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Introdução à Epistemologia

DISCIPLINA
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

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Epistemologia da Teologia |

Sumário

Sumário
Sumário ----------------------------------------------------------------------------------------------------- 2
1 Introdução à Epistemologia ---------------------------------------------------------------------- 4
2 Tipos de Conhecimento ---------------------------------------------------------------------------- 4
3 A Natureza do Conhecimento Proposicional ------------------------------------------------- 7
3.1 A Condição de Crença-------------------------------------------------------------------------------------------- 8
3.2 A Condição de Verdade --------------------------------------------------------------------------------------- 10
3.3 A Condição de Justificação ----------------------------------------------------------------------------------- 11
4 Falibilidade e Ceticismo --------------------------------------------------------------------------- 14
5 A Epistemologia da Teologia e da Religião -------------------------------------------------- 15
6 Uma Breve História da Fé e da Razão --------------------------------------------------------- 17
7 O Fideísmo -------------------------------------------------------------------------------------------- 20
8 O Evidencialismo ------------------------------------------------------------------------------------ 27
9 O Conhecimento Religioso e suas Implicações Epistemológicas ----------------------- 29
9.1 A Crença Religiosa e os Princípios Orientadores da Filosofia Iluminista ------------------------- 30
9.2 A Analogia Perceptual e a Possibilidade do Conhecimento Teísta Direto ----------------------- 34
9.3 Problemas da Abordagem Experiencialista -------------------------------------------------------------- 36
9.4 Justificação e Racionalidade --------------------------------------------------------------------------------- 38
10 Aceitação, Presunção e Fé -------------------------------------------------------------------- 40
11 A falácia da composição ----------------------------------------------------------------------- 41
12 Explicando as Partes de um Todo Explica o Todo em Si Mesmo -------------------- 41
13 Quem causou deus a existir? ----------------------------------------------------------------- 42
14 Duas Supostas Evidências Científicas Para o Início do Universo -------------------- 43
14.1 Evidência 1: A Segunda Lei da Termodinâmica --------------------------------------------------------- 44
14.2 Evidência 2: A Teoria do Big Bang -------------------------------------------------------------------------- 45

15 A Causa do Universo É um Deus Pessoal? ------------------------------------------------ 46


16 Ajuste Fino ----------------------------------------------------------------------------------------- 47
17 Quem Projetou o Projetista? ----------------------------------------------------------------- 49
18 Problemas do Mal ------------------------------------------------------------------------------- 50
18.1 Classificando o Mal --------------------------------------------------------------------------------------------- 51

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Sumário

18.2 O Mal Natural e o Mal Moral -------------------------------------------------------------------------------- 52


18.3 O Mal Horrendo e Gratuito ---------------------------------------------------------------------------------- 52
19 Problemas Teóricos do Mal ------------------------------------------------------------------- 54
19.1 O Problema Lógico do Mal ----------------------------------------------------------------------------------- 55
19.2 O Problema Existencial do Mal------------------------------------------------------------------------------ 56
20 As Três Teodiceias ------------------------------------------------------------------------------- 57
20.1 A Teodiceia do Livre-Arbítrio de Agostinho ------------------------------------------------------------- 57
20.2 A Teodiceia Irineana ou da “Formação da Alma”, de Hick ------------------------------------------ 59
20.3 Uma Teodiceia do Processo ---------------------------------------------------------------------------------- 60

21 Referências ---------------------------------------------------------------------------------------- 62

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Introdução à Epistemologia

1 Introdução à Epistemologia
A epistemologia, em uma perspectiva ampla, pode ser caracterizada como o
estudo do conhecimento. Dentro da disciplina da filosofia, a epistemologia é o estudo
da natureza do conhecimento e da justificação. Em particular, é o estudo do
conhecimento e da justificação em três aspectos: seus componentes definidores, suas
condições ou fontes substantivas, e os seus limites. Todavia, para simplificar a série de
tarefas com que os epistemólogos se preocupam, podemos classificar em duas
categorias.

Primeiro, o desafio é determinar o que entendemos por natureza do


conhecimento. Isto é, o que significa dizer que alguém sabe, ou não sabe, alguma
coisa. Trata-se de compreender o que é o conhecimento e de distinguir entre casos
em que alguém conhece alguma coisa e casos em que alguém não conhece alguma
coisa. Embora haja algum consenso geral sobre alguns aspectos desta questão,
veremos que este tema é muito mais difícil do que se poderia imaginar.

Em segundo lugar, devemos determinar a extensão do conhecimento humano.


Isto é, quanto nós conhecemos ou podemos conhecer? Como podemos usar nossa
razão, nossos sentidos, o testemunho de outras pessoas e outros recursos para
adquirir conhecimento? Há limites para o que podemos conhecer? Por exemplo,
existem algumas coisas que não podem ser conhecidas? É possível que nós não
conheçamos o tanto quanto nós pensamos que conhecemos? Deveríamos ter uma
preocupação legítima sobre o ceticismo, a visão de que não conhecemos ou não
podemos conhecer absolutamente nada?

2 Tipos de Conhecimento
O termo "epistemologia" vem do grego episteme, que significa "conhecimento",
e do termo logos, que significa, aproximadamente, "palavra escrita ou falada, razão
ou explicação". Logos é utilizada como a raiz de termos como psicologia,
antropologia, teologia e lógica, e tem muitos outros significados relacionados, mas
nestes contextos indica um âmbito do saber racional (NORRIS, 2007; FUMERTON,
2014).

A palavra "conhecimento" e seus cognatos são usados de diversas maneiras. Um


uso comum da palavra "conhecimento" é como uma expressão de convicção
psicológica. Por exemplo, podemos ouvir alguém dizer: "Eu simplesmente sabia que

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Tipos de Conhecimento

não iria chover, mas depois choveu." Embora isso possa ser um uso apropriado,
filósofos tendem a usar a palavra "conhecer" em um sentido factivo, de modo que não
se pode conhecer algo que não é o caso.

Mesmo se nos restringirmos a usos factivos, ainda existem múltiplos sentidos de


"conhecimento", e por isso precisamos distinguir entre eles. Assim, o conhecimento
pode ser explícito ou tácito. O conhecimento explícito é autoconsciente, na medida
em que o conhecedor está consciente do estado de conhecimento relevante,
enquanto o conhecimento tácito é implícito, escondido da autoconsciência. Muito do
nosso conhecimento é tácito: é genuíno, mas desconhecemos os estados de
conhecimento relevantes, mesmo que possamos alcançar a consciência através de
uma reflexão adequada (BOMBASSARO, 1992). Nesse sentido, o conhecimento se
assemelha a muitos de nossos estados psicológicos. A existência de um estado
psicológico em uma pessoa não requer a consciência da pessoa desse estado, embora
possa exigir a consciência da pessoa de um objeto desse estado (como o que é sentido
ou percebido).

Outro tipo de conhecimento é o “conhecimento procedural”, às vezes chamado


de competência, habilidade ou conhecimento de saber-como (knowhow). Por
exemplo, pode-se saber como andar de bicicleta, ou pode-se saber dirigir de
Florianópolis a São Paulo. Outro tipo de conhecimento é conhecimento de trato ou
familiaridade, que é um conhecimento adquirido de forma direta sem necessidade de
justificativas (OLIVA, 1990). Por exemplo, pode-se dizer que se conhece alguma
pessoa, ou alguma coisa por estar familiarizado com ela.

Os epistemólogos normalmente não se concentram no conhecimento procedural


ou de familiaridade, no entanto, em vez disso, preferem se concentrar no
“conhecimento proposicional” (CHISHOLM, 1974). Uma proposição é algo que pode
ser expresso por uma sentença declarativa, e que pretende descrever um fato ou
estado de coisas, como "cães são mamíferos", "2 + 2 = 7", "é errado assassinar pessoas
inocentes por diversão". Observe que uma proposição pode ser verdadeira ou falsa,
ou seja, não precisa realmente expressar um fato. O conhecimento proposicional,
então, pode ser chamado de “conhecimento-que”. Declarações de conhecimento
proposicional (ou a falta deste) são adequadamente expressas usando sentenças
"que", tais como "ele sabe que Florianópolis está em Santa Catarina" ou "ela não sabe
que a raiz quadrada de 9 é 3". No que se segue, estaremos preocupados apenas com
o conhecimento proposicional.

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Tipos de Conhecimento

O conhecimento proposicional, obviamente, abrange conhecimentos sobre uma


ampla gama de assuntos: conhecimento científico, conhecimento geográfico,
conhecimento matemático, autoconhecimento e o conhecimento sobre qualquer
campo de estudo, como veremos no decorrer deste livro, especificamente sobre o
campo teológico e religioso. Qualquer verdade pode, em princípio, ser cognoscível,
embora possa haver verdades incognoscíveis. Um dos objetivos da epistemologia é
determinar os critérios de conhecimento para que possamos saber o que pode ou não
ser conhecido, ou seja, o estudo da epistemologia inclui fundamentalmente o estudo
da metaepistemologia (o que podemos conhecer sobre o próprio conhecimento).

A metaepistemologia é, grosso modo, o ramo da epistemologia que faz


perguntas sobre questões epistemológicas de primeira ordem. Investiga aspectos
fundamentais da teorização epistêmica como metafísica, epistemologia, semântica,
agência, psicologia, responsabilidade, razões para a crença e além. Assim, se, como
tradicionalmente concebido, epistemologia é a teoria do conhecimento, a
metaepistemologia é a teoria da teoria do conhecimento (KYRIACOU, 2016).

Podemos também distinguir entre diferentes tipos de conhecimento


proposicional, com base na fonte desse conhecimento. O conhecimento não empírico
ou a priori é possível independentemente ou antes de qualquer experiência e requer
apenas o uso da razão. Exemplos incluem o conhecimento de verdades lógicas tais
como a lei da não contradição, bem como o conhecimento de reivindicações abstratas
(tais como reivindicações éticas ou reivindicações sobre vários assuntos conceituais).
O conhecimento empírico ou a posteriori só é possível depois, ou posterior, a certas
experiências sensoriais (além do uso da razão). Os exemplos incluem o conhecimento
da cor ou forma de um objeto físico ou o conhecimento de locais geográficos (GRECO;
SOSA, 2008).

Podemos dizer que uma preocupação primordial da filosofia moderna clássica,


nos séculos XVII e XVIII, era a extensão do nosso conhecimento a priori relativo à
extensão do nosso conhecimento a posteriori. Racionalistas como Descartes, Leibniz
e Spinoza sustentavam que todo conhecimento genuíno do mundo real é a priori
(HUENEMANN, 2012), enquanto que empiristas como Locke, Berkeley e Hume
argumentavam que todo esse conhecimento é a posteriori (MEYERS, 2017). Em sua
Crítica da Razão Pura de 1781, Kant (2001) buscou uma grande reconciliação, com o
objetivo de preservar as principais lições do racionalismo e do empirismo.

Desde os séculos XVII e XVIII, o conhecimento a posteriori tem sido amplamente


considerado um conhecimento que depende, para o seu sustento, de alguma

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A Natureza do Conhecimento Proposicional

experiência sensorial ou perceptual específica. E o conhecimento a priori tem sido


amplamente considerado como um conhecimento que não depende do seu
fundamento em tal experiência (BONJOUR; BAKER, 2010). Kant (2001) e outros
sustentam que o fundamento para o conhecimento a priori vem unicamente de
processos puramente intelectuais chamados de "razão pura" ou "entendimento puro".
O conhecimento de verdades lógicas e matemáticas serve tipicamente como um caso
padrão de conhecimento a priori, enquanto que o conhecimento da existência ou
presença de objetos físicos serve tipicamente como um caso padrão de conhecimento
a posteriori.

Uma tarefa importante para uma explicação do conhecimento a priori é a


explicação de quais são os processos puramente intelectuais relevantes e de como
eles contribuem para o conhecimento não empírico. Uma tarefa análoga para uma
explicação do conhecimento a posteriori é a explicação do que é a experiência
sensorial ou perceptual e como ela contribui para o conhecimento empírico. Mais
fundamentalmente, os epistemólogos têm buscado uma explicação do conhecimento
proposicional em geral, isto é, uma explicação do que é comum ao conhecimento a
priori e a posteriori.

Podemos também distinguir o conhecimento entre conhecimento individual e


conhecimento coletivo. A Epistemologia Social é o subcampo da epistemologia que
aborda a maneira como grupos, instituições ou outros corpos coletivos podem
adquirir conhecimento. Pesquise mais sobre a Epistemologia Social começando pela
leitura da obra “Epistemologia Social: dimensão social do conhecimento” (MÜLLER;
RODRIGUES, 2013).

3 A Natureza do Conhecimento Proposicional


Tendo limitado nosso foco ao conhecimento proposicional, devemos nos
perguntar o que, exatamente, constitui o conhecimento. O que significa alguém saber
alguma coisa? Qual é a diferença entre alguém que sabe alguma coisa e alguém que
não sabe, ou entre algo que se sabe e algo que não se sabe? Uma vez que o alcance
do conhecimento é tão amplo, precisamos de uma caracterização geral do
conhecimento, que seja aplicável a qualquer tipo de proposição.

Desde o Mênon e o Teeteto de Platão (2001a, 2001b), epistemólogos têm


tentado identificar os componentes essenciais, definidores do conhecimento. A
identificação desses componentes proporcionará uma análise do conhecimento. Uma

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A Natureza do Conhecimento Proposicional

visão tradicional proeminente, sugerida por Platão e Kant, entre outros, é que o
conhecimento proposicional (de que algo é assim) tem três componentes
individualmente necessários e conjuntamente suficientes: crença, verdade e
justificação. Nesta visão, o conhecimento proposicional é, por definição, uma crença
verdadeira justificada. Esta é a definição tripartida que passou a ser chamada de
análise padrão. Podemos esclarecê-la atendendo brevemente a cada uma de suas três
condições.

3.1 A Condição de Crença


Comecemos com a observação de que o conhecimento é um estado mental. Isto
é, o conhecimento existe na mente de alguém, e as coisas não pensantes não podem
conhecer nada. Além disso, o conhecimento é um tipo específico de estado mental
(NORRIS, 2007). Embora as sentenças "que" também possam ser usadas para
descrever desejos e intenções, estas, de acordo com a análise padrão, não poderiam
constituir conhecimento. Em vez disso, o conhecimento é uma espécie de crença. Se
alguém não tem crenças sobre algo em particular, não se pode ter conhecimento
sobre isso.

Por exemplo, suponha que eu deseje que me seja dado um aumento salarial, e
que eu pretendo fazer o que eu possa para ganhar. Suponhamos, além disso, que eu
duvide que realmente me seja dado um aumento, devido à complexidade do
orçamento da empresa onde trabalho. Dado que eu não acredito que vai ser me dado
um aumento, não se pode dizer que eu sei que vou receber o aumento. Só se eu
estiver inclinado a acreditar em alguma coisa, posso conhecê-la. Da mesma forma, os
pensamentos que um indivíduo nunca tenha pensado não estão entre suas crenças,
e, portanto, não podem ser incluídos em seu corpo de conhecimento.

Deste modo, a condição de crença exige que qualquer pessoa que saiba que
(onde “p” representa qualquer proposição ou declaração) deve acreditar que p. Se,
portanto, você não acredita que as mentes são cérebros (digamos, porque você nunca
chegou a considerar o assunto), então você não sabe que as mentes são cérebros. Um
conhecedor deve estar psicologicamente relacionado de alguma forma a uma
proposição que é objeto de conhecimento para aquele conhecedor. Os defensores da
análise padrão sustentam que somente a crença pode fornecer a relação psicológica
necessária (MIGUENS, 2009). Os filósofos não compartilham uma explicação uniforme
da crença, mas algumas considerações fornecem um terreno comum. As crenças não
são ações de assentimento para uma proposição. Elas são estados psicológicos

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A Natureza do Conhecimento Proposicional

disposicionais que podem existir mesmo quando não manifestados (BONJOUR;


BAKER, 2010). Por exemplo, você não deixa de acreditar que 2+2=4 sempre que sua
atenção deixa a aritmética. Nossa crença que parece exigir que tenhamos uma
tendência para assentir a em certas situações, mas parece também ser mais do que
apenas essa tendência. O que mais a crença requer continua muito controverso entre
os filósofos.

Alguns filósofos, como Radford (1966), Schwitzgebel (2015), Rose e Schaffer


(2013), opuseram-se à condição de crença da análise padrão com base no fato de que
podemos aceitar ou assentir a uma proposição conhecida sem realmente acreditar
nela. Eles afirmam que podemos aceitar uma proposição mesmo que não consigamos
adquirir uma tendência, exigida pela crença, de aceitar essa proposição em
determinadas situações. Nesta visão, a aceitação é um ato psicológico que não
envolve qualquer estado psicológico disposicional, e tal aceitação é suficiente para
relacionar psicologicamente um conhecedor a uma proposição conhecida
(RODRIGUES, 2013). Independente do desempenho deste ponto de vista, uma
suposição subjacente da análise padrão parece correta: nosso conceito de
conhecimento requer que um conhecedor esteja de alguma forma psicologicamente
relacionado a uma proposição conhecida (SMITH; SILVA FILHO, 2005; LANDESMAN,
2006; BRADLEY, 2015). Salvo essa exigência, encontraremos dificuldades para explicar
como os conhecedores possuem psicologicamente seu conhecimento de proposições
conhecidas.

Mesmo se o conhecimento requer crença, a crença que não requer conhecimento


que , uma vez que a crença geralmente pode ser falsa. Esta observação, familiar ao
Teeteto de Platão (2001b), supõe que o conhecimento tem uma condição de verdade.
Na análise padrão, se você sabe que , então é verdade que. Se, portanto, é falso que
as mentes são cérebros, então você não sabe que as mentes são cérebros. É, portanto,
enganoso dizer, por exemplo, que os astrônomos antes de Copérnico sabiam que a
Terra é plana. Na melhor das hipóteses, eles acreditavam justificadamente que eles
sabiam disso.

Além disso, podemos observar que algumas crenças, aquelas que o indivíduo
ativamente processa, são chamadas de crenças ocorrentes. A maioria das crenças de
um indivíduo são não ocorrentes. Estas são crenças que o indivíduo tem como plano
de fundo, mas não são alvo de atenção em um determinado momento.
Correspondentemente, a maioria de nosso conhecimento é não ocorrente. Apenas
uma pequena quantidade do nosso conhecimento está sempre ativamente em nossa
mente (EYSENCK; KEANE, 2017).

