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1º TEXTO ARGUMENTATIVO 10º ANO

João Rebelo (Colégio de São Tomás- 10ºA)

Questão: Considera legítima a decisão do governo francês em proibir o uso das


abayas nas escolas?

Foi-me apresentado um texto da Agência Lusa de 27/08/2023 no qual o Ministro


da Educação francês, Gabriel Attal, anunciou este domingo que não se poderá mais usar
a abaya na escola em França. O Ministro referiu que “a laicidade é a liberdade de
emancipar-se através da escola” e que “ir à escola vestindo uma abaya era um gesto
religioso destinado a testar a resistência da República sobre o santuário secular que
deveria ser a escola”. Referiu ainda que um professor que “entra numa sala de aula não
deve ser capaz de identificar a religião dos alunos olhando para eles”.
O Ministro no seu discurso baseia-se no princípio da laicidade (artigo nº1 da
Constituição da República Francesa) que consiste na imparcialidade do estado em
relação a questões religiosas não apoiando nem se opondo a nenhuma religião.
Referindo-se também à impossibilidade de o aluno expressar publicamente a sua
religião, o Ministro invoca a lei de 15 de maio de 2004, que está atualmente em vigor
em França, e que proíbe nas escolas públicas o uso de símbolos que manifestam
ostensivamente a pertença a uma religião. Segundo a notícia do Diário de Notícias
(DN), de dia 28/08/2023, “três dias depois, uma circular passou a especificar que são
proibidos os sinais e trajes cujo uso conduz ao reconhecimento imediato da filiação
religiosa, como o véu islâmico, seja qual for o nome que lhe seja dado, o quipá [usado
pelos judeus] ou uma cruz [cristã] de tamanho manifestamente excessivo. Em relação
às abayas, foi publicada uma outra circular, em novembro do ano passado, ou seja 2022,
dizendo que esta também deve ser proibida se for usada de uma forma que manifeste
visivelmente uma filiação religiosa. O Conselho francês para o Culto Muçulmano
indicou, num parecer em junho, que a abaya não é um símbolo religioso muçulmano.
Mas continuavam as dúvidas, ainda para mais porque a circular deixava na prática a
decisão nas mãos dos diretores das escolas, o que não agradava a todos, pois havia

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quem defendesse que não deviam ser eles a assumir esse peso. Attal vem clarificar
agora a situação, antes do início do novo ano letivo de 2023.”
Ainda segundo o DN “os ataques à laicidade aumentaram desde que, em 2020, o
professor Samuel Paty foi assassinado à porta de uma escola após ter mostrado os
cartoons do profeta Maomé na sala de aula. O aumento dos ataques foi de 120% entre o
ano escolar de 2021/2022 e 2022/2023. O uso de símbolos religiosos, que representam a
maioria dos casos, aumentou mais de 150% ao longo do último ano escolar.”
Por outro lado, o Ministro, no seu anúncio da clarificação da lei de 2004,
esquece-se de referir o princípio da liberdade religiosa e liberdade de expressão presente
no princípio da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, segundo o
qual cada indivíduo é livre para crer e praticar a sua religião dentro do respeito da
ordem pública. Inclusivamente, o Ministro parece querer impor aos alunos uma religião
proveniente do Estado quando diz que a escola deverá ser um “santuário secular”. Esta
afirmação em si é contraditória pelo facto de “santuário” ser um lugar consagrado por
uma religião, enquanto que “secular” refere a imparcialidade a uma religião. Assim o
Ministro com esta afirmação no seu discurso promove o secularismo nas escolas como
uma doutrina do Estado.

Será então correta esta decisão sobre a proibição do uso da abaya?

A proibição do uso da abaya é justificada pelo princípio da laicidade (artigo nº1


