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Universidade Federal de São João del Rei

Segunda avaliação de História Moderna I ​Data​: 13/052019

Nome:​ Douglas Maia da Silva Sobrinho ​Matrícula​: 181100005


Professor: ​Luiz Francisco de Miranda

1) Segundo Norbert Elias(1993), dois fatores são sumariamente importantes para a constituição
das grandes monarquias europeias a partir do final da Idade Média. São eles: o “mecanismo
monopolista” e o “mecanismo régio”. É importante ressaltar que a consolidação desses fatores se
deu ao longo de vários séculos (XI- XVIII), com algumas características particulares em cada
“reino”. Porém podemos traçar um panorama geral desses processos.
A sociedade moderna, como afirma Elias(1993, II, p.97-98), sobretudo no Ocidente, se
caracteriza por um certo nível de monopolização. Nesse contexto verificamos que o livre
emprego de armas militares e a tributação da propriedade ou renda das pessoas são transportados
do indivíduo para as mãos de uma autoridade central. O autor diz que os “meios financeiros
arrecadados pela autoridade sustentam-lhe o monopólio da força militar, o que, por seu lado,
mantém o monopólio da tributação”, ou seja, esses fatores estão intrinsecamente ligados, sendo
dois lados do mesmo monopólio. Quando esses fatores entram em decadência o “Estado” os
acompanha.
Durante os séculos IX, X e XI essa estrutura monopolista ainda não existia. Só a partir do século
XI, no território do antigo Império do Ocidente, a vemos lentamente cristalizar-se. A princípio,
cada guerreiro que tem posse sobre uma parcela de terra exerce sobre ela todas as funções de
governo. Mais tarde, elas são gradualmente monopolizadas por um suserano, que, quando bem
entende, inicia guerras para conquistar novas terras ou defender as suas. Em resumo, a posse de
terras e as funções governamentais que a acompanham e a defesa militar não estão nas mãos de
um poder central e sim pulverizadas em diversos indivíduos com poderes locais.
Norbert Elias (1993, II, p.105-106) explica que podemos dividir a dinâmica do mecanismo de
monopólio em duas fases principais. Primeiro um estágio de livre competição ou de provas
eliminatórias, em que “um número sempre menor de indivíduos controle um número sempre
maior de oportunidades e unidades em um número cada vez maior sejam eliminadas da
competição, tornando-se direta ou indiretamente dependentes de um número cada vez
menor.(ELIAS, 1993, II, p.99). Podemos exemplificar com os casos do reino da França em que
duas Casas senhoriais, os Capeto(Valois) e os Plantageneta(Lancaster), depois de se fortalecerem
sobre outros senhores menores, entraram em confronto para terem os monopólios sobre o
território, onde os Valois só se estabeleceram definitivamente após a Guerra dos Cem Anos.
Com esse estágio de livre competição, a formação do monopólio significa, por um lado o
fechamento de acesso direto a certos recursos para números crescentes de pessoas e, por outro
lado, a progressiva centralização do controle sobre esses recursos. Durante esse processo,
conforme mais pessoas se tornam dependentes do mecanismo monopolista, maior se torna o
poder desses dependentes sobre a pequena parcela dos detentores do monopólio. Isso ocorre
devido a impossibilidade do indivíduo ou grupo monopolista, geralmente uma Casa aristocrática
como os Capetos no reino de França, de controlar e supervisionar sozinho seus domínios. Nesse
ponto passamos para a segunda fase, quando o controle dos recursos centralizados e
monopolizados tende a passar das mãos de um só indivíduo para cada vez mais indivíduos que
formam uma teia humana interdependente, já que “quanto mais abrangente o potencial de poder
monopolizado, maior a rede de funcionários que o administra e maior a divisão de trabalho entre
eles”(ELIAS, 1993, II, p.100) agora o monopólio torna-se efetivamente “público” e o governante
monopolista se tornará o funcionário central de uma máquina composta de funções
diferenciadas, tanto que passará a receber uma verba do orçamento “público” como qualquer
outro funcionário, fenômeno que é resultado da construção dessa máquina administrativa..
