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1. Introdução
Boas-vindas à disciplina de Teoria do Conhecimento!

A disciplina está dividida em cinco ciclos de aprendizagem, cada um deles


correspondendo a um grupo de conteúdos e objetivos especí�cos. O estudo dos
conteúdos tem como �nalidade fornecer subsídios teóricos ao estudante de �-
loso�a acerca da Teoria do Conhecimento (Epistemologia), suas ideias e con-
ceitos desenvolvidos ao longo da História da Filoso�a.

Nessa perspectiva, a disciplina visa proporcionar ao aluno o entendimento do


conhecimento e das formas pelas quais o ser humano constrói esse conheci-
mento, a partir de uma análise intimista acerca de alguns �lósofos e suas con-
cepções.

Além disso, a disciplina possibilitará ao aluno o aprofundamento dos conteú-


dos relacionados à problemática do conhecimento por meio de alguns materi-
ais complementares, possibilitando a apropriação adequada e compreensão
dos conteúdos.

2. Informações da Disciplina
Ementa
Em Teoria do Conhecimento, serão apresentadas as contribuições realizadas
pela Filoso�a no que tange às questões sobre o que é o conhecimento, como
este se realiza e suas respectivas possibilidades, elementos esses que com-
põem o objeto de estudo da Epistemologia. Para isso, será investigado o fenô-
meno do conhecimento, quais são os problemas que cercam sua produção, as
possibilidades de produção do conhecimento em seu caráter epistemológi-
co/gnosiológico, a relação existente entre sujeito e objeto na produção do co-
nhecimento e as várias teorias que se dedicam a analisar a origem do conhe-
cimento.

Objetivo Geral
Os alunos da disciplina Teoria do Conhecimento terão uma compreensão �lo-
só�ca acerca da forma pela qual o homem historicamente se relacionou com o
conhecimento e de que formas esses processos re�etem nos resultados alcan-
çados pela civilização tecnológica contemporânea. Para isso, contarão não só
com as obras de referência, mas também com outras referências bibliográ�-
cas, eletrônicas, links de navegação e vídeos.

Ao �nal desta disciplina, de acordo com a proposta orientada pelo professor


responsável e pelo tutor a distância, terão condições de atuar e intervir, positi-
va e eticamente, em seu campo de trabalho. Para esse �m, levarão em consi-
deração as ideias debatidas na Sala de Aula Virtual, por meio de suas ferra-
mentas, bem como o que produziram durante o estudo.

Objetivos Especí�cos
• Estabelecer o primeiro contato com a área da Teoria do Conhecimento,
bem como reconhecer as suas principais de�nições.
• Conhecer os principais problemas da Teoria do Conhecimento.
• Rastrear a terminologia utilizada no tratamento da Teoria do
Conhecimento, bem como compreender cada termo criticamente.
• Compreender a importância do estudo da disciplina para a formação do
pro�ssional em Filoso�a.
• Reconhecer e examinar os principais problemas referentes à possibilida-
de do conhecimento.
• Compreender as doutrinas do dogmatismo, do ceticismo e do criticismo.
• Compreender as implicações do problema da origem do conhecimento.
• Analisar as correntes racionalistas e empiristas.
• Conhecer os principais �lósofos racionalistas e empiristas e suas formu-
lações.
• Conhecer as propostas apriorista e intelectualista do conhecimento.
• Conhecer as propostas �losó�cas em torno da essência do conhecimento:
realismo e idealismo.
• Diferenciar a proposta intelectualista e apriorista do racionalismo, do em-
pirismo e de outras correntes de pensamento, como o voluntarismo.
• Aplicar os conceitos na construção, re�exão e análise das questões epis-
temológicas.
• Pesquisar e contextualizar a teoria com a prática.
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Ciclo 1 – Delimitação Conceitual do Conhecimento

Juan Antonio Acha


Luis Henrique de Souza
Osmair Severino Botelho
Ricardo Bazílio Dalla Vecchia
Stefan Vassilev Krastanov (In memoriam)

Objetivos
• Conhecer as principais de�nições sobre o conhecimento e sobre a teoria
do conhecimento.
• Conhecer os problemas centrais da Teoria do Conhecimento.
• Rastrear a terminologia utilizada no tratamento da Teoria do
Conhecimento, bem como compreender cada termo criticamente.
• Analisar as relações entre pensamento e linguagem na Teoria do
Conhecimento.

Conteúdos
• Conhecimento: de�nições e distinções.
• Problemas gerais da Epistemologia.
• Re�exões epistemológicas: visão histórica, conceituação e objeto de es-
tudo.
• As questões fundamentais no objeto de estudo da Teoria do
Conhecimento.
• A relação sujeito-objeto e o processo do conhecimento.
• Esquemáticas do conhecimento.
• Relação entre linguagem e pensamento na Teoria do Conhecimento.

Problematização
O que se entende por conhecimento? Qual o objeto de estudo da Teoria do
Conhecimento ou Epistemologia? Como os teóricos interpretaram a Teoria do
Conhecimento? Por que contextualizar os conceitos da Teoria do
Conhecimento? Quais os problemas da Teoria do Conhecimento? Como os co-
nhecimentos da Teoria do Conhecimento podem auxiliar o pro�ssional da
Filoso�a?

Orientações para o estudo


Neste primeiro ciclo de aprendizagem, veremos uma introdução à Teoria do
Conhecimento. Por conta disso, sugerimos que realize pesquisas e procure
apoio em Dicionários ou manuais de Filoso�a. Em caso de dúvida, entre em
contato com seu tutor.

Bons estudos!

1. Introdução
Conhecimento não é uma palavra estranha ao nosso vocabulário; no entanto,
isso não quer dizer que saibamos de�ni-la com adequação. Neste ciclo de
aprendizagem, estudaremos os conceitos e de�nições sobre o conhecimento,
como também as principais informações sobre a área da Teoria do
Conhecimento. Bons estudos!

2. O que é o conhecimento?
Antes mesmo de adentrarmos nos temas especí�cos da Teoria do
Conhecimento, é fundamental passarmos pela seguinte questão: o que é o co-
nhecimento? De modo geral, costumamos de�nir o conhecimento como o mo-
do pelo qual um sujeito se apropria intelectualmente de um objeto. No entanto,
outros elementos também precisam ser levados em conta. Como introdução
geral ao tema, assista ao vídeo a seguir do Canal Saúde O�cial. Ciência e
Letras – Epistemologia.
3. De�nição tradicional do conhecimento:
"crença verdadeira justi�cada"
A clássica de�nição de Platão sobre o conhecimento, no livro Teeteto, pode ser
um bom ponto de partida: "conhecimento é opinião verdadeira acompanhada
da explicação racional, e que sem esta deixava de ser conhecimento" (PLATÃO,
2001, p. 125). Todo conhecimento é uma crença, uma opinião (doxa); no entan-
to, precisa ser verdadeira e justi�cada racionalmente.

 Vamos entender melhor sobre o conhecimento?

Para compreender um pouco mais sobre o que é o conhecimento, bem


como em que sentido ele pode ser compreendido como "crença verdadei-
ra justi�cada", estude os materiais a seguir:

• LUZ, Alexandre Meyer. Conhecimento e Justi�cação: problemas de


Epistemologia. (http://nep�l.ufpel.edu.br/publicacoes/1-
conhecimento-e-justi�cacao.pdf) 2013. p.41-59.
• KLITZKE, Andresa. Surgimento da de�nição de conhecimento como
crença verdadeira justi�cada (https://periodicos.uffs.edu.br/in-
dex.php/GAVAGAI/article/download/11650/7447/). 2019. p. 101-119.

Na tirinha de Quino, a seguir, percebemos opiniões distintas acerca de um de-


terminado tema. No �nal da tirinha, Mafalda reconhece que a opinião de sua
colega é justi�cada; porém, seria essa crença também verdadeira?
(https://mdm.claretiano.edu.br/teocon-g02627-2021-01-grad-ead-np/wp-
content/uploads/sites/813/2020/01/tirinha.jpg)Figura 1 Mafalda (https://atividadesdeportugue-
seliteratura.blogspot.com/2016/05/analise-tirinha-mafalda-classi�cacao.html).

Para �nalizar este tópico, assista na sequência um vídeo que trás a de�nição
tradicional do conhecimento.

4. Refutações da de�nição clássica: os contrae-


xemplos de Gettier
Edmund Gettier (1927-2021), no seu artigo Conhecimento é Crença verdadeira
justi�cada?, publicado em 1963, abalou as certezas em torno da de�nição tradi-
cional de conhecimento "como crença verdadeira justi�cada". O objetivo do
seu artigo foi justamente demonstrar que as condições para o conhecimento,
conforme dispostas na de�nição tradicional, não são necessariamente su�ci-
entes para de�nir o conhecimento.

 Saiba mais sobre a teoria de Gettier!

Neste momento você deverá realizar a seguinte leitura:

• FUMERTON, Richard. Epistemologia. 2014. p. 28-55. Disponível na


Biblioteca Virtual Pearson.
Por meio de seus famosos contraexemplos (http://problemas�loso�-
cos.blogspot.com/2015/07/o-problema-de-gettier.html), Gettier apresenta
casos que, embora satisfaçam as exigências da de�nição tradicional, não
se caracterizam como conhecimento.

 Quer entender melhor sobre os contraexemplos de Gettier?

Para tanto, recomendamos que leia o seguinte texto:

• GETTIER, Edmund. Conhecimento é Crença verdadeira justi�cada?


(https://periodicos.ufpe.br/revistas/perspectiva�loso�ca/article/vi-
ew/230219/24457) 2013. p. 124-127.

Na sequência, assista aos vídeos a seguir:

•O problema de Gettier (https://www.youtube.com/wat-


ch?v=TiTAdEwiYB8) - Parte 1. TCI - Vídeo 24 (21 min). Acesso em 7
jul. 2021.
• O problema de Gettier (https://www.youtube.com/watch?v=bK-
QUYOung8) - Parte 2. TCI - Vídeo 24 (20 min). Acesso em 7 jul. 2021.

5. Primeiro contato
A Teoria do Conhecimento tem como objetivo geral re�etir sobre o próprio co-
nhecimento.

A Teoria do Conhecimento, ou Epistemologia, especula o momento no qual o


pensamento deixa de se ocupar com as coisas e passa a se questionar sobre o
conhecimento das coisas, ou seja, o conhecimento do próprio conhecimento
implica “[...] um retorno re�exivo da elaboração cognitiva sobre si mesma,
passando o próprio conhecimento a se fazer objeto do conhecer” (PRADO JR.,
2006, p. 15).

Vamos conhecer algumas de�nições de Teoria do Conhecimento:

1. “Teoria material da ciência [...] teoria dos princípios materiais do conheci-


mento humano” (HESSEN, 2003, p. 13).
2. “[...] se ocupa de uma questão prévia à formação das idéias e do conheci-
mento na mente humana, perguntando-se sobre o que é o conhecimento,
ou seja, no que consistem as idéias” (MARTINS FILHO, 2003, p. 47).
3. “Re�exão �losó�ca sobre o conhecimento, tendo como objetivo investigar
suas origens, suas possibilidades, seus fundamentos, sua extensão e seu
valor” (COTRIM, 1992, p. 61).
4. “Disciplina �losó�ca que indaga pela possibilidade, origem, essência, li-
mites, pelos elementos e pelas condições do conhecimento” (ZILLES,
2003, p. 11).
5. “Re�exão geral em torno da natureza, etapas e limites do conhecimento
humano, especialmente nas relações que se estabelecem entre o sujeito
indagativo e o objeto inerte, as duas polaridades tradicionais do processo
cognitivo” (HOUAISS, 2009).

Cabe esclarecer que há diferenças entre os campos conceituais da Teoria do


Conhecimento, ou Epistemologia, e de outras disciplinas que investigam o co-
nhecimento humano, como a Lógica e a Psicologia Racional; a respeito disso
esclarece Martins Filho (2003, p. 47):

• Psicologia Racional (ou Antropologia Filosó�ca): ao estudar o homem e


sua constituição anímica, estuda, entre outras coisas, o processo do co-
nhecimento, ou seja, como se formam as ideias na mente (“como” o ho-
mem “conhece” as coisas que vê e sente).
• Lógica: partindo da formação das ideias na mente humana (conceitos),
estuda a composição do conhecimento, ou seja, como as ideias formadas
na mente se compõem, constituindo os “juízos” e “raciocínios” e quais as
regras para que as conclusões dessas combinações sejam verdadeiras.
• Gnosiologia: ocupa-se de uma questão prévia à formação e composição
das ideias e do conhecimento na mente humana, perguntando-se sobre o
que é o conhecimento, ou seja, no que consistem as ideias.
Assim, poderíamos dizer que a primeira estuda como as ideias “entram na
mente”, a segunda como as ideias se “organizam na mente” e a terceira se per-
gunta: “Mas, a�nal, o que eu tenho na minha mente?”, ou melhor, “O que são
essas ideias?”.

Até este momento, vários focos de análise de nossa disciplina já foram inves-
tigados: a natureza, com os �lósofos pré-socráticos; o homem, com os clássi-
cos antigos; Deus, com os medievais etc. Agora é hora de nos questionarmos
sobre o conhecimento humano.

Para tentar solucionar, ou pelo menos esclarecer, esta difícil aporia, convida-
mos você a pensar em algumas características do ato de conhecer.

• Quem conhece?
• O que é conhecido?

Pois bem, vamos tentar construir alguns conceitos básicos para alicerçarmos
nossa investigação?

Sujeito e objeto
O processo do conhecimento humano possui essencialmente dois elementos:
sujeito e objeto. Que tal tentarmos uma de�nição para eles? Vamos lá...

Sujeito é aquele que, a partir de certas faculdades e possibilidades que possui,


consegue captar e reconhecer a realidade de fatos, coisas e fenômenos que
com ele se relacionam, enquanto o objeto é a própria realidade a ser conheci-
da.

Vamos pensar em alguns exemplos?

• Ao ler este material, você é o sujeito que conhece (cognoscitivo), e o mate-


rial, o objeto passível de ser conhecido (cognoscível).
• Ao re�etir sobre uma questão �losó�ca, você é o sujeito e a questão é o ob-
jeto.
• Quando um biólogo examina algumas plantas selvagens, o biólogo é su-
jeito e as plantas o objeto.
Como a�rma George Berkeley (1973, p. 19) em seu Tratado sobre os princípios
do conhecimento humano:

[...] ao lado da in�nita variedade de idéias ou objetos do conhecimento há alguma


coisa que os conhece ou percebe, e realiza diversas operações como querer, imagi-
nar, recordar, a respeito deles. Este percipiente, ser ativo, é o que chamo mente, es-
pírito, alma, ou eu. Por estas palavras não designo alguma de minhas idéias, mas
alguma coisa distinta delas e onde elas existem, ou o que é o mesmo, por que são
percebidas; porque a existência de uma idéia consiste em ser percebida.

Como você pôde perceber, nem sempre os objetos são coisas empiricamente
existentes, como é o caso de uma ideia �losó�ca.

Outro fato importante a ser levantado e observado é a imprescindibilidade, a


implicação, a correlação entre sujeito e objeto, ou seja: um sujeito só é um su-
jeito em relação a um objeto, e da mesma forma, inversamente, o objeto só se
caracteriza como objeto quando possui um sujeito para conhecê-lo. De forma
simples signi�ca dizer: o sujeito só existe quando há um objeto e vice-versa.

O sujeito por excelência é o homem, nas belíssimas palavras de Pascal (1973,


frag. 347): “O homem não passa de um caniço, o mais fraco da natureza, mas é
um caniço pensante”.

O que será que Pascal quis dizer com isso? E o que será que queremos dizer
quando a�rmamos ser o homem o sujeito por excelência?

Simples, sendo o sujeito aquele que pensa, e o homem o único animal que pos-
sui a faculdade de pensar, conclui-se que o homem é o sujeito conhecedor por
excelência. Assim, pois, ele (o homem) conhece coisas, fatos, fenômenos e
ainda tem a possibilidade, num processo autorre�exivo, de conhecer-se a si
mesmo, ou alguém esqueceu a famosa máxima socrática herdada do oráculo
de Delfos: “conhece-te a ti mesmo”?

O homem é o conhecedor universal, o sujeito par excellence.

Todavia, permanece uma pergunta: como é que nós, animais racionais, sujei-
tos por excelência, conhecedores universais, nunca tínhamos pensado sobre o
que é o conhecimento?

Para responder esta intrigante questão, ninguém melhor do que o excelso �ló-
sofo de Königsberg, Kant (2008, p. 63):

O homem é o próprio culpado dessa menoridade [intelectual] se a causa dela não se


encontra na falta de entendimento, mas na falta de decisão e de coragem em
servir-se de si mesmo sem a direção de outrem.

Por isso, é preciso pensar! Temos que ter coragem! A Filoso�a exige que
re�itamos sobre a totalidade, não se esqueça...

 “O homem é o culpado dessa menoridade (intelectual) quando sua causa reside não na falta
de entendimento, mas na falta de resolução e coragem para usá-lo [...]”. Re�ita sobre essa
frase de Kant.

Você conseguiu compreender inicialmente estas ideias básicas de sujeito, ob-


jeto etc.? Pois bem, criamos este esquema para facilitar e clarear o entendi-
mento destes conceitos, con�ra a seguir:

Fonte: desenvolvido pelos autores.

Figura 2 Esquema para compreensão sujeito, objeto e autorre�exão.

Conhecimento
Após o incentivo (ou o puxão de orelha) kantiano, convidamos você a penetrar
de�nitivamente na questão inicial, que até agora �cou sem solução. Com efei-
to: o que é o conhecimento?

Vamos por partes...

Como costumeiramente fazemos em Filoso�a, vamos buscar, inicialmente, as


raízes etimológicas da palavra conhecimento e analisar de que forma ela pode
nos ajudar a responder esta pergunta.

Conhecimento é um substantivo masculino que, em sua família léxica, possui


o verbo conhecer, que provém do português antigo conhocer, originando-se do
latim cognosco. No latim a palavra apresenta ligação com o elemento de com-
posição gnos, com precedentes na língua grega.

Todo este léxico carrega, de alguma forma, as ideias de: aprender, saber, reco-
nhecer, ter ideia, ter noção etc. Desta forma, pela investigação etimológica, po-
demos a�rmar que o conhecimento está relacionado a saber, a ter consciência
de algo.

Vamos aprofundar mais um pouco esta questão?

Falamos em saber, em aprender, em ter consciência. Pois bem, já sabemos que


este saber envolve dois elementos: o sujeito e o objeto.

Uma vez que o sujeito e o objeto são os elementos básicos para que ocorra o
conhecimento e tendo em mente que conhecer guarda o sentido de ter consci-
ência de, saber algo de, ter ideia de, podemos forjar algumas de�nições. Veja:

• Conhecimento é o resultado da relação entre o sujeito e o objeto.


• Conhecimento é a apreensão pelo sujeito de certas características do ob-
jeto.
• Conhecimento é o saber produzido a partir do exame que o sujeito faz dos
objetos.

Agora que de�nimos o conhecimento, cabe perguntar: como ocorre o conheci-


mento ou como ele age?

A resposta a esta pergunta pode ser vista de esferas distintas, novamente a do


sujeito e a do objeto.

Se vista pelo lado do sujeito, podemos dizer que quando ocorre o conhecimen-
to, o sujeito invade a esfera do objeto, ou seja, ele sai de sua esfera de origem e,
adentrando na esfera do objeto, capta informações e as interioriza. Mas, cuida-
do! Isso não quer dizer que o sujeito suga o objeto fazendo este se tornar parte
dele. Con�ra o esquema:

Fonte: desenvolvido pelos autores.

Figura 3 Esquema para compreensão do surgimento do conhecimento.

Por este esquema podemos visualizar o processo do conhecimento. A invasão


do sujeito, a captação de fatos, coisas e fenômenos (representados pelo símbo-
lo “+”) e a interiorização.

Vendo pelo lado do objeto, o conhecimento seria esta transferência de proprie-


dades que se dá pela relação com o sujeito.

Ambas as visões nos deixam perceber uma coisa, a saber: o armazenamento


que o sujeito opera das propriedades do objeto.

Mas o que é este armazenamento? Como ele é feito?


O que acontece é que, quando o sujeito cognoscitivo se relaciona com o objeto
cognoscível, ele guarda algumas características dele, e estas características
compõem uma imagem mental no sujeito. Esta imagem é, de certo modo, uma
forma de se apoderar do objeto, e este apoderar é tido como o conhecimento;
daí a�rmamos que ele o conhece. Com isso, podemos formular ainda outra de-
�nição: o conhecimento é a retenção por parte do sujeito de algumas proprie-
dades do objeto.

Resumidamente é assim que se dá o conhecimento.

A professora Ana Luiza Smolka, da Faculdade de Educação da Unicamp, quan-


do perguntada por um estudante sobre como surgiam os pensamentos e do
que são feitas as suas imagens, responde que pesquisas em Neurologia,
Psicologia e Linguística fundamentam que as imagens são elaborações men-
tais produzidas nas interações com o mundo físico e sociocultural. Sensações
e percepções são marcadas via sistema nervoso, enquanto é esquematizada a
atividade do indivíduo (motricidade, ações etc.). No processo, o cérebro recebe,
registra e articula as informações.

Para exempli�car estas ideias, vamos forjar um exemplo. Imagine que uma
criança vá a um sítio e lá tenha contato com um cavalo. Ao ver aquele animal
desconhecido, questiona um adulto sobre o que vem a ser aquilo, e este lhe
responde que aquilo é um animal chamado cavalo. A criança então formará
uma imagem mental do cavalo e, sempre que alguém mencionar a palavra
“cavalo” saberá do que se trata, pois armazena em sua memória as proprieda-
des do que vem a ser um cavalo (animal com quatro patas, coberto de pelos
etc.).

Esta simples história nos ajuda a compreender o que é e como se dá o conhe-


cimento, por isso vamos representá-la para que você, a exemplo da criança,
também interiorize estes conceitos. Observe a representação a seguir:
Fonte: desenvolvido pelos autores.

Figura 4 Relação do objeto à formação da imagem mental.

Você percebeu que o exemplo anterior recorda a teoria das ideias de Platão,
que nos fala que antes de memorizarmos o ente, temos em nossa alma (ani-
ma) as suas características primordiais (sua essência) e, independente de co-
nhecermos um objeto de cor ou textura diferente, sabemos identi�car o nome
pelo qual o objeto é apreendido?

Longe de resolver as questões que agora nos ocupam, o exemplo e o esquema


apresentam novos problemas, a saber:

• As impressões guardadas de um objeto (como no caso do cavalo) serão as


mesmas para todos os sujeitos?
• De quem depende a impressão? Do sujeito? Do objeto? Dos dois? De ne-
nhum?
• Como garantir, comprovar e veri�car isso?

Como você pode perceber, a Teoria do Conhecimento é uma disciplina marca-


damente especulativa, em que perguntas e respostas vão se sucedendo, pois,
para cada resposta, novas perguntas são colocadas, num processo ad in�ni-
tum.

Neste processo, a dúvida é o eixo central que irá possibilitar um mais profun-
do conhecimento sobre o próprio conhecimento.

Agora que já sabemos, pelo menos inicialmente, o que é o conhecimento e co-


mo ele é formado, surge uma terceira pergunta: para que serve o conhecimen-
to?

Sem cair em pragmatismos, utilitarismos ou assemelhados, vamos tentar res-


ponder esta pergunta.

Já que o conhecimento é uma atividade que envolve sujeito (homem) e objeto


(mundo), podemos ousar a�rmar que o conhecimento nasce de uma vontade,
ou necessidade, ou impulso, ou tendência, que o sujeito tem de conhecer o ob-
jeto.

Independente da opção que possamos eleger neste momento, o que é certo é


que o conhecimento procura responder às questões que cingem a existência
humana.

O que isso quer dizer?

Você se lembra de quando começou estudar Filoso�a e alguém disse: “A


Filoso�a, segundo a concepção grega, nasce do espanto frente à realidade, da
necessidade de conhecer de maneira mais íntima as coisas...”? Pois é isso
mesmo.

O conhecimento vem ao encontro desta necessidade, que está no cerne do


pensamento �losó�co, o que leva algumas correntes de pensamento a eleger a
Teoria do Conhecimento como a disciplina por excelência da Filoso�a.

Quando pensamos e buscamos conhecer as coisas, estamos resolvendo pro-


blemas que cingem nossa existência, daí o grande número de perguntas. Um
bom exemplo é o caso da criança citado anteriormente. Ela não �cou satisfeita
em apenas olhar aquele animal, mas quis saber o que ele era.

Isso acontece diariamente conosco sem nos darmos conta. Tente pensar em
algum exemplo; aliás, esta estratégia de buscar exemplos já é uma forma de
tentarmos nos aproximar do conhecimento das coisas.

Agora que empreendemos este vôo panorâmico sobre algumas questões, pro-
blemas e pressupostos da Teoria do Conhecimento, cabe-nos mais uma per-
gunta.
6. Por que estudar Teoria do Conhecimento?
Tal como a pergunta sobre a identidade do conhecimento, esta se mostra de
difícil solução. Entretanto, vamos tentar resolvê-la. Segundo Moser et al (2004,
p. 4),

É comum que as pessoas sublinhem a importância de ter conhecimento, ou pelo


menos do poder que dele resulta. É assim que, no decorrer de toda a nossa vida, nós
nos propomos o objetivo de adquirir conhecimento. Às vezes buscamos o conheci-
mento pela simples razão de que gostamos de aprender. Às vezes somos exterior-
mente pressionados a adquirir conhecimento; ocorre até mesmo, de vez em quan-
do, de nos sentirmos como simples receptáculos dentro dos quais os outros despe-
jam continuamente montes de informação.

Partindo do pressuposto de que a Filoso�a ocupa-se com as questões mas pro-


fundas e complexas do pensamento, é imprescindível questionar os seus limi-
tes, possibilidades, extensões, veri�cações.

Para usarmos o conhecimento como ferramenta para explorar os limites mais


recônditos da existência humana, é preciso conhecer cuidadosamente este
instrumento. Não podemos cair no erro de �carmos no plano da opinião. Com
isso, o achismo é outro grande erro do conhecimento humano. Como a�rma
Moser et al (2004, p. 4):

Como o conhecimento tem valor para nós, podemos e muitas vezes temos até o de-
ver de adotar uma postura crítica perante a sua aquisição. Sem deixar de lado a
sensatez, devemos assumir a máxima responsabilidade pelas nossas crenças e, por
conseguinte, avaliar cuidadosamente os testemunhos das outras pessoas sempre
que possível.

No papel de �lósofos, precisamos conhecer os limites de nossa razão, seus do-


mínios; Kant que o diga!

Devemos fazer um estudo consciente e cuidadoso dos problemas, das corren-


tes, dos pensadores, dos textos, das críticas, en�m, a seriedade e o calibre agu-
çado devem sempre nortear um questionamento �losó�co.
Não podemos correr o risco de nos alienarmos com a Filoso�a. Se �zermos is-
to, estaremos usando-a de forma errônea e prejudicial, uma vez que seu objeti-
vo maior é exatamente o contrário.

Para �nalizar este tópico, realize a leitura do texto a seguir de Michael


Williams.
O que é a Epistemologia?

O que é a Epistemologia? A resposta é: o ramo da Filoso�a que se ocupa


do conhecimento humano, pelo que também é designada de “Teoria do
Conhecimento”. Só que isto diz-nos quase nada. Por que temos necessi-
dade de uma teoria do conhecimento? E ela é uma teoria acerca de quê,
e como é que a defendemos (ou contestamos)? Aliás, o que implica dizer
que a Epistemologia é um ramo da Filoso�a? O que há de especial nas
investigações �losó�cas do conhecimento? Em que diferem da discus-
são psicológica ou sociológica acerca do “conhecimento” ou da “cogni-
ção”?

Muitos �lósofos nos dias de hoje negam que as questões �losó�cas acer-
ca do conhecimento tenham um caráter especial. Defendem que a
Epistemologia precisa de ser “naturalizada”: quer dizer, aproximá-la de
uma ou mais ciências, talvez da Psicologia Cognitiva. Outros �lósofos
defendem que a Epistemologia está morta. Estas perspectivas são di�-
cilmente separáveis: a distinção entre a transformação radical e a aboli-
ção imediata não é nítida. Contudo, penso que o naturalismo está enga-
nado e que os obituários da Epistemologia são prematuros.

Cinco problemas

Para perceber o que há de diferente numa determinada área teórica, a


melhor forma de começar é perguntar que problema (ou problemas)
aborda. No que diz respeito à Epistemologia, sugiro que se distingam
cinco tipos de problemas […]. São eles:

•  Problema analítico: o que é o conhecimento? (Ou, se preferirmos,


o que entendemos, ou devemos entender. Por “conhecimento”? Por
exemplo, como se distingue (ou se deve distinguir) o conhecimento
da simples crença ou opinião? O que aqui se pretende, idealmente,
é uma explicação precisa ou “análise” do “conceito” de conheci-
mento.
•  Problema da demarcação: este se divide em dois problemas: a) O
problema “externo” pergunta: sabendo-se de algum modo o que é o
conhecimento, poderemos determinar de imediato que coisas po-
demos razoavelmente esperar conhecer? Ou como se refere amiú-
de, poderemos determinar o âmbito e os limites do conhecimento
humano?

Será que há assuntos acerca dos quais podemos ter conhecimento, en-
quanto há outros acerca dos quais não podemos ter mais do que opinião
(ou fé)? Será que há uma quantidade signi�cativa de formas de discurso
que �cam simultaneamente fora do domínio do “factual” ou do que “tem
sentido”? O objetivo é traçar uma fronteira que separe a área do conheci-
mento de outros domínios cognitivos (ou talvez o cognitivo do não cog-
nitivo). b) O problema “interno” pergunta se há fronteiras signi�cativas
no interior do domínio do conhecimento. Por exemplo, muitos �lósofos
têm defendido que há uma distinção fundamental entre o conhecimen-
to a posteriori, ou “empírico”, e o conhecimento a priori, ou “não empíri-
co”. O conhecimento empírico depende (de uma forma ou de outra) da
experiência ou observação, ao passo que o conhecimento a priori é inde-
pendente da experiência, fornecendo a matemática o exemplo mais cla-
ro. Contudo, outros �lósofos negam que se possa fazer tal distinção.

•  Problema do método: este se relaciona com o modo como obte-


mos ou procuramos conhecimento. Sugiro que distingamos três
subproblemas. a) O problema da “unidade” coloca a questão se-
guinte: Há só uma forma para adquirir conhecimento, ou há várias,
dependendo do tipo de conhecimento em questão? Por exemplo,
alguns �lósofos têm defendido que há diferenças fundamentais
entre as ciências naturais e as sociais ou humanas. b) O problema
do desenvolvimento (progresso) coloca a questão seguinte: pode-
mos melhorar as nossas formas de investigação? No séc. 17 este
era um problema de importância capital para os �lósofos que de-
fendiam os avanços cientí�cos em oposição ao dogmatismo estéril
da escolástica (a versão semi-o�cial das posições �losó�cas e ci-
entí�cas de Aristóteles ensinada nas universidades e “escolas”). c)
Finalmente, o problema da “razão”, ou da “racionalidade”. A preo-
cupação aqui é saber se há métodos de investigação, ou de �xação
de crenças, que sejam claramente racionais e, se há, quais são.
•  Problema do ceticismo: será de fato possível obter algum conhe-
cimento? Este problema é difícil porque há argumentos poderosos,
alguns bastante antigos, a favor da resposta negativa. Por exemplo,
embora o conhecimento não possa assentar em pressupostos bru-
tos, todos os argumentos têm de acabar por chegar ao �m. Parece
que, em última análise, as opiniões das pessoas assentam em indí-
cios que elas não podem justi�car e não podemos considerar co-
nhecimento genuíno. O problema que aqui se coloca, então, é o de
conhecer os argumentos do ceticismo �losó�co, a tese que defende
a impossibilidade do conhecimento. Uma vez que há uma ligação
forte entre conhecimento e justi�cação, o problema do ceticismo
está intimamente ligado ao problema da justi�cação.
•  Problema do valor: os problemas esboçados são signi�cativos so-
mente se �zer sentido possuir conhecimento. Mas será que faz, e,
se sim, por quê? Supondo que sim, para que o queremos? Queremos
de qualquer forma, ou por causa de determinados objetivos e em
determinadas situações? O conhecimento é o único objetivo da in-
vestigação, ou há outros com igual (ou maior) importância?