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A Natureza do Conhecimento Proposicional

3.2 A Condição de Verdade


O conhecimento, então, requer crença. Naturalmente, nem todas as crenças
constituem conhecimento. A crença é necessária, mas não suficiente para o
conhecimento. Todos nós, às vezes, nos enganamos no que cremos. Em outras
palavras, enquanto algumas de nossas crenças são verdadeiras, outras são falsas. À
medida que tentamos adquirir conhecimento, então, estamos tentando aumentar
nosso estoque de crenças verdadeiras, minimizando ao mesmo tempo nossas crenças
falsas.

Esta condição de verdade da análise padrão não atraiu para si nenhum desafio
sério. A controvérsia sobre ela se concentrou, em vez disso, na pergunta veemente de
Pilatos: “O que é a verdade?” (BÍBLIA, João, 18, 38). Esta questão diz respeito sobre o
que a verdade consiste e não sobre o nosso modo de descobrir o que é verdadeiro.
As respostas influentes provêm de, pelo menos, três abordagens: a verdade como
correspondência (ou seja, o acordo, de algum tipo especificado, entre uma proposição
e uma situação real); a verdade como coerência (isto é, a interconexão de uma
proposição com um sistema especificado de proposições); e a verdade como valor
cognitivo pragmático (ou seja, a utilidade de uma proposição para atingir certos
objetivos intelectuais) (KIRHAM, 2003). Sem avaliar essas abordagens proeminentes,
devemos reconhecer, de acordo com a análise padrão, que nosso conceito de
conhecimento parece ter uma exigência factual: sabemos genuinamente que somente
se é o caso que. A noção pertinente de "ser o caso" parece equivalente à noção de
"como a realidade é" ou "como as coisas realmente são". Esta última noção parece
essencial à nossa noção de conhecimento, mas está aberta à controvérsia sobre sua
explicação.

Podemos dizer, então, que o propósito mais típico das crenças é descrever ou
apreender a maneira como as coisas realmente são. Isto é, quando se forma uma
crença busca-se uma correspondência entre a mente de alguém e o mundo
(BLACKBURN, 2006). Às vezes, é claro, formamos crenças por outras razões – criar uma
atitude positiva, enganar a nós mesmos, e assim por diante –, mas quando buscamos
o conhecimento, estamos tentando fazer as coisas de um modo específico. Contudo,
às vezes não conseguimos alcançar tal correspondência. Algumas de nossas crenças
não descrevem a maneira como as coisas realmente são.

Observe que estamos assumindo aqui que existe uma coisa como a verdade
objetiva, de modo que é possível que as crenças correspondam ou não correspondam
à realidade. Ou seja, para que alguém conheça algo deve haver algo sobre o qual se

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A Natureza do Conhecimento Proposicional

conheça. Lembre-se de que estamos discutindo conhecimento no sentido factivo. Se


não há fatos da matéria, então não há nada para conhecer (ou para deixar de
conhecer). Esta suposição não é universalmente aceita (DUTRA, 2001), em particular,
não é compartilhada por alguns defensores do relativismo, mas isso não será
abordado neste momento. Contudo, podemos dizer que a verdade é uma condição
do conhecimento. Isto é, se uma crença não é verdadeira, ela não pode constituir
conhecimento. Por conseguinte, se não há tal coisa como verdade, então não poderá
haver conhecimento. Mesmo que haja tal coisa como verdade, se existe um domínio
no qual não há verdades, então não pode haver conhecimento dentro desse domínio.
Por exemplo, se a beleza está no “olhar do espectador”, então a crença de que algo é
bonito não pode ser verdadeira ou falsa e, portanto, não pode constituir
conhecimento.

3.3 A Condição de Justificação


O conhecimento, então, requer crença factual. No entanto, isso não basta para
apreender a natureza do conhecimento. Assim como o conhecimento requer alcançar
com êxito o objetivo da crença verdadeira, também requer sucesso em relação à
formação dessa crença. Em outras palavras, “nem todas as crenças verdadeiras
constituem conhecimento” (O’HEAR, 1997, p. 46). Somente as crenças verdadeiras a
que chegamos de maneira correta constituem conhecimento.

Qual é, então, o caminho certo para chegar às crenças? Além da verdade, quais
outras propriedades uma crença deve ter para constituir o conhecimento? Podemos
começar observando que o raciocínio sadio e a evidência sólida parecem ser a maneira
de adquirir o conhecimento. Em contrapartida, um palpite de sorte não pode constituir
conhecimento. Da mesma forma, a desinformação e o raciocínio falho não parecem
uma receita para o conhecimento, mesmo se eles levam a uma crença verdadeira. Diz-
se que uma crença é justificada se for obtida da maneira correta (NORRIS, 2007).
Embora a justificação pareça, à primeira vista, ser uma questão de uma crença estar
baseada na evidência e no raciocínio, e não na sorte ou na desinformação, veremos
que há muito desacordo quanto à forma de especificar os detalhes.

A exigência de que o conhecimento envolva justificação não significa


necessariamente que o conhecimento requer certeza absoluta. Os seres humanos são
seres falíveis, e o falibilismo é a visão de que é possível ter conhecimento mesmo
quando a crença verdadeira de alguém venha a ser confirmada como falsa
(RODRIGUES, 2013). Entre as crenças que são necessariamente verdadeiras e aquelas

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A Natureza do Conhecimento Proposicional

que são verdadeiras unicamente pela sorte encontra-se um espectro de crenças com
relação ao qual nós temos alguma razão revogável para acreditar que elas sejam
verdadeiras. Por exemplo, se eu ouvi o meteorologista dizer que há uma chance de
90% de chuva, e como resultado eu formo a crença de que vai chover, então a minha
crença verdadeira de que iria chover não era verdadeira puramente por sorte. Mesmo
que houvesse alguma chance de que minha crença pudesse ter sido falsa, havia uma
base suficiente para que essa crença constituísse o conhecimento. Esta base é referida
como a justificação para essa crença. Podemos então dizer que, para constituir
conhecimento, uma crença deve ser verdadeira e justificada.

Observe que por causa da sorte, uma crença pode ser injustificada, mas
verdadeira. E por causa da falibilidade humana, uma crença pode ser justificada, mas
falsa (GRECO; SOSA, 2008). Em outras palavras, a verdade e a justificação são duas
condições independentes das crenças. O fato de uma crença ser verdadeira não nos
diz se ela é ou não justificada. Isso depende de como chegamos a esta crença. Assim,
duas pessoas podem ter a mesma crença verdadeira, mas por razões diferentes, de
modo que uma delas é justificada e a outra é injustificada. Da mesma forma, o fato de
que uma crença é justificada não nos diz se é verdadeira ou falsa. É claro que uma
crença justificada presumivelmente será mais provável de ser verdadeira do que falsa,
e crenças justificadas presumivelmente serão mais prováveis de serem verdadeiras do
que crenças injustificadas (GOLDMAN, 1979).

Deste modo, podemos afirmar que o conhecimento não é simplesmente crença


verdadeira. Como vimos, algumas crenças verdadeiras são apoiadas apenas por
conjecturas com sorte e, portanto, não se qualificam como conhecimento. O
conhecimento requer que a satisfação de sua condição de crença seja
"apropriadamente relacionada" à satisfação de sua condição de verdade. Esta é uma
maneira ampla de entender a condição de justificação da análise padrão. Mais
especificamente, poderíamos dizer que um conhecedor deve ter indicação adequada
de que uma proposição conhecida é verdadeira (NORRIS, 2007). Se entendemos tal
indicação adequada como uma espécie de evidência que indica que uma proposição
é verdadeira, alcançamos a visão geral tradicional da condição de justificação: a
justificação como evidência. As perguntas sobre a justificação atraem a maior parte
da atenção na epistemologia contemporânea. A controvérsia centra-se no significado
de "justificação", bem como nas condições substantivas para uma crença ser
justificada de uma forma apropriada ao conhecimento.

Os debates atuais sobre o significado da "justificação" giram em torno da


questão de saber se (e se assim for, como) o conceito de justificação epistêmica

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A Natureza do Conhecimento Proposicional

(relevante ao conhecimento) é normativo. Desde os anos 50, Roderick Chisholm (1974)


defendeu uma noção de justificação deontológica (orientada à obrigação/ dever).
Podemos sintetizar essa noção na afirmação de que se uma proposição, é
epistemicamente justificada para você, significa que é falso que você deva abster-se
de aceitar. Em outros termos, dizer que é epistemicamente justificado é dizer que
aceitar é epistemicamente permissível – pelo menos no sentido de que aceitar é
consistente com certo conjunto de regras epistêmicas. Essa interpretação
deontológica goza de ampla representação na epistemologia contemporânea. Uma
concepção normativa da justificação não precisa ser deontológica. Não precisa usar
as noções de obrigação e permissão. Alston (1989, 2008), por exemplo, introduziu um
conceito normativo não deontológico de justificação que se baseia principalmente na
noção do que é epistemicamente bom do ponto de vista de maximizar a verdade e
minimizar a falsidade. Alston vincula a bondade epistêmica a uma crença sendo
baseada em fundamentos adequados na ausência de razões imperativas que sejam
contrárias.

Alguns epistemólogos esquivam-se das interpretações normativas da justificação


considerando-as supérfluas. Um ponto de vista digno de nota é que "justificação
epistêmica" significa simplesmente "suporte evidencial" de um certo tipo. Dizer que é
epistemicamente justificável até certo ponto para você é, nesta visão, apenas dizer
que é suportável em certa medida pelas suas razões evidenciais. Essa concepção não
será normativa desde que as noções de suportabilidade e de razão evidencial sejam
não normativas (CONEE; FELDMAN, 2004). Alguns filósofos tentaram explicar estas
últimas noções sem depender dos relatos de permissibilidade epistêmica ou de
bondade epistêmica. Podemos entender a noção relevante de "suporte" em termos
de noções não normativas de vinculação e explicação (ou, respondendo questões de
“por quê”). Podemos entender a noção de uma "razão evidencial" através da noção
de um estado psicológico que pode estar em uma certa relação de suporte indicadora
de verdade às proposições (CARRILHO, 1991; OLIVA, 2011). Por exemplo, podemos
considerar os estados não doxásticos de "parecendo perceber" algo em virtude desses
estados serem melhor explicados por essas proposições. Se algo parecido com essa
abordagem conseguir ser bem-sucedido, poderíamos prosseguir sem as noções
normativas de justificação epistêmica mencionadas anteriormente.

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Falibilidade e Ceticismo

4 Falibilidade e Ceticismo
Podemos então dizer que até mesmo as crenças bem fundamentadas podem
estar equivocadas. Podemos ser enganados pelos nossos sentidos. Somos falíveis em
questões perceptivas como em nossas memórias, em nosso raciocínio e em outros
aspectos. Poderíamos então nos perguntar, como fazem os céticos, se sabemos
mesmo que é improvável que agora estejamos enganados pelos nossos sentidos.

Se não, como podes estar justificado em acreditar o que parecem ser verdades
muito menos óbvias, como que a sua casa é segura contra tempestades, que seu carro
é seguro para dirigir, e que sua comida não está envenenada? E como podes saber as
muitas coisas que precisas saber na vida, como que sua família e amigos são dignos
de confiança, que você pode controlar seu comportamento e, assim, podes determinar
parcialmente o seu futuro. São questões difíceis e importantes.

Estas questões indicam como a vida humana seria insegura e desordenada se


não pudéssemos supor que possuímos crenças e conhecimentos justificados. Nós
colocamos em risco nossas vidas todos os dias sobre o que nós acreditamos conhecer.
Seria inquietante rever essa posição e recuar para a visão de que, na melhor das
hipóteses, temos justificativa para acreditar. Mas se tivéssemos que desistir até dessa
visão moderada e concluir, digamos, que o que acreditamos não é nem sequer
justificado, teríamos de enfrentar uma crise. Ao discutir o ceticismo, são exploradas
exatamente essas questões. Podemos, então, suspender temporariamente os desafios
céticos, e assumir o ponto de vista do senso comum de que as crenças com uma base
como a de minha crença de que existe um livro diante de mim não são apenas
justificadas, mas também constituem conhecimento (PEREIRA, 2007).

Uma vez que procedemos nesta suposição do senso comum é fácil ver que há
muitos tipos diferentes de circunstâncias em que as opiniões se levantam de tal
maneira que são aparentemente justificadas e constituem o conhecimento. Ao
considerar essa variedade de circunstâncias que dão justificação e conhecimento,
podemos explorar como as crenças estão relacionadas à percepção, à memória, à
consciência, à razão e ao testemunho.

Em suma, ao considerarmos a questão do que podemos conhecer nos


deparamos com o fato de que qualquer justificação do conhecimento dependerá de
outra crença para sua justificação, o que parece conduzir a uma regressão infinita. O
ceticismo começa com a aparente impossibilidade de completar esta cadeia infinita
de raciocínio e argumenta que, em última instância, nenhuma crença é justificada e,
portanto, ninguém realmente sabe nada. O falibilismo também afirma que a certeza

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Epistemologia da Teologia|

A Epistemologia da Teologia e da Religião

absoluta sobre o conhecimento é impossível, ou pelo menos que todas as pretensões


ao conhecimento poderiam, em princípio, ser equivocadas. Ao contrário do ceticismo,
no entanto, o falibilismo não implica a necessidade de abandonar o nosso
conhecimento, apenas reconhece que, porque o conhecimento empírico pode ser
revisto por observação adicional, qualquer das coisas que tomamos como
conhecimento pode eventualmente revelar-se falsa.

O fundacionalismo, que afirma que algumas crenças que apoiam outras crenças
são fundamentais e não necessitam de justificação por outras crenças (autojustificação
ou crenças infalíveis ou baseadas na percepção ou em certas considerações a priori)
(MIGUENS, 2009). O Instrumentalismo, que é a visão metodológica de que conceitos
e teorias são meramente instrumentos úteis, e seu valor é medido pelo quão eficaz
eles são na explicação e previsão de fenômenos. O instrumentalismo, portanto, nega
que as teorias sejam verdadesavaliáveis (NORRIS, 2007). O pragmatismo, que é um
conceito semelhante, que sustenta que algo só é verdadeiro na medida em que
funciona e tem consequências práticas (VIDAL; CASTRO, 2006). O infinitismo, que
tipicamente leva a série infinita a ser meramente potencial, e um indivíduo precisa
apenas ter a capacidade de apresentar as razões relevantes quando surge a
necessidade. Portanto, ao contrário da maioria das teorias tradicionais de justificação,
o infinitismo considera uma regressão infinita como uma justificação válida (BRADLEY,
2015). O coerentismo, que sustenta que uma crença individual é justificada
circularmente pelo modo como ela se encaixa (em coerência) com o resto do sistema
de crenças de que faz parte, de modo que a regressão não procede de acordo com
um padrão de justificação linear. E o funderentismo, termo criado por Susan Haack
(1997), é outra posição que se destina a ser uma unificação do fundacionalismo e
coerentismo evitando seus problemas (OLIVA, 2011).

5 A Epistemologia da Teologia e da Religião


A epistemologia religiosa é o estudo de como as crenças religiosas dos sujeitos
podem ter ou não ter alguma forma de status epistêmico positivo (como
conhecimento, justificação, autorização e racionalidade) e se elas precisam mesmo de
tal status apropriado para si. O debate atual enfoca mais centralmente no tipo de base
sobre a qual um crente religioso pode estar racionalmente justificado em manter
certas crenças sobre Deus (se Deus existe, quais são os atributos de Deus, o que Deus
está fazendo etc.) É necessário estar tão justificado para acreditar como um crente
religioso deve (em algum sentido de “deveria” mais geral do que a justificação

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Epistemologia da Teologia|

A Epistemologia da Teologia e da Religião

racional). Engajando-se nessas questões temos principalmente três grupos de


pessoas, que se chamam de “fideístas”, “epistemólogos reformados” e
“evidencialistas”.

O fideísmo é difícil de definir porque aqueles que se denominam fideístas


possuem uma variedade de posições relacionadas, mas distintas. Os pontos de vista
assim chamados poderiam estar mais relacionados pela semelhança da família e não
por qualquer propriedade que eles tenham em comum. Os fideístas, podemos dizer,
ocupam posições ao longo de um espectro. O fideísmo em sua forma extrema é a
visão de que as crenças religiosas têm um status especial (ao invés de estarem sujeitas
a padrões de evidência comuns, por exemplo, os padrões da ciência, da lei ou da
história), de modo que alguém pode possuir racionalmente algumas crenças teístas
sem qualquer evidência de apoio ou até mesmo contrariamente ao que sua evidência
suporta. Um exemplo desta posição é a afirmação de Kierkegaard (2013, p. 105): “Se
eu posso apreender objetivamente, então eu não creio; mas, justamente porque eu
não posso fazê-lo, por isso tenho de crer”. Formalmente podemos expressar o
fideísmo forte da seguinte maneira: “Eu posso/devo acreditar na proposição
precisamente porque parece absurdo e incrível”, ou um pouco menos extremo, “para
qualquer proposição p, eu posso/devo acreditar p, mesmo que (i) eu não tenha
evidências para e (ii) pareça incrível em seus próprios termos”.

Em uma forma moderada, o fideísmo é a visão de que a evidência é ambígua


para as crenças teístas, e, portanto, pode-se optar por manter as crenças teístas devido
à sua natureza especial moralmente centrada. Pascal (2005), por exemplo, representa
esta posição. Formalmente podemos expressar o fideísmo moderado da seguinte
maneira: “Para alguma gama de proposições p, eu posso/devo acreditar p, mesmo
que eu não tenha evidência para p, enquanto p: (i) parece credível em seus próprios
termos, e (ii) é coerente com outras coisas em que eu acredito na base de evidências
adequadas”.

