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FICHAMENTO – FEDERALIST PAPERS

N° 1 – Independent Journal – 27 de outubro de 1787 – Ao todo 175 mil palavras


em 85 artigos ao longo de 10 meses sob o pseudônimo coletivo ‘Publius’. Incluídos entre os
clássicos da teoria política.

Fruto da imaginação de Alexander Hamilton, que engajou James Madison e John


Jay em seu esforço jornalístico para persuadir os votantes da convenção de ratificação do
Estado de Nova York de que deveriam aprovar a nova Constituição dos Estados Unidos,
esboçada na Filadelfia no mesmo verão.

Os homens dos 13 estados estavam provando serem capazes de criar seus


próprios governos “pela reflexão e a escolha”, sem depender para sempre do “acaso e da
força”.

 Da Revolução à Constituição

Constituição ao lado da bandeira é o único símbolo de unidade do país que não


contava com família real, instituições ou símbolos públicos atemporais e integradores;
nenhuma igreja nacional.

Constituição praticamente inalterada por duzentos anos. A segunda constituição


escrita foi da Polônia em 3/5/1791 e a terceira a francesa de 3/9/1791, ambas já alteradas,
sendo a segunda escrita e inalterada a da Noruega, de 1814. Hoje existem mis de 160
constituições escritas 2/3 adotadas ou revistas depois da 2ª GGM, somente 14 são anteriores.

Apesar dos elogios ao texto, as convenções de ratificação foram tensas e os


federalistas ganharam por margens apertadas, não sem sofrer duras críticas. A constituição foi
o último ato da revolução americana que começa 20 anos antes com a Lei dos selos e outros
tributos impostos pela coroa britânica, que leva à declaração da independência em 1776.

Para muitos norte-americanos o único objetivo da revolução era a independência,


para outra parte era também sobre quem governaria, um repúdio das formas coloniais
tradicionais de governo e um repúdio às elites tradicionais. Foi isso, um ideal mais igualitário e
democrático tendeu a dominar após 1776. A constituição é uma resposta a esses ideais e ao
poder de homens novos, chegados após 1776, muitas vezes humildes que chegaram ao poder
com e programas igualitários que em seus principais pontos obtiveram apoio do legislativo
estadual. Foi também uma resposta ao sentimento de que os Artigos Confederados, centrados
nos Estados, propiciavam uma crise anárquica. A constituição inverteu o veredito sobre quem
governaria a América, representa o triunfo de uma interpretação da Revolução Americana
sobre outra, essa encarnada no espírito de 1776 e nos Artigos Confederedos.

 A “política da liberdade”: a América sob os artigos?

