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Tudo aquilo era novo e emocionante. Era uma emoção que experim
entava a cada
vez que saíam do tranquilo subúrbio de onde viviam para vir ao cora
ção de Centró-
“Jommy, não está sentindo sua hostilidade? Ainda não pode sentir a
s coisas à distância?”
Queria voltar-
se, mas não se atrevia. Tinha que fazer um esforço com suas peque
nas embora já longas pernas, para seguir o passo da sua mãe. Era t
errível ser pequeno, inexperiente e jovem, quando sua vida requeria
a força da maturidade, a vigilância de um slan adulto. Os pensament
os da sua mãe penetravam através das suas reflexões.
“Há alguns adiante de nós e outros que estão cruzando a rua, Jomm
y. Você tem
que seguir adiante, querido, não esqueça do que eu lhe disse. Não v
iva mais que
para uma coisa: para fazer possível aos slans levar uma vida normal
. Creio que terá
que matar nosso grande amigo Kier Gray, embora isso represente te
r que entrar no
grande palácio à sua procura. Lembre que haverá muito barulho, grit
os e confusão, mas conserve sua cabeça fria. Boa sorte, Jommy”.
Até que sua mãe tivesse soltado sua mão depois de dar um aperto,
Jommy não tinha se dado conta que o temor dos seus pensamentos
havia mudado. O medo havia
desaparecido. Uma apaziguadora tranquilidade invadia seu cérebro,
acalmando seus
excitados nervos, atenuando as batidas dos seus dois corações.
vel tarefa que tinham que levar a cabo. O odioso de tudo aquilo, do
dever que tinham que cumprir, coagulou-
se em um ideia que saltou no cérebro de Jommy no
mesmo momento em que todos seus pensamentos se concentrava
m em sua fuga.
“Por que ele tinha que morrer? Ele, e sua mãe, tão maravilhosa, sen
sível e inteligente?” Tudo aquilo era um erro terrível.
Um carro reluzente como uma bela joia sob o sol passou rápido próx
imo à borda
da calçada. Jommy ouviu a voz rouca de um homem gritar, dirigindo
-se a ele:
O povo parava para olhar. Ele sentia o torvelinhos dos seus pensam
entos, mas já
tinha dado a volta à esquina e corria velozmente por Capital Avenue.
Viu um carro que saía do meio-
fio e que acelerou sua velocidade. Seus dedos anormais agarram-
se ao para-choques traseiro e instalou-
se enquanto o carro ia ganhando velocidade
por entre o barulho do trânsito. De alguma fonte desconhecida cheg
ou a ele o pensamento: “Boa sorte, Jommy!”
Durante nove anos sua mãe o havia educado para este momento, m
as formou-se
um nó em sua garganta ao responder: “Boa sorte, mãe!”
Que mente extraordinária! Impossível ler nela outra coisa mais que
umas leves
pulsações superficiais. Jommy se disse, atônito, que não era como s
e John Petty dis-
simulasse conscientemente seus pensamentos, mas sem dúvida alg
uma havia em
sua mente uma reserva tão secreta e segura com em qualquer slan.
E não obstante
era diferente. Seus pensamentos revelavam claramente um caráter i
mplacável, uma
mente brilhante, fortemente educada. Subitamente Jommy captou o
final de um pensamento que alterou a calma de John Petty, trazido à
superfície como um arranque
de uma paixão. “Tenho que matar essa mulher slan, Kathleen Layto
n... É a única forma de minar o terreno para Kier Gray...”
inclusive vê-
lo apontar cuidadosamente, tão clara foi a impressão mental que cru
zou os cinquenta metros que os separavam.
Viu uma rua muito diferente da Capital Avenue. Era um beco sujo de
pavimento
quebrado e umas casas com paredes caiadas, construídas talvez há
cem anos. O material era praticamente indestrutível, suas cores imp
erecíveis, ainda brilhantes como
no dia da sua construção, mostravam entretanto os estragos do tem
po. O pó e a sujeira haviam-
se aderido como sanguessugas à superfície brilhante das paredes.
O
Jommy inclinou-
se sobre a borda da plataforma do armazém e saltou para a rua. A
angústia que o dominava tornou doloroso um salto que em outras cir
cunstâncias lhe
seria tão fácil, e o golpe o fez estremecer até os ossos.
Jommy se deu conta de que ela estava gritando para outras mulhere
s que começavam a sair de casa. Graças a Deus os homens estava
m ocupados em seus trabalhos.
Apoderou-
se dele o medo de ser atingido pelas vassouras, atiçadores e demai
s bu-gigangas caseiras, de ver-
se feito em pedaços, destroçado, seus ossos esmagados,
suas carnes dilaceradas. Dando a volta, dirigiu-
se para a parte posterior da casa
sempre seguido pela horda enfurecida. Jommy sentia seu nervosism
o e os pensamentos de medo que zumbiam em suas mentes. Havia
m ouvido contar histórias que
talvez importassem mais que seu desejo de possuir dez mil dólares.
Mas a presença
“Mas tenho que lhe criar primeiro, Jommy. Seria tão fácil, tão delicio
so renunciar à
vida! Mas tenho que viver até que você tenha saído da infância. Seu
pai e eu não vi-
vemos mais que para esta invenção, e todo trabalho teria sido perdi
do se você não estivesse aqui para levá-lo adiante”.
Afastou esses pensamentos porque sentia uma dor na garganta ao
pensar nelas.
Sua mente já não estava tão confusa. O curto descanso deve tê-
lo feito sentir-se
bem. Mas isto tornava as pedras mais doloridas e difíceis de suporta
r. Tentou mover o corpo mas o espaço era muito estreito.
caixas aproximando-
se por entre elas, e depois, lentamente, os gritos foram enfra-
quecendo e o pesadelo dos pensamentos foi distanciando-
se. Os perseguidores procuravam em outra parte. Jommy pôde ouvi
-
los durante um longo tempo, até que finalmente a vida foi se tranquil
izando e soube que a noite se aproximava.
Trepou lentamente até o alto das caixas e, deslizando por elas, suas
pernas iam se
aproximando do chão quando ouviu passos rápidos e a primeira sen
sação da pessoa
que tinha estado esperando penetrou nele. Uma mão frágil agarrou
seu cotovelo e a voz de uma mulher velha disse triunfante:
- Está tudo bem, venha com Granny. Granny se ocupará de você, Gr
anny é boa. Eu
sempre soube que você tinha que estar neste buraco; mas os outros
nem ao menos
suspeitaram. Oh, sim, Granny é boa! Granny foi embora mas voltou,
porque sabe
que os slans podem ler o pensamento e tratou de não pensar nisto,
pensando somente na cozinha. Eu o enganei não é verdade? Eu já
sabia. Granny se ocupará de você. Granny odeia a Policia também.
O grosso pau que a velha tinha não mão livre caiu sobre ele antes q
ue tivesse se
dado conta de que ela tinha tal arma. A pancada foi formidável. Seus
músculos tremeram freneticamente. Seu corpo caiu no chão. Sentiu
que lhe atavam as mãos e
que o arrastavam. Finalmente foi erguido para uma velha carroça e
o cobriram com
algumas roupas que cheiravam a suor de cavalos, óleo e latas de lix
o.
II
Não se voltaria. Não lhe daria a menor indicação de que sabia que e
le se aproximava dela por aquele largo corredor de cristais. Rígida,
distanciou seu pensamento
dele, mantendo o contato mínimo necessário para evitar que ele se
aproximasse dela
de surpresa. Tinha que continuar contemplando a cidade, como se n
ão estivesse ali.
A cidade estendia-
se diante dos seus olhos com seu grande número de casas e
edifícios, mudando lentamente de cor sob a luz fraca do crepúsculo.
Mais além, aparecia a grande planície verde escura, e naquele mun
do, quase sem sol, a água normalmente azulada do rio que circunda
va a cidade parecia negra, sem brilho. Até as
montanhas do horizonte remoto haviam adquirido um tom sombrio q
ue se harmoni-zava com a melancolia que invadia sua alma.
- Ah, ah! Você faz bem em gravar tudo isto! É a última vez!
- Sim, sim, a última vez! isto foi o que eu disse e o que penso! Aman
hã você completa onze anos, não é?
Alem do mais, outro dia mataram uma mulher slan na rua, está vend
o agora?
Era curioso, o que mais perturbava a mente de Kathleen era que tiv
esse sido a
mãe de Davy que tivesse dito aquilo. Lembrava aquele dia, três ano
s antes, em que
o garoto a havia agredido diante dos tolerantes olhos da sua mãe. Q
uantos gritos,
quantos chutes e golpes quando ela o botou na linha, até que a ultra
jada mão avan-
çou sobre ela gritando e ameaçando-
a com “o que ia fazer a uma suja e viperina slan”.
- Seu fosse você não poria a mão em cima desta garota. Kathleen L
ayton é propri-
edade do Estado, que em seu devido tempo disporá dela. Quanto a
o seu filho, ele levou tudo que um sem-
vergonha merece e espero que a lição lhe tenha servido.
rias que corriam sobre ele. Mas agora sabia a verdade e compreend
ia o que tinha
querido dizer com suas palavras: “... e o Estado disporá dela”.
“Oh, meu Deus! Queira Deus que não descubram que ele anda roub
ando! Hoje foram legumes!”
Não se tratava de John Petty nem de Kier Gray, pois ela podia segui
r ambas as linhas de raciocínio uma vez captadas. Seu suposto agr
essor, apesar de toda sua inteligência, havia-
se delatado. E quando entrasse no quarto dela...
Aquele homem era o guarda que haviam posto na porta do seu quar
to. Mas não
era o guarda de costume. Era curioso que ela não tivesse notado a
mudança. Devem
ter feito enquanto dormia ou quando estava muito preocupada com
seus próprios pensamentos para dar-
se conta disto. Enquanto o homem se punha de pé sobre o
tapete e se aproximava do leito, captou seu plano de ação. Pela pri
meira vez seus
olhos notaram o brilho do punhal que naquele momento ele tinha na
mão.
Só havia uma coisa a fazer. Só podia fazer uma coisa! Com um gest
o rápido que desconcertou o próprio agressor, jogou-
lhe as mantas sobre a cabeça e os ombros e atirou-
se da cama, escondendo-
se entre as sombras na escuridão do quarto. O homem lutava para li
vrar-
se da manta que estava presa pelos delgados mas extraordinariame
nte fortes braços da garota, e no gemido abafado que lançou havia t
odo um terror do que significaria ser descoberto.
O homem lançou-
se para o lugar de onde vinha a voz, golpeando nas trevas de
uma forma lastimável. Lastimável ou horrível, porque seus pensame
ntos agora estavam tomados pelo terror. Um terror que levava em si
algo repulsivo e que fez Kathleen estremecer enquanto permanecia
de pé, descalça, no canto oposto do quarto.
Notou que o homem não acreditava nela. Tinha muito medo, muitas
suspeitas e subitamente parou de procurar nas trevas e lançou-
se desesperadamente para a porta, onde estava o interruptor de luz.
Kathleen sentiu que ele sacava um revólver do
bolso enquanto tentava acender. Deu-
se conta de que o homem preferia correr o risco de ser detido pelos
guardas que viriam precipitadamente ao ouvir a detonação,
que se apresentar diante de um superior confessando seu fracasso.
Sabia o que tinha que fazer, apesar de que nunca tinha feito antes.
Deslizou silen-
- Então você crê que John Petty está por trás disso tudo? - pergunto
u.
- Então ele já chegou a... - disse com voz pausada. - John Petty aspi
ra ao poder
supremo e eu quase sinto pena dele, tão cego está das suas deficiê
ncias. Jamais um
Chefe de Polícia gozou da confiança do povo. Eu sou adorado e tem
ido, e ele é somente temido. E acredita que isto é o mais importante.
- Queriam matá-
la antes do dia fixado pelo Conselho, porque eu não poderia fazer
nada uma vez você morta. E minha incapacidade de lutar contra ele
rebaixaria, con-
forme pensava, meu prestígio junto ao Conselho. - sua voz havia bai
xado de tom e
dava a sensação de ter esquecido a presença de Kathleen e estar fa
lando consigo
mesmo. - E tinha razão. O Conselho ficaria contrariado se eu tentas
se um processo
pela morte de um slan. E, não obstante, não tomaria minha atitude c
omo uma prova
de que tinha medo. E significaria o começo do fim. A desintegração,
a formação de grupos que iriam-
se fazendo paulatinamente mais hostis uns contra os outros, enquan
to que os chamados realistas se apoderariam da situação e escolher
iam o provável vencedor, ou iniciariam aquelo jogo pouco agradável
de colocar as extremidades contra o meio. Como pode ver, Kathleen
- prosseguiu, depois de um breve silêncio, - é uma situação muito s
util e perigosa, porque John Petty, a fim de me desacre-
ditar, fez correr o boato de que tenho a intenção de conservar sua vi
da. Por conseguinte, e este é o ponto que poderia interessá-
la - e pela primeira vez um sorriso
rias que são absurdas demais para serem mais que espantosas me
ntiras.