O fideísmo em uma forma fraca (mas certamente não incontroversa) é a visão de


que alguém deve ter fé ou confiança em Deus a fim de racionalmente manter uma
crença teísta. Ou seja, embora possamos ter bons argumentos e evidências para a
crença racional na existência de Deus, nós não precisamos utilizar tais argumentos e
evidências para estar racionalmente justificados ou estar em nosso direito epistêmico
de garantir a crença racional em Deus. Kelly James Clark (2001) situa Alvin Plantinga
assim com Tomás de Aquino nesta forma de fideísmo. Formalmente podemos
expressar o fideísmo fraco da seguinte maneira: “Para alguma gama de proposições
p, eu posso/devo acreditar p, embora eu não tenha evidência para p, enquanto p: (i)

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Epistemologia da Teologia|

Uma Breve História da Fé e da Razão

parece credível em seus próprios termos, e (ii) deriva de uma fonte confiável ou
fidedigna”.

Os epistemólogos reformados afirmam que alguém pode racionalmente manter


algumas crenças teístas (incluindo a crença de que Deus existe), sem qualquer
argumento ou inferência. Ou seja, algumas crenças teístas são adequadamente
básicas ou imediatamente justificadas de alguma forma (PLANTINGA, 2003).

Os evidencialistas afirmam que para qualquer crença teísta que alguém


justificadamente mantém, este alguém mantém essa crença com base em evidências
de apoio adequadamente suficientes. Chamaremos essa posição de evidencialismo
epistêmico, porque às vezes o evidencialismo, especialmente quando alvo dos
argumentos dos epistemólogos reformados, é usado para se referir à conjunção do
evidencialismo epistêmico – a visão de que a crença justificada requer evidência – e
posições adicionais, a saber, que (1) a evidência consiste inteiramente de um certo
tipo de proposições fundamentais e (2) as crenças teístas (por exemplo, que Deus
existe) não estão entre essas fundamentações. Chamaremos a conjunção destas
posições de hiperevidencialismo, que será posteriormente melhor explicado.

A seguir faremos, primeiramente, um breve levantamento histórico do


evidencialismo (epistêmico), do fideísmo e da epistemologia reformada. Após
apresentaremos a posição do fideísta, então a posição do evidencialista e, finalmente,
a posição do epistemólogo reformado, concluindo com alguns comentários sobre o
estado atual do debate.

6 Uma Breve História da Fé e da Razão


Na Idade Média temos já uma prolífica reflexão sobre a relação da fé e da razão.
Por exemplo, os teólogos medievais, como Boécio em sua Consolatio Philosophiae
(1998), sustentavam certas crenças sobre Deus, mas confiavam na filosofia para
fornecer razões para essas crenças. Outros, como Agostinho em seu Sermão 43
(GILSON, 1995), diziam que devemos ter fé buscando o entendimento fides quarens
intellectum, ou seja, que temos crenças que nós transformamos em conhecimento,
entendendo-as. Temos também Anselmo no Proslogion (2008) e no Monológio
(1988), que sustentava que devemos crer para que possamos entender (credo ut
intelligam) e, para isso, oferecia um argumento ontológico para a existência de Deus,
defendendo que Deus tinha certos atributos e argumentando que para que os
pecados de alguém fossem expiados por Deus, Deus precisava se tornar um ser

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Epistemologia da Teologia|

Uma Breve História da Fé e da Razão

humano. Entre estas reflexões não podemos esquecer de Tomás de Aquino em sua
Summa Theologica (2001), que sustentou que era conveniente e necessário que
acreditássemos nas coisas prováveis pela razão com base na revelação. Ele afirmava
que mesmo no que diz respeito às verdades sobre Deus que a razão humana poderia
ter descoberto, era necessário que o homem fosse ensinado por uma revelação divina,
porque a verdade sobre Deus como a razão poderia descobrir, só seria conhecida por
poucos, depois de muito tempo, com muita análise, e ainda assim com muitos erros.

Estes teólogos medievais, entre outros, sustentavam, portanto, que argumentos


podem ser dados para o teísmo e que esses argumentos tornam racional para alguém
acreditar com base nesses argumentos. Além disso, de acordo com Tomás de Aquino,
podemos acreditar no teísmo sem provas teístas, mas se acreditamos na base de
provas, transformamos nossa crença em conhecimento, que é uma condição
epistêmica melhor para se ter.

Na Idade Moderna também podemos ver que os pensadores despendiam seu


tempo e reflexões sobre a fé e a razão. Por exemplo, Descartes, em suas Meditações
(2004), na Monadologia de Leibniz (2009), no Ensaio sobre o entendimento humano
de Locke (1999) e em Berkeley (1996) nos Três Diálogos. Podemos perceber nestas
obras e nestes autores, que todos ofereciam argumentos para a existência de Deus.
Ao oferecer esses argumentos e dedicar um tempo considerável a eles, eles parecem
indicar, às vezes em declarações mais explícitas, que em circunstâncias normais um
crente deve pelo menos basear sua crença nesses argumentos e que haveria algo
intelectualmente errado com aqueles que não o fizessem.

Durante o Iluminismo, precipitado em parte pela filosofia de Locke (1999), o


pensamento parece ter sido sustentado por muitos de que a única maneira racional
de acreditar que Deus existe era através de argumentos. Locke sustentou que
devemos proporcionar nossa crença de acordo com a evidência, que a evidência
consiste em um conjunto de proposições que são diretamente vistas como
verdadeiras e que são indubitáveis ou evidentes para os sentidos e que a proposição
de que Deus existe não estaria naquele conjunto de proposições.

Para uma boa exposição da visão de Locke, veja a obra “John Locke and the ethics
of belief”, de Nicholas Wolterstorff (1996), especialmente as páginas 88-133. Assim
como a obra “Moral e história em John Locke”, de Edgar José Jorge Filho (1992).

Locke (1999) pensava que Deus poderia iluminar as mentes das pessoas e lhes
revelar diretamente verdades, mas ele não achava que isso acontecesse de fato. A
visão de Locke, muitas vezes chamada de "visão iluminista" ou algo semelhante,

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Epistemologia da Teologia|

Uma Breve História da Fé e da Razão

emparelhada com a visão de que o argumento para a existência de Deus não é forte
o suficiente para fazer a crença de que Deus existe racional – ou pelo menos não é
forte o suficiente para torná-la racional para alguém acreditar com a convicção da
qual a fé exige – é o que os epistemólogos reformados chamam de “o desafio
evidencialista" à crença religiosa (PLANTINGA; WOLTERSTORFF, 1983;
WOLTERSTORFF, 2008).

Ainda na esteira do Iluminismo, Immanuel Kant afirma que os argumentos


tradicionais para a existência de Deus não conseguem ser uma base adequada para
acreditarmos no teísmo (KANT, 2001). Embora em seus primeiros trabalhos, como em
O único fundamento possível de uma demonstração da existência de Deus, de 1763
(WOOD, 2008), ele permitiu um possível tipo de argumento em apoio do teísmo.
Entretanto, a filosofia de Kant parece impedir alguém de acreditar que Deus existe
com bases epistêmicas. Se acreditarmos que Deus existe, deve ser por motivos
práticos (KANT, 2003).

O pensador romântico Sören Aabye Kierkegaard concordou que não devemos


basear a crença teísta em argumentos. Todavia, para Kierkegaard (2010), a verdadeira
crença em Deus é a fé, e a fé é a crença de que você tem "em virtude do absurdo". A
fé, assim, estaria acima da razão, e se alguém agisse de acordo com a fé, agiria contra
ou fora da jurisdição da razão. Ou seja, Kierkegaard é um defensor do fideísmo. O
fideísmo também foi proposto mais tarde por Wittgenstein (1998) e foi desenvolvido
e modificado desde então, especialmente por Dewi Zephaniah Phillips (2016), C.
Stephen Evans (1998) e John Bisho (2007).

Os epistemólogos reformados também acreditam, em resposta ao "desafio


evidencialista", que é racional para alguém acreditar que Deus existe na ausência de
argumentos. Alvin Plantinga e Nicholas Wolterstorff (1983) publicaram o locus
classicus da epistemologia reformada, Faith and Rationality, e a epistemologia
reformada se desenvolveu ao longo do tempo em uma visão madura representada
pela obra Warranted Christian Belief, de Platinga (2000). Hoje, muitos filosóficos se
classificam como epistemológicos reformados, incluindo George Mavrodes (1970),
Michael Bergmann (2012) e William Alston (1993, 2008).

O evidencialismo epistêmico também tem adeptos contemporâneos entre os


inovador de Paul Moser (2008) pode levar alguns a acreditar que ele não é um
evidencialista. No entanto, Moser considera-se um evidencialista (2010) e deixa isso
explícito, desde que a evidência não se restrinja às proposições. C. Stephen Evans

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Epistemologia da Teologia|

O Fideísmo

(2010) também se considera um evidencialista, desde que a evidência não se restrinja


a argumentos ou inferências formais.

A maioria dos filósofos ateus contemporâneos da religião assume o


evidencialismo epistêmico. Por exemplo, John Mackie (1994), Jordan Sobel (2003) e
Graham Oppy (2009). Todavia, não está claro se há qualquer adepto contemporâneo
ao hiperevidencialismo, pois há poucos epistemólogos que aceitam o
fundacionalismo clássico. Como podemos ver nas posições de Timothy McGrew
(1995) e Bonjour (2003), que defendem algo semelhante ao fundacionalismo clássico,
no entanto em nenhum lugar eles negam que se possa ter alguma justificativa
imediata para crenças teístas.

Dado que os três principais pontos de vista no debate não são mutuamente
exclusivos (na verdade, C. Steven Evans transita em cada categoria pelo menos uma
vez), não deve ser surpreendente descobrir que muitos aderentes de um lado do
debate igualmente mantêm uma posição suficiente para colocá-los em um dos outros
lados também. No entanto, os adeptos de uma posição muitas vezes rejeitam a
adesão aos outros lados do debate. Isto é frequentemente devido a diferenças de
ênfase que resultam de muitas influências diferentes, às vezes incluindo o contexto
histórico. Nas próximas três seções, descreveremos o fideísmo, o evidencialismo
(epistêmico) e a epistemologia reformada, respectivamente, com mais detalhes, então
diremos algo sobre como as visões interagem.

7 O Fideísmo
O fideísmo, em sua forma extrema, é a visão de que alguém pode racionalmente
manter certas crenças teístas contrárias ao que sua evidência suporta ou sem qualquer
evidência de apoio (HELM, 2008). Alguns, como John Greco (2007), definem o fideísmo
como a visão de que a fé se opõe à razão, mas a natureza dessa oposição não é clara,
e assim, definir o fideísmo dessa maneira é inútil. O fideísmo é mantido também por
Wittgenstein (1998), de acordo com D. Z. Phillips. Phillips (2016) que, por exemplo,
afirma que as crenças religiosas têm critérios de aceitabilidade que outros tipos de
crenças não possuem.

O pensamento de Wittgenstein é complexo, podemos separar em duas fases. O


dito primeiro Wittgenstein – do Tractatus Logico-Philosophicus (1968), Conferência
sobre ética (1990a) e Observações sobre o ramo dourado de Frazer (2011) – descreve
a religião e a teologia como não científicas e sem sentido. Nesta fase do seu

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Epistemologia da Teologia|

O Fideísmo

pensamento, a linguagem religiosa não se refere a fatos empíricos observáveis e


ultrapassa os limites da linguagem apropriada. Deus não se revela no mundo. Como
não há fatos por trás dele, a religião não é científica. Isso significa que, embora a
religião se mostre ou se manifeste, não se pode falar dela. Portanto, a posição do
primeiro Wittgenstein sobre a religião pode ser resumida como a algo não científico
e inefável. No entanto, ele afirma que a carência de sentido da religião é a sua própria
essência e o desejo de dizer algo sobre o sentido último da vida deve ser respeitado.

Já em uma conversa com o Círculo de Viena, em 1931, Wittgenstein observou


que o Tractatus é um livro dogmático (WAISMANN, 1979). Isto pode naturalmente ser
entendido como um primeiro passo para o seu trabalho posterior. Na verdade,
podemos considerar o seu livro Observações sobre o ramo dourado de Frazer como
um trabalho de transição. Afinal, embora ele ainda compare a religião à ciência, já há
um foco claro nas práticas da religião. Isso evoca associações com o Investigações
Filosóficas de Wittgenstein (1999), que será discutido a seguir.

A postura do dito segundo Wittgenstein – da Palestra sobre crença religiosa


(1996a), Investigações Filosóficas de Wittgenstein (1999), Da Certeza (1990b) e
Observações sobre as cores (1996b) – em relação à religião pode ser resumida em sua
visão da religião como prática e jogo de linguagem. Embora a religião normalmente
não se baseie em evidências científicas, existe um discurso religioso com um critério
próprio de significado. Religião, teologia e fala sobre Deus são jogos de linguagem ou
formas de vida em que os crentes se expressam por meio de imagens religiosas (não
verificáveis). No entanto, o significado das palavras religiosas é o seu uso na
linguagem religiosa. Portanto, a veracidade ou falsidade não se baseia em um critério
científico externo, mas no acordo entre crentes, por exemplo, na teologia. O que a
linguagem religiosa significa aparece da diferença prática que eles proporcionam na
orientação da vida de uma pessoa.

Na verdade, há um grande número de livros e artigos sobre comentários e


tópicos religiosos na obra de Wittgenstein (MICHELETTI, 2007; MEJIA, 2006; SPICA,
2009; MALCOLM, 1993; ARRINGTON; ADDIS, 2001; MANDELI, 2012; PHILLIPS, 1993,
2016). Eles discutem principalmente os seguintes tópicos: a religião como jogo de
linguagem ou forma de vida, a natureza da crença religiosa e da linguagem, o uso de
imagens na religião, a relevância teológica da filosofia de Wittgenstein, a ideia de
teologia como gramática, questões em religião comparada e a concepção de
Wittgenstein do misticismo. Além disso, os pensamentos religiosos de Wittgenstein
foram comparados, em particular, com Aquino, Agostinho, Barth, Buber, Dewey,
James, Kafka, Kierkegaard, Levinas, Rosenzweig e Tolstoi.

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O Fideísmo

O termo "fideísmo wittgensteiniano" pertence a Kai Nielsen, que atribuiu uma


posição fideísta a alunos ou seguidores de Wittgenstein, filósofos como Winch,
Hughes, Malcolm, Cavell, Phillips e mais tarde ao próprio Wittgenstein (NIELSEN,
1967). O que esses pensadores têm em comum é a ideia de que o discurso teológico
é sui generis e, portanto, não pode ser entendido e julgado em termos diferentes dos
seus. A verdade e o sentido de uma concepção religiosa do mundo não devem ser
entendidos com base no objeto que ela deseja representar, mas apenas com base na
tradição ou na comunidade dentro da qual a visão emergiu e na qual ela tem sua
função.

O fideísmo, que geralmente é atribuído a Pascal, Kierkegaard, James e


Wittgenstein, tem suas origens na pergunta de Tertuliano: "Que tem Jerusalém a ver
com Atenas?" (apud BRAATEN; JENSEN, 1990, p. 35), Isto é, qual é a relação entre
razão e fé? Hoje em dia, defende a visão de que as verdades religiosas só podem ser
conhecidas por meio da fé e não pela razão, são, portanto, independentes dela ou
mesmo hostis a ela. As verdades religiosas seriam, em outras palavras, pré-racionais
ou suprarracionais. A variante wittgensteiniana do fideísmo é diversamente
caracterizada por subscrever uma ou mais das seguintes teses: 1) que a religião é
logicamente isolada de outros aspectos da vida, 2) que o discurso religioso é
essencialmente autorreferencial e não nos permite falar sobre a realidade, 3) que as
crenças religiosas só podem ser compreendidas por crentes religiosos e 4) que a
religião não pode ser criticada (AMESBURY, 2009). Embora seja duvidoso que
Wittgenstein se reconheça nessas teses, pelo menos alguns de seus seguidores
aderiram a ela. Enfim, uma clara diferença com fideístas como Pascal e Kierkegaard é
que o próprio Wittgenstein não é um apologista cristão.

Em uma segunda interpretação, Wittgenstein é descrito como um religioso


antirrealista ou relativista (TRIGG, 2010). Em contraste com os realistas, os antirrealistas
não acreditam em uma realidade independente de nossas concepções sobre ela. Eles
acreditam que não há verdade, significado, fato ou existência não relacionados à nossa
compreensão da realidade. Se, por exemplo, Deus como um Ser existe na realidade é
inacessível, vai além da experiência e, portanto, não faz sentido. Isso implica que o
ateísmo é descartado pelo antirrealismo. A ideia de que a forma como concebemos a
realidade está ligada às capacidades humanas, como nossa linguagem, se encaixa
perfeitamente nos pensamentos de Wittgenstein sobre os jogos de linguagem e as
formas de vida. A religião não seria uma questão de conhecimento ou evidência
científica, mas uma tentativa de falar sobre Deus, que não se revela em nossa
realidade. Além disso, o que conta é o que as religiões significam para a nossa vida

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O Fideísmo

prática. Uma vez que o discurso religioso está entrelaçado com a linguagem religiosa,
não há possibilidade de ficar fora dela e de criticar ou apoiar a religião com base, por
exemplo, em fatos externos. A religião é sobre inteligibilidade e ininteligibilidade em
vez de veracidade ou falsidade. A partir daí, é um pequeno passo para o relativismo
religioso ou mesmo para o ceticismo. Uma religião específica não pode mais ser
universal ou objetivamente verdadeira, porque sua linguagem é relativa à prática e as
ideias não podem ser acessadas empiricamente. O significado do mundo religioso
depende unicamente do seu uso na linguagem religiosa.

Pensadores considerados fideístas wittgensteinianos, como Malcolm (1993) e


Phillips (1993), partem dessas duas interpretações sugeridas nos parágrafos
anteriores, tentando tecer uma narrativa possível para as crenças religiosas. Assim,
podemos dizer que tanto as inspirações do primeiro, quanto do segundo
Wittgenstein, estão presentes nas argumentações dos pensadores considerados como
fideístas wittgensteinianos.

