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Semiologia Por Casos Clinicos - SANAR
Semiologia Por Casos Clinicos - SANAR
AUTOR – COORDENADOR
Bruno Bastos Godoi
Formação em Medicina pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM).
Autor-coordenador das seguintes obras: “100 Casos Clínicos em Medicina (2a Edição)”, “Casos
Clínicos em Pediatria”, “Casos Clínicos em Ginecologia e Obstetrícia”, “Mapas Mentais da
Medicina” e “Cirurgia: 50 Casos Clínicos” e “Cirurgia Ambulatorial: Uma Abordagem Prática”.
Além disso, atuou como autor colaborador no livro “50 Casos Clínicos em Neurocirurgia e
Neurociência”. Revisor e membro do Conselho Editorial de periódicos científicos internacionais.
COAUTORES
Adriano Tito Souza Vieira
Acadêmico de Medicina da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Presidente da Liga
Acadêmica de Medicina Interna e Cirúrgica - Liga do Trauma (LAMIC-LT) na gestão 2020. Autor e
Colaborador nos livros “Mapas Mentais da Medicina”, “Cirurgia – 50 Casos Clínicos: do
Diagnóstico ao Tratamento” pela editora Sanar®.
Vera Bain
Formada em Medicina pela Universidade de São Paulo. Residência de Pediatria no Hospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Residência de Infectologia
Pediátrica no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Créditos
Autores
Prefácio
Seção 1 - Introdução
Seção 4 - Cardiovascular
Seção 5 - Gastrointestinal
Seção 6 - Urogenital
Seção 8 - Extras
Prefácio
Fiquei muito feliz ao ser convidada para escrever este prefácio, principalmente em razão
da pessoa que fez o convite: Bruno Godoi. Uma pessoa que tem entusiasmo pela vida. Um
médico que tem sede de ciência e generosidade acadêmica. Obrigada por compartilhar
suas utopias e desafios médicos comigo. Me sinto honrada.
Ao ser convidada para escrever este prefácio, o primeiro pensamento que me veio foi o
de cartografar os significados de semiologia, tentando elucidar a complexidade e
integralidade do paciente como indivíduo holístico.
Na medicina, aprendemos sobre a objetividade dos sinais. Sinais do corpo.
Diferentemente dos sintomas, que são vocalizados na subjetividade das palavras do
paciente; que representam a materialização de sensações em diálogos.
Contudo, esta fronteira entre objetividade-subjetividade é assim tão precisa?
Afinal, o que é um corpo?
Apesar de nossos olhares serem adestrados para ver a parte física, química e as
interações biológicas, o corpo não é apenas um organismo vivo. Um corpo é sujeito, com
sentimentos, percepções, cor, gênero, classe, cultura, história. Como médicos, às vezes nos
esquecemos, mas a experiência concretizada na semiologia talvez seja a que represente a
dimensão mais aguda do cuidado. Se posicionar no lugar do outro. Ouvir sem silenciar.
Tocar para trocar. Falar para ser compreendido. Olhar sem constranger.
Um corpo, definitivamente, não é apenas um organismo vivo.
E como lidar com esse corpo em tempos pandêmicos? Tempos sem abraços, de
distância. De máscaras, sem rosto. De luvas, sem tato. De alguma forma, nós, médicos,
somos preparados para este tipo de realidade. Mas a verdade é que nunca estamos
preparados de fato. Porque também somos corpo, somos sujeitos, com afetos, ansiedades,
angústias e esperança. E esta é a parte da semiologia que a faz, ao mesmo tempo, tão
revolucionária e tão simples: a humanidade. Uma relação de sujeito-sujeito. Que deve ser
sem hierarquia, sem muros invisíveis.
Sujeito-Sujeito. E é nessa continuidade hifenizada de humanidade que nós médicos
precisamos nos apegar. Sem messianismo, status ou idolatria. Afinal, na vida e na morte,
também somos corpo. E resistimos com ele, nele e por todos os outros.
Bases do Diagnóstico/Raciocínio
Clínico
Autor(a): Gregório Victor Rodrigues
Por outro lado, o contrário também é verdadeiro, isto é, o raciocínio clínico, se bem
conduzido, constitui-se em índice da qualidade da assistência médica. Coderre et al.
consideram que são benefícios diretamente relacionados ao bom raciocínio clínico a
otimização do tempo diagnóstico; a utilização racional dos exames, dispensando
propedêutica desnecessária e, consequentemente, diminuindo custos operacionais e riscos
potenciais de efeitos adversos; o aumento da resolubilidade do problema do paciente e,
consequentemente, aumento da sua satisfação; e, sobretudo, o aumento da autossatisfação
profissional, quando a lógica da conclusão mostra-se adequada.
Diante de semelhantes constatações, é natural que uma das competências fundamentais
a ser desenvolvida pelo graduando em medicina seja justamente o raciocínio clínico. No
entanto, as escolas de medicina têm dispensado pouca atenção ao ensino do raciocínio
clínico em termos do seu entendimento neuropsicopedagógico e às implicações
educacionais envolvidas no desenvolvimento dessa competência. Tradicionalmente, tem-se
considerado apenas que as habilidades cognitivas necessárias a esse processo podem ser
satisfatoriamente obtidas pelos estudantes de maneira absolutamente tácita, sem qualquer
intervenção ativa ou consciente dos sujeitos envolvidos – professores e alunos.
Este capítulo introdutório, cujos princípios perpassarão por todos os outros ao longo
desse livro, afirma a ideia de que a melhor compreensão dos mecanismos
neuropsicopedagógicos do raciocínio clínico, tanto por parte dos médicos professores, que
comumente não se debruçam sobre essa questão, quanto por parte dos alunos, que
inicialmente a desconhecem, possa fornecer base mais sólida de seu ensino e
aprendizagem. Nesse sentido, serão apresentados os conceitos que subsidiam
teoricamente o raciocínio clínico, a fim de que o seu aprendizado, sendo didaticamente mais
adequado, seja também mais consciente e prazeroso.
Raciocínio Clínico, o Que É?
Entretanto, o raciocínio clínico é conceito difícil de ser explicado teoricamente. Os
próprios médicos, embora valham-se a todo o momento do raciocínio clínico, comumente
não se detêm a pensar a respeito desse processo que lhes ocorre de maneira tão natural.
Sabem, portanto, exercê-lo, sem, no entanto, saber dizer exatamente como o fazem.
Nas duas últimas décadas, contudo, houve grande avanço quanto à capacidade de
compreensão da cognição humana e, em particular, do raciocínio clínico. O conhecimento
obtido por influência da ciência cognitiva, teoria de decisão e ciência da computação tem
possibilitado ampla visão do processo cognitivo, que se constitui como base das decisões
diagnósticas e terapêuticas em medicina.
Desses estudos, em especial o de Kassirer, depreende-se a noção de que raciocínio
clínico é toda a variedade de estratégias cognitivas desenvolvidas com o objetivo de buscar
solução adequada para um problema clínico do paciente.
Por seu turno, Catherine Lucey, uma referência no assunto, conceitua raciocínio clínico
como a habilidade dos médicos para entender as queixas de um paciente e depois
identificar uma lista de possíveis diagnósticos que podem explicar essa condição. Já
Rogers, de forma simples, afirma que o raciocínio clínico é o processo de pensamento que
norteia a prática.
Portanto, raciocínio clínico é justamente a sistematização de um processo intelectual
cujo objetivo é o encontro da solução clínica adequada ao paciente. Isso será abordado
mais de perto, para se entender como os médicos mais experientes pensam.
Transdução Semiótica
Uma vez selecionados esses dados, sejam eles os sintomas da queixa, os sinais
examinados ou os resultados dos exames solicitados, eles serão, então, transduzidos em
qualificadores semânticos próprios da terminologia médica. Por exemplo, veja o caso do Sr.
João ao relatar a “fisgada” que sente na perna sempre que pressente que uma chuva que
está por vir. O profissional de saúde capta a informação e encontra para ela correlatos na
linguagem médica (Figura 2). Para esse caso, por exemplo, poderia entender o médico que
se trata de uma ciatalgia agravada pelo hábito de apanhar apressadamente, e de maneira
nada ergonômica, as roupas do varal, antes que a chuva caia.
Representação Problemática
Problema é um conceito amplo que se refere àquilo que o examinador encontra de
“errado” em relação à saúde do paciente. Dessa forma, diz respeito a qualquer elemento que
interfira na qualidade de vida do paciente, necessite de investigação adicional ou requeira
uma conduta terapêutica. Deve-se ressaltar que tais elementos sejam, por si, problemáticos;
eles não são, por si, diagnósticos. Ao contrário, cada um deles compõe a lista de problemas,
que é a súmula dos problemas, que, uma vez conjugados, constituem o diagnóstico.
Para se ter noção do poder dessa sequência inicial de passos (identificação de dados
elementares, transdução semiótica e representação problemática), é apresentado o caso
clínico a seguir.
Paciente: Bom dia, doutor. Eu vim até aqui, porque meu joelho direito tem doído muito
desde a noite passada. Eu fui em uma festa ontem e estava tudo bem. Conversei
bastante com meus amigos, dancei e, de quebra, tomei algumas, porque ninguém é de
ferro, não é, doutor? Eu fiquei pensando se eu não exagerei na dança. Porque beber
umas doses é algo que eu já tenho costume...Agora, o estranho é que há cerca de uns
6 meses eu tive uma dor parecida no mesmo joelho. Eu nem cheguei a te procurar,
doutor, porque eu passei um creme de arnica e melhorou rapidinho e nunca mais
voltou, até agora. Dessa vez eu tentei a mesma coisa, mas achei melhor procurá-lo,
porque estou custando a andar. Vai que é uma coisa mais séria. Eu acho que pode ser
artrose, minha mãe tem isso. (sic)
Figura 3. Scripts mentais: atendo-se aos detalhes mais importantes, esse construto mental resume-se
aos termos da epidemiologia da doença (Quem contrai?), da evolução da doença (Qual é a história
natural?), da apresentação clínica (Quais são os sinais e sintomas clássicos?) e do mecanismo
fisiopatológico da doença (Como ocorre a patogênese?).
Mas essa composição não é estanque. Ao longo da formação médica (que nunca se
encerra), os scripts vão sofrendo ajustes/modificações contínuas decorrentes da dinâmica
entre teoria e prática. E, nesse ínterim, o modelo vai também absorvendo influências
subjetivas, como a experiência da observação/participação da perspectiva do paciente
(moléstia ou enfermidade), da relação com o adoecer (ideias e crenças, interpretações,
preocupações, impactos na vida, expectativas, sentimentos), além da perspectiva contextual
(família, comunidade, pessoal e social).
Desse modo, a construção do modelo ou protótipo (script) pelo profissional não é (ou não
deve ser) redutível à doença, pois há outras perspectivas subjetivas que o compõem. Tanto é
assim que qualquer script, mesmo que referente a um mesmo assunto, é pessoal, ou seja, é
construído a partir das referências de cada profissional, de cada indivíduo, pois ele é quem
dá o tom, filtra e organiza os dados que vão compor o modelo.
Hipótese-Dedução
Tal representação é tão rapidamente ativada na mente do médico que toma parte
inclusive na aquisição dos dados elementares, sendo a estratégia para elaborar mais
perguntas pertinentes à anamnese, reconhecer mais sinais congruentes ao exame físico e
também solicitar exames apropriados.
É dessa forma, então, que o médico experiente vai testando o(s) protótipo(s) que
automaticamente veem à sua mente. A cada resposta durante a anamnese, a cada manobra
ao exame físico e a cada resultado de exames, o diagnóstico vai se configurando, como
mostra ludicamente a Figura 4.
Heurística
Mas, ao contrário do que se pode imaginar, médicos experientes não fazem todas as
perguntas durante a anamnese, não realizam todas as manobras ao exame físico nem
solicitam todos os exames para chegar às suas conclusões diagnósticas. Na verdade, os
médicos começam a pensar em diagnósticos no exato instante em que estão diante de um
paciente e suas ideias sobre o que há de errado continuam a evoluir enquanto examinam.
Assim, a maioria dos médicos chega rapidamente a dois ou três diagnósticos (outros, mais
talentosos, chegam a quatro ou cinco). Mas, de todo modo, todos formulam suas hipóteses
a partir de um conjunto de informações muito incompleto. E, para isso, em princípio, a
heurística é inegavelmente fundamental.
Heurística são regras práticas intuitivas que direcionam o raciocínio para conclusões
padronizadas. Tais regras práticas são processos simplificadores construídos mentalmente
a partir da constatação dedutiva do resultado da experimentação de um fenômeno
repetitivo. Aplicado à medicina, a heurística ocorre pelo diagnóstico imediato ou instantâneo
realizado através do reconhecimento de um conjunto de dados padrão denotador de
determinada doença.
Para se ilustrar tal associação, relate a um médico experiente o seguinte caso e
cronometre o tempo que ele irá gastar para fazer o diagnóstico certeiro:
Paciente do sexo masculino, 59 anos de idade, tabagista, apresenta tosse crônica,
febre e hemoptise. Radiografia de tórax revela cavitação em lobo direito. BAAR positivo
em 2 amostras.
Por que será que isso ocorre? Será que ele processou um volume grande de informações
para chegar a esse resultado?
Ora, pelo contrário. A coisa é muito mais reflexa: a sua experiência clínica acumulada ao
longo de tantos anos de profissão permite-lhe identificar rapidamente esse problema de
saúde que lhe é tão comum com a mesma facilidade com que reconhece uma face familiar.
Você, por outro lado, ainda desconhecido do “velho companheiro” de seu professor,
provavelmente não o reconheceria de pronto e passaria sem cumprimentá-lo, afinal, como
nossos professores costumam dizer, “a gente só cumprimenta quem conhece”. O segredo
está, pois, na familiarização.
Abordagem Sindrômica
Nesse momento, fica claro que a forma como se costuma estudar, que é a maneira com
que os livros costumam ser organizados, em capítulos de doença a doença, situação a
situação, só tem mais utilidade quando o diagnóstico já foi confirmado. Isso realmente
costuma acontecer nos ambulatórios de especialidade, onde as demandas já vêm bastante
filtradas, ou mesmo nas provas avaliativas em que apenas “cai” aquele seleto conteúdo. O
problema é que apenas vivenciando essas situações de leitura “horizontal”, o raciocínio é
pouco exercitado e, considerando estudantes, sobretudo em fase inicial, isso não é bom
para o seu desenvolvimento. Principalmente porque a vida real não tem conteúdo
selecionado e mesmo os ambulatórios de superespecialidades são ambientes muitos
propícios aos vieses cognitivos (como será abordado em módulo específico sobre esse
tema), coisa que também não é favorável ao desenvolvimento do raciocínio clínico.
Além do que, você imagina quantas doenças são descritas na literatura médica? São
muitas! Veja na Figura 5 como tem ocorrido a evolução do Código Internacional de Doenças,
para se ter uma ideia desse volume.
Por outro lado, você sabia que são descritas apenas cerca de 200 formas com que as
doenças apresentam-se e manifestam-se, isto é, cerca de 200 síndromes clínicas? Com
menos apresentações clínicas do que doenças de base para causá-las, isso só pode
significar uma coisa: uma síndrome pode ser explicada por múltiplas patologias.
