 8/ 2.546 (CS(8/) 2.51) e dado que
usualmente b/t 3 (CS(3) 2.52) pode-se supor CS 2.52 em uma primeira aproximação.
Na esteira deixada pelo corpo duas escalas de comprimento devem ser
reconhecidas: uma geométrica, o próprio comprimento l do navio; outra ondulatória, k1
= U2/g, relacionada ao comprimento da onda deixada na esteira com velocidade de fase
igual à velocidade U do navio. A raiz quadrada do quociente entre essas duas escalas
define o número de Froude,
U 1
Fl , (3.87b)
gl kl
410
e desempenha, como será visto, papel fundamental na resistência de onda.
Como l é a escala geométrica de comprimento na esteira, seja a seção de largura l
na cunha formada pela perturbação, ver Fig.(3.29b): se aT for a amplitude típica nessa
seção, o arrasto pode ser estimado, com o auxílio de (3.18a), pela expressão
D W ¼ gaT 2 l
e portanto a estimativa do coeficiente de resistência de onda fica dada por (ver (3.87a))
DW 1 1 aT2
CW ½ . (3.87c)
½U 2S CS Fl2 l bt
onde aT 2sin(kl / 4) ae e ae é a amplitude típica da onda gerada pela proa (ou popa);
observando que kl = 1/Fl2 tem-se:
411
2 1 ae2 1
CW 2
sin 2 2 . (3.87d)
CS Fl l bt 4Fl
¼ ¾,
412
fenômeno; a aderência com resultados experimentais desses resultados teóricos é um
pouco pior mas ainda bastante razoável e esse ponto será comentado mais adiante.
413
Comparando a segunda e a última coluna da Tabela (3.3) a seguinte conclusão é
inescapável: o produto CSCW,max varia linearmente com t/b nessa série e o valor em
(3.40a) deve ser assim igual a ¼; ajustando o valor de pelo CW,max do calado de
operação DWL (b/t = 3) obtém-se = 0.93 e adotando CS 2.52 de (3.88a) segue
t 1
C W (Fr) 0.686 Fl2 sin 2 2 . (3.88b)
l 4Fl
128
As ondas geradas pelo corpo são muito curtas no limite Fl 0 (kl ) e a influência da dissipação
viscosa não é então desprezível, modificando o padrão de interferência das ondas de proa e popa e portanto
o comportamento altamente oscilatório do coeficiente CW.
414
A discussão apresentada nesse item, calcada em algumas idéias gerais sobre a
propagação de ondas e em argumentos de escala, não é só capaz de explicitar a Física
básica da resistência de onda: ela também oferece uma estimativa de CW muito precisa
justo na faixa de números de Froude (Fl > 0.3) onde o arrasto de onda é relevante.
129
A Hipótese de Froude, no entanto, foi aventada por uma questão de necessidade, pois sem ela não seria
possível extrapolar os resultados do modelo reduzido para a escala real; a justificativa apresentada da
irrelevância (em primeira aproximação) da viscosidade na formação de ondas é a posteriori. O argumento
é plausível, tem algum suporte experimental, acomoda o pensamento teórico, mas não está na origem de
(3.89): a gênese dessa expressão está na necessidade de preencher um hiato teórico com uma hipótese.
415
É difícil checar a veracidade dessa hipótese, mas isso foi feito ao menos uma vez
por Troost & Zakay em 1950, apud Newton (1977): para um dado navio – o Lucy Ashton,
de comprimento l = 58m. – foram construídos 8 modelos reduzidos com diferentes
comprimentos e os coeficientes de resistência total desses oito modelos e do próprio
navio foram determinados experimentalmente para diferentes velocidades e plotados em
função do número de Reynolds (ver Fig. (3.31)). Unindo nesse gráfico os pontos dos
diferentes modelos e do navio ensaiados no mesmo número de Froude obtém-se uma
série de curvas (12 no caso) que satisfariam a seguinte propriedade se (3.89) fosse
correta: elas deveriam ser paralelas entre si. Como mostra a Fig.(3.31), a Hipótese de
Froude parece ser consistente para valores altos do número de Froude – justamente
quando a resistência de onda é relevante – embora perca acuidade na faixa de baixos
Froudes, quando CW( Fl ) é uma fração pequena do arrasto total.