Como exemplo, podemos descrever a posição de Norman Malcolm (1993), que


sustenta que as ideias de Wittgenstein sobre os jogos de linguagem encontradas em
Da Certeza (WITTGENSTEIN, 1990b), particularmente aquelas que insistem em sua
própria falta de fundamento, são especialmente válidas para a linguagem através da
qual as crenças religiosas são expressas. Por crença religiosa, Malcolm não significa os
aspectos doutrinários de uma crença em Deus, mas a atitude das pessoas religiosas
em geral, incluindo, por exemplo, a dos budistas, que afirmam que não creem em
Deus. Para Malcolm, a filosofia da religião é interessante porque é o campo onde, por
um lado, há uma forte preocupação em proporcionar demonstrações e um desejo
preeminente de oferecer um fundamento racional a uma forma de vida e, por outro
lado, há uma evidente falha de tal esforço.

Malcolm (1993), juntamente com os outros fideístas wittgensteinianos (PHILLIPS,


1993; HUANG, 1995) e fideístas de modo mais generalizado, mostra uma marcada
aversão por qualquer esforço para elaborar uma teologia que, a partir da observação
do mundo natural, chegaria através do raciocínio à definição das características de
Deus ou, com base no mesmo critério, procurariam avaliar as doutrinas religiosas. Para
ele, é impossível teorizar uma única abordagem epistemológica de diferentes
assuntos, é preciso cada vez usar a abordagem apropriada ao objeto investigado,
reconhecendo assim as limitações e o fracasso de qualquer esforço para estudar o
fenômeno religioso através de abordagens reducionistas e com métodos
emprestados de outras disciplinas.

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Epistemologia da Teologia|

O Fideísmo

Poderíamos, portanto, alegar que a estratégia dos fideístas parece destinada a


evitar o confronto eliminando o terreno comum entre as línguas que permite que
diferentes formas de vida se envolvam no diálogo. Em seu esforço de oposição a uma
tendência perigosa para a homologação de estilos expressivos, os fideístas vão para
o outro extremo, a atitude de acordo com a qual tudo é significativo. Os limites do
fideísmo wittgensteiniano, que em última análise é uma forma de relativismo religioso,
é que ele não pode esperar ser universalmente válido.

De qualquer modo, o fideísmo wittgensteiniano, para Malcolm (2000), é a tese


de que existem vários "jogos de linguagem" diferentes e que, embora seja apropriado
fazer perguntas sobre a justificação dentro de um jogo de linguagem, é um erro
perguntar sobre a justificação de "jogar" o Jogo em questão. Desta forma, a
epistemologia é relativizada aos jogos de linguagem, eles próprios relacionados com
as formas de vida, e é usada para avaliar as afirmações religiosas, sendo menos
rigoroso do que o evidencialismo. Aqui, sugere o autor supracitado, parece haver uma
tese de autonomia e uma tese de incomensurabilidade. A tese da autonomia diz-nos
que as declarações religiosas só devem ser julgadas como justificadas ou não
justificadas pelos padrões implícitos na forma de vida religiosa, e isso pode ser restrito
ainda mais, por exemplo, às formas de vida religiosa do cristianismo, do hinduísmo ou
de qualquer outra religião em particular. A tese da incomensurabilidade nos diz que
as declarações religiosas são diferentes das afirmações científicas ou metafísicas e,
portanto, estamos confundindo usos diferentes da linguagem se julgarmos as
declarações religiosas pelos padrões da ciência ou da metafísica (PHILLIPS, 2016). Se
pressionarmos a tese da autonomia, aproximaremos o fideísmo wittgensteiniano ao
fideísmo de muitos religiosos conservadores, mas se pressionarmos a tese da
incomensurabilidade, o aproximaremos de uma posição liberal extrema, como aquela
de Braithwaite (1986), em que a religião trata de atitudes e não de fatos, o que,
certamente, seria rejeitado pelos religiosos conservadores.

Talvez a crítica mais óbvia ao fideísmo wittgensteiniano seja que, mesmo que se
conceda a teoria subjacente das formas de vida e dos jogos de linguagem, é um fato
histórico, justificado pelos critérios do "jogo" da história, que a maioria dos judeus,
cristãos e muçulmanos pertencem a uma forma de vida com fortes compromissos
metafísicos, e em que declarações tais como "Há um Deus" são intencionadas tanto
como "Há uma estrela com dez vezes a massa do Sol", assim como "Há esperança".
Portanto, o fideísmo wittgensteiniano seria apenas apropriado para religiões como o
Zen Budismo e para algumas vertentes relativamente recentes e liberais do judaísmo

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O Fideísmo

e do cristianismo que rejeitaram o compromisso metafísico tradicional, como em Don


Cupitt (1999).

Bisho (2007) endossa uma versão moderada do fideísmo que ele chama de
"fideísmo jamesiano modesto", segundo o qual às vezes é moralmente (e talvez
epistemicamente) permitido que alguém assuma uma proposição como verdadeira
mesmo quando ela julga corretamente que a proposição não está adequadamente
apoiada por sua evidência total. Parece que Bisho sustenta que a justificação
epistêmica é subsumida sob justificação moral. “A questão da justificabilidade como
aplica-se às crenças de fé é, em última instância, uma questão de justificabilidade
moral [...]". Esta questão de justificabilidade é sobre a justificabilidade epistêmica.
Bisho argumenta assim: nós nos preocupamos com a justificabilidade epistêmica das
crenças de fé porque nós "devemos ter a intenção de, em todas as nossas crenças,
apreender a verdade e evitar o erro", e temos essa intenção por causa das
consequências práticas de nossas crenças (BISHOP, 2007, p. 33).

Bisho (2007) oferece as condições em que é moralmente admissível assumir uma


proposição não adequadamente apoiada como verdadeira. Uma dessas condições é
que a evidência para a proposição seja ambígua. Diferentes gestalts dos mesmos
dados poderiam estar disponíveis (BISHOP, 2013), e quando isso ocorre (e as outras
condições se obtêm), uma pessoa estaria moralmente autorizada a adotar uma das
gestalts e assumir a proposição como verdadeira.

Vejamos como Bisho afirma isso: A evidência [para o Deus teísta clássico] é
"aberta" no sentido de que ela não mostra a verdade da afirmação de que Deus existe
nem a verdade de que sua negação é significativamente mais provável do que não. A
tese descreve ainda esta situação de evidência aberta como "ambiguidade", fazendo
a afirmação de que a evidência total disponível está sistematicamente aberta a duas
interpretações competitivas viáveis - num sentido de "viável" que é difícil de torná-las
totalmente precisas, mas pode ser comparado por analogia com o sentido em que o
desenho do pato-coelho [...] está aberto a duas Gestalts perceptivas viáveis. (2007, p.
71)

Figura - Ilusão de ótica da cabeça de um pato ou de um coelho

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Epistemologia da Teologia|

O Fideísmo

Fonte: JASTROW, Joseph. The mind’s Eye. Popular Science Monthly. v. 54, p. 299-231, 1899.

A posição de Bisho é incompatível com o evidencialismo epistêmico. De acordo


com o evidencialismo epistêmico padrão, a atitude que se encaixa em situações de
ambiguidade evidencial é a suspensão do juízo ou, em um modelo mais refinado, uma
credibilidade de aproximadamente “0,5” (há maneiras com as quais os evidencialistas
lidam com a vaguidade, que não veremos aqui por questões de brevidade). A grosso
modo, as teorias da credibilidade demonstram que a credibilidade de uma teoria
sempre estará entre 0 e 1. O valor de uma estimativa de credibilidade nos diz a
proporção de variabilidade na medida atribuível à pontuação verdadeira
(HEGENBERG, 1965). Uma credibilidade de 0,5 significa que cerca de metade da
variância da pontuação observada é atribuível à verdade e metade é atribuível ao erro
(uma credibilidade de 0,8 significaria que a variabilidade é de cerca de 80% de
capacidade à verdade e 20% de erro, e assim por diante). Assim, embora não esteja
claro se Bisho se considera opositor ao evidencialismo epistêmico, sua posição parece
incompatível com o evidencialismo epistêmico padrão.

Eis porque Bisho não pode estar vendo a si mesmo como opondo ao
evidencialismo. Bisho argumenta contra o "evidencialismo moral" (2007, p. 62), que é
a conjunção do evidencialismo, como mencionado anteriormente, mais o princípio da
conexão moral: alguém é moralmente permitido manter uma crença como verdadeira
apenas se estiver justificada por sua evidência. Bisho parece estar negando o princípio

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Epistemologia da Teologia|

O Evidencialismo

da conexão moral, não o evidencialismo. Além disso, a ambiguidade evidencial de


uma proposição é compatível com o evidencialismo (POSTON, 2009).

C. Stephen Evans (1998) endossa uma versão fraca do fideísmo, uma visão que
ele chama de "fideísmo responsável". De acordo com essa visão, os processos de
raciocínio humano têm a tendência de errar em certos aspectos como resultado do
pecado, e esse erro só pode ser melhorado pela fé. Alguém que tem fé pode
apropriadamente ter uma crença que parece ser irracional por aqueles que não têm
fé, mas isso é de se esperar, e a pessoa que tem fé é, de fato, razoável.

As posições de Evans e de Bisho diferem da forma extrema do fideísmo. Ou seja,


eles são compatíveis com a negação da visão de que alguém pode racionalmente
manter algumas crenças teístas ao contrário do que sua evidência suporta ou sem
qualquer evidência de apoio. Além disso, a visão de Evans é compatível com a negação
da visão de Bishop. A visão de Bishop, como descrevemos, é incompatível com o
evidencialismo epistêmico padrão, mas pode ser que alguns epistemólogos
reformados e evidencialistas epistêmicos tenham os mesmos compromissos que os
fideístas (como Evans) que mantêm uma forma fraca de fideísmo. Discutiremos a
interação entre fideísmo, evidencialismo e epistemologia reformada mais adiante. Na
próxima seção, descreveremos o evidencialismo.

8 O Evidencialismo
O evidencialismo epistêmico é a visão de que um sujeito está justificado em
acreditar em uma proposição somente se estiver adequadamente apoiada por
evidências. O evidencialismo epistêmico é tipicamente formulado em termos de
justificação proposicional. Isso pode ser descrito por condicionais cujos antecedentes
descrevem as experiências do sujeito (amplamente interpretadas) e cujos resultados
indicam que alguma proposição tem algum status epistêmico positivo para essa
pessoa (CHISHOLM, 1974). Alternativamente, ele pode ser descrito por relações de
apoio epistêmicas entre uma proposição-alvo e uma proposição conjuntiva
descrevendo as experiências do sujeito ou crenças básicas ou o conhecimento
(SWINBURNE, 2001). O que não está incluído na justificação proposicional é que um
sujeito realmente acredita na proposição-alvo. Enquanto a justificação proposicional
é uma relação entre proposições ou uma função das experiências para o status
epistêmico, a justificação doxástica é uma propriedade de crenças em que o conteúdo
proposicional da crença é justificado pela evidência do sujeito e, além disso, o sujeito

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O Evidencialismo

está apropriadamente atentivo e corretamente responsivo a essas evidências. O


evidencialismo epistêmico é antes de tudo uma teoria sobre a justificação
proposicional.

Como teoria completa da justificação epistêmica, o evidencialismo epistêmico é


a visão de que um sujeito se justifica em crer uma proposição em algum momento
específico se, e somente se a evidência do sujeito apoia suficientemente essa
proposição naquele momento (e, claro, porque a evidência a suporta). Vale observar
que aquilo que está entre parênteses não é parte oficial da definição do
evidencialismo, pelo menos como definido por seus principais proponentes, Conee e
Feldman (2004). No entanto, eles a endossam como parte do projeto mais amplo do
evidencialismo. Conee e Feldman (2004) declaram o evidencialismo de três maneiras.
Aqui estão duas:

1) EJ - A atitude doxástica D em relação à proposição é epistemicamente


justificada para S em t se e somente se tendo D em relação a corresponde à
evidência que S tem em t. (CONEE; FELDMAN, 2004, p. 83).

2) E - S justifica-se em acreditar-se e somente se a evidência de S está em


equilíbrio, apoia (CONEE; FELDMAN, 2008, p. 83)

“E” e (menos claramente) “EJ”, no entanto, têm um problema com a direção do


bicondicional da direita para a esquerda. Se a evidência de alguém apoia uma
proposição com apenas uma probabilidade de 0.5001, S não se justifica em
(plenamente) acreditar (embora o sujeito se justificaria em manter uma crença parcial
muito tênue em grau 0.5001). O limiar de justificação para a crença (plena) precisa ser
maior do que simplesmente estar em equilíbrio, apoiado por evidências. Se houvesse
uma moeda que tivesse uma probabilidade de 0.5001 de cair com a cara para cima,
eu não estaria justificado em (plenamente) acreditar que em seu próximo giro, que ela
iria cair do mesmo modo.

ES - A justificação epistêmica da atitude doxástica de qualquer pessoa em relação


a qualquer proposição, em qualquer momento, sobrevém fortemente à evidência que
a pessoa tem no momento. (CONEE; FELDMAN, 2004, p. 101).

Eles resumem a “ES” desta forma: o corpo total de evidências de alguém


estabelece inteiramente quais atitudes doxásticas em relação a quais proposições são
epistemicamente justificadas em qualquer circunstância possível.

Locke e outros acrescentam uma tese de proporcionalidade, de que devemos


crer em uma proposição somente na medida, ou no grau em que ela é apoiada por

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Epistemologia da Teologia|

O Conhecimento Religioso e suas Implicações Epistemológicas

nossa evidência. Definimos o evidencialismo aqui sem nos comprometermos com a


tese mais forte da proporcionalidade, mas é uma extensão natural, dada a
gradualidade da crença. Aplicado às crenças sobre Deus, alguém estaria justificado em
acreditar em algo somente se sua evidência apoia o que ela acredita. Ninguém estaria
justificado em acreditar em algo sobre Deus sem evidência suficiente para apoiar essa
crença (KOSLOWSKI, 2009).

9 O Conhecimento Religioso e suas Implicações


Epistemológicas
A religião é uma prática humana complexa que inclui emoções distintas, crenças,
atos e criações artísticas e musicais que expressam e promovem um sentido do
sagrado. As pessoas que pertencem a uma tradição de fé particular geralmente
pensam que têm conhecimento religioso adquirido através da prática de sua religião,
mas suas crenças religiosas formam apenas uma parte da prática. As crenças têm um
papel mais central para algumas pessoas do que para outras, e as crenças são muito
mais importantes em algumas religiões do que em outras.

O Cristianismo e o Islã são religiões doutrinárias cuja prática torna certas crenças
cruciais, enquanto o Budismo é muito menos focado em exigir a crença como parte
da prática. No entanto, uma maneira importante de distinguir uma religião de outra
religião está nas crenças que são características das diferentes tradições religiosas.
Também pode haver crenças que distinguem aqueles que praticam a religião daqueles
que não praticam nenhuma, mas essa diferença é mais difícil de identificar.

Os filósofos epistemólogos se interessam por saber se os ensinamentos de


qualquer religião são verdadeiros porque muitas religiões oferecem respostas às
perguntas que os filósofos fazem: Qual é a origem do mundo material? Qual é a
natureza da pessoa humana? Existe um Deus? De onde vieram o bem e o mal? Existe
uma vida após a morte? Os filósofos fazem essas perguntas fora da prática de
qualquer religião e sem supor que uma ou mais religiões oferecem respostas
verdadeiras a essas perguntas. A filosofia também é uma prática e, embora as regras
da filosofia sejam elas próprias um tema de debate filosófico, é justo dizer que os
filósofos epistemólogos sempre tiveram padrões especialmente fortes para o que
conta como respostas boas às perguntas similares àquelas descritas acima e padrões
especialmente fortes para avaliar as respostas que são propostas. Na medida em que
as crenças de uma prática religiosa competem com as crenças de outra prática sobre

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Epistemologia da Teologia|

O Conhecimento Religioso e suas Implicações Epistemológicas

questões que os filósofos epistemólogos levantam, a epistemologia tenta julgar a


disputa.

Os filósofos quase sempre concordam que você não pode conhecer algo a
menos que seja verdade, mas pode ser razoável para você acreditar em algo mesmo
que seja falso. Por exemplo, pode ser perfeitamente razoável para você acreditar que
o colesterol alto aumenta suas chances de contrair doenças cardíacas, mas se a crença
for falsa, você não a conhece. Assim, acreditar razoavelmente não garante que você
obtenha a verdade, e por isso não garante o conhecimento, como vimos
anteriormente nos casos de tipo-Gettier (GETTIER, 1963).

Também é possível que você obtenha a verdade sem acreditar razoavelmente.


Você pode ser irrazoável, mas sortudo. Então talvez você acredita que beber chá verde
aumenta a longevidade porque você leu em uma propaganda. Mas mesmo que seja
verdade que o chá verde vai fazer você viver mais tempo, você não sabe disso se a sua
fonte é uma simples propaganda. Você não sabe disso porque a crença não é razoável
em tais circunstâncias. Assim, o conhecimento parece requerer alguma combinação
de crer na verdade e crer razoavelmente.

A maneira pela qual a verdade e a crença razoável se separam torna tentador


pensar que os filósofos epistemólogos deveriam fazer uma discussão da razoabilidade
da crença religiosa independentemente de uma investigação da verdade religiosa. Em
outras palavras, a verdade é uma coisa, a razoabilidade é outra, e o conhecimento é
uma combinação de ambas. Se assim for, a verdade religiosa é uma coisa, a
razoabilidade na crença religiosa é outra, e o conhecimento religioso é uma
combinação das duas. Isso pode sim ser basicamente correto até certos limites, vamos
nos concentrar na razoabilidade da crença religiosa e não na sua verdade. Mais
adiante do texto, examinaremos novamente a influente teoria do conhecimento
religioso – a epistemologia reformada – que rejeita a independência da verdade e da
razoabilidade no caso da crença cristã.

9.1 A Crença Religiosa e os Princípios Orientadores da Filosofia Iluminista


Nós empreendemos, até o momento, uma investigação do conhecimento
religioso partindo da filosofia, não da religião, mas não é óbvio que esta é a maneira
correta de proceder. Se pensarmos que devemos começar com um tratamento do
conhecimento fora do domínio da religião, e depois aplicar esse tratamento à questão
do que é o conhecimento religioso e se este é possível, poderíamos acabar com uma

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Epistemologia da Teologia|

O Conhecimento Religioso e suas Implicações Epistemológicas

visão distorcida da natureza do conhecimento religioso. Isso porque os filósofos


geralmente começam com certos casos paradigmáticos de conhecimento, e isso limita
a forma como o conceito de conhecimento é aplicado fora do domínio dos
paradigmas.