III
Não era fácil ficar ali sentada sob as brilhantes luzes que haviam sid
o acesas. Os
homens a olhavam com excessiva frequência, com uma mescla de i
mpaciência e rigor na mente, e jamais uma centelha de piedade em
parte alguma. Com isso, o ódio
deles pesava sobre seu espírito e esmaecia a vida que palpitava por
seus nervos.
Odiavam-
na. Desejavam sua morte. Impressionada, Kathleen fechava os olho
s e procurava distrair sua mente como se por uma intensa força de v
ontade pudesse conseguir fazer seu corpo ficar invisível.
Kathleen tentou ler através das palavras, mas sua mente estava apa
gada e no seu
duro rosto não havia a menor expressão. Achou ter captado um ligei
ro tom de ironia
e se deu conta de que John Petty compreendia perfeitamente a situ
ação. Era a luta
pelo poder e seu corpo e seu cérebro dependiam da mortal importân
cia do que estava em jogo.
ía.
- Eu quero que ela saia, além disto - prosseguiu John Petty, - porque
é uma slan e,
por Deus, não quero estar na mesma sala que uma slan.
- Tirem-na daqui!
mente.
- Petty, creio que você deveria se dar conta de que não está falando
agora diante
de um punhado de camponeses sublevados pela propaganda. Seus
auditores são
gente realista e apesar de todos seus esforços para impor o resultad
o, dão-se conta
de que sua vida política, e por acaso também a física, estão em jogo
neste momento crítico que você, e não eu, nos impôs.
pido!”
Kathleen deu uma olhada em Kier Gray e em seus olhos viu que bril
hava uma chama, tal era a intensidade com que a olhava. E no ato a
fastou-se da sua cadeira sem fazer ruídos, obedecendo-lhe.
Ninguém notou sua falta, não se deram conta do seu ato. E Kathlee
n sentiu uma
Voltou-
se para Kier Gray e Kathleen sentiu um calafrio ao ver sua aparente
sinceridade na sua atuação perfeita.
- Kier, quisera poder esquecer o que você fez. Primeiro esta reunião,
depois a
ameaça de que antes do amanhecer alguns de nós podemos estar
mortos. Nestas circunstâncias só posso aconselhá-
lo que apresente sua demissão. Em todo caso, já
não goza da minha confiança.
- Senta-
te, louco delirante! Como te atreves a precipitar esta crise quando te
mos
que mudar toda nossa política para com os slans? Nós estamos per
dendo, sabia?
Têm medo, um medo mortal por suas criancinhas, e não temos nen
hum cientista
que possa estudar objetivamente o problema. Na realidade não tem
os nenhum cientista digno deste nome. Que incentivo pode ser para
um ser humano passar toda sua
vida consagrado às pesquisas quando sabe com certeza que todas
as descobertas
que pode chegar a conseguir foram aperfeiçoadas pelos slans há m
uito tempo? Que
estão refugiados em suas cavernas secretas, ou escrevendo seus s
egredos em um
papel, preparados para o dia em que os slans façam sua nova tentat
iva de apoderar-
se do mundo? Nossa ciência é uma piada, nossa educação é um m
onte de mentiras.
O rosto de Kier Gray estava congestionado pelo calor que havia pos
to em suas palavras. E Kathleen viu que enquanto as pronunciava, p
ermanecia perfeitamente tranquilo, cauteloso.
Mestre na demagogia, diretor de homens, quando falou novamente
sua voz lhe pareceu frouxa em comparação, seu timbre de barítono
soou claro e pausado.
Sei que sim, porque chegou aos meus ouvidos. Mas viram o que ele
fez, derramar
sutilmente o veneno. Suas mentalidades políticas lhes dirão o motiv
o que me obrigou a adotar esta posição; matando-
a, parece que me submeti e portanto perderei prestígio. Tenho porta
nto o propósito de ditar uma ordem dizendo que Kathleen Layton
não será executada. Tendo em vista nossa carência de c
onhecimentos sobre os
slans, ela será mantida viva como objeto de estudo. Eu, pessoalmen
te, estou decidido a tirar o melhor partido da sua presença, observan
do o desenvolvimento de um
slan durante o seu amadurecimento. Já tenho muitas notas com est
e objetivo.
- Não tente gritar comigo! - gritou John Petty que ainda estava de pé
. - Você já foi
muito longe. Quando menos esperarmos entregará aos slans um co
ntinente onde possam desenvolver suas assim chamadas super-
invenções das quais tanto ouvimos
falar, mas que nunca vimos. E quanto a Kathleen Layton, por Deus!
só a conservarão
viva por cima do meu cadáver. As mulheres slans são as mais perig
osas de todas.
Kathleen endereçou-
lhe um olhar de perplexidade e depois submergiu-se no rede-
moinho de emoções e pensamentos que brotavam de todos os hom
ens. A coisa era
difícil, porque eram muitos e havia muitas interferências Por outro la
do, à medida que via a verdade, seu cérebro começava a debilitar-
se.
Kier Gray começou a rir com um sorriso forte, prolongado, que termi
nou com uma espécie de expressão de bom humor.
Produziu-
se um rumor de pés que se agitavam e um torvelinho de pensament
os, e Kathleen sentiu-
se desfalecer ao ouvir Mardue, um dos três membros que acreditara
ser mais fiel a Gray, limpar a garganta para falar. Um só instante ant
es de falar, ela captou seus pensamentos.
- Pelo menos - disse John Petty, - haverá um slan que não escapará
. - Olhou com uma expressão de maldade para Kathleen e voltou-
se triunfante para os outros. - O
Era a sensação mais estranha que se podia imaginar: estar ali senta
da e ouvindo
discutir sua sentença de morte e, entretanto, não experimentava a m
enor emoção,
como se tratasse de uma pessoa totalmente alheia a ela. Sua mente
parecia distante, ausente, e o rumos de concordância que brotou de
todos os presentes também lhe pareceu deformado pela distância.
contra mim?
A garota viu sua imagem borrada e, com lágrimas nos olhos, respon
deu quase sem se dar conta.
A porta abriu-
se violentamente e dez homens com revólveres na mão irromperam
na sala.
- Não - respondeu Kier Gray pensativo - John Petty pode nos ser útil
. Terá que reconhecer que os demais foram executados como result
ado de uma investigação da
sua polícia, que descobriu acordos secretos com os slans. Esta será
a explicação que
daremos; sempre surte efeito sobre as massas ignorantes. Devemo
s esta ideia ao
próprio Petty, mas creio que nós mesmos teríamos sido capazes de
tê-
la. Sua influência até será útil para valorizar a ocorrência. Creio inclu
sive - acrescentou cinicamente
Tire toda essa sujeira daqui e venha, que temos que fazer alguns pl
anos. Você, Kathleen, vá para a cama. Já está a bom caminho...
IV
- Sim, sim, ao ver Granny agora, ninguém diria que em tempos atrás
foi uma famosa beldade. Jamais suspeitaria que os homens adorav
am a brancura da sua linda
cútis. Mas não esqueça que a velha bruxa salvou sua vida. Não se e
squeça, ou Granny pode entregar à polícia seu traseiro ingrato. E co
mo eles gostariam em tê-lo em
suas mãos! Mas Granny também quer ter o que eles querem e faz o
que pensa.
- Eu vejo o que há na sua mente mas não posso falar agora. Quand
o nós os slans
nos sentimos doentes, e isto não nos acontece frequentemente, só
podemos fazer
uma coisa: dormir, dormir... Me acordar da forma como você me aco
rdou significa que meu subconsciente me despertou advertindo-
me de que estava em perigo. Temos muitas proteções deste gênero.
Mas agora tenho que voltar a dormir e sentir-me bem.
A fúria apoderou-
se de Jommy. Seu cansaço desapareceu e ele sentou-
se na cama, presa da raiva.
Devia ter lutado! Porque ele possuía a arma mais terrível que o mun
do jamais viu...
tão terrível que nunca a carregava por medo de fazer uso dela. Eu,
quando tiver quinze anos, tenho que...
Deteve-
se, assustado da sua indiscrição. Durante alguns momentos sentiu-
se esgotado, tão fraco que sua mente se negava a suportar o ritmo
dos seus pensamentos. Sabia que acabara de revelar o grande segr
edo da história slan e se aquela bruxa inquisitiva o entregasse à polí
cia em seu estado atual de debilidade física, tudo estava perdido.
Aos poucos foi respirando melhor. Viu que a mente da mulher não h
avia captado o
enorme significado da sua revelação. Compreendeu que ela não ha
via ouvido no momento em que mencionou a arma, porque sua men
talidade gananciosa estava muito
distanciada do seu principal propósito. E agora, como um abutre, lan
çava-se nova-
Foi curioso ver a onda de raiva que despertou nele quando compree
ndeu qual era seu propósito. Deu-
se conta, vagamente, de que sua debilidade corporal cobrava for-
A velha prosseguiu:
- Para onde irá? Que fará? Quer viver na rua? E o inverno? Em que
lugar do mundo pode se refugiar um garoto slan? Sua pobre, sua qu
erida mãe - continuou, suavi-
zando o tom da voz em um intento de compaixão - teria querido que
você fizesse o
que estou lhe propondo. Ela não sentia amor algum pelos seres hu
manos. Eu conser-vei o papel para mostrar-
lhe como a mataram como a um cachorro quando tentou
escapar. Quer ver?
- Não quer fazer tudo o que puder contra um mundo tão cruel? - insi
stia a dura voz - Fazê-los lamentar o que fizeram? Não tem medo...?
- A vida é muito dura para a velha Granny... muito dura. Se não quis
er ajudar
Granny ela terá que continuar fazendo outras coisas. E você lê isto
em sua mente.
Você fará o que lhe disse ou eu o entregarei à polícia, mas por enqu
anto.... Bem vindo a esta casa, Jommy, bem vindo! Se sentirá melho
r quando acordar, Granny assim o espera...
Perdia-
se na nebulosa distância como uma fita brilhante que se perdesse n
o infinito.
Era lindo. Os pensamentos que evocava feria seus olhos, sua mente
. E pensar que
havia vivido durante nove anos tão perto daquela cidadela e jamais
havia visto o glo-
rioso triunfo da sua raça! Agora que tinha a realidade diante dos olh
os parecia-lhe
Mas não breve o bastante. A sensação de ter perdido algo lhe produ
zia um ardor
doloroso. Saber da existência daquele nobre monumento lhe teria d
ado coragem durante os momentos mais sombrios. Sua mãe havia l
he dito:
palácio e seus campos não são para os slans. E agora entre debaix
o desta manta e
fique imóvel. No final da rua há um policial zeloso e não convém que
ele o ache ainda. Temos que nos apressar.
- Deite-
se! Granny não que que ninguém veja essas belas roupas que está
usando.
Cubra-se com esta manta.
- Desça - ordenou-
lhe a velha - e entre neste armazém. Vi que sua jaqueta tem
grandes bolsos, então encha-
os de forma que não fiquem abaulados.
- E cuidado para que não ser pego, tenha cuidado com o que pega.
Jommy afastou-
se, passando ao lado de um homem alto, de boa aparência, o qual
nem sequer lhe dirigiu um olhar. Jommy continuou avançando algun
s passos mas se
deteve. Uma impressão como jamais havia experimentado penetrou
nele como um
punhal. Foi como se uma faca lhe cortasse o cérebro, doloroso, e nã
o obstante não
era desagradável. O assombro, o júbilo, a emoção, ardiam nele enq
uanto se voltava e olhava para aquele homem que se afastava.
Aquele alto e distinto estrangeiro era um slan! A descoberta era tão i
mportante
que depois da primeira impressão seu cérebro se acalmou. A calma
básica da sua pa-
cífica mente de slan não estava alterada, mas sentia uma ânsia, um
ímpeto jamais igualado até então. Pôs-
se a andar apressadamente atrás do homem. Projetou seu
pensamente tentando estabelecer contato com o cérebro do descon
hecido, mas não
conseguiu e então franziu o cenho. Via claramente que ele era um sl
an, mas não
conseguia penetrar senão superficialmente na mente do forasteiro.
E esta superfície
não revelava que ele se houvera dado conta de Jommy, nem o men
or indício de que captasse pensamentos alheios.
Dos outros slans? E que tipo de slan era ele que não podia ler os pe
nsamentos?
slan dirigia-
se para a Controle Aéreo, que com seus edifícios, fábricas e campos
de aterrizagem encontrava-
se naquela parte da cidade. Aquilo era impossível. Era proibido sequ
er aproximar-
se do Controle Aéreo sem tirar o chapéu para provar que não
existia sinais de tentáculos de um slan.