416
ao arrasto de forma CD(Re). Note que CD(Re) 0 à medida que Re cresce: o escoamento
vai ficando cada vez mais turbulento na camada limite e vai portanto resistindo cada vez
mais ao gradiente adverso de pressão, postergando a separação e diminuindo assim
CD(Re).
O coeficiente de resistência residual CR( Fl ) é definido, nos experimentos, pela
diferença entre o coeficiente de arrasto total (medido) e o arrasto de fricção; isso é, CR( Fl )
CT(Re; Fl ) Cf(Re) CW( Fl ) + CD(Re). No limite Fl 0 tem-se CW( Fl ) 0 e
portanto CR( Fl ) CD(Re) > 0 nesse limite, como mostrado na Fig.(3.30); de outro lado,
CR( Fl ) CW( Fl ) para Fl > 0.3, pois CD(Re) << CW( Fl ) nessa faixa de números de Froude.
A Hipótese de Froude, a “linha de Schoenherr” – isso é, o arrasto de fricção de
uma placa plana medido experimentalmente – e as simples expressões (3.88a,b) são
suficientes para se obter uma estimativa bastante razoável da resistência total de uma
embarcação, um dos resultados hidrodinâmicos mais importantes no projeto de navios.
Finalizando, é importante observar que em geral o arrasto de fricção é sempre menor que
2x10-3 na escala do navio – ver “linha de Schoenherr” da Fig.(3.31) na faixa Re > 108 o
que permite concluir que na ampla faixa 0.38 < Fl < 0.8 a resistência de onda é o efeito
dominante, ver Fig.(3.30). Atuar sobre a geometria do corpo para tentar diminuir essa
parcela não é, nesse contexto, um esforço irrelevante e uma dessas modificações usuais é
a “jumborização” dos navios, isso é, o alongamento do corpo paralelo médio quando Fl
0.4. Por exemplo, supondo Fl = 0.4 o coeficiente total de arrasto na configuração original
(área S) é da ordem CT (4 + 2)x10-3; com o aumento de 20% do comprimento l (área
1.2S) o número de Froude diminui para 0.36, o coeficiente da resistência de onda para
1.5x10-3 e o coeficiente de resistência total para CT (1.5 + 2)x10-3: a força de arrasto
diminui para 70% da força original, mesmo com um aumento de 20% do volume
deslocado. A bem da verdade, a “jumborização” é utilizada em navios que operam em
números de Froude menores, da ordem de 0.3 como o Lucy Ashton, e os resultados,
embora ainda relevantes, são aí menos dramáticos do que o obtido no exemplo analisado.
***
417
3.8: APÊNDICE 2: TRANSFORMADAS DE FOURIER
Seja uma função f(x) definida e quadrado integrável na reta real < x < , isso
é, tal que
|| f (x) ||2 f (x)dx ,
2
(A2.1)
a existência dessa integral em domínio infinito sendo garantida pela seguinte condição:
dado 0 < << 1 arbitrário, existe um l() suficientemente grande tal que
l ( )
f (x)dx f (x)dx 2 ,
2 2
l ()
f (x) se | x | l ();
f (x) || f (x) f (x) || (A2.2)
0 se |x| > l (),
está distante de f(x) na norma |||| por um valor menor que , como indicado em (A2.1b).
Seja também a função f;p(x), extensão periódica de f(x) na região |x| > l(): f;p(x)
é quadrado integrável no intervalo |x| l() e, como visto no capítulo 1, pode ser
expandida na série de Fourier,
f ;p (x) C(0) C(k ) cos k x S(k ) sin k x , (A2.3a)
1
418
l ()
1
2l () l( )
C(0) f ;p (x) dx;
l ()
1
l () l( )
C(k ) f ;p (x) cos k x dx; k ; 1, 2, (A2.3b)
l ( )
l () k
1
l () l( )
S(k ) f ;p (x) sin k x dx.