E isso leva a outra conclusão: estudar de forma vertical, ou seja, através de uma
abordagem sindrômica, é a solução mais realista. E é essa sugestão para se construírem os
scripts mentais de doença. Pouco a pouco, tome as apresentações clínicas com que você se
depara e uma a uma faça com elas uma leitura vertical, uma abordagem sindrômica,
comparando cada possibilidade diagnóstica sobre a árvore sindrômica em termos de
mecanismo fisiopatológico, de epidemiologia, de sintomas, de sinais, de complicações, de
testes diagnósticos e de terapias. É evidente que esse exercício será muito mais útil e
prático do que simplesmente ler um capítulo sobre determinada doença (Figura 6).
Figura 6. Quadro de leitura vertical para construção de scripts mentais de forma comparativa.
Diferenciação Diagnóstica:
Ainda é possível que falte repertório ao clínico iniciante. Para lidar com essa escassez de
opções diagnósticas, deve-se lembrar dos mnemônicos etiopatogênicos! Um mnemônico
famoso é o VINDICATE, que estabelece que, em geral, para cada apresentação clínica existe
pelo menos 1 patologia capaz de explicá-la em cada uma das seguintes etiopatogenias: V
de vascular, I de inflamatória, N de neoplásica, D de degenerativa, I de intoxicativa, C de
congênita, A de autoimune, T de traumática e E de endócrina. Deve-se testar isso, por
exemplo, quando o paciente apresentar dor no peito, preenchendo-se o quadro acima. Pode-
se encontrar uma causa vascular em virtude de um infarto agudo do miocárdio, uma causa
neoplásica devido a um mixoma atrial, uma causa degenerativa em razão de uma
degeneração vascular, uma causa inflamatória por miocardite, uma causa autoimune devido
ao lúpus, uma causa traumática em virtude de trauma torácico e uma causa endócrina
devido à tireotoxicose.
Ainda assim as possibilidades expressas no VINDICATE não são todas. Como explicado,
debaixo do “guarda-chuva de uma apresentação sindrômica”, existem muitas possibilidades
diagnósticas, e é por isso que se sugere um outro mnemônico, que é considerado mais
completo que o VINDICATE. Ele denomina-se INVESTIGANDO MAIS e tem as seguintes
relações, como mostra a Figura 7:
Figura 9. Comparação entre o processo de resolução de problemas clínicos entre médicos experientes
e aprendizes.
Isso ocorre, porque não basta ter repertório, é preciso saber como utilizá-los. A utilização
mecânica, aleatória ou exaustiva não é produtiva. Por isso, dentre as estratégias possíveis,
como raciocínio fisiopatológico, exaustão, arborização, sugere-se guiar o raciocínio segundo
probabilidades, valendo-se de alguns princípios bastante lógicos.
O primeiro deles é o princípio da verificação emergencista. Esse princípio estabelece que
antes de tudo deve-se excluir aquilo que é grave. Naturalmente, é um princípio que
acompanha muito quem trabalha em serviços de urgência e emergência, mas mesmo quem
não trabalha deve ter essa noção, pois urgência e emergência não têm hora nem lugar para
acontecer. Mesmo em um centro de saúde, onde mais comumente atende-se a pacientes
crônicos ou com agudizações leves, é possível que surja algum paciente com uma
emergência. E diante disso não é aceitável que se fique investigando e confabulando
diagnósticos. Pelo contrário, é preciso que seja identificada rapidamente a gravidade e eu se
faça algo para contê-la. Mas para isso, é necessário pensar nessa hipótese sempre primeiro,
mesmo que seja para excluí-la. Muitas vezes essa exclusão parecerá óbvia até mesmo pela
inspeção. De todo modo, não se deve deixar de pensar primeiramente nas hipóteses que
configuram uma emergência, a partir da identificação dos seguintes sinais sugestivos
(Figura 10)
Figura 10. Sinais sugestivos de condições e situações de urgência e emergência (ECG: Escala de
Coma de Glasgow; TEC: Tempo de enchimento capilar; PAS: Pressão Arterial Sistêmica; FC:
frequência cardíaca; FR: frequência respiratória; SatO2: saturação de oxigênio).
Ausência de pulso
Parada cardiorrespiratória
Ausência de movimento ventilatório
Queda de mais de 2 pontos no ECG
Rebaixamento agudo da consciência ECG < 8 pontos
Precordialgia típica
Febre com suspeita de neutropenia
Achados potencialmente
Suspeita de obstrução de vias aéreas
emergenciais
Alterações neurológicas agudas e focias
Enterorragia volumosa
Portanto, com base nesses princípios, pode-se concluir que a impressão diagnóstica
deve sempre: primeiro, afastar as hipóteses de urgência e emergência, que demandam
medidas imediatas; segundo, considerar as hipóteses mais prováveis segundo a
epidemiologia clínica, considerando o princípio da parcimônia; terceiro, aplicar, quando
cabível, a ideia da unicidade diagnóstica, em que é mais provável que o quadro apresentado
pelo paciente seja satisfatoriamente explicado por apenas um diagnóstico (unitário), em vez
de vários diagnósticos explicando partes dos dados; quarto e último, tentar elencar sempre
mais do que uma hipótese, tendo pelo menos 3 hipóteses de trabalho, que são aquelas
eleitas como possíveis e para quais a investigação adicional será dirigida para eleger, dentre
elas, a mais provável. Tenha esses princípios sempre em mente.
Figura 12. Relação entre desempenho e experiência de acordo com os estudos de Choudhry et al.
(2005).
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Capítulo 2
APRESENTAÇÃO CLÍNICA 1
Paciente, 6 meses, masculino, nascido e residente na cidade de Vitória (ES). Por volta de
03h30 da manhã, é trazido por sua mãe ao pronto atendimento municipal. A mulher, uma
jovem de 24 anos, visivelmente abalada e cansada, alegava que seu filho apresentara um
pico febril de instalação súbita nas últimas duas horas, registrando 39ºC em aferição
domiciliar.
Ao exame físico, o bebê estava tranquilo e apresentava bom estado geral, sem nenhuma
alteração ao exame físico. A aferição da temperatura no consultório media 37ºC. A
caderneta vacinal fora esquecida em casa, embora a mãe alegasse ter dado todas as doses
pertinentes para a idade do seu filho.
A mulher apresentava baixa escolaridade e aparentava viver em frágeis condições
socioeconômicas, sendo residente de um bairro de periferia. Sem carteira de motorista e
considerando que os ônibus da região não estavam funcionando de madrugada, ela foi a pé,
mesmo sabendo que a distância era grande (3 quilômetros) e que as zonas pelas quais
passaria eram perigosas, afinal, a condição do filho era muito preocupante. Estava
completamente suada pela longa caminhada e, embora numa noite era relativamente
quente, estava vestida com uma blusa de frio de gola alta, que contrastava com o uso de
uma bermuda até o meio da coxa e um par de chinelos.
Quando questionada sobre o pai do bebê, alegou que ele ficara em casa, pois trabalhava
cedo no dia seguinte. Após este ponto da consulta, foi difícil prender sua atenção no exame
da criança. Desatenta, respondia apenas o que lhe era perguntado após breves períodos
calada, como se estivesse analisando cada palavra que iria proferir.
APRESENTAÇÃO CLÍNICA 2
No ambulatório de neurologia, você recebe um prontuário volumoso pertencente a sua
próxima paciente. Nele constam informações de numerosas internações relacionadas a
uma mastectomia há 7 anos atrás, por ocasião de um câncer de mama.
Na consulta, comparece uma senhora de 61 anos desacompanhada. Ela apresenta bom
estado geral, é animada, sorridente, falante e muito cooperativa, apesar da dificuldade
auditiva na orelha esquerda. Informa como queixa principal “estar ficando muito esquecida
para fatos recentes”.
Ao prosseguir com a anamnese, ela mostra documentos referentes a uma recente
cirurgia para retirada de câncer no conduto auditivo, acompanhados de um laudo
anatomopatológico da biópsia excisional intraoperatória. O exame revela que as bordas da
amostra estavam prejudicadas, fomentando a potencial necessidade de uma segunda
cirurgia. A paciente ainda não havia sido alarmada desta situação, já que tinha buscado o
resultado do exame recentemente, em virtude do retorno ao cirurgião marcado para daqui a
três dias.
Ao ser questionada sobre o tratamento, refere estar realizando radioterapia e faz grande
menção aos medicamentos que vem adquirindo na pastoral, como “Sangue de Dragão”,
suplementações e outros fitoterápicos. A eles atribui veementemente a função de “expelir o
câncer do corpo”, testemunhando que junto a fé, eles foram o pilar de sua cura. Quando
interrogada acerca de sua religião, disse ser muito dedicada às atividades da igreja Católica.
A fala empoderada, depois de uma pausa tímida, subitamente desmanchou-se. Aos
poucos, as lágrimas apareceram acompanhadas de uma reflexão: relata que grande parte da
sua entrega aos compromissos com a igreja eram uma forma de compensar o desinteresse
da família para com ela, uma forma de minimizar sua sensação de solidão. Segundo ela,
seus filhos, quando a visitavam, o faziam por obrigação, sem carinho.
Seu exame físico era normal, à exceção da hipoacusia na orelha afetada pelo câncer. O
Mini Exame do Estado Mental (MEEM) obteve pontuação máxima, com paciente vigil e bem
orientada em tempo e espaço.
APRESENTAÇÃO CLÍNICA 3
Paciente do sexo masculino, 25 anos de idade, estudante de medicina do 6º ano,
preparando-se para as provas de residência, é admitido no pronto socorro do queixando-se
de dor torácica e dispneia. Olhando para a porta, o médico prontamente se depara com um
jovem com visível sobrepeso e com profundas olheiras. Como queixa principal, ele cita dor
no peito constante, às vezes mesclada com sensação de pontadas, que piora com a
ansiedade, por vezes é acompanhada de taquicardia.
Sua alimentação é quase integralmente composta de fast-foods e comidas de delivery. O
sono não é reparador e por vezes ele diz acordar mais cedo do que gostaria, além de ser
francamente sedentário. Nega uso de tabaco, álcool ou drogas ilícitas. Mora sozinho, longe
da família, que é do interior. Muitos eram os parentes obesos e/ou diabéticos do tipo 2.
Também ressaltou um importante histórico familiar de infarto agudo do miocárdio (IAM),
causa da morte de dois tios (aos 50 e aos 64 anos de idade) e seu avô (aos 53 anos de
idade).
Ao exame físico: frequência cardíaca (FC) - 88 bpm, ritmo regular; frequência respiratória
(FR) - 19 ipm; PA - 160x100mmhg; Glicemia Capilar (GC) - 92 sem jejum. Bulhas rítmicas,
normofonéticas em 2 tempos, sem sopros. Murmúrios vesiculares bem distribuídos, sem
ruídos adventícios.
O médico prontamente relaciona a dor torácica a ansiedade, mas por desencargo de
consciência, diante do seu futuro colega de profissão, solicita um eletrocardiograma e um
teste ergométrico. O resultado de ambos é normal.
DISCUSSÃO
Introdução
Enquanto os modelos são fundamentações teóricas e ideais, os métodos são, por
definição, destinados à aplicação prática de uma matriz de conceitos. Adentrando com essa
constatação pelas portas do nosso amplo sistema de saúde: seria possível encontrar um
método que suprisse integralmente a abordagem de todos os pacientes, objetivando a cura?
Será que todos os pacientes, de fato, a encontram? Aliás, será que eles ao menos esperam
isso?
A prática clínica prontamente desmistifica as esperanças das panaceias. Diante de uma
medicina que é pautada em sólida ciência, avanços científicos e em uma generosa dose de
arte e compaixão, propomo-nos a discutir um dos métodos de prática clínica em emergência
nos últimos 30 anos. Denominado “Método Clínico Centrado na Pessoa” (MCCP), ele possui
por fundamentação a alteridade do médico em compreender a realidade de seu paciente e
suas expectativas, buscando estabelecer uma terapêutica de aplicabilidade realista com
responsabilidades compartilhadas.
Seguindo a nobre proposta deste livro em aguçar seu raciocínio com o que há de mais
nobre na medicina - o paciente - selecionamos acima algumas apresentações clínicas de
casos marcantes na trajetória das autoras. Pontos chave foram modificados com a intenção
de preservar a identidade dos pacientes, sem prejuízo à essência da discussão. Assim, nos
afirmando sobre a máxima de que “as doenças podem ser iguais, mas os doentes sempre
serão diferentes”, gostaríamos de aquecer nossa discussão acerca do valor prático do
MCCP.
Problemas e prioridades
Compaixão e empatia
Poder
Cura e esperança
Transferência e contratransferência
“Eu não exigiria muito tempo do meu médico. Só queria que ele considerasse a minha
situação por talvez 5 minutos e que me desse toda sua atenção pelo menos uma vez,
se sentisse ligado a mim por um breve momento, estudasse minha alma tanto quanto
a minha carne para chegar a minha experiência da doença, pois cada homem fica
doente à sua própria maneira... Assim como ele pede exames de sangue e radiografias
dos ossos para o meu corpo, queria que meu médico me examinasse para encontrar
minha alma tanto quanto a minha próstata. Sem um pouco desse reconhecimento, não
sou nada mais do que minha doença. (Broyard, 1992, p. 44-5)”
O delineamento da doença através de seus sinais sintomas é objetivo de todo este livro e,
portanto, não será detalhado aqui. Será reservado a este tópico o esclarecimento da
importância de explorar as dimensões da experiência da doença e da saúde.
Tabela 2. Abordagem da experiência da doença (SIFE): o acrônimo, seu significado e algumas das
perguntas pertinentes.
Letra Significado
Ideias: O que ele acha que esta doença pode provocar? Ela é consequência de algo?
I
O que pode ter a causado?
Expectativas: O que será que irá acontecer com o paciente? Será que o médico terá
E
de pedir algum exame muito caro?
S = Sentimentos
Ao explorar a experiência da doença, devem ser questionados os sentimentos do
paciente acerca do diagnóstico que ele potencialmente carrega. Existem pacientes que
ficam tristes, com raiva e outros que ainda se sintam traídos pelo próprio corpo, que
subitamente o tirou da condição de saúde para uma debilitada. Também existem aqueles
que na doença veem a oportunidade de receber o cuidado e atenção que foram negados
enquanto no status de saúde, para os quais a doença é, no fundo, um alívio. Outro exemplo é
o dos pacientes que encontram na experiência da doença a consciência da finitude e,
introspectivamente, chegam ao caminho de valorização da vida, trazendo, para além da dor,
o sentimento de liberdade.
Existem muitos outros sentimentos acerca da doença, os quais variam sem a
preocupação de se encaixar em categorias fixas, afinal, partem de aspectos singulares dos
indivíduos que os deflagram. Eles devem ser explorados pelo médico, a fim de minimizar
medos e angústias desnecessárias ao paciente e à família.
• Você teme que a sua doença vá te atrapalhar em alguma área da sua vida?
• Existe algo que você deixou de fazer por estar doente?
• O adoecimento te afastou de algo que tem valor especial para você?
E = Expectativas
Grande parte dos pacientes possui esperanças ou desejos pré-definidos quanto a um
processo e desfecho específicos. Cabe ao médico identificar expectativas as quais suas
condutas estão subordinadas, pois elas muito têm a contribuir na visualização da
experiência da doença e na cooperatividade durante o tratamento.
Alguns pacientes são bastante precipitados em expor seus desejos, como no caso
clássico da mãe ao pediatra: “Doutor, eu gostaria que você pedisse um raio-X e um
antibiótico para o um filho, que está tossindo muito”. Outros raramente irão expor seus
pensamentos ao médico sem um explícito convite, porque não sentem autoridade ou
liberdade para tal. No entanto, essas mesmas pessoas também serão rebeldes ao
tratamento que vai contra suas expectativas, por julgá-lo erroneamente sob o olhar de sua
ignorância.
