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Cícero
Estudos e traduções
Discentes: Ana Carolina Simões Silva, Artur Vicente de Medeiros, Brenno Miguel Miranda Machado, João
Guilherme Braz Avellar de Aquino, Julia Inês Araújo de Santana, Isaias Luis dos Santos Junior, Laryssa
Alves da Silva, Millena Luzia Carvalho do Carmo e Renata Barbosa da Silva.
Editoração eletrônica: Artur Vicente de Medeiros, Millena Luzia Carvalho do Carmo, Priscilla Gontijo
Leite
Departamento de História
Prolicen
CCHLA/ UFPB 2022
Sumário
Apresentação 3
Cícero 4
De Republica 6
Cidadania em Roma 8
Magistraturas Romanas 9
Sociedade Romana 14
Os Irmãos Graco 16
De servus à Slavus 17
Introdução 18
Elenco de Personagens 20
Democracia 24
Aristocracia 31
A melhor República 34
Constituição Mista 38
Referências 41
2
Apresentação
Assim, finalizado o material sobre Cícero, optamos pela divulgação prévia sem
antes finalizar o livro de autores latinos. Com isso, esperamos contribuir para o ensino
de Antiguidade, de modo que o processo de ensino e aprendizagem sobre o mundo
antigo seja crítico, reflexivo e capaz de promover a autonomia do sujeito.
3
Cícero
Marco Túlio Cícero nasceu na cidade de Arpina,
na Itália, em aproximadamente 106 a.C. Ele provinha
de uma família rica, seu pai era equestre e exercia
influência em Roma, fato que favoreceu seus estudos.
Ele não foi um romano tradicional, uma vez que
sua formação foi baseada nos grandes filósofos,
poetas e historiadores gregos. No entanto, seu
conhecimento sobre a língua grega fez com que
fizesse parte da elite intelectual romana. Cícero foi um
grande estudioso de retórica e de filosofia. Foi
responsável por difundir a filosofia grega nos estudos
Fig.1: Busto de Cícero
romanos. Entre as suas principais obras, podem-se
citar: De Republica, De Legibus, De natura deorum. Além disso, foi um importante
orador e advogado.
Os estudos de Cícero permitem conhecer aspectos da política romana.
Apesar de todos os seus talentos e formações, foi no âmbito político que Cícero
mais se destacou. Ele foi muito atuante no cenário político romano: participou
de guerras e exerceu diversos cargos importantes, como o de edil, pretor e
cônsul. Isso explica o fato de Cícero considerar a participação e a atividade
política como fatores essenciais para o exercício da cidadania.
Cícero foi assassinado na cidade de Formia, Itália, em 43 a.C.
4
Fig. 2: “Cícero denuncia Catilina”, 1889. Quando foi cônsul, Cícero foi res-
ponsável por desmantelar a Conspiração de Catilina, executando sumaria-
mente seus líderes, uma decisão que resultaria em seu exílio anos depois.
Fig. 3: “Assassinato de Cícero”, séc. XV. Cícero foi morto por ordem de Marco An-
tônio apesar da objeção de Otaviano. Seu executor foi o centurião Herênio.
5
De Republica
O livro De Republica de Marco Túlio Cícero narra as questões políticas de
Roma e discute as formas de governo. Constituída como um diálogo entre
personagens importantes no cenário político romano, a obra apresenta os
conceitos e a importância da participação ativa nas atividades políticas.
No prefácio, Cícero cita diversos homens, como Quinto Máximo, Cipião
Africano e Caio Duílio, que se dedicaram à atividade política e tiveram grande
influência na cidade de Roma. Muitos desses cidadãos preferiram a vida
agitada da cidade e dos problemas políticos em vez de viver tranquilamente e
desprovido de preocupações. A partir disso, o autor define o conceito de
virtude, o qual tem seu uso máximo “no governo da cidade”. Dessa forma, a
participação na política era considerada a virtude máxima do homem.
Além disso, Cícero descreve a superioridade e autoridade que os políticos
possuíam com relação aos filósofos e a sua atividade teorética. Ele defendia a
importância do poder e da lei como fatores que regiam a sociedade, elementos
que os filósofos não englobavam em sua prática, uma vez que tinham a palavra
como um fator persuasivo. Os sábios apenas se dedicavam à política em casos
de necessidade.