Uma das coisas que ambos os lados concordavam era que a constituição
representava uma vitória do ‘governo’, da ‘autoridade’ e do ‘poder’ sobre a ‘liberdade’. Os
homens de 1776 tinham usado paradigmas whigs (liberais ingleseses em oposição aos tories
conservadores), segundo os quais os poderes sempre abusivos dos soberanos extinguia a
chama da liberdade, o mesmo se deu 1787, com defensores de ambos os lados.
Os Artigos da Confederação e a politica americana tinham duas características
dominantes: o poder estava na periferia, nos diversos Estados separados e nestes o poder fica
concentrado nos legislativos populares, em detrimento com qualquer separação de poderes. A
América sob os artigos não passou de uma frouxa aliança de Estados soberanos e
independentes. O Art. II declarava que “cada Estado conserva sua soberania, liberdade e
independência.”.
Os fundadores conheciam a teoria republicana e concordavam que a liberdade só
florescia em Estados pequenos; a monarquia, despotismo, os patronos do governo enérgico,
invasivo e poderosos eram produtos de Estados de tamanho maior, Supunha-se que a
liberdade e a busca da felicidade da declaração da independência seriam mais bem protegidos
por governos estaduais pequenos e locais.
Muitos americanos acreditavam que a confederação só existiria durante a guerra,
o Congresso Continental foi a única instituição central, com funções integradoras criada pelos
Artigos. Consistia em uma única câmara, pois nenhuma câmara aristocrática seria tolerada pel
espírito de 1776. No Congresso cada Estado tinha um voto e entre 2 e 7 deputados com
mandatos de 1 ano. Além da ausência de um executivo, durante os Artigos não havia judiciário
central, só existia o legislativo e quase sem poderes. As medidas legislativas deviam ser
aprovadas por 9 das 13 delegações e para alterar os artigos era preciso unanimidade.
Durante os Artigos, quando existia executivo, esse era limitado nos Estados,
existindo nesses, em contraposição aos Artigos a figura do senado, a segunda câmara de
aristocratas naturais para rever ações precipitadas do povo. Na “politica da liberdade” havia
dominância absoluta dos legislativos estaduais não só sobre o executivo, mas também sobre o
judiciário, subserviente ao legislativo, com decisões e prazos de mandatos controlados pelos
legislativos, bem como salários, emolumentos e com frequência assumiam as funções judiciais
tradicionais, como arbitrar sobre heranças, dividas e até casamentos e divórcios. Praticamente
todas as noções tradicionais de separação de poderes foram abandonadas nos Estados. O
pressuposto dominante era que um governo livre é aquele em que o legislativo do povo
governa. O único controle sobre o legislativo era o povo.
A ‘politica da liberdade’ sob os Artigos se expressava num igualitarismo agressivo.
70 a 90% dos homens adultos se tornaram elegíveis e isso mudou o perfil dos eleitos para
legislativos estaduais, com aumento de agricultores pequenos e médio e de homens de
recursos modestos em geral. Sob os artigos foram aprovadas leis redistributivas, que
enraiveceram os críticos, sendo que homens novos nos poderosos legislativos estaduais
ameaçavam interesses adquiridos e direitos privados. Muitos viam os legislativos estaduais
como tiranos que agiam sob o disfarce da liberdade. Concentração de poder e conclusão de
que ‘173 déspotas seriam sem duvidas tão opressores quanto um(...) não foi por despotismo
eletivo que lutamos.’. Os programas específicos eram ameaçadores do direito de propriedade.
O início do processo que culminou na Filadelfia foi uma disputa comercial entre
Virgnínia e Maryland sobre o embarque de carga no rio Potomac, a contenda foi resolvida na
casa de Washington em 1784, mas continuava a afetar outros estados vizinhos. Madison
convenceu o legislativo da Virgínia, seu estado, a convocar todos os demais para dar poderes
ao Congresso para tratar de comércio. O encontro foi fracassado, só 5 estados e 12 delegados
compareceram, mas a importância está no fato de entre os delegados estarem Madison e
Hamilton, entusiastas centralistas que propuseram nova convocação conjunta dos 5 estados
para todos os treze em maio próximo, na Filadelfia para considerar a situação dos Estados
Unidos e elaborar dispositivos para tornar a Constituição do Governo Federal adequada às
exigências da União.
Madison organizou a Convenção, chegou dias antes, escreveu ensaios sobre
formas de governo e criticas ao modelo dos artigos e ideia de reversão total de 1776.
“Deixemos que o governo nacional seja armado com uma autoridade positiva e completa em
todos os casos em que medidas uniformes são necessárias. Deixemos que tenha poder de veto
em todos os casos, não importa quais sejam, sobre os atos legislativos dos Estados, como o rei
da Grã-Bretanha teve até hoje. Deixemos que essa supremacia nacional estenda-se também ao
poder judiciário”.
Foram nomeados 74 delegados, 55 compareceram, 60% tinham frequentado a
universidade, 9 princeton, 4 Yale e 3 harvard. Com 34 advogados, seguidos de comerciantes e
fazendeiros. Delegados mais importantes eram Goerge Washington, herói nacional e Benjamin
Franklin, americano mais conhecido no resto do mundo, que contava com 81 anos na época.
Sobre os procedimentos vale mencionar que nenhum registro oficial de quem
votou pró ou contra foi feito; foi permitida a mudança de voto a qualquer momento,
favorecendo a conciliação; não circulou qualquer relatório das deliberações até o
encerramento, favorecendo a mudança de votos e evitando pressões externas. A votação era
por delegação e um ponto para entrar em pauta precisava de 7 votos. Com as deliberações
secretas o conhecimento posterior decorre das anotações de Madison.

