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MAÇONARIA: conservadora ou progressista?

Ivan A. Pinheiro 1
INTRODUÇÃO
Há dias li um texto deveras interessante não só porque pertinente aos
fundamentos e às bases da Ordem, mas sobretudo porque me trouxe dúvidas e, a
meu juízo, dá margem à polêmica. Trata-se do ensaio “Conservadorismo x Maçonaria”
publicado em No Esquadro2 e, posteriormente, em O Malhete, da autoria do Prof. K.
Ismail (2022), pesquisador que frequentemente cito em meus ensaios, o que de pronto
pois, não deixa margem a dúvidas quanto a minha admiração pelo seu trabalho.
Ora pelas restrições que os editores impõem aos autores, mas também pela
falta do hábito de leitura3 que caracteriza o maçom-tipo (o texto de A. G. Mackey, de
1875, infelizmente, permanece atualíssimo), de regra os escritores são levados a
produzir textos muito reduzidos (três ou quatro, mas não mais do que seis páginas)4,
o que traz implicações que, se um lado podem ser vistas como decorrências naturais
(e por isso deveriam contar com o entendimento e a compreensão dos leitores), de
outro não deixam de ser indesejáveis porque podem sacrificar e até mesmo distorcer
a mensagem. Textos enxutos não permitem explorar a fundo qualquer assunto, e
tampouco sugerir leituras complementares, pois quanto mais citações e referências,
menos espaço para o autor desenvolver a tese desejada e em seus próprios termos.
Nessas condições é muito difícil, alguns (como eu) creem impossível, introduzir a
problematização, apresentar as variadas perspectivas que a matéria comporta,
dialogar com os autores consultados, optar por uma ou outra abordagem com as
devidas justificativas à luz dos alcances, limitações e contribuições para, finalmente,
quando for o caso, chegar a alguma conclusão. Assim, os textos curtos raramente
esclarecem, quando muito chamam a atenção pois o propósito é antes despertar a
curiosidade do leitor e assim induzi-lo a consultar as obras citadas e referenciadas.
Todavia, em razão dos hábitos já comentados, não raro o leitor acredita já estar
suficientemente esclarecido (acerca da “verdade”) tão somente a partir do texto

1
Mestre Maçom (licenciado) do Quadro da ARLS Mário Juarez de Oliveira, 4547, GOB-RS; da LEP Universum, 147,
GLMERGS; da Loja de MESA Victor Meirelles; e Membro Correspondente da Academia Maçônica de Letras,
Ciências, Artes e Ofícios do GOB-BA. O autor se expressa como livre pensador, seus pontos de vista são
absolutamente pessoais, não representam as Potências, Obediências e Lojas das quais participa, razão pela qual
não raro se manifesta também com o recurso à primeira pessoa do discurso. Por fim, agradeço a leitura prévia e
os comentários de dois Irmãos; todavia, não os identifico para que não sejam associados ao caráter opinativo do
conteúdo que segue. E-mail: ivan.pinheiro@ufrgs.br. Porto Alegre-RS, 19.03.22.
2
Disponível em: https://www.noesquadro.com.br/uncategorized/conservadorismo-x-maconaria/. Acesso em:
13.03.22.
3
O Prof. Kennyo também possui estudos que confirmam esta afirmação.
4
Eu já passei por duas situações: 1) tive texto elogiado porém recusado com a justificativa de que ultrapassava
a expectativa de páginas; mas também 2) já tive texto (bem) maior que foi particionado para publicação em duas
edições consecutivas, e neste caso torno público: pela A Trolha (PINHEIRO, 2020, 2021). A maioria dos editais, e
reconheço que não sem motivos, estabelece limites ao número de páginas; comportamento análogo se verifica
com os periódicos, talvez porque devem compartilhar as páginas (limitadas) com os patrocinadores e matérias
de divulgação social e algumas com entretenimento. Nem sempre, mas por vezes o número de páginas tem a
primazia sobre a qualidade dos trabalhos.

1
diminuto recém lido, alguns a ponto mesmo de sair propagando o seu conhecimento
pois, mais uma vez recorrendo à Mackey (op. cit.): “É exclusivo do maçon [sic] esta
falta de modéstia”!
E se a essas características (que também são dificuldades intrínsecas) dos
textos reduzidos, o autor na ânsia de enriquecer a sua contribuição trouxer múltiplos
conceitos que per se já encerram dificuldades semânticas que não são evidentes para
a maioria dos leitores, alguns até mesmo confundidos como se fossem sinônimos,
estarão então reunidas as condições para a “tempestade perfeita”.
(deixo a critério dos leitores a formação do juízo acerca da contribuição que um
texto de até três ou quatro páginas - que caracteriza a maioria dos trabalhos
apresentados em complemento reflexivo às Instruções recebidas - pode agregar
ao seu autor e ao público para o qual é apresentado - de regra, o Quadro da
Loja. E observo que mais recentemente, ao contrário do que recomenda a
pedagogia, nem mesmo os textos são previamente distribuídos para o estudo
que qualificaria os debates que devem suceder as apresentações, pois eles (os
textos) hoje em dia foram substituídos por slides produzidos em “moderna
tecnologia”: o PowerPoint)
S.M.J., parece-me que o Prof. Kennyo foi vítima da armadilha do minimalismo,
razão pela qual a partir das suas palavras eu trago alguns elementos para não só
ampliar e aprofundar as discussões, quiçá esclarecer, bem como convido ao bom
debate aqueles que assim como eu ficaram em condição de aporia. Creio que assim,
mediante o debate e a consulta às fontes, cada um poderá formar juízo e
convencimento de sorte a que ao fim e ao cabo todos se sintam mais esclarecidos.
Livre da intenção de ter este texto publicado em qualquer veículo, e portanto
das amarras editoriais, não poupo citações com o intuito de trazer ao leitor autores e
textos que possam desde já instruir a sua formação sobre o tema; todavia reitero que
nada substitui a consulta, pelo menos, às fontes citadas.

