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REDAÇÃO

O QUE É APROPRIAÇÃO CULTURAL?

Esse vem sendo um dos assuntos mais polêmicos ultimamente, muitos acusam, outros
muitos se sentem no direito de usar e abusar de símbolos, mas no fundo a maioria não
entende do que se trata, por isso nessa matéria da Capitolina vou tirar algumas dúvidas:

Usar turbantes e dreads são apropriações? Se a pessoa não é negra, mas a


família/religião/cultura/costumes é, ainda é apropriação usar turbantes ou fazer
dreads?

Usar turbantes ou dreads é apropriação cultural. No caso, o turbante é um ornamento de


símbolo religioso em várias culturas, inclusive na afro. Ele evidenciava a ligação dos
negros escravizados com seus costumes originais e representava a resistência. No caso
do dread, ele é característico em indianos, africanos e outras culturas não-ocidentais e,
quando reproduzido, as pessoas se apropriam de um item que faz parte da “beleza
natural” de determinado povo, mas que também está ligado às tradições.

alexandre magalhães
Cursos de Português alepereira.professor@gmail.com
O caso é que ninguém é realmente proibido de nada, mas vivemos num mundo onde há
séculos uma cultura é dominante e imposta, o modelo a ser seguido é o europeu,
consequentemente, o padrão estético é o ocidental e branco. Quando se nota o interesse
nos casos citados, esses símbolos sofrem um processo de embranquecimento, elitização
e exclusão dos costumes. O turbante que sua empregada fazia não era interessante até
aquela amarração sair numa revista. O pior lado disso tudo é que a exclusão vem quando
a tradição se torna um bem de consumo caro e de acesso restrito, ou seja, vira “modinha”.
É totalmente diferente ser branco – ou passar como branco – e usar um turbante/dread, e
ser negro usando as mesmas coisas; os olhares são outros, exatamente porque quando
usado pelo protagonista daquela tradição, o símbolo ganha outro significado, ele é político,
de resistência e empoderamento.

Em relação a religiões de matrizes africanas: todas as pessoas podem participar com


respeito e, inclusive, se for necessário o uso de turbantes, isso pode ser feito, até porque o
respeito àquele espaço (terreiro) deve vir em primeiro lugar. No fim, o argumento “eu tenho
um parente negro” é sempre usado quando apontamos racismo e apropriação. Como eu
disse, todo mundo pode usar, mas vale o bom senso de perceber que está participando de
um sistema que legitima o racismo. Se a pessoa se sentir pertencente à cultura por conta
dos laços de parentesco, não tem por que não, mas é muito fácil se dizer negro quando
lhe é conveniente.

Apropriação cultural não faz parte da globalização?

O sistema global hoje só existe e se sustenta porque fazemos parte de um mundo em que
exclusão, segregação, racismo e elitismo são características mantidas e propagadas. Não
se pode ver a apropriação de culturas marginalizadas com bons olhos, porque quem
marginaliza é o mesmo que se apropria, é algo muito mais amplo que mera globalização, é
um processo para manutenção das mazelas. Ao mesmo tempo em que se impõe o padrão
de beleza branca-de-cabelos-lisos e se propaga a ideia de que o uso de turbante por
negras é coisa de “macumbeira”, o símbolo vira tendência da noite para o dia. Mas
tendência para quem? As capas de revistas com mulheres usando turbantes mostram a
mesma musa idealizada de sempre; visualmente, já se exclui a protagonista. Isso não é
globalização, é um processo onde agora a moda é negra, mas o negro não está na moda,
porque ser negro continua sendo ruim. Agora, ele não “pode” mais ser o agente principal
da sua própria cultura.

alexandre magalhães
Cursos de Português alepereira.professor@gmail.com
Como falar de apropriação cultural se cultura, apesar de ser própria de um povo, não é
propriedade do mesmo? Se cultura é algo que abrange tantas questões, se tornando um
“apanhado de hábitos”, como dizer (e fazer entender) que não é positivo incorporar uma
cultura a outra – especialmente em um mundo globalizado?