da Constituição da República Francesa), segundo o qual o estado é secular ou laico,
devendo por isso ser aplicado a todas as instituições públicas. Segundo a política da
laicidade francesa, os professores e alunos devem manter a neutralidade religiosa em
espaços de ensino público, evitando usar símbolos religiosos nesses espaços. De acordo
com a Constituição francesa, o estado é laico, e assim sendo, todos os alunos e cidadãos
devem participar ativamente no princípio da laicidade do Estado. No que diz respeito à
escola pública a educação sendo laica, que consiste em igualar conhecimentos sem
discriminar jovem e crianças por credo ou crença religiosa, também estes devem fazer
respeitar estes valores do Estado sem expressar ostensivamente as suas crenças
religiosas. Por exemplo, o dever de respeitar as referências religiosas nos hinos e nas
bandeiras nacionais, os feriados religiosos, os costumes e tradições religiosas e nas leis
que beneficiam uma religião em detrimento de outras. Nem todos os estados que
garantem a liberdade religiosa são completamente seculares na prática. Em Portugal por
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exemplo existe a Concordata de 2004, que beneficia e atribui à Igreja Católica um
estatuto preferencial em várias dimensões da vida social.
Um Estado secular é aquele onde o poder é oficialmente imparcial em relação às
questões religiosas, não apoiando nem se opondo a nenhuma religião.
Em que consiste esta imparcialidade? Esta imparcialidade consiste na posição
que o Estado toma no uso do poder sem influência ou promoção de qualquer religião ou
crenças.
Contudo, posso avaliar e constatar que nas democracias ocidentais, onde
também a França se inclui, apesar de estas terem nas suas constituições uma não
confessionalidade declarada e a sua consequente laicidade, não existe nem poderá
existir uma perfeita imparcialidade do Estado, pois é dever deste regular e tutelar as
instituições estatais públicas, como é o caso da escola.
Quando um aluno, numa escola pública, usa símbolos religiosos ostensivos com
o objetivo de afirmar a sua religião (proselitismo) e com isso ser intolerante diante dos
que não professam nenhuma fé ou quando pretende usar símbolos religiosos para não
cumprir os valores e regras civilizacionais de determinado país ou mesmo orientações
escolares, então está a autoexcluir-se da normal convivência entre os povos e dos
valores da nação.
Pode um aluno usar ou levar consigo qualquer objeto ou símbolo religioso não
podendo o estado legislar sobre este facto uma vez que o Estado deve ser imparcial?
Não pode, pelas razões acima descritas.
A lei de 2004, anteriormente referida, já proíbe o uso de símbolos religiosos nas
escolas, a qual resultou de pedidos dos diretores que exigiram ao Governo a adoção de
uma lei que estabelecesse uma regra clara sobre essa matéria, pois não sabiam como
resolver os conflitos que então surgiram. Foi então decidido, nesta lei, que cabia aos
diretores tomar a decisão sobre a proibição da abaya nas escolas. Antes dessa lei de
2004, os conflitos eram resolvidos isoladamente, o que nem sempre era fácil para as
autoridades escolares. Dou como exemplo destes conflitos o caso ocorrido em França,
em 2003, onde uma menina judia foi atacada e perseguida pelos colegas muçulmanos,
tendo a família de ir viver para outra cidade. Os judeus são perseguidos e atacados pelos
muçulmanos ao ponto de estarem a abandonar a escola pública francesa para se
refugiarem em escolas privadas judaicas ou católicas, tendo também para isso que
mudar de cidade ou bairro.

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Também no Reino dos Países Baixos é proibido o uso de qualquer roupa que
cubra o rosto, assim como na Dinamarca, Áustria, Bulgária e Bélgica. Noutros países da
Europa persistem discussões sobre esta polémica (Alemanha, Suíça, Estónia, Letónia,
Lituânia e Noruega).
Em Portugal este tema não está a ser debatido, mas sobre esta nova clarificação
do governo francês sobre o uso da abaya nas escolas públicas o Vice-presidente da
Comissão da Liberdade Religiosa em Portugal (Fernando Soares Loja), diz que
“devemos ser compreensivos para com uma cultura, com a cultura do país de
acolhimento, que se sente, de alguma forma, posta em causa, pelo facto de as pessoas
que são de uma cultura estrangeira, como é o caso dos árabes, não respeitarem a
cultura do país de acolhimento”.