CONSERVADORISMO X MAÇONARIA
Em síntese5, o autor (K. Ismail) explica a dinâmica social e política da ordem
mundial como produto do embate cíclico de duas grandes posturas (conservadores vs
progressistas) e cita para ilustrar, também, o caso brasileiro: à Monarquia
(conservadora) seguiu a Primeira República (progressista), tendo esta sido sucedida
pelo conservadorismo da Era Vargas, e logo após adveio a República Populista com
a volta dos valores progressistas. O retorno ao conservadorismo teria ocorrido com a
Ditadura Militar e manteve-se até a volta dos progressistas ao poder (por suposto, do
Governo Tancredo-Sarney à Dilma, passando por Collor-Itamar, F. H. Cardoso, Lula
e a própria Dilma-Temer)6 quando, em 2019 foi sucedido por mais uma onda
conservadora, o Governo de J. M. Bolsonaro.

5
Quem resume sempre corre riscos, os mais diversos, por isso, para melhor acompanhamento destas reflexões
eu sugiro a leitura prévia e integral do texto fonte devidamente referenciado.
6
Difícil encontrar tamanha semelhança entre governos tão diferentes.

2
Na sequência dá início à sua tese: a da essência progressista da Maçonaria,
fato inegavelmente evidenciado pela perseguição por ela sofrida nos períodos de
conservadorismo mais radical, no Brasil e no mundo (na Espanha franquista, Itália de
Mussolini, em Portugal de Salazar e na Alemanha de Hitler).
Faz, então, uma afirmação tão categórica que merece ser transcrita na íntegra
para evitar equívocos na paráfrase:
Que sejamos claros: Progressismo é a favor de grandes inovações, transformações e
reformas. Princípios como Igualdade de todos perante a lei, garantia de Liberdades
fundamentais, Democracia, Equidade, Justiça Social e Laicismo são conquistas
progressistas dos séculos XIX e XX. O Conservadorismo é contrário a essas mudanças,
defendendo a retomada de um modelo político-social anterior ao gerado pós-Iluminismo,
que propôs ao homem a emancipação da tutela da Igreja e do Estado autoritário por meio
da razão, e ocasionou na separação Igreja-Estado e no surgimento do Ensino Laico e da
Liberdade Religiosa, dentre outras benesses.

Na sequência estabelece algumas associações conceituais (políticas e


ideológicas?):
O retorno do Conservadorismo ocasiona nisso, na proliferação de ideias integralistas,
fascistas e nazistas. E essa proliferação começa a ficar evidente com a defesa de um
terreno favorável ao nazismo em um famoso podcast, apoiada por uma discreta saudação
nazista em outro programa. Há pesquisas que indicam que os grupos neonazistas
cresceram quase 300% no Brasil nos últimos três anos e especialistas temem que o uso
da violência seja alavancado por esses grupos.

Nesse ambiente, por analogia com o passado, revela a sua preocupação com
a Maçonaria, pois esta pode novamente vir a ser alvo de perseguições, como aliás,
observa, já se verifica em alguns países (Canadá, Irlanda e EUA)7.
E conclui nos seguintes termos:
Por fim, quanto a você ser conservador e ser maçom, não há problema algum nisso. Assim
como há pardo nazista, preto de alma branca, prostituta apaixonada e pobre contra o SUS,
todos encontram de alguma forma uma lógica em seus raciocínios, de modo a não
sofrerem uma dissonância cognitiva. Conservadores sempre foram e ainda são bem
vindos na Maçonaria que, enquanto progressista, é tolerante (ao contrário do
conservadorismo).

Tendo trazido o que penso ser os principais elementos do texto-fonte para o


entendimento do que se segue, passo então às minhas considerações.

A MAÇONARIA É MESMO PROGRESSISTA?


Qualquer Aprendiz que se dispuser a estudar as origens da Maçonaria
enfrentará grandes dificuldades, pois encontrará os que defendem ter surgido com o
primeiro homem, os que identificam as origens no Antigo Egito, mas também quem
vislumbre as raízes entre os Romanos ou mais adiante, já na Idade Média, entre

7
Poderia ainda ter citado o Chile, país mais próximo e com maior identidade com o Brasil aonde
lamentavelmente também já foram observados episódios semelhantes, inclusive escrevi sobre isto (PINHEIRO,
2022).

3
outras tantas teses, algumas, para dizer o mínimo, esdrúxulas (VIDAL, 2006).
Cavalheiro (2007, p. 12), por exemplo, observa que “Conforme registram alguns
historiadores, existem aproximadamente quarenta diferentes opiniões com relação a
origem da Ordem”.
Ora, nessa moldura tão ampla, torna-se muito difícil, senão impossível,
enquadrar a Maçonaria em qualquer ponto de um contínuo de categorias que tenha,
por exemplo, de um lado os conservadores e, do outro, os progressistas. O horizonte
cronológico, assim como a História geral e da Maçonaria em particular são tão
diversas (conforme a geografia, a ocupação territorial, a formação dos povos, as lutas
políticas, as crenças, etc.) nessa duração, que qualquer enquadramento generalizante
e categórico estará fadado à impropriedade. Destarte, antes de tudo é preciso
qualificar: a que Maçonaria se está a referir? Sim, pois a denominação Maçonaria tem
sido empregada indistintamente para identificar as mais diversas instituições - Ordens,
seitas, grupos com finalidades distintas, etc. - basta lembrar, por exemplo, as
entidades que hoje se autodenominam como maçônicas mas como tal não são
reconhecidas pela Maçonaria que, devido a um processo histórico, institucional,
datado e muito específico, se considera a única regular. Ademais, não pode ser
esquecido que a própria estrutura maçônica (rede e organização de Lojas) já foi (tem
sido?) instrumentalizada para o desenvolvimento de outras Ordens e interesses. Há
mesmo casos curiosos, como o do Rito Escocês Retificado, que tem como uma das
suas vertentes, a Ordem Élus Coens, da Martines de Pasqually8:
Ao menos sobre este ponto não pode haver equívocos: se Martines recebeu uma “missão”,
ela foi fundar um rito ou um “regime” maçônico de alto graus, onde pudesse introduzir,
revestindo-os de forma apropriada, os ensinamentos que havia obtido em outra fonte
iniciática. Quando se examina a atividade iniciática de Martines, nunca se deve perder de
vista o que acabamos de dizer, ou seja, sua vinculação dupla à Maçonaria e à outra
organização muito mais misteriosa, sendo a primeira indispensável para que pudesse
desempenhar o papel que lhe atribuía a segunda. (GUÉNON, 2009, p. 67)9