Obviamente que estes problemas não são independentes. O modo como


lidamos com um impõe constrangimentos ao modo como lidamos com
os demais. Mas o modo como um dado �lósofo ajuíza a sua importância
relativa, determinará o sentido que uma dada Teoria do Conhecimento
necessita alcançar e como pode ser defendida. Isto é típico na Filoso�a,
porquanto se veri�cam profundos desacordos não apenas em relação à
correção das respostas a um conjunto determinado de perguntas, mas
também às próprias questões.

Muitos �lósofos atribuem um estatuto privilegiado ao problema do ceti-


cismo na Teoria do Conhecimento. Com efeito, identi�cam praticamente
o problema do conhecimento com este problema. The Problem of
Knowledge, de Ayer (1956), é um exemplo cabal disto.

Há muito a favor desta perspectiva. Há um consenso generalizado rela-


tivamente ao fato de a idade moderna da Filoso�a começar com
Descartes (1596-1650), e que sua contribuição fundamental foi ter induzi-
do a Filoso�a a realizar um enfoque enfaticamente epistemológico.

Descartes escreveu durante um período de grande produção intelectual,


quando (entre outras coisas) a visão medieval do mundo, uma síntese de
algum modo instável entre a Filoso�a aristotélica e a Teologia cristã, co-
meçou a ser crescentemente pressionada por novas idéias cientí�cas
emergentes. Insatisfeito com o ensino do seu tempo e sedento de pro-
moção da nova ciência, Descartes defende um corte radical com o pas-
sado. Pretende construir uma visão do mundo e do conhecimento, a
partir de novos alicerces. Ao promover esta reconstrução, a�rma que
aceita como princípios básicos apenas aqueles que, logicamente falan-
do, não podem ser colocados em dúvida. Com efeito, utiliza o argumento
cético como um �ltro para eliminar todas as opiniões duvidosas: deve-
mos aceitar apenas as proposições que resistam ao mais determinado
assalto cético. Por con�ar no fato de ter encontrado tais proposições,
Descartes não é realmente um cético. Não obstante, a sua “dúvida metó-
dica” coloca os problemas do ceticismo no centro da re�exão.

Conjuntamente com estas considerações históricas, há razões teóricas


fortíssimas a favor da posição que a�rma que os problemas céticos são
a força motriz por detrás das teorias �losó�cas do conhecimento. Uma
das formas mais esclarecedoras para compreender a diferença entre, as
teorias tradicionais do conhecimento é considerá-la tentativas de des-
colagem de idéias, concorrentes sobre os erros dos argumentos céticos.
[…]

Colocar as preocupações com o ceticismo no centro da epistemologia


torna muito claro o que distingue a re�exão �losó�ca acerca do conheci-
mento. Tal re�exão responde a preocupações profundas sobre se de fato
o conhecimento é possível. Isto não pode ser considerado uma matéria
cientí�ca estrita na medida em que o ceticismo questiona todo o alega-
do conhecimento, incluindo o cientí�co.

[…] A ameaça do ceticismo não foi nunca o verdadeiro motivo da re�e-


xão �losó�ca sobre o conhecimento humano. Uma distinção útil aqui é
a que se pode estabelecer entre o objetivo do �lósofo e a sua tarefa: isto é,
entre o que ele espera alcançar e o modo como pensa que deve prosse-
guir (devo esta terminologia útil a Robert Fogelin). O ceticismo tem sido
o problema epistemológico dominante na idade moderna não porque
“refutar o cético” seja sempre o objetivo da re�exão epistemológica, mas
porque eliminar a argumentação cética é quase invariavelmente uma
das suas tarefas fundamentais. Por exemplo, se suspeitamos que certo
tipo de a�rmações são mais vulnerável aos ataques céticos do que ou-
tras, explorar os limites do ceticismo oferecerá uma via para de�nir de-
marcações signi�cativas.

Ou, dito de outro modo, se nos pudermos mostrar onde erram os argu-
mentos céticos, é de esperar aprender importantes lições sobre conheci-
mento e justi�cação. Não é necessário estar no espaço das conclusões
céticas para nos interessarmos pelos argumentos céticos.

[…] Embora a Epistemologia moderna tenha mostrado uma tendência


de�nitiva para seguir o paradigma cartesiano, colocando o ceticismo
em primeiro lugar, a minha caracterização da Epistemologia, no que diz
respeito à listagem dos problemas, deixa em aberto a possibilidade de
desenvolver outras abordagens. Este aspecto da minha abordagem da
Epistemologia será importante quando discutirmos se o tema se esgo-
tou.

Epistemologia e a “tradição ocidental”


Dos meus cinco problemas, o do valor é o menos discutido pelos �lóso-
fos contemporâneos. Mas os outros problemas dependem deste. Se o co-
nhecimento não tivesse importância, não perderíamos tempo a imagi-
nar como o de�nir, como o obter, nem a traçar linhas à sua volta. Nem
nos interessaria refutar o cético. Se não víssemos valor no conhecimen-
to, o ceticismo seria provavelmente ainda um puzzle, mas não um pro-
blema. Contudo, parece-me que o conhecimento tem importância (para
a maioria de nós, pelo menos algumas vezes); se não o conhecimento de
acordo com alguns critérios muito estritos, pelo menos outros conceitos
epistemológicos, tais como justi�cação ou racionalidade. Por quê?

Uma resposta é que a preocupação com o conhecimento (ou com reali-


dades a�ns) está de tal modo enraizada na nossa tradição ocidental que
não é opcional. Esta tradição, que nos seus aspectos �losó�cos e cientí�-
cos, tem suas origens na Grécia clássica, é globalmente e no seu sentido
mais lato uma tradição racionalista e crítica. A Ciência e a Filoso�a co-
meçam quando as idéias acerca da origem e natureza do universo se se-
param do mito e da religião e são tratadas como teorias que se podem
discutir: isto é, comparadas com (e porventura superadas por) teorias
concorrentes. Como observou Karl Popper, esta abordagem globalmente
racionalista para compreender o mundo pode ser considerada como um
tipo de tradição de “segunda ordem”: o que conta não são crenças parti-
culares — encaradas como sagradas, ancestrais, e, desse modo, mais ou
menos inquestionáveis — mas a prática do exame crítico das idéias cor-
rentes para que se possa reter apenas o que �ca depois da inspeção. Ter
herdado esta tradição explica a nossa tendência para contrastar conhe-
cimento com preconceito ou com a (simples) tradição. A distinção é in-
vejosa, o que é uma outra forma de dizer que o conhecimento importa. E
isto não é apenas um preconceito local. Uma vez desperto para o fato de
as nossas mais compartilhadas posições poderem ser desa�adas, não
há retorno para um estádio pré-crítico, para uma perspectiva tradicio-
nalista. É por isso que a preocupação com o conhecimento já não é opci-
onal.

A perspectiva racionalista pode auto-aplicar-se. Quando o é temos a


Epistemologia: um estudo de terceira ordem, segundo uma tradição de
re�exão metacrítica sobre os nossos objetivos e procedimentos episte-
mológicos. Temos uma tradição de investigação centrada no tipo de
questões que iniciamos.

Dada esta perspectiva de Epistemologia, é fácil ver por que razão o ceti-
cismo é especialmente difícil de ignorar. O ceticismo é o gato com o rabo
de fora do racionalismo ocidental: um ataque argumentativamente so-
�sticado à argumentação racionalista. Representa o caso extremo da
tradição da investigação crítica re�exivamente aplicada. Desde os pri-
mórdios da Filoso�a ocidental, tem havido uma contradição que defen-
de que os limites da razão são muito mais estreitos do que os epistemó-
logos otimistas gostam de pensar, que a própria idéia de razão é uma ar-
madilha e uma ilusão e que, mesmo que não o fosse, o conhecimento ci-
entí�co e �losó�co acaba por não ser o que se pensa que é. Se o ceticis-
mo não pode ser refutado, a perspectiva racional destrói-se a si própria
(WILLIAMS, 2001, p. 1-5).

 Saiba mais sobre a Teoria do Conhecimento!

Recomendamos agora que realize a seguinte leitura:

• MOSER, Alvino; LOPES, Luís Fernando. Para compreender a teoria


do conhecimento. 2016. Disponível na Biblioteca Virtual Pearson.

Para melhor compreender as questões em torno do objeto da Teoria do


Conhecimento e suas questões centrais, assista aos vídeos:

• Teoria do Conhecimento: Introdução (https://www.youtube.com


/watch?v=MVorqLoNGYc). 1 vídeo (4 min). Acesso em 7 jul. 2021.
• Teoria do Conhecimento: A Possibilidade do Conhecimento
(https://www.youtube.com/watch?v=YJXd_voAJss). 1 vídeo (7 min).
Acesso em 7 jul. 2021.
• Teoria do Conhecimento: A Origem do Conhecimento
(https://www.youtube.com/watch?v=Vyfb8X1qn78). 1 vídeo (8 min).
Acesso em 7 jul. 2021.
• Teoria do Conhecimento: A Essência do Conhecimento
(https://www.youtube.com/watch?v=SwTsT0elCN4). 1 vídeo (7 min).
Acesso em 7 jul. 2021.
7. Problema do conhecimento
Como você pôde conferir anteriormente, o processo do conhecimento possui
em seu alicerce dois elementos básicos, o sujeito e o objeto, que com sua rela-
ção possibilitam toda a sequência do processo.

Vimos também que, ao conhecer, o sujeito forma uma representação mental


do objeto, e que esta representação é o que nos possibilita tratar das coisas.

O conhecimento é um desejo – uma aspiração, uma disposição etc. – do ho-


mem, e ele nasce da necessidade do homem resolver problemas, dar resposta
a perguntas que compõem sua existência.

O homem é o sujeito por excelência – e por extensão de signi�cado o questio-


nador por excelência. Con�ra, a seguir, a música O que será de Chico Buarque,
que, além de outros sentidos, expressa de forma primorosa tal inquietação hu-
mana.
O que será

O que será que será


Que andam suspirando pelas alcovas
Que andam sussurrando em versos e trovas
Que andam combinando no breu das tocas
Que anda nas cabeças, anda nas bocas
Que andam acendendo velas nos becos
Estão falando alto pelos botecos
E gritam nos mercados que com certeza
Está na natureza
Será que será
O que não tem certeza nem nunca terá
O que não tem conserto nem nunca terá
O que não tem tamanho

O que será que será


Que vive nas idéias desses amantes
Que cantam os poetas mais delirantes
Que juram os profetas embriagados
Que está na romaria dos mutilados
Que está na fantasia dos infelizes
Está no dia-a-dia das meretrizes
No plano dos bandidos dos desvalidos
Em todos os sentidos, será que será
O que não tem decência nem nunca terá
O que não tem censura nem nunca terá
O que não faz sentido

O que será que será


Que todos os avisos não vão evitar
Porque todos os risos vão desa�ar
Porque todos os sinos irão repicar
Porque todos os hinos irão consagrar
E todos os meninos vão desembestar
E todos os destinos irão se encontrar
E mesmo o padre eterno que nunca foi lá
Olhando aquele inferno vai abençoar
O que não tem governo nem nunca terá
O que não tem vergonha nem nunca terá
O que não tem juízo (HOLLANDA, 2012).
Quando formulamos as questões, procuramos, das mais variadas formas,
resolvê-las, seja criando nossas respostas, seja aderindo às respostas já
formuladas por outras pessoas. Surge então uma questão: o que seriam estas
respostas para os problemas?

Para compreender o que sejam estas respostas, neste primeiro momento,


servimo-nos da explicação do que sejam teorias (ou discursos), ou seja,
elaboramos, ou nos utilizamos de algumas teorias para agir, pensar etc.

Mas o que são teorias?

Diferentemente da estratégia que adotamos anteriormente, de deixar a


de�nição para o �m da discussão, desta vez propomos buscar uma de�nição
logo de início para inverter as estratégias de pensamento. Podemos encontrar
nos dicionários uma de�nição clássica de teoria, a saber:

conjunto de regras ou leis, mais ou menos sistematizadas, aplicadas a uma área es-
pecí�ca; conhecimento especulativo, metódico e organizado de caráter hipotético e
sintético [...] (HOUAISS, 2009).

Por estas de�nições já é possível ter uma noção do que sejam as teorias, mas
sugerimos que, neste momento inicial, você a compreenda apenas como res-
postas, como soluções a determinados problemas.

Somando essas novas informações às que já possuímos, que é um processo


comum de conhecimento, vimos que o sujeito relaciona-se com o objeto, capta
informações. O que o leva a deslocar-se de seu eixo e partir para o reconheci-
mento do objeto são as perguntas. Ao formular algumas respostas ou soluções
para estas perguntas, ele está criando teorias e adquirindo novos conhecimen-
tos.

As teorias fornecem um rol de conhecimentos que utilizamos para viver e


conviver cotidianamente, sejam elas cientí�cas ou não.

Vamos pensar em alguns exemplos?


Exemplo da cozinheira
Imagine uma cozinheira com várias ajudantes. Ela precisa fritar algumas ba-
tatas e visualiza uma panela molhada em cima da mesa. Após isso, ela solicita
a uma de suas ajudantes que apanhe a panela e diz: “Seque a panela antes de
colocar o óleo, senão ele espirra”.

Este exemplo nos ajuda a compreender alguns dos conceitos tratados. A cozi-
nheira conhece as particularidades do preparo das comidas, provavelmente
porque aprendeu com alguém, por isso, sabe que se juntar óleo e água em uma
panela quente o óleo espirrará, mesmo desconhecendo os fundamentos cientí-
�cos deste efeito (o óleo espirra porque a água ferve em uma temperatura infe-
rior à do óleo, e por isso começa a evaporar, o que empurra o óleo para cima). A
ajudante (sujeito), por sua vez, desconhece os efeitos (objeto), mas com a reco-
mendação da cozinheira, ela muda sua forma de agir, e assimila esta nova in-
formação, somando-a as  informações que já possui.

Exemplo do treinador de goleiros


Um treinador de goleiros, após vários anos lidando com jogadores, cria uma
teoria: “Todo goleiro canhoto é bom para agarrar pênaltis, enquanto os goleiros
destros são bons para agarrar cobranças de longa distância”.

Por esta teoria, toda vez que seu time precisa decidir uma partida por decisão
de pênaltis, recomenda ao técnico que escale um goleiro canhoto.

O que você achou destes exemplos? Eles dão margem para outras questões?

Por certo que os exemplos possibilitam questionamentos sobre uma in�nida-


de de coisas; entretanto, nos deteremos em cinco problemas essenciais a par-
tir de agora.

8. Cinco problemas essenciais da Teoria do


Conhecimento
Os cinco problemas essenciais da Teoria do Conhecimento são embasados em
Hessen (2003, p. 27). Vejamos, a seguir, sobre cada um deles.

Problema da possibilidade do conhecimento


Dissemos que sujeito e objeto se relacionam, e que nesta relação o sujeito apre-
ende certas características do objeto, dando origem ao conhecimento. Surge o
primeiro problema: o sujeito é realmente capaz de apreender os objetos?

Problema da origem do conhecimento


Dissemos que sujeito e objeto se relacionam, esta relação pode ser racional
e/ou experimental, ou seja, o sujeito cognoscente tanto pode utilizar-se de uma
ou de outra. Este é o segundo problema: a fonte (e fundamento) do conheci-
mento humano é a razão ou a experiência?

Problema da essência do conhecimento


Dissemos que sujeito e objeto se relacionam. Nesta relação vimos que o sujeito
depende do objeto para conhecer; contudo, algumas correntes de pensamento
defendem o contrário. Surge então o terceiro problema: quem determina o co-
nhecimento, o sujeito ou o objeto?

Problema dos tipos de conhecimento


Dissemos que sujeito e objeto se relacionam. Nesta relação supomos que há
uma apreensão do objeto por meio da linguagem-razão. Com esta suposição
nasce o quarto problema: será que existe outro tipo de conhecimento, diferen-
te, ou até oposto ao racional, algo como um conhecimento intuitivo?

Problema do critério
Para tratar deste problema, vamos retomar algumas coisas.

Ao criarmos as teorias, como fez o treinador de goleiros, ou pelo menos ao nos


utilizarmos delas, como é o exemplo da cozinheira, contamos sempre com
uma coisa.
Que coisa é essa?

Pense um pouco e tente descobrir...

Descobriu?

Vamos lá...

Ao conhecer uma coisa, pretendemos que este conhecimento seja verdadeiro.

O que isso quer dizer?

Isso quer, simplesmente, dizer que a nossa busca por conhecimento é uma
busca pela verdade do conhecimento. Não basta conhecermos a coisa, nós
queremos conhecer a verdade.

Dada a importância da aquisição de informações corretas e de evitar crenças fal-


sas, precisamos de algumas diretrizes que nos permitam distinguir a verdade do
erro. Os �lósofos estudiosos do conhecimento procuram identi�car essas diretrizes
e formulá-las de maneira geral. Uma das diretrizes mais elementares poderia a�r-
mar que nossa con�ança numa dada fonte deve variar imensamente de acordo
com o número de vezes que constatamos que ela estava errada. Quanto mais erros
encontramos num determinado jornal, por exemplo, tanto menos devemos con�ar
nas novas reportagens publicadas nesse jornal. Nosso objetivo primeiro é encon-
trar a verdade (as verdades importantes) sem cair em erro. Para buscar judiciosa-
mente as verdades , porém, precisamos de princípios que nos indiquem quando de-
vemos aceitar algo como verdadeiro (MOSER et al, 2004, p. 6).

Por enquanto não entraremos em discussões especí�cas e mais profundas so-


bre a verdade. No entanto, cabe ressaltar que quando conhecemos algo, neces-
sariamente estamos buscando conhecer a verdade de algo, somos levados a
concluir que não basta ter conhecimentos e elaborar teorias, é preciso tam-
bém ter uma garantia, uma certeza, sobre a veracidade destas.

Para ilustrar esta a�rmação, vamos retomar os exemplos anteriores.


No caso da cozinheira, não bastava conhecer a necessidade de secar a panela;
ela também precisou ter uma garantia de que este conhecimento era verda-
deiro. Já no caso do treinador de goleiros, não bastou formular a teoria; ele
precisava ter uma garantia de que ela funcionava.

Esta aliada inseparável do conhecimento, que pode ser chamada de garantia,


de certeza etc. é fundamental para as nossas vidas. Imagine se o treinador não
tivesse certeza da teoria que formulou... Certamente fracassaria nos jogos e se-
ria demitido.

Tudo isso nos leva a concluir que a certeza é uma necessidade inerente ao
próprio conhecimento.

Durante os milhares de anos que compõem a História da Filoso�a, diversos


pensadores, escolas, correntes etc. questionaram esta garantia do conheci-
mento. Na Filoso�a esta busca é conhecida como busca de um critério de cer-
teza.

Como garantir a veracidade do nosso conhecimento?

Expostos os cinco problemas, resta-nos esclarecer ainda algumas outras coi-


sas. A apreensão do objeto pelo sujeito é possível pelo uso da linguagem-razão,
o que nos leva a questionar:

• Por que usar o termo linguagem-razão?


• A linguagem possui relação com a razão?
• Que relação é esta?

Vamos tentar esclarecer estes problemas no tópico seguinte.

9. Pensamento e linguagem
Seguindo a estratégia adotada em tópicos anteriores, de partir das ideias bási-
cas e ir acoplando informações para expandi-las e transformá-las em conhe-
cimento, vamos procurar entrar nas questões pertinentes a este tópico.
Já sabemos que, na relação entre sujeito e objeto, surge a necessidade de res-
ponder a certas indagações e que estas respostas são o que chamamos de teo-
rias. As teorias, por sua vez, possibilitam a vivência e a convivência com o
mundo que nos cerca.

Até agora estamos sempre recorrendo a uma capacidade do ser humano, sem
que percebamos isto. Qual é esta capacidade?

Se você folhear as páginas estudadas, encontrará uma diversidade de pergun-


tas e perceberá que já nos perguntamos sobre quais os elementos básicos do
conhecimento, o que é o conhecimento propriamente dito, e sobre tantas ou-
tras coisas; contudo, esquecemo-nos de algumas perguntas.

1. O que nos possibilita fazer as perguntas que dão origem ao conhecimen-


to?
2. Como elaboramos nossas perguntas?
3. E nossas respostas? Como fornecemos as respostas às perguntas?
4. Como fazemos para elaborar e transmitir nossas teorias?
5. Como transmitimos o conhecimento?

Poderíamos criar uma in�nidade de perguntas, e várias respostas poderiam


ser dadas a elas; no entanto, duas respostas em particular nos ajudarão a com-
preender do que estamos tratando.

No processo de elaboração e transmissão do conhecimento estamos sempre


comunicando e pensando. Antes de prosseguirmos, é importante saber que
estamos utilizando a palavra “comunicando” com o objetivo de alcançar a
maior abrangência possível quanto à ideia de emissão, recepção e troca de in-
formações.

Novamente, vamos retomar o anteriormente dito. Ao a�rmarmos no exemplo


da criança e do cavalo que “sempre que alguém mencionar a palavra cavalo,
ela (criança) saberá do que se trata”, será que não estamos a�rmando que exis-
te ainda outro elemento que constitui o pensamento? Qual seria?

Isso mesmo, a linguagem. A linguagem é inerente ao pensamento.


Antes de prosseguirmos, vamos dar uma olhada no dicionário e conferir a de-
�nição de linguagem. O Dicionário eletrônico Houaiss (2009) de�ne linguagem
como: “Qualquer meio sistemático de comunicar ideias ou sentimentos atra-
vés de signos convencionais, sonoros, grá�cos, gestuais etc. [...]”.

Por esta de�nição podemos perceber a linguagem como um meio de comuni-


cação, meio que possibilita ao homem ter acesso à totalidade das coisas. Por
ser o meio pelo qual é possível ao homem ter acesso à totalidade das coisas, é
correto a�rmar que a linguagem e o conhecimento relacionam-se intimamen-
te.

Mais do que uma relação entre pensamento e linguagem, podemos dizer que é
apenas pela linguagem que o pensamento é possível, pois a linguagem é o veí-
culo por meio do qual o pensamento se constitui e se manifesta.

Você já tinha pensado nisto antes?

Será que a linguagem realmente é tão importante assim?

Pois vamos fazer um teste: tente imaginar alguma coisa que não tenha víncu-
lo algum com aquilo que você já conhece e que representa através de sua lin-
guagem.

E aí, deu certo? O que imaginou?

Se você respondeu que não conseguiu pensar em nada, você está correto.
Realmente é impossível pensar em alguma coisa que não tenha relação com
outras que você já conhece.

Se você se atentar para a maneira como produz e como transmite seus pensa-
mentos, perceberá que a esquemática ocorre de maneira quase textual.
Quando pensamos criamos um “texto mental”, e ainda muitas vezes simula-
mos um discurso, como se estivéssemos conversando ou explicando algo para
alguém.

Agora que já estabelecemos um alicerce para nossa re�exão, é hora de partir


para um segundo momento, no qual analisaremos alguns termos e conceitos
básicos da Teoria do Conhecimento.

10. Considerando alguns termos da Teoria do


Conhecimento
Até este momento tratamos dos pontos cruciais da Epistemologia. Ocorre que,
como as demais disciplinas �losó�cas, a Teoria do Conhecimento, também,
possui um léxico próprio que não pode ser ignorado.

Não podemos utilizar os conceitos de forma desorganizada, sem saber o que


eles exatamente signi�cam dentro de contextos e disciplinas especí�cas.

Por exemplo: a palavra verdade tem um peso enorme no campo da Filoso�a e,


principalmente, em disciplinas como Teoria do Conhecimento e Lógica, en-
quanto que para um programador de máquinas ela pode signi�car uma sim-
ples con�rmação de algo.

Portanto, é imprescindível conhecer o léxico com o qual trabalharemos, mas,


diferente do que é feito corriqueiramente em alguns manuais, que simples-
mente disponibilizam um léxico para consulta, nós optamos por conhecê-lo
criticamente, compreendendo suas de�nições, aplicações, diferenciações etc.

Os diferentes léxicos podem ser entendidos, neste sentido, como as formas es-
pecí�cas de a linguagem se comunicar durante os tempos. Examinando o lé-
xico teremos noção, não só de como pensaram os �lósofos em cada época,
mas também poderemos ampliar nossos conhecimentos sobre os conteúdos
até agora estudados.

Desde já, cabe saber que, tal como tem importância para o mundo ocidental, o
advento da modernidade é também decisivo para a Filoso�a, e para a
Epistemologia em especial.

Com a passagem do mundo medieval para o moderno, há uma ruptura em re-


lação a algumas categorias utilizadas e, neste sentido, existiu uma mudança
radical. Estamos entendendo como Modernidade o período iniciado por volta
do século 15, no qual diversas mudanças políticas, econômicas e sociais esta-
vam eclodindo.

Até este momento, os �lósofos tratavam das ideias pertinentes ao conheci-


mento com um léxico próprio. Este léxico antigo corresponde ao que hoje de-
nominamos termos do pensamento. Vamos conhecê-lo?!

Quando queriam expressar o conhecimento adquirido da relação entre sujeito


e objeto, utilizavam os termos conceito e ideia, e quando queriam se referir às
inferências feitas a partir da análise dos conceitos e ideias se utilizava o termo
juízo.

Para exempli�cá-los, vamos nos utilizar mais uma vez do exemplo da criança
e do cavalo. Sabemos que a criança (sujeito) teve contato com o cavalo (objeto)
no sítio e criou uma imagem mental dele, passando a conhecê-lo; se pergun-
tássemos ao �lósofo antigo o que tinha ocorrido, ele, certamente, responderia
que ela acrescentou ao seu pensamento uma ideia ou conceito, e que toda vez
que comunicasse algo sobre o cavalo (por exemplo, “O cavalo é bonito”), estaria
formulando um juízo.

O léxico antigo prevaleceu por muitos séculos, e só foi reformulado na moder-


nidade. Vamos conhecer esta reformulação?

Na modernidade as coisas mudaram um pouco, e passou-se a usar o léxico:


termos ou palavras, e proposições ou sentenças ou enunciados.

Vamos procurar compreendê-los?

Sabemos que para expressar nossos pensamentos precisamos da linguagem, e


que a linguagem comporta diversas formas de expressão (palavras, gestos
etc.). Quando unidas, estas expressões da linguagem são capazes de transmi-
tir um pensamento. Este pensamento é o que desde a modernidade vem sendo
chamado de sentença, e o que chamamos de expressões são os termos. Ficou
claro?
Vamos ver se com um exemplo �ca mais fácil. Con�ra:

Fonte: desenvolvido pelos autores.

Figura 5 Esquema para compreensão de sentença e termos.

Como �ca perceptível no exemplo, os termos, ou simplesmente “palavras”, são


os conceitos a partir dos quais emitimos nossas sentenças, proposições, enun-
ciados, e estes são expressões; são as sequências de conceitos, linguistica-
mente dispostas, que expressam um pensamento completo.

Pelo exemplo e pelas explicações, podemos perceber que há uma proximidade


entre o léxico antigo e o moderno, o que signi�ca dizer que nem um, nem ou-
tro, estão errados; entretanto, o que não podemos fazer é confundi-los ou
misturá-los. Em nosso caso, optamos por utilizar o léxico moderno, pois ele é o
mais usado nas discussões.

Agora que já conhecemos alguns dos termos da Teoria do Conhecimento, va-


mos aplicá-los ao que foi dito anteriormente.

Vamos pensar primeiramente nas teorias, que dissemos serem respostas a


perguntas. As teorias são sentenças, termos, palavras? Como são linguistica-
mente dispostas, expressam pensamentos e defendem pontos de vista, pode-
mos a�rmar que elas não são simplesmente sentenças, tampouco termos,
mas, um conjunto de sentenças.

Ficou confuso? Vamos retomar aplicando todo o novo léxico estabelecido, de


forma que você consiga compreender todo o processo até agora tratado.

1. O homem (sujeito) questiona os


2. fatos, fenômenos e coisas (objeto), adquirindo
3. imagens mentais (termos), a partir das quais ele consegue criar
4. alguns juízos (sentenças) e com estes
5. responder (teorias) às questões.

Vamos representar isto em um esquema, observe:

Fonte: desenvolvido pelos autores.

Figura 6 Esquema para compreensão do processo do conhecimento.

Ficou claro? Você conseguiu compreender?

É importante ler com atenção o esquema, que segue uma ordem numérica de
disposição. Perceba que o conhecimento humano segue um grande e comple-
xo esquema, que ainda não está terminado, pois nos resta dizer algo sobre ar-
gumento e conclusão.

• O que é argumento?
• O que é conclusão?
Você achou que as perguntas tinham acabado? Nada disso! Lembre-se que foi
pelas perguntas que a Filoso�a “nasceu”!

Novamente não buscaremos a de�nição num primeiro momento. Vamos pen-


sar um pouco?

Por que construímos todo este complexo processo que é o conhecimento?


Alguém dirá que é para responder às perguntas, como informado anterior-
mente. Pois bem, ao responder às perguntas, criamos algumas sentenças e
com elas algumas teorias.

O “arranjo” de sentenças é o que constitui um argumento. Por exemplo, vamos


recordar aquele conhecido argumento da Lógica, a saber:

Todo homem é mortal.

Sócrates é homem.

Logo, Sócrates é mortal.

O que você percebe na sua composição? Vamos analisá-lo por partes.

Primeiro vamos identi�car os termos, vejamos:

Fonte: desenvolvido pelos autores.

Figura 7 Esquema para identi�cação dos termos.

Agora, vamos localizar as sentenças:


Fonte: desenvolvido pelos autores.

Figura 8 Esquema para identi�cação das sentenças.

Localizados os termos e as sentenças, podemos então concluir:

Fonte: desenvolvido pelos autores.

Figura 9 Esquema para conclusão: argumento.

O argumento é a disposição formalmente ordenada de termos e sentenças que


visam deliberar uma ideia.

No caso especí�co deste argumento percebemos a presença de duas


sentenças (chamadas de premissas) e uma conclusão. A conclusão é
consequência do encadeamento das premissas. No caso do exemplo, a
conclusão “Sócrates é mortal” foi uma consequência necessária das
premissas anteriores.

Neste momento, re�ita sobre sua aprendizagem respondendo à questão a se-


guir.

11. Considerações
Neste ciclo, estudamos os aspectos introdutórios da Teoria do Conhecimento,
como também as principais questões que envolvem essa área. Tais questões
levam a perspectivas distintas acerca do conhecimento e, por esta razão, no
próximo ciclo, veremos algumas concepções decorrentes dessas perguntas
(dogmatismo, ceticismo, pragmatismo, subjetivismo, relativismo e criticismo).
Preparado? Vamos lá!
(https://md.claretiano.edu.br/teocon-gs0031-

ago-2022-grad-ead-np/)

Ciclo 2 – Possibilidades acerca do Conhecimento

Juan Antonio Acha


Luis Henrique de Souza
Osmair Severino Botelho
Ricardo Bazílio Dalla Vecchia
Stefan Vassilev Krastanov (In memoriam)

Objetivos
• Reconhecer e examinar os principais problemas referentes à possibili-
dade do conhecimento.
• Compreender as doutrinas do dogmatismo, ceticismo, pragmatismo,
subjetivismo, relativismo e criticismo.
• Pesquisar os principais pensadores que lidam com esses problemas na
História da Filoso�a.

Conteúdos
• Uma análise dos conceitos que versam sobre a possibilidade do conhe-
cimento: dogmatismo, ceticismo, pragmatismo, subjetivismo, relativis-
mo e criticismo.
• Principais pensadores representantes das propostas epistemológicas re-
lacionadas à possibilidade do conhecimento.