 CONSTITUIÇÃO

No verão daquele ano os 55 delegados produziram um documentos


espantosamente austero com 7 artigos. 1º Legislativo bicameral com poderes expostos; 2º
executivo nacional, um presidente cujo poderes e mandatos eram expostos; 3º judiciário
nacional investido numa Corte Suprema; 4º relação entre estados; 5º processo de emendas; 6ª
avocação das dividas ocorridas antes da Constituição e da supremacia da constituição e 7º uma
frase sobre o processo de ratificação da constituição.
A constituição conseguiu 2 feitos memoráveis: primeiro a vitória do centro sobre a
periferia e segundo o triunfo dos controles e equilíbrios sobre o princípio da supremacia
legislativa. O preambulo mostra o contraste entre a constituição e os artigos, a primeira falava
sobre nós, o povo e o segundo sobre os representantes dos estados.
A agenda foi definida pelos homens da Virginia, que tomaram a liderança para
levar delegados à Filadelfia. O governador apresentou 15 resoluções denominadas Plano da
Virgínia. Sob o disfarce de ‘corrigir e ampliar artigos’ o plano da Virgínia delineava um
verdadeiro golpe nacionalista. O impasse no plano da Virginia se deu sobre o tamanho variável
da representação nas câmaras em razão da população; em contraposição o plano de nova
Jersey propôs um legislativo unicameral com 1 voto por estado; o acordo de Connecticut
resolveu o impasse ao dispor sobre o sistema bicameral, com câmara baixa com representação
proporcional e contagem de 3/5 dos escravos na população e câmara alta com dois senadores
por Estado, independente do tamanho da população. A grande batalha na convenção se deu
não sobre o grau de poder central mas como os estados seriam representados.
Na nova constituição o novo primeiro-magistrado era a encarnação do ideal de
autoridade, poder e governo. O Presidente era legislador com poder de veto só derrubado por
2/3 do Congresso, era líder militar no comando total das forças armadas e magistrado
supremo que podia perdoar crimes, podia nomear os juízes federais e fazer tratados com
conselho e aprovação do senado.
Madison concluiu que a verdadeira liberdade exigia um magistrado forte e um
legislativo enfraquecido, sob pena de todo poder , e portanto a tirania, ficar nas mãos do
legislativo. A convenção concordou com ele e reafirmou a independência do executivo e
judiciário perante o que Madison via como as ambições tirânicas dos legislativos estaduais sob
os artigos tinha feitos todos os poderes cair em suas mãos.
Apesar dos feitos, nem Madison nem Hamilton ficou plenamente satisfeito com a
nova constituição. Hamilton em discurso disse que o governo britânico era o melhor do
mundo, pediu executivo e senado vitalícios e o fim dos governos estaduais. Madison criticava a
não aprovação do poder de veto e que talvez não atingisse o objetivo nacional.

 A GRANDE DISCUSSÃO NACIONAL: FEDERALISTA E ANTIFEDERALISTAS

No inicio federalistas eram os que defendiam as liberdades dos estados, sendo os


centralizadores os nacionalistas ou concentradores, mas com o avanço da pauta os
nacionalistas se apropriaram do rótulo a partir de NY. Eram necessários 9 estados para ratificar
a constituição e o primeiro foi Delaware. Na Pensilvânia Wilson afirmava haver uma nova
liberdade, a liberdade federada e apanhou por isso literalmente. Da convenção da Virgínia,
debate entre Madison e Henry surgiu a carta de direitos, as 10 primeiras emendas à
Constituição que asseguravam direitos pessoais contra a interferência governamental e seria
aprovada no primeiro congresso sob a nova constituição. Quando a maioria já havia sido
obtida a Carolina do Norte rejeitou esmagadoramente a constituição, o que só se reverteu um
ano depois. Rhode Island ratificou depois de 2 anos, a contragosto a constituição.