Mas com todos os senões, e recorrendo à clássica separação entre as fases


Operativa e Especulativa, eu não tenho dúvidas em adjetivar a fase Operativa como
claramente Conservadora. Concluo quando considero o quanto as doutrinas
subjacentes aos mais diversos Ritos (ainda que produtos da Modernidade Iluminista
simultaneamente carregam legados do Medievo e do Renascimento), assim como as
respectivas liturgias, estão impregnadas dos valores da tradição judaico-cristã que
dão forma aos usos e costumes que ainda hoje não só são evocados em todas as
sessões como apontados como balizas para as atitudes e os comportamentos no
cotidiano “profano” dos Iniciados.
[...] o que é tradição? Do latim, traditio, traditionis, substantivo que vem do verbo trado,
tradere, em português, trazer. Tradicional é tudo aquilo que sabemos e não precisamos
descobrir sozinhos; tudo o que já estava aqui antes de chegarmos; todas as coisas das
quais usufruímos sem sermos seus criadores; tudo aquilo que nos é trazido e continuamos
levando adiante. Muitas vezes, a tradição é aquilo que menos enxergamos por se constituir
de coisas óbvias, mas essenciais [...] Chesterton [...] disse que a tradição é a democracia
dos mortos: uma coleção de conhecimentos, opiniões de pessoas como nós, mas que

8
1727 - 1774.
9
1886 - 1951. Texto originalmente publicado em 1936.

4
viveram 50, 100, 500, 1000 ou 3000 anos atrás e que ainda hoje têm algo a nos dizer.
(ICHSV, 2020, p. 34)

E em que pese o destaque desde o início da Modernidade conferido à ciência empírica


e à razão como fontes (por vezes com declarações de exclusividade) do
conhecimento, acentuado com o movimento Iluminista seguido do Positivismo, a
cosmovisão que predominantemente orienta a Maçonaria, ao admitir a revelação e
uma dimensão espiritual para o homem, ao contrário, não autoriza o reconhecimento
da Fraternidade como progressista, mas antes aponta para as tradições e o
conservadorismo. O respeito à autoridade em geral também é típico mas não se pode
afirmar exclusivo da mentalidade conservadora.
Entretanto, como o autor destaca que “Desde suas primeiras publicações, na
primeira metade do século XVIII [...]”, depreende-se então que ele refere e se atém à
Moderna Maçonaria Especulativa, como se esta pudesse ser dissociada da fase
antecedente, como aliás sugerem alguns textos que apresentam a realidade como a-
histórica, como se destituída de uma linha de continuidade, livre de heranças - créditos
e débitos. Ou é Maçonaria e então se faz necessário retroceder no tempo, ou então é
forçoso reconhecer que a denominação “maçonaria” tem sido apropriada
indistintamente e tão somente como uma Marca10 em razão da força, do valor, do
significado histórico e da imagem que carrega, mas também neste caso não é possível
escapar à historicidade.
Mas mesmo se nos ativermos ao passado mais recente, desde o Iluminismo,
ainda sustento que a Maçonaria, que reitero é demasiado diversa, pende mais para o
conservadorismo do que para o progressismo. Aos argumentos anteriores acrescento
outro: que sentido haveria em resgatar e enfatizar o ensino das Artes Liberais,
predominante no medievo como sistema de educação, evolução e elevação do
homem (matéria) ao intelecto e ao espírito? Se a ciência e a pedagogia J. A.
Comenius11 estão entre as principais faces da Modernidade incorporadas à
Maçonaria, a perspicácia dos pais fundadores não permitiu que abandonassem o
ensino das Artes Liberais, pois “O exílio do homem é a ignorância, sua pátria a ciência
(...) e chega-se a esta pátria através das artes liberais, que são igualmente cidades-
etapas12” (HONÓRIO DE AUTUN13 apud NASSER, 2008, p. 12). Igualmente, por que
a ênfase no estudo das Constituições Góticas? Ademais, como reconhecer como
progressista uma Ordem na qual um dos seus principais landmarks, o de A. G. Mackey
(1807-1881), portanto já Moderno, estabelece no seu artigo 25 a inalterabilidade
(nolumus leges mutari) dos marcos (artigos) anteriores? Trago ainda o comentário do
Irmão José G. de Lucena Soares, Mestre Instalado, Grau 33 no Rito Escocês Antigo
e Aceito, membro da Loja Fraternidade Judiciária, 3614, GOB14 que não só vai

10
Para aqueles que predominantemente fazem da Maçonaria uma rede de relacionamentos (p. ex., para
negócios), infelizmente chega mesmo a ser equiparada uma trade mark (©, ™).
11
1592 - 1670.
12
Infelizmente, mas talvez (oxalá) ocorra apenas nas Lojas que eu conheço (diretamente ou por contato com os
Irmãos), muito pouco tempo é dedicado ao estudo do II Grau, as sessões limitam-se ao mínimo: para a concessão
do “aumento de salário” e para a apresentação das Instruções.
13
1080 - 1154, teólogo cristão
14
Disponível em: https://redecolmeia.com.br/2015/10/11/codigo-landmarks-de-mackey/. Acesso em: 13.03.22.