O fator 2 que aparece no coeficiente C(0) pode ser estendido aos coeficientes
{(C(k); S(k)); 0} se os números de onda k forem considerados; expressando
f;p(x) na forma
1
f ;p (x) C(k ) cos k x S(k ) sin k x k ,
2
k / l () (A2.3c)
l ()
2 1
C(0)
k
C(0) f;p (x)dx;
2 l ( )
l ()
2 C(k ) 1
2 l( )
C(k ) C(k ) f ;p (x) cos k x dx; (A2.3d)
k 2
l ()
2 S(k ) 1
2 l( )
S(k ) S(k ) f ;p (x) sin k x dx.
k 2
Introduzindo a notação complexa
l ()
1 1
F(k ) ;p
2 l ( )
f (x) e ik x
dx f ;p (x) F(k ) eik x k;
2
k ,
l ( )
pois
419
Finalmente, das identidades
k i k k x
| f ;p (x) | 2
2
F(k ) F* (k ) e k;
l ()
e dx 2l () ,
i k k x
l ( )
l ()
1 1
F(k )
2 l ( )
f ;p (x) e ik x
dx f ;p (x)
2
F(k ) e ik x k;
k
l ()
l ()
| f ;p (x) | dx | F(k ) | k.
2 2
l ()
1 1
F(k)
2
f (x) eikx dx f (x)
2
F(k) e ikx dk;
(A2.4)
| f (x) | dx | F(k) |
2 2
dk : identidade de Parseval ,
que definem as Transformadas de Fourier f(x) F(k) para pares de funções quadrado
integráveis: a integrabilidade de |F(k)|2 segue da identidade de Parseval e da
integrabilidade de |f(x)|2.
(A2.5a)
| f (x, y) | dx | F(k
ˆ
2 2
x , y) | dk x .
420
1 ˆ ; y) 1
ik y
F(k x ; k y ) ˆ ; y) eik y y dy F(k
F(k F(k x ; k y ) e y dk y ;
2 2
x x
(A2.5b)
| F(k
ˆ
x ; y) |2 dy | F(k
x , k y ) |2 dk y ,
1 i k x k y 1 i k x k y
F(k x ; k y )
2
f (x, y) e x y dxdy f (x, y)
2
F(k x ; k y ) e x y dk x dk y ;
| f (x, y) | dxdy | F(k
2
x , k y ) |2 dk x dk y ,
definindo o par f(x,y) F(kx,ky) no espaço das funções quadrado integráveis em duas
dimensões. A extensão para um espaço n-dimensional é imediata; de fato, introduzindo a
notação
x x 1 , x 2 , , x n k k1 , k 2 , , k n ;
(A2.6a)
dx dx1dx 2 dx n ; dk dk1dk 2 dk n ,
obtém-se
1 1
f (x) eik x dx f (x) i k x
2 2
F(k ) n/2
F(k ) e
n/2
dk ;
(A2.6b)
| f ( x) | dx | F(k ) |
2 2
dk : identidade de Parseval.
***
421
3.9: APÊNDICE 3: COMPRESSIBILIDADE E RESISTÊNCIA DE ONDA
1/ 2
dp
c : velocidade do som;
d (A3.1)
U
M ,
c
e que esse escoamento incida sobre um fólio fino com espessura t << c, onde c é a corda
do fólio, e com um ângulo de ataque << 1 em relação à direção do fluxo incidente, ver
Fig.(A3.1). Dessa forma, a perturbação causada pela presença do fólio pode ser
considerada “pequena” e o escoamento será suposto aqui irrotacional, descrito por um
potencial (x,z) definido por
(x, z) U x (x, z) ;
(A3.2a)
(; t / c) 1,
z Zf (x) cos x Zf (x) x 2 (t / c) , (A3.2b)
422
A normal n entrando no corpo é definida por
U U Zf (x) 0 ,
z z z
(x, 0) Zf (x) ; (|x| c/2) . (A3.3)
z
div u 0 ,
t
u div u 0 .
2 0 ,
x
e observando que /x = /x = (1/c2) p/x = (1/c2) (p p)/x, ver (A3.1), da
expressão acima segue que
1 (p p ) p p p
2 0 . c2 (A3.4a)
2
c x
423
Uma segunda relação entre pressão e velocidade é fornecida pela equação de
Bernoulli: se (s) for o volume da partícula fluida em um ponto s do percurso entre dois
pontos (1) e (2), conservação de energia fornece
2
½(11 )12 (s)p(s) ds ½(22 ) 22 ,
1
2
1 dp(s)
½ 2
ds ½12 ,
(s) ds
2
1
p 2 p
p 2 p1 p 2 p1
2 2 2
1 dp(s) 1 1 p2
1 (s) ds ds
1
(1
)dp
2 c2 1
(p p )dp
½
2 c2 p1 p
e fazendo (p2; 2) = (p; ) e (p1; 1) = (p; U) obtém-se
1
½ p p ½ 2
p p ½ U 2 .