Abriu-
se uma porta e por ela saíram dois homens com a cabeça descobert
a que di-
rigiram-
se para ela. Conversavam tranquilamente e inicialmente não se dera
m conta
da sua presença. Jommy teve tempo de captar seus pensamentos s
uperficiais e viu
que experimentavam uma confiança plena, não sentiam o menor te
mor. Dois slans,
em pleno início da sua maturidade e sem nada na cabeça!
- Rapaz, você tem que sair daqui. Não é permitido a entrada de cria
nças. Vá logo.
As palavras apagaram-
se nos seus lábios. Olhou para os dois homens com olhos
arregalados pelo medo. Porque depois de um momento de assombr
o descontrolado, suas cortinas mentais fecharam-
se hermeticamente. Mas seus sorrisos eram amistosos.
VI
Sabia, sem sequer precisar pensar, que tentar superar os cem metro
s de corredores de mármore era um suicídio. Suas pernas de garoti
nho de nove anos não poderiam jamais competir com as dos slans e
m pleno vigor da juventude. Só havia uma
coisa a fazer e ele a fez. Com sua agilidade de garoto, deu um salto
de lado e lan-
Qualquer que fosse a razão, era obvio que naquele momento tinha u
ma necessidade imperativa de encontrar o sórdido refugio da casa d
e Granny. Não sentia o desejo
de resolver um problema tão complicado que tinha se tornado o triân
gulo: slan-humano-
sem tentáculos. Pelo menos não antes que tivesse crescido e fosse
capaz de
se equiparar com os potentes cérebros que estavam combatendo na
quela incessante e mortífera batalha.
Granny ainda estava onde a havia deixado, mas na sua mente havia
um tal rede-
moinho de pensamentos que Jommy teve que esperar que ela falas
se para saber o que desejava.
Deviam ter percorrido pelo menos uma milha antes que a velha leva
ntasse a manta lançando um ronco.
Qual era a verdade? Havia existido alguma vez uma guerra entre os
Slans e os seres humanos? Ou tratava-
se meramente da mesma propaganda que acusava os slans
de fazerem coisas horríveis com os garotinhos? Jommy viu que Gra
nny tinha voltado a pensar no dinheiro do armazém
- Somente quatrocentos mil dólares? - perguntou com voz rouca. - M
as eles ga-nham centenas de milhares todos os dias... milhões!
VII
Tempos atrás - pelo menos assim tinha ouvido falar - a China havia
sido densamente povoada. A história referia que guerras sangrentas
tinham, há muito tempo,
dizimado as zonas mais povoadas. Essas guerras, ao que parece, n
ão eram de origem slan. Somente a partir dos últimos cem anos foi
que os slans haviam fixado sua
atenção nos garotinhos chineses e de outros povos orientais, desper
tando assim a
inimizade dos povos que até então os haviam tolerado. Tal como ex
plicava a Sra.
Hardy, aquela pareceu uma ação mais insensata dos slans. Jommy
escutava e grava-
va na memória o fato, convencido de que a explicação não podia ser
tal como a apresentavam, perguntando-
se de onde viria a verdade e decidido a expor todos esses fatos à lu
z algum dia.
O estudante de engenharia, a Sra. Hardy, um farmacêutico que havi
a sido piloto
de foguete e mecânico de rádio e TV, e o velho Darrett, foram as pe
ssoas que o edu-
caram, sem se dar conta disto, durante os dois primeiros anos que p
assou na casa
de Granny. De todo esse grupo, o velho Darrett era o preferido de Jo
mmy. Era um
homem alto, solitário e cínico, de setenta e tantos anos, que havia si
do professor de
história, mas este era meramente um dos muitíssimos assuntos sobr
e os quais ele era uma inesgotável fonte de conhecimentos.
Era obvio que cedo ou tarde o homem teria que por sobre a mesa o
tema da guerra com os slans. Tão obvio que Jommy se permitiu não
fazer caso da primeira alusão
a elas, como se o tema não o interessasse. Mas em uma tarde no in
ício do inverno
falou delas novamente, como Jommy havia esperado, e desta vez di
sse:
- Você está falando sobre guerras. Não podem ter sido guerras, pois
essas pessoas não são nada mais que uns foras-da-
lei. Não se pode fazer guerra com os foras-da-lei e sim exterminá-
los.
Darrett enrijeceu-se.
- Foras-da-
lei?! - disse. - Garoto, aqueles foram grandes tempos. Pois eu lhe di
go
que cem slans praticamente se apoderaram do mundo. Tudo tinha si
do maravilhosamente planejado e executado com a maior ousadia.
Você tem que levar em conta
que o homem como, como massa, nunca faz o seu próprio jogo e si
m o de alguem.
Ele se vê preso em uma armadilha da qual não pode escapar. Perte
nce a um grupo;
é membro de uma organização; é leal às ideias, aos indivíduos e a c
ertas zonas geo-gráficas. Se você consegue tornar-
se dono das instituições que eles apoiam... terá
conseguido o método.
Somente duas vezes durante todos aqueles anos o tráfego foi suspe
nso, e cada
vez durante um mês, e era quando Marte, seguindo em sua órbita e
xcêntrica, achava-se na parte mais distante do sol.
Manteve-
se distante do Controle Aéreo, porque a cada dia crescia mais seu r
espeito pelo poderio dos slans sem tentáculos. E cada vez via com
maior clareza que somente um milagre o salvou no dia em que se re
velou para os dois adultos. Um milagre devido à surpresa.
Quanto aos mistérios básicos dos slans não soube nada. Para pass
ar o tempo en-tregava-
se a orgias de atividades físicas. Antes de tudo precisava de um ca
minho secreto para escapar, somente para o caso... Um caminho, s
ecreto desconhecido não
somente por Granny como também pelo o mundo inteiro; e em segu
ndo lugar, lhe
era impossível continuar vivendo naquela pocilga. Necessitou de me
ses inteiros para
construir centenas de metros de túneis, outros meses para adornar
o interior da casa
com belas paredes, brilhantes tetos e chão de plástico. Granny trazi
a o que havia
roubado à noite, passava pelo monte de lixo do patio e a casa contin
uava exteriormente sem pintura. Mas para aquilo tudo foi preciso qu
ase um ano... por causa de Granny e da sua garrafa.
Quinze anos... Às duas da tarde Jommy soltou o livro que estava len
do, tirou os
chinelos e calçou os sapatos. A hora decisiva havia chegado. Hoje ti
nha que ir às catacumbas e tomar posse do segredo do seu pai. Nã
o conhecendo os corredores secretos dos slans, teria que correr o ri
sco de entrar pela porta pública.
“Livre-
se desse slan... é perigoso para Granny agora que já tem dinheiro.
Não deve deixá-lo suspeitar... tem que afastá-
lo da mente a fim de que...”.
Jommy Cross sorriu, melancólico. Não era a primeira vez que capta
va um pensamento de traição em seu cérebro. Com súbita decisão
acabou de amarrar o cordão do sapato, levantou-
se e foi ao quarto dela.
Ao vê-
la, Jommy teve um impulso de piedade. Por mais malvada e pervers
a que tivesse sido a velha Granny, ela a preferia àquela bêbada que
jazia deitada como uma
bruxa medieval milagrosamente transportada ao leito azul e prata do
futuro. Seus olhos pareceram vê-
lo claramente pela primeira vez e uma série de maldições saiu da
sua boca.
Não há nenhum meio que seja seguro. Sua velha pele, que tanto ap
recia, não valeria nem um centavo se me pegassem.
que eram sua meta desde que saiu da casa. Já se dispunha a conto
rnar a esquina para entrar em uma rua lateral quanto um alto-
falante devolveu-o à realidade.
Coisa estranha: o brilho do sol lhe produzia agora uma sensação dol
orosa nos
olhos. Estava um pouco confuso. Uma nave com asas! Noites e mai
s noites, durante
aqueles últimos seis anos havia observado as naves entrar e sair do
edifício dos slans sem tentáculos, no Controle Aéreo. Naves-
foguetes sem asas mas com algo mais.
Algo que fazia aquelas máquinas metálicas mais rápidas que o ar. A
parte do foguete
era usada, ao que parece, somente para o impulso. A carência de p
eso, a forma
como eram lançados, como se fosse por força centrífuga, devia ser
a antigravidade.
E ali vinha uma nave alada com tudo que isto implica: motores a co
mbustão, estrito
confinamento à atmosfera terrestre, vulgaridade. Se isto era o melho
r que sabiam fazer os verdadeiros slans...
E foi para ele - que tantas portas fechadas havia franqueado em sua
vida - um brinquedo encontrar o segredo da fechadura daquela port
a de barrotes de aço que dava acesso às catacumbas.
Lançou-
se correndo para a parede e deu um salto, fazendo um esforço dese
sperado. Levantou o braço, arranhou a parede de mármore, mas nã
o conseguiu alcançar a
direita”.
“Sim, mas não conte com isto” - disse uma segunda voz. - “Você sab
e quão estritas são estas catacumbas, e que a pessoa que fez funci
onar a campainha ainda está
no interior. Será melhor darmos o alarme à polícia”.
“Talvez ele tenha se perdido” - disse uma terceira vibração.
rio dos slans, e tudo isto se misturava aos passos dos homens que
estavam se aproximando. Ele ouvia claramente que já se dirigiam p
ara ele.
Jommy olhou para sua mão que tremia. E então sentiu uma espécie
de dor ao
pensar que havia privado três vidas da existência. A visão apagada f
oi clareando e
seus olhos perderam sua expressão de assombro. E ao olhar para o
fim do corredor
viu que este estava vazio. Nem um osso, nem um fragmento de carn
e ou pedaço de
roupa restavam para provar que ali tinha havido, a alguns instantes
atrás, três seres
vivos. Na parte do solo onde tinha chegado a abrasadora incandesc
ência, havia uma
leve concavidade, tão leve que provavelmente nunca seria notada.
ção de mal-
estar foi desaparecendo. Não havia motivo para inquietar-
se. Matar era
uma ação violenta, mas aqueles três homens não teriam vacilado u
m instante em matá-
lo, como a tantos outros slans que haviam perecido por causa das m
entiras que toda essa gente contava, aniquilando-
os sem a menor resistência. Malditos sejam todos eles!
“Lembre-
se disto: por muito fortes que os slans cheguem a ser, o problema d
o que
fazer com os humanos continuará sendo uma barreira à ocupação d
o munto. Até
que o problema tenha sido resolvido com justiça e com uma psicolo
gia sadia, o em-
Jommy não pensava assim. Ali estava a prova. Seu pai não havia le
vado consigo a arma que poderia tê-
lo salvo. Havia aceito a morte antes de fazer uso dela.
Mas uns entravam e outros saíam, sem que diminuísse seu número
nem o barulho
que reinava no recinto. A excitação, o medo, as preocupações; pouc
os eram os homens cujas mentes se dessem conta de que estavam
acontecendo grandes coisas. E
ções eles não ousarão jamais travar uma luta franca e aberta contra
nós.
Aproximou-
se do pátio cheio de lixo com sua habitual precaução. Sua mente pe
netrou no edifício desalinhado e pôs-
se em contato com a de Granny. Suspirou: Bêbada
outra vez! Como diabos aquela caricatura de corpo podia suportar a
quele estado?
“Ele não deve saber que telefonei para a Polícia... Tenho que afastá-
lo do meu
pensamento... não posso ter um slan ao meu lado... é perigoso, ter
um slan... a Polí-
VIII
Kathleen Layton fechou os punhos com raiva. Seu frágil e jovem cor
po estremeceu
de repulsa ao conhecer os pensamentos que chegavam dos corredo
res. Davy Dinsmore, com seus dezessete anos, a estava procurand
o e dirigia-se para a varanda de
mármore onde ela estava contemplando a cidade já envolta em um
manto úmido e tênue daquela quente tarde de primavera.
O nevoeiro estava constantemente mudando de imagem. Umas vez
era como tê-
Era curioso, a vista feria seus olhos mas sem ser desagradável. A fri
eza do palácio
parecia chegar a ela pelos corredores e pelas portas abertas, rechaç
ando o calor do sol, mas o brilho persistia.
- Oh! - disse Davy Dinsmore saindo pela porta - Aqui está você!
Ela olhou para ele sem sorrir. Aos dezessete anos, Davy era um gar
oto desajeitado,
com as longas mandíbulas da sua mãe e que parecia estar sempre
zombando dos demais, mesmo quando sorria. Aproximou-
se dela com um ar agressivo que refletia
os sentimentos ambivalentes que chegavam até ela; por um lado, o
desejo de conquistá-
la fisicamente e por outro, o desejo autêntico de feri-
la de alguma forma.