Tipicamente, os paradigmas consistem em casos simples de conhecimento


perceptivo, conhecimento baseado na memória e casos incontroversos de
conhecimento científico. Este método cria problemas para a compreensão de muitos
tipos de conhecimento, particularmente o conhecimento moral, o conhecimento que
depende da habilidade e o conhecimento que depende da experiência ou da
sabedoria especial. Se há conhecimento que deriva da sabedoria de algumas pessoas
ou tradições excepcionais, ou que depende de experiências que nem todo ser humano
possui, o conhecimento religioso, sem dúvida, estaria nessa categoria. Mas é difícil
explicar esse tipo de conhecimento se permitimos que os paradigmas padronizados
do conhecimento ditem a maneira como entendemos o conhecimento religioso.

Há razões pelas quais a filosofia contemporânea ainda lida com o projeto


moderno, mesmo que denunciando sua crise, como vemos nos trabalhos de Hegel,
Marx, Husserl e Heidegger, por exemplo (OLIVEIRA, 2001). Uma dessas razões é que
herdamos atitudes e princípios que limitam severamente as fontes de conhecimento
em que confiamos e que estabelecem normas para a correta relação entre as crenças
que aceitamos como razoáveis. A maioria dessas atitudes, como já vimos, surgiu
durante o Iluminismo. Algumas delas são bem conhecidas e muitas vezes debatidas,
mas algumas delas foram tão completamente assimiladas que nem sequer são
notadas. Por exemplo, os estudiosos de Descartes estão bem cientes de que Descartes
era um fundacionalista. Ele pensava que nossas crenças têm uma estrutura como uma
pirâmide invertida, com algumas crenças na base apoiando todo o edifício de nossas
crenças. Para ter a estrutura mais razoável e segura, as crenças fundamentais devem
ser indubitáveis, absolutamente infalíveis (NUNES, 2017; POLÓNIO, 2015). O legado
de Descartes (LENNON, 2011) incluiu uma propensão ao fundacionalismo
extensamente discutida, mas deixou-nos também algo mais: uma suspeita da
autoridade epistêmica e uma falta de confiança na sabedoria das tradições e dos
outros indivíduos (SOUZA FILHO, 2004). Descartes (2004) começa suas Meditações
com um lamento de que as pessoas e as instituições que ele anteriormente tinha
confiado epistemicamente o desapontaram. E seus próprios sentidos o haviam
desapontado. Portanto, sua busca por um novo método de obtenção de
conhecimento baseava-se na perda da confiança epistêmica nos outros e na perda
parcial da confiança em si mesmo. Experiências de perda de confiança na autoridade

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O Conhecimento Religioso e suas Implicações Epistemológicas

e nas tradições eram amplamente difundidas no início do período moderno. O


resultado é que a suspeita da autoridade de todos os tipos está profundamente
enraizada na cultura moderna.

Danilo Marcondes (2010, p. 255) define o projeto moderno como “a busca da


fundamentação da possibilidade do conhecimento e das teorias científicas na análise
da subjetividade, do indivíduo considerado como sujeito pensante, como dotado de
uma mente ou consciência caracterizada por uma determinada estrutura cognitiva,
bem como por uma capacidade de ter experiências empíricas sobre o real, tal como
encontramos no racionalismo e no empirismo, embora em diferentes versões”.

Temos herdado uma outra ideia do Iluminismo que afeta o modo como
abordamos o conhecimento religioso: o igualitarismo intelectual (ZAGZEBSKI, 2012).
Supõe-se comumente que todos nós somos aproximadamente iguais em nossas
capacidades epistêmicas. Qualquer experiência que fundamenta a crença deve ser
uma experiência que qualquer pessoa pode ter. Além disso, supõe-se que ninguém é
especialmente sábio ou, se há pessoas sábias, não podemos identificá-las de uma
forma que seria útil para nós mesmos. Benedito Nunes expressa bem essa herança ao
afirmar que o Iluminismo se caracteriza pela:[...] uniformidade da razão, que ligou
entre, numa só matriz filosófica, essa mesma ideia de Razão – o bom senso cartesiano,
igualmente compartilhado por todos os homens – e a ideia de Natureza – o conjunto
daquelas disposições que, acessíveis ao livre exame analítico, seriam iguais em toda
parte, escapando à força do hábito, ao prestígio da autoridade, às tradições e aos
caprichos das circunstâncias históricas, bem como à influência, considerada
perturbadora, das paixões e dos hábitos [...] também decorreram dela o consensus
gentium, como instância coletiva da razão uniforme, o cosmopolitismo abstrato,
nivelador de todas as diferenças nacionais e todas as particularidades locais, e o
igualitarismo intelectual, que se completou por uma curiosa tendência anti-
intelectualista, que defendia a posse pacífica, pela simples aplicação do bom senso,
de verdades essenciais, acessíveis, em igual medida, aos cidadãos civilizados europeus
e aos selvagens [...] (NUNES, 1985, p. 56)

Portanto, se existem comunidades epistêmicas, elas não têm estrutura de


autoridade, não há tradições confiáveis e não há pessoas a quem o resto de nós deva
depender de seus insights (visão clara, repentina, comumente intuitiva, de um
problema e sua resolução). Tanto o igualitarismo intelectual como a suspeita moderna
da autoridade são componentes importantes do liberalismo político.

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O Conhecimento Religioso e suas Implicações Epistemológicas

Assim, a suspeita da autoridade epistêmica e o igualitarismo intelectual têm


raízes na teoria política moderna, bem como na epistemologia. Esses aspectos da
prática filosófica geralmente não são debatidos porque são tomados como
garantidos.

Há muitas maneiras diferentes em que esses princípios e atitudes afetam a


maneira como os filósofos se aproximam da razoabilidade da crença religiosa e da
possibilidade do conhecimento religioso. Por exemplo, geralmente não é observado
que as discussões sobre a justificação da crença religiosa, pelo menos desde Hume
(1992, 2009), assumem duas formas diferentes de fundacionalismo. Primeiro, assume-
se que a crença teísta é a base para todas as outras crenças religiosas. Em segundo
lugar, supõe-se que as crenças são o fundamento da religião. A religião é uma prática
em que as crenças vêm em primeiro lugar e o resto da prática, incluindo emoções,
atos e rituais religiosos, derivam sua justificação da justificação independente das
crenças religiosas.

Álvaro Nunes (2017, p. 7) explica o que é o Fundacionalismo da seguinte maneira:


“A ideia base do fundacionismo é a de que justificamos as nossas crenças apelando a
outras crenças que são mais básicas, até chegarmos a crenças tão básicas que não
seja possível ou razoável procurar justificá-las através de outras crenças. Assim, de
acordo com o fundacionismo há dois tipos de crenças, as básicas, ou fundacionais, e
as não básicas, ou não fundacionais. As crenças não fundacionais são crenças que,
para que sejam consideradas conhecimento, têm de ser justificadas por outras
crenças. As crenças fundacionais, evidentemente, são as crenças que justificam as
crenças não fundacionais. Para o fundacionismo, o conhecimento é como um edifício
de crenças, em que as crenças mais básicas suportam as outras, da mesma forma que
os andares inferiores de um edifício suportam os outros”.

Essas duas formas de fundacionalismo, juntamente com o igualitarismo


intelectual e a suspeita da autoridade, explicam uma linha de pensamento sobre a
religião que persiste desde o Iluminismo. Esta linha de pensamento conduz a uma
dúvida geral sobre a razoabilidade da crença religiosa. Ela pode ser descrita da
seguinte forma:

(1) A justificação da prática da religião depende da justificação das crenças


religiosas.

(2) A justificação das crenças religiosas depende da justificação do teísmo.

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O Conhecimento Religioso e suas Implicações Epistemológicas

(3) A justificação do teísmo depende do sucesso de argumentos cujas


premissas devem ser acessíveis a qualquer pessoa inteligente ordinária. Nenhuma
experiência especial pode ser assumida, e nenhuma confiança na autoridade pode
ser realizada.

9.2 A Analogia Perceptual e a Possibilidade do Conhecimento Teísta


Direto
Para avaliar o caso apresentado para mostrar que as crenças teístas são
inferenciais e, portanto, não candidatas a ser diretamente justificadas (ou
conhecimento direto), compare-a à percepção. Suponha que argumentemos que
alguém somente está indiretamente justificado em acreditar que existe um campo
verde à sua frente, uma vez que ele acredita nisso com base na crença de que há
grama, uma superfície com textura verde, e assim por diante. Devemos aceitar isso?
Provavelmente não. Normalmente não temos essas crenças quando acreditamos que
há um campo verde diante de nós, mesmo se o vemos, vendo a sua superfície
gramada.

No entanto, o assunto é muito mais complicado do que isso. Pode-se argumentar


que, uma vez que Deus é infinito e não físico, não se pode conhecer Deus através da
experiência. Mas este argumento é falho. Mesmo se um córrego fosse infinitamente
longo, eu ainda poderia vê-lo, ao ver parte dele. Ver uma coisa infinita não é ver a sua
infinitude.

Mas, se ao ver o fluxo não estamos vendo seu infinito, então como isso pode ser
visto como base para saber que o fluxo é infinito? Da mesma forma, se Deus é
experienciado, como a experiência pode revelar que é Deus que está sendo
experienciado? O problema não é que Deus é não físico. O não físico pode ser
facilmente experienciado, e de fato de forma direta. Assim, minha experiência de meu
próprio pensamento presumivelmente não precisa ser de algo físico, mesmo que de
fato seja de algo físico, digamos um processo cerebral. E mesmo que deva ser físico,
por causa de alguma conexão necessária que pode conter entre o mental e o físico,
esta experiência não é de meus pensamentos como sendo físicos.

O problema, então, não é que não possa haver experiência, até mesmo
experiência não mística de Deus. É, ao menos em parte, que se for possível alguém
experienciar, digamos, o falar de Deus, não estaria claro como este alguém poderia
saber (ou crer justificadamente) que é Deus falando. Como alguém saberia que não

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O Conhecimento Religioso e suas Implicações Epistemológicas

estava tendo uma experiência meramente interna, como falar a si mesmo numa voz
que se pensa ser de Deus, ou até mesmo alucinar uma voz divina?

Em parte, a questão é como alguém pode reconhecer a Deus. Claramente, isso


requer ter um conceito de Deus. Mas isso é adquirível sem já ter conhecimento da
existência de Deus. Também se precisa de um conceito de, por exemplo, uma sonata
para reconhecer uma quando a ouvimos. Estes conceitos são muito diferentes, mas
qualquer um deles pode ser adquirido sem realmente se saber (ou se ter
experienciado) da existência daquilo que representa.

Aqui é importante recordar a analogia perceptual. Por que seria menos provável
que fosse alucinatória minha experiência de olhar para o campo verde? É verdade que
há uma diferença: podemos, com todos os outros sentidos, verificar que vemos um
campo gramado, enquanto que Deus parece perceptualmente acessível, no máximo,
à visão e à audição – presumivelmente indiretamente, já que Deus é visto em coisas
apropriadas e ouvido através de vozes ouvidas, quem sabe por vozes internas, que
não são literalmente a voz de Deus (pelo menos se a voz de um ser deve estar
fisicamente fundamentada em uma incorporação física, embora, mesmo nesse caso,
alguns diriam que a voz de Deus estava fisicamente incorporada em Cristo).

Mesmo se Deus for acessível à visão e à audição apenas indiretamente, não segue
disso que o conhecimento e a crença sobre Deus sejam indiretos. Como podemos ver
na teoria do sense-datum (dados sensoriais), podemos saber uma coisa através de
outra sem inferir fatos sobre a primeira de fatos sobre a segunda (RUSSELL, 2008).
Assim, a força dessa diferença entre a possível acessibilidade perceptual de Deus e
aquela dos objetos físicos pode ser exagerada.

Certamente não é verdade que a experiência sensorial só pode ser confiável


quando a verificação por todos os outros sentidos é possível. Se fosse assim, não
poderíamos justificadamente acreditar que vemos um feixe de luz que é
perceptualmente acessível apenas à nossa visão.

Os dados sensoriais são os supostos objetos dependentes da mente de que


estamos conscientes diretamente na percepção e que possuem exatamente as
propriedades que parecem ter. Por exemplo, os teóricos dos dados sensoriais, como
Moore, Russel, Price e Ayer, dizem que, ao ver um tomate em condições normais,
forma-se uma imagem do tomate na mente. Esta imagem é vermelha e redonda.
Muitos filósofos, como Sellars, Ryle, Quine e McDowell rejeitaram a noção de dados
sensoriais, seja porque acreditam que a percepção nos dá uma percepção direta dos
fenômenos físicos, em vez de meras imagens mentais, ou porque acreditam que os

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fenômenos mentais envolvidos na percepção não têm as propriedades que nos


parecem (por exemplo, eu poderia ter uma experiência visual representando um
tomate vermelho, redondo, mas minha experiência não é ela mesma vermelha ou
redonda). Defensores de dados sensoriais argumentaram, entre outras coisas, que os
dados sensoriais são necessários para explicar fenômenos como a variação
perspectiva, a ilusão e a alucinação. Os críticos dos dados sensoriais opuseram-se ao
compromisso da teoria com o dualismo mente-corpo, aos problemas que levanta para
o nosso conhecimento do mundo externo, à sua dificuldade em localizar os dados
sensoriais no espaço físico e ao seu aparente compromisso com a existência de
objetos com propriedades indeterminadas (BLACKBURN, 1997).

9.3 Problemas da Abordagem Experiencialista


Há muitas outras questões relevantes aqui. Tomemos primeiro uma questão
psicológica do tipo relevante para a epistemologia. Será que as pessoas realmente
acreditam diretamente que, digamos, Deus está falando com elas, ou tal crença é
baseada – mesmo que não de modo autoconsciente – em acreditar que a voz em
questão tem certas características, nas quais as pessoas creem que indicam a fala de
Deus? (VALLE, 1998). Em segundo lugar, por que é relevante a possibilidade de
corroboração por outras pessoas – o que poderíamos chamar de justificação social?
(MÜLLER; RODRIGUES, 2013).

Será que de fato importa para a justificação experiencial de acreditar em Deus,


por exemplo, que não seja qualquer pessoa normal que possa ver Deus na beleza da
natureza, enquanto que qualquer pessoa normal possa ver um campo verde? Ou este
contraste é atenuado pelas diferenças marcadas na acuidade perceptual que
encontramos entre pessoas claramente normais, particularmente em questões
complicadas como a percepção estética na música e na pintura, onde o que é ouvido
ou visto diretamente não pode ser visto nem ouvido sem a prática e a sensibilidade?

Uma questão relacionada aqui é o possível papel do testemunho como fonte


social de justificação direta (LACKEY; SOSA, 2011). Se é verdade que as crenças
baseadas no testemunho são geralmente diretas, então talvez certo testemunho teísta
por alguns forneça conhecimento de Deus para outros. Mesmo que supuséssemos
que poucas pessoas têm conhecimento teísta ou crença teísta justificada (pelo menos
"de primeira mão"), pode-se argumentar que as correntes de testemunho relevantes
podem se estender a muitas pessoas – seja durante um determinado período de

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tempo ou, onde há uma comunidade de crentes, através do tempo estendendo-se


por milhares de anos.

Certamente, a justificação parece diferente do conhecimento aqui, pelo menos


na medida em que o sujeito deve ter justificativa para acreditar em alguém como
requisito para adquirir justificação do que foi atestado (LUZ, 2013). Mas talvez, os
crentes religiosos muitas vezes têm essa justificativa para aceitar o testemunho em
assuntos religiosos. Pelo menos não é óbvio, por exemplo, que, para estar justificado
nas crenças religiosas com base no testemunho, eles devem ter uma espécie de
justificação que está fora do seu alcance como pessoas racionais (ZAGZEBSKI, 2012).

Seja qual for o lugar do testemunho para fornecer conhecimento ou justificação


teísta, pode-se expandir as possibilidades para experiência direta de Deus. Poderia
Deus ser visto, não necessariamente da maneira etérea e direta como os místicos às
vezes imaginam, mas de uma maneira mais comum e não menos direta? Se assim for,
há mais terreno para testemunhar, bem como menos necessidade do testemunho
como fonte de conhecimento ou justificação teísta (JAMES, 1995).

E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.

Afinal, se a natureza é a obra de Deus – talvez o trabalho contínuo de Deus –,


poderia haver um sentido no qual Deus é visto nela por aqueles com a sensibilidade
apropriada? Uma sensibilidade especial é necessária até mesmo para ver a beleza em
uma pintura. Com certeza, a relação da beleza com a pintura que a possui é diferente
da relação de Deus com a natureza concebida como reveladora de Deus. O ponto, no
entanto, é apenas que uma sensibilidade especial pode ser necessária para a
percepção teísta, e não que seja exatamente como a percepção estética (ROCHA,
2010).

A sugestão não é que a natureza é em parte constitutiva de Deus, pelo menos


não da maneira que a forma e a textura pelas quais eu percebo uma árvore são em
parte constitutivas dela. Ainda assim, poderia a natureza ser parcialmente constitutiva
de Deus? Se assim for, então perceber diretamente a Deus pode, de certo modo, ser
muito fácil. Não se poderia ver uma bela paisagem sem ver Deus, embora se pudesse
ver a paisagem sem vê-la como manifestando Deus.

As dimensões dessas questões se ampliam rapidamente e até mesmo os muitos


pontos que surgiram não nos permitem determinar com alguma confiança se pode
haver crenças religiosas diretamente justificadas. Muitas vezes foi considerado óbvio
que não pode haver, entretanto, é importante ver porque não é realmente óbvio. Na

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O Conhecimento Religioso e suas Implicações Epistemológicas

melhor das hipóteses, é muito difícil estabelecer restrições absolutas sobre quais tipos
de crenças podem ser justificadas diretamente (SWEETMAN, 2013). Isso vale até
mesmo se a única maneira pela qual as crenças podem ser justificadas diretamente
seja em virtude de sua fundamentação nas fontes básicas de justificação (LUZ, 2013).