Problematização
O que se entende por possibilidade do conhecimento? O seu ponto de vista re-
presenta qual corrente �losó�ca: dogmática, cética ou criticista? Como os
conceitos da Teoria do Conhecimento contribuem com a sua prática pro�ssi-
onal? É possível obter o conhecimento? Como os teóricos responderam às
questões epistemológicas do dogmatismo, ceticismo e criticismo? Por que é
necessário compreender o processo do conhecimento? Quais são as respos-
tas a�rmativas e negativas do problema?

Orientações para o estudo


A aprendizagem em Filoso�a se mostra, em muitos casos, complexa e exten-
sa dada a abrangência e o alcance dos conceitos desenvolvidos durante sua
história. Para melhor rendimento de seus estudos, procure dicionários de
Filoso�a, pois estes podem ajudar você na compreensão e localização dos
conceitos.

1. Introdução
Após introduzirmos a problemática da Teoria do Conhecimento, vamos inves-
tigar as diferentes perspectivas resultantes das questões colocadas pela epis-
temologia. Nesse sentido, abordaremos, neste ciclo, o primeiro grande proble-
ma da Epistemologia: a questão acerca da possibilidade do conhecimento.

De modo geral, essa questão gira em torno da seguinte pergunta: é possível o


conhecimento? É possível o sujeito apreender o objeto? As respostas a essas
questões levaram a duas correntes antagônicas na história da �loso�a: dog-
matismo e ceticismo; a partir dessas respostas, surge uma terceira: o criticis-
mo. Além destas posturas epistemológicas, veremos também o pragmatismo,
subjetivismo e o relativismo.

2. Formulação e implicações do problema


O problema da possibilidade do conhecimento é decisivo para a
Epistemologia, uma vez que lida diretamente com seus fundamentos. Por isso,
convidamos você para, juntos, empreendermos um rastreamento cuidadoso
que analisará as diversas facetas da questão. Vamos lá!

Formulação do problema
Descrevemos anteriormente como se dá o processo do conhecimento.
Dissemos, dentre outras coisas, que ele envolve sujeito e objeto e que desta re-
lação nasce o conhecimento.

Quando olhamos a partir do sujeito, pressupomos uma invasão deste na di-


mensão do objeto e, vendo pelo lado do objeto, pressupomos que houve uma
transferência de propriedades.

Vimos ainda que da relação entre sujeito e objeto se origina uma imagem
mental, que pode ser de�nida como o próprio conhecimento, ou pelo menos,
uma dimensão importante dele.

Estas a�rmações não são difíceis de entender. Certamente, até aqui, graças a
exemplos e esquemas, você conseguiu entendê-las, entretanto (e na Filoso�a
sempre existe um “entretanto”) esta esquemática ainda necessita de algumas
indagações.

O que até agora vimos como algo claro e ordenado é passível de questiona-
mentos, e estes questionamentos originarão o problema da possibilidade do
conhecimento.

Podemos expressar este problema em uma questão, a saber: é possível o co-


nhecimento?

Esta pergunta nos lança diretamente no âmago do problema. Para melhor


compreendê-la, vamos nos atentar à re�exão de Bazarian (1994, p. 73):
[...] Existe no vir-a-ser perpétuo das coisas, na mudança permanente e na diversi-
dade in�nita das coisas, algo de estável que o nosso pensamento possa captar? Ou
estamos condenados de modo inapelável a errar num mundo de aparências e ilu-
sões?

Em outras palavras: O que podemos conhecer? A nossa mente, a nossa consciência,


é capaz de conhecer e re�etir de maneira adequada o mundo que nos rodeia? É
possível o sujeito captar o objeto, conhecer a verdade, a essência íntima das coisas,
o númeno, a “coisa em si”? É a razão humana capaz de penetrar nos mistérios da
Natureza e trazer à luz as leis do seu desenvolvimento?

A citação de Bazarian nos ajuda a compreender a dimensão do problema. Se


lembrarmos dos exemplos citados no ciclo anterior, como o da criança com
o cavalo, será que realmente ela consegue conhecer o cavalo, ou ainda no
caso do treinador de goleiros, será que ele é capaz de conhecer as
características do goleiro para formular suas teorias?

Estas questões põem em cheque o que vimos até agora, por isso, vamos
explorá-las mais um pouco:

• Será que realmente ocorre a relação entre sujeito e objeto que origina o
conhecimento?
• O conhecimento é possível?
• Como? Por quê?

Com estas perguntas situamos nosso problema, com isso, podemos partir para
o reconhecimento das implicações.

Implicações do problema
É preciso estar ciente, antes de adentrar nas implicações, da radicalidade des-
te problema, sua importância originária, uma vez que ele de�nirá todo nosso
horizonte de pesquisa e, apenas adiantando para ilustrar, se partirmos do
pressuposto da impossibilidade do conhecimento, toda Epistemologia, e por
extensão, todas as áreas do saber humano mostrar-se-ão inúteis e ine�cientes.

Estamos entendendo por “implicações” os problemas e/ou soluções decorren-


tes das respostas dadas aos problemas colocados. Neste primeiro caso, as im-
plicações mais diretas podem ser a a�rmação ou a negação da possibilidade.
Vamos conhecê-las?

Pela perspectiva a�rmativa estaremos dizendo que é possível o conhecimen-


to, seja pela apreensão do objeto por parte do sujeito, seja pela invasão por par-
te do objeto no sujeito.

Com isso, será nossa tarefa prosseguir a investigação para saber como, por
que etc. é possível o conhecimento.

Sendo a resposta a�rmativa estaremos con�ando na capacidade humana de


apreender o mundo à sua volta e, como dissemos anteriormente que toda
apreensão supõe uma verdade, estaremos, também, a�rmando que é possível
ao homem o conhecer da verdade das coisas.

Se, por outro lado, optarmos pela perspectiva negativa, assumiremos a postu-
ra de que o homem não é capaz de conhecer as coisas, fatos e fenômenos que
o circundam, e, consequentemente, que não nos é possível conhecer a verda-
de, já que o que julgamos ser verdadeiro, diante desta postura, não passará de
cogitações sem fundamento.

Neste caso não nos restará alternativa a não ser desistir de nossa análise, já
que o conhecimento seria impossível.

Aplicando estas implicações nos exemplos anteriores, ocorreria o seguinte:

• No caso da a�rmativa, ilustrando com o exemplo da criança e do cavalo,


diríamos que ela realmente conseguiu conhecer o que é um cavalo, e que
quando ela emite algum juízo como “o cavalo tem quatro patas” ela está
dizendo a verdade.
• No caso da negativa, usando o mesmo exemplo, concluiríamos que ela
não conhece o cavalo, e, portanto nada do que diga sobre o que “acha co-
nhecer” poderá ser encarado como verdade.

Agora que já conhecemos o problema e suas implicações diretas, convidamos


você a analisar os pressupostos teóricos criados na tradição �losó�ca para
responder a este problema.

Vamos adiante!

3. Principais correntes que respondem ao pro-


blema
Durante os milhares de anos que compõem a tradição �losó�ca, muitas res-
postas para o problema da possibilidade do conhecimento foram formuladas.
Algumas mais radicais, outras mais moderadas, o fato é que elas sempre in-
quietaram os grandes pensadores.

A partir de agora conheceremos as principais respostas, que chamaremos de


atitudes frente ao problema da possibilidade.

Vamos lá?!

Dogmatismo
Para compreender a corrente �losó�ca que defende a possibilidade do conhe-
cimento, ou seja, o dogmatismo, é mister iniciarmos com as seguintes ques-
tões:

1. Você já ouviu falar em dogmatismo?


2. E em dogma?
3. Em que ocasião?
4. O que signi�cam?

Vamos iniciar nossa investigação sobre a atitude dogmática recorrendo ao


signi�cado etimológico e às de�nições de dogma.

Proveniente do grego dógma, traduzido por Hessen (2003, p. 29) como doutrina
estabelecida, também carrega o signi�cado de decisão, opinião, decreto, e pos-
sui familiaridade com o verbo doké, que guarda o signi�cado de parecer.
O dogma é, segundo o Dicionário eletrônico Houaiss (2009): “qualquer doutrina
de caráter indiscutível em função de supostamente ser uma verdade aceita
por todos”, ou seja, é um preceito aceito de forma irre�etida.

Pela de�nição de dogma, já se torna possível compreender o que é o dogmatis-


mo, com efeito:

[...] posição epistemológica para a qual o problema do conhecimento não chega a


ser levantado (HESSEN, 2003, p. 29, grifo nosso).

[...] doutrina que crê na possibilidade de conhecer a verdade absoluta das coisas de
modo direto e imediato, por meios empíricos, racionais ou supra-racionais
(BAZARIAN, 1994, p. 94).

O dogmatismo a�rma que a verdade existe e que podemos conhecê-la. A atitude


dogmática consiste em con�ar em nossas faculdades intelectuais, em crer na reali-
dade objetiva dos nossos conhecimentos e em acreditar que nossa inteligência po-
de atingir as verdades relativas ao homem, ao universo e a Deus (SANTOS, 1964, p.
284).

O dogmatismo concebe como totalmente possível o conhecimento.

Ocorre que esta concepção não é criticamente avaliada e examinada; ela é


simplesmente tida como verdadeira sem qualquer re�exão ou questionamen-
to.

Isso signi�ca dizer que no dogmatismo sequer se coloca o problema da possi-


bilidade do conhecimento, uma vez que ele é tido como absolutamente certo.
Neste sentido comenta Hessen (2003, p. 29, grifo nosso):

A possibilidade e a realidade do contato entre sujeito e objeto são pura e simples-


mente pressupostas. É auto-evidente que o sujeito apreende seu objeto, que a cons-
ciência cognoscente apreende aquilo que está diante dela. Esse ponto de vista é
sustentado por uma con�ança na razão humana que ainda não foi acometida por
nenhuma dúvida.
Como �ca claro pelo comentário, o dogmatismo pressupõe, ou seja, ele supõe
antecipadamente, que o conhecimento é possível e isso é feito de forma total-
mente irre�etida. Outra característica é a autoevidência; o dogmático não se
coloca o problema do conhecimento; para ele conjecturas como as que viemos
fazendo até agora não têm sentido, pois é evidente que o conhecimento é pos-
sível.

Mas, por que será que isso acontece? A resposta quem nos fornece é Hessen
(2003, p. 30, grifo nosso):

O fato de, para o dogmatismo, o conhecimento não chegar a ser um problema, re-
pousa sobre uma visão errônea da essência do conhecimento. O contato entre su-
jeito e objeto não pode parecer questionável se não se vê que o conhecimento
apresenta-se numa relação. É o que ocorre com o dogmático. Ele não vê que o co-
nhecimento é, essencialmente, uma relação entre sujeito e objeto. Ao contrário,
acredita que os objetos do conhecimento nos são dados como tais, e não pela fun-
ção mediadora do conhecimento [e apenas por ela]. Ele desconsidera esta última. E
isso vale não apenas para o campo da percepção, mas também para o do pensa-
mento. Segundo a concepção do dogmatismo, os objetos da percepção nos seriam
dados diretamente, corporeamente, e assim também os objetos do pensamento.
Num caso desconsidera-se a percepção, por meio da qual determinados objetos que
nos são dados; no outro, desconsidera-se a função pensante.

Pelo que analisamos até agora, algumas características podem ser salienta-
das:

1. Inexistência do problema do conhecimento: por aceitarem tudo de forma


ingênua, o problema do conhecimento não é colocado.
2. Contato óbvio entre sujeito e objeto: pressupõe que obviamente há um
contato entre sujeito e objeto, sem nenhum problema.
3. Ignora ser o conhecimento fruto da relação entre sujeito e objeto: por ter
como obvio o contato entre sujeito e objeto, a relação entre eles não é pen-
sada, acabando por ser simplesmente desconhecida ou ignorada.
4. Desconhece o sujeito: pela obviedade e pressuposição, desconhece o su-
jeito como agente ativo na relação; aliás, a relação, como já vimos, tam-
bém é desconsiderada.

Com isso deduzimos uma con�ança demasiada e “impensada” no conheci-


mento por parte do dogmatismo, que não se coloca nenhum problema e qual-
quer relação. Tudo sempre esteve e sempre estará ali. São desconsiderados os
planos da percepção e do pensamento.

Poderíamos dizer que as máximas do dogmatismo seriam: “as coisas são as-
sim porque são”; e “isso é assim e pronto, não tem discussão”.

Você já ouviu alguma destas expressões? Em que ocasião? Quais outras expressões você
acrescentaria a estes exemplos? Re�ita sobre e isso e troque ideias com seus colegas de
curso.

Por ser uma atitude radical, o dogmatismo não atua somente na esfera episte-
mológica, mas também em outras esferas, o que nos leva a compreendê-lo em
três dimensões gerais. Com efeito: dogmatismo teórico, que estudamos até
agora; dogmatismo ético, que se refere aos valores morais e dogmatismo reli-
gioso, que diz respeito aos valores religiosos.

O dogmatismo religioso é um dos mais conhecidos, pois a religião possui uma


a�nidade bastante particular com os dogmas, uma vez que “fé não se discute”.

Jacob Bazarian (1994, p. 94) distingue três modalidades de dogmatismo, que


vale a pena conhecer. São elas:

1. Dogmatismo ingênuo: concebe que as coisas são como as percebemos,


não colocando o problema do conhecimento, da relação etc. Partilha de
uma crença total no conhecimento.
2. Dogmatismo racional: concebe ser a razão capaz de conhecer,
considerando-a uma faculdade suprassensível e independente de qual-
quer experiência. Partilha de uma crença parcial, racional, no conheci-
mento.
3. Dogmatismo irracional: concebe a possibilidade de obter o conhecimento
por meios irracionais ou suprarracionais, como é o caso da intuição e da
fé. Partilha de uma crença parcial, irracional, no conhecimento.

Por características como a irre�exão, a aceitação passiva e a inquestionabili-


dade, o dogmatismo é tido como uma atitude ingênua, acrítica, passiva.
No cotidiano

Algumas respostas típicas da atitude dogmática em nosso dia-a-dia: “Porque sim”,


“Porque não”, “É assim que é”, “Não tem explicação”, “Isso não se discute”; ou seja,
as coisas não são vistas como problemas, mas como certezas.  Vejamos o exemplo
da ilustração:

Fonte: desenvolvido pelos autores.

Figura 1 Diálogo típico do cotidiano.

Este exemplo demonstra a forma dogmática como pessoas se posicionam perante


o mundo. A�nal, quem é que nunca ouviu uma frase desta?

 Quer saber mais sobre o dogmatismo?

Para tanto, recomendamos que assista aos seguintes vídeos:

• Dogmatismo – Brasil Escola (https://www.youtube.com/wat-


ch?v=U8MFLBj6MYo). 1 vídeo (6 min). Acesso em 7 jul. 2021.
• A possibilidade do conhecimento: dogmatismo (https://www.youtu-
be.com/watch?v=YfnPckAQnmE). 1 vídeo (9 min). Acesso em 7 jul.
2021.
Ceticismo
O ceticismo foi uma corrente �losó�ca muito importante durante o período
helenístico. Durante a idade média sua in�uência foi muito pequena. Seus
principais representantes neste período foram:

a) Pirro (360-270 a.C.). Pirro ensinou que, para o homem, a única atitude cabível é a
suspensão (epoqué) total do juízo, pois não pode a�rmar de coisa alguma que seja
verdadeira ou falsa, justa ou injusta.

b) Carnéades (214-129 a.C.), que admitia que o homem pode conhecer o que é prová-
vel, não a verdade.

c) Sexto Empírico (séc. II d.C.) sistematiza o ceticismo justi�cando-o pelo profundo


desacordo entre os �lósofos em relação a qualquer problema e, por outro lado, pelo
engano dos sentidos. Sexto Empírico considera inútil toda a investigação metafísi-
ca (ZILLES, 2003, p. 95-96).

Já na modernidade seus principais representantes foram Montaigne e Hume.


No entanto, outros �lósofos adotaram posições céticas, mas o ceticismo
desses �lósofos era um ceticismo metódico que procurava encontrar algo que
pudesse sobreviver até à crítica cética radical. Um grande exemplo desse tipo
de ceticismo metódico é o �lósofo francês René Descartes. Segundo Zilles
(2003, p. 96),

Nos tempos modernos, o ceticismo se faz presente na fundamentação de uma nova


epistemologia que passa pela dúvida metódica cartesiana e culmina da crítica kan-
tiana pela inconoscibilidade da “coisa em si”. A indiferença moral, aliada à evidên-
cia de uma verdade objetiva, dará lugar à defesa da tolerância como valor supremo.

O problema do ceticismo absoluto


Os extremos se tocam! Esta máxima é a escolhida por Hessen para analisar o
ceticismo, e quer mostrar que, tal como o dogmatismo radical, aceita a possi-
bilidade do conhecimento; o ceticismo
radical as nega.
Após este comentário, nos é permitido a�rmar que segundo o posicionamento
do ceticismo é impossível a relação entre sujeito e objeto que resulta no co-
nhecimento. Por isso, a única possibilidade ainda restante é a abstenção, ou a
suspensão do juízo, no sentido de não a�rmar ou negar nada sobre algo.

Como atitude �losó�ca, o ceticismo é uma indagação nunca terminada por


causa do pressuposto da incognoscibilidade do real numérico. Tal atitude faz
da dúvida a atitude de�nitiva do espírito e não apenas uma fase metodológica,
levando consequentemente à suspensão de juízo (epoqué). Não se trata do co-
nhecimento fenomênico.

As grandes linhas do ceticismo pirrônico podem de�nir-se em função de duas


noções fundamentais:

1. suspensão do juízo (epoqué);


2. indiferença (adiaforia).

Ambas as noções aparecem em contextos situados, não de�nidos teoricamen-


te. A primeira signi�ca que a dialética de opiniões não permite um juízo abso-
luto. Logo, a suspensão do juízo corresponde a uma total indiferença em rela-
ção às coisas. Essa indiferença especulativa conduz a uma indiferença práti-
ca, pois, é uma renuncia ao saber, envolvendo a suspensão do juízo sobre o
bem e o mal. A felicidade, então, resultará da total indiferença ao que é bem e
mal, na ataraxia entendida como total autodomínio e independência.

Mas qual seria a problemática envolvida no ceticismo que o leva a negar a


possibilidade do conhecimento? Novamente buscamos a resposta em Hessen
(2003, p. 31-32):
Enquanto o dogmatismo de um certo modo desconsidera o sujeito, o ceticismo não
enxerga o objeto. Seu olhar está colado de modo tão unilateral ao sujeito, à função
cognoscente, que desconhece por completo a referência ao objeto. Sua atenção está
sempre completamente direcionada aos fatores subjetivos do conhecimento huma-
no. Ele observa que todo conhecimento é condicionado por peculiaridades do sujei-
to e de seus órgãos de conhecimento, bem como por circunstâncias externas (meio
ambiente e cultura). Com isso, desaparece de sua vista o objeto, que é, no entanto,
necessário para que aconteça o conhecimento, que signi�ca exatamente uma rela-
ção entre um sujeito e um objeto.

Como bem diagnosticou Hessen, o ceticismo é o resultado de um apego radi-


cal ao sujeito que acaba por desconsiderar a importância, e até mesmo a exis-
tência do objeto.

Ao operar de tal forma, a possibilidade do conhecimento é automaticamente


anulada, uma vez que se ignora a existência da relação entre eles, ou ainda:
“[...] nega a possibilidade de o sujeito poder apreender o objeto; desconhece o
objeto e concentra toda a sua atenção no sujeito, nos fatores subjetivos do co-
nhecimento humano” (BAZARIAN, 1994, p. 74).

O ceticismo possui extensões, podendo ser absoluto ou relativo. Vamos anali-


sar cada uma delas separadamente.

Ceticismo absoluto

Quanto ao ceticismo absoluto Bazarian (1994, p. 74) a�rma: “É a doutrina que


nega peremptoriamente a possibilidade de conhecer a verdade. A�rma que o
homem não pode, em nenhum domínio, chegar à certeza”.

Dessa forma, nada é possível de ser conhecido, há uma negação absoluta da


possibilidade do conhecimento; portanto, a verdade e a certeza não existem
e/ou não podem ser apreendidas, ou como nos diz Miranda Santos (1964, p.
284): “[...] não podemos ter a certeza em coisa alguma. Todas as opiniões são
igualmente incertas. A única atitude legítima do espírito humano é a da dúvi-
da permanente e integral”.

Na História da Filoso�a podemos encontrar alguns representantes desta ver-


tente, o primeiro deles, segundo Bazarian (1994, p. 74):

[...] foi o so�sta, da antiga Grécia, Górgias, que sustentava as três teses seguintes: 1)
o ser não existe; 2) se ele existisse não poderíamos conhecê-lo; 3) ainda que pudés-
semos conhecê-lo não poderíamos comunicá-lo aos outros. Outro �lósofo grego da
época, Pirro, a�rmava que é impossível conhecer qualquer coisa de verdadeiro.
Dado que os nossos juízos sobre a realidade são contraditórios e não existem co-
nhecimentos e juízos verdadeiros, é melhor suspender o juízo (essa suspensão de
juízo ele chamava de epoche).

Abordado o ceticismo absoluto, é hora de conhecermos a vertente relativa.

Quer saber mais sobre este assunto? Procure, nas diversas fontes, informações e dados so-
bre o so�sta Górgias e sobre Pirro.

Ceticismo relativo
A vertente relativa do ceticismo nega apenas parcialmente a possibilidade do
conhecimento, ou seja, é uma atitude mais moderada que concebe a
impossibilidade, não de todas, mas de algumas parcelas ou domínios do
conhecimento.

Neste sentido, Bazarian (1994, p. 74) a�rma:

[...] enquanto o ceticismo absoluto nega radicalmente a possibilidade do conheci-


mento em geral, o ceticismo relativo nega parcialmente a possibilidade de conhe-
cer a verdade em determinado domínio ou põe limites ao conhecimento.

Parece-nos bem clara a diferença entre as duas espécies de ceticismo, uma


vez que ambas possuem o mesmo cerne, com extensões diferentes, uma
universal, a outra particular.

Na História da Filoso�a, ainda segundo Bazarian (1994, p. 75), podemos


encontrar:
[...] nos ensinamentos dos pensadores so�stas (pré-socráticos) e céticos (pós-
socráticos) já encontramos os germes do ceticismo relativo, com todas as suas dife-
rentes nuanças que apareceram dois mil anos depois, e que enumeramos acima.

Um dos mais conhecidos destes so�stas foi, sem dúvida, Protágoras de Abdera (que
viveu no século. 5 a. C.). Partindo dos ensinamentos de Heráclito, de que tudo �ui e
muda, e das variações da sensação conforme as disposições subjetivas do nosso
espírito, Protágoras inferiu disso a relatividade e subjetividade dos nossos conheci-
mentos. Sua doutrina enunciou com a célebre fórmula: “O homem é a medida de to-
das as coisas”. Com isso ele queria dizer que a forma de conhecimento das coisas
depende do homem e varia de um homem para o outro. [...]

Aplicando sua fórmula ao conhecimento dos deuses, ele dizia: “quanto aos deuses,
não posso saber se existem ou não existem, ou como é a �gura deles, pois muita
coisa impede de sabê-lo, sobretudo a obscuridade do assunto e a brevidade da vida
humana”.

O ceticismo relativo ainda abarca outras formas de descrença, como nos mos-
tra Hessen (2003, p. 32):

Como o dogmatismo, o ceticismo também pode estar associado tanto à possibilida-


de do conhecimento em geral quanto de um conhecimento determinado. No pri-
meiro caso, estamos diante de um ceticismo lógico, também chamado de absoluto
ou radical. Se se referir apenas ao conhecimento metafísico, falaremos de ceticis-
mo metafísico. Com respeito ao campo dos valores, distinguimos o ceticismo ético
do ceticismo religioso. Para o primeiro, o conhecimento ético é impossível; para o
segundo, o religioso. Finalmente, cabe distinguir ainda o ceticismo metódico do
sistemático. Aquele está relacionado a um método; este, a uma posição de princí-
pio. Esses tipos de ceticismo não passam de diferentes formas dessa posição de
princípio. Mas o ceticismo metódico consiste em pôr em dúvida tudo que aparece à
consciência natural como certo e verdadeiro, eliminando toda a inverdade e atin-
gindo um conhecimento absolutamente seguro.

Como bem destacou Hessen, há ainda outras espécies de ceticismo, como o


metafísico, o ético, o religioso, o metódico, o sistemático, cada qual com sua
particularidade, mas que em seu cerne possuem a descon�ança em relação à
possibilidade de se atingir o conhecimento de determinadas coisas.
Compreendidas as extensões e rami�cações do ceticismo, convidamos você a
analisar a apreciação crítica feita por Hessen (2003, p. 32) a respeito da atitude
cética, para então podermos encerrar este tópico:

É palpável que o ceticismo radical ou absoluto é autodestruidor. Ele a�rma que o


conhecimento é impossível. Com isto, porém, ele expressa um conhecimento.
Conseqüentemente, trata o conhecimento como sendo, de fato, possível, mas, ao
mesmo tempo, a�rma que ele é impossível. O ceticismo padece, assim, de autocon-
tradição.

O cético poderia, certamente, encontrar uma saída. Poderia indicar o juízo “o co-
nhecimento é impossível” como duvidoso e dizer: não há nenhum conhecimento, e
mesmo isto é duvidoso. Também aqui, há um conhecimento sendo expresso, a sa-
ber, o conhecimento de que é duvidoso que haja conhecimento. Por um lado, por-
tanto, a possibilidade do conhecimento será a�rmada pelo cético e, por outro, será
posta em dúvida. No fundo, encontramo-nos diante da mesma autocontradição de
antes.

Conforme os céticos antigos já reconheciam, o representante do ceticismo só pode


controlar a autocontradição revelada há pouco se suspender o juízo. A rigor, porém,
nem isso basta. O cético não pode, na verdade, realizar qualquer ato de pensamen-
to, pois tão-logo o faça estará pressupondo a possibilidade do conhecimento e
enredando-se, assim, na mesma autocontradição. A aspiração ao conhecimento da
verdade é, do ponto de vista do ceticismo estrito, desprovida de sentido e de valor.
Nossa consciência ética dos valores, porém, protesta contra essa concepção.
Irrefutável sob o ponto de vista lógico, enquanto suspende todo juízo e ato de pen-
samento – o que, na prática é certamente impossível –, o ceticismo é verdadeira-
mente batido no campo da ética. Ao �m das contas, não rejeitamos o ceticismo por-
que podemos refutá-lo logicamente, mas porque nossa consciência ética dos valo-
res o condena na medida em que considera a aspiração à verdade como algo dota-
do de valor.

Compreendeu a crítica de Hessen? Quais são os pontos centrais?

Ao que nos parece, a crítica deste estudioso é pertinente, uma vez que revela a
fragilidade de um sistema que se apoia no ceticismo. Hessen se serve do
próprio argumento cético para desconstruí-lo, a saber, se o conhecimento é
impossível, como seria possível ao cético conhecer esta impossibilidade? Não
estaria ele se contradizendo? Pois é, este é um argumento autodestruidor.
Vejamos a ilustração:

Fonte: desenvolvido pelos autores.

Figura 2 Diálogo do conhecimento impossível.

Conhecidas as respostas mais diretas e centrais em relação ao problema da


possibilidade do conhecimento, ou seja, o ceticismo e o dogmatismo, podemos
avançar um pouco mais e analisar outras respostas possíveis.

Estas outras respostas que nos dispomos a analisar a partir de agora são clas-
si�cadas por Bazarian (1994) como modalidades de ceticismo relativo, classi�-
cação que optamos por seguir.

Modalidades de ceticismo relativo

Visando facilitar a compreensão e a exposição destas principais modalidades,


criamos um quadro explicativo a partir do estudo de Hessen (2003, p. 36-37) e
Bazarian (1994, p. 83-85), a saber:

DESCRIÇÃO E
MODALIDADE EXEMPLO
COMENTÁRIO
MODALIDADE DESCRIÇÃO E COMENTÁRIO EXEMPLO

Teoria segundo a qual, não


há verdade absoluta, univer-
salmente válida. Toda verda-
“Todo ponto de vista é
de é relativa e tem apenas
visto de um ponto”. Esta
uma validade limitada.
frase sintetiza o pressu-
Comentário: enquanto o ceti-
posto do relativismo.
cismo ensina que não há
Como exemplos temos o
Relativismo verdade alguma, o subjeti-
caso da bigamia, da pena
vismo e o relativismo não
de morte etc., que são
vão tão longe. Para ambos, a
considerados crimes em
verdade certamente existe,
algumas culturas e paí-
mas é limitada em sua vali-
ses e em outros não.
dade. Não há verdade algu-
ma universalmente válida.

Teoria segundo a qual, não


há verdade absoluta, univer-
Basta recordar
salmente válida. Toda verda-
Protágoras (século 5º a.
de é subjetiva, isto é, válida
C.): “o homem é a medida
apenas para o sujeito que co-
de todas as coisas”. Ou
nhece e julga. O que é verda-
seja, uma coisa que é
deiro para uns pode ser falso
verdadeira para um, po-
para outros.
de ser falsa para o outro.
Subjetivismo Comentário: enquanto o sub-
Por exemplo, se duas
jetivismo faz o conhecimen-
pessoas assistem a um
to depender de fatores que
acidente de carro de
residem no sujeito cognos-
pontos diferentes, cada
cente, o relativismo enfatiza
qual terá sua versão e,
mais a dependência que o
consequentemente, a
conhecimento humano tem
sua “verdade”.
de fatores externos.
MODALIDADE DESCRIÇÃO E COMENTÁRIO EXEMPLO

Teoria segundo a qual nosso


pensamento não pode ter
acesso à verdade propria-
mente dita, mas somente a
proposições apresentando
um grau mais ou menos ele-
vado de probabilidade ou de
credibilidade.
Há dez anos que moro
Comentário: como é impos-
em São Paulo e sempre
sível um conhecimento rigo-
chove no mês de dezem-
Probabilismo roso da verdade, nunca po-
bro, portanto, é provável
deremos dizer que esta ou
que neste ano isto tam-
aquela proposição seja ver-
bém ocorra.
dadeira. A única coisa que
podemos a�rmar é que ela
tem maior ou menor proba-
bilidade de ser verdadeira.
Não existe, portanto, certeza
rigorosa, mas apenas proba-
bilidades.
MODALIDADE DESCRIÇÃO E COMENTÁRIO EXEMPLO

Teoria de Henri Poincaré, se-


gundo a qual os princípios
cientí�cos, pelo menos de
geometria e de mecânica,
têm caráter puramente con-
vencional.
Comentário: o convenciona-
lismo substitui a noção de
Um grupo de geômetras
verdade pela da comodidade.
convenciona que sempre
É erro, por exemplo, pergun-
duas linhas x alcançarão
Convencionalismo tar se a geometria euclidiana
o ponto y no momento z.
é mais verdadeira que outra;
A partir daí prosseguem
ela é apenas mais cômoda.
suas investigações.
Para Henri Poincaré, a ciên-
cia é apenas uma “lingua-
gem” convencional, uma
maneira de formular o que
percebemos dos fenômenos,
mas de nenhum modo, uma
explicação decisiva do real.