Normalmente, a mãe do cenário ilustrado na citação acima não chega pedindo o exame e
o tratamento desse jeito, mas pode ter certeza, ela estava pelo menos esperando por esse
desfecho. Sem consegui-lo, ela subestima o diagnóstico de “virose” como fruto de uma
consulta rápida, feita por mais um médico apressado. Depois de ter suas expectativas
quebradas, ela ignora o tratamento proposto, automedicando o filho com antibióticos que
pegou emprestados da comadre. Esse é só um exemplo dos reflexos das expectativas mal
esclarecidas.
Percepção da Saúde
Um dos esforços que prontamente reforça a importância dessa compreensão está na
conceituação de saúde pela Organização Mundial da Saúde, que transitou de “ausência de
doença” para um “recurso para a vida diária, especificamente a capacidade de realização de
aspirações, satisfação de necessidades e resposta positiva ao ambiente” (OMS 1986b).
Aproximando a última definição do Método Clínico Centrado na Pessoa e da proposta de
explorar a experiência da doença, percebe-se como essencial o entendimento do conceito
de saúde para o paciente.
É possível experimentar bem-estar quando doente tanto quanto é possível se sentir
doente sem doença, justamente porque o conceito de saúde possui nuances individuais. Se
para mim o conceito de saúde é ter condições físicas e emocionais para aproveitar a família
e os amigos, para um paciente que é um atleta maratonista, a saúde pode ser, dentre outras
coisas, ter fôlego para correr 10 milhas. Essas diferentes perspectivas fazem com que o
meu corpo sedentário seja doente nos objetivos do maratonista, ou talvez o dele seja doente
no meu conceito, afinal, correndo tanto ele sente uma dor no joelho intolerável ao meu dia a
dia, enquanto me ajoelho para brincar de casinha com a minha filha.
Entendido que o conceito de saúde é individual porque a qualidade do bem-estar varia
com as aspirações do paciente, deve-se sempre buscar entender como ele o define. Nessa
conversa, serão priorizados os aspectos da sua qualidade de vida no manejo de seu
tratamento, a fim de promover a vivência de um conceito holístico de saúde.
Também é interessante abordar a fragilidade do sentimento de “ter saúde”. Uma paciente
“saudável” que descobre uma neoplasia como achado acidental de um exame, sofre, da
noite para o dia, uma mudança de rótulo crucial. Até o resultado da imagem ela era normal,
feliz e despreocupada. Depois de ler uma frase em um papel, transita para a angústia de
uma “potencial portadora de câncer”. O medo e ansiedade são generalizados e, em ocasiões
como essa, é importante esclarecer a saúde como um conceito amplo, para além da tarja de
“doente” que o paciente passa a receber.
A. Esfera individual
a. Em que parte do ciclo da vida essa pessoa se insere? (criança, adolescente, idoso...)
É momento de alarme para alguma crise? (de identidade, instalação súbita de
responsabilidades, mudança dos padrões hormonais...)
b. Quais são os papeis sociais que ela cumpre e com quanta dedicação ela os
desenvolve? (mãe, filha, estudante, esposa, jogador de futebol...)
c. Qual o perfil psicológico desse paciente? (resiliente, emotivo, calado, brincalhão...)
d. Qual sua relação com o sagrado? Ela existe?
B. Contexto próximo
a. Como é sua relação com a família? E com os amigos? Há alguma comunidade a
qual ela pertence diretamente? Há uma rede de apoio que acolhe essa pessoa?
b. Qual sua ocupação laboral? Esse emprego traz segurança financeira? Qual o nível de
satisfação emocional que ela sente nessa atividade?
c. Qual o seu grau de instrução educacional? Alguma dificuldade marcou
distanciamento escolar?
d. Essa pessoa tem tempo para o lazer? Quais são seus interesses no “tempo ocioso”?
C. Contexto amplo
a. Qual a comunidade com a qual essa pessoa convive? Quais são as dificuldades e
os pontos fortes dela? Quais os seus valores? Possui regras e restrições?
b. Qual é a cultura dessa pessoa? Ela se identifica com um grupo étnico e/ou social
bem demarcado? Ela possui presença política? Possui restrições religiosas?
c. Qual a geografia na qual essa pessoa vive? Ela reside em um local de difícil acesso a
oportunidades socioeconômicas? Ambienta-se em regiões centrais ou nas periferias?
É rural ou urbana? Existem condições sanitárias nesse ambiente? As ruas são
asfaltadas e há integração de transportes onde ela vive?
d. Quais são as condições do sistema de saúde regional mais próximo de onde essa
pessoa vive? Ele contém as medicações e exames complementares necessários?
Quais são as burocracias necessárias para essa pessoa conseguir tratamento? A
região é cercada de unidades básicas de saúde? E hospitais de referência? Eles são da
rede pública ou privada? Essa pessoa está inserida em algum convênio? Se sim, essa
adesão possui vínculo empregatício com o prestador de serviços?
e. Essa pessoa está exposta com que intensidade ao fenômeno da globalização? Qual
o conteúdo que ela consome? Qual o seu padrão de consumo quanto aos itens
essenciais e supérfluos? Qual a qualidade das fontes de informação a qual essa
pessoa está exposta?
Tabela 3. Aspectos centrais de cada uma das esferas que permeiam a pessoa
Ciclo de Vida
Papeis Sociais
Individual
Perfil Psicológico
Espiritualidade
Família
Segurança Financeira
Educação
Contexto Próximo
Emprego
Lazer
Apoio Social
Cultura
Economia
Geografia
Meios de Comunicação
Problemas e Prioridades
Os pacientes, além de possuírem individualidade na percepção dos eventos que se
passam acerca do seu cuidado, frequentemente apresentam mais de um problema a ser
resolvido. Também pode haver incompatibilidade entre as preocupações do médico e do
que procura atendimento. Outra situação é a de que a solução proposta pelo médico pode,
na verdade, ser um transtorno para o paciente.
Buscando equilibrar essas demandas, é interessante que o médico enumere os
problemas na sua visão e na do paciente, bem como suas prioridades. Quando são muitos,
recomendam-se consultas menos espaçadas, a fim de frequentemente revisar a terapêutica
e garantir adesão. O médico deve demonstrar respeito aos temores do paciente e considerá-
los, o que não significa ser passivo e deixar de apontar as prioridades do ponto de vista
técnico. Nesse momento, deve ser persistente a competência de promoção da saúde, seja
na prevenção, seja no tratamento das doenças. A atenção aos possíveis impactos na
qualidade de vida do paciente é irrevogável, em especial, ao colocar o longo prazo em
perspectiva.
Uma revisão didática dos principais pilares do Método Clínico Centrado na Pessoa
encontra-se no esquema abaixo. Os três primeiros pontos, são devidamente enumerados,
enquanto o quarto ponto é representado pelos colchetes. Isso acontece justamente porque
a intensificação do relacionamento com o paciente é o principal fator que influencia sobre
seu entendimento: o paciente conta seus temores e segue as propostas de alguém que
confia e no qual percebe genuína preocupação. Não custa reforçar que o MCCP não é um
protocolo e sim uma estratégia de enfrentamento dos problemas do paciente centrada nele.
A aplicação do método sem a disponibilidade real para o enfrentamento da realidade do
paciente, seja ela favorável ou dolorosa, minimiza o valor das informações adquiridas, pois o
médico torna-se incapaz de enxergar nelas as pistas de orientação de sua conduta.
Sendo Realista
Ser realista não é um componente isolado do MCCP, mas sim um comentário sobre o
contexto no qual o médico enfrentará os quatro pontos do método. Trata-se do tempo
disponível para o atendimento, da quantidade e qualidade dos membros da equipe
multidisciplinar, da compreensão da realidade do paciente e com o que ele pode ou não se
comprometer, entre outros. Assim, “ser realista” é um comportamento que deve permear
todos os graus do MCCP, da tomada de condutas e entendimento do contexto do paciente
até a compreensão das barreiras de relacionamento a serem superadas.
Não é incomum que o Método Clínico Centrado na Pessoa tente ser incorporado de
maneira mecânica na abordagem médica. Nesse contexto, perguntas como “O que a
senhora acredita que está causando sua dor de cabeça?”, “Como o senhor se sente a
respeito da sua condição?”, entre outras, tornam-se um protocolo, sem que seja
promovida uma reflexão adequada, interrompendo a fala do paciente e esquecendo-se
da sua natureza como ser particular. Explorar o íntimo do paciente sem de fato ter
interesse nele é como pedir um exame complementar sem uma sólida hipótese
diagnóstica: você não saberá lidar com a informação que vier.
Buscando atentá-lo para essa falha recorrente, gostaríamos de lembrá-lo do que está
escancarado no nome do método: ele é centrado na pessoa! Isso significa que sua
aplicação se submete ao envolvimento genuíno com o paciente, à real busca pela
compreensão de seu contexto amplo e próximo, ao autoconhecimento do médico e à
diversidade pressuposta em lidar com o outro. As pessoas são diferentes e, portanto, o
MCCP deve ser flexibilizado de modo a abraçar da melhor maneira aquele que se
apresenta pedindo a ajuda do médico. É essencial reforçar que a habilidade em lançar
mão dos recursos do MCCP nos momentos adequados vem junto com a experiência
do médico.
Um aconselhamento ao querido leitor: seja persistente e tenha paciência com a sua
gradual evolução. Uma grande jornada é conquistada passo a passo e, aos poucos,
você desenvolverá na prática as habilidades que são aqui propostas, desde que não
perca de vista o essencial: o paciente.
Neste último esquema, acreditamos ser nítida a diferença na exploração geral do Método
Clínico Centrado na Pessoa e, sobretudo, no resultado da consulta. Tal situação reforça
nosso apelo em prol da atenção ao paciente e o contexto que o cerca, de forma a
proporcionar um atendimento mais holístico e humanizado.
CONCLUSÃO
Depois de um desfecho pesado, no último caso, gostaríamos, de mais uma vez reforçar
alguns pontos centrais e valorizar o Método Clínico Centrado na Pessoa:
BIBLIOGRAFIA
1. CATALYST, Nejm. What Is Patient-Centered Care? 2017. Acesso em: 30 mar. 2020.
2. EPSTEIN, Ronald M.. The Values and Value of Patient-Centered Care. Annals Of Family Medici¬ne, Rochester, v. 9,
n. 2, p.100-103, abr. 2011.
3. EPSTEIN, Ronald M.; FISCELLA, Kevin; LESSER, Cara S.; STANGE, Kurt C.. Why The Nation Needs A Policy Push
On Patient-Centered Health Care. Health Affairs, [s.l.], v. 29, n. 8, p.1489-95, ago. 2010. Health Affairs (Project
Hope).
4. STEWART, Moira. Medicina Centrada na Pessoa: transformando o método clínico. 3. ed. Porto Alegre: Artmed,
2017.
Capítulo 3
CASO CLÍNICO:
Paciente do sexo masculino, 76 anos de idade, natural e procedente de Fortaleza,
aposentado, com queixas de fraqueza e cansaço há 6 meses, que comprometiam, há 2
meses, suas atividades habituais.
Comorbidades: hipertensão e diabetes.
ANAMNESE:
HDA: Paciente relata que percebeu estar ficando “mais fraco e sem coragem” há 6
meses. Há 2 meses vem apresentando dificuldade para realizar suas atividades habituais.
Também informa dispneia moderada aos esforços, tendo procurado médico em um serviço
de pronto atendimento, o qual solicitou exames laboratoriais gerais. Associado a isso,
também queixa-se de perda ponderal. Nega febre ou outros sintomas sistêmicos. Em
consulta inicial, sua esposa relatou que percebeu que o paciente estava mais pálido que o
habitual.
HISTÓRIA PATOLÓGICA PREGRESSA: Nega história de transfusão sanguínea prévia.
Diurese e evacuações presentes e fisiológicas. Pesquisa de sangue oculto nas fezes com
resultado positivo.
HISTÓRIA FAMILIAR: Neoplasia de sigmoide em irmão, diagnosticado aos 65 anos de
idade.
HISTÓRIA PSICOSSOCIAL: Ex-tabagista. Dieta rica em carne vermelha. Sedentário.
MEDICAÇÕES EM USO: Losartana 100 mg/dia, hidroclorotiazida 50 mg/dia, metformina
1 g/dia.
EXAME FÍSICO:
Geral: Paciente consciente, orientado, verbalizando, deambulando, eutrófico, hidratado,
anictérico, acianótico, afebril.
Pele: Palidez cutâneo-mucosa 3+/4+. Unhas enfraquecidas.
Cabeça e Pescoço: Normocefálico, sem alterações ao exame. Pescoço cilíndrico,
simétrico; laringe e traqueia móveis, medianas; pulso carotídeo simétrico; ausência de
pulso jugular.
Sistema Respiratório: tórax simétrico, sem deformidade, boa expansibilidade,
discretamente taquipneico (frequência respiratória [FR] 24 irpm), murmúrio vesicular
presente bilateralmente, sem ruídos adventícios.
Sistema Cardiovascular: Ritmo cardíaco regular, bulhas normofonéticas, com sopro
sistólico em foco pulmonar, taquicárdico (frequência cardíaca [FC]: 116 bpm).
Abdome: Plano, flácido, indolor, sem visceromegalias, ruídos hidroaéreos presentes e
sem alterações.
Sistema Nervoso: Paciente lúcido e orientado, responsivo. Força muscular preservada.
EXAMES LABORATORIAIS:
Hemoglobina (Hb): 6,6 g/dl (baixa); anisocitose, microcitose e hipocromia; ferro: 21,15
(diminuído); transferrina: 545 (aumentada); TIBC: 778,57 (aumentado); ferritina: 4,58
(diminuída); índice de saturação de transferrina: 2,72. Pesquisa de sangue oculto nas fezes
com resultado positivo; glicose: 179; ureia: 79; creatinina: 1,5.
Suspeita Diagnóstica: Anemia ferropriva de etiologia a esclarecer.
Conduta
Solicitados exames laboratoriais na emergência, indicada internação hospitalar para
investigação da anemia e transfusão sanguínea de hemocomponentes (Hb < 7).
Considerada realização de endoscopia e colonoscopia eletivas para estudo do trato
gastrintestinal.
EXAMES COMPLEMENTARES:
Endoscopia Digestiva Alta: Candidíase esofágica. Gastrite enantematosa de corpo leve,
associada a mucosa pouco edemaciada. Não observados sinais de sangramento atuais ou
recentes nem lesões que justifiquem anemia.
Colonoscopia: lesão ulcerovegetante em cólon direito.
Suspeita Diagnóstica: Anemia ferropriva secundária a neoplasia do trato gastrintestinal.
Neste capítulo, será abordado o exame físico geral, que é a primeira etapa do exame
clínico. Além de complementar a anamnese (entrevista clínica), fornece uma visão do
paciente como um todo e fortalece a relação médico-paciente. Ao longo do exame físico
geral pode-se, inclusive, retomar algum dado da anamnese, otimizando e integrando as
informações, possibilitando uma compreensão global do indivíduo. Tal parte do exame
clínico inicia-se desde o momento que o paciente entra no campo visual do médico, o qual
inicia sua percepção por observação, buscando características peculiares que possam
indicar alguma patologia. Portanto, constitui-se no primeiro contato do médico com o
paciente, devendo sempre ser realizado, independente da queixa apresentada.
