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Ivan A. Pinheiro 1
INTRODUÇÃO
Há dias li um texto deveras interessante não só porque pertinente aos
fundamentos e às bases da Ordem, mas sobretudo porque me trouxe dúvidas e, a
meu juízo, dá margem à polêmica. Trata-se do ensaio “Conservadorismo x Maçonaria”
publicado em No Esquadro2 e, posteriormente, em O Malhete, da autoria do Prof. K.
Ismail (2022), pesquisador que frequentemente cito em meus ensaios, o que de pronto
pois, não deixa margem a dúvidas quanto a minha admiração pelo seu trabalho.
Ora pelas restrições que os editores impõem aos autores, mas também pela
falta do hábito de leitura3 que caracteriza o maçom-tipo (o texto de A. G. Mackey, de
1875, infelizmente, permanece atualíssimo), de regra os escritores são levados a
produzir textos muito reduzidos (três ou quatro, mas não mais do que seis páginas)4,
o que traz implicações que, se um lado podem ser vistas como decorrências naturais
(e por isso deveriam contar com o entendimento e a compreensão dos leitores), de
outro não deixam de ser indesejáveis porque podem sacrificar e até mesmo distorcer
a mensagem. Textos enxutos não permitem explorar a fundo qualquer assunto, e
tampouco sugerir leituras complementares, pois quanto mais citações e referências,
menos espaço para o autor desenvolver a tese desejada e em seus próprios termos.
Nessas condições é muito difícil, alguns (como eu) creem impossível, introduzir a
problematização, apresentar as variadas perspectivas que a matéria comporta,
dialogar com os autores consultados, optar por uma ou outra abordagem com as
devidas justificativas à luz dos alcances, limitações e contribuições para, finalmente,
quando for o caso, chegar a alguma conclusão. Assim, os textos curtos raramente
esclarecem, quando muito chamam a atenção pois o propósito é antes despertar a
curiosidade do leitor e assim induzi-lo a consultar as obras citadas e referenciadas.
Todavia, em razão dos hábitos já comentados, não raro o leitor acredita já estar
suficientemente esclarecido (acerca da “verdade”) tão somente a partir do texto
1
Mestre Maçom (licenciado) do Quadro da ARLS Mário Juarez de Oliveira, 4547, GOB-RS; da LEP Universum, 147,
GLMERGS; da Loja de MESA Victor Meirelles; e Membro Correspondente da Academia Maçônica de Letras,
Ciências, Artes e Ofícios do GOB-BA. O autor se expressa como livre pensador, seus pontos de vista são
absolutamente pessoais, não representam as Potências, Obediências e Lojas das quais participa, razão pela qual
não raro se manifesta também com o recurso à primeira pessoa do discurso. Por fim, agradeço a leitura prévia e
os comentários de dois Irmãos; todavia, não os identifico para que não sejam associados ao caráter opinativo do
conteúdo que segue. E-mail: ivan.pinheiro@ufrgs.br. Porto Alegre-RS, 19.03.22.
2
Disponível em: https://www.noesquadro.com.br/uncategorized/conservadorismo-x-maconaria/. Acesso em:
13.03.22.
3
O Prof. Kennyo também possui estudos que confirmam esta afirmação.
4
Eu já passei por duas situações: 1) tive texto elogiado porém recusado com a justificativa de que ultrapassava
a expectativa de páginas; mas também 2) já tive texto (bem) maior que foi particionado para publicação em duas
edições consecutivas, e neste caso torno público: pela A Trolha (PINHEIRO, 2020, 2021). A maioria dos editais, e
reconheço que não sem motivos, estabelece limites ao número de páginas; comportamento análogo se verifica
com os periódicos, talvez porque devem compartilhar as páginas (limitadas) com os patrocinadores e matérias
de divulgação social e algumas com entretenimento. Nem sempre, mas por vezes o número de páginas tem a
primazia sobre a qualidade dos trabalhos.
1
diminuto recém lido, alguns a ponto mesmo de sair propagando o seu conhecimento
pois, mais uma vez recorrendo à Mackey (op. cit.): “É exclusivo do maçon [sic] esta
falta de modéstia”!
E se a essas características (que também são dificuldades intrínsecas) dos
textos reduzidos, o autor na ânsia de enriquecer a sua contribuição trouxer múltiplos
conceitos que per se já encerram dificuldades semânticas que não são evidentes para
a maioria dos leitores, alguns até mesmo confundidos como se fossem sinônimos,
estarão então reunidas as condições para a “tempestade perfeita”.
