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ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DO SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA

SOCIAL (SUAS): aspectos introdutórios

Silvia Tejadas
Assistente Social
Doutora em Serviço Social

O SUAS tem sua origem respaldada pelos seguintes marcos legais:


Constituição Federal de 1988 (Art. 203 e 204); Lei Orgânica da Assistência Social,
Lei N° 8.742/1993, modificada pela Lei 12.435/2011; Política Nacional de
Assistência Social (PNAS); Norma Operacional Básica (NOB/SUAS) e Norma
Operacional Básica de Recursos Humanos (NOB-RH/SUAS). O Sistema tem como
foco a reorganização da gestão da Política de Assistência Social, visando unificar o
conceito e procedimentos em todo território nacional. Busca, também, estabelecer
padrões dos serviços, qualidade no atendimento, indicadores de avaliação e de
resultados, padronização da nomenclatura dos serviços e da rede socioassistencial,
sendo sua organização baseada na divisão por territórios1.
O SUAS tem o objetivo de identificar os problemas sociais, focando as
necessidades de cada município, ampliando a eficiência dos recursos financeiros e
da cobertura social. Busca se constituir em um modelo democrático de gestão
descentralizada, que tem a missão de ampliar a rede de Assistência Social
brasileira. Os serviços, programas, projetos e benefícios têm como foco prioritário
a atenção às famílias e o território como base de organização, são definidos pelas
funções que desempenham, o número de pessoas a que se direcionam e a sua
complexidade.
A população usuária do SUAS caracteriza-se pelas seguintes situações de
vulnerabilidade e riscos: famílias e indivíduos com perda ou fragilidade de vínculos

1
Definição de território: [...] recortes territoriais que identifiquem conjuntos populacionais em situações
similares (BRASIL, 2004, p.38).

1
de afetividade, pertencimento e sociabilidade; ciclos de vida; identidades
estigmatizadas em termos étnico, cultural e sexual; desvantagem pessoal resultante
de deficiências; exclusão pela pobreza e, ou, no acesso às demais políticas
públicas; uso de substâncias psicoativas; diferentes formas de violência advinda do
núcleo familiar, grupos e indivíduos; inserção precária ou não inserção no mercado
de trabalho formal e informal; estratégias e alternativas diferenciadas de
sobrevivência que podem representar risco pessoal e social.
O SUAS prevê que os serviços socioassistenciais desenvolvam ações
continuadas e por tempo indeterminado voltadas à proteção social da população
usuária da rede da Assistência Social. O Sistema organiza-se por meio de duas
modalidades de proteção, a proteção social básica e a proteção social especial.
O quadro 1 demonstra como se efetiva a organização do SUAS em relação
à rede socioassistencial, constituída conforme o porte do município.

Quadro 1 Rede socioassistencial conforme o porte do município


Classificação dos
Municípios Habitantes Rede socioassistencial prevista
Pequeno porte I Até 20.000 Rede simplificada proteção social básica (1 CRAS)

Pequeno porte II De 20.001 a 50.000 Idem (1 CRAS para 3.400 famílias)

- Rede proteção social básica mais ampla (2 CRAS


Médio porte De 50.001 a 100.000 5000 famílias cada)
- Rede de proteção especial (local ou regional)
- Rede proteção social básica ampla (4 CRAS 5000
Grande porte De 100.001 a 900.000 famílias)
- Rede proteção especial de média e alta complexidade
- Rede proteção social básica ampla (8 CRAS 5000
Metrópole Mais de 900.000 famílias)
- Rede proteção especial de média e alta complexidade

1. Proteção Social Básica

A proteção social básica tem como objetivo promover a inserção de grupos


em situação de risco social nas políticas públicas, no mundo do trabalho, na vida
comunitária e societária, além de prevenir as situações de risco social.

2
Possui caráter preventivo, visando evitar o esgarçamento dos vínculos
sociais, por meio do atendimento a situações de fragilização do pertencimento a
determinados grupos sociais (situações de discriminação etária, étnica, de gênero
ou por deficiência).
Os destinatários deste nível de proteção são segmentos da população que
vivem em condições de vulnerabilidade social em razão da pobreza e da privação
de renda e precário ou nulo acesso aos serviços públicos, entre outros.
Os programas, projetos e serviços da Rede de Proteção Básica devem ser
organizados e coordenados pelos Centros de Referência da Assistência Social
(CRAS).
Os CRAS devem ser constituídos, conforme o porte do município e o número
de famílias referenciadas, devendo dispor de quadro de recursos humanos
conforme descrito a seguir:

Quadro 2 Centros de Referência da Assistência Social


CENTROS DE REFERÊNCIA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL – CRAS
Pequeno Porte I Pequeno Porte II Médio, Grande, Metrópole e
DF
Até 2.500 famílias Até 3.500 famílias A cada 5.000 famílias
referenciadas referenciadas referenciadas
2 técnicos de nível superior 3 técnicos de nível superior 4 técnicos de nível superior
(1 assistente social e 1 (2 assistentes sociais e 1 (2 assistentes sociais, 1
psicólogo) psicólogo) psicólogo e 1 profissional de
outra área)
2 nível médio 3 nível médio 4 nível médio

O CRAS é unidade pública estatal de base territorial, localizado em áreas


de vulnerabilidade social e deve estar vinculado à Secretaria de Assistência Social
do município. É o local que inicia o atendimento da rede de serviços
socioassistenciais. A responsabilidade pela implantação é da Prefeitura Municipal
para execução de serviços de proteção social básica. A abrangência do
atendimento é de no máximo 1.000 famílias ao ano, sendo o CRAS a unidade que
organiza a rede de serviços socioassistenciais local da Política de Assistência
Social.

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O CRAS tem distintas atribuições, tais como: orientação quanto ao convívio
sociofamiliar e comunitário à família e a indivíduos; informação e orientação para a
população de sua área de abrangência; articulação da rede de proteção social local;
promoção da inserção das famílias nos serviços de assistência social local;
mapeamento e organização da rede socioassistencial de proteção social básica,
sob orientação do gestor municipal da Assistência Social. Os serviços que podem
ser oferecidos pelos CRAS são os seguintes: Serviço de Convivência e
Fortalecimento de Vínculos (SCFV), Serviço de Proteção e Atendimento
Integral à Família (PAIF) e Serviço de Proteção Social Básica no Domicílio para
Pessoas com Deficiência e Idosas.
Como pode ser observado, o rol serviços oferecidos pelo CRAS tem como
foco o combate à pobreza e o suporte às famílias para protegerem seus membros,
com vistas à garantia da convivência familiar e comunitária.

2. Proteção Social Especial

A Proteção Social Especial tem dimensão complexa, dadas as fragilidades


dos vínculos familiares e comunitários já instaladas sobre as quais se propõe a
atuar, com vistas à manutenção da convivência no grupo de origem ou à proteção
quando rompidos os vínculos originais. Por isso, exige atenção personalizada e
processos protetivos de longa duração.
Os destinatários desta modalidade são indivíduos que se encontram em
situação de alta vulnerabilidade pessoal e social, decorrentes de abandono, vítimas
de maus tratos físicos e/ou psíquicos, abuso e exploração sexual, usuários de
drogas, adolescentes autores de ato infracional, pessoas em situação de rua.
Destaca-se que o SUAS prevê a possibilidade de efetivação de consórcios
públicos, sempre que a demanda dos municípios não justificar a manutenção de
equipamento de maior especialização. Todavia, tais consórcios públicos não devem
perder de vista a garantia da preservação dos vínculos familiares e comunitários.
A Proteção Social Especial é classificada em duas modalidades, quais sejam
a proteção social especial de média complexidade e a de alta complexidade.

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2.1. Proteção Social Especial de Média Complexidade

Os Centros de Referência Especializados de Assistência Social


(CREAS) compõem a Proteção Social de Média Complexidade do Sistema Único
de Assistência Social, cujo objetivo é atuar no apoio, orientação e acompanhamento
de família em situações de ameaça e de direitos violados.
As Tipificações dos Serviços Socioassistenciais (2009) preveem para
execução na Proteção Especial de Média Complexidade, implementada pelo
CREAS, os seguintes serviços: Serviço de Proteção e Atendimento Especializado
a Famílias e Indivíduos (PAEFI), Serviço de Proteção Social a Adolescentes em
Cumprimento de Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e de
Prestação de Serviços à Comunidade (PSC), Serviço de Proteção Social Especial
para Pessoas com Deficiência, Idosas e suas Famílias e Serviço Especializado para
Pessoas em Situação de Rua. Os CREAS, nesse contexto, são equipamentos
públicos estatais.
O CREAS visa promover a integração de esforços, recursos e meios para
enfrentar a dispersão dos serviços e potencializar as ações em torno de seus
usuários, envolvendo um conjunto de profissionais e processos de trabalhos que
devem ofertar apoio e acompanhamento individualizado especializado.
Para criação do CREAS é previsto um quadro mínimo de recursos humanos,
organizado de acordo com a capacidade de gestão de cada município, conforme
demonstrado no quadro 3.