5
encontro do entendimento já firmado, como alerta para as contradições e possíveis
problemas em considerar a Maçonaria como progressista:
Este mandamento [o 250] é o mais importante de todos os Landmarks, pois registra em
seu conteúdo ser a Maçonaria Universal, reclamando unidade em todo Planeta Terra de
substância e critérios administrativos para sua sobrevivência através dos séculos.

Sem essa política estável da doutrina com seus dogmas, especialmente na admissão da
existência do Grande Arquiteto do Universo e a Vida Espiritual, além do estudo
aprofundado de sua filosofia e aperfeiçoamento do Ser Humano, com o passar dos
tempos, perderia todos seus ensinamentos estruturais, podendo chegar ao completo
desvirtuamento de sua finalidade. Perderia como consequência de interpretações
subjetivas e regionais, sua razão de ser uma, com divisão de essência, e aí não mais seria
uma Maçonaria Universal, mas entidades diversificadas de cada localidade onde a
fraternidade seria extinta. E é justamente essa continuidade perpétua [...].

Na prática, para conciliar o inconciliável, a Maçonaria (enquanto gênero) se


desdobrou em tantos e tão distintos Ritos que à luz da coerência lógica algumas
espécies não poderiam ficar (como alertado pelo Irmão José Soares) abrigadas sob o
mesmo gênero, condição só admitida a partir de tão ampla quanto inútil elasticidade
conceitual. Penso que mais cedo ou tarde esse tema deverá ser seriamente
enfrentado, senão no seio da Ordem, pelos Ritos que efetivamente optarem pela
tradição e por um entendimento alternativo do que seja a regularidade maçônica 15,
com a primazia dos valores e das tradições sobre os arranjos políticos, institucionais
e administrativos. A meu juízo, sem incorrer no risco de errar (pois sempre é possível
encontrar um Rito que configura exceção), raramente é possível aludir à Maçonaria,
mas ao abrigo da que se autodenomina regular podem ser identificados tanto Ritos
com características conservadoras, quanto progressistas, e ainda outros tantos, a
maioria, que enfrentam conflitos de identidade em razão dos hibridismos que levam
às contradições internas. Por isso, enquanto Ordem vejo como inapropriado o
enquadramento “progressista”, não obstante os sites das Potências como tal a
apresentem, como é o caso do Grande Oriente do Brasil16:
O que é a Maçonaria? – A Maçonaria é uma instituição essencialmente filosófica,
filantrópica, educativa e progressista.

Por que é Progressista? É progressista porque partindo do princípio da imortalidade e


da crença em um princípio criador regular e infinito, não se aferra a dogmas, prevenções
ou superstições. E não põe nenhum obstáculo ao esforço dos seres humanos na busca
da verdade, nem reconhece outro limite nessa busca senão o da razão com base na
ciência.

Em razão de tudo o que já foi comentado, o conceito de progressista exige melhor


qualificação, o que será feito a partir da estratégia adotada pelo próprio autor (K.
Ismail) que o contrapôs o progressismo ao conservadorismo.
(a realidade, embora una, se nos apresenta como dual, tal como a Maçonaria
enfatiza; todavia, de regra, do embate da dualidade (tese vs antítese) emerge a

15
Por exemplo, com o resgate ao efetivo significado, e por conseguinte a seriedade que deve circunscrever as
Iniciações nos sucessivos Graus.
16
Disponível em: https://www.gob.org.br/o-que-e-maconaria/. Acesso em: 13.03.22.

6
síntese; portanto, há de se ter cautela com as perspectivas binárias - entre os
extremos sejamos mais equatoriais)

O QUE É O CONSERVADORISMO?
Para melhor entender a atitude conservadora é preciso ter em conta que ela se
situa entre outras duas: a reacionária e a revolucionária. As características que
seguem devem ser consideradas tipos-ideais weberianos, na prática, no dia a dia, o
que se verifica são matizes, formas mitigadas ou híbridas.
O que, então, caracteriza a atitude reacionária? Quem esclarece é Santos
(1990):
A combinação da imagem [do mundo, como o mundo nos parece no momento] satisfatória
com a expectativa da imutabilidade forma a atitude reacionária. Há três elementos
fundamentais nessa atitude: (a) a Natureza; (b) a sua origem divina; (c) a possibilidade do
homem conhecer indiscutivelmente a essência da Natureza e sua origem divina. Quando
fazemos apelo imediato a uma “lei da natureza”, estamos implicitamente dizendo que
conhecemos adequadamente a essência das coisas; que essa essência é fundamentada
num princípio imutável. Assim sendo, o recurso imediato e direto a uma lei natural
indiscutível expressa uma atitude reacionária. Um corolário dessa atitude é a tendência a
erigir usos e costumes em direitos adquiridos de natureza imutável; quase diríamos, de
natureza divina [...] diversas situações sócio-culturais ligadas à atitude reacionária [...] é o
caso da pressão política contra a legislação que cria e fomenta o planejamento familiar [...]
(op. cit., p. 14);

Para o reacionário há, indiscutivelmente, uma Natureza, a qual pode ser objetivamente
conhecida em sua essência tal qual criada por Deus. A rigidez da atitude se fundamenta
na segurança de que, pelo conhecimento objetivo e indubitável, atingimos a Verdade [...]
o conhecimento objetivo é definido como o instrumento que nos põe em contato com a
essência da Natureza e suas leis. (op. cit., p. 15)

Já na atitude revolucionária
[...] há uma combinação de uma imagem insatisfatória e repulsiva do mundo, junto com a
expectativa de uma realidade essencialmente diferente: uma outra realidade [...] O traço
específico desta atitude [...] é a intolerância que exige a alteridade radical [...] quando a
mudança vier ela atingirá a raiz das coisas, em lugar da sórdida realidade presente. O fruto
desse processo será não apenas uma outra sociedade mas um homem novo [...] criado
na justiça e santidade da verdade [...] agrega-se à atitude revolucionária uma nova
exigência: uma mudança a qualquer preço. (op. cit., p. 19)