Teoria segundo a qual o nos-


so intelecto trabalha, de pre-
ferência, com pressupostos
Como exemplo temos a
falsos - com �cções -, desde
Filoso�a do “como se” de
que eles se mostrem úteis e
Hans Vaihinger. Um ci-
vitais. A “verdade” é, pois, o
Ficcionalismo entista diz ao outro:
“erro mais adequado”.
“Tente calcular como se
Comentário: a �cção, como
a água fervesse a 200
se sabe, é uma representação
graus”.
mental, à qual nada corres-
ponde na realidade.
MODALIDADE DESCRIÇÃO E COMENTÁRIO EXEMPLO

Doutrina segundo a qual tu-


do o que é útil e e�caz é ver-
dadeiro. Em vez de investi-
gar se uma doutrina, teoria
ou proposição, é verdadeira
ou falsa, o pragmatismo se
Dois negociadores con-
interessa apenas pelos resul-
versam: “Não é verdade
tados práticos que ela possa
que caminhões amarelos
dar.
são mais espaçosos,
Comentário: partindo do
atraentes e nunca são
pressuposto agnóstico que é
roubados?”. O outro res-
impossível conhecer a es-
ponde: “Porque diz isto?”.
sência das coisas e ignoran-
E o amigo completa:
Pragmatismo ou do o conceito de verdade co-
“Porque precisamos ven-
Utilitarismo mo concordância entre o ser
der 50 caminhões ama-
e o pensamento, sugere um
relos este mês pra não
novo conceito de verdade.
sermos demitidos”. Sem
Segundo ele, verdadeiro sig-
hesitar, aquele que não
ni�ca aquilo que é útil e van-
sabia a resposta, con�r-
tajoso para a vida e a sobre-
ma e acrescenta: “Você
vivência do individuo, ou de
esqueceu de dizer que
um grupo ou uma classe so-
também são mais
cial. Essa concepção de
econômicos”.
pragmatismo da verdade,
fundada pelos �lósofos ame-
ricanos C. Pierce e W. James,
tornou-se a Filoso�a o�cial
do businessman americano.
MODALIDADE DESCRIÇÃO E COMENTÁRIO EXEMPLO

Teoria segundo a qual não


podemos conhecer a essên-
cia das coisas em si (núme-
nos), mas somente como
elas se manifestam exterior-
Quando pegamos um co-
mente, como se nos apresen-
po para tomar água, te-
  tam (fenômenos); isto é, po-
mos uma experiência
Fenomenalismo demos conhecer “como” as
dele, nós conhecemos
coisas são, mas não “o que”
como ele se dá a nós,
  são na realidade.
embora sua essência de
Comentário: o fenomenalis-
copo possa nos ser des-
mo não nega a existência
conhecida.
das “coisas em si” fora e in-
dependente do sujeito cog-
noscente e até as admite ex-
pressamente.
MODALIDADE DESCRIÇÃO E COMENTÁRIO EXEMPLO

Doutrina fundada pelo �lóso-


fo francês Augusto Comte
(1798-1857) e que recebeu
ampla difusão entre �lósofos
e cientistas contemporâne-
os. O ponto de partida do po-
sitivismo é o seguinte: como
é impossível um conheci-
mento cientí�co da essência
das coisas, do númeno, da
Imagine um cientista di-
“coisa em si”, e dos proble-
zendo: “Não me importa
mas metafísico-
saber a essência da água
transcendentais, a ciência
(como se preocupou
deve limitar-se positivamen-
Positivismo Tales de Mileto), eu ape-
te aos dados, isto é, ao estudo
nas preciso saber a
dos fenômenos imediatos da
quantos graus ela conge-
experiência e no descobri-
la para realizar meu ex-
mento das relações invariá-
perimento”.
veis de semelhanças e de su-
cessão que os ligam, sem in-
dagar o “porquê” dessas rela-
ções.
Comentário: a ciência positi-
va deve desistir de buscar as
causas primeiras e as causas
�nais e limitar-se à descri-
ção dos fenômenos.
MODALIDADE DESCRIÇÃO E COMENTÁRIO EXEMPLO

Doutrina que põe à prova to-


da a�rmação da razão hu-
mana e nada aceita incons- Antes de saber qual é a
cientemente. Por toda parte origem do nosso conhe-
pergunta sobre os funda- cimento, o partidário do
mentos e reclama da razão criticismo pergunta:
humana, uma prestação de “Será que somos real-
contas. O expoente principal mente capazes de co-
Criticismo desta doutrina é Emmanuel nhecer?”. Quais os limi-
Kant. tes da minha razão, ou
Comentário: seu comporta- ainda, as famosas ques-
mento não é nem cético nem tões kantianas: “O que
dogmático, mas criticamen- posso saber?”, “O que de-
te inquisidor – um meio en- vo fazer?” e “O que é per-
tre a temeridade dogmática mitido esperar?”.
e o desespero cético.

Saiba mais sobre as propostas do ceticismo na Teoria do


 Conhecimento!

Recomendamos que assista aos seguintes vídeos:

• Ceticismo - Brasil Escola (https://www.youtube.com


/watch?v=kWwU-l08R2A). 1 vídeo (9 min). Acesso em 7 jul. 2021.
• A possibilidade do conhecimento: ceticismo (https://www.youtu-
be.com/watch?v=v5sMfTLQazc). 1 vídeo (10 min). Acesso em 7 jul.
2021.

4. Outras possibilidades do conhecimento:


pragmatismo, subjetivismo, relativismo e criti-
cismo
De acordo com Hessen (2000), além do dogmatismo e ceticismo, a Teoria do
Conhecimento ainda aborda outras propostas relacionadas à possiblidade do
conhecimento: pragmatismo, subjetivismo e relativismo e criticismo. A seguir,
vejamos sobre cada uma delas.

Pragmatismo
Segundo esta corrente, conhecimento verdadeiro é aquele que signi�ca ser co-
nhecimento útil, valioso, fomentador da vida, pois o homem não é essencial-
mente um ser teórico ou pensante, mas sim um ser prático, um ser de vontade
e de ação: "verdadeiro, segundo essa concepção, signi�ca o mesmo que útil,
valioso, promotor da vida" (HESSEN, 2000, p. 40).

 Quer saber mais sobre o Pragmatismo?

Realize a seguinte leitura:

• MOSER, Alvino; LOPES, Luís Fernando. Para compreender a teoria


do conhecimento. 2016. p. 134-137. Disponível na Biblioteca Virtual
Pearson.

Ainda sobre esta temática, recomendamos que assista ao vídeo A possibilida-


de do conhecimento: pragmatismo (https://www.youtube.com/wat-
ch?v=KnBn7cwjk5w).

Subjetivismo e Relativismo
Subjetivismo e relativismo são linhas muito próximas, a ponto de serem con-
fundidas e complementadas. Com relação ao subjetivismo, trata-se da possibi-
lidade em que o sujeito conhece de fato o objeto, mas de um ponto de vista
particular: "restringe a validade da verdade ao sujeito que conhece e que julga.
Este pode ser tanto o sujeito individual ou indivíduo humano quanto o sujeito
genérico ou o gênero humano" (HESSEN, 2000, p. 36).
Já o relativismo é a posição que a�rma a não existência de verdade absoluta e
universalmente válida, reduzindo, assim, o seu discurso de verdade como re-
lativo ao contexto externo e às circunstâncias locais: "também para ele, não
há qualquer validade geral, nenhuma verdade absoluta. Toda verdade é relati-
va, tem validade restrita (HESSEN, 2000, p. 37).

Em síntese, enquanto que, para o subjetivismo a verdade se restringe ao ponto


de vista do sujeito, para o relativismo, a verdade se limita às circunstâncias
atribuídas pelos objetos e situações exteriores.

 Compreendeu a diferença entre Subjetivismo e Relativismo?

Para expandir o seu conhecimento sobre o subjetivismo e o relativismo,


assista ao seguinte vídeo:

• Subjetivismo e Relativismo (https://www.youtube.com/watch?v=qk-


msvBZ7e4). 1 vídeo (10 min). Acesso em 7 jul. 2021.

Criticismo
Esta linha de pensamento compartilha questões tanto com o dogmatismo co-
mo também com o ceticismo. Assim como o dogmatismo, o criticismo está se-
guramente convencido de que há um possível conhecimento, que há uma ver-
dade. No entanto, partilhando, por sua vez, também com o ceticismo, junta tal
con�ança de conhecer com a descon�ança da determinação de qualquer tipo
de conhecimento. Com isso, ele examina todas as a�rmações da razão huma-
na e não aceita nada de modo despreocupado:
Por toda parte pergunta sobre os fundamentos, e reclama da razão humana uma
prestação de contas. Seu comportamento não é nem cético nem dogmático, mas
criticamente inquisidor - um meio termo entre a temeridade dogmática e o deses-
pero cético. Germes de criticismo existem em todo lugar onde haja re�exões episte-
mológicas. É o que ocorre, na Antiguidade, com Platão e Aristóteles e também com
os estoicos; na Idade Moderna, com Descartes e Leibniz e, mais ainda, com Locke e
Hume. O verdadeiro fundador do criticismo, entretanto, é Kant, cuja �loso�a é cha-
mada exatamente assim (HESSEN, 2000, p. 43).

 Quer saber mais sobre o Criticismo?

Neste momento, é importante que você realize a seguinte leitura:

• MOSER, Alvino; LOPES, Luís Fernando. Para compreender a teoria


do conhecimento. 2016. p. 94-105. Disponível na Biblioteca Virtual
Pearson.

Para �nalizar este tópico, assista ao vídeo a seguir denominado A possibilida-


de do conhecimento: criticismo.

Como no ciclo anterior, chegou o momento de re�etir sobre sua aprendizagem


respondendo à questão a seguir:

5. Considerações
Como vimos neste ciclo, as posturas intelectuais impactam diretamente no
que é considerado como objeto do conhecimento (dogmatismo, ceticismo,
pragmatismo, subjetivismo relativismo e criticismo). No próximo ciclo, vere-
mos outra questão fundamental para a Teoria do Conhecimento, dessa vez re-
lacionada às origens ou fontes do conhecimento, com o racionalismo, empi-
rismo, apriorismo e o intelectualismo. Até a próxima etapa!
(https://md.claretiano.edu.br/teocon-gs0031-

ago-2022-grad-ead-np/)

Ciclo 3 – Origem do Conhecimento: Racionalismo e


Empirismo

Juan Antonio Acha


Luis Henrique de Souza
Osmair Severino Botelho
Ricardo Bazílio Dalla Vecchia
Stefan Vassilev Krastanov (In memoriam)

Objetivos
• Compreender as implicações do problema da origem do conhecimento.
• Analisar as correntes do racionalismo e empirismo.
• Conhecer os principais �lósofos racionalistas e empiristas e suas formu-
lações.

Conteúdos
• Análise acerca dos principais conceitos que fundamentam a origem do
conhecimento: racionalismo e empirismo.
• Principais representantes racionalistas e empiristas na História da
Filoso�a.

Problematização
O que se entende por origem do conhecimento? De que maneira as posições
do racionalismo e empirismo contribuem para a sua formação e prática pro-
�ssional? Quais as fontes do conhecimento? Por que é necessário levar em
consideração a questão da origem do conhecimento para compreender o pro-
cesso cognoscente? De que maneira o sujeito e objeto se apresentam nas li-
nhas teóricas referentes às origens do conhecimento? Como os teóricos res-
ponderam às questões epistemológicas do racionalismo e do empirismo?

Orientações para o estudo


Neste ciclo de aprendizagem, faremos inúmeras menções às �loso�as do
Racionalismo e do Empirismo. Por conta disso, orientamos que busque auxí-
lio em manuais, artigos acadêmicos e dicionários.

1. Introdução
Após re�etirmos sobre a possibilidade do conhecimento, neste ciclo chega-
mos a uma segunda questão em Teoria do Conhecimento: qual seria a fonte e
o ponto de partida do conhecimento? De onde provêm as ideias, os conceitos e
representações? Ou seja, estudaremos o problema da origem do conhecimento.

Para Hessen (2000), de acordo com as respostas oferecidas às questões menci-


onadas anteriormente, destacam-se quatro correntes �losó�cas: a) racionalis-
mo; b) empirismo; c) intelectualismo; e d) apriorismo kantiano (ou criticismo).
Neste ciclo, no entanto, abordaremos apenas as propostas do racionalismo e
do empirismo; as outras duas – intelectualismo e apriorismo – serão estuda-
das somente no Ciclo 4 de aprendizagem.

Podemos dizer que as duas correntes �losó�cas que estudaremos neste ciclo –
racionalismo e empirismo – apresentaram a mesma �nalidade: abandonar a
pesquisa do “ser” e passar para a investigação do “conhecer”; porém, partiram
de premissas distintas no que diz respeito à origem do conhecimento.

2. Formulação e implicações do problema


Seguindo a mesma esquemática adotada em ciclos anteriores, elegemos a for-
mulação do problema como ponto de partida, para então avançar no estudo e
reconhecimento das principais correntes e suas rami�cações.

Como é possível o conhecimento? Bem, esta questão será o �o condutor de


nossos estudos; contudo, antes de qualquer comentário, é preciso esclarecer
um ponto: a questão “como o conhecimento é possível?” já aceita a possibili-
dade do conhecimento, cabendo buscar apenas a maneira como ele ocorre.

Mas o que isto signi�ca? Signi�ca que estamos agora operando num nível di-
ferente do apresentado no ciclo anterior, e isso precisa �car bem entendido an-
tes de prosseguirmos. Lá a questão com a qual nos ocupávamos girava em tor-
no da possibilidade inicial de conhecer, enquanto que aqui estamos num nível
diferenciado, com efeito, após aceitar que o conhecimento é possível, quere-
mos saber como.

Observe a �gura, a seguir, que procura esclarecer esta diferença.

Fonte: desenvolvido pelos autores.

Figura 1 Possibilidade e origem do conhecimento.

Como bem mostra a �gura, a diferença está no foco da análise. No primeiro


momento o problema era saber da possibilidade da relação entre sujeito e
objeto que resulta no conhecimento. Agora, nossa preocupação é saber como é
possível esta relação.

Vamos acompanhar e analisar, pausadamente, a re�exão de Hessen (2003, p.


47) para esclarecer o problema:
Se formulo o juízo “o sol aquece a pedra”, eu o faço com base em determinadas ex-
periências. Vejo como o sol bate sobre a pedra e, tocando-a, veri�co que ela vai �-
cando cada vez mais quente. Em meu juízo, portanto, apóio-me nos dados da visão
e do tato, ou, em poucas palavras, na experiência.

Mas meu juízo contém um elemento que não está na experiência. Meu juízo não diz
simplesmente que o sol bate na pedra e que ela, então, torna-se quente. Ele a�rma
que entre esses dois processos existe uma coerência interna, causal. A experiência
mostra que um processo segue-se ao outro. Eu adiciono o pensamento de que um
processo ocorre por meio de outro, é causado pelo outro. Meu juízo “o sol aquece a
pedra” exibe, pois, dois elementos, um deles proveniente da experiência, o outro
proveniente do pensamento. A questão, agora, é saber qual dos dois é decisivo. A
consciência cognoscente apóia-se de modo preponderante (ou mesmo exclusivo)
na experiência ou no pensamento? De qual das duas fontes do conhecimento ela
extrai seus conteúdos? Onde localizar a origem do conhecimento?

Como é possível perceber, Hessen principia sua re�exão com o juízo “o sol
aquece a pedra”, e a partir dele começa a especular sobre as origens do conhe-
cimento. Como sei que o sol aquece a pedra? Esta pergunta �ca implícita na
continuidade do argumento, à qual ele responde: pela experiência.

Hessen nota, entretanto, que seu juízo não é unicamente pautado na experiên-
cia (pelos sentidos do tato e da visão), já que há nele uma ideia de causa, a sa-
ber “se a pedra está quente é porque o sol a aqueceu”. Com isso ele quer nos
mostrar a existência de dois elementos: a experiência e o pensamento; experi-
ência pela percepção empírica do aquecimento da pedra e pensamento pela
dedução de uma coisa a partir da outra, ou seja, estabelece-se uma relação.

O estudioso então prossegue questionando a importância e preponderância de


cada um destes elementos e conclui:

A pergunta sobre a origem do conhecimento humano pode ter tanto um sentido ló-
gico quanto psicológico. No primeiro caso, a questão tem o seguinte teor: psicologi-
camente, como se dá o conhecimento no sujeito pensante? No segundo caso: em
que se baseia a validade do conhecimento? Quais são seus fundamentos lógicos?
(HESSEN, 2003, p. 48).
A partir do debate das perguntas levantadas por Hessen, a saber, “como se dá
o conhecimento no sujeito pensante?”, e “em que se baseia a validade do co-
nhecimento?”, nos é permitido prosseguir para o reconhecimento das princi-
pais respostas formuladas na História da Filoso�a.

3. Respostas à questão da origem do conheci-


mento
Inúmeras são as tentativas de responder à questão da origem do conhecimen-
to, por isso, daremos atenção especial àquelas que tiveram maior destaque e
in�uenciaram de forma mais decisiva as re�exões �losó�cas.

Iniciaremos pelas duas correntes, ou respostas, que mais envolveram e ocupa-


ram os pensadores na História da Filoso�a, ou seja, o empirismo e o raciona-
lismo.

Antes de analisarmos mais de perto essas posições vejamos o que nos infor-
ma Moser, Mulder e Trout (2004, p. 112) sobre elas de forma geral:

O empirismo básico assevera que não é possível adquirir conhecimento da realida-


de através do uso não empírico da razão. A�rma, por exemplo, que não podemos ter
conhecimento algum acerca da realidade ou irrealidade dos unicórnios pelo puro e
simples exame do conceito ou idéia de unicórnio. O mesmo vale, digamos, para a
questão da realidade dos elefantes: não podemos saber se eles são reais ou não pelo
mero uso não empírico da razão. O racionalismo básico, por outro lado, a�rma que
temos acesso a alguns conhecimentos por essa via. Não podemos determinar se os
elefantes existem pelo simples uso não empírico da razão, mas, segundo o raciona-
lismo básico, podemos determinar, por exemplo, que todo acontecimento tem uma
causa.

Você percebeu que a explicação sobre o racionalismo e o empirismo de Moser,


Mulder e Trout, vem de encontro com o problema levantado? Como decidir
qual dos dois tem razão? Ambos estão corretos, ou somente o racionalismo ou
somente o empirismo? Vamos conhecer um pouco mais dessas duas
correntes a �m de cautelosamente veri�carmos os pormenores?
4. O racionalismo
Para iniciarmos nossa análise do racionalismo, propomos algumas questões
iniciais:

• O que é racionalismo?
• Quais são suas características?
• Quem são seus representantes?

Agora vamos juntos buscar as respostas destas e de outras questões. Como


uma primeira forma de aproximação, recorremos a duas clássicas de�nições,
a saber:

• “Chama-se racionalismo (de ratio, razão) o ponto de vista epistemológico


que enxerga no pensamento, na razão, a principal fonte do conhecimento
humano” (HESSEN, 2003, p. 48).
• “Doutrina que a�rma que a razão humana, o pensamento abstrato, é a
única fonte de conhecimento” (BAZARIAN, 1994, p. 100).

O que nos dizem as de�nições? Pois bem, podemos notar que tanto Hessen
quanto Bazarian são concordantes em a�rmar que o racionalismo é a doutrina
ou “ponto de vista” que concebe a razão (ratio, em latim) como fonte do conhe-
cimento, ou seja, o conhecimento segundo a concepção racionalista provém
da razão.

Mas o que signi�ca dizer que o conhecimento é fruto da razão? Como ele ocor-
re? Para responder estas perguntas devemos recorrer à relação entre sujeito e
objeto já examinada anteriormente.

De acordo com o racionalismo, o conhecimento é um produto do sujeito, al-


cançado mediante operações mentais lógicas. Ou seja, o sujeito cognoscente,
com sua capacidade racional, é capaz de conhecer as coisas, ou, pelo menos,
algo delas, independentemente da experiência sensível. Como exemplo, pode-
mos citar uma operação matemática que independe da experimentação empí-
rica.

Já possuímos, portanto, um ponto para nos apoiar, contudo ainda não su�ci-
ente, uma vez que outras perguntas acabam necessariamente surgindo, pois
se o conhecimento se origina na razão:

1. Quais são as características deste conhecimento?


2. Ele possui limites?
3. Quais são esses limites?
4. Quais as implicações de um conhecimento racional?

Para responder estas perguntas retornamos o diálogo com Hessen, que diz:

Segundo o racionalismo, um conhecimento só merece realmente esse nome se for


necessário e tiver validade universal. Se minha razão julga que deve ser assim,
sempre e em toda parte, então (e só então), segundo o modo de ver do racionalismo,
estamos lidando com um conhecimento autêntico (HESSEN, 2003, p. 48, grifos nos-
sos).

Dois elementos novos, a saber, a necessidade e a validade, entraram em cena


pelo comentário de Hessen e nos ajudarão a avançar mais um pouco em
nossa empreitada. Segundo o estudioso, para que algo venha a se caracterizar
como conhecimento, para o racionalismo, é preciso que ele possua dois
aspectos: necessidade lógica e validade universal.

Mas o que seriam eles? Hessen (2003, p. 48) exempli�ca:

Ocorre algo assim quando, por exemplo, eu expresso o juízo “o todo é maior que a
parte”, ou “todos os corpos são extensos”. Em ambos os casos, percebo que deve ser
assim e que a razão estaria se contradizendo se quisesse a�rmar o contrário. E por-
que tem que ser assim, é assim sempre e em toda a parte. Esses juízos, portanto,
possuem necessidade lógica e validade universal.

Os exemplos tentam explicar dois conceitos clássicos da �loso�a que servem


de alicerce para o racionalismo, ou seja, a validade e a necessidade. Como vo-
cê poderá notar ao pesquisar qualquer dicionário de Filoso�a, a validade diz
respeito à coerência interna do juízo, e a necessidade diz respeito à qualidade
imprescindível e inevitável de certas coisas.
Para esclarecer melhor, vamos nos servir do exemplo utilizado por Hessen, a
saber: o todo é maior que a parte. Este é um exemplo clássico em que notamos
a presença dos dois aspectos; ele é um juízo válido porque há uma coerência
entre o que é a�rmado e o que pode ser veri�cado (por exemplo, que de fato o
todo de algo é maior do que a parte), e também é necessário porque é impres-
cindível e inevitável que assim seja (até porque nunca a parte de algo será
maior que o todo).

Hessen (2003, p. 48-9) prossegue seu argumento analisando a contraprova:

Algo completamente diferente ocorre com o juízo “todos os corpos são pesados”, ou
“a água ferve a 100 graus”. Aqui, posso apenas julgar: “é assim”; todavia, de forma al-
guma, “deve ser assim”. Em si e por si mesmo, é perfeitamente pensável que a água
ferva a uma temperatura mais alta ou mais baixa. Do mesmo modo, não há qualquer
contradição em pensar num corpo que não possui peso, pois o conceito de corpo
não contém a nota característica de peso. Não há qualquer necessidade lógica asso-
ciada a esses juízos e falta-lhes, assim, a validade universal. Até hoje, podemos ape-
nas julgar que, até onde pudemos constatar, a água ferve a 100 graus e os corpos são
pesados. Esses juízos, portanto, só valem dentro de um campo determinado.

Mas por que será que isso acontece? Hessen (2003, p. 49) conclui:

A razão disso é que, nesses casos, dependemos da experiência. Não ocorre o


mesmo com todos os juízos anteriormente citados. Julgo que todos os corpos são
extensos na medida em que me represento claramente o conceito “corpo” e en-
contro nele a nota característica “extensão”. Esse juízo não está baseado, portan-
to, numa experiência qualquer, mas no pensamento. Daí resulta que os juízos ba-
seados no pensamento, provindos da razão, possuem necessidade lógica e vali-
dade universal; os outros não. Assim, prossegue o racionalista, todo conhecimen-
to genuíno depende do pensamento. É o pensamento, portanto, a verdadeira fon-
te e fundamento do conhecimento humano.

Temos aqui a tese central dos racionalistas, a saber: o verdadeiro conhecimen-


to provém e depende unicamente da razão, pois só os juízos dela provenientes
possuem necessidade lógica e validade universal.

Compreendidos os fundamentos do racionalismo, ainda nos resta uma ques-


tão, uma vez que �ca a impressão de estarmos tratando de algum conheci-
mento particular, pois a maioria dos nossos conhecimentos é contingente e
proveniente da experiência. Que conhecimento seria esse?

Se você pensou no conhecimento matemático está no caminho certo. Os raci-


onalistas têm como modelo este tipo de conhecimento por ser marcadamente
dedutivo e conceitual, ou seja, podemos concluir que “2+2=4” por pura dedu-
ção e sem a necessidade de uma prova empírica, ou seja, apenas conceituan-
do. É por isso que os racionalistas em sua maioria estão ligados à matemática
e à geometria, como é o caso dos estudos pitagóricos e outros.

A retrospectiva histórica nos traz muitos dados interessantes, além de nos


permitir uma análise de alguns desdobramentos possíveis da atitude raciona-
lista.

 Quer entender mais sobre o racionalismo?

Ainda sobre os conceitos que fundamentam o racionalismo, indicamos a


leitura das seguintes obras disponíveis na Biblioteca Virtual Pearson:

• HUENEMANN, Charlie. Racionalismo. Petrópolis: Vozes, 2012. p.


11-32.
• MOSER, Alvino; LOPES, Luís Fernando. Para compreender a teoria
do conhecimento. Curitiba: Intersaberes, 2016. p. 72-78.

Agora, antes de iniciar o próximo tópico, assista ao vídeo a seguir que também
aborda sobre o racionalismo.
5. Principais representantes do racionalismo
Dentre os autores racionalistas, estudaremos: Descartes, Malebranche e
Spinoza. Vejamos a seguir sobre cada um deles.

René Descartes (1596-1650)


Para muitos historiadores da Filoso�a, Descartes é considerado o fundador da
Filoso�a Moderna (REALE; ANTISERE, 2004, p. 283), especialmente por conta
da mudança de orientação �losó�ca daquela comum ao pensamento antigo e
medieval: “Com Descartes a �loso�a recebe uma colocação crítica e gnosioló-
gica: o que se quer veri�car em primeiro lugar é o valor do conhecimento hu-
mano” (MONDIN, 1982, p. 62). Ao invés de investigar a natureza empírica das
coisas particulares – que se fundamenta do uso dos sentidos –, o principal é
conhecer o potencial da razão:

Se alguém quiser investigar a sério a verdade das coisas, não deve escolher uma ci-
ência particular: estão todas unidas entre si e dependentes umas das outras; mas
pense apenas em aumentar a luz natural da razão, não para resolver esta ou aquela
di�culdade de escola, mas para que, em cada circunstância da vida, o intelecto
mostre à vontade o que deve escolher. Em breve �cará espantado de ter feito pro-
gressos muito superiores aos de quantos se dedicam a estudos particulares, e de ter
obtido não só tudo o que os outros desejam, mas ainda coisas mais elevadas do que
as que podem esperar (DESCARTES, 1985, p. 13).

A partir da de�nição do seu método, a preocupação de Descartes era encontrar


um ponto de partida indubitável e evidente para o conhecimento. Para tanto,
utilizou-se da chamada “dúvida metódica”: colocou tudo sob o �ltro do questi-
onamento (sentidos, senso comum, verdades do raciocínio, argumentos de au-
toridade etc.); aquilo que resistisse ao próprio ato da dúvida, poderia ser uma
verdade clara e evidente por si mesma. De todas as coisas, a única ideia que
continuou inabalável à dúvida metódica foi o cogito (pensamento): podemos
duvidar de tudo que existe; mas, a única coisa que não podemos negar é o fato
de que continuamos a pensar até mesmo quando duvidamos das coisas e do
próprio pensamento.
Mas logo depois atentei que, enquanto queria pensar assim que tudo era falso, era
necessariamente preciso que eu, que o pensava, fosse alguma coisa. E, notando que
esta verdade – penso, logo existo – era tão �rme e tão certa que todas as mais ex-
travagantes suposições dos cépticos não eram capazes de a abater, julguei que po-
dia admiti-la sem escrúpulo como o primeiro princípio da �loso�a que buscava
(DESCARTES, 2001, p. 38).

Na charge a seguir, observamos uma comparação do “cogito” de Descartes


com a expressão “acredito, logo estou certo”. A questão do conhecimento e da
informação, na atualidade, ganhou outras valências, como a que testemunha-
mos com o fenômeno das Fake News. O que você pensa sobre isso?

(https://mdm.claretiano.edu.br/teocon-g02627-2021-01-grad-ead-np/wp-
content/uploads/sites/813/2019/12/10.png)Fonte: Shovel, 2018.
Figura 2 Verdade e Pós-verdade (http://www.em-rede.com/site/internet-livre/p%C3%B3s-verdade-para-al%C3%A9m-

das-fake-news).

Baseado em Platão, o pensamento de Descartes leva em consideração que o


homem é composto de duas substâncias distintas: a) Res Cogitans: alma/ pen-
samento; b) Res Extensa: corpo/ matéria. Este é o chamado dualismo psicofísi-
co cartesiano, uma vez que separa alma e corpo como substâncias distintas.
Cabe à alma (razão) a função de reger as paixões do corpo.

Portanto, a fonte do conhecimento para Descartes não decorre da corporalida-


de, muito menos das sensações, mas da ideia distinta que o sujeito tem de si
mesmo como ser pensante. É a partir da certeza do cogito (res cogitans) que o
intelecto humano pode, então, chegar ao conhecimento de duas outras subs-
tâncias: res in�nita (Deus) e res extensa (matéria).

Vamos conhecer melhor as propostas do racionalismo cartesia-


 no?

Leia os textos indicados a seguir, disponíveis na Biblioteca Virtual


Pearson:

• CAPUTO, João Carlos Lourenço. Tópicos em Epistemologia. Curitiba:


Intersaberes, 2019. p. 24-52.
• HUENEMANN, Charlie. Racionalismo. Petrópolis: Vozes, 2012. p.
33-65.

Recomendamos, também, que assista ao vídeo a seguir, sobre a teoria de


Descartes.

Nicolas Malebranche (1638-1715)


Este autor leva o dualismo de corpo (res extensa) e alma (res cogitans) de
Descartes ao extremo: não existe uma alma vegetativa ou sensorial – confor-
me dizia Aristóteles, mas apenas uma alma só, dotada somente das funções
do pensar e do querer; ao corpo, resta somente a extensão e materialidade. Isto
leva o autor a conceber que nem o corpo interage ou in�uencia a alma; e nem
alma, por sua vez, in�uencia os estados corporais – pois ambas as naturezas
são distintas: o imaterial jamais pode in�uenciar no material, e vice-versa.

No entanto, resta uma questão: se corpo e alma não interagem entre si, bem
como a alma está isolada de todas as outras almas, como é possível então o
intelecto conhecer a verdade e as coisas externas? Retomando o neoplatonis-
mo de Plotino e de Agostinho de Hipona, Malebranche leva em consideração o
conhecimento das coisas através do princípio da participação na natureza di-
vina: de fato, a alma está separada de todas as coisas, mas, por conta de sua
natureza, ela possui uma relação direta e imediata com Deus, conhecendo,
portanto, todas as coisas não por si mesmas, mas por meio da “visão divina”,
da qual participa.

Dessa forma, tudo está em Deus – e o conhecimento da alma (intelecto) só é


possível através da unidade com Deus, que conhece tudo. A alma só é capaz
de pensar seu corpo por conta de sua participação em Deus. Daí surge o con-
ceito de “ocasionalismo” em Malebranche:

Todas as atividades da alma que nos parecem causar efeitos sobre o corpo são na
realidade, causas ocasionais, que agem tão somente pela e�cácia da vontade de
Deus. O mesmo pode-se dizer sobre as supostas ‘ações’ do corpo sobre a alma
(REALE; ANTISERE, 2005, p. 8).

 Vamos entender melhor sobre o ocasionalismo de Malebranche?

Recomendamos que realize o estudo do seguinte material:

• CAPUTO, João Carlos Lourenço. Tópicos em Epistemologia. Curitiba:


Intersaberes, 2019. p. 54-80. Disponível na Biblioteca Virtual
Pearson.

Assista, também, ao vídeo a seguir, que trás outras contribuições para o enten-
dimento da teoria de Malebranche.
Baruch Spinoza (1632-1677)
Embora também racionalista, diverge de várias ideias da ética cartesiana. Ele
também concebe que o ser humano é constituído de corpo e alma, mas não o
considera a partir do dualismo de “substâncias” distintas. Para Spinoza,
Descartes criou uma ambiguidade ao propor o conceito de substância. Em
Princípios da Filoso�a, Descartes tinha a�rmado que, “quando concebemos a
substância, concebemos uma coisa que existe de tal maneira que só tem a ne-
cessidade de si própria para existir” (DESCARTES, 1997, p. 45). Ora, levando em
consideração essa de�nição, somente Deus (res in�nita) poderia ser então,
uma substância – e não mais o pensamento (res cogitans) e a matéria (res ex-
tensa), consideradas como criaturas. Para sair desta situação, Descartes apre-
sentou uma segunda de�nição de substância: são também substâncias aque-
las realidades criadas (tanto as pensantes como as corpóreas) que, para existi-
rem, “só têm necessidade do concurso ordinário de Deus”, diferentemente dos
atributos, que dependem de outras coisas criadas para existirem (DESCARTES,
1997, p. 45).