2 2
(A3.4b)
c
1
½ p p ½ p p 1 ½ p p ,
1
2
p p .
2
½ (A3.4c)
c
424
Cp
p p 2 . (A3.5)
½ U 2 x
2 2
1 M 2
2 2 0.
x z
(A3.6)
x
x ;
1 M 2
(A3.7a)
c
c ,
1 M 2
2 2
0;
x 2 z 2 (A3.7b)
(x, 0) Zf (x) ; (|x| c/2).
z
L 2
CL . (A3.7c)
½U c
2
1 M 2
425
A3.2: Solução Supersônica (M > 1)
2 1 2
0;
x 2
M 2 1 z
2
(A3.8a)
(x, 0) Zf (x) ; (|x| c/2),
z
(x, z) (U t, z)
2 U 2 2
x 0
U t 2 M 2 1 z
2
t x t x
que é a equação clássica de uma onda com velocidade U/(M2 1)1/4. Indicando por
(x,z) a solução de (A3.8a) nas regiões z > 0 (+) e z < 0 (), respectivamente, a forma
geral dessa solução é dada por
( ) (x, z) F x z G x z ;
M 2 1,
onde {F(); G()} são funções arbitrárias da variável = x z. No entanto, da condição
de contorno em z = 0 segue (ver (A3.8a))
Zf (x) x; | x | c / 2;
F(x) G(x)
0; | x | c / 2,
e como a perturbação causada pelo fólio não deve se propagar a montante (x )
concluí-se que (ver Fig.(6.36))
1
(x, z) Zf (x z) x z ;
M 2 1
1
M 2 1 (A3.8b)
(x, z) Zf (x z) x z .
M 2 1
426
FIG.(A3.2): Escoamento supersônico: Potencial perturbado
(x,z) ao longo das “características” x z = xo.
p n p n dx
Dw i L k
½ c
e portanto
L 4
CL ;
½ U c
2
M 2 1
(A3.9)
4 2
c/2
DW 4
Z (x)
2
CW dx ,
½ U c
2 f
M 2 1 0 M 2 1
o centro aerodinâmico coincidindo aqui com o centro da placa no caso Zf = 0 (xCA = 0).
No regime supersônico aparece, portanto, uma força de arrasto mesmo quando o
escoamento é irrotacional (efeito nulo da viscosidade) e é importante, do ponto de vista
conceitual, certificar a origem ondulatória desse arrasto. Sem perda de generalidade, seja
a placa plana (Zf(x) = 0) com arrasto dado por (A3.9): observando que
2
2
;
x M 2 1
2
2
M 2 1
2 2
2 ,
z M 1
2
427
e designando por a energia cinética (por unidade de área da região fluida
bidimensional), por a energia de restauração devido à compressibilidade (ver (A3.4c)
e (A3.5)) e por a energia total, tem-se
2 2 M 2
½ U
2
½ U
2
2 ;
x z M 1
2
M2
½ U 2 2 2 ; (A3.10)
M 1
M 2
U 2
2 .
M 1
2
E lU t ,
pois é a energia por unidade de área e a área da região perturbada é acrescida por
lUt no tempo t; esse acréscimo é em parte devido ao trabalho efetuado pela força de
arrasto,
428
= DwUt ,
e em parte devido ao fluxo de energia pela “janela” l: dado que em uma característica
x (M 2 1)1/ 2 z cte. , acréscimos {x; z} ao longo da característica são tais que
tan z / x 1/(M 2 1)1/ 2 e portanto sin c / U ; a geometria no detalhe da
Fig.(A3.3) indica que as características deslocam-se nas direções ortogonais a elas com a
velocidade c e assim c sin define a velocidade do fluxo de energia ao longo da
vertical VV; portanto
lc sin t .