- Não quero que você ande mais atrás de mim - disse com fria deter
minação. - Sua
mente é um esgoto. Me arrependo de ter lhe dirigido a palavra na pri
meira vez que
veio com agrados. Devia ter pensado melhor, e espero que você se
dê conta de que
eu digo isto com o exclusivo fim de que saiba o que eu penso. Pois
é isto... palavra
por palavra. Particularmente sobre o esgoto. E agora vá embora.
teza.
Mas se deu conta muito tarde de que ele já havia contado com isto.
Seus dedos
bruscamente agarraram seu cabelo e as gavinhas douradas erguia
m seus delicados pedúnculos.
Mas Kathleen não precisava ouvir suas palavras, sua mente já estav
a em íntima comunicação com ela.
- E para ter certeza de que você fará isto lentamente - disse - quand
o meus lábios
tocarem os seus trate de fazer com que o beijo dure pelo menos um
minuto. Vou lhe ensinar o que é tratar-me como lixo!
Seus lábios aproximaram-se da garota, destacando-
se sobre o fundo do seu repulsivo rosto e dos seus ávidos olhos, qu
ando ouviu-se uma voz autoritária que, num
isto de raiva e surpresa, exclamou:
- Não tenho a menor dúvida de que suas ideias sobre este ponto mu
darão quando for minha amante.
- Seu protetor, sim - disse Lorry, após haver refletido por um moment
o. - Mas em
questão de virtude feminina ele não tem moral. Não creio que veja al
gum inconveniente em que você seja minha amante, mas acho que
é inventar um motivo para a
propaganda. Nestes últimos anos ele tem se tornado muito anti-
slan. E eu que achava que ele era pró. Mas agora é quase fanático
em não querer saber nada deles.
John Petty e ele agora estão mais de acordo do que nunca sobre es
te ponto. É curioso.
Ficou refletindo novamente e acrescentou:
-
Alarme geral! Uma nave não identificada acaba de ser vista cruzand
o as
Montanhas Rochosa na direção leste. Os aparelhos lançados em su
a perseguição foram rapidamente deixados para trás e a nave parec
e dirigir-se
para Centrópolis. Ordenamos que todo mundo se refugie em suas c
asas, já
que a nave, que acreditamos ser de origem slan, estará aqui dentro
de uma
hora a partir das presentes indicações. As ruas são necessárias par
a objetivos militares. Todos para suas casas
Uma hora mais tarde Kathleen continuava ao lado de Jem Lorry enq
uanto a nave
prateada dos slans se dirigia para o palácio. Ia aproximando-
se a uma velocidade
vertiginosa. A mente de Kathleen levantou voo até ela tentando se c
onectar com os cérebros dos slans que pudessem haver a bordo.
Ainda via-
se um ponto brilhante à distância, em linha reta atrás do palácio. Por
um
momento piscou como uma estrela e desapareceu. Seus olhos desc
ansaram do violento esforço, afastou a vista do céu e viu Jem Lorry
ao seu lado.
- Deixem-
me terminar. Continuam dizendo que não existe somente este milhã
o de
ção. Nas vastas zonas das regiões mais primitivas da Terra é impos
sível infundir nas
pessoas o ódio aos slans, e eles os aceitam como seres humanos.
E existem sem dú-
Desde o momento que esses slans se refugiam nas regiões mais ret
iradas da Terra,
eles correm para sua derrota, porque estão separados dos livros e d
o contato com as
mentes civilizadas, que são a única base possível de um maior dese
nvolvimento. O
perigo não reside, nem nunca residiu, nesses remotos slans, e sim n
os que vivem
nas grandes cidades onde têm possibilidades de estabelecer contat
o com as grandes
mentes humanas e têm, apesar de todas nossas precauções, acess
o aos livros. É um
fato fora de toda dúvida que esta nave que vimos hoje foi construída
pelos slans que
vivem, e constituem um perigo, nos centros civilizados.
- Vou ler-
lhes a última página - disse ele com uma voz sem entonação. - Não
seria
“Isto significa que nós, os slans, não podemos jamais atingir o poder
io
militar dos humanos. Quaisquer que fossem as melhorias e modifica
ções
que introduzíssemos nas armas e maquinaria já não poderiam afetar
o resultado de uma guerra, no caso em que esta desastrosa circuns
tância acontecesse”.
“Ao nosso modo de ver, não há nada mais fútil que o presente estad
o dos
slans, que, sem solucionar nada, só conseguem manter o mundo e
m um estado de intranquilidade, criando gradualmente um caos eco
nômico do qual
os seres humanos sofrem até um grau que aumenta incessantement
e”.
“Oferecemos a paz com honra, sendo a única base desta negociaçã
o que
o slans devem gozar daqui por diante de um direito legal à vida, à lib
erdade e à perseguição da felicidade”.
Para Kathleen pareceu que uma tela que escurecia tudo se havia int
erposto entre
seus olhos e a fraca luz dos painéis da parede. No meio daquele silê
ncio, até a pulsa-
Mas... era mesmo uma mudança? Não seria o caso que aquele hom
em fosse tão
desprovido de remorsos como John Petty? A razão de mantê-
la com vida podia ser
exatamente a que havia dito: com propósito de estudos. E, claro, ho
uve também um
tempo em que ele havia acreditado, com ou sem razão, que seu futu
ro político estava ligado à continuação da existência de Kathleen.
Mas nada mais. Não experimentava sentimento algum de compaixã
o ou piedade,
não tinha interesse algum em proteger aquela débil criatura por inter
esse nela mesma. Nada, fora dos desígnios mais materiais da vida.
Aquele era o governante de homens que ela havia admirado, quase
venerado, durante anos inteiros. Este era o seu protetor!
Era verdade, claro, que os slans estavam mentindo. Mas, que outra
coisa poderiam
fazer se estavam tratando com um povo que só conhecia o ódio e a
mentira? Pelo
menos eles ofereciam a paz e não a guerra; e ali estava aquele hom
em, rechaçando
sem a menor consideração uma oferta que poria fim a mais de cem
anos de crimino-sa perseguição da sua raça.
Deu-
se conta com um sobressalto de que os olhos de Kier Gray estavam
fixos nela.
Kathleen olhou-
o com uma expressão desesperada. Gray não acreditava em uma
palavra da sua pretensão e ela sabia que a única coisa que podia of
erecer ao cérebro
implacavelmente lógico daquele homem era uma declaração cuidad
osamente medita-da.
para isto os slans não poderão se casar entre si, e sim casarem-
se com seres humanos.
Voltou a inclinar-
se para trás vendo a ironia da situação. Havia ido ao Conselho
com a intenção de defender-
se e agora não se atrevia a articular uma palavra.
Kathleen ficou impressionada ao ver que Jem Lorry havia ganho sua
causa. Percebeu vagamente na superfície da sua mente que não tr
ataria mais daquele assunto. À
- Pois me parece que você é que está errada e não nós. Acreditamo
s que eles são
inteligentes e desconfiados e portanto não lhes oferecemos nenhum
plano complicado. E isto, é claro, é o primeiro elemento do êxito de
uma propaganda. E quanto a
ler pensamentos, nós nunca entraremos em contato com os chefes
slans. Transmiti-
remos a opinião da nossa maioria aos outros cinco conselheiros, qu
e entabularão as
negociações na crença firme de que estamos jogando limpo. Nenhu
m subordinado
receberá instruções, salvo sobre o assunto que deve ser fielmente r
ealizado.
menor dúvida de que ele não havia esperado uma vitória tão esmag
adora. A surpresa não fazia mais que aumentar a sua satisfação.
- Porque eu sabia que Jem Lorry ia fazer de mim sua amante e queri
a que vocês soubessem que estava resistindo.
Olhou-
a angustiada, vendo pela primeira vez que ele estava deitado para tr
ás em sua cadeira, os olhos e a boca apertada.
Viram, portanto, o que fez Samuel Lann com sua máquina de transf
ormação à sua
mulher, o que lhe deu as três primeiras crianças slans, um menino e
duas meninas,
há mais de seiscentos anos, não acrescentando nada ao corpo hum
ano e sim mudando ou modificando o que já existia anteriormente.
Kathleen achou que ele estava tentando ganhar tempo. Em uma bre
ve fagulha
mental sua, ela viu indícios de uma compreensão total da situação.
Mas devia saber
que não havia argumentos nem lógica que fossem capaz de dissuad
ir a um homem
como Jem Lorry das suas paixões. Ouviu a voz de Gray que prosse
guia:
- Dou-
lhes estas informações porque ao que parece nenhum dos aqui pres
entes se
incomodou em pesquisar a verdadeira situação para compará-
la com a crença geral.
- Não vai ser por muito tempo, querida. De forma que não acaricie v
ãs esperanças
- e sorriu-lhe confiadamente.
Mas não era nesta ameaça que Kathleen estava pensando enquant
o avançava pelo
corredor. Recordava a explosiva e destruidora expressão que havia
aparecido no rosto de Kier Gray no momento em que John Petty soli
citou sua morte. Não conseguia
entender. Não se amoldava absolutamente às palavras que havia pr
onunciado um
minuto antes, quando informou os demais que a nave slan havia sid
o derrubada em
um pântano. Se era assim porque havia se impressionado? E se n
ão fosse assim,
porque Kier Gray havia corrido o terrível perigo de mentir por ela, e
porque estava provavelmente se preocupando por ela?
IX
Ela estava sentada, rindo, em uma cadeira, vestida com uma roupa
de cores alegres que revestia suas forma infectas. Ela olhou-
o, rindo.
Jommy ficou impressionado. Era a primeira vez que via aquele dinh
eiro apesar de saber dos seus esconderijos. Fazer-
lhe aquela ostentação, agora que acabara de denunciá-
lo, era uma estupidez que merecia o mais severo castigo.
Logo, logo, pensou ele, fazendo um esforço mental para ver se suas
palavras haviam surtido algum efeito. Estava a ponto de desistir qu
ando viu um tênue raio de
razão no meio da massa incoerente dos pensamentos da velha.
- Está tudo bem... - murmurou ela. - Granny tem muito dinheiro... As
pessoas ricas não vão enforcá-la.
Jommy afastou-
se dela, indeciso. O peso dos pensamentos dos homens era uma
enorme carga para sua mente. Estavam se aproximando, fechando
cada vez mais o
círculo. Seu número o surpreendia e mesmo a poderosa arma que ti
nha no bolso seria ineficaz se uma chuva de balas atravessasse as f
rágeis paredes do barraco. E bastava uma bala para aniquilar todos
os sonhos do seu pai.
“Meu Deus! - disse consigo mesmo - Estou louco! O que vou fazer c
om ela mesmo
- Olhe! - disse-
lhe. - Todo seu dinheiro, seu futuro. Você morrerá de fome e terá
que varrer o chão do asilo. Eles a açoitarão...
Em quinze segundos a velha se acalmou; uma serenidade ardente e
capaz de compreender os pontos essenciais com a clareza de um c
riminoso endurecido.
- Não, nós iremos a um lugar - disse Jommy. - Tome, aqui está seu
dinheiro -
- Temos um túnel por onde fugir. Vai do meu quarto até uma garage
m da rua 370 e
eu tenho a chave de um carro. Iremos até perto do Controle Aéreo e
roubaremos um...
Deteve-se, dando-
se conta da fragilidade da última parte do seu plano. Parecia in-
crível que os slans sem tentáculos estivessem tão pobremente orga
nizados que ele pudesse agora apoderar-
se de uma daquelas maravilhosas naves espaciais que eles
lançavam a cada noite para o céu. Era certo que uma vez havia esc
apado deles com uma facilidade absurda, mas...
“Deus do Céu! - disse a si mesmo. - Quem diria que esta velha pesa
va tanto?”
Suas palavras tiveram o efeito de uma ducha fria. Jommy não pôde
deixar de ad-
mirar a reação da velha após seu terror. A velha certamente tinha u
m grande domí-
nio de si própria. Ela afastou a mão que lhe tapava a boca e pergunt
ou:
- E agora?
Notou sob seus pés uma ligeira elevação, como uma pequena protu
berância e parou, balançando, perdendo o equilíbrio pela súbita par
ada logo após sua corrida. Procurou cuidadosamente pelo começo d
a seção protuberante que devia ser a borda da
pista de lançamento. Tirou rapidamente a arma atômica do seu pai d
o bolso e seu fogo desintegrador lançou chamas.
Aproximou-
se do buraco de mais de um metro de diâmetro que havia feito e viu
um túnel que penetrava nas profundezas, em um ângulo de aproxim
adamente sessenta graus. Eram cem, duzentos, trezentos metros d
e metal reluzente, e a nave ia
adquirindo forma à medida que os olhos de Jommy iam se acostum
ando à luz fraca.