Embora a segunda de�nição sirva para resolver o problema criado pela pri-
meira, é inegável a ambiguidade em torno do conceito de substância: trata-se
daquilo que “depende” e, ao mesmo tempo, “não depende” de outra coisa para
existir. Ao perceber essa contradição conceitual, Spinoza conclui que a única
maneira de resolver essa aporia seria considerar a existência de uma substân-
cia só, de modo unívoco e radical, como causa sui (causa de si mesma): “por
substância compreendo aquilo que existe em si e que por si mesmo é concebi-
do” (SPINOZA, 2016, p. 13). Portanto, para o autor, só Deus pode ser causa de si
mesmo: “por Deus compreendo [...] uma substância que consiste de in�nitos
atributos, cada um dos quais exprime uma essência eterna e in�nita”
(SPINOZA, 2016, p. 13).

Se Deus é a única realidade que pode ser identi�cada como substância, o que
seria então o pensamento e a matéria? Segundo Spinoza, pensamento e maté-
ria não seriam substâncias, mas atributos in�nitos de uma única substância:
“o atributo é aquilo que, da substância, o intelecto percebe como constituindo a
sua essência” (SPINOZA, 2016, p. 18). Na realidade, a substância (Deus) possui
in�nitos atributos constitutivos de sua essência; no entanto, a �nitude do inte-
lecto humano concebe apenas dois: o pensamento e a extensão (materialida-
de).

Essa perspectiva – de uma única substância – desconstrói totalmente o dua-


lismo corpo-alma de Descartes, bem como sua premissa moral: para Spinoza,
corpo e alma não são realidades distintas e separadas, pois pertencem ontolo-
gicamente à mesma substância (Deus) – são diferentes apenas enquanto atri-
butos da mesma essência. E se não são substâncias distintas, então quer dizer
que não existe uma relação de causalidade ou de hierarquia entre corpo e al-
ma, mas apenas um paralelismo (https://razaoinadequada.com/2012/12
/29/esboco-para-uma-contra-historia-da-psicologia-espinosa/). “Nem o corpo
pode determinar a mente a pensar, nem a mente pode determinar o corpo ao
movimento ou ao repouso, ou a qualquer outro estado (se é que existe)”
(SPINOZA, 2016, p. 100).

 Vamos entender melhor a teoria de Spinoza?

Para aprofundar o racionalismo de Spinoza, recomendamos que realize a


seguinte leitura:

• HUENEMANN, Charlie. Racionalismo. Petrópolis: Vozes, 2012. p.


92-122.

Também é interessante que você assista aos vídeos a seguir, que mencionam
o racionalismo de Spinoza:
6. Empirismo
Tal como o racionalismo, o empirismo vem tentar responder à questão sobre a
origem do conhecimento.

O racionalismo concebe que é da e na razão que o conhecimento se origina, de


forma inata e apriorística, mas o que diz então o empirismo?

Vamos analisar o comentário de Hessen (2003, p. 54):

À tese do racionalismo, segundo a qual a verdadeira fonte do conhecimento é o


pensamento, a razão, o empirismo (de empeiría, experiência) contrapõe a antítese,
dizendo que a única fonte do conhecimento humano é a experiência.

Como bem assinalou Hessen, o empirismo se opõe radicalmente ao racionalis-


mo, uma vez que concebe que não é a razão a fonte do conhecimento, mas sim
a experiência.

É da experiência, e não da razão, que a consciência cognoscente retira seus


conteúdos. Como a�rma Hume (2011, p. 10):
Cada um admitirá prontamente que há uma diferença considerável entre as per-
cepções do espírito, quando uma pessoa sente a dor do calor excessivo ou o prazer
do calor moderado, e quando depois recorda em sua memória esta sensação ou a
antecipa por meio de sua imaginação. Estas faculdades podem imitar ou copiar as
percepções dos sentidos, porém nunca podem alcançar integralmente a força e a
vivacidade da sensação original. O máximo que podemos dizer delas, mesmo quan-
do atuam com seu maior vigor, é que representam seu objeto de um modo tão vivo
que quase podemos dizer que o vemos ou que o sentimos. Mas, a menos que o espí-
rito esteja perturbado por doença ou loucura, nunca chegam a tal grau de vivacida-
de que não seja possível discernir as percepções dos objetos. Todas as cores da poe-
sia, apesar de esplêndidas, nunca podem pintar os objetos naturais de tal modo que
se tome a descrição pela paisagem real. O pensamento mais vivo é sempre inferior
à sensação mais embaçada.

A diferença mais signi�cativa entre as duas doutrinas é, portanto, o local de


onde se origina o conhecimento; no racionalismo a razão, no empirismo a ex-
periência. Antes de aprofundar nossa análise, vamos buscar algumas de�ni-
ções:

• “(Do grego, empeiría = experiência) Doutrina que a�rma que a única fonte
de nossos conhecimentos é a experiência, recebida pelos nossos senti-
dos” (BAZARIAN, 1994, p. 99).
• “O empirismo defende que todas as nossas ideias são provenientes de
nossas percepções sensoriais (visão, audição, tato, paladar, olfato)”
(COTRIM, 1992, p. 67).

As de�nições rea�rmam o que dissemos anteriormente, mas você pode estar


se perguntando: como ocorre o conhecimento segundo o empirismo? Vamos
juntos construir a resposta.

Nihil est in intellectu quod prius non feurit in sensu (nada existe no intelecto
que antes não tenha estado nos sentidos). Esta máxima empirista nos fornece
a primeira pista sobre o processo de conhecimento.

Como podemos notar, a ideia central é que para se conhecer algo é antes ne-
cessário experimentá-lo. Experiência aqui signi�ca um conhecimento obtido
por meio dos sentidos. Por exemplo, experimentamos uma cadeira quando por
intermédio dos meus sentidos estabelecemos contato com ela (vendo, pegan-
do, cheirando etc.).

Desta forma:

Se o racionalismo deixava-se conduzir por uma idéia determinada, por um ideal de


conhecimento, o empirismo parte de fatos concretos. Para justi�car seu ponto de
vista, aponta o desenvolvimento do pensamento e do conhecimento humanos, que
prova a grande importância da experiência para que o conhecimento ocorra.

Com base nessas percepções, vai aos poucos formando representações e conceitos
gerais. Estas, portanto, desenvolvem-se organicamente a partir da experiência.
Seria inútil procurar por conceitos que já estivessem prontos no espírito ou que se
formassem independentemente da experiência. A experiência aparece, assim, co-
mo a única fonte de conhecimento (HESSEN, 2003, p. 55).

Os comentários de Hessen (2003) nos possibilita avançar mais um pouco e re-


conhecer as etapas do conhecimento segundo os empiristas.

Em contraposição às ideias inatas dos racionalistas, os empiristas partilham


da ideia da tabula rasa. Tal ideia concebe que a mente humana é tal como
uma folha em branco em que os conhecimentos são escritos. Mas como obter
informações para se escrever tais conhecimentos? Pela experiência, obvia-
mente.

A imagem a seguir ilustra as etapas do conhecimento. Observe:

Fonte: desenvolvido pelos autores.

Figura 3 Etapas do conhecimento.


Como você pôde perceber pela imagem, a criança inicialmente nada conhece
(sua mente ainda é uma folha em branco, uma tabula rasa, aguardando infor-
mações); em seguida ele experimenta a coisa por meio de seus sentidos, a par-
tir de então ele passa a conhecer.

Mas o que seria então a verdade?

Segundo os empiristas, os elementos adquiridos pela experiência são a verda-


de da coisa, ou seja, a experimentação sozinha é capaz de fornecer a verdade.
Por exemplo, a verdade do cavalo é a que experimentamos dele (seu formato,
seu peso, seu cheiro etc.).

Quando falávamos de racionalismo, pudemos perceber que suas teorias se


identi�cavam mais com uma espécie de conhecimento, e este era o matemáti-
co. E quanto ao empirismo, que espécie de conhecimento se aproxima mais
dele?

Esta pergunta nos responde Hessen (2003, p. 55):

Se, em sua maioria, os racionalistas provinham da matemática, a história do empi-


rismo mostra que seus representantes provêm quase sempre das ciências naturais.
Isso é compreensível, já que, nas ciências naturais, a experiência desempenha pa-
pel decisivo. O que vale aí é o estabelecimento de fatos por meio da observação cui-
dadosa. O pesquisador é completamente dependente da experiência. É muito natu-
ral que alguém, trabalhando principal ou exclusivamente de acordo com esses mé-
todos das ciências naturais, esteja inclinado de antemão a colocar os fatores empí-
ricos acima dos racionais. Se o epistemólogo de orientação matemática chega fa-
cilmente a encarar o pensamento como a única fonte de conhecimento, o �lósofo
provindo das ciências naturais estará inclinado a considerar a experiência como
fonte e fundamento de todo o conhecimento humano.

Como vimos, as ciências naturais são as que possuem maior proximidade


com a doutrina empirista, uma vez que elas se apoiam na experiência para
construir seus conhecimentos. Como exemplo, podemos citar um biólogo, que
fundamenta sua pesquisa sobre abelhas a partir da observação de várias col-
meias.
Em relação ao critério utilizado para estabelecer um conhecimento seguro, vi-
mos que os racionalistas partiam da necessidade lógica e da validade univer-
sal, o que não acontece com os empiristas. Qual seria então seu critério?

Por basearem-se na experiência, os empiristas estabelecem como critério


principal a observação rigorosa. Ela prevê que se deve examinar atentamente
uma coisa, com os diversos instrumentos disponíveis, de forma a captar dela
suas características reais e principais, obtendo assim a segurança necessária.

Como você pode notar, cada campo da ciência possui maior a�nidade com
certas doutrinas epistemológicas. E não se esqueça: a Filoso�a é o alicerce de
todo o saber humano.

Por exemplo, imaginemos que um biólogo cria a seguinte tese: “Todas as abe-
lhas possuem uma asa maior que a outra”. Para comprovar esta tese, de acor-
do com os empiristas, é preciso que primeiramente ele observe cuidadosa-
mente o máximo de abelhas possíveis, de diferentes espécies, lugares, climas
e sob condições diferentes etc.

Mas, após toda a nossa discussão, você pode estar se perguntando: e a razão,
qual é o papel da razão nesta esquemática toda? Segundo os empiristas, a ra-
zão teria unicamente o papel de organizar os conhecimentos obtidos pela ex-
periência.

Como vimos, o empirismo atravessou os séculos e ainda hoje se sustenta


como uma das respostas mais plausíveis ao problema da origem do
conhecimento.

 Que tal aprofundar os conhecimentos sobre o Empirismo?

Indicamos, aqui, outras leituras que abordam essa temática, disponíveis


na Biblioteca Virtual Pearson:

• MEYERS, Robert. G. Empirismo. Petrópolis: Vozes, 2017, p. 8-15.


• MOSER, Alvino; LOPES, Luís Fernando. Para compreender a teoria
do conhecimento. Curitiba: Intersaberes, 2016. p. 79-89.

Após realizar as leituras, assista ao vídeo:

7. Principais representantes do empirismo


Dentre os autores empiristas, abordaremos: John Locke, George Berkeley e
David Hume. Acompanhe.

John Locke (1632-1704)


Uma das principais preocupações de Locke era combater a doutrina de
Descartes, sobre a existência de ideias inatas na mente do homem. Ao contrá-
rio de Descartes, Locke a�rmava que o conhecimento só pode ser alcançado, a
partir das experiências sensíveis do indivíduo, sem trazer consigo desde o
nascimento, qualquer marca ou ideia de conhecimentos prévios.

Não tem o poder, mesmo o espírito mais exaltado ou entendido, mediante nenhuma
rapidez do pensamento, de inventar ou formar uma única nova ideia simples na
mente, que não tenha sido recebida pelos meios antes mencionados; nem pode ne-
nhuma força do entendimento destruir as ideias que lá estão [...]. Gostaria que al-
guém tentasse imaginar um gosto que jamais impressionou seu paladar, ou tentas-
se formar a ideia de um aroma que nunca cheirou; quando puder fazer isso, con-
cluirei também que um cego tem ideias das cores, e um surdo noções reais dos di-
versos sons (LOCKE, 1999, p. 63-64).

De acordo com Locke, o intelecto recebe da experiência sensível todo o materi-


al do conhecimento e, por esse motivo, pode-se dizer que não há nada em nos-
so entendimento que não tenha vindo das sensações. Nossa mente é como um
papel em branco (tábula rasa):
Suponhamos, pois, que a mente é, como dissemos, um papel em branco, desprovida
de todos os caracteres, sem nenhuma ideia; como ela será suprida? De onde lhe
provém este vasto estoque, que a ativa e ilimitada fantasia do homem pintou nela
com uma variedade quase in�nita? De onde apreende todos os materiais da razão e
do conhecimento? A isso respondo, numa palavra: da experiência. Todo o nosso co-
nhecimento está nela fundado, e dela deriva fundamentalmente o próprio conheci-
mento (LOCKE, 1999, p. 57).

Existem apenas duas fontes para as ideias: 1) A sensação, cujo estímulo é ex-
terno, resulta da modi�cação feita na mente por meio dos sentidos; 2) A re�e-
xão, que se processa internamente, é a percepção interna que a alma tem da-
quilo que nela ocorre. Portanto, a re�exão �ca reduzida à experiência interna
do resultado da experiência externa produzida pela sensação.

O conhecimento se forma por um processo de associação e combinação dos


dados da experiência da sensação e da re�exão, formando assim as ideias, que
podem ser simples, complexas, gerais e de relação. A formação das ideias na
sensação, na percepção e na razão acontece por um processo de generaliza-
ção: na generalização, a cada passo do conhecimento, o intelecto humano vai
eliminando as diferenças entre as ideias para �car apenas com as semelhan-
ças e os traços comuns, cujo conjunto forma uma ideia universal.

 Saiba mais sobre Locke e o empirismo!

Para expandir seus conhecimentos sobre o empirismo de Locke, é impor-


tante que realize a seguinte leitura:

• MEYERS, Robert G. Empirismo. Petrópolis: Vozes, 2017. p. 16-39.


Disponível na Biblioteca Virtual Pearson.

Agora, assista a uma interessante sequência de vídeos para aprofundar ainda


mais seus conhecimentos sobre a temática:

• O Empirismo de John Locke, vídeo 1/3 (15 min). (https://www.youtu-


be.com/watch?v=VtA49SqxGaw)
• O Empirismo de John Locke, vídeo 2/3 (21 min). (https://www.youtu-
be.com/watch?v=mM8K8bkr1j8)
• O Empirismo de John Locke, vídeo 3/3 (17 min). (https://www.youtu-
be.com/watch?v=McPALcVocn4)

George Berkeley (1685-1753)


Defende a tese de que as coisas só existem na medida em que captadas pelos
sentidos, originando a expressão: “ser é ser percebido”. Isto quer dizer que, de
acordo com a �loso�a empirista de George Berkeley, a essência e a existência
de algo dependem da condição de ser percebido pelo sujeito pensante.

Quanto ao que é dito da existência independente de coisas não pensantes sem ne-
nhuma relação com seu ser percebido, isso parece completamente ininteligível.
Seu esse est percipi [ser é percebido], e não é possível que tenham alguma existên-
cia fora da mente ou das coisas pensantes que as percebam (BERKELEY, 2010, p.
59).

Portanto, para Berkeley, não existem ideias abstratas, autônomas e indepen-


dentes da experiência – tudo o que existe decorre da condição de ser percebi-
do. O “ser” das coisas resume-se ao seu “perceber”. Quanto mais algo é percebi-
do, mais se sustenta em sua essência e existência.

Observe outra tirinha e identi�que como o “penso, logo existo” de Descartes di-
aloga como “ser é ser percebido” de Berkeley. Essa questão também não pode-
ria estar relacionada ao conceito de “sociedade do espetáculo” (https://brasi-
lescola.uol.com.br/videos/guy-debord-e-a-sociedade-do-espetaculo.htm) de
Guy Debord (1931-1994)? O que essa tirinha nos leva a pensar?

(https://mdm.claretiano.edu.br/teocon-g02627-2021-01-grad-ead-np/wp-
content/uploads/sites/813/2019/12/11.gif)Fonte: Macanudo, Folha de S. Paulo, Ilustrada E7, segunda-feira, 27
jul. 2009.

Figura 4 Eu apareço na TV, logo existo (https://www.portaldovestibulando.com/2014/10/rene-descartes-questoes-de-

vestibulares.html).

 Aprofunde seus conhecimentos sobre o empirismo de Berkeley!

Orientamos que realize a seguinte leitura:

• CAPUTO, João Carlos Lourenço. Tópicos em Epistemologia. Curitiba:


Intersaberes, 2019. p. 82-114. Disponível na Biblioteca Virtual
Pearson.

Na sequência, veja um interessante vídeo explicativo sobre as teorias deste


autor.

David Hume (1711-1776)


Esse autor levou o empirismo a conclusões mais extremas. Conforme a tradi-
ção empirista, ele apresenta o método de investigação, que consiste na obser-
vação e na generalização. Segundo Hume, o conhecimento tem início com as
percepções individuais, que podem ser:

• Impressões: percepções originárias que se apresentam à consciência


com maior vivacidade, como as sensações (ouvir, ver, dor ou prazer etc.).
• Ideias: percepções derivadas, cópias pálidas das impressões e, portanto,
mais fracas, como a re�exão.

A diferença entre impressões e ideias depende apenas de duas coisas: 1) Pela


força ou vivacidade pelas quais as percepções atingem a mente: a impressão é
mais vívida do que a ideia. 2) Pela ordem ou sucessão temporal com que as
percepções se apresentam à mente: a impressão é sempre anterior à ideia; e a
ideia sempre depende de uma impressão. Ou seja, o sentir (impressão)
distingue-se do pensar (ideia) pelo grau de intensidade e pela ordem.

Com isso, Hume põe um termo �nal sobre a questão das ideias inatas, pois o
indivíduo só pode ter ideias depois de ter impressões. Somente as impressões
são originárias; as ideias são sempre derivadas.

As ideias produzem imagens de si mesmas em novas ideias; mas, como supomos


que as primeiras são derivadas de impressões, continua sendo verdade que todas
as nossas ideias simples procedem, mediata ou imediatamente, de suas impres-
sões correspondentes (HUME, 2009, p. 31).

Das impressões originárias surgem, portanto, as ideias simples; e da combina-


ção, associação e generalização de ideias simples, gravadas na memória, re-
sultam as ideias complexas. Mas, como ocorre essa associação de diferentes
ideias simples em complexas? A combinação e associação de ideias comple-
xas são realizadas tanto pela imaginação como por meio de princípios univer-
sais que regem o processo de associação das ideias. Noutras palavras, a ima-
ginação apresenta-se como um feixe de percepções unidas e combinadas por
associação, a partir de três princípios básicos do intelecto humano:

• Semelhança: princípio pelo qual passamos com muita facilidade de uma


ideia a outra, por conta de uma determinada semelhança existente entre
elas. Por exemplo: uma fotogra�a ou imagem nos faz vir à mente inúme-
ras percepções semelhantes que originariamente, foram memorizadas
em outros momentos.
• Contiguidade: princípio pelo qual passamos, também, com muita facilida-
de de uma ideia a outra que habitualmente se apresenta a nós como liga-
da à primeira, no espaço e no tempo. Por exemplo: a ideia de uma sala de
aula nos recorda a ideia (imagem espacial) das salas vizinhas; ou a ideia
de levantar uma âncora suscita a ideia (sucessão temporal) da partida de
um navio.
• Causalidade: princípio pelo qual combinamos com muita facilidade aque-
las ideias que estão vinculadas pela relação de causa e efeito. Por exem-
plo: quando pensamos no fogo, inevitavelmente sou levado a pensar no
calor ou na fumaça que dele se desprende.

Desta forma, tais relações e princípios não podem ser observados como parte
da experiência, pois não pertencem aos objetos, mas sim a uma associação da
imaginação. As associações entre ideias (semelhança, contiguidade e causali-
dade) não existem nas coisas materiais; são apenas modos pelos quais se pas-
sa de um objeto a outro, de um termo a outro, de uma ideia particular a outra.

Hume nega, portanto, a validade universal do princípio de causalidade e da


noção de necessidade a ele associada. O que observamos é a sucessão de fatos
ou a sequência de eventos, e não o nexo causal entre esses mesmos fatos ou
eventos. É o hábito criado pela observação de casos semelhantes que nos faz
ultrapassar o dado e a�rmar mais do que a experiência pode alcançar. A partir
desses casos, supomos – isto é, adotamos uma crença – que o fato atual se
comportará de forma análoga ao anterior.

Aprofunde seus conhecimentos sobre o empirismo de David


 Hume!

Neste momento, você deverá estudar os materiais a seguir, disponíveis


na Biblioteca Virtual Pearson:

• CAPUTO, João Carlos Lourenço. Tópicos em Epistemologia. Curitiba:


Intersaberes, 2019. p. 116-142.
• STANGUE, Fabio. Tópicos em Filoso�a Moderna. Curitiba:
InterSaberes, 2017. p. 48-75.

Recomendamos, também, que assista ao vídeo a seguir.


Neste momento, re�ita sobre sua aprendizagem, respondendo à questão a se-
guir.

8. Considerações
Neste ciclo, estudamos as duas primeiras respostas quanto à origem do co-
nhecimento: racionalismo e empirismo. No próximo ciclo, veremos outras du-
as respostas: intelectualismo e apriorismo kantiano. Para compreender os
próximos conteúdos, você precisará saber os conceitos básicos do racionalis-
mo e empirismo. Caso tenha alguma dúvida, retome os conteúdos e entre em
contato com seu tutor.
(https://md.claretiano.edu.br/teocon-gs0031-

ago-2022-grad-ead-np/)

Ciclo 4 – Origem do Conhecimento: Intelectualismo e


Apriorismo Kantiano

Juan Antonio Acha


Luis Henrique de Souza
Osmair Severino Botelho
Ricardo Bazílio Dalla Vecchia
Stefan Vassilev Krastanov (In memoriam)

Objetivos
• Compreender as tentativas de reconciliação do racionalismo e o empi-
rismo com o intelectualismo e o apriorismo.
• Conhecer a proposta intelectualista do conhecimento de Aristóteles e
Tomás de Aquino.
• Re�etir sobre a crítica kantiana a respeito das bases do racionalismo e
empirismo e sua proposta de síntese criticista.

Conteúdos
• Signi�cado do termo intelectualismo e sua história.
• O intelectualismo em Aristóteles e Santo Tomás de Aquino.
• A apriorismo kantiano como alternativa de mediação entre o racionalis-
mo e o empirismo.

Problematização
De que maneira o intelectualismo e o apriorismo kantiano continuaram com
o questionamento acerca da origem do conhecimento? Como os dilemas
existentes entre o racionalismo e o empirismo foram mediados ou reconcili-
ados com o intelectualismo e o apriorismo? Quais diferenças estão presentes
entre as abordagens intelectualistas e aprioristas?

Orientações para o estudo


A aprendizagem em Filoso�a se mostra, em muitos casos, complexa e exten-
sa, dada a abrangência e o alcance dos conceitos desenvolvidos durante sua
história. Para melhor rendimento de seus estudos, procure dicionários de
Filoso�a, pois eles podem ajudar na compreensão e localização dos concei-
tos.

Bons estudos!

1. Introdução
Neste ciclo, ainda continuaremos com as respostas que visam resolver o pro-
blema da origem do conhecimento: qual seria a fonte e o ponto de partida do
conhecimento? No entanto, abordaremos outras correntes �losó�cas que se
ocuparam de responder não somente a essa pergunta epistemológica, como
também propor uma mediação entre o racionalismo e o empirismo: a) o inte-
lectualismo (Aristóteles e Tomás de Aquino); b) apriorismo (Immanuel Kant).
Pronto(a) para mais essa etapa?

2. O que é intelectualismo
Intelectivo é o termo empregado para de�nir o intelectualismo, provem do la-
tim intellectus, que traduzido para o português signi�ca entendimento.
Mesmo que a forma de intelectualismo provenha dos gregos clássicos o termo
aparece no século 19 com Schelling, no diálogo Bruno, ou princípio natural e
divino das coisas, de 1802, contrapondo-o ao materialismo. Posteriormente
aparece nas obras Hegel.

Devemos alertar que é um termo que no vocabulário �losó�co carece de preci-


são. O uso mais corrente é aquele assinalado anteriormente: como forma con-
trária ao materialismo, enquanto simboliza a inclinação para a forma intelec-
tual teórica “bíos theoreticós”, oposta à prática “bíos practikós”.

Alguns críticos de�nem o intelectualismo como a atitude que exagera o papel


do entendimento abstrativo desvalorizando outras atividades como:
observação-intuição, vontade e sentimento.

Aqui está empregado como a atitude que reivindica a função preponderante


do entendimento na atividade consciente do homem.

Francis Bacon (1561-1626.) denominava com o termo intelectualistas (intellec-


tualists) aqueles �lósofos que criticavam a aplicação do método experimental.

O entendimento atua em diferentes terrenos. Portanto há que se distinguir su-


as diversas formas:

1. Na ordem epistemológica, é denominada, “intelectualismo”, uma doutrina


que se opõe tanto ao racionalismo como ao empirismo.
2. De intelectualistas são chamadas aquelas doutrinas que sustentam a
existência de um princípio de tipo racional como base para o real, no sen-
tido metafísico.
3. Na ordem teológica indica a doutrina em que a vontade divina encontra-
se alinhada com a ordem das essências.
4. Na ordem psicológica, como defende Jean-Fréderic Herbart (Pedagogía
general derivada del �n de La educación), é a teoria que reduz todas as
funções psíquicas ao plano do conhecimento intelectual.
5. O intelectualismo socrático ou moral identi�ca o homem virtuoso com o
homem sábio, estabelecendo uma relação entre virtude e conhecimento.
Para Sócrates o conhecimento é fundamental para obrar corretamente na
medida em que aceita que as más ações são produto do desconhecimen-
to.

O termo surge para designar o “Intelectualismo psicológico” que engloba todo


o pensamento grego desde Parmênides. Podemos, dentro desta doutrina, colo-
car Platão, Aristóteles e até Plotino. Para o idealizador do “Mundo das Ideias” a
verdadeira realidade é a Ideia e a coisa sensível não passa de uma grotesca
imitação (mímesis); a atividade mais elevada do homem é a intelecção (nóe-
sis) das ideias, por intermédio da atividade do entendimento (noús).
Com Aristóteles (2005) existe uma “divinização” do entendimento, ele escreve
que o entendimento é a dimensão da divindade que existe no homem. A ativi-
dade intelectual, que ele denomina “theoretiké enérgeia” é a máxima aspira-
ção do entendimento humano. Quando o estagirita, em sua Metafísica, explica
o Ato Puro, o concebe como nóesis noéseos, como puro pensamento, ou “pen-
samento do pensamento”.

Na Filoso�a Medieval o tomismo, em franca contraposição com a doutrina


agostiniana que tende para o voluntarismo, considera o entendimento superi-
or à vontade. Para Santo Tomás, em essência, o entendimento é superior à
vontade. O objeto da vontade são as coisas que estão na realidade e a função
do entendimento é “catá-las” intencionalmente tal como são em si.

Como explica Russelot (1999, p. 19), Santo Tomás destaca a inteligência em seu
ato “nous” e o inteligível em ato “noéton”. O intelectualismo é entendido como
doutrina que põe todo o valor, toda a intensidade da vida e a própria essência
do Bem (idêntico ao ser) no ato da inteligência.

Na modernidade o grande representante do intelectualismo é Spinoza que de-


fende o conhecimento racional como superior e o conhecimento sensível co-
mo imperfeito e fonte de erro. Para Spinoza, o conhecimento intuitivo (scientia
intuitiva) é a forma mais elevada de conhecer.

O intelectualismo epistemológico diferencia-se do racionalismo moderno que


defende a exclusiva validez do conhecimento originado na razão com total
desprezo dos dados sensitivos; ele defende a contribuição do conhecimento
sensível. Diferencia-se, também, do empirismo, que defende que todo e qual-
quer conhecimento começa na experiência sensível a este, o intelectualismo
antepõe que o conhecer humano é realista, já que, partindo dos dados sensí-
veis o entendimento por meio da abstração apreendera as espécies inteligíveis
nas que logo após alcançará a essência das coisas individuais.

A Idade Média nos deixou uma situação que ainda perdura entre os pensado-
res contemporâneos. Nesse momento histórico debate-se que o conhecimento
do Bem não é problema intelectual, mas sim, consiste em submeter-se à von-
tade de Deus que é onipotente e livre no que respeita à determinação do que é
bem ou mal.

Deus oferece referências para alcançarmos o bem, os dez mandamentos, mas


não estabelece uma relação daquilo que é mal. De um lado temos pensadores
que, como Agostinho, entendem que as coisas são boas por que é vontade de
Deus (voluntarismo); de outro lado aqueles que, como Santo Tomás, pensam
que as coisas são boas porque são em essência boas, pertencem ao Bem, e não
por causa vontade de Deus (intelectualismo).

O voluntarismo agostiniano encontra adeptos na Idade Média, Santo Anselmo


(1033) defende a primazia da vontade na personalidade humana. A doutrina
de Duns Escot (1263-1308) baseia-se na primazia da vontade, enquanto pode
determinar-se a si mesma o entendimento seria incapaz disso. Até na perver-
sidade a vontade é mais potente que o entendimento, odiar a Deus é mais per-
verso que desconhecer que existe Deus.   Também Guilherme de Occam
(1285–1346) defende a supremacia da vontade de Deus.

Na Filosofa Contemporânea a primazia da vontade se percebe no conceito de


práxis proposta pelo marxismo e no sentido pessimista da vontade (de viver)
de Schopenhauer, e na vontade de poder de Nietzsche.

O voluntarismo é o oposto ao intelectualismo. Esta constatação �ca evidente


quando analisamos a Filoso�a hegeliana, que é denominada em algumas
Histórias da Filoso�a como “Intelectualismo metafísico”, na medida em que se
contrapõe ao pensamento de Schopenhauer, não aceita que na base do real
possa existir uma vontade inconsciente e irracional. Para Hegel, a realidade é
uma manifestação da ideia, que deriva da inteligibilidade do real. Este pensa-
dor trabalha uma forma de apreensão da realidade que expressa a exaltação
da racionalidade. Com Hegel o intelectualismo volta a ter o prestígio que tive-
ra até a Idade Moderna. Todo o processo dialético da ideia culmina no Espírito
Absoluto, enquanto Hegel supõe, a total independência da ideia com a exterio-
rização na natureza. A Filoso�a é concebida como obra do entendimento, se
serve de conceitos no lugar de representações.

3. Intelectualismo epistemológico
Gnosiologia
Platão, em 428 ou 427 a.C. descreveu a razão como o elemento que diferencia o
homem dos outros seres da natureza, explicando que a alma humana possui
capacidade intelectiva, a qual pertence ao mundo das ideias e é moldada pelo
Demiurgo segundo o “bem” e a “verdade”.

A palavra gnosiologia vem do grego: gonosis (γνωσις) que em português signi-


�ca “conhecimento” e de logos (λόγος), que pode ser traduzido como “razoa-
mento”. Gnosiologia é, portanto, um racionamento sobre o conhecimento.

Abstração
Platão (2001) defende que a objetividade dos conhecimentos das ciências está
garantida pela existência de um mundo para além do individual, contingente
e transitório (um mundo para além das coisas particulares que nos rodeiam),
nesse mundo diferente estão os modelos, em forma de realidades objetivas e
universais, essências das coisas visíveis, imperfeitas e numéricas que povo-
am a terra, o qual ele denomina mundo das ideias.

As ideias na teoria platônica não são as formas abstratas do pensamento, são


“modelos” das coisas que existem. Assim segundo Platão, as coisas do mundo
têm seu modelo perfeito em um mundo separado. Dessa forma, ele defende
que o conhecimento verdadeiro é espiritual (episteme). E ao processo para al-
cançar a contemplação das essências que seguram as coisas individuais o de-
nomina dialética.