(deixo a critério dos leitores a formação do juízo acerca da contribuição que um
texto de até três ou quatro páginas - que caracteriza a maioria dos trabalhos
apresentados em complemento reflexivo às Instruções recebidas - pode agregar
ao seu autor e ao público para o qual é apresentado - de regra, o Quadro da
Loja. E observo que mais recentemente, ao contrário do que recomenda a
pedagogia, nem mesmo os textos são previamente distribuídos para o estudo
que qualificaria os debates que devem suceder as apresentações, pois eles (os
textos) hoje em dia foram substituídos por slides produzidos em “moderna
tecnologia”: o PowerPoint)
S.M.J., parece-me que o Prof. Kennyo foi vítima da armadilha do minimalismo,
razão pela qual a partir das suas palavras eu trago alguns elementos para não só
ampliar e aprofundar as discussões, quiçá esclarecer, bem como convido ao bom
debate aqueles que assim como eu ficaram em condição de aporia. Creio que assim,
mediante o debate e a consulta às fontes, cada um poderá formar juízo e
convencimento de sorte a que ao fim e ao cabo todos se sintam mais esclarecidos.
Livre da intenção de ter este texto publicado em qualquer veículo, e portanto
das amarras editoriais, não poupo citações com o intuito de trazer ao leitor autores e
textos que possam desde já instruir a sua formação sobre o tema; todavia reitero que
nada substitui a consulta, pelo menos, às fontes citadas.
CONSERVADORISMO X MAÇONARIA
Em síntese5, o autor (K. Ismail) explica a dinâmica social e política da ordem
mundial como produto do embate cíclico de duas grandes posturas (conservadores vs
progressistas) e cita para ilustrar, também, o caso brasileiro: à Monarquia
(conservadora) seguiu a Primeira República (progressista), tendo esta sido sucedida
pelo conservadorismo da Era Vargas, e logo após adveio a República Populista com
a volta dos valores progressistas. O retorno ao conservadorismo teria ocorrido com a
Ditadura Militar e manteve-se até a volta dos progressistas ao poder (por suposto, do
Governo Tancredo-Sarney à Dilma, passando por Collor-Itamar, F. H. Cardoso, Lula
e a própria Dilma-Temer)6 quando, em 2019 foi sucedido por mais uma onda
conservadora, o Governo de J. M. Bolsonaro.
5
Quem resume sempre corre riscos, os mais diversos, por isso, para melhor acompanhamento destas reflexões
eu sugiro a leitura prévia e integral do texto fonte devidamente referenciado.
6
Difícil encontrar tamanha semelhança entre governos tão diferentes.
2
Na sequência dá início à sua tese: a da essência progressista da Maçonaria,
fato inegavelmente evidenciado pela perseguição por ela sofrida nos períodos de
conservadorismo mais radical, no Brasil e no mundo (na Espanha franquista, Itália de
Mussolini, em Portugal de Salazar e na Alemanha de Hitler).
Faz, então, uma afirmação tão categórica que merece ser transcrita na íntegra
para evitar equívocos na paráfrase:
Que sejamos claros: Progressismo é a favor de grandes inovações, transformações e
reformas. Princípios como Igualdade de todos perante a lei, garantia de Liberdades
fundamentais, Democracia, Equidade, Justiça Social e Laicismo são conquistas
progressistas dos séculos XIX e XX. O Conservadorismo é contrário a essas mudanças,
defendendo a retomada de um modelo político-social anterior ao gerado pós-Iluminismo,
que propôs ao homem a emancipação da tutela da Igreja e do Estado autoritário por meio
da razão, e ocasionou na separação Igreja-Estado e no surgimento do Ensino Laico e da
Liberdade Religiosa, dentre outras benesses.
Nesse ambiente, por analogia com o passado, revela a sua preocupação com
a Maçonaria, pois esta pode novamente vir a ser alvo de perseguições, como aliás,
observa, já se verifica em alguns países (Canadá, Irlanda e EUA)7.
E conclui nos seguintes termos:
Por fim, quanto a você ser conservador e ser maçom, não há problema algum nisso. Assim
como há pardo nazista, preto de alma branca, prostituta apaixonada e pobre contra o SUS,
todos encontram de alguma forma uma lógica em seus raciocínios, de modo a não
sofrerem uma dissonância cognitiva. Conservadores sempre foram e ainda são bem
vindos na Maçonaria que, enquanto progressista, é tolerante (ao contrário do
conservadorismo).