Quando o médico olha o paciente ele está fazendo duas coisas: inspecionando seu
corpo (parte técnica) ao mesmo tempo em que vê a pessoa que se sente doente
(componente psicológico). (Porto, 2017)
Para se executar um exame físico geral adequado, são necessários alguns requisitos,
como local apropriado, iluminação correta, posição propícia do paciente (p. ex., paciente
em decúbito dorsal horizontal, com examinador posicionado à direita do paciente). A parte
a ser examinada deve estar sempre descoberta, respeitando-se a intimidade do examinado.
A avaliação do exame físico geral também pode ocorrer de forma qualitativa ou
quantitativa. A primeira engloba um aspecto mais subjetivo da avaliação do paciente,
geralmente graduado em níveis, representados por cruzes. Por exemplo, quando nos
referimos à palidez cutâneo-mucosa 3+/4+, queixa apresentada pelo nosso paciente do
caso clínico inicial, significa que o nível máximo de palidez são 4 cruzes (ou gradações), e
que o referido paciente apresenta 2 cruzes; a segunda corresponde à avaliação de
aspectos mensuráveis, como medidas de pressão arterial (PA), peso, altura, índice de
massa corporal (IMC), circunferência abdominal, frequência cardíaca, pulsação e
frequência respiratória.
De forma geral, segue-se uma sequência para não que nenhuma alteração passe
despercebida. A seguir, apresentamos uma sugestão que acompanha o sentido
craniocaudal:
• Atitude e Postura: Refere-se à posição adotada pelo paciente. Pode ser postura
ativa (adotada espontaneamente pelo paciente), passiva ou antálgica (adotada
para alívio da dor, por exemplo). Neste momento, também é oportuno observar
como o paciente vai à consulta, seus hábitos de higiene, se vai sozinho ou
acompanhado à consulta, se entra andando ou de cadeiras de rodas, por exemplo.
• PA: Antes de se aferir a PA, deve-se perguntar ao paciente se está sentindo dor, se
está com a bexiga cheia ou se está de repouso. O braço deve estar apoiado e na
altura do coração. Utiliza-se um manguito com esfigmomanômetro para aferir a
PA. Escutamos os sons de Korotkoff, que correspondem às pressões sistólica e
diastólica.
BIBLIOGRAFIA:
1. Bickley LS. Bates – Propedêutica Médica. 12. ed. Guanabara Koogan; 2010. 965p.
2. Lópes M, Medeiros JL. Semiologia Médica – as Bases do Diagnóstico Clínico. 5. ed. Revinter; 2004. 1233p.
3. Porto CC, Porto AL. Exame Clínico. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2017.
4. Melo AAR, Nakamura FTT, Polho GB. Apostila de Propedêutica. Exame Clínico - Extensão Médica Acadêmica da
FMUSP.
Capítulo 4
Sinais Vitais
Autores: Lucas Cunha Pereira de Oliveira, Renata Fraga Costa
CASO CLÍNICO
ANAMNESE
Paciente de 58 anos de idade relata tontura após novo ajuste medicamentoso.
Antecedentes Familiares
Pai falecido aos 78 anos de idade por evento cardiovascular – infarto agudo do miocárdio
(IAM). Mãe diabética e hipertensa.
EXAME FÍSICO
Sinais Vitais: Frequência respiratória (FR) – 18 irpm; PA sentado – 150 × 90 mmHg;
frequência cardíaca (FC) – 82 bpm; temperatura axilar – 36,4°C; escala visual numérica (EVN) de
dor – 4/10.
Geral: Paciente com discreta face álgica, bom estado geral, hidratado, anictérico, acianótico,
normocorado.
Pele: Sem alteração à ectoscopia. Sem adenomegalias.
Cabeça e Pescoço: Sem anomalias de configuração do crânio, nuca livre, fácies atípica.
Pescoço cilíndrico, simétrico; laringe e traqueia móveis, medianas; pulso carotídeo simétrico;
veias jugulares sem estase a 45°; forma, consistência e mobilidade da tireoide normais. Sem
sopros audíveis em topografia carotídea/tireoidiana.
Sistema Respiratório: Tórax sem deformidade/abaulamentos, expansibilidade simétrica, sem
alteração à palpação, murmúrios vesiculares diminuídos difusamente, sem ruídos adventícios.
Eupneico em ar ambiente.
Sistema Cardiovascular: Ritmo cardíaco regular em 2 tempos, sem sopros audíveis.
Normocárdico. Pulsos centrais e periféricos amplos e simétricos. Manobra de Osler negativa.
Abdome: Globoso, ruídos hidroaéreos presentes, sem alterações. Normotenso, indolor, sem
visceromegalias palpáveis ou sinais de circulação colateral. Estrias difusas.
Sistema Nervoso: paciente lúcido e orientado auto e alopsiquicamente, sem sinais
meníngeos ou déficits neurológicos focais. Sem alteração de marcha ou de reflexos tendíneos.
Teste de Romberg com resultado negativo. Sem sinais de vestibulopatia.
REAVALIAÇÃO/EVOLUÇÃO CLÍNICA:
Após realizada analgesia (paracetamol 750 mg por via oral) e mantido o paciente em repouso
(deitado) por 60 minutos em um ambiente relaxante, o paciente relatou resolução completa do
quadro álgico (cefaleia). Neste momento, mais adequadamente foram reavaliados os sinais
vitais.
1º momento – sinais vitais em posição supina (deitado):
PA – 125 × 70 mmHg; FC – 70 bpm; PA durante inspiração – 110 × 70 mmHg.
2º momento – sinais vitais em posição ortostática (em pé) após 3 minutos:
PA – 100 × 55 mmHg; FC – 93 bpm.
HIPÓTESES DIAGNÓSTICAS
Hipotensão postural desencadeada por medicamentos. Cefaleia tensional.
DISCUSSÃO
SINAIS VITAIS
Sinais vitais são parâmetros clínicos objetivos, simples, de fácil verificação, baixo custo e
provavelmente as mais importantes informações coletadas do paciente durante sua avaliação.
Devido a tais características, os sinais vitais, aliados ao quadro clínico e aos demais achados
extraídos durante o exame físico, são importantes componentes em escores de alerta precoce e
outros métodos de triagem clínica, como os aplicados nas emergências dos hospitais.
Desse modo, no cotidiano, os sinais vitais integram vários métodos de classificação e
triagem rápida de pacientes em diferentes contextos, como:
SINAIS VITAIS
QUADRO RACIOCÍNIO
FC FR TAX PA CLÍNICO CLÍNICO
DOR
(bpm) (irpm) (°C) (mmHg)
Paciente proveniente de
zona rural, internada
com quadro clínico de
mal-estar inespecífico,
cefaleia, perda de peso e
hepatoesplenomegalia
Sinal de Faget
sem alterações
(dissociação pulso-
significativas nos
temperatura)
exames laboratoriais
EVN:
70 18 40°C 110 × 80 Devido a diagnóstico
A 2 Hipóteses
inconclusivo, o caso
diagnósticas:
clínico foi levado à
Brucelose?
sessão clínica, e o
Febre tifoide?
médico-residente
salientou tal achado nos
controles de
enfermagem
(dissociação pulso-
temperatura)
SINAIS VITAIS
QUADRO RACIOCÍNIO
FC FR TAX PA CLÍNICO CLÍNICO
DOR
(bpm) (irpm) (°C) (mmHg)
Hipótese diagnóstica:
sepse de foco
pulmonar
Imunocomprometido
O fato de o paciente
comparece ao Pronto-
não apresentar febre
Socorro com mal-estar
não exclui gravidade
inespecífico, sonolência
clínica nem descarta
(Glasgow 14),
hipótese de quadro
prostração e queixa de
infeccioso. Atentar
C 120 26 36,8°C 120 × 80 EVN: 0 tosse seca há 3 dias.
para o fato do mesmo
Nega febre.
ser
Eletrocardiograma
imunocomprometido
demonstra taquicardia
(ou seja, não
sinusal. Ausculta
apresentar resposta
respiratória sem
inflamatória sistêmica
alterações
adequada) e que
taquicardia e
taquipneia são
normalmente sinais
precoces de
deterioração clínica
conforme caso
apresentado
SINAIS VITAIS
QUADRO RACIOCÍNIO
FC FR TAX PA CLÍNICO CLÍNICO
DOR
(bpm) (irpm) (°C) (mmHg)
Ausência de
taquicardia reflexa
Hipótese diagnóstica:
choque neurogênico
secundário a lesão
Vítima de trauma
vertebral/medular
cervical após mergulho
alta
em piscina rasa.
Paciente imobilizado
Tal achado deve ser
pelo SAMU é admitido
reconhecido e
em hospital, com
diferenciado do
extremidades quentes e
choque hipovolêmico,
D 70 24 37°C 70 × 40 EVN: 6 secas, hipotenso, com
no qual a pressão
colar cervical, em
arterial está diminuída
prancha rígida, com
e acompanhada de
déficit motor bilateral em
taquicardia. O
membros inferiores e
emprego de aminas
superiores(tetraplegia),
vasoativas deve ser
perda de resposta a
realizado
estímulo doloroso
precocemente, e a
reposição volêmica
aplicada de forma
parcimoniosa, diante
do risco de
sobrecarga
SINAIS VITAIS
QUADRO RACIOCÍNIO
FC FR TAX PA CLÍNICO CLÍNICO
DOR
(bpm) (irpm) (°C) (mmHg)
* FC: frequência cardíaca; FR: frequência respiratória; TAX: temperatura axilar; PA: pressão arterial; bpm: batimento por
minuto; irpm: incursão respiratória por minuto; EVN: escala verbal numérica; UTI: Unidade de Terapia Intensiva; SAMU:
Serviço de Atendimento Médico de Urgência.
PRESSÃO ARTERIAL
A PA é resultado do produto do débito cardíaco (quantidade de sangue bombeado pelo
coração que exerce pressão na aorta) × resistência vascular periférica (determinada por vários
mecanismos vasoconstritores e vasodilatadores, como o sistema nervoso simpático, o sistema
renina-angiotensina, a modulação endotelial, além da espessura dos vasos) (Figura 1). Sua
regulação é uma das funções mais complexas do corpo e depende da ligação entre os sistema
cardiovascular, renal, neural e endócrino. Em resumo, ela é a força que o sangue faz contra a
parede das artérias do corpo, após sua ejeção do ventrículo esquerdo.
Pode-se determinar a pressão arterial de uma pessoa por dois métodos: não invasivo e
invasivo. De forma geral, o método não invasivo, ou indireto, tem menos riscos e maior
aplicabilidade na prática. Pelo método não invasivo, destaca-se a técnica auscultatória, pela
qual se utiliza o estetoscópio associado ao esfigmomanômetro, e determina-se a PA através dos
sons de Korotkoff. Na técnica oscilométrica, utilizam-se aparelhos digitais que estipularão a
pressão arterial média (PAM) do paciente através do valor de oscilação máxima, sendo
calculadas as pressões arteriais sistólica (PAS) e diastólica (PAD) através de algoritmos do
equipamento.
Aferição pressórica:
Informe o procedimento ao paciente, deixando-o em repouso por 3 a 5 minutos em ambiente
calmo. Caso o paciente tenha realizado exercícios físicos, certifique-se de que o mesmo fique
em repouso durante 60 minutos e que não tenha ingerido bebidas alcoólicas, café ou alimentos
nem tenha fumado nos 30 minutos anteriores.
Oriente que, durante a aferição, não se deve conversar. Assegure-se que o paciente não
esteja com dor, bexiga cheia, roupas/adornos que garroteiem o membro, ou com as pernas
cruzadas.
O paciente deve estar sentado e relaxado, com pés apoiados no chão e o dorso recostado na
cadeira. O membro superior deve estar na altura do coração, apoiado, com a palma da mão
voltada para cima. Se o paciente estiver em pé, apoie o braço no nível do meio do tórax.
Coloque o manguito, sem deixar folgas, 2 a 3 cm acima da fossa cubital e centralize o meio
da parte compressiva do manguito sobre a artéria braquial. Estime PAS pelo método de
palpação: palpe o pulso radial e insufle o manguito até não conseguir senti-lo; visualize o valor
que estiver no manômetro e acrescente 30 mmHg. Utilize esse valor para as insuflações
subsequentes, após 30 segundos de intervalo. Proceda à deflação lentamente (velocidade de 2
mmHg por segundo) após posicionamento do estetoscópio na artéria braquial na fossa cubital.
Determine o primeiro som (fase I de Korotkoff, equivalente à PAS) e o desaparecimento dos sons
(fase V de Korotkoff, equivalente à PAD). Se os batimentos persistirem até o nível zero,
determinar a PAD no abafamento dos sons (fase IV de Korotkoff) e anote os valores da
PAS/PAD/zero. Realize pelo menos duas aferições, com intervalo em torno de um minuto. Meça
a pressão em ambos os braços na primeira consulta e use o valor do braço em que foi obtida a
maior pressão como referência.
Tal método de aferição é utilizado no técnica auscultatória e serve tanto para evitar
desconforto e superestimação pressórica quando o manguito é insuflado por um valor
excessivo, como evita o erro ocasional provocado pelo hiato auscultatório (um desaparecimento
do som entre a PAS e a PAD), que pode gerar uma subestimação da PAS ou superestimação da
PAD (Figura 3).
Ainda utilizando a palpação da artéria radial, podem-se pesquisar ativamente, por meio da
manobra de Osler, sinais indiretos de rigidez arterial. Esta condição é decorrente do processo de
calcificação da camada média de artérias de médio e pequeno calibres, esclerose de
Monckeberg. Desse modo, as artérias braquial e radial, pelo fato de sofrerem tal processo de
calcificação, podem, durante a aferição da pressão arterial (pressão do cuff insuflado a 30
mmHg acima do desaparecimento do pulso radial), ter seus trajetos palpáveis apesar da
ausência de pulso, resultando, assim, em uma manobra de Osler positiva. Essa “rigidez das
artérias” provoca uma pseudo-hipertensão arterial, evento que deve ser suspeitado, quando o
paciente desenvolve tontura após início de terapia anti-hipertensiva ou otimização dessa terapia.
É mais comum nos seguintes grupos: idosos, indivíduos do sexo masculino, pessoas com
diabetes mellitus, insuficiência renal crônica e redução na densidade mineral óssea.
O resultado dessa manobra (Osler positivo), apesar de sua baixa sensibilidade e
especificidade, é válido para prosseguir com a exclusão do diagnóstico de pseudo-hipertensão
arterial, para, assim, individualizar o tratamento anti-hipertensivo do paciente evitando-se
possíveis efeitos colaterais.
A correta aferição da PA é importante para diagnóstico da hipertensão arterial sistêmica
(HAS) e sua importância faz parte do controle de comorbidades associadas ao risco
cardiovascular. É recomendado realizar a triagem para HAS em todos os indivíduos, e em caso
de valores pressóricos alterados, deve-se efetuar a aferição pressórica fora do ambiente do
consultório sempre que possível, através de monitoramento ambulatorial da pressão arterial
(MAPA) – considerado padrão-ouro – ou monitoramento residencial da pressão arterial (MRPA).
Tais métodos para aferição pressórica servem também para se identificar a síndrome do jaleco
branco – quando os níveis pressóricos encontram-se mais elevados em ambientes clínicos, e as
médias ambulatoriais situam-se nos limites de normalidade – e hipertensão mascarada, que é
definida como pressão normal em consultório, mas elevada durante o dia, quando aferida no
domicílio ou no ambulatório.