9.4 Justificação e Racionalidade


Este tema sobre justificação teísta, às vezes, é chamado de questão de fé e razão.
Ao discutir essa questão, a razão – acima de tudo a racionalidade na manutenção de
crenças religiosas – é comumente considerada como sendo aproximadamente
equivalente à justificação. Podemos considerar, no entanto, que, embora uma crença
justificada deva ser racional, uma crença racional que não esteja manifestamente
injustificada não precisa ser justificada positivamente (SENOR, 1995). Considere a
crença de que alguém gosta de você. Pode ser racional com base em um vago sentido
"intuitivo" antes de ser justificada pela evidência.

Além disso, a justificação parece mais ligada a justificadores específicos do que


à racionalidade a qualquer análogo de um justificador (LUZ, 2013). Se eu acredito
justificadamente que há um copo frio na minha mão, minha justificação é
(principalmente) minhas sensações táteis. Se eu acreditar racionalmente que uma
pintura é bela, não precisa haver nada comparável no modo de uma base sensorial.
Devo ter sensações de cor, mas não há nenhuma sensação especificamente da beleza
como há do copo frio.

Talvez a racionalidade em sua maior parte pertença às crenças que são


amplamente consoantes com a razão e contrastam principalmente com aquelas que
são irracionais (GERT, 1998), enquanto que as justificadas contrastam principalmente
com as injustificadas. Uma crença injustificada – como muitos filósofos descobriram à
sua própria maneira – não precisa ser irracional. Além disso, a justificação não só
contrasta com a irracionalidade, mas parece sempre traçar algum tipo de
fundamentação específica e adequada.

Em adição, há pelo menos um aspecto em que a justificação representa um


padrão normativo menos permissivo que a racionalidade. A mera ausência de
condições que tornariam uma crença injustificada não implica que ela esteja
justificada, mas, no máximo, pode-se suspender o julgamento de sua negação em
oposição a estar justificado em descrer a proposição em questão (acreditando que ela
seja falsa). Mas, uma pessoa racional, na ausência de condições que tornariam

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Epistemologia da Teologia|

O Conhecimento Religioso e suas Implicações Epistemológicas

irracional manter uma crença, ao menos em conjunto com certos padrões


experienciais ou sociais que a favorecem, tende a implicar que ela é racional

(ALSTON, 1989). Posso racionalmente acreditar que uma pintura é bela se


parece-me assim e eu não posso encontrar nenhuma razão do contrário. Não posso
crer justificadamente nisso sem algum fundamento (embora o fundamento possa ser
apenas uma sensação de que é como outras pinturas foram amplamente consideradas
belas por observadores competentes). Se a racionalidade é uma noção normativa mais
fraca – isto é, mais permissiva – do que a justificação, ela ainda fornece um status
positivo significativo que uma crença teísta pode ter mesmo que não seja justificada
(SENOR, 1995). Esse é um ponto importante. As crenças científicas, morais e de outros
tipos também podem alcançar a racionalidade mais facilmente do que a justificação,
mesmo que, quando o fazem, é comumente um estágio no caminho da justificação.

Em qualquer caso, se a racionalidade é possível sem justificação, mas é implícita


por ela, uma conclusão plausível é que os fundamentos experienciais e racionais que
produzem justificação podem, mesmo quando não possuem peso suficiente para
render a justificação, ainda assim render uma crença baseada neles sendo racional.
Uma crença teísta poderia então ser racional, mesmo se não justificada. Poderia haver,
certamente, alguma consideração que pesasse no sentido da justificação, e
poderíamos falar aqui de algum grau de justificação. Mas como os exemplos que nós
exploramos anteriormente mostram, pode-se ter algum grau de justificação para uma
proposição sem se ter uma justificativa geral para crer nela.

Se a racionalidade é uma noção normativa mais fraca – isto é, mais permissiva –


do que a justificação, ela ainda fornece um status positivo significativo que uma crença
teísta pode ter mesmo que não seja justificada. Os fundamentos experienciais e
racionais que produzem justificação podem, mesmo quando não possuem peso
suficiente para render a justificação, ainda assim render uma crença baseada neles
sendo racional

Esses pontos sobre a diferença entre justificação e racionalidade não mostram


que alguém de fato tenha crenças teístas racionais, ou até mesmo que crenças
científicas ou morais sejam sempre racionalmente mantidas. Mas se a racionalidade é
uma noção mais fraca do que a justificação, pelo menos haveria melhor razão para se
pensar que isso é assim do que haveria se os requisitos para a racionalidade fossem
tão fortes quanto os da justificação. Em particular, qualquer que seja o peso das
considerações que vimos favorecendo a possibilidade de justificação de crenças

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Epistemologia da Teologia|

Aceitação, Presunção e Fé

religiosas, essas considerações pesam mais fortemente em favor da possibilidade da


racionalidade de tais crenças (STUMP, 1993).

10 Aceitação, Presunção e Fé
Não precisamos explorar a justificação ou a racionalidade nesse domínio apenas
em termos de crença. A crença tem sido absolutamente dominante na maioria das
discussões epistemológicas da cognição, mas não é a única atitude cognitiva que
levanta questões epistemológicas ou é avaliável em relação à justificação ou
fundamentos de apoio. Há atitudes mais fracas do que a crença no grau de convicção
que elas implicam, mas suficientemente fortes nessa dimensão psicológica para guiar
o pensamento e a ação. Alguns filósofos consideram a aceitação desta maneira
(STUMP, 1993). Aceitar uma hipótese científica, nessa terminologia não implica
acreditar nela, mas pode levar alguém a comprometer-se a usar a hipótese – digamos,
como a hipótese de que determinada doença é causada por uma química em
particular.

Da mesma forma, no âmbito da ética se pode presumir a verdade de uma


proposição moral (TRASFERETTI; MILLEN; ZACHARIAS, 2015), digamos que um
determinado trabalho envolveria alguém em um conflito de interesses, sem que de
fato acredite nisso. E na teologia, pode-se ter fé (STUMP, 1993) de que, por exemplo,
Deus é soberano no universo, sem crer nisso de modo absoluto – embora, é claro, que
não se pode ter fé que isso é assim se alguém não acredita. Em todos os três casos –
a aceitação, a presunção e a fé – não se pode ter dúvidas muito fortes sobre a
proposição, mas se pode ter ou entreter algum grau de dúvida, de um modo que não
se poderia ter se alguém realmente acreditasse.

Parece claro que o peso da evidência ou fundamentação necessária para


justificação ou racionalidade será menor para essas atitudes que não implicam crença
do que para a crença. Por exemplo, a fé de que um amigo vai se recuperar de uma
doença pode ser racional quando a situação é muito desoladora para uma crença
justificada de que a recuperação ocorrerá. Eu poderia ser perfeitamente razoável, até
onde as evidências me permitem ir, em ter fé onde eu estaria injustificadamente
minimizando os fatos se eu acreditasse que a recuperação ocorreria. E posso aceitar
uma hipótese, pelo menos para fins de determinar como pensar e agir em uma
questão urgente, quando seria de fato prematuro acreditar. Com certeza, a fé religiosa
difere de maneira significativa do tipo de fé que acabamos de descrever, mas o ponto

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Epistemologia da Teologia|

A falácia da composição

principal ainda se aplica: quaisquer que sejam os fundamentos necessários para uma
crença teísta justificada, fundamentos mais fracos bastarão para a fé teísta com o
mesmo conteúdo.

11 A falácia da composição
À medida que o debate continuou, Russell acusou Copleston de cometer uma
falácia lógica – a falácia da composição. Veja como a objeção é feita: só porque as
partes de um todo têm um atributo específico (tais como ser contingente), não segue
daí que o todo também tenha esse atributo. Vários exemplos podem ser citados para
demonstrar o ponto. Por exemplo, apesar de todas as pedras que formam a parede
de um castelo medieval sejam pequenas, não segue disso que a parede do castelo
medieval também seja pequena. Assim também com o universo, argumenta-se, só
porque cada parte que o compõem é contingente, e, portanto, em necessidade de
uma explicação causal, não segue disso que o todo é contingente e, portanto, em
necessidade de uma explicação causal.

Os defensores do argumento cosmológico respondem, argumentando que esta


analogia do castelo é defeituosa. Uma analogia mais acurada, eles mantêm, é a
seguinte: uma vez que a parede do castelo medieval é feita de pedras, a mesma é uma
parede de pedra do castelo. Ou seja, uma vez que todas as partes que compõem esta
parede do castelo são pedras, a parede como um todo é de pedra. Assim também
com o universo, uma vez que cada uma das partes que o compõem é contingente, o
conjunto deve ser contingente também. Os objetores discordam, e o debate então
gira em torno de qual tipo de analogia melhor reflete o universo e suas partes
constituintes.

12 Explicando as Partes de um Todo Explica o Todo em Si


Mesmo
Uma objeção relacionada com a anterior é que, se as partes individuais que
formam uma coisa são todas explicadas, então, a coisa toda em si mesma é explicada
também. O historiador e filósofo escocês David Hume (1711-1776) escreveu uma
obra-prima em filosofia da religião intitulada Diálogos sobre a religião natural (1992).
Ao fazer este tipo de objeção, Hume afirma o seguinte: Mas o todo, você diz, precisa
ter uma causa. Minha resposta é que a união dessas partes em um todo, assim como

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Epistemologia da Teologia|

Quem Causou Deus a Existir?

a união de várias províncias diferentes em um reino, ou de vários membros distintos


em um corpo, realiza-se simplesmente por um ato arbitrário da mente e não tem
influência sobre a natureza das coisas. Se eu lhe tivesse mostrado as causas
particulares de cada indivíduo de uma coleção de vinte partículas materiais, seria
muito pouco razoável que você me perguntasse, a seguir, pela causa das vinte como
um todo. Pois ela já foi suficientemente explicada ao se explicarem as causas das
partes (HUME, 1992, IX, p. 123).

Hume está certamente correto que por vezes é o caso que uma explicação sobre
as partes de uma coisa explica o todo do qual as partes consistem, pelo menos em
um nível. Usando o seu próprio exemplo referindo-se a um reino particular, uma
explicação para "Por que isso é um reino?" Poderia ser "Porque há várias províncias
unidas". Mas, é claro, em outro nível esta resposta é incompleta. Pode-se também
buscar razoavelmente a causa por que as províncias foram, de fato, unidas umas às
outras para formar o reino, pois os reinos são os tipos de coisas que envolvem a união
de províncias por razões específicas. Portanto, esta analogia, bem como a que ele usa
sobre os membros de um corpo, não parecem funcionar no modo como Hume havia
imaginado.

Para que possamos afirmar que o universo como um todo não precisa de uma
causa, parece que teríamos de afirmar que os indivíduos contingentes do qual a série
consiste também não precisam de causas. Mas isso seria simplesmente afirmar que
eles não são contingentes afinal de contas. De fato, alguns sustentam a visão de que
não existem seres contingentes, e o fazem isso por várias razões. Uma destas razões
oferecidas é que os termos “contingente” e “necessário” carecem de sentido.

13 Quem Causou Deus a Existir?


Pode-se objetar que, se o universo como um todo precisa de uma explicação
porque a série contingente da qual ele consiste precisa de uma explicação, então
assim também Deus precisa de uma explicação. Por outro lado, se Deus não precisa
de uma causa, então a série contingente que compõe o universo não precisa de uma
causa também.

Em resposta, os defensores do argumento concordam que a série causal deve


parar em algum lugar – deve haver uma explicação fundamentadora. No entanto, por
definição, coisas contingentes necessitam causas, ao passo que as coisas necessárias
não. Assim, por definição, Deus (como um ser necessário não contingente) não precisa

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Epistemologia da Teologia|

Duas Supostas Evidências Científicas Para o Início do Universo

de uma causa. Isso significa que, por definição, Deus é a causa não causada que explica
a série contingente que compõe o universo. Se Deus realmente existe ou não é uma
questão separada desta resposta à objeção; ela só está afirmando uma definição
comumente aceita de Deus, e, em seguida, observando que tal definição, de fato,
fornece uma explicação fundamentadora para a série que de outra forma seria
inexplicável.

14 Duas Supostas Evidências Científicas Para o Início do


Universo
O universo é grande tanto no espaço como no tempo e, durante grande parte
da história da humanidade, estava além do alcance de nossos instrumentos e nossas
mentes. Isso mudou dramaticamente no século XX. Os avanços foram conduzidos
igualmente por ideias poderosas da relatividade geral de Einstein às teorias modernas
das partículas elementares e instrumentos poderosos dos refletores de 100 e 200
polegadas que George Ellery Hale construiu, que nos levou além da nossa Via Láctea,
ao Telescópio Espacial Hubble, que nos levou de volta ao nascimento das galáxias. Ao
longo dos últimos 20 anos, o ritmo do progresso acelerou com a percepção de que a
matéria escura não é feita de átomos comuns, a descoberta da energia escura e o
surgimento de ideias ousadas, como a inflação cósmica e o multiverso.

O universo de 100 anos atrás era simples: eterno, imutável, consistindo de uma
única galáxia, contendo alguns milhões de estrelas visíveis. A imagem hoje é mais
completa e muito mais rica. O cosmos começou há 13,7 bilhões de anos atrás com o
Big Bang. Uma fração de segundo após o início, o universo era uma sopa quente e
sem forma das partículas, quarks e léptons mais elementares. À medida que expandiu
e arrefecia, camada em camada de estrutura desenvolveu: nêutrons e prótons, núcleos
atômicos, átomos, estrelas, galáxias, aglomerados de galáxias e, finalmente,
superaglomerados. A parte observável do universo está agora habitada por 100
bilhões de galáxias, cada uma contendo 100 bilhões de estrelas e provavelmente um
número similar de planetas. As próprias galáxias são mantidas unidas pela gravidade
da misteriosa matéria escura. O universo continua a se expandir e, de fato, o faz em
um ritmo acelerado, impulsionado pela energia escura, uma forma de energia ainda
mais misteriosa, cuja força gravitacional repele em vez de atrair.

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Duas Supostas Evidências Científicas Para o Início do Universo

Neste contexto podemos ao menos, para o nosso propósito argumentativo,


apresentar duas das evidências científicas mais recorrentes nos textos científicos de
cosmologia sobre a origem do universo.

14.1 Evidência 1: A Segunda Lei da Termodinâmica


Uma das leis mais estabelecidas da ciência hoje é a segunda lei da
termodinâmica. A entropia é fundamental para esta segunda lei, que é entendida
como sendo a medida da energia indisponível, ou distúrbio, num sistema fechado. Um
exemplo de entropia seria a medida da diminuição de energia térmica numa brasa. À
medida que a brasa arrefece, a energia na madeira dissipa-se enquanto o calor se
dispersa no ambiente circundante. De acordo com a segunda lei, a quantidade de
energia disponível em um sistema termodinâmico fechado – um sistema no qual
nenhuma nova massa ou energia é posta – diminui ao longo do tempo. Se o universo
é um sistema termodinâmico fechado, a entropia do universo está aumentando ao
longo do tempo. Para colocá-lo de forma diferente, a quantidade de energia
disponível e de ordem no universo está diminuindo ao longo do tempo. Como tal, irá
acabar por atingir um estado de equilíbrio termodinâmico (neste caso, tal equilíbrio
significaria que a temperatura se manteria constante). Todas as estrelas quentes no
universo, por exemplo, eventualmente acabariam por se esfriar e permaneceriam
estáveis a uma temperatura constante – não gastando mais energia de calor. O
universo acabará por chegar a um estado de equilíbrio termodinâmico e de desordem
máxima, o que alguns se referem como a “morte térmica" do universo (SWEETMAN,
2001). A questão, então, levantada pelos proponentes do Kalam, é esta: “Por que o
universo já não chegou a este estado de equilíbrio termodinâmico?"

Considere a seguinte analogia. Suponha que você entra em uma sala e vê uma
xícara de café expresso posta sobre a mesa perante de você. Você pondera quanto
tempo ela está posta ali e então, enquanto ninguém está olhando, você toma um gole.
Você descobre que o café ainda está quente. Você, então, concluiria que a xícara de
café estava ali por meses, semanas ou até mesmo dias? Claro que não. Por que não?
Por causa da segunda lei da termodinâmica e da entropia; a energia térmica no café
não foi totalmente dissipada, e por isso não poderia ter estado lá por muito tempo.
Uma vez que o universo ainda está "quente" (note a estrela quente no nosso próprio
sistema solar, por exemplo – o sol), ele não poderia ter existido para sempre ou ele
também já teria "esfriado" há muito tempo. Portanto, o universo não poderia ter

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Epistemologia da Teologia|

Duas Supostas Evidências Científicas Para o Início do Universo

existido para sempre; ele deve ter um começo. Nem todos concordam com esta
conclusão, é claro.

14.2 Evidência 2: A Teoria do Big Bang


Um segundo tipo e evidência científica oferecida para o início do universo é a
teoria do Big Bang. Por muitos séculos, os astrônomos e cientistas geralmente
aceitaram que o Universo era estático – que era estacionário e não em expansão, pelo
menos não em qualquer sentido significativo. No entanto, no início de 1900, uma série
de observações científicas muito importantes estava ocorrendo e que mudariam o
velho paradigma. Uma dessas observações foi do astrônomo Vesto Slipher (1875-
1969), em 1914. Ele observou que um número de nebulosas (uma nebulosa é uma
massa difusa de gás ou poeira interestelar) foi se afastando da Terra variando em altas
taxas de velocidade. Os astrônomos da época não sabiam o que fazer com esta
descoberta observacional e seu significado passou despercebido.

Então, na década de 1920, o astrônomo Edwin Hubble (1889-1953) – usando um


grande telescópio de 100 polegadas – observou que as nebulosas observadas por
Slipher eram na verdade galáxias muito além de nossa própria galáxia Via Láctea e
que elas estavam, de fato, se movendo mais longe em distância e em altas velocidades.
Veja como Hubble demonstrou esta recessão de galáxias. Ele estava estudando a luz
de galáxias distantes, e ele observou que as cores (cores entendidas como
comprimentos de onda de luz) emitidas por estas galáxias não se encaixavam com os
comprimentos de onda esperadas. Em vez disso, elas se deslocaram para a
extremidade do espectro vermelho, e este desvio para o vermelho (redshift) da luz das
galáxias aumentava numa proporção direta a distância em que as galáxias foram
localizadas. Este efeito redshift observacional combinava com as concepções teóricas
que os cosmólogos já tinham sugerido – que o universo estava realmente em
expansão.