Finalmente, destaca as similaridades entre as duas atitudes:


A alteridade radical desejada pelo revolucionário rompe com o horizonte da “ascese
intramundana” e, implicitamente, apela para um certo tipo de transcendência. Esse é,
indubitavelmente, um dos aspectos mais paradoxais da atitude revolucionária,
considerada como um tipo puro [...] outro ponto paradoxal: a enorme proximidade entre a
atitude revolucionária e a atitude reacionária [...]. (op. cit., p. 20)

Grosso modo, ambas as atitudes são idealistas (no limite há transcendentes17


que podem ser alcançados, vivenciados mesmo), mas enquanto a primeira se volta

17
A exemplo do bom, do belo e do verdadeiro.

7
para um passado (um momento, uma condição, um hábito, um valor, etc.) a ser
recuperado, a segunda visa o futuro, a reconstrução do mundo se necessário for a
partir de uma tábula rasa - redesenhando, por exemplo, as instituições (família,
sistema de crenças, valores, etc.). Saudoso, é típico do reacionário afirmar que “o
mundo nunca mais será o mesmo”, “nos tempos dos meus avós ...”, enquanto que
para o revolucionário “um novo mundo (melhor) é possível”. A depender do passado
desejado, bem como os meios (a exemplo da violência), essa expectativa pode revelar
traços de irracionalidade da mentalidade reacionária.
A agenda sociopolítica nacional e contemporânea está repleta de exemplos do
embate entre os dois posicionamentos que intentam, de todas as maneiras,
institucionalizar (inclusive pela via legislativa) as suas visões de propostas
transformadoras. E se ao longo do espectro político-partidário uma é dita à esquerda
- a visão revolucionária -, a outra então obrigatoriamente se coloca à direita, com todas
as reservas quanto ao sentido contemporâneo que, em outros textos, já revelei sobre
estas duas expressões - esquerda vs direita.
E em meio a ambas se situa a mentalidade conservadora, cuja introdução ora
dou início com a Apresentação de Garschagen, mestre em Ciência Política e Relações
Internacionais, à obra de Scruton (2015):
O que distingue o Conservadorismo britânico é que, enquanto a sua ideologia e religião
são ancoradas em preceitos eternos, a sua abordagem prática, que busca a síntese entre
o antigo e o novo, permanece empírica e, às vezes, até mesmo francamente experimental.
(op. cit., p. 20)

Scruton afirma neste livro que a postura do Conservador prescinde de identificação, ou


vinculação, com o programa de qualquer partido. Não foi sem razão, portanto, que o
Partido Conservador tenha nascido a partir da “aversão à política partidária”. (op. cit., p.
25)

Fica claro, pois, como também afirma Ramos (2020, p. 9), que “[...] o
conservadorismo propriamente dito [...] antes de ele ser uma ideologia política, é um
estilo de vida”. E quanto à ideologia, Kirk apud Catharino (2014, p. 44) esclarece:
“Ideologia” não significa teoria política ou princípio, embora muitos jornalistas e alguns
professores, comumente, empreguem o termo nesse sentido. Ideologia realmente significa
fanatismo político - e, mais precisamente, a crença de que este mundo pode ser convertido
num paraíso terrestre pela ação da lei positiva e do planejamento seguro. O ideólogo -
comunista, nazista ou de qualquer afiliação - sustenta que a natureza humana e a
sociedade devem ser aperfeiçoadas por meios mundanos, seculares, embora tais meios
impliquem numa violenta revolução social. O ideólogo imanentiza símbolos religiosos e
inverte as doutrinas da religião. O que a religião promete ao fiel numa esfera além do
tempo e do espaço, a ideologia promete a todos na sociedade - exceto aos que forem
“liquidados” no processo.

Destarte, tais posicionamentos, me parecem, de pronto deveriam afastar o


conservadorismo de qualquer associação, ainda que tênue, com ideologias e
movimentos como o nazi-fascismo e o integralismo, bem como na insistência de
mantê-lo à distância dos méritos, senão pela luta que levou a, pelo empenho na
institucionalização de conquistas históricas, a exemplo da democracia, do governo
constitucional e do estado laico (que, lembre-se, não implica no ateísmo). Contudo,

8
como esclarece Ramos (2020, p. 10), e não poderia ser diferente, a defesa dos valores
conservadores se dá pela via do centro-direita:
[...] justamente por ele (o conservadorismo) defender a tradição e os valores/princípios da
sociedade (herança recebida), a estabilidade das instituições, e pretender a reforma do
Estado, rumo ao seu aprimoramento, colocando a vida e a liberdade em um grau de
hierarquia acima de todas as coisas, o conservador acaba sendo levado ao espectro
político de direita, pois é incompatível para ele aceitar a mentalidade da esquerda política.

Na sequência, a partir de algumas citações eu procurarei dar a conhecer, ainda


que minimamente, os valores, as atitudes e os comportamentos típicos do
conservador:
Ser conservador é, pois, preferir o familiar ao estranho, preferir o que já foi tentado
experimentar, o fato ao mistério, o concreto ao possível, o limitado ao infinito, o que está
perto ao distante, o suficiente ao abundante, o conveniente ao perfeito, a risada
momentânea à felicidade eterna. Relações familiares e lealdades têm preferência sobre o
fascínio pelas alianças de momento [...] a tristeza da perda é mais aguda do que a
empolgação pela novidade e pela promessa. (OAKESHOTT, 2016, p. 137)

