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J.E. Horvath*1
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Universidade de São Paulo, Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas, Departamento de Astronomia,
São Paulo, SP, Brasil.
We present an elementary discussion of the quantum regime of an electron gas and its applications in Stellar
Evolution, with the ideia of contributing to a more physical approach to this important state of matter in the
first years of Science careers.
Keywords: Electron gas, stars, hydrostatic equilibrium.
2. A Física Básica da Degenerescência Figure 2: a) Um gás qualquer (no caso, o carbono) mantém
Eletrônica as nuvens eletrônicas separadas se a densidade for da ordem
de ∼1 g cm−3 ; mas quando a densidade aumenta por causa
Na matéria normal com uma densidade similar à da da evolução da estrela, é possível que as nuvens entrem em
água, 1 g cm−3 (na Astronomia as unidades de longe contato, como mostrado em (b), e os elétrons mostrem sua
mais utilizadas são as do sistema cgs por razões his- natureza quântica.
tóricas e de conveniência), os núcleos atômicos de di-
mensão ≈ 1 f m ≡ 10−13 cm são ordens de grandeza
menores que o tamanho típico dos orbitais eletrônicos
≈ 1 Å ≡ 10−8 cm. A distância inter-núcleos típica é
assim da ordem de δ = 105 f m. Porém, ao longo da
evolução de uma estrela o núcleo central pode se adensar
substancialmente, já que a gravitação é “incansável”,
e as equações de equilíbrio hidrostático mostram que
a densidade cresce muito no centro (Fig. 1) conforme
aumenta a idade da estrela.
Assim, é necessário considerar nos interiores estelares
distâncias inter-núcleos muito menores para densidades
centrais ρC > 103 g cm−3 . Nestas densidades, as nuvens
eletrônicas começam a ficar em contato (Fig. 2).
Desta forma os elétrons são “forçados” finalmente
a manifestar seu caráter quântico, já que segundo o
Princípio de Exclusão de Pauli, não podem ocupar os
mesmos estados de energia. Esta ideia dos “estados de Figure 3: A plataforma do trem nas horas de pico como analogia
energia” é puramente quântica e deve ser reforçada junto da distribuição de elétrons no regime quântico, vide texto.
aos estudantes, já que não há nada assim na Física Clás-
Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 44, e20220002, 2022 DOI: https://doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2022-0002
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de Pauli. Na analogia da plataforma, sabemos que ela sem demonstração em muitos tratamentos encontrados
corresponde à impossibilidade de “furar” a barreira de em textos de Astronomia. Além da temperatura não
pessoas à frente, já que existe uma resistência evidente. aparecer (reflexo de que a agitação térmica não mais
determina o comportamento dos elétrons, outro ponto
3. A Derivação Mais Elementar da a insistir com os estudantes), vemos também outro fato
Equação de Estado do Gás de importante: como a pressão é proporcional à constante
de Planck ao quadrado ~2 , a pressão de degenerescência
Elétrons Degenerado
não existiria sem a Mecânica Quântica. Tudo isso está
presente no trabalho de R. H. Fowler de 1926 [6], o
Em 1926 Eddington, ao saber da confirmação do pequeno
primeiro que vinculou as anãs brancas com a Teoria
raio de Sirius B, com massa comparável à do Sol,
Quântica, relevante nesse regime de densidade extrema.
escreveu no seu livro clássico The internal constitution
Este cálculo é simples e completamente geral. Se
of the stars [5] que era temerário pensar que nessas
houvéssemos considerado os elétrons ultra-relativísticos
densidades, estimadas das medidas em 2000 vezes a
com hEK i = pc, teríamos obtido Pe ∝ n4/3 . Estas duas
do chumbo ou mais, um gás se comportaria de forma
formas são os limites de baixa e alta densidade do gás
ideal. Mas Eddington nunca aprofundou ou elaborou
de elétrons degenerado, e constituem a base do cálculo
esta afirmação. Esta inferência observacional de valores
de estrutura das anãs brancas de Chandrasekhar, quem
muito altos para a densidade, nos quais um gás ideal
unificou a estrutura estelar newtoniana usando uma
não resulta um modelo viável, levou à consideração do
única expressão politrópica Pe = KρΓ para a equação
comportamento da matéria no regime quântico, na época
de estado, que se reduz nos dois limites (relativístico,
recém estabelecido [6].