Quadro 3 Centro de Referência Especializado de Assistência Social


GESTÃO INICIAL E BÁSICA GESTÃO PLENA E SERVIÇOS REGIONAIS
Capacidade de atendimento de 50 pessoas Capacidade de atendimento de 80 pessoas
1 Coordenador 1 Coordenador
1 assistente social 2 assistente social
1 psicólogo 2 psicólogo
1 advogado 1 advogado
2 nível superior ou médio (abordagem) 4 nível superior ou médio (abordagem)
1 auxiliar administrativo 2 auxiliar administrativo

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2.2. Proteção Social Especial de Alta Complexidade

A proteção social especial de alta complexidade tem como destinatários


famílias e indivíduos que se encontram sem referência (abandono, situação de rua,
entre outros) e/ou em situação de ameaça, necessitando ser afastados de seu
núcleo familiar e comunitário. Os serviços deste nível de complexidade visam ofertar
proteção integral, como moradia, alimentação, higienização e trabalho protegido
para famílias e indivíduos em situação de violação de direitos. Os serviços de
acolhimento institucional organizam-se conforme o público, sendo:
- Crianças e adolescentes: casa-lar, acolhimento institucional e acolhimento
familiar;
- Adultos e famílias: abrigo institucional e casa de passagem;
- Mulheres em situação de violência: abrigo institucional;
- Jovens e adultos com deficiência: residências inclusivas;
- Idosos: casa-lar, abrigo institucional.
O quadro de recursos humanos para atender a Política de Assistência Social
junto aos Centros de Referência de Assistência Social, na básica, média e alta
complexidade, deve constituir-se de profissionais contratados pelo poder público
por meio de concurso público, sendo prevista a instituição de Planos de Carrreira,
Cargos e Salários2.
A NOB-RH/SUAS prevê diretrizes para a política nacional de capacitação dos
trabalhadores e gestores da Assistência Social, na perspectiva de educação
permanente, onde a União, Estados e o Distrito Federal devem elaborar os Planos
Anuais de Capacitação.

3. CONSIDERAÇÕES GERAIS

O desenho da Política Pública de Assistência Social aqui exposto constitui-


se em importante avanço quanto à estruturação das ações na área, entretanto, para

2
Ver NOB-RH/SUAS Capítulo VI Diretrizes nacionais para os planos de carreira, cargos e salários- PCCS.

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aqueles que vivenciam o cotidiano da implementação da Política de Assistência
Social há muitos dilemas e indefinições a serem superados.
O público-alvo da Política constitui-se em uma de suas indefinições, o que dá
margem a diferentes interpretações. Cabendo questionar, o que é a pobreza?
Sposatti (1997, p. 15-16) debatendo o tema aponta que:
a pobreza é uma medida relativa, pois considera os índices registrados em
determinada realidade em relação a outros registros com melhores
resultados, na mesma ou em outra realidade. O padrão de vida, por sua
vez, é um modelo ou uma referência que permite estabelecer o que se
considera básico. É um lugar buscado e ainda não instalado. O padrão de
vida é uma referência a alcançar, enquanto a pobreza é um fenômeno.

O público não universal, mas relacionado a conceitos que podem ter


interpretações variadas tem servido, por vezes, para formas renovadas de
meri ocracia , relacionada a de erminado cri rio ociai , onde nece rio q e
o cidad o e encai e nestes para ingressar em programas e serviços.
Stein (1998) aponta a assistência social lato sensu, a qual tem como
referência a pobreza relativa, que amplia seu público-alvo, em contraponto ao
conceito stricto sensu que se referencia na pobreza absoluta, buscando prover
condições de subsistência àqueles cujo mínimo vital está ameaçado.
Almeja-se uma política de travessia, ou seja, que oportunize o acesso da
população às demais políticas, que conduza à universalização dos direitos sociais
e ao acesso real a recursos. Para que a travessia ocorra faz-se necessária uma
estreita articulação com as demais Políticas Públicas, além de buscar maior
integração dos trabalhos, no campo conceitual e operacional. Para tanto, se faz
necessário reconhecer as fatias assistenciais existentes nas demais políticas,
introduzindo novas estratégias de articulação e gestão, retirar a assistência social
de seu isolacionismo e secundarização, buscando construir ações transetoriais e
multisetoriais.
A questão do financiamento da política coloca-se, também, como um
limitador importante. Embora a Política de Assistência Social tenha crescido
enormemente na última década, em especial no orçamento federal, ainda figura nos
orçamentos dos três entes de forma secundarizada, não dispondo dos recursos
necessários para alcançar o objetivo proposto. Essa realidade se agrava na atual

