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INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS


HISTÓRICOS
CAPÍTULO 2 - O QUE É TEMPO
HISTÓRICO?
Emilly Joyce Oliveira Lopes Silva

INICIAR

Introdução
Se concordamos com Marc Bloch (2001) em sua definição de que a História é a
ciência dos homens (e das mulheres) no tempo, então não restam dúvidas com
relação ao grande valor do conceito de tempo para os estudos históricos. Algumas
perguntas, no entanto, são latentes: o que é tempo? Como a História se utiliza
desse conceito? Ele é fixo ou também muda? Como podemos organizar e
compreender o tempo? Esses são alguns questionamentos fundamentais para
quem pretende se aprofundar no estudo da História. Por isso, neste capítulo,
iremos nos deter a essas questões. Inicialmente, discutiremos o que é um conceito,
bem como sua importância para a História. Em seguida, trataremos das diferentes
conceituações de tempo e como elas mudam no decorrer da história. Por fim,
falaremos um pouco mais sobre as noções de temporalidade e cronologia. Vamos

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lá!

2.1 O papel dos conceitos   


Antes de entrarmos na discussão sobre o conceito de tempo e suas concepções no
decorrer da História, é fundamental entendermos o que é um conceito. Esse
conhecimento poderá te ajudar não só na disciplina de Introdução aos Estudos
Históricos, mas em toda a sua formação.

2.1.1 O que é um conceito?


Quando falamos de qualquer forma de conhecimento, os conceitos são muito
importantes. No entanto, é bastante difícil definir ou mesmo explicar o que é um
conceito. Para tornar a ideia um pouco mais clara, vamos recorrer à explicação
dada pelo historiador José d’Assunção Barros (2011): 

(...) um conceito pode ser entendido como uma formulação abstrata e geral,
ou pelo menos uma formulação passível de generalização, que o indivíduo
pensante utiliza para tornar alguma coisa inteligível nos seus aspectos
essenciais ou fundamentais, para si mesmo e para outros. Visto desta forma,
o conceito constitui uma espécie de órgão para a percepção ou para a
construção de um conhecimento sobre a realidade, mas que se dirige não
para a singularidade do objeto ou evento isolado, mas sim para algo que
liga um objeto ou evento a outros da mesma natureza, ao todo no qual se
insere, ou ainda a uma qualidade de que participa (p. 31).

A partir do trecho acima, podemos compreender que o conceito é uma abstração


voltada para o conhecimento da realidade, ou seja, para tornar algo inteligível. No
dia a dia, lidamos o tempo todo com conceitos: peixe e religião, por exemplo.
Alguns conceitos têm suas características comuns mais facilmente observáveis; os
peixes têm nadadeiras, caudas e vivem embaixo da água. Outros conceitos, no
entanto, são mais complexos porque seus elementos não são observados com
tanta facilidade, como é o caso da religião. Para entendê-la, precisamos recorrer a

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outros materiais conceituais, como fé, sagrado e rito, que não são tão evidentes
quanto a cauda de um peixe. 
Outra informação importante sobre os conceitos diz respeito ao seu caráter
abstrato. Sendo uma abstração obtida a partir de observações particulares e
generalizações, o os conceitos não têm uma existência real – ainda que seja
possível a tentativa de representá-los (BARROS, 2011).

VOCÊ QUER LER?


Para aprender um pouco mais sobre o uso dos conceitos no nosso dia-a-dia, vale a pena ler o livro
Pensar com conceitos, escrito por John Wilson (2001). No livro, ele explora de forma bem prática as
diferentes funções e utilidades dos conceitos, dando inclusive, diversos exemplos de análise conceitual.
É uma leitura simples e bem interessante para qualquer estudo mais aprofundado que você queira
fazer. 

Diante dessas informações, você pode estar se perguntando: por que criamos
conceitos? Segundo os filósofos Gilles Deleuze e Félix Guattari (1992), “todo
conceito remete a um problema, a problemas sem os quais não teria sentido, e que
só podem ser isolados ou compreendidos na medida de sua solução” (p. 25). Isso
significa que nós criamos conceitos para tentar resolver problemas que se
apresentam na realidade. Eles também têm a função de ordenar a realidade,
classificar informações e tornar a experiência de viver mais inteligível. Dessa
forma, podemos compreender que os conceitos não são imutáveis; eles também
têm uma história, com transformações, flutuações no tempo. Em outros termos, os
conceitos mudam conforme as experiências humanas mudam. 
Com base nessas orientações, é possível notar que, mesmo não tendo uma
existência real, os conceitos são fundamentais não apenas para a ciência ou para a
produção do conhecimento, mas para a própria vida humana. Do ponto de vista da
História, a compreensão dos conceitos é talvez, a principal tarefa do historiador,

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como veremos adiante.

2.1.2 Conceito e Categoria
Quando falamos em conceito, é essencial distingui-lo de “categoria”. Em termos
gerais, toda categoria é um conceito, mas nem todo conceito é uma categoria. De
acordo com Romeu Gomes:

A palavra categoria, em geral, se refere a um conceito que abrange


elementos ou aspectos com características comuns ou que se relacionam
entre si. Essa palavra está ligada à ideia de classe ou série. As categorias são
empregadas para se estabelecer classificações. Nesse sentido, trabalhar
com elas significa agrupar elementos, ideias ou expressões em tomo de um
conceito capaz de abranger tudo isso (GOMES, 2001, p. 74).