Cícero faz essa apresentação geral com o objetivo de criar uma discussão
acerca das formas de governo em Roma, e, principalmente, discutir sobre a
República e apontar a relevância dos indivíduos, considerados corajosos, que
atuavam no cenário político, uma vez que eles ofereceram seu trabalho e auxílio
à cidade. Essa participação, para Cícero, era necessária para que se alcançasse a
cidadania.
6
Relação com a natureza
Na primeira parte do Livro I, Cícero utiliza metáforas para apresentar os
conceitos políticos e demonstrar a relação da política com outros assuntos.
Percebe-se, especificamente a interligação e comparação que ele faz entre a
atuação política e a natureza, principalmente o mar. Cícero aponta, ainda, que a
necessidade de virtude e o amor pela natureza influenciavam os homens a se
dedicarem à política.
Os elementos da natureza estão presentes em várias citações da obra e
demonstram o equilíbrio existente entre os acontecimentos políticos e naturais,
ambos em constante transformação. O que os diferencia é que os fenômenos da
natureza não são controlados pelo homem, ao contrário da vida política que é
dirigida pelos interesses dos indivíduos.
Ao falar dos filósofos, por exemplo, Cícero compara o mar tranquilo com a
falta de participação na política e o mar agitado com a participação ativa
(Cicero, De Republica 1.7). Além disso, ele utiliza nomes de fenômenos e
elementos da natureza, como tempestades e mares agitados, para caracterizar a
vida política.
7
Cidadania em Roma
A obra de Cícero apresenta a discussão acerca das
formas de governo em Roma, principalmente da República,
com uma ênfase na participação política como meio de
exercício da cidadania. Cícero discorre sobre a autoridade da
vida política em detrimento da atividade dos homens sábios,
por exemplo, os quais estavam afastados das questões
políticas.
A vida cívica em Roma caracterizava-se por ser
unitária e englobava todos os cidadãos, independente das
funções que eles exerciam. Além disso, o conceito de
cidadania em Roma estava ligado a um estatuto jurídico,
no qual os indivíduos possuíam seus direitos e deveres
Fig. 4: Jovem de toga, que regulados pelo direito comum. No contexto da participação
denota sua condição de do cidadão, todos deveriam atuar na vida social e
cidadão
contribuir com a coletividade, uma vez que vivam em
conjunto e, dessa forma, precisavam garantir o equilíbrio da sociedade.
Cícero enfatiza no Livro I a importância da participação na política e da
doação para a cidade, ou seja para a República, pois, à medida que a cidade
exige de todos, ela também atende a seus interesses. Ele afirma que a cidade
gera e educa o cidadão, além de oferecer um refúgio sempre seguro, e em troca
a cidade espera contar com o ânimo, a inteligência e o discernimento dos
cidadãos (Cícero, De Republica, 1.4).
Sendo assim, o exercício da cidadania se concretizaria a partir da
participação na vida política e na doação à cidade, a qual exigia a atuação do
cidadão para que houvesse a harmonia entre a coletividade. Ao mesmo tempo,
aqueles que se doavam à coisa pública eram os homens virtuosos, corajosos,
dotados de ânimos, como bem afirma Cícero, e os quais deveriam ser chamados
de cidadãos.
8
Magistraturas Romanas
A estrutura institucional da República Romana era formada por
assembleias (concilia), no total de três, e magistraturas que eram divididas em
sete classes, compostas por magistrados. Eles, de forma permanente ou
temporária, ocupavam os cargos e atuavam de acordo com as prerrogativas da
lei.
Concilia Concílios/Assembleias
Comício curial
Essa organização remonta ao período monárquico e durante a República
perdeu sua força. Tinha caráter religioso e era comandado pelo Pontífice
Máximo. Atuava em assuntos de guerra, tratados, na eleição de Cônsules e
Pretores, entre outras funções administrativas.
9
Fig. 5: Templo de Adriano, localizado no Campo de Marte, em Roma, Itália.