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conjuntura, com a emenda constitucional 95/2016 que congela o orçamento público
pelos próximos 20 anos, efetivando um refluxo no processo de expansão da política
e indicando, no máximo, sua mera subsistência. Ainda, há ameaças frequentes ao
Benefício de Prestação Continuada (BPC) com relação a sua restrição, inclusive de
valores, bem como notícias de interrupção na concessão de benefícios sem causas
justificadas.
A descentralização político-administrativa embora se constitua num novo
paradigma que busca um aprofundamento da democracia, é tarefa árdua e
complexa. Segundo Stein (1998) as mudanças ocorridas na administração pública
brasileira não se efetivaram de forma planejada e ordenada, ou seja, às estruturas
existentes, não lhes sucedeu outras articuladas nos diferentes níveis de governo. A
chamada municipalização, que prevê a centralidade do ente municipal como
planejador e executor da Política de Assistência Social, tem sido demarcada pela
atribuição de responsabilidade aos municípios sem a devida contrapartida
financeira dos estados e da União, comprometendo a sua execução.
Nesse contexto, a nova ordem pressupõe partilha de poder entre as
instâncias do executivo e a sociedade civil. No caso dos municípios, prevê na
execução da Política uma parceria entre a o executivo municipal e as organizações
da sociedade civil, mantendo a primazia do Estado. Observa-se a fragilidade das
ações do Poder Público em suas distintas instâncias, dado o frágil aporte de
recursos e inconsistência, por vezes, na elaboração teórico-prática. Por outro lado,
há um crescente fortalecimento das estruturas e organizações assistenciais não
estatais - sem fins lucrativos -. Tais movimentos expressam, em alguns momentos,
movimentos ambíguos, que põem em questão o caráter da Política como Direito e
Pública.
Os Conselhos, em muitos casos, não têm tido o vigor necessário para cumprir
o papel de formuladores de políticas, mas adquirem caráter cartorial, onde a
negociação entre os interesses privados e públicos evidencia-se.
No campo da Seguridade Social, as três áreas têm funcionado isoladamente
e de forma concorrente, com aparente rejeição da Previdência à Assistência Social,
a qual tende a ser vista como um apêndice. As leis de regulamentação foram

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realizadas por áreas e não englobando a Seguridade como um todo, as próprias
estruturas no Governo Federal mantém-se ao longo do tempo fragmentadas.
Iniciativas de debate e reflexão sobre a questão da Assistência Social são
fundamentais, pois possibilitam uma revisão permanente do trabalho no campo
estrutural, operacional e acerca das práticas desenvolvidas que ainda hoje
reproduzem, em alguma medida, o modelo assistencialista que se almeja superar.

5. Referências
BRASIL. Constituição Federal. Brasília. 1988.

_______. Lei Orgânica da Assistência Social Lei Federal nº 8742, 1993, alterada
pela Lei 12.435/2011.

_______. Ministério de Desenvolvimento Social e Combate a Fome. Secretaria


Nacional de Assistência Social. Política Nacional de Assistência Social PNAS.
Brasília: 2004.

_______. Ministério de Desenvolvimento Social e Combate a Fome. Secretaria


Nacional de Assistência Social. Norma Operacional Básica NOB/SUAS. Brasília:
2005.

_______. Ministério de Desenvolvimento Social e Combate a Fome. Secretaria


Nacional de Assistência Social. Norma Operacional Básica de Recursos Humanos
do SUAS. NOB-RH/SUAS. Brasília: 2006.

_______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate Fome, Instituto de


Estudos Especiais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Capacita
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COUTO, Berenice Rojas. O direto social e a assistência social na sociedade


brasileira: uma equação possível? São Paulo: Cortez, 2004

MENDES, Jussara Maria Rosa; PRATES, Jane Cruz e AGUINSKY, Beatriz (Orgs).
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RIO DE JANEIRO, Ministério Público. 4º centro de Apoio Operacional das


Promotorias da Infância e Juventude. SILVA, Anália dos Santos, et al. O papel do

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STEIN, Rosa. A descentralização político-administrativa na Assistência Social.
Mimeo.

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