Dessa forma, a categoria tem como principal função agrupar ideias, objetos ou
pessoas. Em um trabalho de pesquisa, as categorias são os conceitos mais
importantes, ou seja, aqueles que nos servem de ferramentas analíticas. Os
conceitos se distinguem da categoria porque no conceito não há, necessariamente,
uma tentativa de classificação ou agrupamento. Dessa forma, o mais importante
aqui é que você perceba que as categorias são mais abrangentes e ajudam na
ordenação de elementos, ideias e expressões, ainda que os conceitos também
possam auxiliar nessa tarefa. 
Como base na definição de conceito que vimos antes, podemos dizer que “mulher”
é um conceito, porque se refere a uma abstração generalizante. Em um trabalho
que busca investigar, por exemplo, o que aconteceu com as mulheres da
Revolução Francesa, o conceito pode ser elevado à categoria de análise, servindo
então, como eixo para a construção da pesquisa.
Ainda com relação à pesquisa, Maria Cecília de Souza Minayo (2004), afirma que as
categorias podem ser subdividas em dois tipos: empíricas e analíticas. A primeira
seria mais relacionada ao trabalho empírico, com finalidade operacional para
viabilizar o trabalho de campo. As categorias analíticas, por sua vez, servem de
marco para o conhecimento de objeto ou tema. 

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Com relação à diferenciação entre conceito e categoria, Armando Correa da Silva


afirma o seguinte:

O primeiro pressuposto da teoria é a categoria, ou seja, a concreção do


pensamento ao nível do universal. Por isso, no movimento, as categorias se
sucedem no decorrer da afirmação ou da interrogação. [...] O segundo
pressuposto da teoria é o conceito, que implica em uma maior concretude
do que o das categorias. De certo modo, o conceito é uma descrição teórico-
prática da categoria e pode implicar em uma definição (SILVA, 1999, apud
BERNARDES, 2011, p. 168).

Assim, a categoria é mais abstrata, enquanto o conceito é mais empírico. Nesse


sentido, as categorias têm maior abrangência, pois não estão tão amparadas na
concretude das coisas. Em certo sentido, as categorias tendem para generalizações
universais sobre a realidade. Os conceitos podem ser mais particulares, tratando
de coisas bem específicas. 
Algo importante de enfatizar aqui, é que as definições sobre o que é um conceito
ou uma categoria, não são consensuais. Alguns autores vão tratá-las de maneira
bem próxima e outros enfatizaram as diferenças. O mais importante é
compreender como essas abstrações podem ser úteis no estudo da História.

2.1.3 Alguns conceitos importantes para a História


Conforme o que vimos até agora, tanto os conceitos quanto as categorias são
relevantes para o conhecimento histórico, na medida em que servem de
instrumental teórico para a compreensão da realidade. 
O conceito mais importante é o de tempo, com o qual trabalharemos de forma
mais aprofundada no próximo tópico. No entanto, existem outros conceitos tão
relevantes quanto o tempo. Vejamos alguns exemplos:

• fonte histórica; 
• espaço; 
• documento;

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• paradigma; 
• escolas históricas; 
• campo histórico; 
• teoria; 
• historiografia; 
• historicidade.

Como ponto de partida, podemos pensar que todas essas palavras ou expressões
não são usadas em um único dado. Na prática, isso significa que os historiadores
estão constantemente se questionando e problematizando a definição de cada um
deles. Dessa forma, quando trabalhamos com um conceito, é sempre importante
perguntar: o que ele significa? Quais são os seus múltiplos sentidos? De que modo
eu pretendo usar esse termo? Como ela irá me ajudar no entendimento da
realidade a ser analisada?
Além desses conceitos que são bem importantes na própria concepção do que é
História, vários outros precisam ser constantemente trabalhados dentro do
conhecimento histórico, tais como: estado, ideologia, revolução, arte, cultura,
religião, cidade, memória e trabalho, dentre inúmeros outros. Esses conceitos têm
uma história e, por essa razão, devem ser trabalhados sempre em relação ao
tempo. 
Para lidar com esses conceitos, o historiador precisa recorrer a autores que já
discutiram teoricamente sobre essas ideias. Os dicionários, muito comumente
usados no cotidiano, não são tão úteis, pois podem apresentar definições muito
simples. Por isso, o ideal é utilizar dicionários especializados, bem como livros e
artigos científicos relacionados ao tema a ser estudado. Outro ponto importante, é
a possibilidade de construção de conceitos conforme a necessidade, pois, como
vimos, a conceituação sempre surge de problemas apresentados pela realidade
(BARROS, 2011). 
Com isso, podemos concluir que, mais importante que encontrar definições
simples, ao trabalharmos com um conceito precisamos compreendê-lo em sua
multiplicidade semântica. É necessário discutir os diferentes sentidos que uma

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mesma palavra ou expressão pode ter no decorrer do tempo, e lembrar que um


termo pode mudar muito conforme quem fala e como fala. Além disso, o modo
como o historiador utiliza os conceitos, indica suas vinculações teóricas. Essas são
algumas das lições importantes para a prática da História, seja na pesquisa ou em
sala de aula.