Aristóteles (1987) rejeita a teoria das ideias de Platão explicando que o conhe-
cimento dos sentidos não pode ser descartado, uma vez que nos leva à consta-
tação da existência de seres individuais e que, só partindo da forma e da exis-
tência deles, podemos atingir sua essência.

Além disso, Aristóteles (1987) entende que a ciência (intelectual) precisa do


dado empírico para conhecer a estrutura essencial de cada um dos seres, en-
quanto a substância (essência) não está separada das coisas sensíveis (forma
individual).
Na concepção de Aristóteles, as sensações dos sentidos nos levam à constata-
ção da existência de seres individuais (as coisas que identi�camos: nosso ca-
chorro, nossa casa, as pessoas queridas etc.) e, partindo desse dado empírico, a
ciência (intelectual) pode encontrar a estrutura essencial (essências, seres hu-
manos, seres minerais, vegetais, aves etc.) de cada um desses seres.

Aristóteles entende que todas as coisas são formadas por:

• substância, que estrutura o ser;


• acidente, aquilo que é circunstancial.

A substância (essência) não pode estar separada do que é acidental. Vejamos


uma explicação: Platão (ser individual) é �lósofo (acidente), mas esta condição
não indica uma relação de necessidade, pois ele não nasceu �lósofo e poderia
ter sido sacerdote, guerreiro, príncipe, marinheiro etc. No entanto, Platão não
pode deixar de ser animal racional (substância), porque é sua essência neces-
sária. Também podemos pensar que ele é inteligente e virtuoso, ambos aci-
dentes de qualidade; que escreveu livros importantes, acidente de ação.

Para Aristóteles, então, a substância (essência) não pode estar separada do ob-
jeto, como pensava Platão. Defende que é preciso diferenciar o essencial do
que é acidental no próprio objeto, desconsiderando a possibilidade da existên-
cia de um mundo separado – Mundo das ideias nos moldes da república de
Platão que contém as essências das coisas que existem no mundo físico. Sua
pesquisa envolve outra �nalidade porque, além de �lósofo, era biólogo, físico e
botânico.

Sabemos que Platão, para alcançar a contemplação das essências que segu-
ram as coisas individuais, utilizava a dialética, mas como Aristóteles explica
o processo de abstração das essências contidas nas coisas individuais?

Aristóteles denomina o processo de indução e explica que, a partir de cosas


individuais ou particulares (Platão, Sócrates, sua mãe, os discípulos, os conhe-
cidos etc.), é possível apreender as essências dessas coisas individuais. Nos
exemplos citados a essência é: “animal racional”. Ele não analisou todos os se-
res humanos da face da terra, mas acredita que, pela comparação de vários
(Platão, Sócrates, sua mãe etc.) seja possível se chegar a uma de�nição válida
para todos da espécie, isso é, a indução tem universalidade. Aristóteles utili-
zou, ainda, outro nome para designar este processo: abstração. Assim,
Aristóteles procurou demonstrar que a inteligência apreende no sensível o in-
teligível. O ser concreto é um só: sensível e inteligível.

4. Intencionalidade do ato de conhecer


A metafísica tomista, herdeira destes pensadores gregos, é aquela que a�rma o
valor absoluto do ato intelectual. Santo Tomás explica a intelecção como ação,
insistindo em sua natureza como intencionalidade. O conhecer consiste em
extrair o universal do particular, o inteligível do singular.

Como você pôde ver em ciclos anteriores, para que seja possível o processo de
conhecer deve existir: o sujeito cognoscente e o objeto cognoscível. Estes es-
tão ligados um ao outro e condicionam-se reciprocamente em uma relação de
correlação. Acrescentemos que, além disso, sempre estão unidos pela intenci-
onalidade, sem fundir-se um no outro no ato de conhecer: o sujeito apreende
os objetos, que é diferente dele e pela intencionalidade lhe confere existência
como objetum (o que está diante dele).

Nesse sentido, o conhecimento pode ser de�nido como a apreensão intencio-


nal do objeto. O sujeito, para captar o objeto, deve sair de si, transcender (nesta
operação se forma a imagem do objeto). Todavia, para ter consciência do que é
apreendido, o sujeito deve voltar a si. Neste segundo momento, o objeto não é
modi�cado, nada é acrescentado ou tirado e, portanto, nasce no sujeito a cons-
ciência do objeto.

Observe que, pelos sentidos conhecemos o objeto em sua forma acidental (alto,
baixo, grande, pequeno, desta cor, com este cheiro), isto é, pela visão e audição
captamos o objeto como ele é, sem intermediações ou imagens. Por essa razão,
nesta primeira etapa se fala em intuição.

A essência ou forma essencial universal do objeto é apreendida pela inteligên-


cia, por intermédio dos atos dos sentidos, e des-vela o ser (descobre sua verda-
de) em um processo não intuitivo e sim, abstrativo. Além disso, por ser de na-
tureza espiritual, a inteligência pode conhecer o imaterial contido no objeto e
ser capaz de captar o ser ou essência das coisas materiais por abstração.

Formação do conceito
Nossos sentidos captam a dimensão material (cor, tamanho, forma extensa
etc.), mas este conhecimento não revela as qualidades inerentes do objeto.
Derisi (1985) compara esta forma de conhecer com uma correspondência fe-
chada, da qual conhecemos a existência, o tamanho, peso, a cor etc., mas não
apreendemos o conteúdo interno, que equivale à essência que universaliza o
indivíduo dentro da espécie.

O conhecimento via sensações é, portanto, o mais comum e nele atuam: a


imaginação e a memória sensitiva, as quais podem reproduzir o objeto ou a si-
tuação, o instinto que atua iluminando o útil ou inútil para cada objeto ou situ-
ação e a inteligência prática que atua sobre o bené�co ou prejudicial (DERISI,
1985).

A inteligência, intus legit a realidade


Sabemos que é relativamente fácil movimentar-se no mundo guiado por este
tipo de conhecimento que tem sua origem nos sentidos. Entretanto, esse pro-
cesso de conhecer que compartilhamos com os animais não satisfaz total-
mente ao existente humano, pois o homem tem um apetite particular por al-
cançar o que os pensadores tomistas denominaram Quidditas, o imaterial que
forma parte das coisas (DERISI, 1985).

Vamos colocar um exemplo ilustrativo, estou caminhando pelo parque e sinto


o cantar de um pássaro. Fico curioso e me questiono: o que é um pássaro? Já
tinha observado que existem inúmeros pássaros no parque onde caminho dia-
riamente (azulão, canário, rolinha, tico-tico, sanhaço, tucano, beija-�or, saí, sa-
biá, xexéu, arara, papagaios etc). Vejamos:

1. para identi�cá-los escuto seu canto, nesse caso utilizo o aparelho auditi-
vo;
2. para apreender a cor e o tamanho, utilizo a visão;
3. para saber se é fêmea ou macho, utilizo a memória;
4. para sentir a suavidade das penas, utilizo o tato; em que seria necessário
também empregar a inteligência prática para caçá-lo.
5. Além disso, pela observação conheço as preferências alimentícias dos di-
ferentes pássaros que podem ser agrupados em: granívoros, frugívoros,
onívoros ou psitacídeos.

Compartilhamos todos esses conhecimentos, literalmente, com os predadores,


são a matéria prima da imagem que formamos em nosso intelecto. Nesse pro-
cesso faço uso de um conhecimento que não é sensitivo e que supera o do ani-
mal. Só o homem tem condições de saber que todos esses pássaros pertencem
à ordem das aves passeriformes. Além do mais, posso re�etir que nem toda a
ave é um pássaro, mas todo pássaro é uma ave.

Consultando um tratado de biologia, posso aprender que os pássaros constitu-


em a classe dos animais vertebrados, bípedes, homeotérmicos, ovíparos, ca-
racterizados, especialmente, por possuírem penas, asas, bico e ossos pneumá-
ticos etc. Isso é possível porque, por abstração, podemos prescindir dos traços
individuais, nome, cor, tamanho, quantidade e apreender a essência que está
por trás dos acidentes que captamos no primeiro ato de conhecer sensível.

A apreensão intelectiva do objeto material é a abstração mediante o entendi-


mento agente.

Só à luz deste conhecimento intelectivo que capta a essência contida na coisa


individual o ser humano é capaz de julgar como deve atuar. Esta forma de co-
nhecimento, que não é apreensível diretamente na dimensão sensível, nos co-
loca em uma dimensão superior, uma vez que pela abstração da inteligência
passamos por cima dos traços particulares, cor, tamanho, canto do tico-tico ou
outro pássaro.

Participação do entendimento passivo


Nesse processo também participa o entendimento passivo, o qual nos permite
perceber a verdade e a ordem moral ontológica. Alcançando o ser posso perce-
ber o ordenamento que está por trás da beleza e presença deste pássaro, saber
que cada ação provoca consequências que podem ser boas ou más. É a partir
deste conhecimento da inteligência que posso emitir juízos para suprir a falta
de intuição humana (DERISI, 1985, p. 24).
Unidade ôntica e percepção ontológica
O objeto que tem sua estrutura ôntica, estrutura própria, quando entra em con-
tato com o conhecimento �losó�co, cientí�co, com a análise psicológica passa
a ser concebido por meio de estruturas ontológicas. E que são esses objetos
que a inteligência apreende e trabalha?

Temos por um lado o mundo das “coisas reais”. O mundo do que é real. Real
vem de res (coisa). As estruturas que o compõem, chamamos de categorias.
As categorias do mundo real são:

1. Ser e realidade, porque as coisas são reais.


2. Temporalidade, as coisas são reais no tempo, o tempo não perdoa.
3. Causalidade, categoria que compreende as transformações que as coisas
sofrem por ação das outras.

Agora se esses objetos são físicos, a mesa, o cavalo, a pedra têm localização no
espaço, tem categoria espacial.

Se fossem psíquicos, como ideias que estão no campo da consciência não teri-
am a categoria espacial.

Por outro lado os objetos físicos sejam químicos, biológicos etc., terão cada um
suas categorias regionais próprias.

Mundo real e mundo ideal


Na minha frente há uma árvore, olhando para ela pergunto: o que é uma árvo-
re? Essa pergunta está dirigida a sua essência e impulsiona a realidade cientí-
�ca.

Segundo a nossa classi�cação de ciência, a botânica é quem vai explicar a es-


sência da árvore. Mas a essência já não está no mundo real, no mundo real es-
tá o objeto, neste caso a árvore, a essência é do mundo ideal. No mundo real
está o objeto, a macieira, o carvalho, o ipê, mas a essência pertence ao conhe-
cimento que não é de natureza real, é superior à matéria é imaterial e está no
mundo ideal.  Pertence á dimensão intelectiva espiritual.
Os objetos matemáticos, como o quadrado o círculo, o número 3 ou qualquer
outro número são ideais. Eles têm existência real, mas estão no plano ideal.
Perguntamos: existe uma categoria ôntica para estes objetos?   Sem dúvida
sim, a primeira é o ser. Porque ainda que não estejam no mundo como objetos
reais eles têm existência, podemos encontr-á-los.

Tais objetos matemáticos não são invenção do sujeito. Do quadrado não pode-
mos dizer que é um círculo porque possui seu próprio ser; do três (3) podemos
dizer que é um meio oito (8), mas nesse caso estamos nos referindo ao símbolo
que utilizamos para representá-lo, o número independe do símbolo para ser.
Estes objetos, ideais, diferente dos objetos reais que existem no tempo são
atemporais.

O rio pode desaparecer, a terra pode desaparecer, a vida inteligente pode desa-
parecer, mas em algum canto do universo existirá um quadrado, um círculo,
três objetos quaisquer. Os fatos físicos que determinam os objetos reais não al-
teram os ideais.

Como a�rmamos anteriormente, a quidditas equivale à essência, aquilo que


constitui alguma coisa em seu próprio gênero ou espécie e a faz ser o que é: ao
pássaro, uma ave.

Você pode pensar: o que faz que a vaca seja vaca e não ave?

Nem o material com que está feita, nem o tamanho, a cor, nem chifres ou pe-
los, nem a quantidade de neurônios ou músculos, porque todos esses são aci-
dentes, o que a faz ser é a essência, e só nós somos capazes de conhecer as es-
sências porque possuímos um entendimento agente, como parte da inteligên-
cia.

A Inteligência é uma vida, é tudo que há na vida de mais perfeito. O ser é duplo: ma-
terial e imaterial. Pelo ser material, que é restrito enquanto que cada coisa é apenas
o que é, a pedra é pedra, e não mais. Pelo ser imaterial que é amplo, não é restringi-
do pela matéria, assim a coisa não é somente o que ela é, é também outros seres de
certa maneira (SANTO TOMÁS apud ROUSSELOT, 1999, p. 33).
5. Juízo realizado pela inteligência
No ato de conhecer, o objeto se faz presente como imagem e, partindo dela, a
inteligência apreende a essência, o universal. A imagem, que é um conceito
subjetivo que possibilita ao sujeito a apreensão do conceito objetivo, que cor-
responde ao objeto transcendente. A objetividade do conceito é mínima, mas
su�ciente para permitir ao intelecto agente a apreensão do objeto real. Com to-
dos esses elementos reunidos, a inteligência realiza o juízo.

Para que você possa compreender a questão, voltemos ao exemplo de Platão e


Aristóteles, quando falamos deles, emitimos um juízo de existência. Platão e
Aristóteles são seres bio-psíquico-espirituais, homo sapiens, ou animais racio-
nais. No juízo, a inteligência a�rma ou nega a identidade dos conceitos objeti-
vos. Veri�ca-se, portanto, que o juízo nada mais é do que uma conclusão.

Note que, para chegar ao conceito, a inteligência toma por abstração um as-
pecto essencial da realidade: consolida partindo de Platão e Aristóteles o con-
ceito de homem. Assim como diferentes uniões de metais com distintos ca-
racteres particulares participam do conceito de mineral.

Nesse sentido, percebe-se que só com o conceito da inteligência não se pode


conhecer verdadeiramente o objeto, uma vez que é necessário voltar para a re-
alidade e integrar os conceitos a ela. Para isso, emitimos os juízos, nos quais a
inteligência a�rma ou nega os conceitos objetivos, aprofundado no ser trans-
cendente.

A inteligência só pode ter certeza da verdade ontológica (ser transcendente)


no juízo, pois nele comprova se o conceito objetivo do predicado coincide com
as características reais do objeto (DERISI, 1985).

Os primeiros juízos são os de existência: “Platão e Aristóteles são seres huma-


nos, ou seres bio-psíquico-espirituais”; “isso é uma casa”; “aquilo é mineral”.
Nos juízos de existência sempre há uma re�exão implícita, conheço que isso é
uma casa, sei que Carlos e Aparecida são seres bio-psíquicos-espirituais e sei
que isso é um mineral composto.
Note que é pelo juízo que a inteligência vai comprovar se verdadeiramente são
seres humanos, se é uma casa, se trata-se de um composto mineral. Assim, se
pronuncio o juízo, signi�ca que minha inteligência conseguiu apreender a
identidade do objeto transcendente que �ca na minha frente (DERISI, 1985).
Nesse caso:

• A certeza é alcançada partindo da con�rmação da evidência objetiva.


• A verdade consiste na conformidade do expressado no juízo com a reali-
dade transcendente.
• O conceito deve corresponder ao objeto (DERISI, 1985).

Finalmente, é na união de vários conceitos que o intelecto apreende os princí-


pios evidentes: “uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo”; “a parte é
menor que o todo”; “devo fazer o bem e evitar o mal”; “dois mais dois são qua-
tro”. Depois do conhecimento da essência �xa, se restringe ao domínio da es-
peculação: abaixo é o domínio do irracional e do acaso. Mas no conhecimento
intelectivo há ordem na série harmoniosa.

Raciocínio
O raciocínio resulta da comparação de dois ou mais juízos para concluir uma
nova verdade. Desse modo, o raciocínio para alcançar a verdade pode ir:

• Da causa ao efeito: denominado a priori.


• Do efeito à causa: nomeado a posteriori, o qual se reduz a um raciocínio
cientí�co por indução.

A priori são os raciocínios da matemática, nos quais desde um teorema, como


o conhecido teorema de Pitágoras Teorema de Pitágoras: (o quadrado da hipo-
tenusa do triangulo retângulo é igual à soma dos quadrados dos catetos) ou o
teorema de Pascal, são a�rmações que podem ser provadas. Também nesta
classi�cação podemos colocar as verdades expostas na Teodiceia, uma vez
que o valor das a�rmações desta ciência racional se impõe à inteligência e a
domina pela evidência do verdadeiro. Nesta primeira divisão, dos raciocínios
a priori, a verdade da conclusão aparece iluminada pela causa que a determi-
na.
Já um raciocínio a posteriori é aquele que permite a conclusão de que os me-
tais se dilatam com o calor. O sujeito chegou a esta conclusão esquentando co-
bre e comprovando que se dilata, logo repete a operação com bronze, chumbo,
ferro, ouro, prata e conclui que todos eles se dilatam quando submetidos a
uma fonte de calor. Como você pode notar, há uma necessidade intrínseca que
os une e determina, a qual pode ser formulada como uma lei, como fez
Newton quando formulou a lei da gravitação universal.

Assim como todo conceito termina em um juízo, todo raciocínio também cul-
mina em um juízo.

O tipo superior de ato intelectual é uma intelecção simples. O tipo ideal de in-
telecção simples é a apreensão superior. Nossas ideias das essências materi-
ais são o objeto da nossa inteligência aqui e agora (ROUSSELOT, 1999, p. 86).

6. Homem ser de ideias


A origem de nossas ideias está nos dados que surgem das sensações, e nada
existe no entendimento que não tenha passado antes pelos sentidos, a�rma
Aristóteles e rea�rma Tomás de Aquino (DERISI, 1985).

Note que foi colocada a palavra entendimento e não intelecto para evitar con-
fusão com o modelo empirista de Locke (2007), no qual o entendimento não
supera o modelo dado pelos sentidos.

O conhecimento intelectivo é possível porque a inteligência “entende as entre-


linhas presentes na realidade” para apreender o ser das coisas. Por essa razão,
o intelecto vê a natureza das coisas (intus legit) mais profundamente do que
os sentidos, sobre os quais exerce a sua atividade (DERISI, 1985, p35).

Aqui, é importante diferenciar o ato objetivo cogitatum, que corresponde �el-


mente à realidade, do ato subjetivo ou cogito, que é próprio do pensamento. O
conceito subjetivo, cogito, corresponde a uma ferramenta em que a imagem
interna utiliza o intelecto para poder apreender o objeto cognoscível. O primei-
ro que se conhece é o conceito objetivo, cogitatum. Neste ponto, encontramos
a grande diferença com a proposta de Descarte e dos racionalistas, que partem
da a�rmação “penso logo existo” para mostrar que o conhecimento deve partir
do cogito conceito subjetivo, no lugar do cogitatum ou objeto conhecido pelas
sensações (DERISI, 1985).

Neste momento, encontramo-nos entre dois grandes questionamentos �losó�-


cos:

• Se a realidade que é individual e concreta existe verdadeiramente, como


posso resumi-la, sem deformá-la, em um conceito que tem como caracte-
rística o ser abstrato?
• É possível conhecer a verdade?

Descartes recorre a Deus, explicando que as ideias universais foram colocadas


em nossa alma (intelectual) por Deus, o que dá legitimidade ao conhecer.

Já para Kant, a inteligência não consegue apreender nada além do fenômeno.

Tomás de Aquino realiza uma explicação da objetividade do conceito, na qual


a�rma que a realidade recebida pelos sentidos forma a imagem (phantasma),
a qual chega até a inteligência por meio do entendimento agente e �ca despi-
da dos conceitos individuais. Nesse momento, o objeto passa a existir de for-
ma não material, espiritual.

Como você pode observar, a função do entendimento agente é abstrair, desma-


terializar e desindividualizar o inteligível do fantasma ou representação sen-
sível, pois o entendimento agente ilumina o mundo sensível para conhecê-lo.
A imagem espiritual do objeto cognoscível possibilitada pelo entendimento
agente é entendida pelo intelecto passivo, que apreende a realidade transcen-
dente ou essência, a qual “segura” o objeto individual. Pertencem, portanto, a
eles as operações racionais humanas: conceber, julgar, raciocinar, elaborar as
ciências e a �loso�a.

Tomás de Aquino esclarece, ainda, que a origem do conhecimento do objeto


não pode ser produto da ideia interior do sujeito cognoscente como imagina
Agostinho, pois, para ele, a inteligência a abstrai a partir dos dados dos senti-
dos, possibilitando o juízo.
Note que este raciocínio transcende de igual modo ao dos positivistas e neo-
positivistas que �cam apenas com as sensações, negando a intelecção do ser
transcendente.

O ponto culminante do conhecimento é, portanto, o juízo, pois, enquanto no


processo de formação do conceito o sujeito obtém da realidade externa os ele-
mentos necessários, ele marca a volta da interiorização.

O juízo é a conclusão a que chegamos com o raciocínio. Como animais racio-


nais, negamos, duvidamos ou temos certeza, mas a verdade ou conformidade
com a verdade só é alcançada no processo inteligente do juízo.

Para �nalizar, é importante saber que o processo cognitivo compreende dife-


rentes aspectos, tais como: percepção, experiência, re�exão, intenção, abstra-
ção, juízo etc.

Somente em função do ser sensível a inteligência unida aos órgãos pode represen-
tar seja o ser geral, seja o ser supra-sensível. Nosso conhecimento natural se esten-
de tão longe quanto o conhecimento sensível o guiará. [...] Os princípios racionais e
conceitos gerais são adquiridos com a ajuda dos sentidos (ROUSSELOT, 1999, p.
86-87).

7. Valor transcendente da intelecção


Vimos que o conhecimento implica a apreensão de um objeto transcendente
ao sujeito.

Mas, se o objeto e o sujeito são dois elementos diferentes, que garantia temos
de que o conhecimento corresponde com o que é verdadeiro e, portanto, não se
trata de uma “miragem”?

Para responder a este questionamento, é importante saber que Descartes


(1987-1988), quando pensava na certeza do conhecimento, perguntava: como
sabemos que as ideias claras e distintas (o princípio de identidade e contradi-
ção, os conceitos matemáticos e alguns princípios metafísicos) são verdadei-
ras? (DESCARTES, 1987-1988, 3ª parte).

Veja que esta pergunta não questiona o valor transcendente do conhecimento,


uma vez que, como classi�ca Descartes, as ideias claras e distintas são obtidas
por uma inspeção atenta do espírito e tratam-se de verdades evidentes por si
mesmas. Se não fosse assim, nada poderia ser demonstrado, já que as verda-
des evidentes fundam todas as outras verdades que não são evidentes, como
as escuras provenientes dos sentidos.

Derisi (1985, p. 55) diz que: “Conhecer não é representar, é apreender um objeto
distinto do sujeito. O objeto no ato de conhecer primeiro é cogitatum e logo por
re�exão é lógico”.

Todos os conhecimentos sensíveis são, em princípio, evidentes, intuitivos e


por consequência, verdadeiros. Assim, os conceitos e as ideias não são inatos
na mente humana, como assegurava Agostinho e Descartes, tampouco são
inatas suas relações lógicas, as quais são retiradas fundamentalmente da ex-
periência.

Os positivistas ou neopositivistas justi�cam a verdade do conhecimento pelo


dado sensível que pode ser veri�cável por vários sujeitos, uma vez que, para
estes pensadores, o ser transcendente que valida o conhecimento não interes-
sa. Seus conhecimentos só se detêm aos fatos empíricos veri�cáveis.

Entretanto, para os defensores do intelectualismo o sujeito apreende o objeto


no ato intelectivo do conhecimento, de forma consciente, no qual o objeto se
des-vela como transcendente ou diferente do ato de conhecer. O ser do objeto e
o ser do sujeito se apresentam em uma unidade no ato de conhecer, enquanto
o conhecimento se manifesta em nossa consciência e implica um objeto
transcendente (diferente) do próprio ato do entendimento. O ser transcendente
é apreendido pela inteligência com base nos dados da intuição sensitiva pro-
venientes da realidade material.

O conhecimento está dado em uma unidade inseparável entre experiência e


pensamento conceitual. Desta relação se desprendem as grandes “teorias do
conhecimento”. Para os racionalistas têm mais peso o pensamento, para os
empiristas o contato sensitivo consciente e, para o realismo, o peso está com-
partilhado segundo uma ou outra função.

8. Intelectualismo metafísico
Gilson (1987) explica que a fórmula de Parmênides: “Não há nada nos sentido
que não esteja no intelecto e não há nada no intelecto que não tenha passado
antes pelos sentidos”, sem o componente “errantes”, foi reproduzida por Santo
Tomás em De Intellectu. Onde explica que a primeira parte da máxima: “Não
há nada nos sentido que não esteja no intelecto” corresponde com a realidade
dos anjos e a segunda: “não há nada no intelecto que não tenha passado antes
nos sentidos” com a realidade cognitiva dos homens.

O intelectualismo metafísico garante o valor das abstrações e asserções do intelec-


tualismo clássico. Mas com reparos, como poderia santo Tomás com seus princípi-
os sobre a intelecção ideal, exaltar a razão humana como sendo tudo o que há de
mais excelente no mundo? O homem, diz ele, não possui intelectualidade como seu
bem próprio e sua natureza; a intelecção em nós nunca é perfeita e pura porque só
pode ser exercida “a sombra do espaço e do tempo” (ROUSSELOT, 1999, p. 25-26).

Com base nas ideias de Santo Tomás, notamos como a inteligência abstrai o
ser ou essência (conceito) da realidade material percebida pelos sentidos
(phantasma). Essa imagem do ser material que provém dos sentidos (phantas-
ma) e é assumida pela capacidade abstrativa da inteligência (o entendimento
agente) que a separa das realidades individuais, criando uma imagem abstra-
ta (sem características individuais) e universal, a qual caracteriza todos os in-
divíduos dessa classe. Esta imagem em que a essência está despojada dos aci-
dentes individuais (como conceito) continua correspondendo �elmente ao ob-
jeto transcendente (percebido pelos sentidos), cujo processo de veri�cação é
possível no juízo que, por sua vez, identi�ca e separa os conceitos e cuida para
que estejam de acordo com a realidade. Alcançar a verdade é possível na a�r-
mação ou negação que o juízo realiza do conceito.

A inteligência tem a capacidade de conhecer o mundo em seu aspecto de ser,


que corresponde com a verdade e, por conseguinte, com o Bem. O conheci-
mento inteligível desenvolvido pela inteligência é o lugar em que o ser é apre-
endido como ele é.

Observe que esse processo cognitivo leva adiante a inteligência e está caracte-
rizado pelo aspecto de absoluto, à medida que a verdade sobre a realidade não
vale só para o sujeito cognoscente; a verdade, que a inteligência abstrai do da-
do sensitivo, vale incondicionalmente.

O ponto central para Santo Tomás; qual é a potência mais nobre: a inteligência ou a
vontade? Eram problemas que os escolásticos se punham explicitamente, e, ao
mesmo tempo que suas respostas a essas questões os classi�cavam em
intelectualistas ou voluntaristas. Há na escolástica uma questão principal, podia-se
quase dizer única: a da conquista do ser.

É assim a doutrina de Santo Tomás sobre o valor da Inteligência para a conquista


do ser e nunca fabricadora de resultados (ROUSSELOT, 1999, p. 27-28).

 Quer entender mais sobre o intelectualismo?

Solicitamos que leia o texto a seguir, que aborda conceitos do intelectua-


lismo:

• BERGER, André de Deus. A necessidade da ação dos sentidos na teo-


ria do conhecimento de Tomás de Aquino: Suma de Teologia Iª, 84
(https://www.marilia.unesp.br/Home/RevistasEletronicas
/FILOGENESE/Andre_de_Deus_Berger(12-21).pdf). Revista
Filogênese, v. 2, n. 1, 2009.

Na sequência, assista aos vídeos a seguir e amplie ainda mais seus conheci-
mentos:
9. O apriorismo: Immanuel Kant
Da mesma forma que o intelectualismo, o apriorismo também considera a ex-
periência e o pensamento como fontes do conhecimento, no entanto, se distin-
gue do intelectualismo porque desconsidera a expressão nihil est in intellectu
quod prius non fuerit in sensu (nada está no intelecto, que não tenha passado
pelo sentido). De acordo com Hessen (2000, p. 62), “nosso conhecimento apre-
senta, como o nome dessa tendência já diz, elementos que são a priori, inde-
pendentes da experiência”. Com isso, o apriorismo não acredita que todos os
conceitos procedem originariamente da experiência, mas também do pensa-
mento.

O principal representante do apriorismo é também o seu fundador: Immanuel


Kant (1724-1804). Segundo o autor, nem o racionalismo nem o empirismo po-
deriam ser o fundamento do conhecimento, pois ambos possuem aspectos in-
su�cientes. Para tanto, na sua obra Crítica da Razão Pura, Kant tenta fazer
uma síntese da discussão entre racionalismo e empirismo.

Para superar a contradição entre racionalistas e empiristas, Kant explica que


o conhecimento é constituído:

• De algo que o sujeito recebe de fora (a posteriori), isto é, da experiência.


• De algo que já existe no sujeito (a priori), ou seja, antes de qualquer experi-
ência.
Noutras palavras, o sujeito conhece porque é capaz de fazer uma síntese entre
racionalismo (juízos analíticos a priori) e empirismo (juízos sintéticos a poste-
riori), constituindo, por isso, um conhecimento seguro para uma ciência legíti-
ma. Para tanto, Kant reconhece no racionalismo e no empirismo, tanto aspec-
tos positivos como negativos.

O racionalismo baseia-se em juízos analíticos a priori, que não têm necessida-


de de recorrer à experiência para serem realizados, sendo, por esse motivo,
universal e necessário, como por exemplo: “esse círculo é redondo”.

• Qual seria o seu aspecto positivo? O juízo sintético a priori apresenta-se


como um tipo de juízo universal, necessário e, por isso, seguro para o es-
tabelecimento dos critérios legitimadores de uma ciência.
• Qual seria o seu aspecto negativo? Embora seja universal e necessário,
esse tipo de juízo não pode ser unicamente a base da ciência porque não é
ampli�cador de conhecimento. Ou seja, na frase “o círculo é redondo”, o
predicado de tal a�rmação, não insere nada de diferente ao que já está
implícito no sujeito: na ideia de círculo já está contemplada a noção de
“redondo”, e vice-versa, pois tanto o sujeito como o predicado estão basea-
dos no princípio da identidade. Assim, nos juízos sintéticos a priori, sujei-
to e predicado se equivalem.

Já o empirismo se fundamenta em juízos sintéticos a posteriori, que amplia o


conhecimento por meio de dados da experiência, na medida em que o predica-
do diz algo novo do sujeito, como por exemplo: “este livro é pesado”.

• Qual seria o seu aspecto positivo? O juízo sintético a posteriori apresenta-


se como um tipo de juízo que amplia o conhecimento mediante dados da
experiência.
• Qual seria o seu aspecto negativo? No entanto, esse tipo de juízo não po-
de ser unicamente a base da ciência porque, pelo fato de ser a posteriori,
não é um juízo universal e seguro, comprometendo assim, a busca por
uma base universal para o conhecimento cientí�co. Ou seja, a nova infor-
mação extraída do predicado da frase “este livro é pesado” serve apenas
para esse caso – e não para todos.

Dessa maneira, �ca evidente para Kant que o conhecimento cientí�co não po-
de provir, nem tão somente do racionalismo (juízos analíticos a priori), nem
unicamente do empirismo (juízos sintéticos a posteriori). É preciso, então,
achar outra forma de juízo que não seja unilateral, que quebre com a polariza-
ção e diminua o “abismo” existente entre racionalismo e empirismo.

Olhando para esses dois tipos de juízos existentes na história, Kant concluiu
que a ciência só poderia sair desse problema criado entre racionalismo e em-
pirismo se existisse um terceiro tipo de juízo. Com isso, apresenta como solu-
ção o juízo sintético a priori.