10
Magistraturas
Cônsules
Pretores
Os pretores também eram dois, mas até o fim da
República esse número cresceu, chegando até
dezesseis. Suas funções eram essencialmente
judiciárias. Os pretores eram detendores de
Fig. 8: Representação do pretor imperium.
romano Lucius Antonius Rufus
Appius
Ditador
Quando o Estado enfrentava momentos difíceis e de
calamidade, aparecia a figura do ditador. Ele
assumia o poder de Roma durante seis meses,
enquanto as outras magistraturas eram anuladas. O
ditador detinha o imperium até que a situação se
resolvesse. Após o período de instabilidade, o
ditador voltava à sua condição de cidadão e as outras
magistraturas voltavam a funcionar.
Fig. 9: Busto do ditador roma-
no Sula.
11
Censores
Os Censores eram magistrados que não detinham o
imperium, mas desempenhavam importante função
social na República Romana. Geralmente eram dois
censores, os quais eram responsáveis pelo
recenseamento das cidades. Eles repartiam os
cidadãos por tribos e em classes censitárias e
também eram responsáveis por garantir a
Fig. 10: Marcus Aemilius moralidade pública.
Lepidus I, censor romano.
Edis
A magistratura dos Edis era formada por quatro
cidadãos romanos, dois advindos dos patrícios e dois
advindos da plebe. Eles eram responsáveis pelo
policiamento da cidade, organização de eventos,
como os jogos, proteção dos edifícios públicos e
distribuição do trigo.
Questores
Os questores tratavam das finanças de Roma, sendo
detentores do Tesouro de Saturno, o tesouro público
de Roma. Os questores eram consultados pelos
cônsules nos assuntos da administração das verbas
públicas e das campanhas militares. Eles geralmente
recebiam tributos e comissões de guerra.
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Tribuno da Plebe
13
Sociedade Romana
Patrícios
Plebeus
14
Nobilitas
A nobilitas constituía outro grupo social em Roma. Era formada por patrícios e
plebeus enriquecidos (nobilis significa “conhecido, nobre, notável” em latim). Os
cidadãos pertencentes a esse grupo possuíam privilégios e exerciam algumas
magistraturas. Esse grupo efetivamente ocupou o poder na maior parte da
história romana.
15
Os Irmãos Gracos
Tibério e Caio Graco foram dois políticos romanos, cuja atuação política
ampliaram os conflitos entre patrícios e plebeus no final da república. O pai de-
les foi Tibério Semprônio Graco, que fez importantes campanhas militares na
Hispânia e Sardenha e foi eleito cônsul duas vezes. Já sua mãe, Cornélia, era
filha de Cipião Africano. Os irmãos seguiram a carreira política e foram tribu-
nos da plebe: Tibério em 133 a.C. e Caio em 123-122 a.C.
Durante sua magistratura, Tibério apresentou uma proposta de lei (Lex
Sempronia Agraria) que alterava a lei agrária romana, permitindo a expansão do
ager publicus (terras públicas) para a utilização dos cidadãos pobres. Previa-se
um limite para a quantidade de terra individual que, se ultrapassado, eram
convertidos em terras públicas para serem distribuídas em pequenos lotes para
os mais pobres. Isso modificava diretamente as posses de terra e também evita-
ria o controle agrário das famílias mais ricas, possibilitando acesso de mais pes-
soas à atividade agrícola. Tibério apresentou essa proposta diretamente ao co-
mício da plebe, sabendo que o Senado a recusaria de imediato. Mesmo assim, o
senado utilizou sua influência para convencer o outro tribuno a vetar a propos-
ta. Para Tibério, esse veto simbolizava uma afronta à constituição romana. Ele
começou a utilizar seu poder de veto para paralisar o funcionamento da repú-
blica. Como consequência, uma nova votação foi realizada e a lei foi aceita una-
nimemente. Com isso, ele se tornou bastante popular, mas foi assassinado pela
facção dos senadores que não aceitavam essas mudanças.
Por sua vez, Caio Graco assumiu como tribuno da plebe dez anos após
seu irmão. Ele também atuou na legislação sobre terras, ampliando-a, além de
propor várias reformas a favor da plebe, como diminuição do preço do trigo,
aumento da idade para o serviço militar obrigatório e inclusão de outros povos
na cidadania romana. Isso incitou a oposição do senado, que assassinou aliados
de Caio e o fez fugir da cidade.