2.2 O conceito de tempo na História:


diferentes concepções
Agora que você já sabe o que é um conceito, podemos discutir melhor a noção de
tempo. Como ponto de partida, precisamos ter em mente que a própria definição
de História passa pela ideia de tempo. No entanto, conceituar tempo é algo muito
difícil, sobretudo sem recorrer às nossas vivências sobre ele. 
Imagine que você precisa explicar para um alienígena, como nós terráqueos,
concebemos o tempo. Não seria nada fácil, não é mesmo? Essa explicação é bem
complexa, porque a ideia de tempo envolve muitas abstrações. Por isso, a forma
mais simples de compreendê-lo é a partir das nossas experiências e observações
da realidade. 
O tempo não é eterno. Nossa concepção de tempo não é a mesma na história nem
em nosso cotidiano. Não só a nossa concepção de tempo muda, como nós
mesmos vivemos diferentes temporalidades: algumas estáticas, como o tempo do
rito de iniciação onde o jovem se insere no mundo dos adultos; outras que sempre
retornam à sua origem, como os ritos de criação, trazendo a ordem inerente ao
início. Nosso tempo é cíclico quando olhamos para a vida e a morte em uma
colheita, e nosso tempo é contínuo em nossa noção de progresso. Ele pode ter um
ponto de início, indo da idade do ouro ou do Éden e ele pode ter um fim seja ele o
apocalipse ou o fim das lutas de classes. Assim, não existe uma concepção única
de tempo. Compreendê-lo, do ponto de vista da História, requer análises
cuidadosas sobre essa multiplicidade de sentidos.

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Figura 1 - As noções de tempo são múltiplas e dependem das nossas experiências. Fonte: Colorlife,
Shutterstock, 2018.

Para começarmos o próximo tópico de estudo, precisamos entender primeiro que


o tempo é um conceito, ou seja, uma tentativa de solução para um problema. E
qual é esse problema? Precisamos ter em mente também que, como ferramenta
conceitual, o tempo é uma abstração, um fruto da mente humana.

2.2.1 O que é tempo?

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Vamos pensar em algumas ideias relacionadas ao tempo? Observe a nuvem de


palavras abaixo:

Figura 2 - A nuvem inclui várias palavras relacionadas ao conceito de tempo. Fonte: Elaborado pelo
autor, 2018.

Vários desses termos são comumente associados à noção de tempo. Eles nos
ajudam a pensar melhor acerca desse conceito tão caro ao conhecimento
histórico, na medida em que ele se define por paradoxos, contradições e
continuidades. De acordo com José Carlos Reis (2012),

o tempo aparece sob o signo do paradoxo: ser e não ser, nascer e morrer,
aparecer e desaparecer, criação e destruição, fixidez e mobilidade,
estabilidade e mudança, devir e eternidade. Sob o signo da contradição, do
ser e do nada, o tempo parece inapreensível. Ele é descrito de modo
contraditório: a pior e a melhor das coisas, fonte da criação, da verdade e da
vida e portador da destruição, do esquecimento e da morte. Ele engendra e
inova e faz perecer e arruína. Ele é pai e destruidor de todas as coisas,
origem e fim, a sua passagem é aflitiva (“isto não vai acabar nunca?”) e
consoladora (“vai passar!”). Ele não é apreensível, pois invisível, intocável,

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impalpável, mas pode ser “percebido”. Pode-se percebê-lo na natureza, nos


movimentos da esfera celeste, das estrelas, planetas e satélites em torno
deles mesmos e em torno uns dos outros, no retorno das estações, na
diferença entre dia e noite (p. 19).

Não há dúvidas de que o termo tempo é difícil de conceituar, ainda que sua
existência seja praticamente inegável. Nós podemos observar o tempo e
experimentá-lo cotidianamente, mas seu caráter fugidio, entre o ser e não-ser,
tornam a conceituação bem mais complexa. 
De acordo com José Carlos Reis (2012), três aspectos gerais do tempo nos ajudam
a compreendê-lo de forma mais clara. Adiante, quando tratarmos mais
especificamente no tempo histórico, você notará que as teorias da história lidaram
de modos diferentes com esses aspectos. São eles: 

1) passado: definido como primeira parte do tempo, ele é o local da experiência,


do acontecido e do vivido.
2) presente: é a terceira parte do tempo, entendida como mediadora entre
passado e futuro; é o local da sens/ação.
3) futuro: considerado como a segunda parte do tempo porque é posterior ao
passado; é o local da expectativa, da incerteza e do risco. 

Diferentemente do que pode parecer inicialmente, essas três noções não são
isoladas uma das outras; na verdade, elas estão em constante interação, tanto no
nosso cotidiano quanto nas teorizações da História.

VOCÊ QUER VER?


Depois de discutirmos as noções de tempo passado, presente e futuro, um bom filme para consolidar
esses conhecimentos é Corra, Lola, Corra, escrito e dirigido por Tom Tykwer (1998). A história gira em

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torno de Lola, uma jovem que tem 20 minutos para correr por Berlim e salvar seu namorado. Conforme
as escolhas que ela faz no presente, o futuro muda, chegando a três opções de desfecho para a
situação. 

Partindo dessas explicações iniciais sobre o conceito, agora podemos pensar como
o tempo é operado no âmbito do conhecimento histórico.

2.2.2 O conceito de tempo na História


O conceito de tempo é tão básico para o conhecimento histórico que, muitas vezes,
os historiadores não o discutem de modo aprofundado. Porém, essa é uma
discussão de grande importância para quem estuda ou pretende atuar no campo
da História. 
Definido, ainda que de modo não tão direito, o conceito de tempo, é possível
debater sobre o tempo da história. Primeiramente, é preciso diferenciá-lo do
tempo que experimentamos cotidianamente. Segundo Antoine Prost (2008), “o
tempo da história é, precisamente, o das coletividades, sociedades, Estado e
civilizações” (p. 96). Ele afirma também que o tempo da história se diferencia do
tempo psicológico, do tempo dos astros e do tempo do relógio – ainda que guarde
algumas proximidades com todas essas noções. A especificidade do tempo
histórico, para Prost, é que ele não serve como uma moldura externa para todas as
experiências. Nas palavras dele:

o tempo da história não é uma unidade de medida: o historiador não se


serve do tempo para medir os reinados e compará-los entre si – essa
operação não teria qualquer sentido. O tempo da história está incorporado,
de alguma forma, às questões, aos documentos e aos fatos; é a própria
substância da história” (PROST, 2008, p. 96).