Era como olhar pelo cano de uma escopeta e ver a ponta da bala qu
e estava a
ponto de ser disparada. A comparação lhe pareceu tão apropriada q
ue por alguns
momentos ficou indeciso sobre o que devia fazer. Tinha dúvida: ous
aria deslizar pela
suave pista quando de um segundo para outro a nave-
foguete poderia lançar-se ao céu?
- Que está fazendo aqui olhando por esse buraco? - grunhiu Granny.
- Onde está a porta que precisamos? Está na hora de...
vel.
Chocaram-
se com a superfície do túnel, quase suavemente, como se tivessem
entrado subitamente em um mundo de progresso lento. A superfície
não era dura e pa-
recia ceder sob seu corpo e ele tinha somente uma vaga noção de
movimento. Mas
seus olhos e ouvidos não se enganavam, o agudo nariz da nave esp
ecial subia para
eles. A ilusão de que a nave avançava rugindo era tão real que teve
que lutar contra o pânico que ameaçava apoderar-se dele.
ça foi que se deu conta de que um pouco mais além, sob o imenso c
orpo do aparelho, via-se uma zona iluminada.
Estava em um dos lados, mais além das cadeiras, e dava para o ext
erior da nave
procedente da sala externa, na qual havia alguns homens. Abriu sua
mente para
qualquer recepção. Instantaneamente ondas chegaram a ele; eram t
antas que filtra-
gem combinada que passava através das defeituosas telas mentais,
lhe aportaram
uma variedade de atitudes, umas ameaçadoras, outras inquietas, m
as todas elas
como se aqueles slans sem tentáculos estivesse ali reunidos espera
ndo por alguma coisa.
- Maldita víbora!
Apesar do seu furor, ou talvez devido a ele, a voz tinha uma vibraçã
o sonora quase bela, e no ato Jommy Cross sentiu-
se vencido. Seu aspecto e o som da sua voz trou-
xeram-
lhe à memória a piedosa recordação da sua mãe, e com uma sensa
ção de de-
samparo soube que jamais poderia apagar da existência aquela mar
avilhosa criatura,
como não pôde apagar a da sua mãe. Apesar da potente arma que
a ameaçava,
como a da garota o ameaçava, soube que estava completamente à
sua mercê. E a
forma como ela havia disparado pelas costas, provava a firme decis
ão que ardia atrás
daqueles olhos cinzentos. Morte! O ódio implacável dos slans sem t
entáculos contra os verdadeiros slans.
Não, não, não podia disparar; não podia apagar a existência daquel
a mulher esqui-
sitamente bela. E não obstante... não obstante, tinha que demonstra
r-lhe que podia fazê-
lo. Permanecia imóvel, estudando a superfície da sua mente, os pen
samentos
apagados que brotavam dela. Via em sua reserva a mesma incompl
eta proteção que
havia observado nos outros slans inimigos, devido sem dúvida à sua
incapacidade de
ler os pensamentos alheios e, por conseguinte, de entender o que si
gnificava uma proteção completa.
Chamava-
se Johanna Hil ory. Era piloto de linha da Linha de Marte, mas aquel
a seria sua última viagem durante alguns meses, já que tinha se cas
ado recentemente
com um engenheiro residente em Marte e esperava um filho, em vist
a do que foi de-
signada para cargos que requeriam menos esforços que a constante
tensão nervosa
da aceleração à qual eram submetidos os viajantes espaciais.
Estava fraquejando. Sua mente não sentia o menor terror, mas tamb
ém carecia totalmente de um plano. Qualquer ideia de ação ficou co
mpletamente afastada do seu cérebro ao dar-
se conta de que estava totalmente dominado. A garota havia lançad
o mão dos seus próprios defeitos para derrotá-lo.
Ela devia saber que sua cortina mental era defeituosa e, com astúci
a quase animal, deixou transparecer sua patética história e fazê-
lo acreditar que jamais, oh, jamais! teria a coragem de sustentar um
a luta até a morte. Agora Jommy via facilmente que sua coragem er
a à prova de aço e que não podia esperar competir com ela
senão após muitos anos.
Obedecendo a uma ordem sua, Jommy afastou-
se para um lado e viu-a recuperar
do chão as duas armas, primeiro a sua e depois a dele. Mas nem po
r um só instante
seu olhar se afastou de Jommy, nem sua mão tivera o menor tremor
enquanto continuava apontando para ele.
Deixou de lado a pequena arma que lhe havia servido para enganá-
lo e voltou a
pegar a primeira e, abrindo uma gaveta que havia sob o quadro de i
nstrumentos, jogou a pistola de Jommy nela sem sequer dirigir-
lhe um olhar. A atitude vigilante que
conservava não deixava em Jommy a menor esperança de poder do
miná-la. O fato
de que não o tivesse matado de imediato podia ser atribuído a que q
ueria falar com
ele. Mas não podia deixar esta possibilidade ao acaso.
- Quinze anos.
- Não.
Com sua voz vibrante, agora tomada pelo triunfo, Johanna prossegu
iu:
Suas palavras eram duras e seu tom era gélido. Mas muito mais am
eaçador que o
tom das suas palavras era o fato de que para aquela mulher nem a
verdade nem a
mentira, nem a justiça ou a injustiça, tinham importância. O mundo d
e Jommy tremia ante a ideia de que se essa imoralidade era a justiç
a slan, estes não podiam oferecer ao mundo nada que sequer pude
sse ser comparado com a simpatia, a bondade
e gentileza espiritual que tão frequentemente havia visto nas mentes
dos seres hu-
- Tenho que confessar que minha razão se sente paralisada por esta
guerra entre
slans e slans sem tentáculos. Será que sua gente não se dá conta d
e como melhora-
ria a posição de todos os slans se quisessem cooperar com as “serp
entes”, como vo-
cês nos chamam? Serpentes! Somente esta palavra é a prova da su
a bancarrota intelectual; denuncia uma campanha de propaganda ch
eia de slogans e frases sem valor.
- Mas com certeza seus chefes poderiam tratar deste assunto com e
les.
sitos, não temos a menor ideia. Não existe maior mistério na face da
Terra.
Jommy Cross deu um olhar de ódio para a mulher. Não havia o men
or sentimento
amistoso nele, nem a menor relação entre a recordação da sua mãe
e ela. Se ela estava falando a verdade, eram os slans sem tentácul
os que deviam-
lhe inspirar simpatia, e não os misteriosos e evasivos slans que trab
alhavam com tão incompreensível
crueldade. Mas, simpatizando ou não, cada uma das suas palavras
demonstrava claramente quão perigoso seria deixar que aquela pod
erosa arma que o mundo tinha
que conhecer, caísse nas mãos daquela raça de ódios infernais. Tin
ha que destruir aquela mulher. Tinha que fazê-
lo! Rapidamente, falou:
Viu que a garota estava olhando para ele, franzindo a testa intensa
mente.
- Esta tinha que ser sua missão - disse Jommy Cross tristemente. -
Fazer as explorações, estabelecer contacto, enquanto meu pai e mi
nha mãe preparavam...
Deteve-
se, com raiva de si mesmo. Não era aquele o momento de reconhec
er que
seu pai havia consagrado sua vida à ciência e que não tinha querido
perder um só
dia em uma pesquisa que sabia ser longa e difícil. A primeira mençã
o à ciência poderia levar aquela mulher astuta e inteligente a examin
ar a arma, que sem dúvida acre-
ditaria ser uma mera variação da sua. Prosseguiu:
O silêncio da espera que se seguiu foi mais aparente que real. Ouvi
a-se o contínuo
e palpitante zumbido dos foguetes, o fraco sibilar do ar contra o casc
o externo, o que
queria dizer que a nave continuava navegando pela espessa atmosf
era da Terra. E
“Jommy, eles vão matar nós dois, mas Granny tem um plano. Faça
um sinal para
me dizer se me ouviu. Bata no chão com o pé. Jommy, Granny tem
um plano para impedir que nos matem”
“Granny tem dois planos. O primeiro é fazer um forte ruído. Isto assu
stará a mulher e você poderá saltar sobre ela e Granny irá ajudá-
lo. O segundo plano é levantar-
se do chão, entrar na sala onde vocês estão e jogar-
me sobre ela no momento
em que passar perto da porta. Ela ficará surpresa e você pode saltar
e subjugá-la”.
Jommy notou que uns minutos antes tinha estado ali sentado e escu
tando ansiosamente as respostas que iam chegando pelo alto-
falante invisível. Eram vozes profundas, de homens; outras mais bo
nitas e vibrantes, de mulher. Mas agora apenas seguia o fio das sua
s discussões. Uma das mulheres queria saber o seu nome. Jommy
via que nem todos estavam de acordo. Demorou um pouco antes de
se dar conta de se dirigiam a ele.
Todos os crimes que ela havia cometido durante sua acidentada carr
eira acudiram
em sua ajuda. Entrou na sala. Com os olhos brilhantes, mostrando o
s dentes, lançou-
se sobre as costas de Johanna Hil ory. Seus braços delgados rodear
am os ombros da
garota. A chama que brotou da arma que Johanna tinha na mão alca
nçaram inutilmente o chão. Depois, como um animal, voltou-
se com força irresistível. Durante um
momento desesperado Granny permaneceu agarrando-
a pelos ombros. Era o momento certo. Jommy deu um salto.
Jommy Cross não perdeu tempo em querer igualar uma força que s
abia ser superior à sua. No momento em que Johanna Hil ory se volt
ou como uma tigresa para ele, assestou-
lhe um rápido e forte golpe na nuca. Era um golpe perigoso, e reque
ria
uma perfeita coordenação de músculos e nervos. Teria podido perfei
tamente que-brar-lhe o pescoço, mas sua destreza limitou-
se a deixá-la sem sentidos. Sustentou-a
quando caía e, enquanto a estendia no chão, sua mente tentou capt
ar a da garota,
tendo sido franqueada a destroçada cortina mental, procurando febri
lmente. Mas as
funcionamento do seu cérebro inconsciente era muito lento, e o calei
doscópio das suas imagens muito apagado.
Começou a sacudi-
la suavemente, observando o rápido torvelinho dos seus pensament
os, enquanto os movimentos físicos do seu corpo sofriam leves mud
anças quí-
- Não há saída - disse. - Tudo isto, a nave, a garota slan, fazem part
e de uma armadilha na qual nada foi deixado ao azar. Há sete cruza
dores de cem mil toneladas
fortemente armados que estão nos dando caça neste momento. Seu
s instrumentos de detecção reagem às nossas placas de anti-
gravidade, de forma que nem a escuridão é uma proteção. Estamos
prontos.
- E então, já decidiu?
- Decidir o que?
- Ainda não estou morto! - exclamou Jommy Cross com viva impaciê
ncia. - Não
resta a menor dúvida de que é muita presunção por parte de um rap
az esperar,
como estou começando a fazer, que deve haver uma forma de sair d
esta armadilha.
Tenho o maior respeito pela inteligência dos slans adultos, mas não
esqueço que seu
povo já sofreu várias derrotas. Por que, por exemplo, se minha destr
uição é dada
como certa, estas naves estão esperando? O que elas esperam?
Johanna Hil ory sorria, com seu belo e enérgico rosto sereno.
- Como você saberá que eu vou dizer a verda... - começou ela, mas
calou-se,
abrindo seus olhos cinzentos, atemorizada ao ver o olhar de Jommy.
- Você espera que..?
A mente de Johanna Hil ory era como um livro grosso que não podia
ser medido,
com um infinito número de páginas para analisar e uma estrutura inc
rivelmente rica
e incrivelmente complexa, embelezada por bilhões de experiências
acumuladas durante os anos, por um intelecto de uma aguda observ
ação. Jommy Cross captou rá-
Não havia a menor inteligência naquele plano. Era uma mera questã
o de confiança em um grande número de canhões.
disto, o que você roubou tem um tal preço que seria o maior desastr
e da nossa história se você escapasse.
Sua pistola automática! Um fator evidente era que eles nem ao men
os suspeitavam dela. Seia inútil, claro, contra as naves de guerra qu
e navegariam atrás deles na
escuridão. Necessitaria de um ano ou mais para construir um projet
or com um raio
suficientemente potente para reduzir aquelas naves a cinzas. Mas u
ma coisa podia
fazer. O que pudesse atingir, seu fogo destruidor desintegraria em át
omos. E por Deus, com tempo e um pouco de sorte teria a resposta!
XI
- Sim, Manan.
Mas Jommy Cross foi mais rápido que ela. Uma fração de segundo
antes que o grito tivesse saído dos seus lábios, seus dedos já havia
m desligado o radio. Então ele voltou-se para ela.