16
De servus à sclavus
17
Introdução
Para compreender o contexto do debate filosófico entre os sábios roma-
nos narrado por Cícero, analisado em nossas fichas, é necessária uma breve si-
nopse do livro até o diálogo sobre a formas de governo ser estabelecido.
18
parecia ser inalcançável naquele momento, colocando assim em risco o equilí-
brio necessário para o funcionamento das instituições republicanas. As metáfo-
ras com fenômenos meteorológicos, apresentadas na obra por Cipião, revelam a
visão política de Cícero. Para o orador, um homem de ação deve manter seu
foco nas questões de consequências diretas, portanto, as ações que podem ser
feitas naquele momento de maneira pragmática, sem perder o foco com ideali-
zações. O conhecimento, então, é valorizado pela prática e não somente por sua
teoria. Isso fica claro com o exemplo de Péricles ter utilizado seu conhecimento
de algo distante do cotidiano, o eclipse, para acalmar uma crise. O eclipse de-
monstra a concepção de Cícero de que seu próprio contexto estava num mo-
mento de apagamento político, com os debates sendo majoritariamente retóri-
cos e ineficazes para uma mudança propositiva e uma menor participação dos
cidadãos qualificados.
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Elenco de Personagens
Caio Lélio
Combateu em Cartago com Cipião. Foi pretor em 145 a.C e cônsul em 140 a.C.
20
Definição de res publica
Cícero, República 1.39 – 1.42
21
Cum autem est penes delectos, Quando fica nas mãos de alguns escolhidos,
tum illa civitas optimatium arbi- então se diz que a sociedade é dirigida pelo ar-
trio regi dicitur.
bítrio dos “melhores”.
Illa autem est civitas popularis
(sic enim appellant), in qua in Já a sociedade “popular” (pois assim a chamam)
populo sunt omnia. é aquela em que tudo fica com o povo.
Vocabulário
22
sada por Cícero é a do povo que se reúne com interesses comuns. É um agru-
pamento não de qualquer jeito, mas pelo acordo de direitos e deveres. É interes-
sante pontuar que o termo res publica ficou consolidado no senso comum como
“coisa pública”, mas existem outras propostas de tradução para entendermos
todas as nuances de res: interesse do povo, assuntos públicos, bens públicos, etc.
Esse povo, que se agrupa, tem necessidade de construir habitações para mora-
dia e proteção. A esse ajuntamento de construções Cícero chama de cidade ou
urbe. A urbe é o centro urbano, designação atribuída ao conjunto de pessoas que
habitam uma área delimitada, com casas e atividades financeiras, comerciais,
culturais, administrativas, entre outras. A multidão se associa para fazer uma
espécie de parceria, com relação às regras e uso comum dos benefícios. Essa
associação baseia-se na equidade; uma equidade proporcional à diferença de
cada um. A utilidade que Cícero descreve pauta-se na busca pelo bem-estar
comum. Dessa forma, o modelo ideal de cidadão romano é aquele que propor-
ciona educação, segurança, moradia, justiça.
O povo reunido na urbe constitui a civitas, grupo de cidadãos que seria a
reunião da coisa pública. Em Cícero o termo civitas aparece como alternativa ao
termo res publica, com o sentido de estado, de constituição ou de governo. Além
disso, para tecer uma contraposição entre cidade e campo, o termo civitas torna-
se sinônimo de urbe. Cícero defende que a Res publica deve ser orientada por
uma decisão para que se desenvolva e seja duradoura. Ao poder de tomar deci-
sões ele dá o nome de consilium, termo que também possui o sentido de discer-
nimento, entendimento.
Cícero aponta três constituições para o consilium: (1) o consilium nas mãos
de um só, o rei; (2) o consilium nas mãos dos escolhidos, os aristocratas; e (3) o
consilium submetido à multidão, na sociedade popular. Ao longo da obra De
Republica, ele vai apontar as vantagens e desvantagens dessas formas de gover-
no e qual a melhor forma política para a sociedade romana.
23
Democracia
Cícero, República 1.47
Vocabulário
(aequus) adj. Igual, igualitário, distribuído por igual.
(imperium) s.n. Poder máximo de comando, autoridade máxima; comando militar; domínio
sobre outros povos.
(libertas) s.f. Liberdade, condição de quem é livre.