Com as afirmações de Prost, entendemos que o tempo histórico extrapola, para


dizer o mínimo, as periodizações e medições. Isso não significa, contudo, que as
datas, período e ordenações cronológicas não sejam importantes para o

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conhecimento histórico. O tempo histórico, no sentido dado por Prost (2008) é o


tempo humano, das coisas humanas, entranhado em tudo aquilo que passou
pelas mãos humanas. Há ainda, no tempo da História, um forte entrelaçamento
entre passado, presente e futuro.

VOCÊ SABIA?
O anacronismo é considerado como um dos erros fatais do trabalho histórico, ainda que alguns
teóricos defendam sua importância. Em termos gerais, a palavra significa atribuir características de
uma época a outra, ignorando suas especificidades. Como exemplo, podemos pensar no
historiador que, estudando o período medieval, impõe ao período as relações modernas com o
sagrado, ignorando o quanto a fé permeava diferentes esferas da sociedade. 

Para compreendemos melhor como as diferentes concepções de tempo aparecem


nas teorias da história, vamos analisar, brevemente, três visões: a de Marc Bloch
(2001), a de Paul Ricoeur (1994) e a de Reinhart Koselleck (2006), conforme a
divisão feita por José Carlos Reis (2012).  No decorrer da disciplina, você conhecerá
mais sobre esses autores.

• Marc Bloch: sua concepção se contrapõe à historiografia tradicional, que


afirma que o estudo da História deve se restringir apenas ao passado. No
entendimento de Bloch (2001), presente e passado estão em constante
interação e, por isso, o historiador deve partir dos questionamentos do
presente para refletir sobre o passado 
• Paul Ricoeur: entende que o tempo da história é o tempo-calendário, que
funciona como intermediário entre o tempo vivido e o tempo cósmico. Para
Ricoeur (1994), a vida é dispersa e múltipla, mas pode ser organizada a partir
de pontos de uniformidade. Em termos gerais, “o tempo-calendário organiza
a vida humana dentro de quadros permanentes, conta/enumera a vida

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humana, que não é quantificável com pura vida humana” (REIS, 2012, p. 30).

Figura 3 - O tempo-calendário, na perspectiva de Ricoeur, é aquele que une as mudanças


supralunares e as vivências humanas. Fonte: Pretty Vectors, Shutterstock, 2018.

• Reinhart Koselleck: critica o tempo-calendário por não dar conta da


problemática das relações entre história e tempo. Por isso, Koselleck (2006)
inclui no debate a noção de futuro, ressaltando que o principal
questionamento sobre o tempo histórico é: de que modo, passado e futuro

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são articulados por cada momento presente? Com isso, o autor propõe a
reflexão sobre o vínculo que o presente estabelece não apenas como
passado (campo da experiência), mas também com o futuro (horizonte de
expectativa). 

Vemos aqui três modos diferentes de pensar o tempo para as proposições do


conhecimento histórico. Além disso, é importante compreender as diversas formas
como o tempo foi concebido no decorrer da História.

2.2.3 Historicidade e concepções de tempo


Dentro da tradição ocidental, é possível notar uma espécie de história do tempo,
marcada por grandes mudanças. É importante salientar, no entanto que essas
observações são bastante generalistas: elas não incluem diversas sociedades, nem
refletem sobre as interações entre diferentes percepções de tempo no decorrer da
História. Aqui, usaremos essas divisões como ferramentas didáticas, ou seja, para
facilitar a compreensão das rupturas e continuidades. 
Antes de entrarmos nas divisões históricas relacionadas ao tempo, precisamos
discutir outro conceito importantíssimo: a historicidade. Em termos gerais, a
historicidade pode ser definida como uma perspectiva histórica dos seres
humanos sobre sua própria vivência ou como um “distanciamento do presente
que possibilita (...) o entendimento da época em que se vive como momento
histórico” (GOMES, 2004, p. 5). Partindo dessa noção, François Hartog, em diálogo
com o historiador Koselleck e o antropólogo Sahlins, criou outro conceito: o
regime de historicidade, que diz respeito ao modo como uma sociedade trata o seu
passado, ou seja, ao modo de consciência de si e de um determinado grupo (REIS,
2012). Para Hartog (2013), a noção de regime se diferencia da ideia de época. A
época, segundo ele, seria mais como um corte no tempo linear, enquanto o regime
trata de uma expressão da experiência temporal. 
Com base nas definições de Hartog (2013), Reis (2012) explica de maneira mais
direita os cinco regimes de historicidade: o das sociedades arcaicas, o dos gregos,
o judaico-cristão, o moderno e o pós 1989. Falaremos um pouco sobre cada um
deles. 