7
Poderia ainda ter citado o Chile, país mais próximo e com maior identidade com o Brasil aonde
lamentavelmente também já foram observados episódios semelhantes, inclusive escrevi sobre isto (PINHEIRO,
2022).
3
outras tantas teses, algumas, para dizer o mínimo, esdrúxulas (VIDAL, 2006).
Cavalheiro (2007, p. 12), por exemplo, observa que “Conforme registram alguns
historiadores, existem aproximadamente quarenta diferentes opiniões com relação a
origem da Ordem”.
Ora, nessa moldura tão ampla, torna-se muito difícil, senão impossível,
enquadrar a Maçonaria em qualquer ponto de um contínuo de categorias que tenha,
por exemplo, de um lado os conservadores e, do outro, os progressistas. O horizonte
cronológico, assim como a História geral e da Maçonaria em particular são tão
diversas (conforme a geografia, a ocupação territorial, a formação dos povos, as lutas
políticas, as crenças, etc.) nessa duração, que qualquer enquadramento generalizante
e categórico estará fadado à impropriedade. Destarte, antes de tudo é preciso
qualificar: a que Maçonaria se está a referir? Sim, pois a denominação Maçonaria tem
sido empregada indistintamente para identificar as mais diversas instituições - Ordens,
seitas, grupos com finalidades distintas, etc. - basta lembrar, por exemplo, as
entidades que hoje se autodenominam como maçônicas mas como tal não são
reconhecidas pela Maçonaria que, devido a um processo histórico, institucional,
datado e muito específico, se considera a única regular. Ademais, não pode ser
esquecido que a própria estrutura maçônica (rede e organização de Lojas) já foi (tem
sido?) instrumentalizada para o desenvolvimento de outras Ordens e interesses. Há
mesmo casos curiosos, como o do Rito Escocês Retificado, que tem como uma das
suas vertentes, a Ordem Élus Coens, da Martines de Pasqually8:
Ao menos sobre este ponto não pode haver equívocos: se Martines recebeu uma “missão”,
ela foi fundar um rito ou um “regime” maçônico de alto graus, onde pudesse introduzir,
revestindo-os de forma apropriada, os ensinamentos que havia obtido em outra fonte
iniciática. Quando se examina a atividade iniciática de Martines, nunca se deve perder de
vista o que acabamos de dizer, ou seja, sua vinculação dupla à Maçonaria e à outra
organização muito mais misteriosa, sendo a primeira indispensável para que pudesse
desempenhar o papel que lhe atribuía a segunda. (GUÉNON, 2009, p. 67)9
8
1727 - 1774.
9
1886 - 1951. Texto originalmente publicado em 1936.
4
viveram 50, 100, 500, 1000 ou 3000 anos atrás e que ainda hoje têm algo a nos dizer.
(ICHSV, 2020, p. 34)
10
Para aqueles que predominantemente fazem da Maçonaria uma rede de relacionamentos (p. ex., para
negócios), infelizmente chega mesmo a ser equiparada uma trade mark (©, ™).
11
1592 - 1670.
12
Infelizmente, mas talvez (oxalá) ocorra apenas nas Lojas que eu conheço (diretamente ou por contato com os
Irmãos), muito pouco tempo é dedicado ao estudo do II Grau, as sessões limitam-se ao mínimo: para a concessão
do “aumento de salário” e para a apresentação das Instruções.
13
1080 - 1154, teólogo cristão
14
Disponível em: https://redecolmeia.com.br/2015/10/11/codigo-landmarks-de-mackey/. Acesso em: 13.03.22.
5
encontro do entendimento já firmado, como alerta para as contradições e possíveis
problemas em considerar a Maçonaria como progressista:
Este mandamento [o 250] é o mais importante de todos os Landmarks, pois registra em
seu conteúdo ser a Maçonaria Universal, reclamando unidade em todo Planeta Terra de
substância e critérios administrativos para sua sobrevivência através dos séculos.
Sem essa política estável da doutrina com seus dogmas, especialmente na admissão da
existência do Grande Arquiteto do Universo e a Vida Espiritual, além do estudo
aprofundado de sua filosofia e aperfeiçoamento do Ser Humano, com o passar dos
tempos, perderia todos seus ensinamentos estruturais, podendo chegar ao completo
desvirtuamento de sua finalidade. Perderia como consequência de interpretações
subjetivas e regionais, sua razão de ser uma, com divisão de essência, e aí não mais seria
uma Maçonaria Universal, mas entidades diversificadas de cada localidade onde a
fraternidade seria extinta. E é justamente essa continuidade perpétua [...].