A definição e o estadiamento da hipertensão arterial sugeridos pelo Colégio Americano de
Cardiologia/Associação Americana do Coração (ACC/AHA) em 2017 é descrita abaixo:
Vias de
Acessório Imagem ilustrativa Vantagens Desvantagens
mensuração
Tempo mais
longo para
mensuração;
Risco de quebra;
Risco de
contaminação
Baixo custo; -
do meio
Termômetro Precisão; - Sem
Axilar e oral ambiente e do
de coluna necessidade de
indivíduo
calibração.
(mercúrio);*
Leitura difícil
para idosos ou
pessoas com
pouca acuidade
de visão.
Vias de
Acessório Imagem ilustrativa Vantagens Desvantagens
mensuração
Baixo custo;
Necessidade de
Utilização simples
calibração
Termômetro Axilar, oral e e fácil;
periódica;
digital retal Mensuração
Necessidade de
rápida;
troca de bateria.
Leitura fácil.
Mensuração
Necessidade de
rápida e fácil;
Termômetro calibração;
Comodidade para
digital tipo Oral Necessidade de
uso pediátrico;
chupeta troca de bateria.
Leitura de fácil
Alto custo.
visualização.
Procedimento
invasivo;
Dificuldade de
Acurácia; inserção do
Via preferencial termostato;
Esofágica
Sensor de no contexto de Irritação pela
temperatura trauma conforme passagem da
(método
esofágica Advanced Trauma sonda pela via
invasivo)
Life Support nasal ou oral;
(ATLS); Desconforto do
paciente por ser
um método
invasivo.
Acurácia;
Contraindicado
Sensor de Praticidade em
em caso de
temperatura Vesical pacientes
paciente
em sonda (método internados com
anúrico;
vesical de invasivo) indicação de
Procedimento
demora sondagem vesical
invasivo.
de demora.
Vias de
Acessório Imagem ilustrativa Vantagens Desvantagens
mensuração
Acurácia
Praticidade em
crianças e adultos
para os quais a
verificação da
temperatura por
Alguns
via oral geraria o
consideram
risco de
procedimento
Retal ferimentos (por
Sensor de invasivo e
inconsciência,
temperatura humilhante ao
(método pós-cirurgia em
retal paciente devido
invasivo) cavidade oral,
à via de
convulsão) ou
aplicação do
aferição sem
sensor
acurácia (ingestão
de líquidos
recentemente
pela boca ou
respiração pela
boca).
Procedimento
invasivo com
risco de graves
Arterial intercorrências;
Padrão-ouro em
Pulmonar Necessidade de
Cateter mensurar
profissional
Swan-Ganz temperatura
(método médico
central.
invasivo) especializado
em leito de
cuidados
intensivos.
A temperatura corpórea é um dos sinais vitais que, na prática diária, a partir da verificação de
um estado febril, auxilia bastante na suspeita de alguma comorbidade infecciosa. Por isso,
torna-se um dos principais motivos de procura de atendimento hospitalar. Além disso, a
avaliação térmica é um importante meio de rastreamento infeccioso usado pela vigilância
epidemiológica em populações de risco, quando em situações de surtos ou epidemias. Em tais
situações, a avaliação térmica é usada como um método de triagem de indivíduos com
indicação de quarentena na tentativa de contenção de surtos e realização do tratamento
adequado.
É válido salientar que a febre é um critério prioritariamente verificado nos cuidados de saúde
como indício de infecção vigente e tradicionalmente tem conotações negativas para o bem-estar
do paciente. Contudo, é importante mencionar que: (I) infecções nem sempre são
acompanhadas de elevação da Tc como, por exemplo, em indivíduos senis ou
imunocomprometidos; (II) situações inflamatórias não originadas por agente infeccioso (p. ex.,
doenças autoimunes ou oncológicas) podem ser a causa direta da febre. Avanços importantes
nos últimos 20 anos em Imunologia e Neurofisiologia expandiram a compreensão do processo
de febre como parte da resposta da fase aguda a uma natureza adaptativa do sistema imune.
Desse modo, uma questão frequentemente levantada é se tal elevação térmica seria benéfica ou
não ao sistema imune, aumentando a fagocitose ou a formação de anticorpos.
É importante ressaltar que a febre não é apenas um sinal. Deve ser considerada parte de uma
síndrome (síndrome febril), pois vem acompanhada de uma série de alterações fisiológicas
como: taquicardia, taquipneia, astenia, calafrios, sudorese etc. Desse modo, espera-se aumento
da FC concomitante ao aumento da temperatura corporal; caso haja dissociação pulso-
temperatura, configura-se sinal de Faget, indicativo de doenças como febre amarela, brucelose e
febre tifoide.
A aplicabilidade da avaliação térmica como sinal vital é bem ampla. Verificam-se vários
métodos e vias de verificação de temperatura, cada um com suas vantagens e desvantagens
(Quadro 2). De acordo com o contexto vigente, podem ser exemplificadas várias situações com
diferentes formas de avaliação térmica: (1) criança em domicílio sendo avaliada pelo próprio
responsável no rastreamento de febre com um termômetro de coluna em região oral; (2)
paciente na admissão hospitalar com critérios de sepse com termômetro digital em região
axilar; (3) paciente em cuidados intensivos em UTI neurológica com controle térmico via sensor
esofágico, retal ou vesical; (4) uma equipe de vigilância epidemiológica realizando a verificação
térmica em cidadãos no aeroporto via termômetro de infravermelho sem contato em viajantes
oriundos de um local sob surto epidemiológico.
Pelo fato da disponibilidade de vários métodos invasivos e não invasivos de verificação da
temperatura corporal na tentativa de estimar a real temperatura do corpo, temperatura corpórea
central, diferentes valores térmicos são comumente observados ao se compararem distintas
metodologias e vias de mensuração. A temperatura corpórea quando aferida pela via retal
costuma ser 0,6°C mais alta que a mensurada pela via oral. A temperatura corpórea quando
aferida pela via membrana timpânica costuma ser 1,24°C mais baixa que a temperatura
esofágica (Poveda, 2016). Por tal motivo, recomenda-se que o registro térmico em prontuário
venha com siglas referentes à via de mensuração: Tax (temperatura axilar); Tesof (temperatura
esofágica); Toral (temperatura oral); Tret (temperatura retal) etc. É necessário conhecer as
diferenças fisiológicas existentes entre os três locais – oco axilar, boca e reto –, porque, em
determinadas situações patológicas (abdome agudo e afecções pélvicas inflamatórias), a
medida das temperaturas axilar e retal tem valor clínico, quando se encontra uma diferença
maior que 0,5°C (Porto, 2019) .
Além de tais diferenças na interpretação dos valores térmicos de acordo com a via de
mensuração e sua acurácia, é importante lembrar que não há consenso na literatura ou em
protocolos assistenciais em relação aos valores térmicos que caracterizariam febre. De acordo
com cada sociedade médica e seu intuito, os valores podem ser diferentes na tentativa de
cumprir melhor seus objetivos. Desse modo, o Center for Disease Control and Prevention (CDC),
como entidade de controle epidemiológico, considera febre como temperatura ≥ 38oC (100,4oF),
pois necessita de um parâmetro térmico pontual e objetivo na triagem de possíveis indivíduos
doentes que necessitem de terapia e quarentena. Enquanto isso, a Infectous Diseases Society of
America (IDSA) define febre como suspeita de infecção nos casos de: (1) temperatura oral
isolada > 100°F (> 37,8°C); ou (2) repetidas temperaturas orais > 99°F (> 37,2°C) ou temperatura
retal > 99,5°F (> 37,5°C); ou (3) aumento na temperatura > 2°F (> 1,1°C) em relação à temperatura
basal.
Na prática clínica, de acordo com Castle et al., a definição do valor térmico de ≥ 100°F
(37,8°C) em temperatura isolada pela via oral é um excelente meio de rastreamento infeccioso,
pois alcançou uma sensibilidade de 70% mantendo uma excelente especificidade de 90%, com
um valor preditivo positivo de 55%.
Além da aplicação na avaliação inicial do paciente, o acompanhamento do padrão de
evolução da temperatura pode auxiliar a caracterizar o padrão da febre e, consequentemente,
auxiliar na suspeita diagnóstica e sua resolução pode fornecer indícios de resposta à terapia
implementada. Em termos da sua evolução, os padrões de variação de febre são contínuo,
intermitente, remitente e recorrente (Figura 4 ). Cada comportamento com um grupo de
hipóteses diagnósticas normalmente associadas. Os mecanismos fisiopatológicos na base
destes padrões têm em consideração o ciclo de vida do agente infeccioso e a alteração na
liberação de citocinas que ocorre em grande variedade de patologias.
Febre muito alta (Tc > 41,5°C). Observada comumente em infecções graves e
Hiperpirexia em pacientes com sangramento no sistema nervoso central. Conduta:
antipiréticos + manta de resfriamento
Diferenças conceituais em elevações de temperatura corpórea (Tc)
Hipertermia
Dica: história anterior de exposição ao calor ou ao uso de certos
medicamentos que interferem na termorregulação normal. Antipiréticos não
reduzem a temperatura elevada na hipertermia
Considera-se hipotermia o estado no qual a Tc do indivíduo é menor que 35°C. Os idosos são
particularmente suscetíveis a esta condição, devido a sua incapacidade de aumentar sua
produção de calor e de diminuir a perda de calor por vasoconstrição. As crianças também são
mais suscetíveis devido à maior superfície corporal total relativa e por disporem de fontes
limitadas de energia.
Nos protocolos internacionais de trauma, a hipotermia compõe juntamente com a
coagulopatia e a acidose metabólica a ´´tríade da morte´´. Vítimas de trauma também são mais
suscetíveis à hipotermia, e qualquer grau de hipotermia pode se tornar prejudicial, com
importante aumento de mortalidade. Nestes indivíduos, diferentemente da classificação
tradicional de hipotermia (Tc < 35°C), qualquer Tc abaixo de 36°C deve ser interpretada como
hipotermia e Tc abaixo de 32°C constituem-se em estados de hipotermia grave (Quadro 4).
Quadro 4. Classificação, estágios e achados clínicos da hipotermia.
Classificação Classificação
tradicional do trauma
Estágio da hipotermia Achados clínicos
(temperatura (temperatura
central) central)
• Passo 2 :
• (em caso de termômetro digital): Ligue o termômetro pressionando o botão
“liga/desliga” que geralmente fica ao lado do visor. Um sinal sonoro será ouvido.
Verifique se no visor aparece o ícone <L> intermitente. O termômetro estará pronto
para mensuração. (obs.: o ícone pode não aparecer se a temperatura ambiente for
superior a 32°C ou o aparelho estiver com defeito ou sem bateria).
FREQUÊNCIA CARDÍACA
O batimento cardíaco normal e efetivo é o responsável pela propulsão sanguínea no corpo
humano. Envolve um complexo sistema de rede elétrica intracardíaco, sincronismo no
movimento de contratura e de relaxamento do miocárdio, além de simultânea abertura e
fechamento de valvas cardíacas. O nó sinoatrial, localizado no átrio direito, é o marca-passo
fisiológico do coração, responsável pelo batimento cardíaco, determinando a FC.
O ciclo cardíaco é composto por dois períodos: a sístole (contratura dos ventrículos com
ejeção sanguínea para os pulmões e demais tecidos do corpo) e a diástole (contratura atrial e
preenchimento sanguíneo dos ventrículos relaxados). Durante o ciclo cardíaco, ocorre a abertura
e o fechamento de valvas cardíacas; dessa forma, impede-se que haja o refluxo do sangue em
direção aos átrios ou das artérias em direção aos ventrículos.
Na ausculta cardíaca normal, ouvem-se duas bulhas cardíacas: a primeira (B1) e a segunda
(B2). A B1 ocorre durante a sístole e representa o som do fechamento do conjunto das valvas
atrioventriculares (mitral e tricúspide). A B2 ocorre durante a diástole e representa o som do
fechamento das valvas semilunares (aórtica e pulmonar).
Podemos quantificar a FC de forma indireta através da técnica de palpação ou de ausculta.
Na técnica palpatória, a partir da compressão digital de artérias de fácil acesso, pode-se
contar a frequência do pulso, inferindo-se a FC. Habitualmente, o pulso radial é o mais palpado
para tal avaliação, apesar de se poder utilizar outros sítios: femoral, carotídeo, braquial, poplíteo,
tibial posterior e pedioso (Figura 5). É válido lembrar que se paciente apresentar doença arterial
obstrutiva periférica, decorrente do processo de aterosclerose, a palpação dos pulsos arteriais
periféricos poderá estar prejudicada.
Figura 5. Localização dos principais pulsos arteriais e da ausculta cardíaca no ictus cordis.
Avalie se o pulso apresenta ritmo regular e se a FC parece ser normal; conte-a durante 30
segundos e multiplique por dois. Caso você pressuponha que a frequência esteja elevada ou
baixa, averigue o pulso durante 60 segundos.
Se o ritmo for irregular, certifique-se de avaliar a frequência pelo método de ausculta na
topografia do ictus cordis (quinto espaço intercostal na linha hemiclavicular à esquerda) durante
60 segundos. Atente para a discrepância que pode ocorrer entre o método palpatório e o método
auscultatório.
Pelo fato de o método palpatório necessitar da detecção da sístole a partir da onda
propagada através da complacência arterial, é importante salientar que há situações em que
ocorre o batimento cardíaco sem detecção do pulso. Tal fato ocorre nas extrassístoles, quando
por déficit de enchimento sanguíneo ventricular, não ocorre geração de onda de pulso
perceptível ao método de palpação, ou seja, uma extrassístole pode ser produzida antes do
ventrículo esquerdo estar com quantidade de sangue suficiente para gerar a propagação de uma
onda de pulso após a sístole. Por esse motivo, o ideal é averiguar o pulso arterial associado à
técnica de ausculta cardíaca, sempre que possível.
Pode-se classificar a FC como taquicardia (FC > 100 bpm), normocardia (FC 60 a 100 bpm) e
bradicardia (FC < 60 bpm).
FREQUÊNCIA RESPIRATÓRIA
Os movimentos respiratórios são responsáveis pela entrada de ar rico em oxigênio nos
alvéolos pulmonares e pela remoção do dióxido de carbono, resultante do metabolismo celular.
Essa troca gasosa nos alvéolos pulmonares é essencial para a hematose, transformação de
sangue venoso em arterial. Após tal evento, o sangue arterial percorre as veias pulmonares para
as câmaras cardíacas esquerdas e, consequentemente, é distribuído para todo o corpo humano
pela via aorta e seus ramos.
A inspiração acontece a partir da contração do diafragma, dos músculos intercostais
externos e, quando necessário, da musculatura acessória (esternocleidomastóideo, serrátil
anterior e escaleno). Aumenta-se o volume torácico, e, os pulmões sofrem um processo de
expansão com consequente entrada de ar nos mesmos (inspiração). A expiração ocorre a partir
do relaxamento do diafragma, que leva à retração da parede torácica, dos pulmões e a
compressão destes pelas estruturas abdominais. Uma pressão positiva intratorácica é gerada e
o ar é expelido dos pulmões. Na respiração normal (Figura 7), as forças elásticas geradas pela
ação do diafragma são suficientes para a ventilação pulmonar. Em caso de respiração intensa,
forças extras oriundas da contração dos músculos abdominais são necessárias para a
expiração rápida.
O centro respiratório localiza-se na medula e no bulbo central. Controla a frequência, a
profundidade e o padrão da respiração. Uma incursão respiratória, também denominada
movimento respiratório, é constituída de uma inspiração e de uma consecutiva expiração. A
quantidade de incursões respiratórias em um minuto é denominada FR.
Frequência respiratória
Taquipneia
aumentada
Aumento no volume e na
frequência respiratória.