No cerne das discussões entre os dois lados estava a disputa entre um modelo
denominado republicano pelos federalistas e um modelo de democracia participativa pelos
antifederalistas. Em Madison era possível distinguir republicas pela existência de cargos e
representantes, em contraposição às democracias onde o povo governa diretamente.
Republica tinha conotação negativa e Madison conseguiu a façanha de incorporar o conceito
geralmente de forma de governo mais democrática em contraposição ao status quo e
monarquia, geralmente relacionada com pequenas unidades geográficas. A façanha foi
apropriar-se da palavra com conotações políticas para uma forma de governo que embora
baseada na aprovação popular, envolvia grave redução da participação popular. Seus críticos
poderiam chamar de nova ordem aristocrática ou monárquica, como o fizeram, mas para
Madison aquilo era república, em contraste com a democracia direta praticada com excesso
sob os artigos. República representa um sistema de filtragens.

Hamilton sugeria que o legislativo nacional deveria conter apenas proprietários


rurais, comerciantes e homens de profissões acadêmicas e que as pessoas comuns deviam ter
confiança em seu próprio bom senso de que seriam melhor representadas por esses três
grupos.

Outra divergência era sobre a responsabilidade perante os eleitores, os


antifederalistas entendiam que deviam ser os representantes diretamente responsabilizados
se divergissem dos eleitores ou removidos, por isso as eleições constantes, o que não
aconteceria com os representantes federalistas, escolhidos por suas qualidades superiores e
não como meros porta-vozes do povo. Para Madison a liberdade exigia eleições frequentes
mas estabilidade e a energia que do governo requeriam prazos mais longos. Conflitos
ideológicos como de Madison que buscava servidores representativos mais serenos, mais
instruídos e mais reflexivos em contraste com Smith e Lee com crenças mais igualitárias e
democráticas que todo tipo de gente deveria ser representado em legislativos mais
democráticos ainda persiste.
 Poderes separados e governo misto

Antifederalistas a liberdade máxima dependia do mínimo do executivo e máximo


do legislativo. Sob os Artigos a separação de poderes estava longe de ser venerada. Com a
constituição se enfraqueceu o legislativo ao fortalecer o executivo e judiciário, em nome do
princípio abstrato da separação de poderes, que para os formuladores da constituição
corporificava um paradigma da liberdade, cujos mentores foram Locke e Montesquieu.

O governo misto afirmava que a forma mais desejável de governo era não o
equilibro das funções mais sim o equilíbrio das forças sociais pois a mistura de todas as forças
não permitiria governos extremistas, propiciando moderação e sensatez. O pai dessa doutrina
era Aristóteles.

Eles tinham uma teoria política abstrata que definia tirania e liberdade se os
poderes estivessem ou não concentrados nas mãos de uma pessoa e uma teoria social
concreta que vincula um governo moderado e não extremista a um sistema que continha uma
mistura e equilíbrio de grupos sociais. Montesquieu já havia misturado as teorias no sec. XVIII.

Parte dos federalista entendia que após 1776 se havia abandonado demais a
tradição britânica, o que despertou em alguns círculos o desejo de restaurar um governo mais
equilibrado e misturado contra a supremacia legislativa dos artigo. Devolver ao judiciário não
só separação e independência, mas também controle potencial sobre as forças sociais que
controlavam os legislativos estaduais, como um freio sobre suas medidas injustas e insensataz.