DW 4 2
CW .
½ U 2 c M 2 1
130
Isso é, a parcela da resistência ao avanço (força de arrasto) devida à formação de ondas no trajeto de um
navio; ver seção (3.6) .
429
deve ser fornecida para manter o “padrão ondulatório” do escoamento que segue o corpo
em seu translado através do fluido. A Fig.(A3.4) apresenta uma comparação entre os
valores de Cp calculados por essa teoria linear e os medidos em experimentos: a solução
teórica fornece um resultado bastante razoável embora seja evidente que ela se deteriora
nas vizinhanças do bordo de fuga.
131
O prefixo trans- indica “movimento além de” ou “através de”. É com esse último significado que
transônico deve ser interpretado em aerodinâmica (cf. inclusive a literatura inglesa): é um escoamento com
velocidade próxima da velocidade do som (M 1), que “atravessa” a velocidade do som. Na língua
portuguesa parece ser mais usual empregar-se trans- no sentido de “além de”.
430
choque
(a) (b)
FIG.(A3.6): Escoamento Transônico: (a) Camada limite laminar (M = 0.90; R = 8.74x
105) e (b) turbulenta (M = 0.85; R = 1.69x106) com e sem separação à frente da seção
de máxima espessura. Fonte: Schlichting (1968), “Boundary Layer Theory”.
431
FIG.(A3.7): Onda de expansão (a) e de compressão (b) em um pistão.
((a) 1 = o/(1+Mo); (b) 1 = o/(1Mo); Mo = U/co).
dc d2p
0 2 0, (A3.12a)
d d
e a “velocidade média” c1 da onda na região onde = 1 pode ser, grosso modo,
aproximada pela expressão
134
A “velocidade do som” é a velocidade com que pequenas perturbações na densidade são propagadas
através do meio fluido, ela é a velocidade da “informação”; em fluido “incompressível” co = e Mo = 0.
135
“Nunca” para os fluidos usuais, onde a condição (A3.11b) é satisfeita; ela pode ocorrer para fluidos com
propriedades termodinâmicas anômalas, como a que ocorre nas vizinhanças do ponto crítico gás-líquido.
Na realidade uma condição mais fraca que (A3.11b) já garante a impossibilidade de choque nas ondas de
expansão, ver Zel’dovich & Raizer (1968), op.cit.
432
dc
co (o ) 0 c1 co co (1 o ) . (A3.12b)
d
1 o 1 co 1 co c Mo
(1 M o ) |1 M o | 1 4 o o (A3.13a)
o 2 o co 2 o co co (1 M o ) 2
e portanto
1 o Mo
(a) : M o 1: ;
o 1 Mo
1 o co Mo 1
(b) : M o 1: ; M1 Mo 1 1 (A3.13b)
o o co 1 Mo Mo
1 o c
(c) : M o 1: o Mo ,
o o co
433
3.10: APÊNDICE 4: RESISTÊNCIA DE ONDA EM ÁGUA RASA
(3.18a)
FIG.(A4.1): Corpo cilíndrico com seção transversal afilada (t/l << 1) e calado h.
(Águas Rasas: h/l << 1)
Parâmetros geométricos:
Escalas:
U
Fl 0.463;
gl l
0.74
2 g (U)
k(U) ;
(U) U 2
y Yf (x);
(x) 1
t
Y
n Yf (x) i j;
f
l
xx iy j ;
(x, z) U x (x, z) ,
p ½ ( ) gz;
2
t
434
p |z 0 g 0;
t z 0 1 2
z z 0 g t 2 z 0
w |z 0 ;
z z 0 t
| |
lt 1;
U
p U gz
x
½ ( ) 2 ½ U 2 U lt ;
2
x
p gz U gz;
t x
U
2 2
,
z z 0 g x 2 z 0
i j ;
x y
2 (k 2 )
n Y (x ) y 0 ;
U nx nx ny 0
f
U i ; x
y
lt
2
U Yf (x, 0, z) (x, 0, z) 0
y
435
U 2 2
;
2 z z 0 g x 2 z 0
2 0 com
2
z
0.
z z h
(x, 0, z) U Yf (x) .