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Nas sociedades arcaicas, prevalecia o ponto-instante, baseado na repetição e na


tentativa de fixar o tempo o máximo possível. O tempo do rito é a principal
referência, havendo uma espécie de “fuga da história”. Por isso, Reis (2012) afirma
que a “representação da historicidade arcaica é anti-histórica” (p. 35), na medida
em que desvaloriza as experiências temporais, nega a irreversibilidade do tempo e
eterniza o presente como sagrado. 
Entre os gregos, o aspecto mítico da realidade deu lugar a uma teorização. Assim,
pautados pela observação dos astros e da natureza, eles defendiam uma visão de
tempo cíclico, contínuo e eterno. O tempo vivido, nessa perspectiva, era eternizado
com exemplos. Dessa forma, os grandes homens, os heróis, entravam para a
história como modelo a ser repetido.
É com a tradição judaico-cristã que a história passa a ser valorizada. Os judeus
foram os primeiros a defenderem a linearidade do tempo. Com essas mudanças, o
regime de historicidade incorporou as noções de irreversibilidade e sucessividade.
Além disso, o pensamento escatológico ganha espaço, havendo, portanto, o
entendimento que o tempo irá acabar. 
O regime de historicidade moderno estabelece uma linha utópica. A principal
referência é o progresso, empurrando os seres humanos para o futuro de forma
quase inevitável. Há também uma crença na Razão como fio condutor do tempo.
Essa concepção leva a uma aceleração temporal, pois o presente é suprimido em
favor do futuro. 
Por fim, temos o presentismo do mundo pós 1989. A queda do muro de Berlim
alterou profundamente o quadro utópico. Com isso, a temporalidade
contemporânea foi completamente dominada pela ideia de presente, que é
eternizada em detrimento do passado e do futuro.

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Figura 4 - O selo, comercializado nos EUA em 2000, representa a queda do muro de Berlim em 1989,
um marco para a História e, em muitas leituras, para a mudança na compreensão do tempo. Fonte:
catwalker, Shutterstock, 2018.

Essas diferentes visões revelam como diferentes períodos lidaram com a noção de
tempo. Elas são importantes para que não sejamos anacrônicos ao olhar para o
passado e também para que compreendamos como a própria noção de tempo é
passível de mudanças.

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2.3 Temporalidade, sincronia e


diacronia
De que o modo o tempo será utilizado dentro da História? Bom, podemos dizer
que os conhecimentos que você adquiriu até aqui serão importantes para que você
consiga entender melhor o trabalho do historiador e o conhecimento histórico de
modo geral. 
O tempo da História, como vimos, é diferente do entendimento de tempo que
comumente temos. Ele não se refere nem à simples passagem de segundos,
minutos e horas, como num relógio, nem ao calendário, como seus meses e anos.
Cabe ao historiador problematizar a passagem do tempo, questionar como
diferentes momentos da história lidaram com presente, passado e futuro, e captar
as rupturas e permanências no espaço/tempo. Por isso, precisamos olhar o tempo
por diversos lados e conhecer suas diversas facetas. 
Para avançar um pouco mais na discussão sobre tempo, agora abordaremos as
noções de temporalidade, sincronia e diacronia, que se relacionam diretamente
com a conceituação que fizemos antes.

2.3.1 Temporalidade
Ainda que o tempo seja observável na natureza, como no crescimento de uma
planta ou no movimento dos planetas, existe um modo de conceber o tempo que é
bem humano. Essa talvez seja uma das características que nos distingue dos
outros animais, pois nós estabelecemos relações bem específicas com o presente,
o passado e o futuro. 
Nesse sentido, o conceito de temporalidade é imbricado ao de tempo. Como vimos
o tempo é vasto e inclui diversos tipos de abordagem. Da perspectiva do tempo
físico, mais relacionado com a natureza, seria difícil para que nós, humanos,
pudéssemos percebê-lo, uma vez que ele seria representado apenas por
mudanças constantes, sem qualquer sistematização. O presente é o instante da
ação, ele desaparece antes que possamos notá-lo; o passado não existe porque já

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não é mais; e o futuro não existe porque não é ainda. Dessa maneira, a
racionalização do tempo é uma abstração humana, ligada à experiência dos
vividos. De acordo com Juliana Bastos Marques (2008), apenas o presente pode ser
considerado como real, mas ele só adquire sentido quando é comparado com o
futuro e com o passado, ou seja, com as memórias, com a experiência do que já foi
e com a expectativa do que vai ser. Esse entendimento humano de tempo, que
inter-relaciona presente, passado e futuro, é chamado de temporalidade. De certo
modo, ela restringe o conceito de tempo a um aspecto mais humano, favorecendo
as análises históricas. 
Em termos bem simples, a temporalidade, sob o viés da História, diz respeito ao
tempo humano. Ele se aproxima do que foi dito por Koselleck em sua crítica do
tempo-calendário, como vimos antes, porque cada presente se relaciona de
modos diferentes com o passado e com o futuro. No que diz respeito à prática,
existem duas divisões que servem de base para o conhecimento histórico: a
sincrônica e a diacrônica.

2.3.2 Tempo sincrônico e diacrônico


Sincronia e diacronia são expressões muito usadas na Linguística. Partindo da
etimologia das palavras, sincronia significa “ao mesmo tempo”, enquanto
diacronia se refere a “através do tempo”. Deste modo, temos uma pista do que elas
significam quando as usamos na produção do conhecimento histórico. 
 No tempo sincrônico, o que importa são as observações daquilo que acontece em
tempos próximos ou simultâneos. Não há, portanto, uma explicação do tempo
pautada pela sucessão de fatos ou eventos. O tempo diacrônico, em contrapartida,
trata da sucessão do tempo. Ele estabelece conexões entre os eventos, criando
causalidades que são temporais. De um modo geral, essa perspectiva se alia
melhor com o pensamento histórico, porque grande parte dos estudos se fixa,
justamente, nessas mudanças no decorrer do tempo.