A primeira leitura sugere certo imobilismo do conservador, o que prontamente


é desconstruído pelo autor; ao fim e ao cabo é uma questão de ritmo, de
gerenciamento do processo:
Tudo isso se traduz em certa atitude com relação aos fenômenos da mudança e inovação:
mudança aqui no sentido de alterações que nos são impostas ao longo da vida, e inovação
relativa a tudo o que planejamos e executamos com vistas a modificações específicas em
nossas condições de vida. Mudanças são circunstâncias às quais devemos nos acomodar,
e a inclinação do conservador é tanto o símbolo de nossa dificuldade de assimilar essa
acomodação quanto a referência que utilizamos para assim agir. As mudanças não afetam
a vida somente de quem não percebe nada, de quem não tem noção do que possui, ou
seja, um apático; elas podem ser recebidas de braços abertos por aqueles que não prezam
por nada, cujos apegos são fugazes e são estranhos ao amor e à afeição. A predisposição
conservadora não enseja nenhuma dessas condições; a inclinação a aproveitar tudo o que
é presente e disponível é o oposto de ignorância e apatia, porque gera laços afetivos. (op.
cit., p. 137-8)

O conservador é antes prudente18 do que avesso às mudanças, pois para além


das suas características técnicas ele pondera, acima de tudo e até onde é dado a
perceber e avaliar, os impactos no cotidiano psicológico e emocional, inclusive na vida
dos mais desapercebidos frente às dinâmicas em curso. Não é à toa que uma das
principais obras do pensamento conservador tem como título “A Política da
Prudência”, de R. Kirk (2014), de cuja Apresentação, de A. Catharino, se extrai:
A Política da Prudência, é, ao mesmo tempo, uma crítica aos erros relativistas do
multiculturalismo, tal como propostos atualmente pela esquerda liberal, e uma defesa da
identidade conservadora norte-americana, ao enfatizar que a manutenção da ordem social
necessita da existência de fundamentos culturais comuns, expressos pela mentalidade,
língua e literatura, costumes e instituições sociais da nação. (op. cit., p. 18)

Fica claro o motivo da referida “aversão à política partidária”, notadamente à esquerda


do espectro político, seja mais liberal ou estatizante, quando ela defende pautas como

18
Para alguns, dentre as virtudes cardeais, cultivadas desde a antiguidade pré-cristã e ainda hoje enfatizadas
pela Maçonaria, a prudência seria (é) a mais importante.

9
a legalização do aborto, a normalização de novos arranjos familiares como se
equivalentes à família tradicional, a aceitação da precoce erotização infantil, a adoção
da linguagem neutra - abolição do gênero -, entre outros itens autodenominados, de
modo difuso, como de “relevante interesse social” ou claramente em defesa de grupos
minoritários.
Retorno a Oakeshott (2016):
[...] o homem de temperamento conservador [...] tende a ser mais tolerável às pequenas e
lentas mudanças do que às abruptas e de grande escala, valorizando toda a aparência de
continuidade. (op. cit., p. 139)

Além do mais, ser conservador não é meramente ter aversão à mudança (o que pode ser
uma idiossincrasia); também é uma maneira de nos acomodarmos a mudanças, uma
necessidade que se impõem a todo homem. A mudança é sempre uma ameaça à
identidade, um símbolo de extinção. A identidade de um homem (ou de uma comunidade)
não passa de um ensaio ininterrupto de contingências, cada uma à mercê de
circunstâncias e com sua significância atrelada à familiaridade. (op. cit., p. 140)

Mudanças, portanto, são sempre sofridas; e um homem de temperamento conservador


(ou seja, alguém muito disposto a preservar sua identidade) não consegue se fazer
indiferente. (op. cit., p. 141)

Scruton, em uma frase, sintetiza: “O desejo de conservar é compatível com


todos os tipos de mudança, desde que essa mudança signifique continuidade” (op.
cit., p. 56). Os que apreciam a boa literatura certamente lembrarão da célebre
manifestação de Lampedusa (2017, p. 31) em “O Leopardo”: “Se não nos envolvermos
nisso, os outros implantam a república. Se quisermos que tudo continue como está, é
preciso que tudo mude. Fui claro?”. Voltarei a esse tema nos próximos textos da série
Maçonaria & Política.
O conservador resiste às mudanças não por ser aprioristicamente contra, mas
basicamente por dois motivos: 1) sabe que nem toda mudança traz apenas os
benefícios que apregoa. Seus proponentes, por falta de conhecimento ou malícia,
omitem os riscos, caso contrário não lograriam o apoio necessário; 2) bem como, por
experiência (histórica), tentativa e erro - pois o conservador é cético e pragmático -,
aprendeu a valorizar a cautela e a ponderar (em expectativa) os custos (humanos,
sociais, financeiros, etc.) dos erros produzidos por iniciativas impensadas porque
apressadas. Em razão da complexidade do mundo é praticamente impossível avaliar
previamente e por completo os impactos das propostas de mudanças, razão suficiente
para que sejam conduzidas passo a passo, dando tempo para que o tempo as avalie,
selecione e institucionalize as que sobreviverem ao teste da experiência do longo
prazo.
O esclarecimento acerca da posição do conservador frente à inovação,
conceito tão caro à contemporaneidade, complementa em definitivo a sua postura
frente à mudança em geral:
A ideia de inovação, por outro lado, pressupõe melhora. No entanto, um homem com essa
tendência nunca será exatamente um ardente inovador [...] acaba ficando sempre com um
pé atrás diante da inovação: o uso e o desfrute das coisas como elas são ocupam a maior
parte de seu tempo. Além disso, ele está ciente de que, na verdade, não é toda a inovação
que acarreta melhora: e pensará que inovar sem melhorar é tolice [...] toda inovação requer