A evidência observacional de Hubble, juntamente com os postulados teóricos,


causou a maioria dos cosmólogos atuais a concordarem que o universo se originou
em uma singularidade infinitamente densa e que, a partir deste início inicial, o próprio
espaço se expandiu com a passagem do tempo (veja a Figura 3). Como o físico teórico
Stephen Hawking (1942- ) expressa: "Quase todo mundo agora acredita que o
universo, e o próprio tempo, teve um começo no Big Bang” (HAWKING; PENROSE,
1997, p. 20).

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Epistemologia da Teologia|

A Causa do Universo É um Deus Pessoal?

Stephen Hawking é Professor Lucasiano de Matemática da Universidade de


Cambridge (uma posição mantida por Sir Isaac Newton). Ele é amplamente
reconhecido como o mais físico teórico brilhante desde Einstein. Sua pesquisa
centrou-se principalmente sobre as leis básicas que governam o universo e, junto com
Roger Penrose, ele mostrou que a Teoria da Relatividade Geral de Einstein implica que
o espaço e o tempo tiveram um começo no Big Bang e irão acabar em buracos negros.
Ele já publicou tantos artigos acadêmicos e livros populares, incluindo o best-seller
Uma breve história do tempo (2015).

15 A Causa do Universo É um Deus Pessoal?


De acordo com a cosmologia do Big Bang, antes do início do universo não havia
tempo, espaço, matéria ou energia, e, portanto, nenhuma mudança de um estado de
coisas para outro. Mas em tal estado, como pode um primeiro evento ocorrer? Poderia
surgir espontaneamente e sem uma causa? Isto pareceria ser menos do que razoável.
Outra possibilidade é que é um evento pessoal em que um agente escolhe livremente
agir. Esta é a resposta teísta: um Deus pessoal atemporal, sem espaço, sem matéria,
trouxe o universo à existência por sua própria escolha livre. Deste ponto de vista, a
decisão de Deus de criar o universo não foi determinada por uma causa anterior. Pelo
contrário, foi um evento autocausado deliberadamente escolhido por um Deus
pessoal para uma razão (não determinativa) ou conjunto de razões (ABBAGNANO,
2007; O’CONNOR, 2000).

Mas a ideia de um evento de autocausado – e de forma mais ampla o que é


referido como "causação por agente" (BONJOUR; BAKER, 2010) – tem seu próprio
conjunto de dificuldades, não sendo a menor delas a questão de que um evento
autocausado parece ser um evento não causado. Se assim for, postular um Deus
pessoal como a primeira causa não resolve nada.

Outra possibilidade é que não há um agente causal externo ao nosso universo


que é pessoal, mas não é Deus (pelo menos no sentido tradicional). Talvez um ser
pessoal, mas finito de fora do universo causou a singularidade Big Bang. No entanto,
dadas as constrições do modelo padrão do Big Bang, tal ser necessitaria ser imaterial
e atemporal, e estas são propriedades que os ateus consideram onerosas.

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Epistemologia da Teologia|

Ajuste Fino

16 Ajuste Fino
Alguns estudiosos que acreditam que as estruturas meios-para-fins,
aparentemente propositais no reino da biologia, podem ser totalmente explicadas por
processos evolutivos naturais, também sustentam que certos aspectos não biológicos
ou inorgânicos do universo são mais bem explicados por meio de um designer
inteligente. Alguns argumentaram que as leis fundamentais e os parâmetros da física
e as condições iniciais do universo são extraordinariamente equilibradas – ou
"ajustadas finamente" – com as condições precisas e ideais para a vida ocorrer e
florescer. Robin Collins (2013), por exemplo, um dos defensores mais importantes do
argumento teleológico do ajuste fino, afirma que "as condições iniciais do universo
são equilibradas no ‘fio de uma navalha’” para a existência da vida. Dezenas de tais
parâmetros e condições foram propostos, incluindo os seguintes, descritos por Collins
(1999):

1) Se a explosão inicial do big bang diferisse em força por tão pouco


quanto uma parte em 10, o universo teria rapidamente entrado em colapso sobre
si mesmo ou expandido rápido demais para que as estrelas pudessem se formar.
Em ambos os casos, a vida seria impossível. (Como John Jefferson Davis aponta,
uma precisão de uma parte em 10 pode ser comparada ao disparar uma bala em
um alvo de uma polegada no outro lado do universo observável, vinte bilhões de
anos luz de distância, e acertar o alvo.)

2) Os cálculos indicam que se a força nuclear forte, a força que une os


prótons e nêutrons juntos em um átomo, tivesse sido mais forte ou mais fraca
por tão pouco quanto cinco por cento, a vida seria impossível.

3) Cálculos feitos por Brandon Carter mostram que se a gravidade


fosse mais forte ou mais fraca por uma parte em 10, então, as estrelas que
sustentam a vida, como o Sol, não poderiam existir. Isto tornaria provavelmente
a vida impossível.

4) Se o nêutron não fosse cerca de 1.001 vezes a massa do próton,


todos os prótons se deteriorariam em nêutrons ou todos os nêutrons se
deteriorariam em prótons e, assim, a vida não seria possível.

5) Se a força eletromagnética for ligeiramente mais forte ou mais


fraca, a vida seria impossível, por uma variedade de diferentes razões.

Muitos dos parâmetros e condições são aparentemente não relacionados e, se


assim for, isto reduz mais ainda a probabilidade de sua ocorrência por acaso. As

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Epistemologia da Teologia|

Ajuste Fino

opções explicativas são basicamente limitadas a três: o ajuste fino dos parâmetros e
condições ocorreram por acaso, por necessidade, ou por design inteligente.

O Princípio Antrópico Fraco (WAP): os valores observados de todas as


quantidades físicas e cosmológicas não são igualmente prováveis, mas eles carregam
valores limitados pela exigência de que existem locais onde a vida baseada em
carbono pode evoluir e pela exigência de que o Universo seja velho o suficiente para
que ele já tenha feito isso (BARROW; TIPLER, 1988, p. 15).

Eles também observam uma característica central que emerge deste princípio:

As características básicas do Universo, incluindo propriedades tais como a sua


forma, tamanho, idade e as leis da mudança, devem ser observadas como sendo de
um tipo que permite a evolução de observadores, pois, se a vida inteligente não
evoluísse em um outro universo possível, seria óbvio que ninguém estaria
perguntando sobre a razão do tamanho, da forma, da idade observada do Universo,
e assim por diante (BARROW; TIPLER, 1988, p. 1-2).

Em outras palavras, se as leis físicas e as constantes do universo não fossem


exatamente como elas são – justamente afinadas para a vida –, não estaríamos aqui
para perceber esse fato. Não haveria observadores em um universo que não tivesse
as condições necessárias para a vida. Assim, uma vez que estamos aqui para observá-
los, não devemos nos surpreender que as condições são exatamente certas para a
vida, mesmo que vivamos em um universo puramente naturalista. Portanto, não há
necessidade de se conjecturar um designer inteligente do universo.

Em resposta, pode-se argumentar que o nosso estar aqui para reconhecer o


ajuste fino nem nega o assombro das condições, tampouco elimina a necessidade de
uma explicação pelo design inteligente. Richard Swinburne utiliza a seguinte analogia
para demonstrar este ponto: Suponha que um louco sequestra uma vítima e fecha-a
em um quarto com uma máquina de embaralhar cartas. A máquina embaralha dez
maços de cartas ao mesmo tempo e, em seguida, tira uma carta de cada maço e exibe
simultaneamente as dez cartas. O sequestrador diz à vítima que ele logo irá por a
máquina a trabalhar e ela apresentará a primeira tirada, mas que a menos que o
sorteio consista em um ás de copas de cada maço, a máquina simultaneamente
desencadeará uma explosão que vai matar a vítima, em consequência da qual não
poderemos ver quais foram as cartas que a máquina sacou. A máquina é então posta
a trabalhar, e para assombro e alívio da vítima, a máquina apresenta um ás de copas
tirado de cada maço. A vítima pensa que este fato extraordinário precisa de uma
explicação em termos de a máquina ter sido manipulada de alguma forma. Mas o

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Epistemologia da Teologia|

Quem Projetou o Projetista?

sequestrador, que agora aparece, lança dúvidas sobre esta sugestão. "Não é de
surpreender", diz ele, "que a máquina sacou apenas ases de copas. Você não poderia
possivelmente ver qualquer outra coisa. Por que você não estaria aqui para ver
qualquer coisa, se qualquer outra carta tivesse sido sacada”. Mas é claro que a vítima
está certa e o sequestrador está errado. Há algo extraordinariamente na necessidade
de uma explicação no fato dos dez ases serem sacados. O fato de que esta ordem em
particular é uma condição necessária do sorteio a ser percebido, em absoluto torna o
que é percebido menos extraordinário ou sem a necessidade de explicação
(SWINBURNE, 1979, p. 138).

O debate volta-se então sobre a questão de se essas "coincidências antrópicas"


são mais razoavelmente assumidas como sendo acidentais ou intencionais
(POLKINGHORNE, 2007; HORVATH, 2007; MACGRATH, 2005).

17 Quem Projetou o Projetista?


Uma terceira resposta ao argumento do ajuste fino é que apresentar um designer
inteligente como uma explicação para o universo finamente ajustado simplesmente
move o debate um passo atrás, pois então podemos fazer a pergunta: "Quem projetou
o projetista?" Em seu já familiar diálogo sobre a religião, David Hume levanta essa
objeção: Como, então, poderíamos nos dar por satisfeitos com relação à causa
daquele Ser que você toma como o Autor da Natureza, ou, de acordo com seu sistema
antropomórfico, daquele Mundo Ideal no qual você encontra a origem do mundo
material?

Não teríamos iguais razões para buscar a origem desse mundo ideal em outro
mundo ideal, ou princípio intelectivo? Mas, se nos detemos em algum ponto e não
avançamos mais, de que serve ter avançado até aí? Como poderíamos nos dar por
satisfeitos sem avançar in infinitum? E que satisfação, afinal, encontraríamos nessa
progressão infinita? Recordemo-nos da história do indiano e seu elefante [o filósofo
indiano disse que o mundo estava descansando na parte traseira de um elefante, e o
elefante estava descansando na parte traseira de uma grande tartaruga, e a tartaruga
na parte traseira de algo que não sabia o quê]: ela nunca foi tão adequada como ao
presente assunto. Se o mundo material repousa sobre um mundo ideal semelhante,
este mundo ideal deve repousar sobre algum outro, e assim indefinidamente. Seria
melhor, portanto, jamais lançar os olhos para além do mundo material presente. Ao
supor que ele contém em si mesmo o princípio de sua própria ordem, estamos, na

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Epistemologia da Teologia|

Problemas do Mal

realidade, afirmando que ele é Deus; e quanto antes chegarmos àquele Ser Divino,
tanto melhor para nós. Quando você dá um passo além do sistema mundano, apenas
excita uma disposição inquisitiva que jamais poderá ser satisfeita (HUME, 1992, IV, p.
64).

Em outras palavras, mesmo se pudermos explicar o ajuste fino aparente do


mundo como sendo o produto de um projetista (designer) inteligente, este designer
deve ter uma mente que é tão "finamente ajustada" quanto o mundo natural. Assim,
o designer também está na necessidade de uma explicação, do mesmo modo o
designer do designer, e assim por diante. Se entrarmos na disputa da necessidade de
uma explicação para o design aparente, este processo continua indefinidamente.
Todavia, por que adicionar hipóteses desnecessariamente? Por que não simplesmente
parar com o mundo físico? Essa argumentação, por exemplo, é levantada por Dawkins
(2005).

18 Problemas do Mal
De certa forma, parece que nosso mundo ficou melhor ao longo das eras desde
o surgimento do primeiro Homo sapiens no planeta Terra. De fato, tem havido
progressos sólidos, especialmente no aproveitamento da natureza. E grande parte da
barbárie dos tempos antigos parece ter diminuído em geral. Veja, por exemplo, a
pesquisa de Steven Pinker (2013), publicada em sua excelente obra Os anjos bons da
nossa natureza: porque a violência diminuiu. O mundo certamente não é uma utopia,
ainda não o é, de qualquer maneira. O século XX experimentou terríveis atrocidades
humanas. Nesse século, por exemplo, perto de meio bilhão de pessoas morreram de
varíola; mais de 200 milhões de vidas foram desperdiçadas na guerra e no democídio
(RUMMEL, 1998), o assassinato de pessoas por um governo; e cerca de 12 milhões
morreram de AIDS – a maioria deles nos últimos 15 anos do século XX. As palavras do
filósofo Hegel sintetizam o último século: “A história aparece então como o ‘patíbulo
onde foram sacrificadas a felicidade dos povos, a sabedoria dos Estados, a virtude dos
indivíduos’” (MARCUSE, 2004, p. 202).

Há sempre a esperança de que um novo século trará paz, prosperidade e


erradicação de males que persistem. A realidade é que esta pode muito bem ser uma
esperança inalcançável. A maioria de nós tem o desejo, mas se tivéssemos a
capacidade de remover a perturbação do mundo, faríamos isso num piscar de olhos.
Se tivéssemos o poder, o mal e a miséria seriam eliminados de imediato.

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Epistemologia da Teologia|

Problemas do Mal

Espera! Muitos acreditam que há alguém que tem não só o desejo, mas o
conhecimento e o poder para remover para sempre o mal e o sofrimento que existe
no mundo. Para a maioria dos teístas, há um Deus que existe como um ser todo-
poderoso, todo conhecedor e totalmente bom. Certamente, se este tipo de ser existe,
ele/ela destruiria o mal e o sofrimento. Então, por que persistem? O filósofo cético
David Hume reconheceu este problema e expressou isso de forma concisa: “A
Divindade quer evitar o mal, mas não é capaz disso? Então ela é impotente. Ela é capaz,
mas não quer evitá-lo? Então ela é malévola. Ela é capaz de evitá-lo e quer evitá-lo?
De onde, então, provém o mal?” (HUME, 1992, p. 136).

Esta é uma versão importante do problema do mal. As raízes deste argumento


vão tão longe no passado como no antigo filósofo grego Epicuro (341-270 a.C.), e o
problema tem assumido muitas formas ao longo dos séculos.

18.1 Classificando o Mal


Alguns termos familiares são bastante fáceis de entender, mas quase impossíveis
de definir. Tomemos a palavra "jogo", por exemplo. Como Ludwig Wittgenstein (1999)
assinalou, é virtualmente impossível definir esta palavra, embora normalmente temos
nenhum problema de escolher um jogo dentre alguma outra atividade ou evento (Se
você duvida da dificuldade de definir "jogo", apenas tente oferecer uma definição que
inclui apenas jogos e exclui todo o resto). Muitas outras palavras são como esta,
incluindo o termo "mal". Enquanto que uma série de definições de "mal" foi oferecida
ao longo dos séculos, os debates sobre como deve ser definido são intermináveis.
Então, ao invés de tentar oferecer uma definição formal, vamos usar exemplos
familiares, do que é comumente considerado como sendo males, como o nosso
padrão e guia. Aqui, então, são alguns exemplos comuns de mal: catástrofes naturais,
como terremotos, furacões e incêndios florestais em que ocorre a morte de vida
inocente; intenso sofrimento e dor, como uma criança sendo espancada até a morte
por um inimigo tribal bárbaro, ou uma mulher grávida morrendo de câncer, ou uma
zebra sendo comida viva por um leão; deficiências físicas, mentais ou emocionais, tais
como nascer com uma fenda palatina, ou ter transtorno de personalidade borderline,
ou experienciar fraqueza da vontade em um momento crucial, e assim por diante. O
mal vem em toda a variedade de formas e tamanhos. Dado este fato, os filósofos têm
classificado o mal de várias maneiras, e uma das classificações mais comuns é a
distinção entre o mal natural e o mal moral.

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Problemas do Mal

18.2 O Mal Natural e o Mal Moral


John Hick (2010, p. 12) oferece uma descrição muito concisa desta distinção
quando escreve: "O mal moral é o que nós, seres humanos, originamos: pensamentos
e atos cruéis, injustos e perversos. O mal natural é o mal que se origina
independentemente das ações humanas: na doença [...] terremotos, tempestades,
secas, tornados etc.". O mal moral é o tipo de mal pelo qual um agente moral é
moralmente responsável, incluindo tanto ações (como mentir, estuprar, assassinar
etc.) quanto traços de caráter (como a malícia, ganância, inveja, e assim por diante). O
mal natural inclui os eventos pelos quais os agentes morais não são responsáveis.

Mal natural: o mal que resulta de fenômenos naturais e não é provocado pelo
livre-arbítrio de um agente moral. Ele inclui desastres naturais e determinadas doenças
humanas.

Mal moral: o mal que resulta de um agente moral ao abusar de seu livre-arbítrio
de tal forma que o agente é condenável por ele. Ele inclui ações humanas, bem como
traços de caráter.

Para uma excelente exploração dos problemas do mal, recomendamos a leitura


da obra editada por Sergio Miranda (2013), O problema do mal.

18.3 O Mal Horrendo e Gratuito


A filósofa da religião Marilyn McCord Adams (2000) oferece exemplos de males
horrendos, como o estupro de uma mulher seguido do decepamento de seus braços
com um machado, a morte lenta pela fome e o ter que escolher qual de suas próprias
crianças deve viver e qual será morta por terroristas. Dois exemplos ilustres são
comumente usados para exemplificar o mal gratuito e horrendo – exemplos referidos
como os casos do Corço e de Sue. O caso do Corço foi oferecido por William Rowe
(2011) e o caso Sue por Bruce Russell (1996) – veja a nota abaixo. O caso do Corço
parece ser gratuito, injustificado (parece não haver qualquer sentido para a sua
ocorrência), e o caso Sue parece ser horrendo (você teria que se esforçar muito para
encontrar um exemplo mais terrível de violência horrenda em que a vítima poderia
legitimamente questionar-se, dado este mal, se sua breve vida poderia ser percebida
integralmente como sendo uma grande dádiva para ela).