Tomemos como exemplo a formação da máquina governamental, que surgiu a partir das
chamadas “cortes privadas”, onde quase todos os órgãos de Estado resultaram da diferenciação
das funções da Família Real, ocasionalmente com a incorporação de órgãos autônomos de
administração local. Elias(1993, II, p.102), nos conta que quando essa máquina se transformou
no conjunto de assuntos públicos do Estado, a família do suserano passou a ser, no máximo, um
órgão entre outros. Essa teia humana, dada sua divisão de funções sempre maior, irá manifestar a
tendência de se opor com veemência a toda monopolização privada de recursos e será
responsável por criar um estado de equilíbrio em que se torna impossível a distribuição das
vantagens e renda das oportunidades nas mãos de uns poucos.
Com a crescente divisão de funções na sociedade, a moeda tornou-se a principal forma de
propriedade. Por isso, a forma e o desenvolvimento dos monopólios de poder foram
influenciados pela diferenciação da sociedade, fruto da formação de classes que acumulavam
moeda. Logo, toda essa diferenciação de funções exigiam do órgão central uma função de
coordenador e regulador supremo de toda essa complexa teia de atividades humanas. Por isso,
temos a formação de órgãos centrais de forte estabilidade e especialização.
Dito tudo isso, agora é função do poder central governar uma sociedade interdependente e
dividida em estratos sociais com uma multiplicidade de interesses. Havia uma ambivalência de
interesses, já que ao mesmo tempo que os indivíduos eram aliados entre si para garantir seu
acesso às oportunidades, eram adversários lutando pelo controle das mesmas. Havia o que Elias
chama de “coexistência de elementos positivos e negativos, uma mistura de afeto e antipatia
mútuos em proporções e nuanças variáveis.”(1993, II, p.146) Quando a ambivalência de
interesses desses grupos sociais se torna tão grande, e o poder está uniformemente distribuído
entre eles, tornando impossível que cheguem a uma conciliação definitiva ou um conflito
definitivo, se faz necessário cada vez mais a intervenção do órgão central mediando e
equilibrando as relações. A partir desse momento começa a delinear-se o que chamamos
“mecanismo régio.”
Tendo o governante central atingido o topo dessa máquina administrativa lhe cabe como
principal função garantir a segurança e a coesão da sociedade tal como ela existe através da
garantia do equilíbrio de interesses dos grupos sociais. O governante deve trabalhar para manter
sua posição social e se possível aumentá-la, levando-se em conta que é isso que garante sua
sobrevivência. Por isso para garantir seu lugar social o soberano deve “favorecer alguns
indivíduos na estrutura, vencer batalhar e negociar alianças.”(ELIAS, 1993, II, p.149). O
governante, inserido nesse contexto de interdependência, nunca pode se aproximar demais dos
interesses de um determinado grupo, pois quando privilegia os interesses de determinado grupo
em detrimento dos outros está colocando sua posição social em sério risco. Por isso ele vai
jogando com as diversas camadas a fim de manter sua cooperação e tensões entre si.
Vejamos um caso específico evidenciado por Norbert Elias(1993, II, p.152). Se trata da
decadência da nobreza que se vê obrigada a competir pelas oportunidades com a burguesia em
ascensão, fato devido a aceleração da monetarização e da comercialização no século XVI. Agora
a nobreza e a burguesia estão interdependentes pois atingiram patamares equivalentes, tanto que
ao longo do tempo vão se transformando através de suas interações negativas e positivas
(casamentos, negócios, alianças, disputas). Não era objetivo da burguesia extinguir a nobreza,
cuja existência, no Antigo Regime, garantia o acesso às vantagens, mas sim penetrar em seu seio
e obter seus privilégios. Ela faz isso, entre outras maneiras, ocupando espaço no corpo
administrativo do Estado com cargos oficiais que podiam ser comprados, formando a chamada
“noblesse de robe(nobreza de toga)”, que dentre outros privilégios estava isenta de impostos,
tinha acesso a renda, pagamentos e juros sobre o capital aplicado.

