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Thomas Jefferson: a liberdade e o Direito (1774 – 1779)

PINHEIRO, Marcos Sorrilha1

Jefferson e o Direito

Thomas Jefferson é um dos personagens mais complexos da História dos


Estados Unidos. Não apenas por conta das múltiplas ocupações exercidas no contexto
da Independência e de seus inúmeros escritos, mas também por conta da diversidade
de interpretações que se produziu a respeito de sua biografia e seu pensamento.
Geralmente, a imagem que dele se tem é aquela vinculada ao seu cargo de Presidente
dos Estados Unidos, como um político. Ou então como um livre pensador, um voraz
leitor de autores clássicos e da ilustração, de intelecto apenas comparável à Benjamin
Franklin, como afirmou Bernard Bailyn (2003). Ou ainda, como um humanista, por
conta de suas belas palavras na defesa dos Direitos dos Homens e expostos na
Declaração de Independência de 1776.
No entanto, pouco se fala sobre um fato quase óbvio de sua trajetória:
Jefferson era um advogado. E mais do que isso, o Direito não foi apenas parte
alegórica de sua vida, como ele se dedicou intensamente a isso. Após dois anos como
estudante na Faculdade de Direito (1760 - 1762), ele iniciou seu período de
“aprendizado” sob a supervisão de George Wythe, um dos mais importantes e
reconhecidos advogados da Virgínia naquela época. Este período lhe deu prestígio e
reconhecimento entre seus pares, tendo se convertido no representante legal do
próprio Whyte e de Patrick Henry, advogado e um dos mais brilhantes oradores do
contexto da Revolução Americana. O que chamava a atenção de seus proeminentes
clientes era a sua condição de “formidável estudioso das leis” (DEWEY, 1987).
A partir de então, Jefferson permaneceria advogando até 1774 quando o curso
do movimento independentista roubou-lhe toda a atenção. Foi neste ano também em
que ele escreveu Summary View of the Rights of British America. Entre os vários
aspectos de destaque que este escrito possui, o que chamou a atenção dos
Congressistas que se reuniam na Filadélfia e tiveram acesso ao mesmo, era o
conhecimento da História do Direito Britânico exibido pelo virginiano e a qualidade

1
Professor Assistente Doutor do Departamento de História da Universidade Estadual Paulista – Franca.
de sua escrita. Justamente por isso, quando Jefferson se juntou ao Segundo Congresso
Continental, em 1775, a sua fama de “advogado estudioso” era amplamente
reconhecida. Até mesmo por isso, acabaria sendo escolhido para rascunhar a
Declaração de Independência, tida na época como um documento jurídico.
É inegável, portanto, que o Direito teve um papel fundamental na trajetória de
Jefferson muito mais do que se costuma mencionar. Mais do que isso, até 1779, ele
era “apenas” um advogado estudioso das leis. Todo o seu reconhecimento e parte de
seus rendimentos vinham daí. Justamente por isso, defendo que esta formação jurídica
moldou a maneira como ele passou a enxergar o mundo e entendeu as relações
humanas. Tal entendimento apoia-se no próprio Jefferson quando este afirmou ter
sido “criado para a lei; que me deu uma visão do lado obscuro da humanidade. Então
eu li poesias, como forma de dota-la de um lado positivo” (Apud WILSON, 1985, p.
442).
Diante dessas informações, proponho que se observe os documentos e
argumentos de Thomas Jefferson à respeito dos direitos dos homens como a vida, a
liberdade e a busca pela felicidade a partir de uma ótica legalista. Por meio desta
interpretação, é possível supor que Jefferson foi o tipo de sujeito que acreditava no
predomínio da lei sobre as demais esferas da sociedade, sendo de suma importância
que os direitos atribuídos pelo “Criador” às pessoas, estivessem sempre convertidos
em documentos jurídicos.
Serão essas prerrogativas que irão nortear o texto desta comunicação. A partir
desta proposta de se conceber Jefferson como um “juspositivista” e não um defensor
dos direitos naturais, pretendo analisar três de seus mais importantes documentos
jurídicos. Neles, penso ser possível reconhecer não apenas o domínio de Jefferson
sobre as leis, como os mecanismos pelos quais o Direito Britânico funcionava e, por
fim, como sua visão a respeito da relação dos homens com seus direitos foi forjada
por uma visão jurídica do mundo. Começarei por Summary View.