O Caso do Corço (mal gratuito): suponha que em alguma floresta distante um


raio atinge uma árvore, resultando em um incêndio florestal. Uma corça está presa no

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Problemas do Mal

fogo, terrivelmente queimada, e encontra-se em horrível agonia durante vários dias


antes da morte aliviar seu sofrimento. Até onde podemos ver, o intenso sofrimento
da jovem corça é sem sentido. Ao contrário dos seres humanos, não se atribui livre-
arbítrio aos corços, pelo que não podemos imputar o terrível sofrimento do corço a
um mau uso do livre-arbítrio. Por que permitiria então Deus que isto acontecesse
quando, se existe, podia tê-lo impedido com tanta facilidade? Admite-se em geral que
somos simplesmente incapazes de imaginar um bem superior cuja realização
dependa, sob qualquer perspectiva razoável, de Deus permitir que aquele corço sofra
terrivelmente. Tampouco parece razoável supor que há um mal imenso que Deus seria
incapaz de impedir se não permitisse que o corço sofresse durante cinco dias.
Suponha-se que por «mal sem sentido» entendemos um mal que Deus (se existe)
poderia ter impedido sem com isso perder um bem superior ou sem ter de permitir
um mal igualmente mau ou pior. Será́ que o sofrimento do corço é um mal sem
sentido? Seguramente que o terrível sofrimento do animal durante esses cinco dias
não parece do nosso ponto de vista fazer qualquer sentido. Quanto a isto, o consenso
é , ao que parece, quase universal, pois dada a onisciência e o poder absoluto de Deus,
ser-lhe-ia extremamente fácil ter impedido o incêndio ou ter impedido que o corço
fosse apanhado pelas chamas. Além disso, como vimos, é extraordinariamente difícil
imaginar um bem superior cuja realização dependa, sob qualquer perspectiva
razoável, de Deus permitir que aquele corço sofra terrivelmente. E é igualmente difícil
imaginar um mal equivalente, ou até pior, que Deus se visse forçado a permitir caso
impedisse o sofrimento do corço. Parece, portanto, perfeitamente razoável pensar que
o sofrimento do corço é um mal sem sentido, um mal que Deus (se existe) podia
impedir sem com isso perder um bem superior ou ter de permitir um mal equivalente
ou pior (ROWE, 2011, p. 123-124). Desde que o sofrimento intenso da jovem corça era
evitável e, até onde podemos ver, injustificado, não parece que de fato existem casos
de intenso sofrimento que um ser onipotente e onisciente poderia ter evitado sem
perder, assim, algum bem maior ou permitir algum mal igualmente ruim ou pior?

O Caso Sue (mal horrendo): nas primeiras horas do dia de Ano Novo de 1986,
uma menina foi brutalmente espancada, estuprada e depois estrangulada em Flint,
Michigan. A mãe da menina estava morando com o namorado e um outro homem
que estava desempregado, além de seus três filhos, incluindo um bebê de nove meses
de idade, filho de seu namorado. Na véspera de Ano Novo, todos os três adultos foram
beber em um bar perto da casa da mulher. O namorado, que estava usando drogas e
bebendo muito, foi convidado a se retirar do bar às 20h. Depois de várias reaparições,
ele finalmente deixou de fato o bar cerca de 21h30. A mulher e o homem

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Problemas Teóricos do Mal

desempregado permaneceram no bar até as 2h da madrugada, ponto em que a


mulher foi para casa e o homem foi a uma festa na casa de um vizinho. Talvez por
inveja, o namorado atacou a mulher quando ela entrou na casa. Seu irmão interveio,
atingindo o namorado e deixando-o desmaiado e caído sobre uma mesa. O irmão foi
embora. Mais tarde, o namorado atacou a mulher novamente e, desta vez, ela o deixou
inconsciente. Após ver os filhos, ela foi para a cama. Mais tarde, a filha de cinco anos
de idade desceu as escadas para ir ao banheiro. O homem desempregado
testemunhou que, quando ele voltou da festa, às 3h45, ele encontrou a menina de
cinco anos de idade morta. No seu julgamento, o namorado foi absolvido do crime
porque seu advogado lançou dúvidas sobre a inocência do homem desempregado.
Mas a menina fora estuprada, espancada gravemente sobre a maior parte de seu
corpo, e estrangulada por um desses homens naquela noite.

Existem diferentes formas de expressar os problemas existentes, perante males


como estes e a alegada existência de um Deus onipotente, onisciente e
onibenevolente. A seguir vamos explorar dois diferentes tipos de problemas – teóricos
e existenciais – acompanhados por várias objeções e respostas a eles.

19 Problemas Teóricos do Mal


O problema do mal pode ser descrito como o problema de conciliar a crença em
Deus com a existência do mal. Mas o problema do mal, como o próprio mal, tem
muitas faces. Pode, por exemplo, ser expressado como um problema experiencial ou
como um problema teórico. No primeiro caso, o problema é a dificuldade de adotar
ou manter uma atitude de amor e confiança em relação a Deus quando confrontado
com o mal que é profundamente perplexo e perturbador.

Em contrapartida, o problema teórico do mal é a questão puramente


"intelectual" de determinar o impacto, se houver, da existência do mal sobre o valor
da verdade ou o status epistêmico da crença teísta. Com certeza, esses dois problemas
estão interligados - considerações teóricas, por exemplo, podem oferecer perspectivas
à própria experiência do mal, como acontece quando o sofrimento melhor
compreendido torna-se mais fácil de suportar. Nesta seção o foco será sobre a
dimensão teórica do mal, posteriormente vamos falar sobre o problema existencial. O
aspecto teórico do problema do mal vem em duas variedades: o problema lógico e o
problema evidencial, como veremos a seguir.

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Problemas Teóricos do Mal

19.1 O Problema Lógico do Mal


Como o título indica, não há simplesmente um único problema do mal, os
problemas são muitos e variados. A maioria dos problemas decorre das seguintes
duas crenças: Deus – um ser onipotente, onisciente e onibenevolente – existe e o mal
– em suas múltiplas manifestações – existe.

Quadro – O problema lógico do mal

Se Deus existe, então Deus é onipotente (todo-


1) poderoso), onisciente (todo conhecedor) e
onibenevolente (plenamente bom).

2) Um ser onipotente teria o poder para eliminar o


mal.

3) Um ser onisciente teria o conhecimento para


eliminar o mal.

4) Um ser onibenevolente teria o desejo para eliminar


o mal.

5) Um ser onipotente, onisciente e onibenevolente


eliminaria o mal.

6) O mal existe.

7) Então, Deus (um ser onipotente, onisciente e


onibenevolente) não existe.

Para uma visão geral destes problemas, verifi que a obra de Sweetman (2013),
especialmente as páginas 91-93. Para compreender melhor as críticas e refutações ao
problema lógico do mal, veja o artigo O desafio do Deus Malévolo, de Stephen Law
(2010), disponível em: <https://rebeldiametafi sica.wordpress.com/ tag/problema-
logico-do-mal/>, e o artigo O problema lógico do mal,

Podemos até imaginar casos em que algum mal possa ser necessário para que o
bem possa resultar. Por exemplo, mostrar o perdão a alguém que tenha o prejudicado
maldosamente e que esteja arrependido, ou mostrar coragem perante a tortura,
ambos exigem logicamente que eu estivesse ferido e torturado. Se estes são bons

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Problemas Teóricos do Mal

exemplos não vem ao caso, pois é logicamente possível que certos bens justificam
certos males, e é impossível provar o contrário.

19.2 O Problema Existencial do Mal


O problema existencial do mal (que é chamado por diferentes nomes, incluindo
o "problema religioso", o "problema moral”, o "problema pastoral", o "problema
psicológico" e o "problema emocional") não é fácil de definir ou delinear.
Simplificando, é a noção de que a sensação existencial de certos tipos de mal leva à
descrença em Deus ou na crença religiosa em geral. Um exemplo pode esclarecer o
significado e o poder do problema.

Algum tempo atrás estávamos com um grupo de amigos esperando na fila em


um restaurante. Estávamos envolvidos em uma discussão teológica bastante
sofisticada (concedido, tenho amigos incomuns!) Quando uma jovem de pé diante de
nós perguntou se nós estávamos falando sobre Deus. "Sim, estamos", dissemos. "Na
verdade, estamos discutindo a natureza e os atributos de Deus." "Bem," ela disse, "Eu
parei de acreditar em Deus há dois anos. Enquanto meu pai estava sofrendo e
morrendo de câncer, eu decidi que eu não podia mais acreditar em Deus”. Enquanto
ela disse essas palavras, ela se tornou emocional. Quase podíamos sentir a sua dor
enquanto as lágrimas começaram a escorrer de seu rosto em sua agonia sobre o seu
pai perdido e a dor que ele deve ter passado.

Isto, sem dúvida, é um caso claro do problema existencial do mal.

Além disso, quando se considera os males terríveis e gratuitos observados no


início (especialmente se alguém passou pessoalmente por essas experiências), não é
nenhuma surpresa que as pessoas afirmam ser incapazes de ver o mundo
teisticamente – ser incapaz de acreditar em um Deus pessoal, e muito menos venerá-
lo e adorá-lo.

Uma resposta comum para o problema existencial do mal, de cunho experiencial,


é que o "problema" aqui não é realmente um argumento em absoluto, e, portanto,
não tem a necessidade de uma resposta lógica, racional.

Quando um indivíduo é pessoalmente confrontado com o mal e o sofrimento


significativo, a principal coisa que ela precisa não é uma resposta lógica ou teórica,
mas, sim, o cuidado, a simpatia e a amizade. Como Plantinga diz, nesses momentos
de dor uma pessoa não precisa de "iluminação filosófica", mas de “cuidado pastoral"

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As Três Teodiceias

(PLANTINGA, 2012). O filósofo e teólogo John Feinberg esclarece: Pense em uma


criança que sai para brincar em um playground. Em algum momento durante a
brincadeira, ela cai e machuca o joelho. Ela corre para sua mãe para conforto. Agora,
sua mãe pode fazer várias coisas. Ela pode dizer à filha que isso aconteceu porque ela
estava correndo muito rápido e não estava olhando para onde estava indo. Que ela
deve ter mais cuidado da próxima vez. A mãe, se souber, pode até explicar as leis da
física e da causalidade que estavam operando para fazer com que o machucado de
sua filha seja exatamente do tamanho e da forma que é. A mãe pode até explicar por
alguns momentos sobre as lições que Deus está tentando ensinar sua filha a partir
desta experiência (FEINBERG, 2004, p. 454).

Se ela, em seguida, faz uma pausa e pede à sua filha, "Você entende, querida?",
não se surpreenda se a menina respondesse: "Sim, mamãe, mas ainda dói!". Toda a
explicação, naquele momento, não impede a sua dor. A criança não precisa de um
discurso; ela precisa de abraços e beijos de sua mãe. Haverá um tempo para o discurso
mais tarde; agora ela precisa de conforto.

20 As Três Teodiceias
Enquanto o cuidado pastoral pode muito bem ser um elemento importante na
resposta àqueles que experimentam dor e sofrimento, ele não faz nada para resolver
os problemas teóricos remanescentes observados acima. Existem maneiras de
realmente explicar por que Deus permitiria o mal no mundo? Há, de fato. Houve uma
série de tentativas de justificar a Deus e os caminhos de Deus dada a realidade do mal.
Tais respostas são chamadas teodiceias, e a seguir vamos examinar as três mais
importantes.

20.1 A Teodiceia do Livre-Arbítrio de Agostinho


Como observado anteriormente, a teodiceia é diferente de uma defesa, em que
o objetivo de uma teodiceia é justificar Deus e os caminhos de Deus dada a existência
do mal em um mundo criado por Deus, enquanto que uma defesa é uma tentativa de
demonstrar que os argumentos antiteístas do mal são malsucedidos. Existem
diferentes tipos de teodiceias, e uma das mais significativas historicamente é aquela
oferecida pelo grande teólogo e padre da Igreja, Santo Agostinho. É referida como a
teodiceia do livre-arbítrio, e expomos uma forma de delineá-la no Quadro 12, a seguir.

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As Três Teodiceias

Quadro – A Teodiceia do Livre-arbítrio de Agostinho

1) Deus criou o universo, e tudo nele era bom.

Algumas das criações de Deus –


nomeadamente, as pessoas – foram presenteadas
com a boa dádiva da liberdade da vontade (tendo a
2) liberdade da vontade no universo é melhor do que
não a ter, uma vez que um universo moral exige isso,
e um universo moral é melhor do que um universo
não moral ou amoral).

Algumas dessas pessoas criadas – primeiros


anjos, e então seres humanos – escolheram
3) livremente se afastarem da bondade de Deus; ou
seja, eles "pecaram" e caíram de seu estado de
perfeição (por exemplo, a "Queda" da humanidade).

Esta conversão da vontade, ou pecar, trouxe o


4)
mal moral e natural para o universo.

O mal, ainda que provocado por pessoas


criadas, não é uma coisa ou entidade; é uma
5)
deprivação metafísica, ou falta ou privação, do bem
(uma privatio boni).

Deus finalmente retificará o mal quando ele


julgar o mundo, inaugurando o seu reino eterno com
6) aquelas pessoas que foram salvas por meio de Cristo
e enviando para o inferno eterno aquelas pessoas
que são perversas e desobedientes.

Fonte: O livre-arbítrio, de Santo Agostinho (1995).

Esta tem sido a teodiceia mais utilizada no Ocidente desde o século V da era
comum, e ela ainda é amplamente utilizada hoje, por exemplo, na excelente obra de
Richard Swinburne (1998).

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As Três Teodiceias

20.2 A Teodiceia Irineana ou da “Formação da Alma”, de Hick


Com base no trabalho de Irineu (130-202 EC), um bispo cristão primitivo, John
Hick, desenvolveu uma teodiceia que está em contraste gritante com o tipo
agostiniano (SWEETMAN, 2013). Em vez de Deus criar um paraíso com seres humanos
perfeitos que então caíram em pecado, a teodiceia de Irineu narra isso ao contrário.
Deus criou pessoas boas, mas não desenvolvidas, pois a maturidade moral requer
enfrentamento de provações e dificuldades na vida. A existência do mal, então, não é
o resultado de pessoas perfeitas que escolhem pecar, mas é um elemento necessário
do processo de desenvolvimento de pessoas humanas (e talvez outras) imaturas em
seres maduros espiritual e moralmente, e o mal é uma parte da estratégia de Deus na
formação das almas. A teodiceia pode ser expressa como exposta no Quadro a seguir.

Quadro – Uma teodiceia irineana da formação das almas

Deus criou o mundo como um lugar bom (mas não


1) um paraíso) para o desenvolvimento de pessoas
humanas tanto espiritual quanto moralmente.

Através de meios evolutivos, Deus fez emergir


2) pessoas humanas com a liberdade de vontade e a
capacidade para amadurecer no amor e na bondade.

O mal é o resultado tanto da criação de um mundo


3) bom de formação de almas e da escolha humana de
pecar.

Ao colocar as pessoas humanas neste ambiente


desafiador, através de suas próprias respostas livres, elas
têm a oportunidade de escolher o que é certo e bom e,
4) portanto, crescer gradualmente em pessoas maduras
(que exibem as virtudes da paciência, coragem e
generosidade, por exemplo) que Deus deseja que elas
sejam.

Deus continuará a trabalhar com as pessoas


5) humanas, mesmo na vida após a morte, se necessário,
permitindo-lhes a oportunidade para amar e escolher o
bem, de tal forma que no escaton (último, fim das coisas)

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As Três Teodiceias

todos serão levados a um relacionamento correto com


Deus.

20.3 Uma Teodiceia do Processo


Deus e o mundo estão em fluxo. Enquanto que Deus não é o mundo (isso seria
panteísmo), Deus participa do mundo (isso é panenteísmo) – Deus e o mundo estão
em processo juntos. Deus não só age sobre o mundo, mas este também age sobre
aquele. Todas as coisas, incluindo Deus, estão no processo de se tornar, em vez de ser
estáticos. Neste processo de tornar-se, as entidades respondem a cada momento,
fazendo escolhas, e estas escolhas são reais e significativas; elas nunca são perdidas,
mas são continuamente adicionadas à experiência global de Deus. Deus aprende a
partir de tais experiências, e, portanto, está sempre crescendo em conhecimento e
entendimento. Este ponto de vista do conhecimento de Deus está claramente em
contraste com a teologia tradicional, em que a onisciência de Deus é eternamente
completa e exaustiva.

Além disso, na visão do processo, a onipotência de Deus é rejeitada. O poder de


Deus não é compreendido como sendo infinito, mas limitado na medida em que
outras entidades livres, como as pessoas humanas, também têm o poder de fazer suas
próprias escolhas. Além disso, o poder de Deus é persuasivo ao invés de coercivo;
Deus não força as criaturas a fazer o bem, mas tenta atraí-las na direção

certa. Infelizmente, elas não podem ser sempre atraídas, e às vezes elas fazem as
escolhas erradas; às vezes elas fazem coisas más. Todas as entidades, incluindo Deus,
continuam a evoluir, e a esperança é que, eventualmente, todo o mal será erradicado
na medida em que as criaturas livres aprendam com as experiências anteriores (suas
próprias e aquelas da história) o que é, em última análise, bom e certo. Podemos
delinear a teodiceia do processo como exposta no Quadro, a seguir.

Quadro – Uma Teodiceia do Processo

Deus não é o criador transcendente que criou o mundo


ex nihilo (do nada), mas é Deus-no-mundo; isto é, o
1)
panenteísmo no qual tudo está em Deus, mas nem tudo é
Deus.

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As Três Teodiceias

Deus não é nem onisciente nem onipotente no sentido


tradicional; o poder de Deus é compartilhado com outras
2)
entidades, e o conhecimento de Deus aumenta na medida
em que suas experiências aumentam.

O universo é caracterizado pela evolução, processo e


mudança, alguns dos quais têm sido provocados pelas
3)
escolhas livres autodeterminadas de entidades, incluindo
Deus e as pessoas finitas.

Algumas das escolhas feitas por pessoas humanas são


boas e algumas são más. Há a esperança de que o mal
4) continuará a ser engolfado na medida em que todas as
experiências sejam sintetizadas na própria vida consciente de
Deus.

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Referências

21 Referências
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Referências

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Referências

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