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Figura 5 - A perspectiva da evolução é diacrônica, pois cria relações de causa e consequência num
tempo linear. Fonte: studioworkstock, Shutterstock, 2018.

De acordo com Antoine Prost, mesmo quando lida com um tempo sincrônico, o
historiador se interessa e enfatiza as mudanças, dando à sua análise uma
dimensão diacrônica. Nesse sentido, acompanhar os seres humanos em suas
mudanças é o principal sentido da investigação histórica na perspectiva de Prost. A
análise de Philippe Ariès (1989), em O tempo da História, vai num caminho
semelhante, pois, para ele a dimensão diacrônica é o objetivo da pesquisa em
História, na medida em que esta tem por função observar o que muda entre “hoje”
e “ontem”. Assim, a História se apresentaria como uma “resposta a uma surpresa, a
um espanto com as diferenças entre o hoje e o ontem” (REIS, 2012, p. 25). 
A perspectiva sincrônica, contudo, não é deixada de lado pela História. De fato,
diferentes pensadores defenderam os estudos sincrônicos em detrimento da
linearidade causal do tempo diacrônico. Um dos defensores mais conhecidos, é o
antropólogo estruturalista Lévi-Strauss, que em sua análise sobre a necessidade da
História, ressalta a importância da sincronia. Para ele, olhar diacrônico para o
passado não seria capaz de produzir um conhecimento efetivo sobre as sociedades
primitivas. No entendimento do filósofo Lucien Goldmann sobre a obra de Levi
Strauss, este contrapõe o conhecimento histórico à etnologia, afirmando que o
primeiro se pauta pela falsa noção de continuidade, enquanto o segundo trata das
descontinuidades e especificidades (GOLDMANN, 1999). 
Como exemplo, podemos dizer que o estudo da Revolução Francesa a partir de
suas causas, consequências, relações com o pensamento Iluminista e

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transformações no decorrer do século XVIII, seria feito sob uma perspectiva


diacrônica. Por outro lado, alguém que estuda várias revoluções, em períodos
diferentes da História, procurando o que elas têm em comum, estaria fazendo uma
análise sincrônica. A diferença entre essas duas perspectivas, portanto, reside na
abordagem e no olhar para o tempo. Do ponto de vista da sincronia, as relações de
causa e consequência não são relevantes, porque o eixo da análise são as
aproximações. Nesse sentido, o espaço é mais importante que o tempo. Já na
perspectiva diacrônica, a ideia de sucessão é importante, havendo um foco nas
mudanças. O tempo, para a diacronia, é fundamental.
O que se discute, na atualidade, é que tanto o tempo diacrônico quanto o
sincrônico, podem ser usados pelo historiador, possibilitando bons estudos. O
mais importante aqui é que você perceba a importância do debate sobre as
diferentes visões sobre tempo e temporalidades, bem como o papel do conceito de
tempo para a História.

2.3.3 A polêmica entre Lévi-Strauss e Braudel


Para facilitar o entendimento desta discussão teórica, vamos trazê-la para um caso
bem real: a polêmica entre o antropólogo Claude Lévi-Strauss e o historiador
Fernand Braudel. No embate estabelecido entre os dois, nas décadas de 1950 e
1960, a questão do tempo sincrônico e do tempo diacrônico foi fundamental.

CASO
ítica de Lévi-Strauss

defesa da Etnologia como campo do conhecimento e da “estrutura” como ferramenta metodológica, o


opólogo Lévi-Strauss fez duros ataques à História. Em sua perspectiva estruturalista, ele enfatizava as leis gerais e
ermanências no âmbito social. Assim, se mostrava cético em relação à possibilidade de se conhecer, de fato, o
aconteceu no passado. Além disso, ele “opõe e sobrepõe o conhecimento da estrutura inconsciente, produzido
etnologia, ao conhecimento da diacronia superficial dos fatos, produzido pela história” (REIS, 2008, p. 11).
uanto a Etnologia se atém à sincronia, buscando entender as sociedades primitivas a partir de suas estruturas
rnas e inconscientes, a História focaria a diacronia, observando as sucessões e as mudanças. Assim, José Carlos
(2008) informa que o posicionamento de Strauss seria o seguinte: “A história mostra a superfície da sucessão de

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tuições, dos acontecimentos, permitindo à etnologia perceber abaixo deles a estrutura subjacente e a ordem
manente” (p. 12). As acusações do antropólogo serviram de reflexão para as teorias da história, promovendo
danças e novas formas de abordagem do tempo, sem contudo, um abandono do conhecimento histórico.

Será que a História, e sua noção mais diacrônica do tempo, é realmente incapaz de
conhecer os acontecimentos do passado? Ou, em termos gerais, o conhecimento
histórico seria inútil para as sociedades? Essas são algumas questões suscitadas
pela crítica de Strauss e elas não foram ignoradas pelos historiadores. 
Fernand Braudel, um historiador francês, foi um dos interlocutores diretos de Lévi-
Strauss. Ele argumentou em defesa da História, incorporando algumas das críticas
do antropólogo, mas sustentando a importância e a necessidade do conhecimento
histórico. Para tanto, ele recorreu a uma noção de tempo diferenciada: a longa
duração. O que significa isso? No entendimento de Braudel, a História não se
limita aos estudos particularizados no tempo. Apesar de seu foco nas mudanças,
também é possível perceber as permanências quando observamos um tempo mais
longo, em que as transformações são mais lentas (REIS, 2008).