Das Leis Naturais ao Direito Positivo

Summary View foi publicado em forma de panfleto e amplamente lido logo às


vésperas de se ter início o 1o. Congresso Continental da Philadelphia em 1774.
Lembrando das circunstâncias de sua elaboração, em uma carta endereçada a John
Campbell, em setembro de 1809, Jefferson contou que a sua intenção não era a de que
o texto fosse publicado. Segundo ele descreve:
Era um rascunho de uma petição ao Rei que eu preparara, e que eu
pretendia propor em meu lugar, como um membro da Convenção de
1774. Tendo sido parado na estrada por motivos de doença, eu o
enviei ao Orador, que o colocou Sobre a mesa para a leitura dos
membros2.

Assim, quando Peyton Randolph deixou seu posto de congressista, Jefferson


foi convocado a assumir seu lugar e, ao desembarcar na capital da Pensilvânia, em
junho de 1775, todos queriam saber quem era o homem por detrás daquele
documento. Como observaria John Adams, Jefferson chegava com a “reputação de
possuir uma pena magistral [...] em consequência daquele belíssimo panfleto que ele
escrevera para a Câmara dos Burgueses [...]” (Apud ELLIS, 1998, p. 33).
Para além de toda importância deste escrito no que tange a visibilidade de seu
autor, ele é fundamental para que se entenda a visão jurídica que o mesmo possuía
daquele contexto de litígio entre colonos e a metrópole. Ainda que tenha entrado para
a história como um panfleto político, vale destacar a informação de que ele foi
idealizado para ser uma petição ao Rei, portanto, um documento legal. Mais do que
isso, este documento deixa evidente o conhecimento que Jefferson possuía da História
do Direito Bretão e como ele tentou usa-lo para dar legitimidade às reivindicações dos
colonos. Ao mesmo tempo, evidencia o seu conhecimento do papel do Rei para a
validação das leis, bem como sua importância na promoção de uma saída frente à
série de “injustiças” existentes em diversos processos3.
Portanto, enquanto todos os colonos (principalmente aqueles de
Massachusetts) bradavam de que não poderia haver “taxação sem representação”,
Jefferson apontava para outro caminho. Segundo ele entendia, o Parlamento não tinha
qualquer poder sobre as colônias, independente da participação das mesmas em suas

2
“Thomas Jefferson to John W. Campbell, 3 September 1809” In: Founders Online, National
Archives, http://founders.archives.gov/documents/Jefferson/03-01-02-0390.
3
Naquele momento o direito britânico dividia as decisões jurídicas em duas instâncias. A Common
Law e o Tribunal de Equidade. Enquanto o primeiro era pautado em leis constituídas por tradições
positivadas em compêndios jurídicos, o segundo estava fundamentado nas leis naturais, como forma de
reparar possíveis equívocos causados pela Common Law. Sendo assim, tratava-se de um tipo de
tribunal que se guiava mais por aspectos morais no julgamento do mérito de suas causas, sendo
conhecido como o local onde a “razão do Rei” era invocada para se estabelecer a devida justiça (Cf.
GENN, 2015).
cadeiras. Ao tirar o Parlamento da discussão, e toda a tecnicidade das leis criadas pelo
mesmo, Jefferson abriu as portas para o uso dos direitos naturais como fonte de
reivindicação, permitindo que a causa independentista tivesse um solo apropriado de
argumentação.
O argumento central de Jefferson em Summary View é o de que a condição de
“expatriados” que possuíram os “primeiros americanos” dava a eles os mesmos
direitos que tiveram os Saxões quando formaram a Grã-Bretanha ainda em seus
primórdios. Sem contar com o apoio institucional da Coroa, alegava ele, os colonos
dependeram de seus próprios esforços para enfrentar os desafios impostos pela
natureza ao erguerem seus próprios lares.
Assim, sem negar a condição de súditos dos reis, Jefferson entendia que os
“americanos” possuíam direitos naturalmente constituídos para formar suas próprias
leis e exercer sua soberania. Leia-se:
“Tendo esses assentamentos sido assim efetuados nas selvas da
América, os emigrantes julgaram apropriado adotar o sistema de
leis sob o qual haviam vivido até então na pátria mãe, e continuar
sua união com ela, submetendo-se ao mesmo soberano comum, pelo
qual é feita a ligação central que conecta as várias partes do império
assim multiplicadas recentemente”4.