alta densidade e não relativístico, baixa densidade) aos
A seguir veremos como é possível obter uma equação
resultados exatos [8].
de estado válida para esse regime a partir de considera-
ções elementares, de olho na compreensão da estrutura
estelar decorrente. 4. A Degenerescência Eletrônica na
Consideremos uma esfera com N elétrons confinados Evolução Estelar
em um volume V. O espaço físico acessível para cada um
V 1/3
deles é da ordem de ∆x ∼ ( N ) (por simplicidade em A maior parte da vida das estrelas acontece dentro da
uma dimensão, e sem levar em conta de momento fatores chamada Sequência Principal. A Sequência Principal
numéricos da ordem de 1). A hipótese dos elétrons terem é definida como o lugar geométrico no diagrama de
entradono regime quântico equivale a dizer que estão Hertzprung-Russell (HR) correspondente a todas as
agora sujeitos ao Princípio de Incerteza e ∆x ∆p ≥ ~. estrelas que fusionam hidrogênio em hélio para manter
Assim seu impulso típico será da ordem de sua estrutura. Uma discussão do diagrama HR e da
Sequência Principal pode ser encontrada na Ref. [9].
~ ~ N 1/3 As estrelas na Sequência Principal estão constituídas
∆p ≥ ∼ . (1)
∆x V 1/3 de uma mistura de gás perfeito com radiação, onde a
A energia cinética média hEK i, resulta, no regime não primeira componente é sempre muito dominante. Basta
relativístico com que a pressão de radiação ganhe importância para
que a estrela deixe de ser estável [10]. Porém, depois de fi-
∆p2 ~2 N 2/3 car na Sequência Principal por um tempo muito longo, as
hEK i = ∼ 2/3 . (2)
2m V m estrelas do tipo solar deixam essa região ao não conseguir
Multiplicando pelo número de elétrons obtemos de mais sustentar reações nucleares que produzem energia,
imediato a energia interna U como mostraram Schoenberg e Chandrasekhar [11]. Isto
não leva a um colapso, mas sim a uma contração
~2 N 5/3 denominada quase-hidrostática onde a região central ou
U = N hEK i ∼ . (3)
V 2/3 m caroço aumenta sua densidade e temperatura. A questão
é se este aumento da densidade ρ ∝ R−3 (onde R é o raio
Agora, de forma totalmente geral, a Termodinâmica
do caroço), muito mais importante que o aumento da
nos permite encontrar a pressão (variável de estado
temperatura, pode levar os elétrons ao regime quântico
do gás) diferenciando a energia interna U respeito do
descrito anteriormente.
volume a entropia constante, já que esta energia interna
Podemos estudar esta possibilidade com o auxílio da
é um dos potenciais termodinâmicos do sistema [7]. Ou
∂U Fig. 4 para entender a questão da degenerescência das
seja, Pe = − ∂V S=cte
com o resultado
regiões centrais das estrelas do tipo solar. Da teoria
~2 N 5/3 da Evolução Estelar [1, 9] sabemos que na chamada
Pe = k , (4) Sequência Principal inferior (M ≤ 2, 2 M ), as estrelas
V 5/3 m
desenvolvem um caroço cada vez mais rico em hélio,
onde k é uma constante numérica, ou seja, Pe ∝ n5/3 produto da fusão nuclear dos ciclos próton-próton que
(já que a densidade é n = N/V ) tal como afirmado a sustentam [1]. Este caroço é coberto por um envelope
DOI: https://doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2022-0002 Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 44, e20220002, 2022
e20220002-4 A degenerescência do gás de elétrons e sua importância em Astrofísica
Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 44, e20220002, 2022 DOI: https://doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2022-0002
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6. Conclusões
Temos apresentado uma discussão básica do regime
quântico de degenerescência eletrônica, e suas con-
sequências para a Evolução Estelar de estrelas do tipo
solar (Sequência Principal inferior) e as anãs brancas.
Acreditamos que a semelhança formal e conceitual com
as abordagens dos cursos de Física elementar deve
DOI: https://doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2022-0002 Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 44, e20220002, 2022