15
Por exemplo, com o resgate ao efetivo significado, e por conseguinte a seriedade que deve circunscrever as
Iniciações nos sucessivos Graus.
16
Disponível em: https://www.gob.org.br/o-que-e-maconaria/. Acesso em: 13.03.22.
6
síntese; portanto, há de se ter cautela com as perspectivas binárias - entre os
extremos sejamos mais equatoriais)
O QUE É O CONSERVADORISMO?
Para melhor entender a atitude conservadora é preciso ter em conta que ela se
situa entre outras duas: a reacionária e a revolucionária. As características que
seguem devem ser consideradas tipos-ideais weberianos, na prática, no dia a dia, o
que se verifica são matizes, formas mitigadas ou híbridas.
O que, então, caracteriza a atitude reacionária? Quem esclarece é Santos
(1990):
A combinação da imagem [do mundo, como o mundo nos parece no momento] satisfatória
com a expectativa da imutabilidade forma a atitude reacionária. Há três elementos
fundamentais nessa atitude: (a) a Natureza; (b) a sua origem divina; (c) a possibilidade do
homem conhecer indiscutivelmente a essência da Natureza e sua origem divina. Quando
fazemos apelo imediato a uma “lei da natureza”, estamos implicitamente dizendo que
conhecemos adequadamente a essência das coisas; que essa essência é fundamentada
num princípio imutável. Assim sendo, o recurso imediato e direto a uma lei natural
indiscutível expressa uma atitude reacionária. Um corolário dessa atitude é a tendência a
erigir usos e costumes em direitos adquiridos de natureza imutável; quase diríamos, de
natureza divina [...] diversas situações sócio-culturais ligadas à atitude reacionária [...] é o
caso da pressão política contra a legislação que cria e fomenta o planejamento familiar [...]
(op. cit., p. 14);
Para o reacionário há, indiscutivelmente, uma Natureza, a qual pode ser objetivamente
conhecida em sua essência tal qual criada por Deus. A rigidez da atitude se fundamenta
na segurança de que, pelo conhecimento objetivo e indubitável, atingimos a Verdade [...]
o conhecimento objetivo é definido como o instrumento que nos põe em contato com a
essência da Natureza e suas leis. (op. cit., p. 15)
Já na atitude revolucionária
[...] há uma combinação de uma imagem insatisfatória e repulsiva do mundo, junto com a
expectativa de uma realidade essencialmente diferente: uma outra realidade [...] O traço
específico desta atitude [...] é a intolerância que exige a alteridade radical [...] quando a
mudança vier ela atingirá a raiz das coisas, em lugar da sórdida realidade presente. O fruto
desse processo será não apenas uma outra sociedade mas um homem novo [...] criado
na justiça e santidade da verdade [...] agrega-se à atitude revolucionária uma nova
exigência: uma mudança a qualquer preço. (op. cit., p. 19)
17
A exemplo do bom, do belo e do verdadeiro.
7
para um passado (um momento, uma condição, um hábito, um valor, etc.) a ser
recuperado, a segunda visa o futuro, a reconstrução do mundo se necessário for a
partir de uma tábula rasa - redesenhando, por exemplo, as instituições (família,
sistema de crenças, valores, etc.). Saudoso, é típico do reacionário afirmar que “o
mundo nunca mais será o mesmo”, “nos tempos dos meus avós ...”, enquanto que
para o revolucionário “um novo mundo (melhor) é possível”. A depender do passado
desejado, bem como os meios (a exemplo da violência), essa expectativa pode revelar
traços de irracionalidade da mentalidade reacionária.
A agenda sociopolítica nacional e contemporânea está repleta de exemplos do
embate entre os dois posicionamentos que intentam, de todas as maneiras,
institucionalizar (inclusive pela via legislativa) as suas visões de propostas
transformadoras. E se ao longo do espectro político-partidário uma é dita à esquerda
- a visão revolucionária -, a outra então obrigatoriamente se coloca à direita, com todas
as reservas quanto ao sentido contemporâneo que, em outros textos, já revelei sobre
estas duas expressões - esquerda vs direita.