Esta era uma tese bastante controversa e, naquele momento, poucos pareciam
concordar com Jefferson, uma vez que ela se baseava em uma espécie de mito dos
Saxões e seus supostos ideais de liberdade, muito propagado por uma literatura whig
do século 17. No entanto, conforme observa Dumas Malone (1948, p. 184, grifo
meu), “[ainda que] seus pressupostos pudessem ser questionáveis, e existissem
equívocos em sua apresentação histórica, moralmente sua hipótese era forte”.
Ao meu ver, Jefferson sabia que o debate não poderia ser feito dentro das
discussões das leis positivadas e que o embate com o parlamento seria infrutífero. Por
outro lado, imaginou que o apelo direto ao Rei poderia ser um caminho para abrir
novas soluções jurídicas, apelando ao seu julgamento moral. É justamente isso o que
ele afirma no documento: “E insistimos profundamente em Vossa Majestade, que
ainda é o único poder mediador entre os vários estados do império britânico, para

4
“Draft of Instructions to the Virginia Delegates in the Continental Congress (MS Text of A Summary
View, &c.), [July 1774],” Founders Online, National Archives,
http://founders.archives.gov/documents/Jefferson/01-01-02-0090.
recomendar ao seu parlamento da Grã-Bretanha a revogação total desses atos”5.
Entretanto, com o decorrer dos fatos, das novas petições e reivindicações,
bem como o acirramento dos combates em solo americano, o Rei não apenas não
aceitou as alegações peticionadas pelos colonos, como declarou guerra formal aos
mesmos. Aos congressistas não restavam muitas opções e aquela escolhida foi a de se
declararem independentes.
Por conta disso, no dia 02 de junho de 1776, o Congresso designou cinco
nomes para formarem um comitê com o objetivo de redigir o que viria a se tornar a
Declaração de Independência6. Entre esses, Thomas Jefferson e John Adams ficariam
responsáveis por elaborar uma primeira versão do documento, a ser revisado pelos
demais. Contam os vários relatos, que Adams abriu mão desta tarefa, entregando toda
a responsabilidade ao seu colega da Virginia. O rascunho elaborado por Jefferson foi
revisado pelo referido comitê e no dia 02 de Julho, ele foi apresentado ao Congresso,
mas não obteve a aprovação de todos. Até finalmente ser aprovado no dia 04 de julho,
passaria ainda por um crivo severo, retirando cerca de um terço do conteúdo
originalmente escrito por seu redator.
Tanto em seu formato final, quanto em seu rascunho, o texto trazia algumas
curiosidades. A primeira delas está na forma como a Declaração foi escrita, uma vez
que, naquela época, no sentido jurídico do termo, não era comum que declarações
fossem dotadas de preâmbulos. A forma corrente era a de se anunciar o emissor e, em
seguida, declarar o que houvesse para ser declarado. É assim que se apresenta a
English Declaration of Rights, por exemplo (MAIER, 1997, p. 128).
A existência de um preâmbulo é, talvez, uma das razões pelas quais o
documento tenha sido mal interpretado, sendo encarado como o “marco fundacional
da filosofia política americana”, um “texto de importância transcendental”, uma
“declaração de princípios imortais” (MAIER, 1997, p. 129). Em minha opinião, essas
leituras da Declaração acabaram por emprestar seus “julgamentos” a Jefferson,
fazendo com que o interpretassem como um grande idealista e um humanista precoce.
Porém, ao contrário dessas diversas leituras, como bem observa Pauline Meier, autora

5
“Draft of Instructions to the Virginia Delegates in the Continental Congress (MS Text of A Summary
View, &c.), [July 1774],” Founders Online, National Archives,
http://founders.archives.gov/documents/Jefferson/01-01-02-0090.
6
Os membros eram: Benjamin Franklin (Philadelphia); Thomas Jefferson (Virginia); John Adams
(Massachusetts); Robert Livingston (New York); e Roger Sherman (Connecticut).
do contundente e já clássico livro, American Scripture,
A Declaração de Independência deve ser entendida, em primeiro e
mais importante lugar, não como filosófica, mas, na linguagem do
dia, como um documento constitucional, ou seja, que diz respeito à
autoridade fundamental do governo (MAIER, 1997, p. 126).

A segunda curiosidade a ser apontada e que sustenta esta interpretação é o


desfecho que possui o documento aprovado pelo Congresso, afinal, declarações
também não tinham o costume de serem assinadas por todos os proponentes. A
assinatura de John Hancock, presidente da “convenção” seria mais do que suficiente.
Da forma como está, recheada de assinaturas no rodapé de sua página, a declaração se
parece mais com uma petição, enfatizando o aspecto jurídico que já destaquei.
De qualquer modo, volto ao famoso preâmbulo para destacar o seu segundo
parágrafo, pois, entendo que é nele onde reside toda a fonte de desentendimento.
Aqui, recorrerei ao seu rascunho, pois é ele que se pode dizer ser mais fiel às ideias de
Jefferson. Vejam:
Nós asseguramos essas verdades por serem sagradas e inegáveis,
que todos os homens são criados iguais e independentes, sendo que
a partir dessa mesma criação derivam direitos inerentes e
inalienáveis, entre os quais estão a preservação da vida, &
liberdade, & a busca da felicidade; que para assegurar estes direitos,
governos são instituídos entre os homens, derivando seus justos
poderes do consentimento dos governados; que sempre que
qualquer forma de governo se tornar uma ameaça para esses fins, é
o direito do povo a alterá-la ou aboli-la, e instituir um novo
governo, estabelecendo o seu fundamento em tais princípios e
organizando seus poderes de tal forma, como a eles lhes parece
mais provável que garanta a sua segurança e felicidade7.