(magistratus) s.f. Magistratura, cargo na administração pública.
(potestas) s.f. Poder, condição de quem é poderoso.
(regnum) s.n. Reino, monarquia.
(servitus) s.f. Servidão, escravidão, submissão.
(suffragium) s.n. Voto; votação.
24
Comentário
Cícero não concebia os acontecimentos de forma circular, mas a partir da
ideia de avanço e decadência. Ele escreve numa época de crise em Roma, por
volta do século I a.C. Mesmo em um tempo obscuro, ele almejava a salvação da
República pelo equilíbrio de poderes. Para Cícero, o avanço político ocorreu no
tempo passado, numa época áurea da República, um passado idealizado, que
ele tenta resgatar. A República de Roma foi construída como um somatório de
experiências e gerações. Ele não adere a um mito ou ato fundador, mas as ações
que se seguiram a ele. Assim, ele passa do mito aos fatos e ao conhecimento
histórico.
Cícero dá ênfase à coletividade. As ações humanas, por meio de sua li-
berdade, permitem a consolidação da República e seu aperfeiçoamento. A
grandeza de Roma estaria nas experiências políticas. O progresso político em
Roma é natural e reforçado pelo discernimento do povo.
As formas de governo trazidas por Cícero têm as características dos mo-
delos de governo em Platão, Heródoto e Aristóteles, que seriam a Monarquia,
Aristocracia e Democracia. Nesse trecho, ele descreve o poder do povo, em
comparação com o poder monárquico e aristocrático. Seu argumento se pauta
na ideia de liberdade, que só pode ser alcançada na urbe em que o povo exerce a
soberania. A liberdade deve ser igualitária para que seja concreta.
Faz, ainda, uma crítica à monarquia e à aristocracia, regimes nos quais o
povo não participa do consilium e das decisões públicas. O povo apenas segue
as normas atribuídas pela minoria, uma vez que os cargos são atribuídos con-
forme o poder monetário ou os laços familiares. A crítica que Cícero tece à mo-
narquia reside no fato de que, nessa forma de governo, o rei, autoridade su-
prema, exerce o poder de forma unitária, indo em oposição à harmonia da soci-
edade. Portanto, a monarquia seria falha por prejudicar o bem comum.
Na sequência, Cícero enumera as cidades de Atenas e Rodes como
exemplos de democracia, mas o restante da argumentação foi perdido, já que
vários fólios da obra estão desaparecidos.
25
A república do povo livre
Cícero, República 1.48
. . . populo aliquis unus pluresve Depois que um ou mais homens ricos e abasta-
divitiores opulentioresque exti-
tissent, tum ex eorum fastidio et dos se colocaram acima do povo, eles dizem para
superbia nata esse commemorant os ignorantes e fracos que essa situação nasceu
cedentibus ignavis et inbecillis
do desprezo e da soberba deles, ao cederem e
et adrogantiae divitum succum-
bentibus. sucumbirem à usurpação dos ricos.
Si vero ius suum populi teneant, Já se os povos mantêm seu próprio direito, di-
negant quicquam esse praestan-
zem que não há nada melhor, mais livre, mais
tius, liberius, beatius, quippe qui
domini sint legum, iudiciorum, feliz, já que eles são senhores das leis, dos tribu-
belli, pacis, foederum, capitis nais, da guerra, da paz, das alianças, da vida de
unius cuiusque, pecuniae.
cada um, do dinheiro.
Hanc unam rite rem publicam,
id est rem populi, appellari Assim, consideram que só essa pode ser chama-
putant. da verdadeiramente de república, no sentido de
Itaque et a regum et a patrum interesse do povo.
dominatione solere in libertatem
rem populi vindicari, non ex Por isso, é comum que o interesse do povo rei-
liberis populis reges requiri aut vindique a liberdade contra a dominação de reis
potestatem atque opes e patrícios, mas não que povos livres solicitem
optimatium.
reis ou o poder e os recursos dos “melhores”.
Vocabulário
(dominatio) s.f. Dominação, submissão, repressão.
(foedus) s.n. Aliança; trato, acordo.
(ius) s.n. Direito, justiça.
(lex) s.f. Lei escrita, legislação.
(libertas) s.f. Liberdade, condição do homem livre.