A cultura é a marca de um povo, não vivemos sem cultura, e determinados povos mantém
a sua mesmo que ela tenha sido intensamente perseguida, por isso a necessidade de
reafirmar o protagonismo ganha peso. Sobre ser abrangente, e consequentemente de
todos, as religiões de matrizes africanas existem há séculos e ainda são vistas de forma
pejorativa, porém vem sendo crescente a ideia de que é “cult” ir na umbanda. Até anos
atrás era coisa de “macumbeiros” (e continua sendo se você é negro), então quando isso
virou hábito e tornou-se de todos?

O samba enquanto ritmo hoje é reverenciado e todos enchem a boca para dizer que é um
marco nacional. Primeiro que ele é um ritmo negro, segundo que ele é intrinsicamente
ligado com todas as músicas negras feitas para denunciar as mazelas sociais que o nosso
povo sofria, e ainda sofre, as tristezas causadas, seja pela escravidão, a fome, a exclusão
social ou a miséria. Quando ele surgiu não só foi visto como coisa de “malandro”, como
perseguido e reprimido, inclusive pela polícia. E agora ele é de todos? Quando se tornou
de todos? Ou melhor, quando ele virou interessante?

Certo e natural seria nenhuma cultura ser imposta e nenhuma outra perseguida, a ponto
de ser preciso reafirmação.

Se eu fizer um feijão sem carne e chamar de feijoada vegetariana? É apropriação?

Não interpreto como apropriação, só me incomoda o nome. A feijoada nacional é a feita


dos restos de carne e feijão pelos escravos, e compartilhada entre eles, então tirar a carne
me soa “gourmetizar” esse prato, mesmo que eu entenda as questões por trás do ato de
não comer carne.

Existe apropriação musical? Iggy Azzalea é um exemplo?

alexandre magalhães
Cursos de Português alepereira.professor@gmail.com
Para ambas as perguntas a resposta é sim, tanto Iggy, quanto Elvis, são casos de
apropriação no campo musical. No Brasil é comum também, acontece geralmente com
ritmos negros, como samba, rock, funk, rap, etc., que são tratados como ruins, coisa de
“bandido”, são perseguidos, seja com repressão violenta, ou com as opiniões que
demonizam, e por fim quando se percebe o potencial por trás destes, são “lançados” no
mercado, contudo com cantores brancos. E esses são tidos como os “melhores” mesmo
que o ritmo tenha uma outra origem e outros cantores que, além de entender mais sobre o
assunto (isso é fato), trazem em suas letras questões mais importantes como aquelas que
expõem a pobreza ou violência a que o nosso povo está sujeito, mas esses são ou
esquecidos, ou tem suas músicas roubadas ou regravas pelos “queridos da mídia”. Isso
aconteceu no rock com Elvis e está acontecendo novamente com Iggy no rap, e como
sempre tudo é tratado de uma forma, como se errado fossem os negros que querem
reconhecimento pelos seus feitos, no caso culturais. Para mim é a evidência que o racismo
e apropriação de culturas não dominantes, consequentemente a de grupos que são vistos
como “minorias”, estão interligados e se fortalecem.

Como devo lidar então com outras culturas não dominantes?

Com respeito. O que inclui só usar se o grupo de permite isso, afinal, num mundo onde
pessoas que pertencem às minorias não possuem voz, se você quer ser justo, tem que
escutar o que elas têm a dizer sobre o assunto, ou seja, se dizemos não a apropriação, é
não. Mesmo que haja negros que não se incomodam, ainda será mantido o processo que
citei, por isso há muitos que não aceitam e pedem para que essas ações sejam
repensadas.

Com base na leitura, REDIJA um artigo de opinião em norma padrão da


Língua Portuguesa sobre o tema tratado, posicionando-se a respeito da
postura assumida pela revista Capitolina acerca da realidade da
apropriação cultural no Brasil.

alexandre magalhães
Cursos de Português alepereira.professor@gmail.com

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