VOCÊ SABIA?
A diferença entre longa duração e curta duração é muito importante para a produção histórica até
os dias de hoje. A curta duração inclui o que muda rapidamente, como a política e as revoluções. A
longa duração, por sua vez, trata dos fenômenos mais lentos, que quase não podem ser
percebidos por quem os vive, como é o caso das mentalidades (SILVA; SILVA, 2010).

O que Braudel enfatiza é que não podemos escapar ao tempo histórico: as


mudanças acontecem, independente das nossas vontades. Nem mesmo as
estruturas, conforme a proposta de Lévi-Strauss, são eternas. Como metáfora, Reis
fala que as estruturas são como navios que se mantêm na superfície durante

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algum tempo, mas depois afundam. O etnólogo focaria o tempo em que barco
flutua e o historiador se interessa pelo momento em que ele afunda (REIS, 2008).
Mesmo observando fenômenos de longuíssima duração, como os mitos, é difícil
afirmar, do ponto de vista da História, que eles são eternos. Por isso, a diacronia é
tão importante, pois o olhar para a sucessão do tempo sempre nos dá um
panorama de que as coisas findam ou se transforma profundamente.
Se consideramos esse debate relacionando-o com os conceitos que aprendemos
no desenvolvimento do tópico, é possível perceber que não á apenas uma
definição de tempo; existem diversas temporalidades que, para o conhecimento
histórico, são essenciais para o entendimento de tudo aquilo que é humano. A
lição deixada por Braudel, dentre outras, é de que o tempo histórico é inegável e
qualquer ser humano o vivencia, mesmo nas sociedades ditas a-históricas. No
próximo tópico, aprenderemos mais sobre o tempo, agora sob o viés da sua
organização, ou seja, das cronologias, dos calendários e das periodizações.

2.4 Cronologia, sucessão, periodização


e divisões da História
Se você tivesse que dividir sua vida em períodos, como você faria? Quais seriam as
motivações para a sua escolha? Nós normalmente falamos sobre fases e
momentos cotidianos: “naquela época eu não entendia quase nada”, “foi uma fase
difícil do nosso casamento” ou “estou num período conturbado do trabalho”. Se
pensarmos bem, essas expressões nos ajudam a organizar a narrativa sobre as
nossas experiências. 
E a História, como ela se organiza? Quais são suas fases, épocas e períodos? O
conhecimento histórico também se organiza com base em marcações no tempo.
Além do calendário, que funciona como um referencial mais universal, existem
também periodizações como “História Antiga” ou “Moderna”, além de ouras
nomenclaturas como “Era das Navegações”, “Período Republicano” e coisas
semelhantes. Estamos, frequentemente, criando “fatias” do tempo para explicar
ou ordenar fenômenos. No entanto, nem sempre existe uma referência física para

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essas marcações. Um dia pode ser observado na natureza pelo ciclo completo da
terra em torno do sol, mas uma era ou um período são construções mentais,
esquemas que nos ajudam a lidar com as temporalidades. 
Você consegue identificar quais são os principais períodos da História? Sabe o que
os definiu? Ou por que eles foram criados? Ter em mente que as periodizações são
construções humanas e, por isso, passíveis de transformações e interpretações é
algo importante para sua formação.

2.4.1 O historiador e os conceitos do tempo


Antes de entrarmos na discussão sobre a relação do historiador com as
periodizações, vamos retomar alguns dos conceitos que já foram aprendidos:

Figura 6
- Alguns conceitos importantes sobre a relação entre Tempo e História. Fonte: BARROS, 2013, p. 31.

É comum que se pense que o historiador deve conhecer todas as datas de todos os
eventos importantes da História. No entanto, se você reparar com a atenção, vai

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ver que saber a data de algo, não é tão relevante assim. Saber que a Segunda
Guerra Mundial começou no dia 1º de setembro de 1939 é bem menos importante
do que conhecer as causas da guerra, seus participantes, suas consequências para
as pessoas e seus impactos até os dias de hoje. Dessa forma, a questão das datas é
indispensável, mas sempre podemos consultar em um livro ou mesmo na internet
o dia exato que um evento histórico aconteceu. Por outro lado, pensar sobre esses
eventos de forma crítica, contextualizando-o, é algo que somente um bom
historiador pode fazer. Assim, as noções de duração, sincronia, diacronia,
sucessão, simultaneidade, ruptura, continuidade, dentre outras, merecem mais
atenção do que a data em si. 
Para facilitar o seu estudo, vamos fazer um apanhado dos conceitos mais
importantes, como base no que foi dito por José d’Assunção Barros (2013):

• temporalidade: remete de modo mais específico à ideia de tempo que


depende da consciência humana para existir. Nesse sentido, as
periodizações, como História Antiga, Medieval, Moderna e Contemporânea,
por exemplo, são temporalidades construídas pelos historiadores;
• duração: criada por Henri Bergson, o conceito de duração se refere ao modo,
ao ritmo e a velocidade em que as transformações se dão no tempo. O termo
também pode ser usado para tratar da durabilidade de algo até que seja
substituído por algo novo ou se transforme;
• evento: é um acontecimento, geralmente considerado como significativo
para alguma sociedade;
• processo: trata de uma sucessão de eventos que podem ser conectados por
suas características principais;
• estruturas: é aquilo que se mantém no decorrer do tempo ou as leis gerais
que regem um determinado grupo.