Mas, o que são os juízos sintéticos a priori? Segundo Kant, são juízos que, ao
mesmo tempo, unem a universalidade e necessidade dos juízos analíticos
com a sinteticidade ampli�cadora de conhecimento dos juízos sintéticos a
posteriori. Neste sentido, os juízos sintéticos a priori:

• Não se baseiam no princípio da identidade, pois aquilo que eles conectam


não é predicado igual ao sujeito.
• Não se baseiam na experiência, pois são a priori. E pelo fato de serem a
priori, são consequentemente universais e necessários, negando, com is-
so, qualquer derivação da experiência.

Tal juízo sintético a priori é o que Kant chamou de a “incógnita X” da questão,


capaz de integrar os juízos analíticos a priori do racionalismo aos juízos sinté-
ticos a posteriori do empirismo:

Como posso chegar a dizer daquilo que acontece em geral algo completamente dis-
tinto e reconhecer que o conceito de causa, embora não contido no conceito do que
acontece, todavia lhe pertence e até necessariamente? Qual é aqui a incógnita X
em que se apoia o entendimento quando crê encontrar fora do conceito A um predi-
cado B, que lhe é estranho, mas, todavia, considera ligado a esse conceito? Não po-
de ser a experiência, porque o princípio em questão acrescenta esta segunda repre-
sentação à primeira, não só com generalidade maior do que a que a experiência po-
de conceder, mas também com a expressão da necessidade, ou seja, totalmente a
priori e por simples conceitos (KANT, 2001, p. 71).

Como se pode notar, o conhecimento começa com a experiência, porém, só se


completa com os conceitos: para conhecer as coisas, precisa-se da experiên-
cia sensível enquanto matéria do conhecimento. No entanto, essa experiência
não será nada se não for organizada por formas a priori da sensibilidade e do
entendimento. Tais formas são totalmente a priori (próprias do sujeito) e, por
isso, são a condição para a própria experiência. Kant chamou tais formas a
priori de “transcendentais”.

Kant chama de transcendentais os modos de conhecer a priori próprios do su-


jeito (e não do objeto): “chamo transcendental a todo o conhecimento que em
geral se ocupa menos dos objetos, que do nosso modo de os conhecer, na me-
dida em que este deve ser possível a priori” (KANT, 2001, p. 79). Como já men-
cionado, os modos de conhecer a priori do sujeito são dois:

• Sensibilidade: é a faculdade receptiva, pela qual o sujeito obtém as repre-


sentações exteriores.
• Entendimento: é a faculdade responsável pelo pensar e criar conceitos in-
ternos.

Em cada uma das faculdades, Kant identi�ca formas sintéticas a priori especí-
�cas:

As formas a priori da sensibilidade são o espaço e o tempo e, por isso, não


existem como realidades externas, mas como intuições puras internas (a prio-
ri) que o sujeito precisa para organizar e perceber as coisas e experimentá-las.
As coisas estão fora de nós; porém, só podemos percebê-las, por exemplo, “em
cima”, “em baixo”, ou “antes” e “depois”, porque temos a intuição apriorística do
espaço e do tempo. Caso contrário, não poderíamos perceber nada (ARANHA;
MARTINS, 2009).

As formas a priori do entendimento são as 12 categorias, que funcionam como


conceitos puros, que uni�cam e sintetizam as múltiplas impressões dos senti-
dos (trazidas pelas formas do espaço e do tempo) e as transformam em conhe-
cimentos pensados. Dentre as 12 categorias, pode-se citar três: a substância, a
causalidade e a existência. Quando observamos a natureza e a�rmamos, por
exemplo, que uma “coisa é isto”, ou que “tal coisa é causa de outra”, por um la-
do, temos aquelas coisas que percebemos pelos sentidos; mas, por outro, te-
mos algo que é próprio do sujeito que conhece, ou seja, que não vem da experi-
ência e que possibilita a “identi�cação” ou a “causalidade” de algo (ARANHA;
MARTINS, 2009).

Se, porém, todo o conhecimento se inicia com a experiência, isso não prova que to-
do ele derive da experiência. Pois bem poderia o nosso próprio conhecimento por
experiência ser um composto do que recebemos através das impressões sensíveis
e daquilo que a nossa própria capacidade de conhecer [...] produz por si mesma [...].
Denomina-se a priori esse conhecimento e distingue-se do empírico, cuja origem é
a posteriori, ou seja, na experiência (KANT, 2001, p. 62-63).

Portanto, o transcendental indica tanto as estruturas ou formas a priori ine-


rentes ao sujeito, ao qual tornam possível qualquer experiência com os objetos,
como também, os conhecimentos relativos e decorrentes a essas estruturas.
Assim, o transcendental para Kant é condição da cognoscibilidade (“intuibili-
dade” e “pensabilidade”) dos objetos, ou seja, aquilo que o sujeito coloca nas
coisas no próprio ato de conhecê-las.

Nesse sentido, o termo “transcendental” deve ser distinguido do termo “trans-


cendente”, que indica justamente aquilo que ultrapassa qualquer possibilidade
de experiência (ou seja, Númeno). Com isso, das coisas o sujeito não pode co-
nhecer nada, a não ser o que ele mesmo nas coisas coloca de modo a priori.

Portanto, as intuições (da Sensibilidade) e os conceitos (do Entendimento) são


dois pressupostos fundamentais para a construção do conhecimento:

Pelas condições da nossa natureza a intuição nunca pode ser senão sensível, isto é,
contém apenas a maneira pela qual somos afetados pelos objetos, ao passo que o
entendimento é a capacidade de pensar o objeto da intuição sensível. Nenhuma
destas qualidades tem primazia sobre a outra. Sem a sensibilidade, nenhum objeto
nos seria dado; sem o entendimento, nenhum seria pensado. Pensamentos sem
conteúdo são vazios; intuições sem conceitos são cegas. Pelo que é tão necessário
tornar sensíveis os conceitos (isto é, acrescentar-lhes o objeto na intuição) como
tornar compreensíveis as intuições (isto é, submetê-las aos conceitos). Estas duas
capacidades ou faculdades não podem permutar as suas funções. O entendimento
nada pode intuir e os sentidos nada podem pensar. Só pela sua reunião se obtém
conhecimento (KANT, 2001, p. 115).

Dessa forma, de modo análogo ao que aconteceu com a matemática e a física,


Kant propõe que seria muito mais vantajoso se o método de realizar a metafí-
sica fosse mudado: ao invés de o sujeito girar em torno do objeto, Kant supõe
que é o objeto que deveria girar em torno do sujeito.

Em outras palavras, seria muito vantajoso para a ciência se os objetos se regu-


lassem pelo conhecimento do sujeito. Como diz o próprio Kant, “das coisas,
nós só conhecemos a priori aquilo que nós mesmos nelas colocamos”; ou seja,
não é o intelecto que deve se regular pelos objetos para extrair os conceitos,
pelo contrário, são os objetos, enquanto são pensados, que devem se regular
pelos conceitos do intelecto e se juntarem com eles. Esta é a revolução coper-
nicana de Kant.

Kant em sua obra Crítica da Razão Pura (https://joaocamillopenna.�les.word-


press.com/2013/09/kant-critica-da-razao-pura.pdf) (1997, p. 62-83) explicita
claramente estes conceitos, vale a pena conferir.

Vamos entender melhor as propostas do ceticismo na Teoria do


 Conhecimento?

Orientamos que leia os seguintes textos, disponíveis na Biblioteca Virtual


Pearson:

• CAPUTO, João Carlos Lourenço. Tópicos em Epistemologia. Curitiba:


Intersaberes, 2019.
• LOURENÇO, Vitor Hugo. Construção do pensamento �losó�co na
modernidade. Curitiba: InterSaberes, 2019.
• STANGUE, Fabio. Tópicos de Filoso�a Moderna. Curitiba:
InterSaberes, 2017.

Agora, antes de testar seus conhecimentos, assista aos seguintes vídeos:

• RAZÃO PURA. (https://www.youtube.com/watch?v=AigtcwMbN58)1 ví-


deo (7 min). Acesso em: 7 jul. 2021.
• SPINOZA: METAFÍSICA.   (https://www.youtube.com/wat-
ch?v=DiPU1C3JNyQ)vídeo 1/2 (11 min). Acesso em: 7 jul. 2021.
• KANT (2): CONHECIMENTO A PRIORI 1. (https://www.youtube.com
/watch?v=Mplf7F_G-Go&t=21s)1 vídeo (8 min). Acesso em: 7 jul. 2021.
• KANT (3): CONHECIMENTO A PRIORI 2. (https://www.youtube.com/wat-
ch?v=0jUJnyu9SFo)1 vídeo (4 min). Acesso em: 7 jul. 2021.S

Chegou o momento de você se autoavaliar! Responda à questão, a seguir, para


que você possa veri�car se assimilou o conteúdo apresentado até o momento.

10. Considerações
Neste ciclo, estudamos duas outras respostas que compõem o problema da
origem do conhecimento: o intelectualismo e o apriorismo. Como observado,
as duas propostas tentam mediar ou conciliar os extremos defendidos pelo ra-
cionalismo e pelo empirismo.

No próximo ciclo, abordaremos a última questão da Epistemologia: a essência


do conhecimento e sua relação com os polos do sujeito e do objeto. Além disso,
também passaremos pelas críticas dos chamados �lósofos voluntaristas, com
Schopenhauer e Nietzsche, no âmbito da Teoria do Conhecimento.
(https://md.claretiano.edu.br/teocon-gs0031-

ago-2022-grad-ead-np/)

Ciclo 5 – A Essência do Conhecimento e a Perspectiva


Voluntarista

Juan Antonio Acha


Luis Henrique de Souza
Osmair Severino Botelho
Ricardo Bazílio Dalla Vecchia
Stefan Vassilev Krastanov (In memoriam)

Objetivos
• Veri�car a questão da essência do conhecimento e as teorias que, histo-
ricamente, tentaram responder a esse problema.
• Re�etir sobre os conceitos e critérios da verdade.
• Conhecer as críticas ao conhecimento abstrato em Schopenhauer.
• Analisar os limites do conhecimento nas propostas de Schopenhauer e
Nietzsche.
• Compreender as críticas de Nietzsche ao problema moral do conheci-
mento.

Conteúdos
• O problema da essência do conhecimento.
• Conceito e critério de verdade.
• Representações intuitivas e abstratas em Schopenhauer: relação e limi-
tes.
• Nietzsche e o problema da verdade: moralismo e perspectivismo.

Problematização
O que se entende por essência do conhecimento? O que é a verdade e quais
são os seus critérios? Quais novidades Nietzsche e Schopenhauer apresen-
tam na Epistemologia contemporânea? Qual o papel crítico da vontade no
conjunto das diversas teorias do conhecimento? De que forma Nietzsche uti-
liza sua genealogia da moral no âmbito da Epistemologia?

Orientações para o estudo


A aprendizagem em Filoso�a, em muitos casos, apresenta-se como complexa
e extensa, dada a abrangência e o alcance dos conceitos desenvolvidos.
Neste último ciclo de aprendizagem, busque recapitular, por meio de resu-
mos, mapas mentais/conceituais e esquemas sobre a trajetória do estudo.
Estamos perto do encerramento. Caso tenha dúvidas, não se esqueça de con-
versar com seu tutor.

1. Introdução
Nesse último ciclo de aprendizagem, abordaremos três pontos: primeiro, estu-
daremos o derradeiro problema epistemológico, acerca da essência do conhe-
cimento, bem como as possíveis respostas oferecidas a essa questão (objeti-
vismo, subjetivismo, realismo, idealismo e fenomenalismo); segundo, passare-
mos rapidamente pela questão do conceito e critérios da verdade no campo da
Epistemologia; terceiro, apresentaremos dois críticos do conhecimento per-
tencentes à corrente �losó�ca do voluntarismo: Schopenhauer e Nietzsche.

Não desanime! Estamos no último ciclo. Caso necessário, retome os estudos


dos ciclos anteriores e entre em contato com seu tutor.

2. O problema da essência do conhecimento


Outra questão tratada pela Teoria do Conhecimento é o problema da essência
do conhecimento, que se fundamenta na relação entre o sujeito e o objeto.
Conhecimento presume uma relação entre o sujeito e objeto; não há conheci-
mento sem alguma das partes. A relação entre os dois elementos é, ao mesmo
tempo, uma correlação: o sujeito só se constitui como tal em vista de um obje-
to; e o objeto, por sua vez, só se caracteriza como tal frente a um sujeito.
Portanto, estamos nesse ponto diante da questão da essência do conhecimen-
to - isto é, das respostas �losó�cas que tentam explicar a relação entre sujeito
e objeto e os aspectos que tensionam ora a proeminência de um, ora do outro.
Para Hessen (2000, p. 69), "o verdadeiro problema do conhecimento, portanto,
coincide com a questão sobre a relação entre sujeito e objeto".

Embora tenhamos clareza quanto à delimitação a respeito da essência do co-


nhecimento (relação sujeito-objeto), isso não quer dizer que exista um consen-
so quanto aos conceitos que explicam o modo como essa relação ocorre.
A�nal de contas, quem de fato determina o conhecimento? O sujeito ou o obje-
to? No âmbito da história da Epistemologia, inúmeras respostas foram dadas,
considerando aspectos, por vezes, antagônicos. Segundo Hessen (2000), ape-
sar da variedade de respostas, a questão da essência do conhecimento foi tra-
tada de duas maneiras:

• Por meio de "soluções pré-metafísicas", que optam por não fazer referên-
cia ao estatuto ontológico do sujeito e do objeto, identi�cadas por corren-
tes �losó�cas como: objetivismo e subjetivismo.
• Através de "soluções metafísicas", que fazem uso do caráter ontológico
na discussão do problema, identi�cadas pelas seguintes linhas �losó�-
cas: realismo, idealismo e fenomenalismo.

Ainda de acordo com Hessen (2000, p. 91-93), existem, também, as chamadas


"soluções teológicas", que, para responder a esse problema do sujeito e do obje-
to, recorrem a um princípio último da realidade, o absoluto, identi�cadas por
tendências teológicas monistas, panteístas, dualistas e teístas. Embora sejam
posturas interessantes, limitaremos nosso estudo às soluções estritamente �-
losó�cas e epistemológicas (pré-metafísicas e metafísicas).

Soluções pré-metafísicas
Dentro das soluções pré-metafísicas acerca do problema da essência do co-
nhecimento, podemos identi�car duas formas: objetivismo e o subjetivismo.

• Objetivismo: para esta proposta, o objeto é elemento decisivo, determi-


nando, assim, o sujeito, que por sua vez toma sobre si as propriedades do
objeto e as reproduz: "o objeto determina o sujeito. Este deve ajustar-se
àquele. O sujeito de certo modo, incorpora, copia as determinações do ob-
jeto. Isso pressupõe que o objeto se coloque diante da consciência cognos-
cente como algo pronto, em si mesmo determinado" (HESSEN, 1998, p.
70). O objetivismo tem em Platão seu maior defensor.
• Subjetivismo: já para esta proposta, oposta à anterior, o elemento decisivo
é o sujeito, que apreende as características do objeto sob o crivo subjetivo:
"o subjetivismo, ao contrário, tenta ancorar o conhecimento humano no
sujeito. Desloca o mundo das ideias, essa encarnação dos princípios do
conhecimento, para o sujeito" (HESSEN, 1998, p. 72). O subjetivismo tem
em Agostinho um dos seus representantes.

Soluções metafísicas
Como já mencionado, as soluções pré-metafísicas não são as únicas maneiras
de responder ao problema da essência do conhecimento. Fazendo uso do cará-
ter ontológico do sujeito e do objeto, com soluções tipicamente metafísicas, o
problema da essência do conhecimento pode ser visto de três formas: o realis-
mo, o idealismo e o fenomenalismo.

Realismo

Partindo do pressuposto metafísico em torno do questionamento da natureza


do "ser" - coisa ou ideia? -, o realismo preocupa-se em estudar o mundo das
coisas, no qual a essência do conhecimento realista seria justamente a confor-
midade do pensamento com o que "ser" das coisas. Pode-se dizer que para o
realismo, as coisas são reais e independentes da consciência, criando então,
um dilema materialista para se conhecer determinado objeto.

Segundo Hessen (2000), o realismo pode ser compreendido em várias modali-


dades: realismo ingênuo, realismo natural, realismo crítico.

No realismo ingênuo, o conhecimento ocorre por meio dos conteúdos de per-


cepção: "as coisas são exatamente como percebemos" (HESSEN, 2000, p. 74).
Podemos dizer que essa vertente realista tem como essência a impressão sen-
sível dos objetos - na qual se conceitua o objeto da mesma forma que essa im-
pressão sensível o apresenta.
Já o realismo natural, diferente do ingênuo, preocupa-se em distinguir os ele-
mentos apreendidos através da impressão sensível que determinado objeto
apresenta ao seu conhecedor. No realismo natural, não ocorre a identi�cação
da percepção com o objeto, mas sim a apresentação de elementos que a cons-
ciência do sujeito cognoscente identi�ca, ao separar os elementos que sua im-
pressão sensível exerce sobre o objeto. Ou seja, no realismo natural, os objetos
correspondem aos conteúdos da percepção: por exemplo, é impossível que o
sangue não seja vermelho, pois é um dado da opinião da consciência natural.
Por isso, "sustenta que os objetos correspondem exatamente aos conteúdos
perceptivos" (HESSEN, 2000, p. 74).

Por �m, o realismo crítico a�rma que as percepções qualitativas apreendidas,


especi�camente por cada um dos sentidos (cor, cheiro, odor etc.), existem ape-
nas na medida em que a consciência do sujeito cognoscente as apreende.
Sendo assim, o que é importante para o realismo crítico não são as proprieda-
des quantitativas, tais como tamanho, forma, movimento, espaço etc., mas as
propriedades qualitativas, caracterizadas pela apreensão de um sujeito conhe-
cedor. Pode-se dizer, então, que "tais propriedades representam, portanto, for-
mas de reação de nossa consciência, que são naturalmente condicionadas em
seu modo de ser pela organização de nossa consciência" (HESSEN, 2000, p.
75).

Apesar das três modalidades apresentadas possuírem oposições umas com as


outras, o realismo não perde seu objetivo principal, que é mostrar que as coi-
sas existem, independentemente da consciência ou do sujeito cognoscente.
Por isso, o realismo sempre argumentará que a essência do conhecimento
parte de fora para dentro, e que a percepção do objeto é que leva o sujeito co-
nhecedor a ter uma postura cognoscente sobre o objeto: "os objetos da percep-
ção continuam a existir, ainda que tenhamos subtraído os nossos sentidos à
sua in�uência e, consequentemente, já não os percebamos" (HESSEN, 2000, p.
79).

Idealismo

Em contraposição ao realismo, que atribui a essência do conhecimento ao ob-


jeto, para o idealismo "não há coisas reais, independentes da consciência"
(HESSEN, 2000, p. 81), mas sim uma proposta que reduz a essência do conheci-
mento à abstração do sujeito. Nesse sentido, o conhecimento é algo que parte
de dentro para fora, um conteúdo da consciência do sujeito cognoscente. O
pensamento no idealismo é o único instrumento capaz de produzir conheci-
mento. Sendo assim, para o idealista, um objeto só existe a partir do momento
que ele é conceitual e faz parte da sua consciência; do contrário, se não puder
ser abstraído pelo sujeito cognoscente, ele não existe.

Segundo Hessen, existem duas vertentes que caracterizam o idealismo: idea-


lismo subjetivo (ou psicológico) e o idealismo objetivo (ou lógico).

No primeiro caso, o realismo a�rma que as coisas não são mais que percep-
ções da consciência subjetiva. É subjetivo porque o conhecimento do sujeito é
caracterizado a partir de suas sensações, ou seja, as percepções sensíveis que
cada indivíduo possui. A forma como determinado sujeito percebe um objeto é
diferente da forma como outro o experimenta, pois a percepção de cada um
acerca dos objetos não é igual.

No segundo caso, diferentemente do subjetivo, o fundamento é a redução do


objeto a algo lógico. O idealismo objetivo ou lógico a�rma que só se pode che-
gar a um conhecimento verdadeiro por meio de mecanismos lógicos e dialéti-
cos, realizados através de um processo de abstração. Assim, neste, só é verda-
deiro o conceitual, ou seja, a visão fundamentada que se tem da realidade
(HESSEN, 2000).

Apesar da diferença existente entre essas duas formas de idealismo, ambas


têm por �nalidade demonstrar que o objeto do conhecimento não é nada real,
mas algo ideal (HESSEN, 2000) e que só é válido explicar a realidade partindo-
se do pensamento, da ideia, da abstração. Nisso consiste a essência do conhe-
cimento no idealismo.

Fenomenalismo, ou Criticismo

No decorrer da história da Epistemologia, existiram não somente posiciona-


mentos opostos variados, como também tentativas de reconciliação e sínte-
ses:

• Sobre a questão da possibilidade do conhecimento, o criticismo surgiu co-


mo tentativa de mediação entre o dogmatismo e o ceticismo.
• Sobre a questão da origem do conhecimento, o apriorismo tentou promo-
ver uma síntese entre o racionalismo e o empirismo.
• Da mesma forma, na questão relacionada à essência do conhecimento, o
fenomenalismo é apresentado como uma tentativa de aproximação do re-
alismo e do idealismo.

Para todas essas mediações, no entanto, temos um mesmo idealizador:


Immanuel Kant. Seu sistema �losó�co oferece respostas para todos os questi-
onamentos da Teoria do Conhecimento.

O fenomenalismo é uma teoria segundo a qual não se pode conhecer as "coi-


sas em si" (noumenon), mas somente como elas nos são apresentadas, isto é,
os fenômenos (phainoumenon). Com isso, a ideia é que existem as coisas re-
ais, mas não são possíveis de serem conhecidas em sua essência. Conforme
Kant:

Nossa razão vê, entretanto, da mesma forma, ao redor de si, um espaço para o co-
nhecimento das coisas em si mesmas, se bem que nunca possa ter delas conceitos
determinados e se limite apenas a fenômenos (1980, p. 76).

Podemos dizer que o fenomenalismo é constituído do realismo (quando admi-


te as coisas reais) e pelo idealismo (quando admite a limitação do conheci-
mento à consciência, ao mundo da aparência), resultando na impossibilidade
de conhecer as coisas em si. Para o fenomenalismo, os conceitos das coisas e
a intuição procedem da consciência. Certas formas e funções inatas do enten-
dimento, quando estimuladas pelas sensações, entram em ação, independen-
temente da nossa vontade. O mundo em que se vive é formado pela consciên-
cia. Com isso, como já foi dito, não é possível o sujeito conhecer como o mun-
do está constituído em si, pois, logo que se conhece as coisas, ele as introduz
nas formas da sua consciência. Dessa maneira, não temos perante nós a "coi-
sa em si", mas a coisa como nos é apresentada, ou seja, o fenômeno.

A teoria do fenomenalismo pode ser desenvolvida por Kant em três pontos:

• A coisa em si não é conhecida (noumenon).


• O nosso conhecimento é limitado diante do fenômeno.
• O fenômeno surge na nossa consciência porque ordenamos e elaboramos
o material sensível em relação às formas a priori da sensibilidade e do
entendimento.

O conceito e o critério de verdade


Agora, abordaremos dois pontos: o conceito de verdade e o critério de verdade.

Com relação ao conceito de verdade, de acordo com Hessen (2000, p. 107-108),


podemos identi�cá-lo a partir de duas concepções:

Conceito transcendente de verdade: esse conceito de verdade expressa-se quando o


sujeito que descreve o fenômeno do conhecimento constata que, para a consciência
natural, a verdade do conhecimento consiste na concordância do conteúdo do pen-
samento com o objeto, como ocorre, por exemplo, no intelectualismo de Tomás de
Aquino.

Conceito imanente de verdade: esse conceito de verdade contrapõe-se ao anterior; a


essência da verdade não reside numa relação do conteúdo do pensamento com al-
go contraposto, transcendente, mas sim, no interior do próprio pensamento. Dessa
maneira, a verdade é a concordância do pensamento consigo mesmo; um juízo é
verdadeiro quando construído segundo as leis e normas do próprio pensamento. De
acordo com essa concepção, a verdade signi�ca algo puramente formal e coincide
com a correção lógica.

No entanto, os dois conceitos de verdade se apoiam tanto no idealismo como


no realismo: "a decisão a respeito de qual dos dois conceitos devemos conside-
rar correto já está contida em nosso posicionamento diante do con�ito entre
idealismo e realismo" (HESSEN, 2000, p. 108).

Já a questão do critério de verdade está em estreita relação com a questão do


conceito de verdade. Ou seja, cada conceito de verdade possui o seu critério de
verdade correspondente.

Para o caso do conceito de imanente, que considera a verdade como a concor-


dância do pensamento consigo mesmo, o seu critério reside, justamente, na
ausência da contradição lógica: "assim, o conceito imanente ou idealista de
verdade arrasta necessariamente consigo um critério de verdade - a ausência
de contradição" (HESSEN, 1998, p. 110). No entanto, este critério pode falhar
quando o sujeito considera os objetos reais, como se fossem ideais.

No caso do conceito transcendente, que considera como verdade a concordân-


cia do pensamento com o objeto, o seu critério reside na imediata presença do
objeto referido corretamente pelo juízo do intelecto:

Fixemo-nos primeiramente nos dados da consciência. Possuo uma certeza imedia-


ta a respeito do vermelho que vejo ou da dor que sinto. Obtemos, com isso, outro cri-
tério de verdade. Ele consiste na imediata presença de um objeto. Por esse critério,
são verdadeiros os juízos baseados na imediatidade do objeto a que o juízo se refere
(HESSEN, 2000, p. 110).

Para mais informações sobre o problema da essência do conhecimento, leia o


artigo de Weiss e Brascher (2017), intitulado Organização do Conhecimento e
Kant: uma análise do debate epistemológico sobre realismo e idealismo
(https://periodicos.ufpe.br/revistas/IRIS/article/view/236188) e, posteriormen-
te, assista ao seguinte vídeo:

3. A crítica do Voluntarismo
Ao longo de nossos estudos, observamos o quanto a Filoso�a valorizou teorias
fundadas na racionalidade, nos dados da experiência, no idealismo metafísi-
co, na objetividade antimetafísica etc. Os autores do voluntarismo,
Schopenhauer e Nietzsche, no entanto, escapam da polaridade sujeito-objeto e
formalizam suas teorias em direção contrária: não é a razão, não é a experiên-
cia, muito menos o apriorismo que governa a busca pelo conhecimento, mas
sim a vontade.
Nesse sentido, Schopenhauer e Nietzsche promovem uma reviravolta na
Teoria do Conhecimento e apresentam questionamentos que redimensionam
o que se imaginava saber sobre a possibilidade, origem e essência do conheci-
mento.

4. Schopenhauer: intuição versus conceito


Em linhas gerais a Teoria do Conhecimento schopenhaueriana está exposta
no primeiro capítulo de sua obra principal O mundo como vontade e como re-
presentação. Seu ponto de partida é a distinção kantiana, principalmente co-
mo exposta em sua Crítica da razão pura, em especial na parte denominada
Estética transcendental. Schopenhauer reinterpreta a divisão de Kant entre os
conceitos de fenômeno e coisa-em-si. O primeiro, Schopenhauer denomina
REPRESENTAÇÃO, e o segundo VONTADE, sendo aquela totalmente subordi-
nada a esta, algo totalmente novo na História da Filoso�a.

Diferentemente de Kant, Schopenhauer (2005) acredita que é possível conhe-


cer a realidade da coisa-em-si. Para isso, sua Teoria do Conhecimento põe em
jogo uma distinção fundamental: a experiência interna e a externa.

A experiência interna revela que o corpo humano é objetivação da vontade.


Neste sentido, os movimentos corporais só são compreensíveis como exterio-
rizações de uma força, que melhor se compreende como VONTADE.

Já a experiência externa tem, em última instância, a relação entre os objetos


que se regulam uns aos outros. No limite destas relações está uma mais ne-
cessária e que está na base de toda a experiência possível: a relação SUJEITO-
OBJETO. Paradoxalmente, este ponto, ao mesmo tempo em que o aproxima,
também, o separa da doutrina de Kant.

A análise schopenhaueriana revela que estes dois polos (SUJEITO-OBJETO)


são indissociáveis e, por conseguinte, não há uma coisa-em-si, como Kant ha-
via pensado, mas como um objeto independente de um sujeito.
Não há objeto sem sujeito nem sujeito sem objeto, [...]. Esses dois pólos do mundo da
representação só assumem sua realidade e seu sentido um pelo outro [...].  O sujeito
é aquilo que conhece sem ser conhecido, e nós o encontramos em nós mesmos,
quando conhecemos [...]. O objeto é aquilo que é conhecido e que não pode conhecer
enquanto tal. “Todos os objetos do sujeito são nossas representações”: proposição
conversível. O plural nos indica que o objeto está implicado na multiplicidade das
determinações recíprocas inerentes ao fato de ser conhecido [...]. Essa multiplicida-
de contrasta com o status de sujeito: o sujeito poderia ser único, como parece ser
obrigatório para concentrar em um único ponto essa multiplicidade de representa-
ções. Mas isso seria esquecer que ele é incognoscível como tal e que a unidade, as-
sim como a pluralidade, são formas do seu conhecimento, que lhe são inaplicáveis.
Entenda-se que bastaria um sujeito em relação com os objetos para construir o cas-
telo. O sujeito nunca pode ser conhecido sob pena de tornar-se objeto; esse objeto
suporia ele próprio um sujeito e assim até o in�nito. Nos antípodas do hegelianis-
mo, Schopenhauer recusa-se a situar a re�exão no seio do sujeito cognoscente. As
diversas formas da representação só nos são conhecidas através dos seus resulta-
dos, nossos conhecimentos (PERNIN, 1999, p. 37).

O nosso conhecimento da relação entre os objetos é próprio do conhecimento


cientí�co propriamente dito. Enquanto o fundamento que é o da relação
SUJEITO-OBJETO, é o próprio do conhecimento �losó�co. Quando essa relação
necessária aparece na consciência do homem de maneira re�etida e abstrata,
“Então nele aparece a clarividência �losó�ca” (SCHOPENHAUER, 2005, p. 43).

Pode-se dizer que o conhecimento do mundo todo como representação se re-


duz à sua perceptibilidade, ou seja, que seu ser e sua perceptibilidade se con-
fundem, como queria Berkeley em seu “ser é perceber e ser percebido”.

Entretanto, Schopenhauer (2005) a�rma que este conhecimento é unilateral e


não revela toda a verdade sobre o mundo, apenas proporciona o conhecimento
de sua visibilidade e perceptibilidade, não a sua interioridade como é em si
mesmo. Para isso é necessário um novo ponto de vista. É neste sentido que
Schopenhauer analisa a VONTADE (irracional) e aqui que se desliga radical-
mente do pensamento de Hegel, para o qual na base do real está algo racional.

O conhecimento resultante da relação SUJEITO-OBJETO nunca atinge um


ponto absoluto. É a partir daí que Schopenhauer (2005) transfere toda a espe-
culação metafísica que pretendia estabelecer, ou no sujeito ou no objeto, o
princípio de onde deduzir toda a realidade para outro ponto de vista. Pois, se-
gundo Schopenhauer (2005, p. 156):

Vemos, pois, que DE FORA jamais se chega à essência das coisas. Por mais que se
investigue, obtên-se tão somente imagens e nomes. Assemelhamo-nos a alguém
girando em torno de um castelo, debalde procurando sua entrada, e que de vez em
quando desenha as fachadas. No entanto, este foi o caminho seguido por todos os
�lósofos que me antecederam.

Schopenhauer (2005) encontra no corpo humano a chave para a decifração do


enigma do mundo. Ele revela a transição daquilo que o mundo apresenta co-
mo representação para aquilo que ainda pode ser para além dessa representa-
ção. Trata-se de conhecer a experiência interna.

Esta revolução no ponto de vista do conhecimento irá abrir caminho para �loso�as como a
de Nietzsche e para a psicanálise de Freud, apesar deste, provavelmente, não ter conhecido
a obra schopenhaueriana antes de elaborar suas teorias sobre a psique humana, reconhece
apenas que o aparelho repressivo já havia sido elucidado por Schopenhauer antes dele
(Conf. EAGLETON, 1993).