2) ​Os primeiros aspectos que põem em evidência o caráter sagrado da instituição monárquica
são as cerimônias de sagração, onde o rei faz o juramento de erradicar a heresia do reino
exaltadas desde a Idade Média, o toque sagrado dos reis, precedidos de comunhão que
“curavam“ as escrófulas e no caso francês, a cerimônia de despimento real à luz de velas, Enfim,
todas essas práticas cerimoniais, entre outras coisas garantiam a solidificação da sacralidade da
figura real e a fixação do monopólio religioso, muitas vezes de forma intolerante.
Cabe-nos falar também de um sistema de entidade simbólicas e de funções, onde reside a
essência sagrada da monarquia. Noções como dignidade real e de justiça, clarificadas pela
Renascença, imortais pois “sobrevivem à pessoa efêmera dos reis sucessivos”(LADURIE, 1994,
p.10-11), posto que quem governa não é a figura singular do indivíduo real e sim sua linhagem.
Isso fez com que, no caso da Inglaterra, os juristas ingleses da época elisabetana propusessem
um teoria dos dois corpos reais, um mortal que morrem com o monarca e outro, imortal, que é
transmitido a seus sucessores, já que, como dizem as máximas do século XVI: o rei, a Coroa e a
justiça não morrem jamais. Ainda, no caso francês acreditava-se que o rei tinha dois anjos da
guarda, “um para sua pessoa privada,o outro para sua dignidade oficial.” (LADURIE, 1194.
p.11). Logo, o poder, no momento da morte rei, assim como o sol, é escondido pelas nuvens do
luto, no entanto, breve volta a brilhar pela transmissão sanguínea, altivo, justiceiro, guerreiro e
sagrado na figura de seu sucessor.
A figura do rei além de sagrada graças à eleição em um corpo místico(século XV), soberana,
fiscalizadora e justa deve ser popular. Ele deve, metaforicamente, firmar um casamento com o
povo. Essa noção das bodas reais com a sociedade se solidificou no século XVI. É importante
salientar que estamos falando de uma sociedade entranhada na tradição, da qual “a legitimidade
real acompanha-se inevitavelmente de uma legalidade das instituições e dos costumes, na qual o
monarca não pode tocar.” Tudo isso se assemelha a um casamento como concebemos hoje, onde
casamos com uma pessoa com suas particularidades e constiuição de vida, das quais que quer
gostemos ou não temos de nos adaptar para solidificar esta instituição.
Por isso, é importante que o rei saiba “cortejar” as instituições representativas das três ordens:
Estados Gerais na França, Parlamentos, na Inglaterra e Cortes na Espanha e Portugal. São essas
assembleias que representam os interesses das camadas sociais e que, no caso francês,
pela indiferença dos “esposos Bourbons” foram as responsáveis pelo fim do casamento com a
monarquia no século XVIII. Isso posto,, faz-se necessário falar da relação do soberano com a
nobreza, que o orbita em sua Corte. O rei está acima de uma teia que o liga aos camponeses
através de seus senhores nobres. Estes últimos não se aproximam ou, vão habitar com o rei, no
caso francês, por simplesmente admirar e respeitar sua figura, mas porque fazem parte de uma
imensa rede clientelista, submetidos pelo monarca mas que tem a vantagem de ter francas
conversas para obterem vantagens e benefícios pessoais ou regionais. Corte essa que gera direto
impacto na economia local devido a suas demandas.
Outro aspecto importante é que a princípio a centralização era embrionária. Logo, era necessário
que os intendentes soubessem se articular com os elites locais (máfias urbanas, guildas, chefes
locais). Aqui verificamos um dos modos de apropriação do poder monárquico. O rei cada vez
mais tinha de criar cargos ligados à justiça ou à administração, que só aumentaram durante os
séculos XVI e XVII. Muitos indivíduos, principalmente a burguesia, passaram a ocupar esses
lugares em busca de privilégios como o enobrecimento familiar, pois eram cargos vitalícios e