Tendo feito sua leitura, cabe a dúvida: por que ele se configura como sendo a
fonte para mal entendidos?
É justamente no preâmbulo e, mais especificamente, neste parágrafo, onde
aparecerão os direitos naturais como suposta “razão” para a separação, roubando a
atenção da História para o fato de que, na realidade, os motivos formais são outros e
estão divididos em 27 itens expostos em um único conjunto, no centro do texto. São

7
III. Jefferson’s “original Rough draught” of the Declaration of Independence, 11 June–4 July 1776,In:
Founders Online, National Archives, http://founders.archives.gov/documents/Jefferson/01-01-02-0176-
0004.
justificativas estritamente pontuais e que fazem referências a momentos específicos e
vividos por cada uma das treze colônias em atritos com a metrópole desde o final da
“Guerra dos 7 anos”. Não cabe aqui elenca-los, mas o importante a se destacar é que
nenhum deles faz referência aos direitos naturais.
Se a atenção for voltada apenas ao rascunho de Jefferson, ver-se-á que existem
duas alegações a mais, totalizando 29. Dessas apenas uma, a mais polêmica de todas,
é verdade, fazia menção aos direitos naturais, conforme apresento:
Ele [o Rei] travou uma guerra cruel contra a própria natureza
humana, violando os mais sagrados direitos de vida e liberdade das
pessoas de um povo distante que nunca o ofendeu, tornando-os
cativos e levando-os à escravidão em outro hemisfério, ou
incorrendo em morte miserável em seu transporte para lá8.

Assim, dentro do que pretendo demonstrar, naquilo que pode ser entendido
como a parte fundamental de suas alegações formais, na Declaração de Independência
os direitos naturais ocupam espaço quase nulo. Por outro lado, a reivindicação contra
a cobrança das taxas sem consentimento, argumento anterior aos Congressos, voltou a
figurar em mais de um dos itens.
Outrossim, mesmo que se desconsidere as alegações formais e foque-se
apenas no preâmbulo, acredito que seja possível questionar um suposto ideal
jusnaturalista que este emprestaria ao documento. Afinal, ressalto que ao mesmo
passo em que Jefferson afirmou que “todos os homens são criados iguais e
independentes, sendo que a partir dessa mesma criação derivam direitos inerentes e
inalienáveis”, ele também asseverou “que para assegurar estes direitos, governos são
instituídos entre os homens, derivando seus justos poderes do consentimento dos
governados”. Neste ponto, estou de acordo com o que escreveu William Richardson
em um artigo intitulado Thomas Jefferson & Race: The Declaration & Notes on the
State of Virginia (1984, p. 450): “A própria escolha da palavra ‘seguro’ sugere que o
exercício desses direitos poderia ser problemático ou incerto”. Em outras palavras: a
garantia do direito, estabelecido pela soberania dos governados, era mais importante
que o seu caráter sagrado e inegável.

8
III. Jefferson’s “original Rough draught” of the Declaration of Independence, 11 June–4 July 1776,
Founders Online, National Archives, http://founders.archives.gov/documents/Jefferson/01-01-02-0176-
0004.
Portanto, ao contrário do que se viu no Summary View, a Declaração de
Independência abdica quase que por completo das reivindicação aos direitos naturais
e volta-se com mais força às alegações formais segundo as quais o Rei e o
Parlamento, sujeito a ele, teriam infringido os direitos dos colonos enquanto súditos
da Coroa. Os dois anos de Congresso e a tentativa de se buscar a “justiça” por meio
do apelo aos direitos naturais parece ter produzido ensinamentos aos sujeitos que
participaram daquele processo.
Este argumento ganha ainda mais força quando analisado no conjunto de
outros documentos. No caso específico de Thomas Jefferson, tal percepção quanto à
incapacidade dos direitos naturais em produzir seguranças jurídicas sobre si, fica
ainda mais evidente quando a análise se volta para outro de seus rascunhos, o Draft
for a Bill for Establishing Religious Freedom de 1779. Segundo alguns autores, este
documento começou a ser elaborado ainda em 1777, um ano após a Declaração e,
finalmente, converter-se-ia em lei em 1786. A verdade é que ele foi produzido no
período em que Jefferson fazia parte do Comitê responsável por revisar as leis da
Virgínia, entre 1776 e 17799.
Trata-se de um pequeno projeto de lei, dividido em 3 seções, cujo objetivo era
o de estabelecer a liberdade religiosa em seu estado natal. Ao que me interessa aqui, a
terceira e última seção traz, em si, um verdadeiro resumo daquilo que venho tentando
demonstrar nesta comunicação desde o princípio e, justamente por isso, vou citá-lo na
íntegra:
“Sabemos que esta Assembleia, eleita pelo povo para o simples
propósito legislativo, não tem o poder para restringir os atos de
Assembleias futuras, constituídas com poderes iguais aos nossos, e
que, portanto, declarar este ato irrevogável não tem nenhum efeito
na lei; no entanto, somos livres para declarar e declarar que os
direitos aqui invocados pertencem aos direitos naturais da
humanidade e que, se algum ato for subsequentemente aprovado
para revogar o presente ou para restringir seu funcionamento, tal ato
será uma violação do direito natural”10.