Normalmente encontrada em:
Kussmaul
acidose metabólica
DOR
Antes de ser considerada um sinal clínico, a dor já fazia parte do rol de sintomas a serem
relatados pelos pacientes. Quando presente, ela pode colaborar para alterações dos demais
sinais vitais, tornando de suma importância a análise dos parâmetros de forma
interligada/contextualizada. É comum a presença de taquicardia, aumento de PA e até mesmo
taquipneia, enquanto o quadro álgico estiver vigente. Além do mais, a dor auxilia, em muitos
casos, a localizar o alvo do problema, salvo casos atípicos.
A dor é definida como uma experiência subjetiva que possivelmente existe apenas na pessoa
que a sente, cabendo ressaltar que sua percepção pode ser afetada por questões sociais,
pessoais ou familiares, existindo a possibilidade de preceder negligência física, uso de
substâncias ou acontecimentos traumáticos da vida.
A Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP, 1986) definiu dor “como uma
experiência emocional e sensorial desagradável, associada a dano tecidual real ou potencial, ou
descrita em termos de tal dano”, tendo uma proposta de definição revisada por Milton Cohen,
John Quintner e Simon van Rysewyk como “a dor é uma experiência somática mutuamente
reconhecível que reflete a apreensão de uma pessoa por ameaça à sua integridade corporal ou
existencial”.
Quanto a sua duração, a dor pode ser classificada como aguda, que é aquela de início
recente e que dura menos de 3 meses. Na fase aguda, é comum encontrar a resposta
neurovegetativa, sendo relatadas, por vezes, taquicardia, hipertensão arterial, sudorese ou até
mesmo bradicardia, quando ocorre resposta vagal secundariamente. A dor crônica é
denominada como aquela com duração superior a 3 meses, período em que ocorre uma fase de
modulação da dor, gerando sua cronificação, quando não abordada de forma correta, ou quando
existe limitação orgânica à resolução da mesma (capacidade reduzida do sistema nervoso
central de diminuir as respostas a estímulos periféricos); nessa fase, são pouco frequentes as
alterações neurovegetativas, sendo mais comum nas doenças crônicas. Há também a dor
recorrente, que costuma ter duração mais breve com repetição em intervalo de tempo regular.
Quanto a sua neurofisiologia, a dor do tipo nociceptiva pode ser incitada por estímulo de
receptores específicos e somáticos, estando presente, quando há dano tecidual demonstrável
(lesão muscular, fratura, ferimento corto contuso, por exemplo). A dor do tipo
neurogênica/neuropática ocorre, quando existe lesão ou disfunção das estruturas no interior do
sistema nervoso periférico e/ou central, provocando uma resposta não adaptativa; a
sensibilização central pode resultar em hiperalgesia e alodinia. Já a dor simpática ocorre como
resultado de sensibilização nociceptiva proveniente de secreção de substâncias químicas nas
terminações nervosas ou axonais lesionadas nos sistemas autônomos. Não se pode esquecer
das dores consideradas afetivas, que são aquelas influenciadas por fatores cognitivos e
emocionais, como ansiedade ou medo.
Foge do escopo do capítulo aprofundar os diagnósticos causais dos processos álgicos, mas
vale ressaltar a importância de uma avaliação sumária quanto a sua caracterização, como
localização, duração, tipo de dor (se em queimação, constritiva, formigamento), fatores
agravantes ou de alívio, radiação, intensidade e sintomas correlacionados.
A limitação em transformar a dor (percepção subjetiva de quem sente) em um dado objetivo
pode ser contornada, utilizando-se ferramentas de avaliação, como as escalas
multidimensionais que analisam as esferas sensorial-discriminativa, motivacional-afetiva e
cognitiva-avaliativa, representadas pelo Inventário para dor Mcgill e Wisconsin Brief Pain
Questionnaire. Devido a sua complexidade e difícil aplicabilidade, o uso das escalas
multidimensionais não é rotineiro em setores de triagem de pronto atendimento de saúde e
aferição de controle por equipe de enfermagem/médica, sendo reservado para situações
específicas.
As escalas unidirecionais procuram avaliar apenas uma dimensão da dor: sua intensidade.
Dentre elas, tem-se a Escala visual analógica que é representada por uma linha com 10 cm, em
que suas extremidades consistem em “Sem Dor” e “Pior Dor”.
Existe limitação técnica para aqueles pacientes com transtorno cognitivo maior,
semiconscientes ou em condição que impeça o contato fidedigno com o examinador, como
pacientes críticos em unidade intensiva e/ou intubados. Nesse contexto, é de suma importância
avaliarmos fáscies do paciente, tensão muscular, posicionamento adotado. Foram validadas
ferramentas para auxílio na quantificação de quadro álgico em pacientes críticos não
comunicativos, como Behavioral Pain Scale e Critical Care Pain Observation Tool, que avaliam e
pontuam expressão facial, movimentos corporais, indicadores fisiológicos, dentre outros fatores.
• Solicitar:
1. MAPA (monitoramento ambulatorial da pressão arterial) para melhor avaliação do
comportamento pressórico;
2. Prova de função pulmonar (carga tabágica elevada + pulso paradoxal + ausculta
pulmonar globalmente reduzida) na tentativa de diagnosticar provável DPOC;
3. Exames séricos, incluindo lipidograma (colesterol total e frações e triglicerídeos),
glicemia de jejum, hemoglobina glicada, função tireoidiana, função renal, ionograma,
sumário de urina e pesquisa de microalbuminúria;
4. Exame de fundo de olho (rastrear retinopatia dos tipos diabética e hipertensiva);
ANAMNESE
IDENTIFICAÇÃO: ASC, 47 anos, sexo feminino, casada, costureira, natural e procedente
de fortaleza-Ceará.
QUEIXA PRINCIPAL: bolhas e inchaço no corpo.
HISTÓRIA DA DOENÇA ATUAL: Paciente relata quadro de febre, cefaleia e dor de
garganta há 1 semana, fazendo uso de anti-inflamatório para alívio dos sintomas. Após 48
horas do uso da medicação, notou o surgimento de pápulas eritematosas edematosas com
halo claro em faces extensoras de extremidades acrais e região palmar. No dia seguinte,
notou o aparecimento de uma borda eritematosa ao redor dessas lesões, associando com o
aparecimento de lesões ulceradas em mucosas orais. Após 2 dias, evoluiu com placas
eritematosas circulares com halo bolhoso em região cervical, tronco e braços com
crescimento centrífugo. Paciente procurou emergência, sendo internada para investigação
clínica e controle das lesões cutâneas, sendo realizada biópsia cutânea e exames
laboratoriais. Foi iniciado Prednisona 1mg/kg e suspenso medicações em uso.
HISTÓRIA FAMILIAR:
Nega casos de hipertensão arterial, diabetes mellitus, cardiopatias, câncer,
doenças sexualmente transmissíveis e doenças cutâneas.
EXAME FÍSICO
Dados Vitais:
FR: 16 ipm; FC: 104 bpm; Temperatura: 37,7 °C
Geral: Estado geral bom, acianótica, febril ao toque, anictérica, eupineica, hidratada,
eutrófica, orientada no tempo e no espaço.
Pele e mucosas: na sequência do texto.
Cabeça e Pescoço: Pescoço cilíndrico, simétrico; laringe e traqueia móveis, medianas;
pulso carotídeo simétrico; jugulares sem estase a 45º.
Sistema Respiratório: tórax simétrico, sem deformidade, boa expansibilidade, eupneica,
murmúrio vesicular presente e bem distribuído sem ruídos adventícios.
Sistema Cardiovascular: pulsos simétricos e cheios, FC: 104 bpm. Ausculta com bulhas
normofonéticas, 2 tempos, sem sopros.
Abdome: Plano, flácido, indolor, RHA presente, sem massa ou visceromegalia,
Sistema Nervoso: Lúcida e orientada. Ausência de Sinais de irritações meníngea.
Sensibilidade e força muscular preservada.
EXAMES COMPLEMENTARES
Histopatológico:
Dermatite de interface vacuolar com ceratinócitos necróticos.
Hemograma
Leucocitose 12000(75% neutrófilos sem desvio), VHS :40mm
QUESTÃO 1
Como descrever um exame dermatológico?
A descrição das lesões dermatológicas, bem como o seu diagnóstico sempre foi um
tema difícil para a maioria dos estudantes de medicina e para os médicos generalistas. No
entanto, com conhecimentos básicos podemos descrever a maioria das lesões cutâneas e
dar o diagnóstico das patologias mais comuns.
A semiologia dermatológica se torna ainda mais relevante, pois sabemos que uma
enorme gama de doenças hepáticas, endocrinológicas, infecciosas, reumatológicas, dentre
outras, podem ter suas manifestações cutâneas como fase inicial da enfermidade.
Como a dermatologia trabalha majoritariamente com a descrição das lesões de pele,
sendo utilizados exames complementares apenas em alguns casos, temos que imaginar
que uma boa descrição será fundamental para que o colega possa entender qual lesão está
sendo abordada.
Uma das peculiaridades da semiologia dermatológica é que o exame físico precede a
anamnese. Na entrevista devemos perguntar ao paciente a localização das lesões, duração,
sintomas (prurido, dor, ardor), fatores desencadeantes (exposição solar, alérgeno, alimento,
medicação) e tratamentos anteriores. É importante perguntar também sobre uso de
medicamentos, alimentos, hábitos pessoais, profissão, atividades recreacionais, histórico de
alergias, doenças cutâneas prévias, queimaduras solares. Os antecedentes familiares
também devem ser questionados quanto às doenças cutâneas, neoplasias, atopias,
trombofilias, doenças genéticas e reumatológicas.
O exame dermatológico deve envolver todo o tegumento, ou seja, pele, anexos (cabelos e
unhas) e mucosas e consiste em 4 etapas:
Morfologia da lesão:
a.1. Lesões elementares com conteúdo líquido:
Vesículas
Figura 1. Vesículas agrupadas sobre placa eritematosa.
Fonte: autoria própria
• Bolha: lesão elevada, circunscrita, maior de 1cm. Pode estar localizado na epiderme
ou entre a epiderme e a derme. A bolha pode ser flácida (pênfigos) ou tensa
(Penfigóide bolhoso, dermatite herpetiforme) a depender do nível de formação e
clivagem da pele, superficial e profundo, respectivamente (figura 2).
Bolha
Figura 2. Bolha com conteúdo sero-hemático em dorso de mão esquerda.
Abscesso
Figura 3. Abscesso exibindo periferia com eritema e área central de flutuação.
Fonte: autoria própria
• Cisto: tumor benigno, comum, derivado de anexos cutâneos, sendo formado por
epitélio glandular ou queratinizado. Localiza-se preferencialmente no tórax e couro
cabeludo (figura 4). Exemplo: cisto epidérmico.
Cisto
Figura 4. Cisto.
Fonte: autoria própria
Pápulas
Figura 5. Pápulas região axilar esquerda.
Fonte: autoria própria
• Nódulo: lesão firme, circunscrita, com mais de 1cm. Pode ser mais palpável que
visível quando a localização é hipodérmica (figura 6). Exemplo: carcinoma
basocelular.
Nódulos
Figura 6. Nódulos sobre placa hipercrômica em punhos.
Placa
Figura 7. Placa verrucosa em dorso nasal.
Fonte: autoria própria
Mácula Acrômica
Figura 9. Mácula acrômica em região temporal direita.
Fonte: autoria própria
Eritema
Figura 10. Placa eritemato infiltrada em dorso.
Fonte: autoria própria
Púrpura
Figura 11. Placas purpúricas em nádegas e membros inferiores.
Liquenificação
Figura 12. Placa hipercrômica escoriada com liquenificação.
Fonte: autoria própria
Erosão
Figura 14. Necrose epidérmica com erosão central em membro inferior esquerdo.
Escamas
Figura 15. Ictiose com descamação lamelar em face.
Fonte: autoria própria
• Fissura: fenda linear, estreita na pele, podendo ser rasa ou profunda. Surge
geralmente numa área de pele macerada e em região de movimento
• Úlcera: perda crônica de epiderme e derme, podendo atingir até tecidos mais
profundos. Exemplo: Leishmaniose tegumentar (figura 16).
Úlcera
Figura 16. Úlcera de bordas elevadas e fundo limpo em região temporal direita.
Fonte: autoria própria
• Fístula: pertuito interno na pele, por onde ocorre drenagem de material proveniente
de foco inflamatório ou infeccioso (figura 17). Exemplo: Doença de Crohn em região
perianal.
Fístula
Figura 17. Fistulas e traves fibrosas em axila.
Fonte: autoria própria
• Vegetação: Pápula de superfície irregular. Pode ser pedunculada ou não. Exemplo:
Verruga vulgar (figura 18).
Vegetação
Figura 18. Tumoração vegetante supra orbital esquerda.
Atrofia
Figura 19. Placa cicatricial atrófica em região posterior perna direita.
d. Localização
Nesse tópico abordaremos a descrição do local de aparecimento das lesões. Quando
estiverem presentes em múltiplos locais, podemos utilizar os seguintes termos:
• Disseminada: lesões numerosas e individuadas em várias regiões cutâneas.
• Generalizada: erupção difusa e uniforme, acometendo várias regiões cutâneas.
• Universal: comprometimento total, incluindo o couro cabeludo.
Informação Adicional: Formas e Tamanhos das Lesões
QUESTÃO 3
BIBLIOGRAFIA
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7th ed. New York: Mc Graw Hill Medical; 2013.
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Clinics of North America, 2015; 99(6):1337-48.
Capítulo 6
CASO CLÍNICO
ANAMNESE
Identificação: Paciente do sexo feminino, 67 anos de idade,
negra, aposentada.
Queixa Principal: “Dor e vermelhidão no olho esquerdo” há 1 dia.
História da Moléstia Atual: Paciente relata dor em olho esquerdo,
de intensidade moderada, iniciada há 1 dia, hiperemia difusa,
náuseas, vômitos e cefaleia frontal, visão turva e fotofobia. Não
utilizou medicação.
Antecedentes Pessoais: Paciente refere diabetes mellitus há 10
anos e usa metformina, glibenclamida e insulina do tipo NPH.
Informa diagnóstico de enxaqueca sem aura crônica há 6 meses,
para a qual foi prescrito topiramato. Nega história de doenças
autoimunes sistêmicas e alergias a medicamentos, alimentos e a
fatores ambientais. Cartão vacinal completo.
História Familiar: Nega história de doenças oftalmológicas e
autoimunes na família.
Exame físico ocular: Olho esquerdo com hiperemia conjuntival
difusa, sem secreção, e consistência pétrea à palpação bidigital.
Motilidade e alinhamento ocular preservados. Câmara anterior rasa
com pupila pouco responsiva em média midríase e edema de córnea
difuso. Acuidade visual em olho esquerdo de 20/400 e 20/25 em
olho direito. Fundoscopia inviável em olho esquerdo devido à
opacidade corneana e sem alterações em olho direito. Olho direito
com câmara anterior rasa, sem outras alterações.
Hipótese Diagnóstica: Glaucoma agudo de ângulo fechado.
DISCUSSÃO
A consulta oftalmológica inclui detalhada avaliação dos
sintomas e sinais oculares, através da anamnese e do exame ocular,
respectivamente.
Anamnese Oftalmológica
A anamnese oftalmológica apresenta a mesma importância e
fundamentos do que a realizada em outras especialidades. É
necessário caracterizar a queixa do paciente quanto a localização,
duração, frequência, evolução, intensidade, fatores desencadeantes,
fatores de piora e melhora, medidas terapêuticas adotadas e
manifestações associadas. As queixas mais frequentes incluem
alteração da acuidade visual, cefaleia, prurido, ardência, olho
vermelho, sensação de corpo estranho e diplopia.