E em meio a ambas se situa a mentalidade conservadora, cuja introdução ora
dou início com a Apresentação de Garschagen, mestre em Ciência Política e Relações
Internacionais, à obra de Scruton (2015):
O que distingue o Conservadorismo britânico é que, enquanto a sua ideologia e religião
são ancoradas em preceitos eternos, a sua abordagem prática, que busca a síntese entre
o antigo e o novo, permanece empírica e, às vezes, até mesmo francamente experimental.
(op. cit., p. 20)
Fica claro, pois, como também afirma Ramos (2020, p. 9), que “[...] o
conservadorismo propriamente dito [...] antes de ele ser uma ideologia política, é um
estilo de vida”. E quanto à ideologia, Kirk apud Catharino (2014, p. 44) esclarece:
“Ideologia” não significa teoria política ou princípio, embora muitos jornalistas e alguns
professores, comumente, empreguem o termo nesse sentido. Ideologia realmente significa
fanatismo político - e, mais precisamente, a crença de que este mundo pode ser convertido
num paraíso terrestre pela ação da lei positiva e do planejamento seguro. O ideólogo -
comunista, nazista ou de qualquer afiliação - sustenta que a natureza humana e a
sociedade devem ser aperfeiçoadas por meios mundanos, seculares, embora tais meios
impliquem numa violenta revolução social. O ideólogo imanentiza símbolos religiosos e
inverte as doutrinas da religião. O que a religião promete ao fiel numa esfera além do
tempo e do espaço, a ideologia promete a todos na sociedade - exceto aos que forem
“liquidados” no processo.
8
como esclarece Ramos (2020, p. 10), e não poderia ser diferente, a defesa dos valores
conservadores se dá pela via do centro-direita:
[...] justamente por ele (o conservadorismo) defender a tradição e os valores/princípios da
sociedade (herança recebida), a estabilidade das instituições, e pretender a reforma do
Estado, rumo ao seu aprimoramento, colocando a vida e a liberdade em um grau de
hierarquia acima de todas as coisas, o conservador acaba sendo levado ao espectro
político de direita, pois é incompatível para ele aceitar a mentalidade da esquerda política.
18
Para alguns, dentre as virtudes cardeais, cultivadas desde a antiguidade pré-cristã e ainda hoje enfatizadas
pela Maçonaria, a prudência seria (é) a mais importante.
9
a legalização do aborto, a normalização de novos arranjos familiares como se
equivalentes à família tradicional, a aceitação da precoce erotização infantil, a adoção
da linguagem neutra - abolição do gênero -, entre outros itens autodenominados, de
modo difuso, como de “relevante interesse social” ou claramente em defesa de grupos
minoritários.
Retorno a Oakeshott (2016):
[...] o homem de temperamento conservador [...] tende a ser mais tolerável às pequenas e
lentas mudanças do que às abruptas e de grande escala, valorizando toda a aparência de
continuidade. (op. cit., p. 139)
Além do mais, ser conservador não é meramente ter aversão à mudança (o que pode ser
uma idiossincrasia); também é uma maneira de nos acomodarmos a mudanças, uma
necessidade que se impõem a todo homem. A mudança é sempre uma ameaça à
identidade, um símbolo de extinção. A identidade de um homem (ou de uma comunidade)
não passa de um ensaio ininterrupto de contingências, cada uma à mercê de
circunstâncias e com sua significância atrelada à familiaridade. (op. cit., p. 140)
10
uma mudança, a disrupção antecipada tem que ser comparada com o benefício projetado
[...] Uma inovação é sempre um processo que envolve riscos, em que perdas e ganhos
(mesmo que excluamos a perda de familiaridade) são tão emaranhados entre si que se
torna praticamente impossível prever o desfecho: não existe melhora se não a podemos
mensurar. A inovação é uma atividade em que não se gera apenas a melhora almejada,
mas uma situação nova e complexa da qual ela é um dos componentes do cenário final.
A mudança total no fim sempre é maior do que cabe nos planos; as implicações totais
nunca poderão ser previstas, sequer medidas [...] o ônus da prova de que a mudança
proposta seja no total boa ou ruim fica com o inovador em potencial [...] ele prefere
pequenas e limitadas inovações às grandes e indefinidas [...] a melhor ocasião para a
inovação é quando a mudança almejada fica mais claramente delineável e menos
vulnerável às vicissitudes do processo [...] O homem de temperamento conservador crê
que um bem conhecido não se rende facilmente a uma melhora desconhecida. Ele não é
apaixonado pelo perigo e pela dificuldade; não tem nada de aventureiro [...] O que os
outros plausivelmente identificam como timidez, ele nota prudência racional [...] É
precavido, e está sempre disposto a indicar se concorda ou discorda, nunca em termos
absolutos, mas em graus. (op. cit., p. 141 à 145)
Ainda que com as limitações que a ocasião impõe, penso ter esclarecido, em
algum grau, o que significa ser Conservador. Embora aqui e ali eu tenha me
posicionado, deixo ao leitor, pelo que conhece da História, dos valores, da doutrina, e
dos usos e costumes revelados na liturgia dos Ritos maçônicos, formar o próprio juízo.