- Não devia ter levantado sua cortina mental. Era toda a advertência
que eu precisava. Mas, claro, eu teria ganho das duas formas. Se vo
cê não tivesse levantado a
cortina mental eu poderia ter captado também o pensamento da sua
mente.
Era o filho do seu pai, herdeiro dos frutos do gênio do seu pai. Que l
he dessem tempo, e ele seria o senhor de um poder irresistível. A su
ave chama de todos esses pensamentos infiltrou-
se em suas palavras quando disse:
- Na verdade posso lhe dizer que de todos os slans que vivem hoje
no mundo, nenhum é tão importante como o filho de Peter Cross. Ao
nde quer que eu vá, minhas
palavras e minha vontade terão influência. No dia em que eu encont
rar os verdadeiros slans, a guerra contra seu povo estará terminada
para sempre. Você disse que
minha salvação seria o pior desastre que poderia acontecer para os
slans sem tentá-
culos; pelo contrário, será a maior das suas vitórias. Algum dia, você
e os seus se darão conta disto.
- E depois disto? Que será dos seres humanos nesse pós mundo? V
ocê consegue imaginar quatro bilhões de escravos perpetuamente?
Parou em seco. Não havia nem sonhado que o limite de tempo seria
tão curto e
que agora teria que depender da tênue esperança psicológica de qu
e a velocidade da
nave enganasse suas suspeitas. Com voz dura, disse:
Jommy olhou-
a com curiosidade, projetando seus pensamentos sobre os da garot
a, sentindo o suave bater das suas pulsações e o estranho tom semi
-amistoso da
sua voz brotando da sua mente. Abriu os olhos. Que propósito estav
a se formando
naquele cérebro frio, insensível, alheio a todo sentimentalismo?
- Mas lembre de uma coisa - prosseguiu Johanna Hil ory, - não deve
esperar ajuda
da nossa parte. Por medida de segurança, devemos considerá-
lo como um inimigo.
Era estranho, agora que havia traçado seus planos para o futuro, su
a vacilação desaparecia.
Era como voar pelo ar, salvo que não havia outra resistência além d
a pressão das
explosões dos foguetes. Os átomos da terra, destroçados e reduzid
os aos seus elementos componentes, perdiam instantaneament
e sua irreal solidez matemática e
ocupavam um espaço tenuemente ocupado pela matéria. Dez milhõ
es de anos de formação coesiva se desvaneceram, convertendo-
se no mais baixo estado da matéria primitiva.
Com o olhar fixo, Jommy contemplava a agulha dos segundos no se
u relógio; dez,
vinte, trinta... um minuto. Começou a levantar o nariz da nave para c
ima, mas a
enorme pressão da desaceleração fazia todo o nivelamento físico im
possível. Transcorreram trinta segundos antes que diminuísse o nú
mero de explosões dos foguetes e o final estava à vista.
Detalhadamente explicou-lhe:
Mas agora tenho que voltar e fechar o túnel. Algum dia eu dotarei es
ta nave de energia atômica e enquanto isto não quero que outros ve
nham até aqui.
Tinha que abandonar aquela cidade durante algum tempo para emp
reender uma
viagem transcontinental e ali poderia encontrar outros slans sem ten
táculos. Da mesma forma que seu pai e sua mãe se haviam conheci
do acidentalmente, a sorte podia depará-
lo com o encontro de outro slan verdadeiro. Além disto, havia també
m a primeira pesquisa que era necessário ser feita, sobre o ainda ru
dimentar plano que ia
tomando forma em sua mente. O plano de pensar o caminho a toma
r para encontrar os verdadeiros slans.
XII
Procurou... e conseguiu. Na tranquila reclusão do seu laboratório no
rancho de
Granny, no vale, os planos e projetos que seu pai havia impresso na
sua mente foram se transformando lentamente em realidade. Apren
deu de cem maneiras diferentes a controlar a energia ilimitada que c
onservava em seu sagrado depósito, para
o bem dos slans e dos seres humanos ao mesmo tempo.
sicos: que a fonte de energia podia ser tão diminuta quanto alguns g
rãos de matéria
e que o efeito não tinha necessariamente que adotar a forma de cal
or. Podia ser convertido em movimento ou vibração, em radiação e,
diretamente, em eletricidade.
A velha história de sempre. Dois dos jornais eram dos slans inimigos
. Era-lhe difícil
observa a sutil diferença, o colorido especial dos artigos, a mesma f
orma como as
palavras eram usadas, as distintas diferenças entre os jornais huma
nos e os dirigidos
pelos slans Dois jornais em sete. Mas aqueles dois eram os de maio
r circulação. Era
uma média normal.
E mais uma vez isto era tudo. Seres humanos e slans sem tentáculo
s. Nenhum terceiro grupo, nenhuma das diferenças que conhecia lh
e indicariam que um jornal era
redigido pelos verdadeiros slans, se sua teoria estava correta. Só re
stava procurar
em todas as revistas semanais, passar a noite como havia passado
o dia, perambu-
lando pelas ruas, analisando casa por casa, cada mente dos transeu
ntes. E naquele
momento, enquanto se dirigia pra a extremidade oriental mais distan
te da cidade, a
tormenta se desencadeou como uma besta feroz no meio da noite e
scura. Atrás dele,
a noite e a tempestade engoliam outra cidade, outro fracasso.
tendo ela desaparecido, Jommy Cross lançou sua nave para diante,
indeciso, quase
amedrontado. Uma nave de guerra e um destroier! Por que? Parecia
indicar uma patrulha. Mas contra quem? Com certeza não contra se
res humanos. Eles não sabiam
nem mesmo que existiam, nem os slans sem tentáculos nem suas n
aves.
Calculou que com uma cota de dois mil hipnotizados ao ano e sem c
ontar com as
novas gerações, podia hipnotizar os quatro bilhões de pessoas em d
ois milhões de
anos. Inversamente, dois milhões de slans poderiam fazê-
lo em um ano, contanto
que possuíssem o segredo dos seus cristais.
XIII
Sentia-
se triste. Durante semanas inteiras havia estado esperando a reuniã
o do
Conselho que reclamaria a presença de Kier Gray e lhe daria livre a
cesso ao seu es-
túdio... e agora este torpe incidente. Pela primeira vez Kier Gray hav
ia ido ao quarto da garota em vez de chamá-
la para o seu. Com todas as outras saídas guardadas,
seu único caminho de fuga estava cortado.
- Claro que ela sabia - interveio John Petty. - E este final inesperado
foi para ela uma desagradável surpresa.
Na mente superficial de Kier Gray não havia nenhuma ideia que indi
casse que ele queria falar. Seu olhar fixou-
se na garota com uma firmeza desnecessária.
- Você supõe com excessiva facilidade, Kathleen, que não posso pro
tegê-la. No conjunto, me parece o melhor plano.
Kathleen olhou-
a desolada. Kier terminou sua virtual sentença de morte, mas sua
vez já não era suave e sim autoritária, decidida.
- Você reunirá suas roupas e seus pertences e se aprontará para sai
r do palácio dentro de vinte e quatro horas.
Tudo isto significava, portanto, que sua decisão havia sido tomada d
e antemão e
que, por conseguinte, toda discussão teria sido inútil. Deu-
se conta que John Petty
também estava surpreso. O homem franzia o cenho diante da sua vi
tória fácil. A superfície do seu cérebro vibrava sob uma leve sensaçã
o de contrariedade, e tomou a
súbita decisão de esclarecer o assunto. Ele deu uma olhada ao redo
r do local e finalmente fixou-se sobre a mesa.
Kier Gray fixou nela seus olhos frios. Coisa estranha, a superfície da
sua mente parecia mais calma e tranquila que nunca. Viu que não e
stava irritado, mas sim que ele
estava rompendo, fria e definitivamente, com ela.
- Vá para seu quarto arrumar suas malas e espere por novas instruç
ões.
Kathleen já se dispunha a sair quando John Petty interveio.
Ao sair do quarto, Kathleen fechou sua mente para as dos dois hom
ens e dirigiu-se
correndo para seu quarto. Não tinha o menor interesse pelo hipócrit
a plano de assassinato que pudessem estar tramando o Chefe do G
overno e seu verdugo. O caminho
a seguir estava claro. Abriu a porta que dava para um dos corredore
s principais, fez um sinal ao guarda que lhe respondeu saudando-
a rigidamente... e dirigiu-
se lentamente para o elevador mais próximo.
Duas horas depois voando para o sul, chegou ao refugio dos slans q
ue havia escolhido. Depois pôs o avião no automático e viu quando
este empreendeu sua rota
para o leste. Durante os dias que se seguiram, esperou impaciente
mente por um carro, mas somente quinze dias depois um longo e afi
lado automóvel negro apareceu
por trás de um grupo de árvores, seguindo pela estrada antiga e diri
gindo-se para
ela. Seu corpo ficou tenso. Fosse como fosse, tinha que deter aquel
e homem, dominá-lo e apoderar-
se do carro. A Polícia Secreta já devia estar procurando-a; tinha que
partir dali e já. Com o olhar fixo no carro, esperou.
XIV
Dirigiu-
se para a zona que tinha ordem para circundar e em pouco tempo a
bandonou a estrada principal e, seguindo outra secundária, chegou
a um vale cheio de árvores e subiu em uma colina alta. A manhã tinh
a sido cinza, mas ao meio-dia o sol
saiu, brilhando gloriosamente no profundo céu azul.
Sem janelas e sem pintura, o velho edifício parecia olhá-lo sem vê-
lo. O celeiro estava quase em ruínas e suas duas portas, uma pend
ente de suas dobradiças e a outra caída no chão. Seu olhar se fixou
por um instante na garagem, depois mais para
diante ainda, pensativo. Por todas as partes reinava uma sensação
de alguma coisa
morta há muito tempo...e, entretanto, era diferente. A sutil diferença f
oi crescendo
nele, aumentando o interesse da sua observação. A garagem pareci
a estar a ponto
de cair, mas era por sua arquitetura, por seu estado. Misturados co
m os objetos de construção, viam-se pedaços de metais duros.
E era um slan!
Jommy sorriu ante a recordação e abriu sua mente para ela. E então
balançou a ca-beça.
- Não, não imediatamente. Eu li em sua mente que na cidade subter
rânea existe
uma maquinaria que eu gostaria de ver. Não se preocupe com o peri
go - disse sorrindo para tranquilizá-
la. - Tenho armas que os humanos não podem igualar e este carro é
um meio infalível de fuga. Pode levar-
me praticamente a qualquer lugar. Espero
que haja lugar para ele no subterrâneo.
“Não acho que devamos ficar aqui. Vejo em seu pensamento que vo
cê possui armas maravilhosas e que seu carro é feito de um metal q
ue você chama de aço de
dez pontos. Mas você tem uma tendência demasiada a subestimar o
s seres humanos. Não deve fazer isto! Em sua luta contra os slans,
homens como John Petty têm
um cérebro de um poder anormal e ele não se deterá diante de nad
a para me destruir. Agora mesmo, sua rede deve estar se fechando
estreitamente sobre os diversos
refúgios onde eu poderia me esconder”.
- Continue.
- Tudo o que eu fiz - explicou Jommy Cross - foi baseado na grande
descoberta da
primeira lei da energia atômica realizada por meu pai, a concentraçã
o como oposição
ao velho método de difusão. Pelo que eu sei, meu pai jamais suspeit
ou das possibili-
E prosseguiu:
Sei que ele está vigiando este local, mas que não devemos deixar-
nos assustar por
isto. Desta vez ficaremos somente até que escureça, o tempo de me
permitir examinar a maquinaria. No carro há comida, que poderemo
s preparar quando tivermos
dormido um pouco. Dormiremos no carro, claro, mas primeiro a maq
uinaria...
Jommy ficou em silêncio, mas não podia ocultar o curso das suas re
flexões para Kathleen.
- Eu não queria que você tivesse lido isto antes em meu pensament
o - disse Jommy em tom decidido, - mas a principal razão pela qual
não quero sair daqui é que
até que você tenha mudado seu rosto e ocultado seus tentáculos so
b um cabelo falso, tarefa bastante difícil, o lugar mais seguro é aqui.
Todas as estradas estão vigia-
das. A maioria sabe que perseguem um slan e têm sua fotografia. E
u me afastei da estrada principal com a esperança de encontrá-
la antes deles.
- Ainda faltam sete horas para que escureça - disse Jommy sorrindo
tristemente, -
E isto apesar do ódio dos humanos, do esforço que fazem para nos
aniquilar. Não
posso acreditar que nós quatro sejamos exceções, por conseguinte
deve haver alguma explicação razoável para os monstruosos atos q
ue são atribuídos aos verdadeiros
slans. É provavelmente muita presunção da minha parte, na minha i
dade e com minhas limitações - acrescentou, - ter uma opinião sobr
e este ponto e por outro lado
creio que até agora foi um fracasso completo. E também não devo f
azer nenhuma jo-
gada arriscada até ter tomado medidas mais defensivas contra os sl
ans inimigos.