y
0
2 2
0
0
U 2 2
0
2 2
dz dz dz
h
z 2 h z z 0 h g x 2 z 0
U2
(x, z) (x, 0) z (x, 0) z (x, 0) xx (x, 0) z ;
g
2 U
0 0
2
h h xx (x, 0) h2 ,
2 2 2
dz dz h ( x , 0) ½
(k 2 )
g
2 2
U (1 Fr 2 ) 2 2 0;
Fr ; x y
gh
(x) (x, y, 0); U Yf (x).
y
2 2
(Fr 1) 2 2 0; (x, y) U Y ( );
2
x y f
Fr 2 1
(x, 0) U Yf (x); (x, y) x Fr 2 1 y.
y
436
FIG.(A4.2): Fr > 1: Região perturbada no plano (x,y)
0 l/2 l/2
C W (Fr)
1
½U (2lh) h l / 2
2 p n x p n x dxdz
1
U l l / 2
2 p n x p n x dx;
U 2
p(x, 0 ) U Yf (x);
x Fr 2 1
n x Yf (x);
l/2
1 2
C W (Fr)
Yf (x) dx
2
Fr 2 1 l l / 2
437
438
3.11: EXERCÍCIOS
EJ 2
1/ 2
(k) k 1 k ,
m
k o (1 )
e observando as expansões
1 1
0 t t1 (k) (k o ) (k o ) k k o ;
cg (k o )k o
(b1)
1 1
0 t t2 2 (k) (k o ) (k o ) k k o ½(k o ) k k o ,
2
½(k o )k o
2
mostrar que
439
a a 2a
i cg (k o ) ½(k o ) 2 0 ,
t x x
a 2a
x x cg (k o ) t i ½(k o ) 2 0 . (b3)
t x
***
***
p ml 2 (t) (t)
(t) ; g dl
(t) , (t)l (t)
½ ml (t) (t) ½ mgl (t) (t);
2 2 2
l (t) dt
440
a última linha, que determina a freqüência (t), estabelecendo o balanço entre a energia
cinética da oscilação e a energia de restauração. Recuperar esse resultado a partir das
equações de Lagrange supondo dl/dt << (t)l(t) e mostrar que
p2
(, p , t) ½ ½ mgl (t) 2 ;
dE
2
ml (t) E dl
.
p2
dt t 2l dt
E(t) 2 mgl (t) ;
2
ml (t)
d E
0.
dt
***
(3.4): (Conservação de Cristas) Seja um grupo de ondas com número de onda k(x,t) e
freqüência (x,t). Se n(t) for o número de cristas em [x1;x2], justificar a definição
x
1 2
2 x1
n(t) k(x, t)dx ,
(3.5): (Princípio do Tempo Mínimo – Fermat (1657): “A trajetória seguida pela luz de
um ponto a outro é tal que o tempo de viagem é o mínimo possível”)
Seja uma partícula deslocando-se no plano (x,y) com duas velocidades distintas:
c1 na região y < 0 e c2 na região y > 0. A partícula sai de um ponto A fixo na região y < 0
e chega em um ponto B fixo na região y > 0 e pretende-se determinar o caminho que ela
deve seguir para que o percurso entre A e B se dê em um tempo mínimo. Uma imagem
simples proposta por Feynman ajuda a visualizar o problema: suponha que a região y > 0
da figura seja um lago e que um transeunte A em terra (y < 0) veja um indivíduo que não
441
saiba nadar em um ponto B do lago (y > 0) e se predisponha a salvá-lo. O transeunte se
desloca na terra com uma velocidade c1 relativamente maior que sua velocidade c2 com
que nada no lago e para chegar em B no mínimo tempo ele deve percorrer em terra uma
distância maior que a percorrida se seguisse o segmento reto que une A a B para que
possa percorrer no lago uma distância menor que a do segmento reto AB. Quanto maior
deve ser o percurso em terra e menor no lago é definido pelo tempo mínimo de percurso.
RB R A
geometria : 0;
sin 2 sin 1 sin 2 sin 1
lei de Snell - 1621 .
RB R A c2 c1
tempo mínimo : 0;
c2 c1
136
Curvas descritas por equações de segundo grau: círculo, elipse, hipérbole e parábola.