Por outro lado, de acordo com os princípios da Declaração dos Direitos do


Homem e do Cidadão, de 1789, cada indivíduo é livre para crer e praticar a sua religião,
dentro do respeito à ordem pública.
Sendo o estado francês laico ou secular pela sua Constituição, este deveria ser
imparcial em relação a questões religiosas e não se opor a nenhuma religião; por isso
não fazer esta discriminação aos muçulmanos, assim como a todas as restantes religiões.
Um Estado secular é aquele onde o poder é oficialmente imparcial em relação às
questões religiosas, não apoiando nem se opondo a nenhuma religião. Por esta razão, a
França, país de matriz cristã, acolhe todos os alunos, e consequentemente as suas
religiões e crenças, no pressuposto do respeito mútuo.
O uso de símbolos religiosos, desde que não alterem a identificação dos alunos,
deveriam ser aceites, uma vez que esses símbolos em nada se oporiam ao normal
desenvolvimento da transmissão de conhecimento escolar.
Dado que a religião e a pessoa coincidem, obrigar ao cancelamento do uso de
símbolos religiosos poderá ser entendido como uma amputação da pessoa?
Assim, partindo do pressuposto do respeito mútuo em França não deveria ser
legítima a decisão do governo francês em proibir o uso das abayas nas escolas.
A clarificação da lei de 2004 tinha deixado de parte o uso da abaya, pois não era
considerada um símbolo religioso ostensivo.
Com base no que foi explicado é importante perceber de facto o que pode ou não
ser considerado um símbolo religioso ostensivo, qual o tamanho da cruz ou do vestuário

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para ser aceite e quem tem o poder de definir e decidir estes critérios? Como bem se
percebe é demasiado subjetivo e fonte de ambiguidades e injustiças.

Olhando para o trabalho, desde o início, recordo-me que através da notícia da


Agência Lusa que me foi dada fiquei com a ideia de que não se devia decidir tirar a
liberdade de cada um de ser livre na religião a que pertence, proibindo os alunos de usar
a abaya na escola. Isto porque a escola é o local onde os alunos passam a maior parte do
seu tempo e seria uma injustiça, para os alunos muçulmanos, não poderem seguir a sua
religião, seguindo os seus costumes, pois, tal como todos os outros, têm liberdade de
expressão e de religião no âmbito escolar.
Depois, à medida que fui investigando e procurando mais notícias nos jornais
pude clarificar as minhas dúvidas iniciais. Procurei saber o que era um estado laico, a
liberdade religiosa e de expressão e fundamentalmente tive de procurar saber ao
pormenor em que consistia esta decisão e com base em que leis foi sustentada, os
acontecimentos que a precederam e as verdadeiras razões que levaram a esta decisão.
Ou seja, dar-me conta de todos os fatores: fatores humanos, que incluem os religiosos,
fatores culturais franceses, resultantes da longa história da França.
Os atos de violência de alguns muçulmanos sobre quem não professe a sua fé
estão a originar medo e instabilidade generalizada nas populações e em particular nas
escolas, seus alunos, seus professores e seus diretores.
Estes atos de violência sobre crianças ou adultos civis, incapazes de se
defenderem, influenciam as leis do país.
A criação de leis que cancelem os usos de símbolos religiosos, aparece como
resposta à falta de autoridade da nação francesa e como meio para aumentar a segurança
dos povos, face aos ataques dos Muçulmanos intolerantes, e apenas destes, pois a
realidade e os factos evidenciam que na sua maioria os Muçulmanos são pacíficos e
respeitam as leis mas há uma agressiva minoria que não respeita os básicos princípios
de tolerância. Como vimos atrás há variadíssimos exemplos de perseguições, dramas e
tragédias. Isto sucede não só em França mas noutros países ocidentais.

Após muita ponderação diante de uma questão tão difícil, complexa e delicada,
considero a decisão do governo francês necessária face aos incidentes graves que terão
de ser rapidamente banidos nas escolas.

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Fontes:

Notícia do Diário de Notícias de dia 28/08/2023:


https://www.dn.pt/internacional/proibicao-do-uso-da-abaya-nas-escolas-francesas-
direita-aplaude-mas-esquerda-esta-dividida-16930680.html

Notícia do The New York Times de dia 12/02/2004


https://www.nytimes.com/2004/02/12/news/french-schools-fight-deeply-rooted-racism-
antisemitism-infuses-scarf.html

Constituição da República Francesa


https://www.conseil-constitutionnel.fr/sites/default/files/as/root/bank_mm/portugais/
constitution_portugais.pdf

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão


https://pt.ambafrance.org/A-Declaracao-dos-Direitos-do-Homem-e-do-Cidadao

Definição Estado secular da Wikipédia


https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Estado_secular

Entrevista da Rádio Renascença ao Vice-presidente da Comissão da Liberdade


Religiosa em Portugal
https://rr.sapo.pt/noticia/religiao/2023/08/28/proibir-abaya-nas-escolas-em-franca-e-
questao-de-liberdade-individual-e-nao-religiosa/344384/

Notícia da DW
https://www.dw.com/pt-br/onde-%C3%A9-proibido-ocultar-o-rosto-na-europa/a-
49849482

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