A princípio, motivada pelos ideais de fazer uma humanidade “melhor e mais esclarecida”,
a Franco-Maçonaria era monarquista, legalista e profundamente ligada à ideia de culto à
Antiguidade Clássica e seus modelos. Prova disso é a plêiade de monarcas, imperadores
e os chamados “déspotas esclarecidos” que foram iniciados nela. Mais do que isso, é
notável que a primeira Constituição dos Franco-Maçons (dita “de Anderson”) era dedicada
ao Duque de Montagu e cita como Grão-Mestre o Duqye de Wharton. A Franco-Maçonaria
francesa, considerada a mais “revolucionária” de todas, em seu período inicial também era
profundamente ligada ao regime monárquico. (op. cit., p. 132)
11
Como se constata, mais uma vez (PINHEIRO, 2021a), a Maçonaria é tão aberta
(universal) que em todos os grandes movimentos sociais, políticos e revolucionários,
no Brasil e no Mundo, podem ser encontrados maçons de ambos os lados dos
contendores. Ora, isso confere aos maçons uma vantagem exclusiva: a priori, antes
mesmo do final dos conflitos, sempre poderão dizer que estiveram do lado “certo” -
vencedor. A falta de modéstia do maçom, já observada por Mackey (entre outros
tantos mas não tão conhecidos), faz então com que ele, e por extensão a Maçonaria,
atribua a si as honras e os méritos do vencedor, que casualmente será o redator da
História oficial.
Obtida a vitória da esquerda revolucionária esses franco-maçons, com o imenso poder de
influência que o novo regime lhes dava, propagavam entre seus pares que a República, o
progressismo, e a ruptura com o passado eram “ideais maçônicos”. (MUNIZ, op. cit., p.
133)
19
Note-se que Muniz vai ao encontro do que dissera Guénon em citação anterior neste texto.
20
1742 - 1818.
12
da amplitude e da complexidade das matérias envolvidas. Trazer para o âmbito da
Fraternidade outras acepções, mais próprias, senão exclusivas das ideologias à
esquerda do espectro político, não só me parece ser um equívoco histórico como pode
representar um perigo à própria Ordem pelo risco, por associação, de arrastá-la por
meio de uma narrativa específica para o terreno arenoso e movediço da política
partidária, notadamente nos tempos atuais - polarizado e intransigente.
Talvez desnecessário, mas, por oportuno, esclareço: não ser progressista não
implica ser a favor do atraso, contra o progresso, o desenvolvimento, evolução, etc. A
distância entre ser a favor do progresso e ser progressista é tão grande quanto a que
separa o cientista do cientificista.
PALAVRAS FINAIS
Pela segunda vez21 me senti motivado a interromper a série Maçonaria &
Política (M&P)22 para escrever, então, este texto. Todavia, e penso que o leitor mais
perspicaz concordará, não seria completamente destituído de sentido ter titulado este
texto como sendo o sétimo da série (M&P - VII), eis que em derradeira análise ele se
pronuncia sobre outro que, embora sob o manto do alerta à Ordem, nas entrelinhas,
porque não explora (pelos motivos esclarecidos) em profundidade e com as devidas
nuances a variedade de termos, conceitos e ideias que traz como argumento, acaba
por assemelhar, à luz do momento, como um manifesto de posicionamento político,
algo que, S.M.J., não era (é) a intenção do autor. Foi por isso que opinei que o Prof.
K. Ismail foi vítima do texto minimalista.
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GUÉNON, René. Estudos sobre a Franco-Maçonaria e o Companheirismo. São
Paulo: IRGET, 2009.
21
A primeira foi por ocasião da invasão ocorrida no Paraná e por ativistas da esquerda política à uma igreja cristã
(PINHEIRO, 2022).
22
A próxima edição, a sétima, abordará o tema das Teorias Conspiratórias.
13
ICHSV. Trivium e Quadrivium - a doutrina das 7 Artes Liberais. Porto Alegre: IHSV,
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14