O corpo humano visto de fora não passa de uma REPRESENTAÇÃO como qual-
quer outra. Mas compreendido por dentro se revela como elo de uni�cação en-
tre a VONTADE e a REPRESENTAÇÃO. Segundo Batalha (1968, p. 185):

O ato voluntário e a ação do corpo não são dois fenômenos objetivos diferentes, li-
gados pela causalidade: não estão entre si na relação de causa e efeito. Constituem
um só e mesmo fato, que se apresenta de duas maneiras: de um lado imediatamen-
te; de outro, como representação sensível. A ação do corpo é o ato da vontade objeti-
vado, isto é, visto na representação. O corpo é a vontade objetivada, isto é, tornada
perceptível. Sob o ponto de vista da representação, o corpo é o objeto imediato; sob o
novo ponto-de-vista, é objetivação da vontade. A vontade é o conhecimento a priori
do corpo; o corpo é o conhecimento a posteriori da vontade.

Para você re�etir...


Você se lembra de ter estudado sobre algum �lósofo que fez relação entre a vontade e o mo-
vimento do corpo? Se você respondeu que estudou essa problemática no tópico sobre o em-
pirismo, com o �lósofo David Hume, no Ciclo 3, e se �cou claro a diferença entre o pensa-
mento de Hume e de Schopenhauer, então está no caminho certo!

O a posteriori e o a priori revelam as características daquilo que conhecemos


como objetos, isto é, REPRESENTAÇÃO, daquilo que conhecemos das coisas
para além daquilo que apresentam como objetos. Entretanto o conhecimento
dos objetos no que são em si mesmos, só é possível por analogia, visto que só
podemos fazer a experiência interna de nosso próprio corpo.

Essa conclusão analógica revela que: se de um lado o meu corpo aparece co-
mo representação, e do outro como vontade, todas as outras coisas que conhe-
ço na representação são do outro lado, ou, em si mesmas, vontade. Portanto,
Schopenhauer (2005) propõe que o mundo como representação só encontra
seu sentido interno se compreendemos o seu outro lado, em que se apresenta
como vontade.

Neste sentido, pode-se a�rmar que Schopenhauer (2005) quer compreender a


causalidade a partir de dentro. Para isso busca compreender as ações huma-
nas não observando o “porque” essas ações se exteriorizam, mas o “quê” é que
se exterioriza, ou seja, o que são em si mesmas. E a�rma:

Todo ato verdadeiro de sua vontade é simultânea e invariavelmente também um


movimento de seu corpo. Ele não pode realmente querer o ato sem ao mesmo tem-
po perceber que este aparece como movimento corporal (SCHOPNEHUAER, 2005, p.
157).

Como revela claramente a citação anterior, todo movimento do corpo, em últi-


ma instância, é um ato da vontade. Assim, da mesma forma que os movimen-
tos conscientes do corpo humano podem ser explicados pela vontade, em todo
o mundo acontece analogamente. Todo o movimento causal, que no homem
se dá por motivos, no animal por instinto, e que se exteriorizam de alguma for-
ma também na natureza vegetal e mineral, não são outra coisa senão aquilo
que no homem se compreende como vontade.

Representações intuitivas e abstratas


Em sua Teoria do Conhecimento, como exposto no Livro Primeiro de O mundo
como vontade e como representação, Schopenhauer distingue dois tipos de re-
presentação: intuitivas e abstratas. Cabendo exclusivamente à segunda classe
de representações aquilo que denominamos propriamente o conhecimento, no
sentido de explicação e demonstração. Segundo Batalha (1968, p. 178):

As representações de ordem abstrata não formam senão uma só classe, a dos con-
ceitos, apanágio exclusivo dos homens deste mundo: a faculdade, que ele possui, de
formar noções abstratas e que o distingue dos outros animais é a razão. [...] As re-
presentações intuitivas compreendem todo o mundo visível, ou a experiência em
geral, com as condições que a tornam possível – tempo e espaço; reveladas pela in-
tuição a priori, representam as leis de toda experiência possível e, ao mesmo tem-
po, os princípios da pluralidade e da diferenciação.

O exemplo que Schopenhauer utiliza para diferenciar os dois tipos de “conhe-


cimento” é o do jogador de bilhar. Um jogador de bilhar pode conhecer intuiti-
vamente as leis do movimento dos corpos, e com isso consegue acertar facil-
mente as tacadas. Entretanto, se lhe for exigida uma explicação de como faz
para que suas tacadas sejam certeiras ele não conseguirá explicar. Um físico,
ao contrário, explicaria habilmente o “como” de as relações de choque entre as
esferas do jogo, em relação à força do movimento inicial da tacada, �zeram as
esferas do jogo desenvolver determinada trajetória, que termina com a esfera
no buraco. Entretanto, tal conhecimento do físico, não lhe garante que ele seja
um hábil jogador. Neste sentido, o físico pode ser um péssimo jogador de bi-
lhar, apesar de conhecer todas as leis físicas que implicam no movimento dos
corpos.

Todas as representações encontram sua forma última no que Schopenhauer


denomina princípio de razão su�ciente.  Essa teoria schopenhaueriana está
exposta em sua obra Sobre a quádrupla raiz do princípio de razão su�ciente
(tese de doutoramento de Schopenhauer, recomendada por ele como texto in-
trodutório a obra O mundo como vontade e como representação). O termo,
“quádrupla”, se refere aos quatro tipos de objetos possíveis para ao sujeito.
Basicamente, o princípio da razão su�ciente assevera que nada é sem uma ra-
zão pela qual seja.
Segundo Barboza (2006) estas quatro raízes delimitam o mundo da experiên-
cia e da ciência. São elas:

1) Princípio de razão do devir:

[...] veri�ca-se que espaço, tempo e causalidade indicam apenas uma �gura do prin-
cípio de razão, a do devir. “Devir” porque se trata da construção dos objetos da efeti-
vidade, em constante mudança (BARBOZA, 2006, p. 36).

2) Princípio de razão do conhecer:

[...] os conceitos formados a partir das intuições do entendimento; conceitos estes a


caberem exclusivamente ao homem [...]; em verdade, a razão decanta as intuições e
obtém representações de representações, exatamente os conceitos, os quais, liga-
dos entre si, formam juízos, que, se possuem fundamento su�ciente, são verdadei-
ros. [...] em última instância, fornece o fundamento dos juízos da experiência e da
ciência; rege a linguagem e a sua pretensão de expressar verdadeiramente o mun-
do (BARBOZA, 2006, p. 37).

3) Princípio de razão do ser:

[...] rege a terceira classe de objetos para o sujeito, a parte formal das representa-
ções, as intuições a priori das formas do sentido externo e interno, isto é, o espaço e
o tempo, que [...] formam, ao lado da causalidade, o princípio de razão do devir.
Neste contexto, espaço e tempo são tomados isoladamente, sem referência à sua
aplicação às intuições. De tais formas resultam leis que traduzem a necessidade e a
universalidade da aritmética e da geometria. [...] O espaço é secundário em relação
ao tempo, pois este é a forma primária do ser-consciente, é a forma do sentido in-
terno, onde o sentido do mundo se constitui. Isto se traduz nas vezes em que a pró-
pria geometria precisa ser temporalizada e suas �guras são traduzidas em fórmu-
las numéricas (BARBOZA, 2006, p. 37).

4) Princípio de razão do agir:


Em realidade, não se trata aqui de objeto em sentido estrito, mas do sujeito tornado
objeto, o sujeito do querer, que não pode ser representado. Neste caso, está-se diante
daquilo que Schopenhauer denomina “milagre” do conhecimento – o eu. O eu é
uma mistura de conhecer e querer, dois elementos completamente distintos. Aqui,
observando a si mesmo, o investigador se apreende no íntimo de seu corpo como
um sujeito que quer. [...] Concomitantemente, mostra-se neste momento que as re-
gras entre sujeito e objeto, que valiam para as outras �guras do princípio de razão,
não valem mais aqui, pois neste caso se tem algo que não pode ser tomado como
objeto no sentido estrito do termo, ou seja, como representação – justamente a von-
tade (BARBOZA, 2006, p. 37-38).

É importante que você conheça mais especi�camente o princípio de razão do


conhecer. Como explicitado anteriormente, esse princípio rege as representa-
ções abstratas ou os conceitos.

Para isso é importante notar que Schopenhauer diferencia de maneira clara o


entendimento da razão. Esta é o correlato subjetivo dos CONCEITOS, aquele o
correlato subjetivo da matéria: união de espaço e tempo na causalidade, isto é,
propriedade de fazer efeito (efetividade). O entendimento, o homem comparti-
lha com os animais, mas a razão é exclusividade do homem.

Essa nova consciência, extremamente poderosa, re�exo do mundo intuitivo em


conceitos não intuitivos da razão, é a única coisa que confere ao homem aquela
clareza de consciência que tão decisivamente diferencia a sua da consciência do
animal e faz o seu modo de vida tão diferente de seus irmãos irracionais. De imedi-
ato o homem os supera em poder e sofrimento (SCHOPENHAUER, 2003, p. 83).

Por meio dessa nova faculdade, ou seja, da razão, torna-se o homem, um ser
atemporal, que pode executar racionalmente projetos para o futuro, conservar
informações do passado e até mesmo “dissimular” e apresentar-se de maneira
diversa do que realmente é. Os motivos que movimentam a vontade humana
podem aparecer in abstracto vários de uma só vez em sua consciência, e ape-
nas por essa razão o homem traz para a consciência o fato de que um motivo
exclui o outro.

Uma passagem de O mundo como vontade e representação é essencial para


que você compreenda o que signi�ca essa faculdade de conhecimento própria
do homem que se chama razão, sua função e alcance. Diz Schopenhauer (2005,
p. 86):

Os conceitos permitem apenas pensar, não intuir, e tão somente os efeitos que o ho-
mem produz por eles são objetos da experiência propriamente dita. É o caso da lin-
guagem, da ação planejada e re�etida, da ciência e de tudo que delas resulta. A fala,
como objeto da experiência externa, manifestamente não é outra coisa senão um
telégrafo bastante aperfeiçoado que comunica sinais arbitrários com grande rapi-
dez e nuances sutis. Que signi�cam, porém, semelhantes sinais? Por acaso, quando
alguém fala, traduzimos o seu discurso instantaneamente em imagens da fantasia,
que voam e se movimentam diante de nós com rapidez relâmpago, encadeadas,
transformadas e matizadas de acordo com a torrente das palavras e suas re�exões
gramaticais? Que tumulto, então, não ocorreria em nossa cabeça durante a audição
de um discurso ou a leitura de um livro! Mas de modo algum se passa dessa forma.
O sentido do discurso é imediatamente intelectualizado, concebido e determinado
de maneira precisa, sem que, via de regra, fantasmas se imiscuam. É a razão que
fala para a razão sem sair de seu domínio, e o que ela comunica e recebe são con-
ceitos abstratos, representações não intuitivas, as quais, apesar de formadas uma
vez pra sempre e em número relativamente pequeno, abarcam, compreendem e re-
presentam todos os incontáveis objetos do mundo efetivo.

Apesar de os conceitos serem, desde o fundamento, diferentes das


representações intuitivas; com estas estão em relação necessária. Eles são
cópias, ou na linguagem schopenhaueriana: “representações de
representações”. Pois, como a�rma Schopenhauer:

[...] há um momento em que a série dos princípios de conhecimento deve chegar a


um conceito que tenha seu fundamento no conhecimento intuitivo, pois o mundo
da re�exão repousa sobre o da intuição, de onde ele tira a sua inteligibilidade (apud
PERNIN, 1999, p. 65).

No entanto, cabe destacar que, temos que ter em mente que a razão abstrata
não lida com a “verdade” propriamente dita. A ciência não nos oferece certeza
maior que a intuição. Como comenta Pernin (1999, p. 67):
As ciências apresentam um encadeamento de conhecimentos que vai do geral ao
particular, partindo dos princípios para descer até as consequências. Elas são pois
tanto mais perfeitas quanto mais seus princípios são subordinados uns aos outros,
ao invés de serem simplesmente coordenados; desse modo, é claro que o verdadeiro
�m da ciência não é a certeza mas a disposição ordenada, favorecendo o reagrupa-
mento dos conhecimentos de maneira exaustivas. A ciência abrevia, classi�ca e or-
dena os conhecimentos de acordo com a razão.

Uma característica interessante da Teoria do Conhecimento schopenhaueria-


na é a clareza com a qual expõe a característica do conceito ser sempre geral.
Segundo o �lósofo:

[...] um conceito possui generalidade não porque é abstraído de muitos objetos, mas,
ao contrário, justamente porque a generalidade, ou seja, a não determinação do par-
ticular, é essencial ao conceito como representação abstrata da razão, apenas por
isso podem diversas coisas ser pensadas mediante um mesmo conceito
(SCHOPENHAUER, 2005, p. 89).

Como os conceitos são abstratos, não intuitivos e sempre gerais, eles podem
ser representados por uma circunferência. Veja a seguir como Schopenhauer
apresenta as relações entre os conceitos utilizando as esferas.
Essas podem ser esferas intercambiáveis, como os conceitos de necessidade e con-
sequência, que seriam representados na seguinte esfera:

Bem como a esfera de um conceito pode encerrar totalmente a de outro, como na


esfera seguinte:

Pode, também, uma esfera encerrar duas ou mais esferas, que se excluem e ao mes-
mo tempo preenchem a esfera. Por exemplo:
Uma esfera também pode estar contida parcialmente em outra. Por exemplo:

Duas esferas conceituais, sem comunicação aparente, também, podem estar conti-
das em uma terceira que, embora frequentemente muito extensa as encerra. Para
representá-las teríamos a seguinte �gura:

Podemos ainda combinar essas �guras de modo diverso, por exemplo, a quarta �-
gura com a segunda (adaptado de SCHOPENHAUER, 2005, p. 90-91).

O conhecimento abstrato, aquele expresso por conceitos e próprios das várias


ciências, sempre expressa uma regra geral, que se for bem formulada é sem-
pre válida para o homem. Por exemplo, o Teorema de Pitágoras: “a soma do
quadrado dos catetos é igual ao quadrado da hipotenusa”. Essa é uma regra ge-
ral válida sempre. Primeiramente ela foi adquirida pela intuição (intelecto) e
transformada em conceitos para a razão. Neste sentido Schopenhauer (2005,
p. 92) diz que:
Cada ciência consiste num sistema de verdades gerais, por conseguinte abstratas:
leis e regras em referência a alguma classe de objetos. O caso particular que depois
se acrescenta a essas leis é, a cada vez, determinado de acordo com aquele saber
geral, que vale sempre, visto que o emprego do universal é in�nitamente mais fácil
do que investigar sempre o começo de cada caso particular quando este ocorre.

Os conteúdos verdadeiros dos conceitos, expressos pela razão, só encontram


sua verdade quando intuídos, ou pelo princípio de razão do ser, que no espaço
rege toda a geometria e no tempo rege a aritmética, ou pelo princípio de razão
do devir, em que o tempo e o espaço são tomados em união como causalidade
(matéria ou efetividade) que rege todas as mudanças e relações dos fenôme-
nos enquanto fazem efeito uns sobre os outros.

Finalização desta parte de nossa disciplina de Teoria do Conhecimento, a céle-


bre de�nição de conhecimento schopenhaueriana soa: “SABER, numa palavra,
é a consciência abstrata, o ter-�xo em conceitos aquilo que foi conhecido em
geral de outra maneira” (SCHOPENHAUER, 2005, p. 100).

Cabe destacar, ainda, que para Schopenhauer, em alguns casos, o conheci-


mento abstrato é infrutífero, ou seja, sua utilização é irrelevante, pois “embora
o conhecimento abstrato seja re�exo da representação intuitiva e se baseie
nesta, de modo algum é congruente com ela a ponto de em toda parte poder
substituí-la” (SCHOPENHAUER, 2005, p. 109).

Disso resulta que, na perspectiva schopenhaueriana do conhecimento, este


tem um campo restrito. Os conceitos não nos permitem, como no caso do raci-
onalismo, apreender as essências das coisas. Além disso, quando se trata de
formar caráteres os conceitos não podem legislar, apenas inquirir, nunca pres-
crever.

A virtude é tão pouco ensinada quanto o gênio; sim, para ela o conceito é tão infru-
tífero quanto para a arte e em ambos os casos deve ser usado apenas como instru-
mento. Por conseguinte, seria tão tolo esperar que nossos sistemas morais e éticos
criassem caracteres virtuosos, nobres e santos, quanto que nossas estéticas produ-
zissem poetas, artistas plásticos e músicos (SCHOPENHAUER, 2005, p. 353-354).
Isso nos mostra como Schopenhauer estabelece as possibilidades e limites
para o conhecimento. Trata-se, na realidade, de uma crítica contundente às
pretensões da razão (ao otimismo hegeliano em especial).

O Iluminismo pretendia estabelecer um mundo mais justo pelo emprego da


razão e em Hegel essa pretensão chega às suas máximas consequências. Este
mundo mais justo, ainda não foi alcançado e Schopenhauer é um visionário,
quanto à impossibilidade de, por meio do uso da razão abstrata, se estabelecer.
Isso caracteriza uma forma de niilismo profunda, onde há um total descrédito
na possibilidade de pela ciência desenvolvermos um mundo melhor. Este é o
famoso pessimismo de Schopenhauer. Um dos grandes responsáveis pela vi-
rada teórica da Filoso�a que irá tomar corpo em outro �lósofo: Friedrich
Nietzsche.

Seguindo, ainda, o pensamento e a ética de Schopenhauer, assista ao vídeo a


seguir:

5. Nietzsche: conhecimento, moral e perspecti-


vismo
Prof. Dr. Stefan Vassilev Krastanov

A proposta de se investigar a Teoria do Conhecimento na obra de Friedrich


Nietzsche (1844-1900) parte do pressuposto de que há uma Teoria do
Conhecimento em Nietzsche. Tal pressuposto, entretanto, é questionável, pe-
las razões que exporemos a partir de agora.

O problema do conhecimento – e articulado a ele o problema do acesso e da


compreensão da realidade – vem ocupando os �lósofos desde a Grécia antiga,
entretanto será na modernidade, sob a égide de grandes sistemas �losó�cos
como, por exemplo, os de Descartes e Kant, que ele assumirá contornos mais
sólidos e precisos. Isso pode ser veri�cado numa análise dos problemas basi-
lares que orientaram os períodos da História da Filoso�a, a�nal se, grosso mo-
do, as �loso�as Antiga e Medieval possuem como eixo norteador problemas
metafísicos, a Filoso�a Moderna parece articular-se de modo peculiar em tor-
no de questões epistemológicas, algo que se pode notar pela ampla produção
�losó�ca dos séculos 17 e 18 com as escolas do racionalismo francês e do em-
pirismo inglês, por exemplo.

Esse deslocamento temático, que acaba por fundar a Filoso�a Moderna, não
acontece à revelia. Antes, conforme explica Fogel (2002), ele está alicerçado
numa compreensão e interpretação caracteristicamente moderna que pressu-
põe que toda a realidade possível se faz e precisa se fazer como ou a partir da
bipartição entre sujeito e objeto, corpo e alma, homem e mundo.

À esteira dessa bipartição emergem problemas como os da origem, dos limites


e das possibilidades do conhecimento, isto é, questiona-se “se”, “como”, e “com
qual abrangência” pode o sujeito apreender o objeto, o que torna a representa-
ção, o conhecimento, uma espécie de “terceira substância”, de elemento a par-
te, e esse por sua vez requer uma disciplina especi�ca, a Teoria do
Conhecimento.

Em termos gerais isso signi�ca que, embora supostamente a Teoria do


Conhecimento investigue o conhecimento sob uma perspectiva “isenta”, “im-
parcial”, na verdade, seu funcionamento depende da adesão a uma interpreta-
ção e compreensão da realidade, cujo interesse basilar é a promoção de uma
espécie de verdade, como assevera Fogel (2002, p. 90):
A teoria do conhecimento está a serviço da realização do ideal moderno de verda-
de, ou seja, está empenhada em fazer cumprir a certeza como critério de verdade,
como medida de realidade. Para tanto, ela de�ne que, antes de conhecer, é preciso
certi�car-se, assegurar-se que se conhece (isto é, atinge-se, capta-se, apreende-se
ou representa-se o objeto) e que se conhece bem, isto é, que o conteúdo do conheci-
mento, de algum modo, real ou transcendentalmente, corresponde à natureza ou ao
modo de ser do objeto conhecido. A teoria do conhecimento, assim, vendo o conhe-
cimento como meio e instrumento (organon), reivindica para si o direito de prope-
dêutica, tal como a lógica se auto-denominou propedêutica e organon para pensar
– para pensar bem ou corretamente: antes de pensar é preciso aprender a pensar
corretamente. Impõe-se previamente estudar as regras para o bom pensar, tal como
se o modo de pensar existisse ou pré-existisse antes e fora do pensar isso ou aquilo,
assim ou assim outro.

Bipartida entre os universos de sujeito e do objeto a compreensão de realidade


do programa teórico moderno estabelece o conhecimento como medida, pois é
por meio dele que o contato entre tais universos opostos será possível. Como
disciplina que se ocupa deste contato, desta “ponte”, caberá à Teoria do
Conhecimento assegurar que “o conteúdo do conhecimento, de algum modo,
real ou transcendentalmente, corresponde à natureza ou ao modo de ser do
objeto conhecido”, sendo assim, nesta nova esquemática a Teoria do
Conhecimento assume uma importância radical, transformando-se numa es-
pécie de novo “organon” do pensar. Esse novo organon estabelece que antes de
conhecer/pensar é preciso aprender a conhecer/pensar, o que por sua vez
pressupõe que o modo de conhecer/pensar pode existir ou pré-existir antes e
fora do próprio conhecer/pensar, ou seja, o método é tão ou mais importante
que o próprio pensamento.

Realizando o ideal de verdade sob a égide da certeza, a Teoria do


Conhecimento da modernidade com sua estrutura pressuposta produzirá uma
série de novos sistemas de interpretação do mundo, mediante o estabeleci-
mento de determinadas certezas claras e evidentes (como, por exemplo, o co-
gito de Descartes) e a aplicação de certos métodos de análise (como, por exem-
plo, o método indutivo do empirismo inglês). Este ideal de certeza, de esclare-
cimento, de “verdade a todo custo”, assume no programa teórico da moderni-
dade sua forma mais potencializada, sobretudo em virtude do desenvolvimen-
to e da valorização do conhecimento, da ciência, algo que em última instância
vem a promover um antigo modo de vida, o do homem teórico.
É justamente nesse ponto que propomos examinar a relação de Nietzsche para
com a Teoria do Conhecimento. Para o pensador de Röcken, a Teoria do
Conhecimento, assim como a ciência e todas as tentativas de racionalização
do mundo vem a atender ao que ele denomina como vontade de verdade. Essa
vontade, para além do que sugere o nome, não visa somente promover a ver-
dade, mas antes evitar, impedir, anular a possibilidade da mentira, do erro, da
incerteza. É basicamente este desejo de solapar tudo aquilo que é obscuro,
sombrio, incontrolável na existência que caracteriza a forma de vida do ho-
mem teórico, cujo grande anseio é libertar-se da escuridão dogmática para as-
cender ao mundo esclarecido da razão, projeto que alcançará seu ápice com a
Aufklärung. Sobre isso esclarece o comentário de Giacoia (2000, p. 16):

Para ele [Nietzsche], não resta dúvida de que, herdeiros dos progressos do
Iluminismo, julgamo-nos liberados das cadeias da ignorância e da superstição.
Con�antes nas possibilidades advindas da utilização industrial da ciência e da téc-
nica, estamos certos de poder descobrir todos os segredos do universo e construir
uma sociedade expurgada de todas as formas de opressão, violência, exploração.
A�nal, somos devotos do deus Logos, con�antes em sua onipotência. Nietzsche, po-
rém, meditou sobre o lado obscuro, as conseqüências que poderiam resultar do oti-
mismo desenfreado embutido nessa convicção. Esse otimismo representa, para ele,
a face resplandecente de um avesso sombrio: o mesmo progresso conduz inexora-
velmente à exaustão dos valores herdados da tradição, à sua impossibilidade de
dar sustentação a futuros projetos viáveis, no campo quer do conhecimento, quer
da ética, quer da política.

Desde seus primeiros escritos, como O nascimento da Tragédia (1871),


Nietzsche, como salientou Giacoia, “meditou sobre o lado obscuro, as con-
seqüências que poderiam resultar do otimismo desenfreado embutido nessa
convicção”, uma vez que a utilização e o desenvolvimento da razão na cultura
ocidental não estiveram, somente, “a serviço da verdade” por assim dizer, mas
a serviço de um tipo de vida, de uma moral.

A utilização cada vez mais metódica, observada, controlada (daí a Teoria do


Conhecimento) do que se denomina por “razão” ou “pensamento racional” le-
vou o homem a crer que se afastava cada vez mais das “cadeias da ignorância”
na direção de uma “sociedade expurgada” de quaisquer formas de dogmatis-
mos.
Esta crença, denominada por Nietzsche de otimismo, assume sua primeira
versão na cultura ocidental com Sócrates, porém o �lósofo ateniense é tão so-
mente o protótipo de um tipo de homem, de uma forma de vida que se desen-
volveria amplamente no ocidente, o homem teórico, cujo otimismo no poder
da razão acredita que ela não somente pode compreender, mas, também, con-
trolar e até mesmo consertar o �uxo natural dos acontecimentos.

Neste sentido, complementa a explicação de Machado (2002, p. 7):

A re�exão sobre a ciência, isto é, uma investigação sobre as questões a�ns do co-
nhecimento, do pensamento, do intelecto, da razão, da consciência, do conceito, da
verdade, encontra-se no âmago da �loso�a de Nietzsche. Tema constante de seus
estudos, dos primeiros aos últimos textos, a presença desta problemática não indi-
ca, porém, a elaboração de um conceito de ciência. Situando-se em uma perspecti-
va tão global que, na maioria das vezes, não estabelece uma diferença essencial en-
tre a racionalidade �losó�ca clássica e a racionalidade cienti�ca moderna, o que
interessa a Nietzsche é realizar uma crítica radical do conhecimento racional tal
como existe desde Sócrates e Platão. Se não existe em Nietzsche propriamente uma
questão epistemológica, se ele formula uma recusa de uma teoria do conhecimento,
é porque o problema da ciência não pode ser resolvido no âmbito da própria ciên-
cia. Em outras palavras, não tem sentido criticar a ciência em nome ou a partir da
ciência, visando seu aperfeiçoamento, ao estabelecimento de uma verdade cada
vez mais cientí�ca. A ciência, considerada pela primeira vez como problemática,
suspeita, questionável, foi o problema novo, terrível e apavorante tematizado por
Nietzsche.

Como esclarece o comentador, a abrangência e o viés da crítica de Nietzsche o


levam a tomar numa mesma medida a racionalidade �losó�ca clássica e a ra-
cionalidade cientí�ca moderna, pois a despeito de suas consideráveis diferen-
ças especí�cas, programaticamente, para Nietzsche, ambas são desmembra-
mentos de um mesmo modo de vida, de uma mesma moral.

Como salientamos, tão ou mais importante para o modo de vida do homem


teórico do que a busca pela verdade é a tentativa de se assegurar contra a
mentira, o incontrolável, o sombrio, pois em sua busca por conservação o ho-
mem precisava mapear, controlar, conhecer todos os eventos em que estava
envolvido, e foi por isso que se esforçou tanto por desenvolver por meio do
pensamento racional determinados sistemas de interpretação, controle, co-
nhecimento do mundo.

Para Nietzsche a razão, e à esteira dela a verdade, a ciência, o conhecimento


etc., é orientada, embasada, motivada por um modo de vida, vale frisar, um
modo de vida que quer se conservar, e não por uma questão puramente teóri-
ca, de onde não há sentido para ele se criticar a ciência e o conhecimento raci-
onal tendo em vista seu aperfeiçoamento e o estabelecimento de uma verdade
cada vez mais apurada.

Justamente por isso foi dito no início deste tópico quão questionável pode ser
a a�rmação sobre a existência de uma Teoria do Conhecimento em Nietzsche,
uma vez que em sua acepção, sobretudo moderna, a Teoria do Conhecimento
vem realizar um ideal de verdade que possui o conhecimento como seu ponto
de partida e chegada, isto é, seu interesse nunca poderá ultrapassar o próprio
conhecimento, tampouco poderá por em xeque sua estrutura fundamental co-
mo a bipartição da realidade entre sujeito e objeto, por exemplo.

A crítica do conhecimento de Nietzsche, por sua vez, não se restringe às fron-


teiras do conhecimento, pois quer reconhecer que espécie de vida, de vontade,
de moral, o fundamenta. Assim, conceitos caros à tradição do pensamento
ocidental clássico e moderno como sujeito, objeto, realidade, verdade, essência
etc. serão crítica e radicalmente reavaliados por aquilo que eles promovem, e
Nietzsche reconhecerá que eles não passam de ilusões, de �cções criadas pelo
homem com o intuito de conservação, mesmo porque:

Não temos nenhum órgão para o conhecer; para a "verdade": nós "sabemos" (ou cre-
mos, ou imaginamos) exatamente tanto quanto pode ser útil ao interesse da grege
humana, da espécie [...] (NIETZSCHE, 2001, p. 250).

O desenvolvimento do pensamento racional, e nele a forma moderna da


Teoria do Conhecimento, está a serviço de uma espécie de vida, de moral, e é
isso que Nietzsche tem em mira em sua crítica. Fazer uma crítica do conheci-
mento, da ciência, da verdade, tendo como critério o conhecimento, a ciência,
a verdade, é uma estratégia da vontade de verdade do otimismo racional para
manter o homem em seu cárcere.
Uma crítica do conhecimento, da ciência, da verdade, só surtirá um efeito real-
mente crítico se articuladas a uma crítica da moral, pois é a serviço dela que o
conhecimento se desenvolve. Mais do que perguntar “o que é o conhecimen-
to?”, “o que é a verdade?” é preciso perguntar “quem quer o conhecimento, a
verdade, a ciência?”.

Diante desta constatação o conhecimento, se é que pode ser assim chamado,


só poderá ser entendido como interpretação, perspectiva, possibilidade, assim:
“Contra o positivismo, que atesta ao fenômeno, ‘só existem fatos’, eu objetaria:
não, justamente não há fatos, somente interpretações” (NIETZSCHE, 1993, p. 7
[60]).

 Aprofunde seus conhecimentos sobre Nietzsche!

Complemente seus estudos com a leitura do artigo Verdade e Mentira no


Sentido (http://imediata.org/asav/nietzsche_verdade_mentira.pdf)
Extramoral (http://imediata.org/asav/nietzsche_verdade_mentira.pdf)
(2001), da Revista Comum.

Assista, também, o vídeo especial Nietzsche:

Neste momento, re�ita sobre sua aprendizagem respondendo à questão a se-


guir.

6. Considerações
As considerações especí�cas deste ciclo se voltaram para a apresentação da
questão da essência do conhecimento, bem como sobre autores que funda-
mentaram suas teorias sobre o conceito de "vontade". Esperamos que tais con-
tribuições possam ressoar signi�cativamente no término desta disciplina.
Retome os principais temas dos ciclos e tire suas dúvidas com o seu tutor.

7. Considerações �nais
Chegamos ao �m dos estudos da disciplina Teoria do Conhecimento.

Nesta disciplina, procuramos abordar os conceitos e as aplicações relevantes


para o estudo da Epistemologia. Passamos por autores, correntes �losó�cas,
problemas especí�cos e gerais da Teoria do Conhecimento, que, com certeza,
serão relevantes para a nossa formação pro�ssional.

Todavia, a busca pelo conhecimento nos conduz a caminhos diversos que po-
dem suscitar novos aprendizados e práticas que, posteriormente compartilha-
dos, enriquecem o aluno e o professor. No anseio de que as atividades e as su-
gestões contemplem a valorização do conhecimento, a autonomia da aprendi-
zagem e a satisfação dos educandos, desejamos a você bons estudos!

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