(opes) s.f. Recursos, meios, condições.
(pater) s.m. Pai, chefe da família; no plural patrícios, os chefes das famílias aristocráti-
cas.
(pax) s.f. Paz; pacto de não agressão.
(potestas) s.f. Poder, capacidade.
(populus) s.m. Povo, nação, conjunto dos cidadãos.
(regnum) s.n. Reino, monarquia.
(res) s.f. Interesse, negócio, patrimônio.
(res publica) s.f. O conjunto de interesses e bens compartilhados por um povo; república.
(rex) s.m. Rei, soberano, monarca; aquele que dirige.
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(regnum) s.n. Reino, monarquia.
(res) s.f. Interesse, negócio, patrimônio.
(res publica) s.f. O conjunto de interesses e bens compartilhados por um povo; re-
pública.
(rex) s.m. Rei, soberano, monarca; aquele que dirige.
Comentário
Cícero defende que somente com o povo no poder uma sociedade pode
ser chamada de res publica, no sentido de “interesses do povo”. Com o povo
comandando as leis e toda a administração da cidade, a liberdade é plena. Ele
argumenta que somente a lei sustenta a cidade, pois o direito legitima a associa-
ção dos cidadãos. Mesmo que os cidadãos não sejam iguais em posses e talen-
tos, na Res publica, eles devem ser iguais perante a lei.
A isonomia defendida por Cícero aplicava-se somente aos cidadãos ro-
manos. Assim, a igualdade perante a lei era atribuída aos homens livres, que
poderiam participar da vida política e administrativa de Roma. Ela seria o sus-
tentáculo da República romana, assim como Aristóteles e Heródoto a definiam
como o princípio mais importante da democracia ateniense.
A cidadania defendida por Cícero é o que pautava seu conceito de res
publica, porque a moralidade residia na participação ativa nas atividades civis.
Dessa forma, para ele, não importava se o cidadão era o mais sábio ou se era um
filósofo e escritor. O cidadão romano idealizado por Cícero era aquele que se
empenhava na vida civil e política e poderia corresponder aos anseios de re-
memorar o passado glorioso da República romana. Ele defendia também que o
cidadão romano deveria desenvolver o amor pela pátria e o exercício da virtu-
de, preocupando-se com o bem comum.
27
O problema entre os governos
Cícero, República 1.50
Ceteras vero res publicas ne Ao contrário, pensam que não se deve nem
appellandas quidem putant iis
mesmo chamar as demais repúblicas com aqueles
nominibus, quibus illae sese
appellari velint. nomes com que elas desejam ser chamadas.
Cur enim regem appellem Em nome de Júpiter Ótimo, por que vou chamar
Iovis optimi nomine hominem de “rei” e não de “tirano” um homem ávido por
dominandi cupidum aut
dominar ou obter o comando exclusivo e que
imperii singularis, populo
oppresso dominantem, non domina o povo oprimido?
tyrannum potius? Pois tanto o tirano pode ser bondoso quanto o rei
Tam enim esse clemens pode ser cruel; assim, é importante para os povos
tyrannus quam rex inportunus
distinguir se obedecem a um senhor gentil ou
potest; ut hoc populorum
intersit, utrum comi domino rude, já que não há como não obedecer.
an aspero serviant; quin […] E quem suporta esses “melhores”, que em
serviant quidem, fieri non suas próprias assembleias se deram esse nome,
potest.
sem a concordância do povo? Ele se julga “me-
[…] Nam optimatis quidem
lhor” com base em quê? Na educação, nas habili-
quis ferat, qui non populi
concessu, sed suis comitiis hoc dades, nas ocupações…?
sibi nomen adrogaverunt? Qui
enim iudicatur iste optimus?
doctrina, artibus, studiis . . .
Vocabulário
(ars) s.f. Arte, habilidade técnica para fazer alguma coisa.
(doctrina) s.f. Doutrina, educação; ensinamentos que constituíam a educação romana.
(dominus) s.m. Dono, senhor; aquele que manda.
(optimates) s.m. Os auto-intitulados “melhores”; grupo político dos aristocratas.
(populus) s.m. Povo, nação, conjunto dos cidadãos.
