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A marca na parede

Virginia Woolf

INTRODUÇÃO

Virginia Woolf, nascida em 1882, é até hoje conhecida por seus textos
experimentais onde a autora se arriscara em sua escrita, causando constantemente um
certo desconforto no leitor (característica de textos literários). Essa marca da autora é
claramente vista em seu conto “A marca na parede”, publicado em 1917, onde a
perspectiva realista é abandonada por Woolf e ela adota uma escrita fluente como em um
monólogo interior.

A autora, filha de Leslie Stephen, desde a infância tivera uma vida privilegiada
uma vez que era incentivada – assim como os irmãos – a ler os livros da biblioteca do pai
e a ter um pensamento crítico; mesmo impedida de ir à faculdade, tal condição não se
tornou empecilho para que ela se tornasse uma grande intelectual junto dos irmãos e
colegas de faculdade dos irmãos, criando um grupo de pensadores com característica
inovadora uma vez que sempre desafiavam os ideais vitorianos. Assim, quando o conto
foi publicado, Virginia Woolf já carregava consigo uma grande bagagem acerca da leitura
e escrita que a possibilitou ser tão autêntica e tornar-se a criadora de obras canônicas
estudadas até a contemporaneidade.

A MARCA NA PAREDE

Um de seus contos mais famosos pela força da narrativa denominada como fluxo
da consciência é o já citado “A marca na parede”. Onde, intrigada por uma mancha na
parede de sua casa, a narradora-personagem leva o leitor em uma viagem em seus
pensamentos acerca da origem daquela marca e o que essa pode representar.

O tempo, que é tanto uma incógnita quanto o ponto de mais importância para o
desenrolar da narrativa, é logo no começo citado como marca da viagem na memória da
narradora.

Foi talvez em meados de janeiro deste ano que olhei pela


primeira vez para cima e vi a marca na parede. Para fixar uma
data é preciso lembrar o que se viu.
Desde o primeiro momento até o fim do conto, a narradora vai e vem num jogo
entre o que é real e palpável e o que está no campo imaginário e memorável, tendo a
marca na parede como um ponto de retorno para a “realidade”, uma divisão temporal
entre o momento que se passa a narrativa e o momento do que foi narrado. Os devaneios
da narradora acerca nos levam a refletir sobre a incerteza do viver e a fragilidade humana,
além de explorar o mistério da morte.
O tempo utilizado na narrativa, é o tempo psicológico que se contrapõe ao tempo
físico, por não seguir uma cronologia linear. Segundo Benedito Nunes, esse tempo se
caracteriza de maneira imprecisa e até confusa aos seus leitores.
Enquanto o tempo físico se traduz com mensurações precisas,
que se baseiam em estalões unitários contínuos, para o
cômputo da duração, o psicológico se compõe de momentos
imprecisos que se aproximam ou tendem a fundir-se, o passado
indistinto do presente abrangendo, ao sabor de sentimentos e
lembranças, “intervalos heterogêneos incomparáveis.
(NUNES, Benedito. p. 19)
É interessante que a autora nos apresente a visão do tempo psicológico, pois
mesmo que não aparente ser linear é – quando se acostuma a escrita – mais comum à
nossa mente e Woolf é capaz de fazer isso sem se perder de sua história como pode
acontecer com a narrativa física que se atém a descrever o tempo.
Tivesse a ideia maluca de manter durante uma hora um mesmo
tom ou acorde e afirmasse ser isso música.
O tempo muda constantemente em nossa consciência e na realidade, conseguir
capturar essa mudança da forma que Woolf faz é admirável.
Já o espaço nesse conto é descrito continuamente, se passa originalmente na sala
de estar da narradora, um ambiente doméstico e agradável, remete ao inverno e ao
conforto de se estar em segurança em frente a uma lareira. É o ponto inicial e que a
narradora afirma ser essencial para que se lembre do foco de seus pensamentos, para que
se lembre da primeira vez que viu a marca na parede.
A própria marca na parede faz parte da descrição espacial e é ao redor dela que
gira o conto, prova de que a descrição espacial é a alma da narrativa. Além da descrição
“real” da sala, o imaginário é ainda mais marcado e a sutilidade com que a mente da
autora deixa a sala e leva o leitor a outro lugar é quase imperceptível, só podendo ser
notado quando já o cenário já mudou, sendo as descrições dos ambientes sempre a base
para alguma reflexão sobre a vida.
Em suma, a marca da parede, nos leva tanto a sua intrigante existência e origem e
nos mostra como pequenos detalhes frívolos do dia a dia podem nos levar à reflexões
inesperadas, o conto se conclui com a personagem constatando que na verdade a marca
era apenas uma lesma na parede, que nada tinha a ver com os pensamentos conflitantes
que nos fora apresentado durante as páginas do conto.
REFERÊNCIAS
GAMA-KHALIL, Marisa. O lugar teórico do espaço ficcional nos estudos literários. p.
213-232.
NUNES, Benedito. O Tempo Na Narrativa. 2. ed. [S.l.]: Ática, 1995. p. 82.
PONTIERI, Regina. Virginia Woolf, leitura de ficção russa. In: Literatura e Sociedade.
p. 164-177.
WOOLF, Virgínia. A Marca na Parede e Outros Contos. [S.l.]: CosacNaify, 2015. p.
278.

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