Pode-se afirmar que não só o senado e a presidência como também o judiciário


tinham como função controlar o poder das maiorias populares. O judiciário recebeu de muitos
federalistas o poder de legislar, sendo sensato supor que o judiciário foi concebido para ser um
intermediário entre o povo e o legislativo, de modo a, entre outras coisas, manter este ultimo
dentro dos limites atribuídos ao seu poder.

Modelo de freios e contrapesos proposto por Madison, com conselho revisor e


poderes legislativos ao executivo foi objeto de duras críticas por não configurar pura
separação de poderes. Os antifederalistas tinham razão em insistir que a nova constituição
criava muito mais um governo misto, de poderes partilhados, de controles e equlibrios, que de
separação de poderes.

A visão de Madison de uma américa heterogênea e diversifica ressalta outra


diferença entre federalistas e antifederalistas, sendo os primeiros modernistas liberais e os
segundo comunistas nostálgicos. O governo de Madison era muito parecido com o de Locke,
um juiz neutro entre interesses em competição.

A virtude cívica e obrigação pública consideravam um insulto a recompensa


pessoal, cobiça e ganhos privados em questões públicas, mas Hamilton usou isso para criar
exércitos profissionais, ao invés de milícias, justificando nos danos da convocação de milicias
para a economia, para o público e o privado, dando mais um golpe nas virtudes cívicas.

Alguns antifederelistas continuavam aferrados num ideal cívico comunitário, no


anseio de uma sparta cristã, com pequenas repúblicas homogêneas, contrários ao pluralismo e
disputas no legislativo propostos por Madison.