(res publica) s.f. O conjunto de interesses e bens compartilhados por um povo; repú-
blica.
(rex) s.m. Rei, soberano, monarca; aquele que dirige.
(studium) s.m. Estudo, dedicação; ocupação a que uma pessoa se dedica.
(tyrannus) s.m. Déspota, tirano, usurpador.
28
Comentário
29
Cícero também aponta as primeiras falhas da aristocracia, que pode ser
facilmente convertida em uma oligarquia. Na oligarquia, um pequeno grupo de
extrema autoridade governa em favor de seus próprios interesses. Nesse trecho,
ele aborda o que faria um aristocrata ser legítimo e quais qualidades estão de
acordo com o interesse público. Para Cícero, o governo aristocrático é válido
quando há o claro consenso das qualidades dos selecionados para o cargo.
Esse ponto se assemelha às críticas de Aristóteles para a aristocracia, cu-
jas qualidades estão na honestidade e virtude dos melhores cidadãos, que po-
dem assim tomar as melhores decisões para a cidade. Porém, deteriora-se em
uma oligarquia quando esse grupo, que possui poder total, visa apenas o inte-
resse dos ricos e o benefício próprio.
30
Aristocracia
Cícero, República 1.51
31
Vocabulário
(civitas) s.f. Sociedade, população organizada socialmente; daí cidadania, direito do
cidadão de participar da sociedade.
(consilium) s.n. Decisão; capacidade de tomar decisões; daí conselho, grupo de pesso-
as encarregado das decisões.
(imbecillis) adj. Fraco, debilitado; inferior.
(nobilis) adj. Conhecido; famoso; notável; nobre.
(optimates) s.m. Os auto-intitulados “melhores”; grupo político dos aristocratas.
(salvus) adj. Salvo, em segurança.
(salus) s.f. Segurança; bem estar.
(status) s.m. Estado, condição; forma, arranjo.
(superbia) s.f. Soberba, presunção; sentimento de quem se acha superior.
(virtus) s.f. Valores como coragem e retidão moral; virtude.
(vulgus) s.m. Multidão, povo, massa, populacho.
Comentário
32
recerem certa estabilidade e segurança às massas, prejudicaria a liberdade de
todos perante a lei. Assim, mais uma vez, Cícero reafirma que o bom cidadão
político não é o mais rico ou mais sábio e sim o mais preocupado com o bem
comum da urbe.
33
A melhor República
Cícero, República 1.53 – 1.55
34
Adsunt optimates, qui se Mas então chegam os aristocratas afirmando que
melius hoc idem facere fazem isso melhor e dizendo que existe mais poder
profiteantur plusque fore
dicant in pluribus consilii de decisão em mais de um do que em uma pessoa
quam in uno et eandem tamen só, além da mesma igualdade e credibilidade.
aequitatem et fidem.
Mas aí o povo grita bem alto que não quer obede-
Ecce autem maxima voce
clamat populus neque se uni
cer nem a um só, nem a alguns poucos; que até
neque paucis velle parere; para os animais não há nada mais doce do que a
libertate ne feris quidem liberdade; que todos sentem falta dela quando es-
quicquam esse dulcius; hac
omnes carere, sive regi sive tão submissos, seja ao rei, seja aos “melhores”.
optimatibus serviant. Assim, os reis nos atraem amor paternal, os “me-
Ita caritate nos capiunt reges, lhores” pelo poder de decisão, o povo pela liber-
consilio optimates, libertate
populi, ut in comparando dif-
dade, de tal modo que, na comparação, é difícil
ficile ad eligendum sit, quid escolher qual você mais quer.
maxime velis.
Vocabulário
(aequabilitas) s.f. Igualdade, uniformidade, imparcialidade.
(aequitas) s.f. Igualdade, equilíbrio, simetria; justiça, imparcialidade.
(caritas) s.f. Estima, afeição; amor paternal.
(civis) s.m. Cidadão; que participa da sociedade.
(civitas) s.f. Sociedade, população organizada socialmente; daí cidadania, direito do
cidadão de participar da sociedade.
(consilium) s.n. Decisão; capacidade de tomar decisões; daí conselho, grupo de pes-
soas encarregado das decisões.
(dignitas) s.f. Merecimento, valor, dignidade; cargo público.