Era curioso, mas Jommy teria preferido que não se tocasse mais ne
ste ponto. Embora ocultasse seus pensamentos, acabara de ter a pr
emonição de um grande perigo, tão grande, que a lógica o descarta
va. A vaga reminiscência que dele restava o fez dizer:
Como era delicioso poder entrelaçar seu pensamente com outro que
simpatizava
tão intimamente com ele e que pareciam ser um só, e perguntar e re
ceber respostas,
e trocar impressões com aquela voz silenciosa que o frio emprego d
as palavras não poderia jamais conseguir!
“Existe algo mais que isto, Jommy. Temos vivido toda nossa vida soz
inhos, em um
mundo de homens diferentes de nós. Vamos compartilhar esperanç
as e dúvidas, perigos e vitórias. Encontrar a bondade no final é uma
grande alegria, mas encontrar a
todos os demais slans não será a mesma coisa. Acima de tudo, criar
emos um filho.
Ele achava que sim, e eles tinham a noção destra grande felicidade.
Mas quando
adormeceu, aquela felicidade não se achava presente; somente sen
tia em sua frente
um abismo do qual se aproximava vendo sua profundeza sem fim. D
espertou sobres-
saltado. Olhando ao redor, viu o lugar onde Kathleen havia estado s
entada, mas o lugar estava vazio. Sua mente exaltada, ainda na mar
gem do sonho, vibrou:
“Kathleen”.
Esta era uma linha de conduta à qual Kathleen teria que se acostum
ar. A ousadia
de levar a cabo uma determinada missão frente ao perigo era uma c
oisa, o descuido era outra.
- Ali embaixo - disse ela, apontando para uma fileira de portas com o
braço.
- A que distância?
- A uns trinta metros. Jommy, estou vendo como você está inquieto -
acrescentou,
Viu Kathleen entrar por uma porta e calculou que estava a uns duze
ntos e cinquenta metros e já se dispunha a sair do carro quando che
gou à sua mente uma chamada, urgente, alta, vibrante:
“Ah, então é Kathleen! - dizia John Petty com fria satisfação. - E ape
nas no quin-
quagésimo sétimo esconderijo que visitei! Eu o fiz pessoalmente, cla
ro, porque poucos outros seres humanos seriam capazes de impedir
que você fosse avisada da sua
aproximação. Além disto, esta é uma missão que não pode ser confi
ada a ninguém
Que lhe pareceu a psicologia de abrir estas entradas secretas na co
zinha? Pelo visto,
os slans também levam seus estômagos quando viajam...”
“Jommy, depressa!”
O disparo repercutiu em seu cérebro. Durante um terrível momento
de intolerável
tensão, a mente da garota deteve a morte que a bala em seu cérebr
o havia causado.
“Oh, Jommy... e poderíamos ter sido tão felizes!... Adeus, meu amor.
..!”
XV
Jommy Cross não sentiu ódio, nem dor, nem esperança. Sua mente
limitou-se a
captar impressões e seu corpo superlativamente sensível reagiu co
mo a perfeita má-
quina física que era. Seu carro parou subitamente e viu a figura de J
ohn Petty de pé ao lado do corpo contorcido de Kathleen.
“... modelo 7500, base 200 polegadas... tipo normal 7, cabeça 4, que
ixo 4, boca 3,
olhos castanhos, tipo 13, sobrancelhas 13, nariz 1, bochechas 6... c
âmbio!”
Johanna Hillory, que fez um estudo muito detalhado desta víbora, foi
de-
signada para isto. Sob sua direção serão exploradas todas as regiõe
s de
cada continente, já que pode haver pequenas zonas na Terra, como
vales,
pradarias e distritos agrícolas onde ainda não tenhamos penetrado.
Essas seções devem ser cercadas, estabelecendo-
se células policiais em cada uma delas.
XVI
Nada escapava aos seus sentidos. A vinte milhas dali, onde estava
escondida sua
nave espacial, as ondas de calor flutuavam entre as subidas das coli
nas. Mas nenhum calor poderia impedi-
lo de ver a quantidade de imagens que nenhum olho humano teria p
odido perceber. Os detalhes apareciam claramente ali, onde há algu
ns anos atrás só teria percebido uma imagem apagada.
- Granny! - gritou Jommy, - será que não pode refrear seus instintos
criminosos?
A velha olhou para ele e o olhar de desafio que apareceu no seu ros
to lembrou a velha Granny de outros tempos.
- Que besteira! Faz noventa anos que venho matando esses maldito
s diabos e minha mãe os matava também antes de mim.
Seu riso soava senil. Cross franziu ligeiramente o cenho. Granny ha
via se recupera-
do fisicamente sob aquele clima benigno da costa ocidental, mas Jo
mmy não estava
contente do restabelecimento hipnótico da sua mente. Ela era muito
velha, claro,
mas o emprego de certas frases, como a de que “sua mãe também
havia feito isto
antes”, era muito mecânico. Ele havia impresso aquela ideia em seu
cérebro, em primeiro lugar, para preencher um enorme vazio deixad
o pela anulação das suas recordações, mas por um desses dias teri
a que tentar de novo.
Começou a afastar-
se e foi naquele momento que o aviso chegou à sua mente, um
ligeiro pulsar de distantes pensamentos exteriores. “Aviões!”, pensa
vam as pessoas.
“Quantos aviões!”
E então viu os aviões. Diminutos pontos negros que vinham por cim
a da montanha
e se dirigiam para ele. Como uma lagosta que ataca, sua mente se l
ançou na captura
dos cérebros dos pilotos e as tenazes cortinas mentais dos slans ini
migos receberam
o impacto da sua investigação. Com um puxão, arrancou Granny da
terra e meteu-se
com ela na casa. A porta de aço de dez pontos do edifício, construíd
o do mesmo metal, fechou-
se no mesmo instante em que o reluzente transporte de propulsão a
jato
pousava no jardim como uma gigantesca ave, entre os maciços de fl
ores de Granny.
- Um avião para cada fazenda. Isto quer dizer que eles não sabem e
xatamente em
qual delas eu estou. Mas agora as naves espaciais virão para termin
ar o trabalho.
Bem, uma vez que a situação havia chegado àquele extremo, era ob
vio que se via
obrigado a levar seu plano até o limite. Sentia uma confiança absolu
ta e não havia nele nem sombra de dúvida.
gredo.
Aproximou-
se do quadro de instrumentos que cobria toda a parede posterior do
laboratório e acionou um interruptor. As agulhas assinalaram a prese
nça de uma nave
de guerra em frente àquela montanha que estava se dissolvendo, u
ma nave que estremecia sob sua vida mecânica, penetrando mais e
mais profundamente na terra e ao mesmo tempo dirigindo-
se infalivelmente para o laboratório. As diferentes esferas
começavam a marcar loucamente, passando do zero ao máximo, os
cilando, detendo-
se. Mas elas também revelaram a presença de projetores atômicos
emergindo do
solo onde durante tanto tempo haviam estado ocultos, e no moment
o em que acionou o comando dos instrumentos de precisão que hav
ia ambicionado por toda sua
vida, vinte canhões invencíveis dispararam com uma sincronização
perfeita.
E também não queria destruir aquela nave, porque não queria matar
os slans sem
tentáculos que havia a bordo dela. Porque, depois de tudo, represen
tavam uma raça,
uma lei e uma ordem que ele respeitava. E sendo como eram, uma
grande raça, uma raça afim da sua, mereciam piedade.
Antes de por suas ideias a claro, a vacilação passou. Cross apontou
sua bateria de
armas sincronizadas para o centro daquele imento ciclotron. Seu pol
egar apertou o
botão e os 800 metros da nave em forma de espiral pareceu encolh
er-se como um
elefante atingido por um golpe certeiro. Estremeceu como um berga
ntim atingido por
um furioso temporal. No mesmo instante, quando tudo se acalmou,
Jommy pôde ver
o céu através de um imenso orifício e se deu conta da sua vitória.
Cinco minutos depois que eu tiver partido, você vai sair da mesma f
orma como en-
tramos, fechando todas as portas metálicas. Depois se esquecerá d
este laboratório
pois ele vai ser destruído e portanto você pode perfeitamente esque
cê-lo. Se alguém
lhe interrogar, você se mostrará senil, mas nas demais ocasiões ser
á normal. Vou deixá-
la correr este perigo sozinha porque já não estou certo, apesar de to
mar minhas precauções, se vou sair com vida desta vez.
Era importante não ficar visível até que os slans se dessem conta de
que ele já não
estava no vale e iniciassem sua fútil perseguição. Mas, antes tinha q
ue fazer uma coisa.
Sua mão acionou um interruptor. Fixou seu penetrante olhar na plac
a visual, a qual
lhe revelou o vale que ia se distanciando, e em cujo verde solo podi
am-se ver alguns
pontos que lançavam chamas brancas de um estranho resplendor.
Dentro da terra,
cada arma, cada aparelho atômico estava se consumindo. O metal d
e todas as casas
estava se fundindo sob a devoradora violência da energia.
vel.
Era a entrada de uma mina e a luz que provinha da casa onde vivia
m quatro slans
inimigos que vigiavam seu funcionamento, movido inteiramente por
uma maquinaria
automática. Já quase havia escurecido quando Cross regressou à s
ua nave, convencido de que havia encontrado o que queria.
examiná-
lo. Seus pensamentos voaram para a superfície da mente de Jommy
.
“É curioso! Este cristal não estava aqui esta manhã - pensou. - Talve
z alguma rocha tenha se desprendido e o cristal estivesseva por trás
dela”.
Cross precipitou-
se para ele e em poucos minutos tirou o homem do barranco, fora
de todo possível alcance de voz da mina. Mas mesmo durante aquel
es minutos sua
mente procurava através da cortina mental protetora do desconheci
do. Era uma trabalho lento, porque procurar no cérebro de um home
m sem sentidos era como andar
na água: havia muita resistência. Mas subitamente achou o que proc
urava: o corredor aberto pela aguda percepção do homem da forma
do cristal.
- Suponho que você sabe o que está fazendo - prosseguiu Mil er, -
mas não sei o que pode ganhar controlando meu cérebro.
Subitamente Mil er se deu conta de quão estranha era aquela conve
rsa na escuridão do barranco, sob o céu negro coberto pela neblina.
Somente uma das luas de
Marte era visível, como uma vaga forma branca que brilhava na dist
ante abóboda ce-leste. Rapidamente o homem disse:
Parou porque Mil er estava rindo suavemente. Sua mente e voz esta
vam dizendo:
- Homem, isto eu posso lhe dizer agora mesmo. Todos foram desco
bertos desde
que sua descrição foi publicada há alguns anos e todos estão sob o
bservação. São homens casados e...
- Continue!
- Continue!
- Deveria haver uma lei que condenasse os que podem ler pensame
ntos - disse
Mil er torpemente. - Felizmente os receptores de Porgrave o descob
rirão - terminou,
com um melhor humor. - A rádio de Porgrave emite pensamentos e
os receptores os
recebem. Em Cimmerium há um a cada passo, em todos os edifício
s, casas, por todas as partes. São nossa proteção contra os espiões
das víboras. Um pensamento in-discreto e... pronto!
- Mais uma pergunta, e quero que sua mente lance uma série de pe
nsamentos sobre este ponto. Necessito de detalhes. Até que ponto
é iminente o ataque à Terra?
Não podia haver pressa no que Cross sabia que tinha que fazer ant
es de se atrever
a entrar em Cimmerium. Tudo tinha que ser planejado, uma quantid
ade quase ilimitada de detalhes laboriosamente preparados. A cada
quatro dias - no dia de folga, -
Corliss vinha à caverna, indo e vindo, e enquanto as semanas trans
corriam, sua mente ia se esvaziando das suas memórias, dos detalh
es. Finalmente Cross estava pronto
e no sétimo dia de descanso seus planos foram postos em ação. U
m tal Barton Corliss permanecia na caverna em um profundo sono hi
pnótico e o outro tomava a pequena nave listrada de vermelho e se
dirigia rapidamente para a cidade de Cimmerium.
XVII
Cross olhou tristemente para as placas visuais. Aos seus pés tinha r
ochas abruptas
e inimaginavelmente desertas. As rachaduras já não formavam estre
itos riachos. As
rochas se estendiam em todas as direções como animais emboscad
os. Vastos vales
criavam vida; as rachaduras mostravam profundezas insondáveis e
se elevavam formando montanhas abruptas. Aquela extensão imprat
icável era o único caminho que
poderia tomar se pretendia escapar, porque não havia nave captura
da, por grande e
formidável que fosse, que pudesse esperar fugir da guerra que os sl
ans inimigos podiam lançar entre ele e sua nave indestrutível...