Devem-se investigar história de doenças sistêmicas do paciente,
uso de medicamentos, alergia a fármacos e história familiar,
indagando-se sobre alterações oculares na família, como
estrabismo, ambliopia, retinopatias, glaucoma, catarata,
degeneração da mácula e doenças genéticas.
A Tabela 1 apresenta elementos essenciais da anamnese
oftalmológica e indicações de gravidade, de acordo com a queixa.
Tabela 1. Anamnese de queixas comuns em Oftalmologia.
Inspeção Ocular
À inspeção, devem-se avaliar as estruturas externas do globo
ocular e as estruturas anexas (pálpebras, sobrancelhas e aparelho
lacrimal). Para uma avaliação eficaz, necessita-se de boa iluminação
e a observação, sempre comparativa, das hemifaces.
A avaliação busca detectar alterações da anatomia normal do
olho, lesões cutâneas, bem como mudanças de pigmentação,
inflamação, hiperemia e secreção. Todas as estruturas devem ser
examinadas, como pelos e pele palpebrais, conjuntivas, esclera e
episclera, carúncula, córnea, íris e pupila, e câmara anterior.
Na avaliação da pele, busca-se identificar lesões cutâneas ou
alteração em distribuição ou características dos pelos. O globo
ocular e as cavidades orbitárias devem ser avaliados quanto a
simetria, deslocamentos e integridade. Na avaliação da conjuntiva,
buscam-se corpos estranhos, hiperemia, secreção, granulações,
alterações da pigmentação, sendo necessária a eversão das
pálpebras para avaliação das conjuntivas tarsais. Para realizar a
eversão da pálpebra superior, coloca-se um objeto de apoio no sulco
palpebral e tracionam-se os cílios superiormente, solicitando-se ao
paciente que olhe para baixo. Devem-se verificar a coloração da
esclera e da episclera, e os sinais flogísticos e de trauma. Em geral,
a córnea é cristalina, o que possibilita a visualização nítida da íris.
No seu exame, buscam-se opacidades. Na íris, deve-se verificar se
há alterações de relevo e áreas de atrofia. A pupila deve ser avaliada
quanto a diâmetro, forma e posição. Por fim, avalia-se a câmara
anterior quanto à profundidade e à presença de sangue (hifema) e
de pus (hipópio). Pode-se tentar avaliar a profunidade da câmara
anterior com uma lanterna tangencialmente a partir do campo
temporal. A iluminação de toda a córnea indica câmara profunda, e a
ausência de iluminação da porção nasal da córnea indica câmara
anterior rasa.
A Tabela 2 apresenta alguns achados na inspeção ocular e
hipóteses diagnósticas relacionadas.
Tabela 2. Achados que podem estar presentes na inspeção ocular.
Palpação Ocular
Reservada aos casos que se observa inflamação ou edema das
pálpebras ou do aparelho lacrimal e, ainda, na suspeita de glaucoma
agudo. À palpação, identificam-se lesões nodulares, tumores,
crepitações (um sinal de fratura) e a consistência do globo ocular.
Para avaliação da consistência, realiza-se a tonometria bidigital.
Nesse exame, solicita-se que o paciente feche os olhos e olhe para
baixo. Com ambos os dedos indicadores apoiados na pálpebra
superior, aplica-se pressão suave alternada, ora com dedo indicador
direito, ora com o dedo indicador esquerdo. Cada olho deve ser
examinado individualmente. Normalmente, o olho apresenta-se com
consistência semelhante à de um tomate maduro. Quando há
aumento da pressão intraocular, o olho é sólido e duro, possuindo
uma consistência pétrea.
Exame Pupilar
A primeira avaliação consiste em medir o tamanho das pupilas à
luz ambiente, enquanto o paciente direciona o olhar para um alvo
distante. Para tanto, podem-se utilizar cartões com círculos pretos
em diferentes tamanhos e compará-los à pupila. A pupila normal
possui de 2 a 4 mm. As pupilas podem ter diferenças de medida de
até 1 mm, acima disso, há anisocoria patológica. Quando o diâmetro
pupilar é superior ao normal, tem-se midríase. Quando inferior,
miose. Deve-se também verificar o contorno pupilar. Sua alteração é
denominada discoria.
A anisocoria deve ser avaliada tanto na claridade quanto na
penumbra. Saber se a anisocoria aumenta ou diminui na
claridade/escuridão auxilia em sua determinação etiológica.
Direcionando-se um foco luminoso para o olho, avalia-se o
reflexo fotomotor direto no olho iluminado e o reflexo fotomotor
consensual no olho contralateral. Uma das alterações é a ausência
do reflexo direto e presença do reflexo consensual (pupila de Marcus
Gunn), um indicativo de lesão unilateral da via aferente.
Deve-se também testar contração pupilar durante a
convergência/acomodação ocular, aproximando-se um objeto aos
olhos, enquanto o paciente mantém o olhar fixo neste objeto.
Pupilas mais responsivas à acomodação do que à luz indicam
comprometimento bilateral da via aferente.
Oftalmoscopia Direta
Também denominada exame fundoscópico ou fundoscopia, é
uma etapa essencial do exame ocular. Para sua realização é
necessário o uso do oftalmoscópio. Este instrumento emite raios
luminosos que atravessam a pupila, chegam ao fundo do olho
(retina, vasos sanguíneos da retina, disco óptico) e são refletidos até
a lente do aparelho, permitindo, então, a visualização do fundo do
olho.
Os passos para realização desse exame são:
PRÁTICAS BASEADAS EM
EVIDÊNCIAS
A anamnese oftalmológica e o exame ocular são úteis à pratica
médica?
Em estudo com 115 pacientes, Wang et al. avaliaram o papel da
anamnese na Oftalmologia. Nesse estudo, a anamnese foi
responsável por 88% dos diagnósticos, e o percentual restante
distribuído entre exame físico e testes adicionais.
O estudo de Harper e Reeves relatou sensibilidade de 81% e
especificidade de 90% no uso da oftalmoscopia direta para triagem
de glaucoma. Para detecção de retinopatia diabética, a sensibilidade
foi de 55,67% e a especificidade de 76,78%.
BIBLIOGRAFIA
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Capítulo 7
ANAMNESE
Identificação: Paciente do sexo masculino, 40 anos de idade, engenheiro
Queixa Principal: Labirintite
História da Moléstia Atual: Paciente com quadro de tontura ao olhar para cima, de início
súbito, principiada ao se levantar hoje pela manhã, com duração de segundos.
Acompanhava-se de náuseas, sem vômitos. Nega cefaleia, síncope, sintomas auditivos
associados (hipoacusia, zumbido, plenitude auricular) e sintomas nasais e laríngeos.
Precedentes Médicos: Nega comorbidades, alergias medicamentosas e alimentares.
Relata vacinações em dia.
EXAME FÍSICO
Sinais Vitais: Frequência respiratória (FR) – 20 irpm; frequência cardíaca (FC) – 80 bpm;
temperatura: 37°C.
Geral: Paciente em bom estado geral, hidratado, anictérico e acianótico, consciente e
orientado no tempo e no espaço.
Otoscopia: Conduto auditivo externo pérvio, membrana timpânica íntegra, translúcida,
sem abaulamentos e retrações; ausência de nistagmo espontâneo e semiespontâneo; head
impulse test sem sacadas corretivas; teste de Skew sem alterações; teste de Romberg
inalterado;
manobra de Dix-Hallpike –nistagmo de curta latência, horizontorrotatório à direita, com
sintomas de tontura associados.
Rinoscopia Anterior: Septo nasal central, mucosas normocoradas, conchas nasais
eutróficas.
Oroscopia: Dentes em bom estado de conservação, classificação de Mallampati I,
amígdalas grau I.
Cabeça e Pescoço: Crânio normocefálico, sem alterações ao exame. Pescoço cilíndrico,
simétrico; laringe e traqueia móveis, medianas; pulso carotídeo simétrico; jugulares sem
estase a 45º.
Sistema Respiratório: Tórax simétrico, sem deformidade, boa expansibilidade, eupneico,
murmúrio vesicular bem distribuído, sem ruídos adventícios.
Sistema Cardiovascular: precórdio calmo, pulsos simétricos, cheios; taquicárdico.
Bulhas normofonéticas em 2 tempos, sem sopros.
Abdome: Plano, flácido, indolor, sem visceromegalia, com ruídos hidroaéreos sem
alterações.
Suspeita Diagnóstica: Vertigem posicional paroxística benigna (VPPB).
CONDUTA
Manobra de Epley, com melhora imediata.
1. O que é a VPPB?
2. Como se diagnostica VPPB?
3. Tontura é sinônimo de labirintite?
DISCUSSÃO
1. A VPPB é a principal causa de tontura (17,1%) dos casos em geral. Pode ocorrer
em qualquer faixa etária, mas predomina entre 50 e 60 anos de idade, geralmente
no sexo feminino.
No labirinto humano, existem cristais de carbonato de cálcio denominados otólitos, os
quais têm a função de amplificar o poder de detecção dos movimentos cefálicos que serão
convertidos em impulsos nervosos. Quando essas estruturas migram da posição original
para os canais semicirculares, instala-se a VPPB.
Clinicamente, ela se manifesta por crises de tonturas desencadeadas por
movimentação da cabeça, com duração de segundos a minutos, associadas muitas vezes
a náuseas, vômitos, sudorese e palidez. Mesmo após a crise, pode persistir uma sensação
de mal-estar por algumas horas.
2. As manobras de posicionamento são consideradas o padrão-ouro para o
diagnóstico, não havendo, via de regra, necessidade de exames complementares.
A mais realizada é a manobra de Dix-Hallpike: o paciente é posicionado sentado,
com a cabeça a 45º para o lado a se testar. Deita-se o paciente para trás com a
cabeça pendente para fora da maca por cerca de 30 segundos a 1 minuto. Depois,
há o retorno para a posição sentada. A sensibilidade do exame é de 48 a 88% e
seu valor preditivo negativo de 52%.
Considera-se a manobra positiva, quando há nistagmo, que topografa o canal
semicircular acometido: canal semicircular posterior (vertical para cima e rotatório); canal
anterior (vertical para baixo e rotatório); canal anterior ou posterior (rotatório, independente
do sentido); canal lateral (horizontal). Entretanto, algumas doenças do sistema nervoso
central mimetizam a VPPB, cuja suspeita se dá com alguns achados atípicos na prova de
Dix-Hallpike: nistagmo acima de 1 minuto de duração; sintomas ou nistagmo no
posicionamento de ambos os lados da prova; ausência de latência ou nistagmo
multidirecional.
3. Não. As labirintites são uma das mais raras causas de tontura. Decorrem de uma
complicação incomum da otite média aguda e da otomastoidite.
Divisão Anatômica
O ouvido humano divide-se em 3 partes: orelha externa, média e interna.
A orelha externa consiste na área que compreende o pavilhão auricular, o conduto
auditivo externo e a porção externa da membrana timpânica.
A orelha média vai da porção interna da membrana timpânica até o labirinto. Situa-se
dentro do osso temporal e é composta das seguintes partes:
Secreções Otológicas
Saída de líquido do ouvido, com coloração de vários aspectos: hialina (p. ex., fístula
perilinfática, como nas fraturas de base de crânio), sanguinolenta (denominada otorragia,
como nos traumas e infecções), purulentas (também denominadas otorreias, de origem
infecciosa).
Prurido
Tem diversas causas, como nos eczemas auditivos, rinites alérgicas e quadros
sistêmicos, como diabetes, linfomas ou hepatite crônica.
Disacusias
Perda da capacidade auditiva, que pode ser moderada (hipoacusia), acentuada (surdez)
ou total (anacusia ou cofose).
Há 3 tipos básicos:
81%: pulsátil
15%: mioclonia dos músculos da orelha média
4%: mioclonia palatal
Tontura
Percepção de alteração do equilíbrio corporal. A vertigem é o tipo mais comum e
caracteriza-se pela ilusão de movimento corpóreo, geralmente rotatória.
A tontura pode estar acompanhada de desequilíbrio e queda, além de sintomas
neurovegetativos (náuseas e vômitos) e sintomas auditivos.
Distúrbios visuais, neurológicos, psíquicos, vasculares ou metabólicos podem ser
causas (Tabela 2).
ORIGEM CENTRAL
Esclerose múltipla
Tumor do ângulo pontocerebelar
Epilepsia vestibular
Enxaqueca basilar/vestibular
Infarto/hemorragia do tronco
Ataxia episódica familiar
Atrofia cerebelar
Infarto ou hemorragia cerebelar
Malformação de Arnold-Chiari
ORIGEM CERVICAL
PERIFÉRICA CENTRAL
• HI (Head Impulse Test ou teste do impulso cefálico): o paciente deve olhar para a
ponta do nariz do examinador durante todo o exame, com a cabeça em posição
centrada (examinador e paciente com os olhos alinhados no mesmo plano). Em
seguida, o examinador realiza uma rotação lateral lenta em cerca de 20° na cabeça
do paciente para qualquer um dos lados, seguido de um retorno abrupto para a
posição central. Em pacientes normais, os olhos se mantêm fixos. Um teste com
resultado alterado é aquele em que o olhar não se fixa, gerando uma sacada
corretiva (movimento abrupto do olho para compensar a alteração da fixação
ocular)
PERIFÉRICO CENTRAL
BIBLIOGRAFIA
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9. Porto CC. Semiologia Médica. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2009. 1308 p.
Capítulo 8
ANAMNESE
Identificação: Paciente do sexo masculino, 20 anos de idade,
apresentando queixa principal de “nariz entupido”.
História da Moléstia Atual: Paciente iniciou quadro de obstrução
nasal e rinorrreia hialina há 2 dias. Procurou atendimento médico,
sendo prescritos sintomáticos e loratadina. Evoluiu em 10 dias com
astenia, dor facial, rinorreia esverdeada, febre de 38oC e hiposmia.
Queixou-se também de otalgia bilateral. Nega plenitude aural,
hipoacusia, outros sintomas otológicos e dispneia.
Precedentes Médicos: Rinite alérgica. Nega alergias
medicamentosas e alimentares. Refere vacinações atualizadas.
História Familiar: Pais com rinite alérgica.
EXAME FÍSICO
Sinais Vitais:
Frequência respiratória (FR): 20 irpm; frequência cardíaca (FC):
90 bpm; temperatura: 37,8°C
Geral: Bom estado geral, hidratado, anictérico e acianótico,
consciente, orientado no tempo e no espaço.
Otoscopia: Conduto auditivo externo pérvio, membrana timpânica
íntegra, translúcida, sem abaulamentos e retrações.
Rinoscopia Anterior: Septo nasal central, mucosas hiperemiadas,
conchas nasais hipertróficas (++++/4+).
Oroscopia: Dentes em bom estado de conservação, classificação
de Mallampati I, tonsilas palatinas grau I.
Cabeça e Pescoço: Crânio normocefálico, sem alterações ao
exame. Pescoço cilíndrico, simétrico; laringe e traqueia móveis,
medianas; pulso carotídeo simétrico; jugulares sem estase a 45º.
Sistema Respiratório: Tórax simétrico, sem deformidade, boa
expansibilidade, eupneico, com murmúrio vesicular bem distribuído,
sem ruídos adventícios.
Sistema Cardiovascular: Precórdio calmo, pulsos simétricos,
cheios, paciente normocárdico; bulhas normais, em 2 tempos, sem
sopros.