(fides) s.f. Confiança, confiabilidade; credibilidade.
(iniquus) adj. Iníquo, desigual; injusto.
(ius) s.n. Direito, justiça.
(libertas) s.f. Liberdade, condição de quem é livre.
(optimates) s.m. Os auto-intitulados “melhores”; grupo político dos aristocratas.
(populus) s.m. Povo, nação, conjunto dos cidadãos.
(regnum) s.n. Reino, monarquia.
(res publica) s.f. O conjunto de interesses e bens compartilhados por um povo; re-
pública.
(rex) s.m. Rei, soberano, monarca; aquele que dirige.
35
Comentário
36
pulação. Por fim, a monarquia demonstra o seu cuidado ou segurança, sendo
assim um governo de alta autoridade e força militar.
O entendimento dos pontos positivos e negativos de cada forma de go-
verno é a base da constituição mista, na qual cada parte do governo é responsá-
vel pela manutenção daquilo que eles têm de melhor. Assim, em Roma, a aris-
tocracia é representada pelo senado, a democracia pelo concílio da plebe e a
monarquia pelos cônsules. Essa mistura deve ser equilibrada, evitando o pro-
cesso que Políbio descreve como anaciclose, que consiste na degeneração da
constituição, perdendo-se o ideal que a formou. Isso acontece de maneira cícli-
ca, segundo Políbio, como um caminho natural. Para Cícero, essa constante de-
generação pode ser controlada através da constituição mista, na qual cada parte
pode monitorar as outras e julgar a extensão de sua autoridade, para que ne-
nhum corpo governamental possa extrapolar seu poder sem que as outras não
consigam reagir.
37
Constituição Mista
Cícero, República 1.69 – 1.70
38
Vocabulário
(aequabilitas) s.f. Igualdade, uniformidade, imparcialidade.
(constitutio) s f. Constituição, organização, forma estabelecida.
(disciplina) s.f. Educação, conhecimento, saber prático; disciplina.
(dominus) s.m. Dono, senhor; aquele que manda.
(factio) s.f. Facção, seita política; partido oligárquico.
(firmitudo) s.f. Firmeza, estabilidade, solidez.
(maiores) s.m. Os mais velhos; os antepassados.
(multitudo) s.f. Multidão, grande número de pessoas; população.
(optimates) s.m. Os auto-intitulados “melhores”; grupo político dos aristocratas.
(populus) s.m. Povo, nação, conjunto dos cidadãos.
(regius) adj. Que diz respeito ao rei; monárquico.
(res) s.f. Interesse, negócio, patrimônio.
(res publica) s.f. O conjunto de interesses e bens compartilhados por um povo; república.
(rex) s.m. Rei, soberano, monarca; aquele que dirige.
(turba) s.f. Desordem, tumulto; multidão descontrolada.
(vitium) s.n. Vício; defeito.
Comentário
39
Para Cícero, a República romana em seu modelo de constituição mista é a
escolha correta. Essa escolha foi deixada para os romanos por seus antepassa-
dos como um presente a ser bem cuidado, sendo, portanto, necessária a reafir-
mação dessas tradições republicanas que para ele estavam deteriorando-se.
Entre os problemas que enfraqueciam a república, destaca-se a debilidade ética.
Dessa maneira, o cidadão romano estaria perdendo o foco dos valores originais
de sua cultura, que são apresentados na obra pelos personagens clássicos da
história romana, como Cipião. Isso alude ao passado nostálgico da cidade e a
referências de como o cidadão deve agir. As virtudes exemplares são em defesa
do condicionamento pelo dever e pela ação prática do cidadão, muito atrelado
ao trabalhador rústico do campo.
Essa deficiência moral que acometia o conjunto de cidadãos acompanhava o
grande acúmulo de poder nas mãos de alguns generais. Nessa época, Roma ti-
nha passado por mudanças no exército, como a dissolução da cavalaria e redu-
ção do tempo de serviço. Portanto, a carreira militar, que era a principal manei-
ra de crescimento político na república romana tornou-se exclusiva para alguns
poucos generais que conseguiam se destacar, como Pompeu e Júlio César. Isso
induziu ao controle político exacerbado desses indivíduos, pondo em risco o
equilíbrio da constituição mista.
40
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