Restava uma certa esperança, claro. Tinha uma pistola atômica con
struída em forma parecida com a de Corliss, que lançava uma desca
rga elétrica, até que o mecanismo de descarga de energia atômica e
ra acionado. E a aliança de matrimônio que
tinha no dedo era uma cópia da de Corliss, com a única diferença qu
e continha o
menor carregador atômico que jamais tinha sido construído e era de
stinado, como a
pistola, a desintegrar o que se pusesse em contato. Duas armas e u
ma dúzia de cristais para deter a guerra das guerras!
O solo que passava sob sua nave aérea ia ficando cada vez mais de
serto, uma
água negra, plácida e oleosa formava poças sujas no fundo daquele
s abismos primitivos formando o princípio daquele oceano sem bele
za que era o Mare Cimmerium.
Subitamente viu uma coisa fora do normal. Sobre uma meseta mont
anhosa à sua
direita estava uma grande nave de guerra parecida com um tubar
ão negro. Um
quantidade enorme de canhoneiras estava sobre a rocha nua ao se
u redor e, como
uma manada em uma pastagem aérea, estavam meio ocultas nas a
nfractuosidades
daquela terra morta. Ante seu penetrante olhar a montanha se transf
ormou em uma
imponente fortaleza de rocha e de aço. Aço negro incrustado na roc
ha negra com gigantescos canhões elevando-se para o céu.
A cidade estendia-
se por uma planície que chegava até a costa escarpada de um
braço de mar. O vidro reluzia sob o sol com um resplendor branco e
ardente que lan-
çava chamas de fogo sobre a superfície das águas . Não era uma gr
ande cidade, mas
era o máximo que podia ser naquela terra desabitada. Erguia-
se temerariamente
mesmo sobre a borda dos incontáveis abismos que abarcavam sua
abóbada de vidro.
Seu diâmetro mais largo era de cinco quilômetros e na parte mais es
treita podia alcançar três e dentro dela viviam duzentos mil slans, se
gundo as cifras que lhe haviam fornecido Corliss e Mil er.
- Leve-
o ao laboratório e faremos a parte física do reconhecimento - disse o
mais jovem dos homens. - Pegue a pistola dele, Prentice.
Entretanto, o próprio fato de que pela primeira vez foi necessário adi
ar o
exame de um homem parecido com Cross, requer que os peritos trei
nados
nos reconhecimentos preliminares não se afastem do seu lado nem
um segundo. Se procederá então desta forma até novas ordens. No
elevador há um carro esperando.
quinas. O controle que ele tinha sobre a mente reduziria esta ameaç
a.
Cross saiu decidido para o largo corredor de mármore e viu uma mul
her com uma capa branca.
lo entrar, Cross, temos que fazer um teste simples que há anos não
usamos, porque
carece de dignidade e porque temos outros testes igualmente efetiv
os.
- Vamos - disse Cross sorrindo, - creio que você verá que o cabelo é
verdadeiro.
A paciente não era visível, mas havia uma longa caixa de metal com
o um ataúde, em
que uma das extremidades estava voltada para a porta e a outra era
invisível, mas
Cross sabia que a cabeça da mulher devia estar aparecendo nesta.
“Luta... ocupação...”
- Johanna é a única entre nós que passou algumas horas com Cros
s - disse. - Foi
nomeada Comissária devido a isto e aos seus subsequentes estudo
s sobre ele. É ela
quem controla a frutuosa busca do seu lugar de refúgio e foi ela que
m também pre-
viu o fracasso do ataque com o ciclotron. Escreveu também um long
o relatório explicando com os menores detalhes as horas que passo
u em sua companhia. Se você é
Cross, ela o reconhecerá imediatamente.
Na Terra, ele havia ouvido dizer que o segredo dos materiais que ha
viam servido
para fabricar os muros do grande palácio havia se perdido. Mas ali,
naquela cidade
oculta dos slans inimigos sua glória era vista em todo seu esplendor.
Havia uma rua
de cores suaves e alternadas, e a magnífica realização daquela idad
e de ouro dos ar-
quitetos, formando edifícios perfeitos que tinham vida, com a tem a
música. Ali havia, e não se pode aplicar outro nome porque não con
hecia nenhuma outra palavra
que se amoldasse, o maravilhoso equivalente em arquitetura da mai
s alta forma da música.
E não havia nenhum, nem o menor sinal de uma mente que se delat
asse por um
sussurro; nem um cérebro que ele não soubesse que seu dono era
um slan sem tentáculos. Sua convicção de que eles tinham que esta
r ali estava destroçada, como estaria pelo resto da sua vida. Onde q
uer que estivessem os verdadeiros slans, sua
proteção era à prova de slans, sem dúvida alguma, pela lógica. Mas
neste caso, claro, a lógica dizia que os garotinhos-
monstros não eram criados por pessoas normais.
O solo de uma centena de passos que ele teve que percorrer até ch
egar à porta,
lhe pareceu de uma dureza estranha. O escritório de Johanna e
ra confortável e
quase luxuoso, com um aspecto mais de boudoir feminino que de e
scritório. Havia
estantes com livros, um sofá de tons suaves, cadeiras pneumáticas
e um grosso tapete. E finalmente uma vasta mesa atrás da qual esta
va sentada uma mulher jovem, bela e altaneira.
Observou com certa curiosidade que seu olhar tinha uma expressão
um pouco ansiosa, o que lhe pareceu fora de lugar. Sua mente se c
oncentrou e o poder de coordenação da sua mente logo transformou
sua expressão facial em triunfo e em alegria
autêntica. Seu cérebro pressionou intensamente a cortina protetora
de Johanna, as-
- Com quem mais você quer se casar? - preguntou. - Uma vida norm
al deve incluir
o matrimônio. Não sei nada, claro, das suas relações com Kathleen
Layton, salvo que
presenciou sua morte, mas o casamento com várias mulheres ao m
esmo tempo não
é uma coisa inusitada na história slan. Claro, existe o problema da
minha idade...
Cross riu-
se da veemência da garota e sentiu estranheza ante a súbita mudan
ça
dos acontecimentos, agora que estava certo de ganhar. Durante ano
s inteiros havia
vivido de nervos e de fria determinação. Subitamente, uma parte da
determinação
quina leu:
Fragmentos do diário de Samuel Lann, 1 de junho de 2071:
“2 de junho de 2071”
7 de junho de 2073:
31 de maio de 2088:
Outra seleção:
18 de agosto de 2090:
- Você viu. Não há nem nunca houve uma máquina criadora de slan
s. Todos os
slans são metamorfoses naturais. A melhor entrada no palácio, para
seus propósitos
Cross notou o olhar interrogativo que Johanna lhe dirigia e sua testa
franziu-se.
- Nós saímos do caminho - disse Johanna Hil ory. - O que sabe sobr
e as fortifica-
ções?
XVIII
O rio parecia mais largo do que quando Cross o vira na última vez.
Cross observava inquieto através dos quatrocentos metros das suas
turbulentas aguas as manchas
de luz e sombra formadas na superfície pelas luzes do palácio. Nos
trechos de grama
da margem ainda havia restos de neve quando Cross tirou a roupa e
meteu seus pés na água fria.
Sua mente estava quase vazia. Então lhe ocorreu o irônico pensam
ento de que era
um homem nu contra todo um mundo, era um triste símbolo da ener
gia atômica que
controlava. Havia tido muitas armas e não fez uso delas quando pôd
e. E agora levava
aquele anel no dedo, com seu diminuto gerador atômico e seu mesq
uinho alcance de
setenta centímetros, único produto dos seus anos de esforço que ha
via se atrevido a levar consigo para a fortaleza.
- Capitão!
Ficou olhando-
os atentamente enquanto desapareciam na escuridão. Vestido com
o uniforme do capitão, saiu para a zona iluminada. Três metros, seis
, dezoito... viu a
fonte que procurava, com seus cintilantes jatos d'água. Mas havia m
uita luz artificial,
muitas mentes ao seu redor, uma confusão de vibrações que criaria
m uma interferência na onda mental que estava procurando, se é qu
e ainda se encontrava ali depois daquelas centenas de anos. Se nã
o estivesse ali, que Deus o ajudasse...
Não era coragem o que lhe faltava, era tempo. Trinta metros para o
norte, na dire-
Uma duzia de luzes giratórias que via sobre sua cabeça foram reduz
indo o círculo e
se converteram em uma só lâmpada que lançava um triste brilho; u
ma luz fraca,
quase inútil, que brotava do teto e se perdia antes de chegar ao solo
. Cross se pôs
de pé e viu um sinal na parede que estava alto o suficiente para ficar
iluminado pela luz. Espichou-se e leu:
O pó as escurecia.
Cross agachou-
se no meio da penumbra e passou os dedos pelo chão e verificou
que um espesso tapete de pó o cobria. Procurou para ver se encontr
ava pegadas que
denotasse que o corredor havia sido recentemente usado, mas só c
onseguiu sentir a
capa de pó, de pelo menos uma polegada de espessura, acumulado
durante muitos anos.
ças, havia sido fixada ali, mas agora o perigo era mais real. Os sere
s humanos sabiam onde procurar a entrada secreta. Antes que eles
a descobrissem ele tinha que,
desafiando toda lei slan, penetrar no palácio e chegar a Kier Gray.
- Então você foi agarrado? - disse Kier Gray. - Não foi muito inteligen
te.
Um verdadeiro slan!
havia vivido com Kier Gray sem suspeitar da verdade. Ela carecia d
e experiência, claro, com as cortinas mentais. E lá também havia Jo
hn Petty com um tipo semelhante
de cortina para produzir a confusão, porque John Petty era humano.
Quão habilmente o ditador havia imitado a forma humana em busca
de proteção!
- Não sei se a palavra pode ser aplicada a um homem que não tem t
entáculos e não pode ler os pensamentos, mas sim, sou um slan.
Uma vez que soube que os verdadeiros slans não eram na realidad
e o governo oculto dos slans sem tentáculos, era inevitável que gov
ernassem no mundo dos homens,
apesar do que achava Kathleen e das imagens dos raios X dos slan
s inimigos mostrando Kier Gray como possuidor de um coração e de
outros órgãos não slans. Entretanto ali subsistia ainda um tremendo
mistério. Moveu a cabeça, perplexo.
Cross olhava friamente para Kier Gray. Este não suspeitava visivelm
ente da sua
identidade nem sabia quão próximo estava o ataque dos slans sem t
entáculos. Demorou muito tempo para responder.
meos ou, pelo menos gêmeos. Hoje acontecem muitos poucos parto
s múltiplos. O filho único é a regra geral, a maré se retirou. A parte q
ue a natureza tomava no mundo cessou, só resta a inteligência para
levá-la adiante. E foi aqui que se apresentou a dificuldade.
Durante aquele período sem nome os slans eram caçados como fer
as selvagens. É
A palavra “fuga” era uma tênue descrição da maior tragédia que Cro
ss jamais havia presenciado. Evidentemente, aquele homem era ain
da mais indiferente que ele
diante da morte. Antes que pudesse fazer algum comentário, Kier Gr
ay prosseguiu:
- Minha própria esposa, que era uma verdadeira slan, caiu vítima da
Polícia Secreta
de uma forma diferente, se bem que igualmente triste, salvo que no
seu caso eu não
estive presente até muito depois... - parou de falar e durante um lon
go instante permaneceu contemplando-
o, com olhos tristes, e toda sua indiferença havia desaparecido. - E
agora que eu lhe falei tantas coisas - disse subitamente - ...qual é o
segredo do seu pai?
- Posso falar disto com mais detalhes mais tarde - disse Cross com
simplicidade. -
Estava tão absorto naquela conversa que foi colhido pela surpresa q
uando a porta novamente se abriu.
Entrou uma garota jovem e alta. Seus olhos lançavam chamas, tinha
um corpo delicada e esbeltamente modelado e seu rosto era de um
a suave e completa beleza. Ao vê-
la, os músculos de Jommy ficaram rígidos, seus nervos ficaram tens
os e um calafrio percorreu todo seu corpo. Se, à medida que seu as
sombro crescia, pensasse com
uma lógica afiada, teria se dado conta disto pela forma como foi rep
arada a cabeça
destroçada de Corliss no distante Marte. Naquele momento teria co
mpreendido que
Kier Gray era um verdadeiro slan. Devia ter adivinhado, conhecendo
os ódios e as in-
vejas que reinavam no palácio, que somente a morte, e um secreto r
egresso da morte, poderia conservar, definitiva e efetivamente, Kathl
een a salvo de John Petty.