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uma mudança, a disrupção antecipada tem que ser comparada com o benefício projetado
[...] Uma inovação é sempre um processo que envolve riscos, em que perdas e ganhos
(mesmo que excluamos a perda de familiaridade) são tão emaranhados entre si que se
torna praticamente impossível prever o desfecho: não existe melhora se não a podemos
mensurar. A inovação é uma atividade em que não se gera apenas a melhora almejada,
mas uma situação nova e complexa da qual ela é um dos componentes do cenário final.
A mudança total no fim sempre é maior do que cabe nos planos; as implicações totais
nunca poderão ser previstas, sequer medidas [...] o ônus da prova de que a mudança
proposta seja no total boa ou ruim fica com o inovador em potencial [...] ele prefere
pequenas e limitadas inovações às grandes e indefinidas [...] a melhor ocasião para a
inovação é quando a mudança almejada fica mais claramente delineável e menos
vulnerável às vicissitudes do processo [...] O homem de temperamento conservador crê
que um bem conhecido não se rende facilmente a uma melhora desconhecida. Ele não é
apaixonado pelo perigo e pela dificuldade; não tem nada de aventureiro [...] O que os
outros plausivelmente identificam como timidez, ele nota prudência racional [...] É
precavido, e está sempre disposto a indicar se concorda ou discorda, nunca em termos
absolutos, mas em graus. (op. cit., p. 141 à 145)

Ainda que com as limitações que a ocasião impõe, penso ter esclarecido, em
algum grau, o que significa ser Conservador. Embora aqui e ali eu tenha me
posicionado, deixo ao leitor, pelo que conhece da História, dos valores, da doutrina, e
dos usos e costumes revelados na liturgia dos Ritos maçônicos, formar o próprio juízo.

MAÇONARIA, CONSERVADORISMO & PROGRESSISMO


Finalmente, entre outros com posicionamentos semelhantes, resgato o texto de
Muniz (2016):
A Franco-Maçonaria nasce no século XVII, como um movimento de teor conservador. (op.
cit., p. 131)

A princípio, motivada pelos ideais de fazer uma humanidade “melhor e mais esclarecida”,
a Franco-Maçonaria era monarquista, legalista e profundamente ligada à ideia de culto à
Antiguidade Clássica e seus modelos. Prova disso é a plêiade de monarcas, imperadores
e os chamados “déspotas esclarecidos” que foram iniciados nela. Mais do que isso, é
notável que a primeira Constituição dos Franco-Maçons (dita “de Anderson”) era dedicada
ao Duque de Montagu e cita como Grão-Mestre o Duqye de Wharton. A Franco-Maçonaria
francesa, considerada a mais “revolucionária” de todas, em seu período inicial também era
profundamente ligada ao regime monárquico. (op. cit., p. 132)

Ao contrário do que se pensa, muitos franco-maçons franceses eram girondinos, ou seja,


defensores da Monarquia Constitucional. Aliás, um dos defensores do Ancién Regime,
considerado por muitos como um visceral reacionário, também era franco-maçom: Joseph
de Maistre. (op. cit., p. 132-3)

Após esses esclarecimentos, Muniz registra o momento de inflexão:


Algumas lojas maçônicas francesas que eram compostas por burgueses, desejosos do fim
da monarquia e buscando alterar a ordem social com base no capital econômico e não
mais nos títulos de nobreza, começaram a servir de local de reunião para a discussão de
planos revolucionários. Alguns intelectuais radicais, partidários dos jacobinos e dos
cordeliers (a esquerda revolucionária da Assembleia Legislativa), eram também franco-
maçons. (op. cit., p. 133).

11
Como se constata, mais uma vez (PINHEIRO, 2021a), a Maçonaria é tão aberta
(universal) que em todos os grandes movimentos sociais, políticos e revolucionários,
no Brasil e no Mundo, podem ser encontrados maçons de ambos os lados dos
contendores. Ora, isso confere aos maçons uma vantagem exclusiva: a priori, antes
mesmo do final dos conflitos, sempre poderão dizer que estiveram do lado “certo” -
vencedor. A falta de modéstia do maçom, já observada por Mackey (entre outros
tantos mas não tão conhecidos), faz então com que ele, e por extensão a Maçonaria,
atribua a si as honras e os méritos do vencedor, que casualmente será o redator da
História oficial.
Obtida a vitória da esquerda revolucionária esses franco-maçons, com o imenso poder de
influência que o novo regime lhes dava, propagavam entre seus pares que a República, o
progressismo, e a ruptura com o passado eram “ideais maçônicos”. (MUNIZ, op. cit., p.
133)

Eis pois, a origem do progressismo maçônico. O autor prossegue com a


enumeração de uma série de importações que nos séc. XVIII e XIX foram trazidas
para “dentro” da Maçonaria, o que foi determinante para hoje ela seja o que é: eclética,
ecumênica. Nas suas próprias palavras:
No século XIX [...] a Franco-Maçonaria foi invadida por crenças, rituais mágicos, doutrinas
espúrias e todo tipo de exotismo pseudo-espiritual [...] para piorar a situação já caótica
resolvem “doutrinar” a Franco-Maçonaria com as doutrinas que defendem, sem base nem
fundamento. Obviamente que junto dessa mistura indigesta, agregam-se pensamentos
confusos, doutrinas políticas modernosas e alternativas [...] muito pensadores
condenaram a Franco-Maçonaria como uma instituição revolucionária e com fins imorais
[...] No final do séc. XIX alguns movimentos políticos de natureza secreta ou semi-secreta
instrumentalizaram a Franco-Maçonaria para seus próprios objetivos19 [...] esses
movimentos injetaram suas ideias e lançaram seus tentáculos para dentro da Franco-
Maçonaria, confundindo-se com ela mesma [...] Dessa forma a Franco-Maçonaria sofreu
um desvio revolucionário que a desfigurou em muito, e tal desvio ainda é muito pouco
notado pelos seus membros que tendem a misturar bastante o que é verdadeiramente
maçônico e o que é ideologia exógena a ela aderida. (op. cit., p. 134)

O que Muniz observa em perspectiva histórica, lamentavelmente, é demasiado


presente na Maçonaria brasileira contemporânea sob a denominação de
progressismo e outros tantos “ismos” que de regra inundam também as demais
instituições e não passam de cunhas ideológicas. Todavia, no que tange à
Fraternidade, Preston20 (2017, p. 72) é absolutamente claro quando esclarece a
acepção atribuída às expressões “progressista” e “progressismo”, pois como Ordem
Iniciática:
A Maçonaria é uma ciência progressiva e está dividida em diferentes classes ou Graus,
para a progressão mais regular no conhecimento dos mistérios. De acordo com o
progresso que fazemos, limitamos ou ampliamos nossas investigações; e, na proporção
dos nossos talentos, atingimos um grau menor ou maior de aperfeiçoamento.