A convenção da Pensilvânia usou Montesquieu e outros para rejeitar a proposta


porque “um território extenso como o dos Estados Unidos, incluindo tal variedade de climas,
produções e interesses, e tão grandes diferenças de hábitos e costumes” jamais poderia
constituir uma república moral, um território extenso não poderia ser governado com base no
princípio da liberdade, a menos que fosse um confederação de repúblicas. Para a maioria dos
antifederalistas um sistema republicano exigia similaridade de religião, maneiras, sentimentos
e interesses. Para muitos antifederalistas uma sociedade justa envolvia mais que a simples
proteção de direitos legais, o governo tinha outras responsabilidades além de regular
interesses variados e conflitantes, esperava-se que promove-se a moralidade, a virtude e a
religião.
Os antifederalistas focavam na moral, na simpatia pelas sociedade pequenas,
simples, face-a-face, uniformes de Rosseau, o que Madison e Hamilton criticavam duramente,
ridicularizando a observação limitada ao círculo de vizinhos e conhecidos, afirmando Madison
que a única forma de conter as causas de facções era destruindo a liberdade essencial à
existência ou dando a todos os cidadãos a mesma opinião, paixões e interesses, ambos
inaceitáveis.
Ao ratificarem a Constituição, os americanos votaram contra a frouxa
confederação de repúblicas pequenas, simples, virtuosas e democráticas, em favor de uma
república forte, complexa, comercial, cuja primeira finalidade é, segundo Publius, a “proteção
de capacidades diferentes e desiguais de adquirir propriedade”.
Alguns antifederalistas eram comunitaristas antiliberais ou rousseaunianos, mas
outros paradoxalmente, reagiram ao governo federal ampliado e ao fortalecimento do poder
executivo com uma reivindicação de proteção de direito privados e individuais por meio de
uma Carta de Direitos. Até isso, no entanto, pode ser explicado por sua tendência comunitária,
afinal se o governo devia ser dirigido por pessoas superiores, mais instruídas e ponderadas,
com quem não tinham nenhum traço em comum, a milhares de quilômetros de distância,
então os indivíduos precisavam de proteção específica para seus direitos. Estava extinta a base
de confiança presente na pequena comunidade moral em que os homens partilhavam ‘as
mesmas opiniões, as mesmas paixões e os mesmo interesses’.
Pode-se justificar os federalistas como republicanos teóricos por exemplo pela
crença de que na nova ordem os detentores de cargos iriam sacrificar interesses pessoais e
privados ao bem e ao interesse público. As reivindicações antifederalistas pela representação
de todo e qualquer interesse particular se tornam muito mais próximas dos liberais, centrados
nos interesses.
 Classe, espírito local e idade
Desde a publicação de Na Economic Interpretation of the Constitution, de Charles
Beard, muita atenção a questão de classes foi dada na cisão entre federalistas e
antifederalistas, os primeiros defendiam os interesses do capital de maior vulto, enquanto os
opositores falavam pelos pequenos agricultores e as classes endividadas. O trabalho de Beard
sofreu críticas e tinha falhas mas trouxe a tona a discussão e afastou a imagem de semideuses
desinteressados dos formuladores. O próprio Hamilton considerava como uma das
circunstâncias favoráveis à Constituição ‘a boa vontade da maioria dos homens de posses nos
vários Estados, que desejam um governo da União capaz de protege-los contra a violência
interna e as depredações que o espírito democrático tende a fazer sobre a propriedade’.
Os participantes da grande discussão nacional por vezes mencionavam o tema da
aristocracia, era uma questão de ser contra ou a favor, os antifederalistas consideravam a
constituição um complô aristocrático, enquanto os federalistas consideravam-se abertos e
imparciais, ao pedir deferência a uma ‘aristocracia natural’. O termo elite não existia como
hoje existe. Para John Quincy Adams a Constituição ‘foi deliberadamente planejada’ ‘para
aumentar a influência, o poder e a fortuna daqueles que já os possuiam’, sua ratificação foi
‘uma grande vitória do partido aristocratico’.
Os antifederalistas escreviam tanto sobre a aristocracia que nas convenções os
federalistas viam-se obrigados a minimizar e até disfarçar os elementos aristocratas da
constituição. Mas nem todos os pobres eram contra a constituição, em Massachussetts houve
relatos sobre os abusos na rebelião de Shays, da violência e desejo por um governo que
protegesse, ainda que tirano, um só tirano ao invés de vários. Até Tom Paine, paladino da
democracia radical, herói do povo, disse que votaria pela constituição em carta a Washington.
Os federalistas eram cosmopolitas e mais jovens e os antifederalistas provincianos
e mais velhos.
Décadas depois Hegel não conseguiu encontrar na América nada do que
reconhecia como um Estado, em comparação com os Estados europeus estabelecidos e nisso
ele tinha razão. Há indícios de que o ímpeto de construir um Estado em detrimento da
periferia e das instituições dominantes precedia os problemas com os Artigos. Entre 1776 e
1786 os nacionalistas ou homens de visão continental estavam nos esforços de guerra ou
financiamento desta. Em 1780 Hamilton propôs um plano para um estado forte fundado no
apoio do exercito e credores de guerra e em 1783, com o fim das hostilidades correram
rumores do planejamento de um golpe planejado por Hamilton e Morris para por Whasington
a frente do governo, novamente sustentado pelo exercito e credores. Washington se recusou a
participar, o estado seria esboçado numa convenção e não em barracas.
No federalista nº 26 Hamilton soa como teóricos liberais do Estado – Hobbes e
Locke – quando escreve que o papel da energia do governo é assegurar “a garantia dos direitos
privados”. Hamilton, no entanto, está menos interessado no estado liberal que no estado
heróico. Para Hamilton a força do executivo era uma característica central na definição de um
bom governo. Um estado poderoso era um estado comercial, que precisava proteger o
comércio. Discordava que só príncipes ambiciosos travavam guerras e repúblicas conduziam a
paz.
Hamilton divergia de Madison quanto ao poder do estado, para primeiro o estado
tinha as próprias metas históricas e heroicas, já Madison em uma visão lockeana via o estado
como regulador de interesses variados e colidentes, seria um arbitro imparcial de disputas.
Como a maioria das revoluções a americana começou com um repúdio ao Estado,
ao poder e à autoridade e como a maioria das revoluções terminou com o estado mais forte, o
ressurgimento da autoridade e a subjugação dos excessos de liberdades.

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