9
Durante esses anos, Jefferson foi designado a compor o Comitê Responsável por Revisar as Leis da
Virgínia, aproveitando para recorrer diferentes arquivos em busca de compêndios e livros de lei, sendo
que boa parte do material encontrado seria adicionado à sua coleção particular de Leis Impressas
(CROW, 2010, p. 55).
10
In: “82. A Bill for Establishing Religious Freedom, 18 June 1779”, Founders Online, National
Archives, http://founders.archives.gov/documents/Jefferson/01-02-02-0132-0004-0082.
Em suma, esta passagem se configura como um aviso às futuras gerações a
respeito do prejuízo às leis da natureza no caso da anulação do projeto, mas, reafirma
a autoridade de qualquer outra assembleia legitimamente eleita em assim o fazer. Em
outras palavras, ainda que sob pena de cometer um grave equívoco contra aos direitos
naturalmente constituídos, qualquer assembleia poderia revogar aquela lei. Neste
ponto, penso que é possível que se conclua que o processo de independência e as
diversas derrotas acumuladas na busca pela “justiça do rei”, fazendo apelo aos direitos
naturais dos colonos, serviram de lição aos fundadores, especialmente para Jefferson,
quanto da necessidade de que tais direitos, ainda que auto-evidentes fossem
convertidos em normas positivas. Feri-los no futuro poderia ser visto como ato legal,
mas abriria margem para novas contestações do poder, algo que não está posto neste
rascunho de lei, mas que a própria Declaração deixara advertido.

Referências Bibliográficas

“82. A Bill for Establishing Religious Freedom, 18 June 1779”, Founders Online,
National Archives, http://founders.archives.gov/documents/Jefferson/01-02-02-0132-
0004-0082.

“Draft of Instructions to the Virginia Delegates in the Continental Congress (MS


Text of A Summary View, &c.), [July 1774],” Founders Online, National Archives,
http://founders.archives.gov/documents/Jefferson/01-01-02-0090.

“Thomas Jefferson to John W. Campbell, 3 September 1809” In: Founders


Online, National Archives, http://founders.archives.gov/documents/Jefferson/03-01-
02-0390.

BAILYN, Bernard. As origens ideológicas da Revolução Americana. Bauru/SP: Ed.


EDUSC, 2003.

DEWEY, Frank. L. Thomas Jefferson, Lawyer. Charlottesville: University Press of


Virginia, 1987.

ELLIS, Joseph J. American Sphinx. The Character of Thomas Jefferson. New


York: Vintage Books, 1998.

GENN, Hazel. Common law reasoning and institutions. London: University of


London, 2015.
III. Jefferson’s “original Rough draught” of the Declaration of Independence, 11
June–4 July 1776, In: Founders Online, National Archives,
http://founders.archives.gov/documents/Jefferson/01-01-02-0176-0004.

MAIER, Pauline. American Scripture: making the declaration of Independence.


New York: Vintage Books, 1997.

MALONE, Dumas. Jefferson and His Time: Jefferson the Virginian. Vol. 1.
Boston: Little, Brown and Company, 1948.

RICHARDSON, William D. Thomas Jefferson & Race: The Declaration & Notes on
the State of Virginia. In: Polity, Vol. 16, No. 3 (Spring, 1984), pp. 447-466.

WILSON, Douglas L. Thomas Jefferson's Early Notebooks. In: The William and
Mary Quarterly, Vol. 42, No. 4 (Oct., 1985), pp. 433-452.

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