hereditários. Estrutura essa que se aproxima de um corpo burocrático.
Posto isso estava garantido, em tese, que os braços do poder central pudessem alcançar os mais
afastados rincões do território nacional e que o controle dos fiscos e estruturação da segurança
tomasse corpo. Aliás, no tocante a segurança, vemos a incorporação de milícias locais no bojo do
exército, que garantia a defesa da fronteiras e a paz, e por consequência o aumento demográfico
e a reestruturação das cidades.
Durante o período da monarquia clássica havia a constante troca de favores entre os
representantes do poder central e as elites locais As cidades eram um misto do poder real e
comunal, por isso o rei precisava das autoridade locais, pois apenas através dos intendentes não
poderiam administrar as cidades sem o apoio das máfias citadinas, que em troca dos serviços
prestados a Coroa recebiam benefícios como o monopólio comercial, a chancela real ao seu
poder e o afrouxamento da fiscalização sobre negócios suspeitos. Outra subestrutura
indispensável às bases monárquicas são as comunidades camponesas ou aldeias, que estão sob
domínio senhorial. Nessa situação os senhores são tentados a ficar com os impostos para si no
lugar de mandá-los para o Tesouro Real . Para contornar essa situação, o soberano procura
negociar diretamente com os poderes locais, que ficam responsáveis pela arrecadação da “talha”.
“O Estado realça o papel e a dignidade das comunidades”(LADURIE, 1994, p.21), porém isso
cria espaço para que os intendentes interfiram cada vez mais na comunidade.
Ao final, cabe-nos falar do caso da monarquia portuguesa com sua precoce centralização, que
diferente de outras, conseguiu rapidamente formar um reino “dotado de invulgar homogeneidade
institucional”(MONTEIRO, 2003, p.24), unido pela mesma identidade étnica e sem integrar em
seu cerne “territórios com diversa história e com uma existência anterior enquanto entidades
políticas autônomas”(MONTEIRO, 2003, p.23), como o caso de monarquias compósitas, entre
elas a vizinha Espanha(formada pelos antigos territórios autônomos de Aragão e Castela).
Portugal conquistou prematuramente a estabilização de suas fronteiras e território, sendo este
último construído por meio de (re)conquistas ainda durante a Idade Média, no século XIII.
Esses fatores favoreceram o estabelecimento de corpos políticos e administrativos(as chamadas
câmaras) uniformemente dividimos pelo reino, entre o centro e a esfera local. Além do que, os
órgãos intermediários tinham escassa importância É importante frisar também que a maioria dos
cargos públicos não era hereditário, sendo a maioria composta por indicações reais.
Sob o ponto de vista religioso, Portugal tinha a vantagem de estar submetido sob uma mesma fé,
o que evitou grandes revoltas entre os finais do século XV e o início do século XIX. Além disso,
devido a suas conquistas ultramarinas a Coroa portuguesa “era a cabeça de um desproporcionado
império colonial”(MONTEIRO, 2003, p.24), por esse motivo dispunha de recursos financeiros
independentes da pressão tributária sobre o interior do território.

Referências Bibliográficas

ELIAS​, Norbert. ​Sobre a sociogênese do Estado.​ IN: NORBERT, Elias. ​O processo civilizador,​
v.II. Rio de Janeiro Paz e Terra, 1993. pgs.97-171.

LADURIE​, Emmanuel Le Roy. ​A monarquia clássica​. In: LADURIE, Emmanuel Le Roy. ​O


Estado Monárquico.​ São Paulo: Companhia das Letras, 1994. pgs.9-38

MONTEIRO​, Nuno Gonçalo Freitas. ​Monarquia, poderes locais e corpos intermediários no


Portugal Moderno (Séculos XVII e XVIII).​ IN: MONTEIRO, Nuno Gonçalo Freitas. ​Elites e
Poder: Entre o antigo regime e o liberalismo.​ ​2.º Edição.​ Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais,
2003. pgs.19-36.

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