442
PF indicado na figura e seu movimento fica assim restrito ao plano (x,y) definido por
esse segmento e a velocidade v da partícula em um tempo t .
pr m r;
(x, x ) ½ m
r (r) (r)
2 2
r
p m r 2 ,
e a Hamiltoniana por
1 2 p 2
( x, p ) p r 2 (r) .
2m r
½ m r 2 (r ) 2 (r) o ; conservação de energia
(a)
m r 2 l , conservação do momentum angular
443
onde {o ; l } são constantes do movimento. Verificar que as leis de conservação
explicitadas em (a) implicam nas equações de Lagrange do movimento se r 0 . O que
ocorre quando se impõe r 0 ?
b) (Cônicas) Pretende-se verificar aqui que uma cônica é descrita pela equação
p
r 0, (b)
1 q cos
com (r,) sendo coordenadas polares com origem no “foco”; obviamente, como r > 0
deve-se ter p 0 e também q > 1 se p < 0. Observando a equação da cônica em
coordenadas cartesianas,
y 2 p 2 2pq x q 2 1 x 2 ,
e definindo
p2
a2 2
;
(q 1)
2
pq
com x o 2 , q 1
2
q 1
;
p
b2 2
| q 1|
mostrar que
x xo
2 2
y
sinal (q 1) 1 q 1
a b
ou
2 2
x xo y
p 0
q 1 :
a b
1 hipérbole ;
2
x xo y
2
q 1 : 1 elipse ;
a b
(p 0) q 1 : 2px y 2 p 2 parábola ;
2 2
x xo y
q 1
: 1 hipérbole .
a b
444
Seja (r x o a; 0) o ponto de intersecção da hipérbole com o eixo x: utilizar
(b) para mostrar que {p = |p| < 0; q > 1} no sistema de coordenadas com origem em F;
observando que este ponto tem coordenadas (rˆ x o a; ˆ ) no sistema com origem
em F̂ , mostrar que então {p = |p| > 0; q > 1} nessa representação. Utilizar (b) e a relação
geométrica r cos rˆ cos( ˆ ) 2x o para mostrar que r rˆ 2a . No caso da elipse,
{p > 0; q < 1} e verificar que r rˆ 2a . Nota: Definir ̂ compatível com (b).
1 p1
cos ;
q q r
v n 0 (c)
2 p r
r ,
q sin
l
r 2 l /m (dinâmica ) r m r ;
p r l
r
2 p r
2
r (cônica ) q sin m r ql sin ,
q sin mp
445
utilizar essas expressões em ½m r 2 (r ) 2 para mostrar que o movimento sobre a
cônica satisfaz a equação de conservação de energia,
l
2
2 2 o ½ q 1 m
2
;
l l p mp
½m r 2 (r ) 2 ½ q 1 m
2
m
mp mp r
2
l p
(r) m m p r ,
l d
v(s) . (s)
m r (s)(s)
2
ds
(3.7): (Aproximação de Born – Águas Rasas) Seja uma onda plana harmônica
propagando-se em mar raso de profundidade h: pretende-se estudar neste exercício a
difração dessa onda provocada pela variação da profundidade em uma região limitada |x|
l, como esquematizado na figura abaixo. A profundidade local é dada por
446
f (x) 0 se | x | l ;
h(x) h [1 f (x)] com f (x) (1) se | x | l ; f( l ) 0
l h,
a condição l >> h é não só natural em águas (kh << 1), como também permite que kl >>
1, onde k é o número de onda da onda incidente de amplitude a. Pede-se:
p g 0;
t
e n z h(x) 0 ,
w ;
t z 0
com w sendo a velocidade vertical e (x,t) a elevação da superfície livre. Mostrar que
1 2
2 ;
z z 0 g t z 0
h(x) h f (x) ,
z z h (x) x z h(x) x z h(x)
1
(x, z, t) (x, 0, t) z (x, 0, t) z (x, 0, t) tt (x, 0, t) z , (h z 0)
g
447
2
h(x) 1 h (x)
xx (x, 0, t) tt (x, 0, t) ttxx (x, 0, t) f (x)h ttx (x, 0, t) h(x) f (x) x (x, 0, t) 0 ,
h gh 2
h
(kh)tt
(kh)2 tt
l
1
xx (x, 0, t) tt (x, 0, t) f (x) x (x, 0, t) f (x) xx (x, 0, t) . (a2)
gh
mostrar que a equação de conservação de massa integrada verticalmente fica dada, com
erro da forma 1 (kh) 2 ; (h / l ) kh , pela equação
d
k 2 f (x) (x) f (x) (x) f . (a4)
dx
eik|x |
G(x; ) .