O progresso (progressismo, progressista), no caso, nada tem a ver com as questões


e os problemas mundanos e “profanos” - a vida em sociedade - revela tão somente o
gradualismo que deve orientar a formação e o desenvolvimento do Iniciado em razão

19
Note-se que Muniz vai ao encontro do que dissera Guénon em citação anterior neste texto.
20
1742 - 1818.

12
da amplitude e da complexidade das matérias envolvidas. Trazer para o âmbito da
Fraternidade outras acepções, mais próprias, senão exclusivas das ideologias à
esquerda do espectro político, não só me parece ser um equívoco histórico como pode
representar um perigo à própria Ordem pelo risco, por associação, de arrastá-la por
meio de uma narrativa específica para o terreno arenoso e movediço da política
partidária, notadamente nos tempos atuais - polarizado e intransigente.
Talvez desnecessário, mas, por oportuno, esclareço: não ser progressista não
implica ser a favor do atraso, contra o progresso, o desenvolvimento, evolução, etc. A
distância entre ser a favor do progresso e ser progressista é tão grande quanto a que
separa o cientista do cientificista.

PALAVRAS FINAIS
Pela segunda vez21 me senti motivado a interromper a série Maçonaria &
Política (M&P)22 para escrever, então, este texto. Todavia, e penso que o leitor mais
perspicaz concordará, não seria completamente destituído de sentido ter titulado este
texto como sendo o sétimo da série (M&P - VII), eis que em derradeira análise ele se
pronuncia sobre outro que, embora sob o manto do alerta à Ordem, nas entrelinhas,
porque não explora (pelos motivos esclarecidos) em profundidade e com as devidas
nuances a variedade de termos, conceitos e ideias que traz como argumento, acaba
por assemelhar, à luz do momento, como um manifesto de posicionamento político,
algo que, S.M.J., não era (é) a intenção do autor. Foi por isso que opinei que o Prof.
K. Ismail foi vítima do texto minimalista.

BIBLIOGRAFIA CITADA
CATHARINO, Alex. Apresentação à Edição Brasileira - a formação e o
desenvolvimento do pensamento conservador de Russel Kirk. In: KIRK, Russel. A
Política da Prudência. São Paulo: É Realizações, 2014, p. 11-57. Coleção Abertura
Cultural.
CAVALHEIRO, Antônio C.L. A Franco-Maçonaria, Origens e Potências Francesas.
Edições Universum, Ed. 25, p. 11-26, junho, 2007. Porto Alegre: GLMERGS, Loja
Maçônica de Estudos e Pesquisas Universum 147.
GARSCHAGEN, Bruno. Apresentação à Edição Brasileira. In: SCRUTON, Roger. O
que é Conservadorismo. São Paulo: É Realizações, 2015, p. 17-27.
GUÉNON, René. Estudos sobre a Franco-Maçonaria e o Companheirismo. São
Paulo: IRGET, 2009.

21
A primeira foi por ocasião da invasão ocorrida no Paraná e por ativistas da esquerda política à uma igreja cristã
(PINHEIRO, 2022).
22
A próxima edição, a sétima, abordará o tema das Teorias Conspiratórias.

13
ICHSV. Trivium e Quadrivium - a doutrina das 7 Artes Liberais. Porto Alegre: IHSV,
2020.
ISMAIL, Kennyo. Conservadorismo x Maçonaria. O Malhete - informativo maçônico,
político e cultural, Linhares-RS, Ano XIV, N. 155, Março 2022, p. 4-623.
KIRK, Russel. A Política da Prudência. São Paulo: É Realizações, 2014. Coleção
Abertura Cultural.
LAMPEDUSA, Giuseppe Tomasi di. O Leopardo. São Paulo: Cia. das Letras, 2017.
MACKEY, Albert G. Maçons que leem e Maçons que não leem. A Trolha, Londrina-
PR, N. 417, julho 2021, p. 14-16.
MUNIZ, André O. A. Curso Elementar de Maçonologia. São Paulo: Richard Veiga,
2016.
NASSER, José M. Para Entender o Trivium. In: JOSEPH, I. Miriam. O Trivium - as
artes liberais da lógica, gramática e retórica. São Paulo: É Realizações, 2008, p. 11-
15.
OAKESHOTT, Michael. Conservadorismo. Belo Horizonte: Âyiné, 2016. Biblioteca
Antagonista - 08.
PINHEIRO, Ivan A. Maçonaria: o problema é a evasão ou o processo de admissão?
A Trolha, Londrina, PR, n. 410, dezembro 2020, I Parte, p. 18-23.
PINHEIRO, Ivan A. Maçonaria: o problema é a evasão ou o processo de admissão?
A Trolha, Londrina, PR, n. 411, janeiro 2021, II e última Parte, p. 21-28.
PINHEIRO, Ivan A. O Homem (maçom) de um Livro Só. Disponível em:
ivan.pinheiro@ufrgs.br. Publicado em agosto, 2021a.
PINHEIRO, Ivan A. Maçonaria & Política - IV. Disponível em: ivan.pinheiro@ufrgs.br.
Publicado em 09.02.22.
PRESTON, William. Esclarecimentos sobre Maçonaria. Rio de Janeiro: Arcanum,
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RAMOS, Guillermo F. P. Escritos Conservadores. São Paulo: Fontenele, 2020.
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SCRUTON, Roger. O que é Conservadorismo. São Paulo: É Realizações, 2015.
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VIDAL, César. Os Maçons - a sociedade secreta mais influente da história. Rio de
Janeiro: Relume Dumará, 2006.

23
Também disponível em: https://pt.calameo.com/read/000323358d5503fb8d7f9. Acesso em: 14.03.22.

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