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VOCÊ O CONHECE?
Henri Bergson foi um filósofo francês que viveu no período entre 1859 a 1941. Seu clássico Matéria e
Memória (1999), é reconhecido como uma das principais obras para o debate acerca do tempo e da
memória. Bergson defende que o tempo humano é diferente do físico por se qualitativo. Por isso, o
tempo vivido, em sua concepção, seria incompreensível em uma perspectiva meramente lógica.

Partindo desses conceitos, alguns já debatidos anteriormente, podemos analisar


melhor a construção de períodos, cronologias e divisões da História.

2.4.2 As divisões da História


Pelo que vimos até agora, seria possível dizer que o tempo dos historiadores tem
como função ordenar os acontecimentos e atribuir a eles algum sentido.  Por isso,
ao tratar da relação do historiador com as periodizações, é importante ter em
mente que a cronologia da história pode ser bem diferente da convencionada
socialmente. O século XX, do ponto de vista da convenção do calendário ocidental,
se iniciou em 1901. Entretanto, para muitos historiadores, é somente em 1914, com
a eclosão da Primeira Guerra, que o século XX irá começar de fato. Com essa
distinção o que se faz é pensar certas características do período na noção abstrata
de século XX. Assim, em sua perspectiva, o século XIX se alarga por alguns anos, até
que um grande evento de mudança aconteça: a guerra (BARROS, 2013). 
As definições de data, século, período, dentre outras, ganham novos significados
com as pesquisas históricas. Prost (2008) afirma que o historiador tem duas tarefas
relacionadas ao tempo. A primeira delas é a cronologia que, segundo ele, se refere
a “classificar os acontecimentos na ordem do tempo” (p. 107). Aparentemente
simples, a cronologia se torna complexa na medida em que os eventos se
imbricam e se sobrepõem. Para pensar nisso, imagine uma linha do tempo,
parecida com aquelas que fazíamos na escola, mas para toda a história. Além da
óbvia impossibilidade de pensar em todos os acontecimentos da história, não
seria nada fácil ordená-los um atrás do outro porque existem eventos que

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acontecem ao mesmo tempo, com durações diferentes, remetendo


acontecimentos passados. Enfim, a linha seria algo mais próximo de um novelo de
lã bem embolado. Ainda assim, ordenar os eventos históricos é algo importante,
levando-se sempre em consideração, que esse é um exercício apenas operacional
para a compreensão da história. 
A segunda tarefa do historiador, segundo Prost (2008), é a periodização. Ela é bem
próxima da cronologia e, por isso, é bem difícil isolá-las. Diante da impossibilidade
de tratar da totalidade histórica, como vimos no parágrafo anterior, o historiador
precisa fazer recortes no tempo. É importante que esses recortes tenham um
sentido e uma coerência, a fim de torná-los compreensíveis. Para Prost, periodizar
é “identificar rupturas, tomar partido em relação ao variável, datar a mudança e
fornece-lhe uma primeira definição” (p. 107).

VOCÊ QUER LER?


Para entender como funcionam as periodizações na prática, o livro A Era dos Extremos, de Eric
Hobsbawm (1995), é uma ótima opção. A obra é um clássico da produção histórica e faz uma análise
consistente dos eventos que definiram o século XX. Curiosamente, define o último século como “breve”,
reduzindo-o ao período entre 1914 (início da Primeira Guerra) e 1991 (fim da Guerra Fria). Por que ele
opta por esse recorte? Descubra lendo o livro!

Desta maneira, podemos analisar com mais cuidado as periodizações recorrentes


da História. O que separa a Modernidade da Era Medieval, por exemplo? Para dar
nomes a essas mudanças, os estudiosos de cada época observam quais
características podem dar uma coerência àquele recorte. Os limites são muito
variáveis: existem historiadores que acreditam e defendem que o fim da Idade
Média, se deu com a tomada de Constantinopla, em 1453, outros que melhor data
seria a da viagem de Cristóvão Colombo, em 1492. Dessa forma, não existe um
momento efetivo em que toda a história muda, mas sim pequenas mudanças que
configuram algo tão significativo, que não pode mais ser tratado como igual ao que

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havia antes. As permanências, porém, podem ser observadas. Outro detalhe


importante é que essas divisões quase sempre se pautam para o Ocidente,
sobretudo a Europa, nem sempre valendo para os países orientais ou mesmo para
a América Latina.

Figura 7 - A queda de Constantinopla (hoje Istambul), é considerada como um dos marcos para o
início da Idade Moderna. Fonte: Lestertair, Shutterstock, 2018.

Olhando de trás para frente, podemos notar o quanto avançamos sobre o conceito
de tempo – ator principal da História, de acordo com Antoine Prost. Agora você já
sabe o que são os conceitos, como eles nos ajudam a compreender o que já
aconteceu e quais são os principais conceitos utilizados para trabalhar com a ideia
geral de tempo. Além disso, você aprendeu a diferença entre tempo e
temporalidade e como são construídas as periodizações na História. Essas são
informações muito relevantes, que você irá recorrer em todo o curso.

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Síntese
Vimos ao longo do texto,  como é importante discorrer sobre os conceitos que
norteiam os estudos históricos. Principalmente para ajudar a definir o Tempo e
como ele se organiza no decorrer da história.
Neste capítulo, você teve a oportunidade de:
• aprender sobre a importância dos conceitos, com enfoque para o “tempo”;
• compreender as diferentes concepções de tempo no decorrer da História;
• conhecer mais sobre as noções de temporalidade, sincronia e diacronia, que
são bastante relevantes para o conhecimento histórico;
• discutir como são feitas as periodizações, ou seja, a criação de períodos por
historiadores.

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