2ik
Mostrar que
G x ik G; G ik G;
x
G xx G k G;
2
x (b1)
G x ik G; G ik G;
x
G xx G k G,
2
l
(x) G(x; ) p()d k 2 p(x) .
l
448
x
k 2 p(x)
x
G (x; )d () p(x) G (x; x ) G (x; x ) () .
(x) p(x)dx
S(x) p(x)dx lim
0 S(x) p(x)dx lim p(0) () S() S( p(0) .
0
e portanto
l
(x) e ikx
½
d
d
f ()eik eik|x |d ( 2 ) .
l
Mostrar que
449
l
T(k) 1 ½ ik f ()d ( 2 );
l
l
f ( l ) 0
R(k) ½ ik f ()e 2ik
d ( ).
2
l
2
T(k) 1 i 3 kl ( );
2
2
x
f (x) 1
l R(k) i sin 2kl cos 2kl ( 2 )
(2kl ) 2 2kl
e verificar os limites:
2
T(k) 1 i 3 kl ; 2
kl 1 |x|lim s (x) i kl eik|x|
2
R(k) i kl ; 3
3
(c2)
2 i 2
T(k) 1 i 3 kl e com 3 kl << 1; lim (x) e i (kx )
;
x
1 kl 1/
i lim (x) (x) eikx .
refração R(k) .cos 2kl 2
. x i
2kl (kl )
dx W
gh(x);
dt k
dk W k g
h(x); (f1)
dt x 2 h(x)
d W
0.
dt t
450
De (f1) segue que = cte. Utilizando a primeira equação na segunda, mostrar que
dk k h
k(x) h1/2 (x) cte. (f2)
dx 2 h
1
k(x) k 1 f (x) ( 2 ) , (f3)
1 f (x)
2
1/ 2
gh(x) gh
k
dx
gh(x) gh 1 f (x) gh 1 f (x)
1/ 2
dt 2
1 f (x) dx gh dt
2
x
x l f ()d gh t t(l ) ;
2 l
x
k x f ()d t 0 . (f4)
t( l )
l
; 2 l
gh
Introduzindo a função
x
(x, t) k x f ()d t (f5)
2 l
451
t ;
(x, t) | a (x) | ei (x,t ) (f6)
k(x) .
x
cte.;
sin (x, y)
k(x, y)
;
cte. Lei de Snell
gh(x, y)
gh(x, y)
a) Se {a1; a2} forem as amplitudes nas regiões y < 0 e y > 0, justificar por que os fluxos
de energia através dos raios AOB e A*O*B* são nulos e mostrar que
452
b) Utilizar a Lei de Snell para verificar a equivalência entre a expressão acima e
c) Seja agora o caso geral em que a profundidade h(s) varia continuamente ao longo da
coordenada s do raio e que o eixo y esteja na direção de h: considerando um “degrau
infinitesimal” {h1 = h(s – ½ s); h2 = h(s + ½ s)} e que os dois raios AOB e A*O*B*
estejam distantes do (s), mostrar que
ao longo do raio.
Se a profundidade variar somente com a coordenada y, verificar que a solução geral fica
dada por
y( s )
h( s ) h ; | a( s ) |
l sin 2
0 90
| a | sin 2( s )
sin ;
y( s )
sin ( s)
l
e, em particular, se essa variação for linear, como indicado na figura, desenhar o gráfico
da função |a(y)|/|a| nos casos { = 75; 45; 15}. Discutir o resultado obtido.
***
453
Wichmann, E.H.(1971): “Quantum Physics”, Berkeley Phy. Course,Vol.4, McGraw Hill;
Beiser,A. (1969): “Conceitos de Física Moderna”, Edusp & Polígono;
Born,M. & Wolf,E. (1975): “Principles of Optics”, Pergamon Press;
Born,M.(1965): “Atomic Physics”, Blackie & Son
Papoulis
Feynman
454