Abdome: Plano, flácido, indolor, sem visceromegalia, com ruídos
hidroaéreos, mas sem alterações.
Suspeita Diagnóstica: Sinusite aguda.
Conduta: Antibioticoterapia.
DISCUSSÃO
1. A obstrução nasal é um sintoma cujas causas podem ser
de origem intranasal, paranasal ou retronasal.
Para o primeiro grupo, que são as principais causas, enquadram-
se as condições de origem da mucosa nasal. A causa mais comum
são doenças de origem inflamatória, como infecções ou alergias.
Outras causas são desvio de septo nasal, hipertrofia de
adenoides (tonsilas situadas na parede posterior da rinofaringe),
malformações e tumores.
2. Para uma boa rinoscopia anterior, dois fatores são
fundamentais: espéculo nasal e iluminação externa. Para
esta, pode-se utilizar uma lanterna, um fotóforo (fonte
luminosa que se prende à testa) ou um espelho nasal, que
consiste em um espelho circular colocado na fronte para
refletir a luz proveniente de uma fonte luminosa.
O espéculo nasal é um instrumento com o qual o médico
consegue ampliar a visão da cavidade nasal, podendo ser
descartável ou não.
A rinoscopia anterior deve ser realizada com o paciente olhando
de frente para o examinador; essa posição possibilita a visualização
do assoalho da cavidade nasal (inferiormente) e a cabeça da concha
nasal inferior (lateralmente). É uma boa maneira de verificar a
permeabilidade da cavidade nasal.
3. Em qualquer condição nasal, os sintomas auditivos podem
ser explicados pela anatomia, considerando-se a tuba
auditiva. Trata-se de um canal que liga a orelha média à
rinofaringe. Encontra-se habitualmente fechada e sua
abertura torna possível a equalização da pressão da orelha
média com a do meio ambiente. Além disso, viabiliza a
drenagem de secreções da orelha média.
Obstrução Nasal
Sintoma importante e frequente em muitas doenças sistêmicas
que pode acometer todas as idades e raças. Suas causas estão
sumarizadas na Tabela 1. Sua morbidade varia de acordo com a
gravidade e a etiologia. Isoladamente o sintoma não costuma
ocasionar risco de morte ao paciente, exceto nos casos de atresia
coanal congênita bilateral, em que há falha no desenvolvimento da
comunicação entre a cavidade nasal posterior e a rinofaringe. Nessa
situação, pode haver importante repercussão respiratória, com
cianose.
A obstrução nasal causa repercussões importantes para a
sociedade, gerando gastos anuais elevados com atendimento
médico/cirurgias, por conta de sua alta incidência. Nos EUA, são
realizadas cerca de 600.000 cirurgias por ano, e a obstrução nasal é
a terceira cirurgia mais realizada por otorrinolaringologistas.
Pode cursar com: respiração oral, rinorreia, distúrbios de olfato,
prurido nasal, alterações no sono e na deglutição, dentre outros
INCOMUNS
RARAS
Dor
Na maioria das vezes, associa-se a processos inflamatórios
agudos dos seios paranasais (sinusites). Causas nasais e
paranasais incluem-se no diagnóstico diferencial das cefaleias.
Espirros
As crises de espirro, também chamadas crises esternutatórias ou
espirros em salva, podem surgir como manifestação de rinites ou
mesmo em infecções de vias aéreas superiores.
As rinites alérgicas são reações de hipersensibilidade mediadas
por IgE (tipo I de Gell e Coombs). São causadas por resposta
inflamatória ao contato das partículas inaladas com a mucosa. Há
diversos desencadeantes, como: aeroalérgenos, irritantes
específicos, mudanças climáticas, anti-inflamatórios (em
predispostos). Além dos espirros em salva, acompanha-se de outros
sintomas, como prurido (em nariz, palato, olhos, faringe, laringe e
ouvidos), rinorreia hialina (anterior e/ou posterior), obstrução e
congestão nasal, com hipo/anosmia, e perda do paladar.
Epistaxe
Sangramento de origem nasal. É a principal causa de hemorragia
na população, representando condição frequente nas emergências
médicas e necessitando, muitas vezes, de tamponamento nasal
e/ou intervenção cirúrgica.
A maioria dos sangramentos nasais é de pequeno volume,
autolimitada e sem repercussões hemodinâmicas, porém sempre
deve-se atentar para condições associadas, como uso de
medicamentos (p. ex., antiagregantes plaquetários), drogas
psicoativas (p. ex., cocaína), hipertensão arterial, coagulopatias,
traumatismos locais ou extensos. São fatores muitas vezes
causadores e/ou perpetuadores dessa condição.
As principais causas de epistaxe são:
• Alterações olfatórias:
• Cacosmia: caracteriza-se pela percepção de odor fétido
nasal. Apresenta diversas causas (infecciosas [sinusites,
sífilis nasal], tumores e corpos estranhos)
BIBLIOGRAFIA
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Capítulo 9
Semiologia da Laringe
Autor(a): Victor José Timbó Gondim
ANAMNESE
Identificação: Paciente do sexo masculino, 50 anos de idade.
Queixa Principal: “Rouquidão contínua e falta de ar”.
História da Moléstia Atual: O paciente queixa-se de disfonia progressiva há cerca de 6
meses. Evoluiu nos últimos 2 meses com episódios de dispneia. Nega disfagia. Hábitos:
tabagista desde a adolescência, etilista diário.
Interrogatório Sintomatológico: Nega alterações em nariz, ouvidos e olhos,
gastrintestinais, urinárias e extremidades.
EXAME FÍSICO
Dados Vitais: Frequência respiratória (FR) – 18 irpm; frequência cardíaca (FC) – 80
bpm; temperatura: 37°C.
Pele: Sem alterações.
Cabeça e Pescoço: Sem adenomegalias palpáveis. Tireoide sem alterações palpáveis;
móvel à deglutição. Ausência de sopros cervicais
Sistema Respiratório: Tórax simétrico, sem deformidade, boa expansibilidade,
taquipneico, com murmúrio vesicular bem distribuído, sem ruídos adventícios.
Sistema Cardiovascular: Precórdio calmo, pulsos simétricos, cheios: paciente
normocárdico. Bulhas normofonéticas em 2 tempos, sem sopros.
Abdome: Plano, flácido, indolor, sem visceromegalia, com ruídos hidroaéreos sem
alterações.
Sistema Nervoso: Paciente lúcido e orientado, responsivo. Sem sinais de irritação
meníngea. Reage a estímulos dolorosos, sem alterações na força muscular.
Ao exame otorrinolaringológico: Otoscopia com membrana timpânica íntegra,
translúcida, sem abaulamentos ou retrações; rinoscopia anterior com septo centrado e
conchas nasais eutróficas. Avaliação perceptivo-auditiva da voz com G3B0R3A0S0I0 .
Suspeita Diagnóstica: Disfonia crônica a esclarecer (neoplasia de laringe?).
Conduta: Solicitado exame de laringoscopia.
EXAMES COMPLEMENTARES
Laringoscopia: Evidenciada lesão ulceroinfiltrativa em toda a prega vocal direita, com
fixação de hemilaringe direita.
DISCUSSÃO
1. Normalmente, quando é insidiosa e progressiva, e há acometimento de pregas
vocais, causado pela má vibração da mucosa vocal. Toda disfonia que não
melhora em 15 dias deve ser investigada.
2. Nas neoplasias de laringe, podem associar-se: disfagia e odinofagia (ambas por
invasão direta), dispneia (efeito obstrutivo em estágios avançados), otalgia reflexa
(é frequente a associação com metásstase linfonodal cervical), síndrome
consumptiva (seja por dificuldade de ingestão alimentar ou pelo catabolismo
tumoral).
3. Em toda rouquidão persistente. Podem ser solicitados: laringoscopia (primeira
escolha e possibilita visualização direta da lesão), estroboscopia (laringoscopia
com auxílio de luz oscilante, de acordo com a frequência vocal do paciente –
possibilita melhor visualização da vibração vocal), tomografia computadorizada,
ressonância magnética e tomografia computadorizada por emissão e pósitrons
(PET-TC; Position Emission Tomography).
4. Os nódulos de pregas vocais correspondem ao grupo de lesões fonotraumáticas
das pregas vocais, que são condições decorrentes de uso inadequado da voz e
incluem: edema de Reinke, pólipos e granulomas vocais. São lesões de caráter
benigno e podem ser tratadas, via de regra, com fonoterapia ou exérese cirúrgica,
de acordo com o seu tamanho ou refratariedade ao tratamento com fonoterapia.
Anamnese
Dor
Sintoma frequente na semiologia laríngea, especialmente em laringites (agudas e
crônicas), podendo ser acompanhada de dor à deglutição (odinofagia).
Dispneia
A dispneia de origem laríngea pode ser infecciosa (como na laringite diftérica,
laringomalácia, papilomatose por papilomavírus humano [HPV], abscessos, dentre outras),
congênita (laringomalácia, estenoses congênitas), neoplásica, por corpos estranhos e
traumas.
Disfonia
Toda dificuldade na emissão vocal que impeça a produção natural e harmoniosa da voz.
Pode ser aguda (até 14 dias de evolução) ou crônica (acima de 14 dias).
• Funcional: altera a função vocal por mau uso da voz, mas não é ocasionada por
lesão. Pode ter causas ocupacionais (p. ex., cantores), alterações estruturais
mínimas (alteram a estrutura tecidual das pregas vocais e cujo impacto restringe-
se à função fonatória, como nas assimetrias laríngeas, alterações de proporção
glótica) e causas de origem psicogênica
Estridor
Respiração ruidosa pelo turbilhonamento de ar em uma via aérea estreitada.
Topograficamente, pode localizar-se em regiões extratorácicas (como na laringe) ou
intratorácicas. Ocorre geralmente em crianças (motivo: laringe menor), e as doenças
congênitas são a principal causa de estridor em menores de 2,5 anos. Na população
pediátrica, é um dos sinais mais importantes de obstrução respiratória.
Tosse
A mucosa laríngea é uma região altamente reativa aos estímulos provocadores de
tosse, sendo possíveis diversas causas, como refluxo laringofaríngeo e infecções.
Disfagia
Incapacidade de ingerir ou transportar o bolo alimentar da região oral ao estômago.
Causas obstrutivas laríngeas podem cursar com esse sintoma, como neoplasias, infecções
e malformações. No refluxo, pode associar-se à sensação de corpo estranho, definida
como globus laríngeo, na qual não se encontra lesão maior.
Pigarro
Causado por quadros de hipersecreção de muco, comum na doença do refluxo e em
tabagistas crônicos.
Exame físico
Além do exame físico básico otorrinolaringológico e da avaliação do padrão da voz
(rouquidão, instabilidade vocal), podem-se usar instrumentos de laringoscopia, de forma
indireta (por meio de espelho e luz) ou direta (via uso de laringoscópio).
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Seção 3 - Sistema Respiratório
Capítulo 10
Semiologia Respiratória
Autor(a): Janaina Martins Andrade
CASO CLÍNICO
ANAMNESE
Identificação: N.O.A., 65 anos de idade, residente de Gouveia (MG).
Queixa Principal: “Controle da asma”.
História da Moléstia Atual: Paciente asmática desde a infância procurou atendimento pneumológico
para controle das exacerbações. Na ocasião, a crise estava parcialmente controlada, mas a paciente
queixava-se de tosse e sibilância e limitação das atividades da vida diária devido aos sintomas da
asma. Relatou crises asmáticas frequentes com necessidade de uso de broncodilatador de resgate (B2
de curta duração – salbutamol 400 µg a cada 4 h) e corticosteroide sistêmico (prednisona 20 mg MID).
Referiu ainda idas frequentes ao pronto atendimento da cidade de origem para nebulização com
broncodilatadores de curta duração (fenoterol + ipratrópio) e corticosteroide sistêmico venoso
(hidrocortisona 500 mg). Trata-se de paciente sabidamente hipertensa com elevação dos níveis
pressóricos durante as crises asmáticas, em acompanhamento trimestral com o cardiologista
assistente.
A paciente negou: hiporexia, perda ponderal, alterações em olhos, ouvidos, trato aerodigestivo e do
hábito intestinal, queixas urinárias, corrimento ou lesões genitais, ou mudanças em pele e/ou
extremidades.
Antecedentes: Paciente sabidamente asmática com início das crises aos 2 anos de idade. Nega
ocorrência de coqueluche, sarampo, infecções respiratórias de repetição na infância, história prévia de
embolia pulmonar, tuberculose, cirurgias pulmonares e/ou cardíacas, trauma torácico e neoplasia
pulmonar.
Relatou inúmeros episódios prévios de pneumonia, mas não soube informar com precisão
quantidade e data/ano.
Portadora de: hipertensão arterial sistêmica (HAS), em uso domiciliar de losartana 50 mg BID,
hidroclorotiazida 25 mg MID; artrite reumatoide, em uso domiciliar de deflazacorte (glicocorticoide) 3
mg, 3 vezes/semana; e transtorno de ansiedade generalizada, em uso domiciliar de sertralina 50 mg
MID e mirtazapina 30 mg MID.
Desconhecia alergia medicamentosa. Quadro vacinal em dia. Nega cirurgias prévias. Menopausa
aos 42 anos de idade.
Nega tatuagens ou acidentes perfurocortantes nos últimos 12 meses, transfusões sanguíneas
prévias, tabagismo, uso de drogas ilícitas e etilismo. Informou ter sido fumante passiva por 20 anos.
A paciente vive em casa com o esposo, em região com saneamento adequado, e consome água
mineral. Referiu exposição domiciliar a poeira e cão.
Em virtude de sua profissão, relatou exposição a giz escolar por 10 anos, período em que trabalhou
como professora na rede pública de ensino da cidade de origem.
História Familiar: Negou doenças ocorridas por causa genética ou por hábitos comuns e doenças
transmissíveis.
Mãe falecida aos 80 anos de idade em decorrência de fibrose pulmonar secundária à
pneumotoxicidade por amiodarona.
Pai falecido aos 99 anos de idade em virtude de pneumonia adquirida na comunidade.
Filhos (3) com boa saúde.
Relatou que um irmão apresenta HAS e uma irmã transtorno de ansiedade.
EXAME FÍSICO
Ectoscopia: Paciente em bom estado geral, alerta, cooperativa e bem orientada no tempo e no
espaço, eupneica em repouso, afebril (36,7°C), acianótica, hidratada, hipocorada (1+/4+).
Ausência de linfadenomegalias superficiais palpáveis.
À inspeção do couro cabeludo, não foram encontradas lesões.
Cavidades Oral e Orofaríngea: Língua com lesões sugestivas de língua geográfica.
Otoscopia: Cerume em ouvido direito.
Pele e Fâneros: Sem alterações.
Ausculta Cardíaca: Ritmo cardíaco regular, não auscultados sopros.
Ausculta Pulmonar: murmúrio vesicular com sibilos difusos.
Abdome: Semigloboso, com ruídos hidroaéreos normoativos e espaço de Traube livre, indolor à
palpação, sem massas ou visceromegalias.
Extremidades bem perfundidas, sem edemas.
EXAMES COMPLEMENTARES
Revisão Laboratorial: Fator reumatoide reativo (47,7), PPD não reator.
Tomografia de Tórax de Alta Resolução: Espessamento difuso das paredes brônquicas inferindo
bronquiectasias cilíndricas e bronquioloectasias (Figura 1). Opacidades centrolobulares com aspecto
de árvore em brotamento estendendo-se às vias aéreas. Estrias fibroatelectásicas nos ápices
pulmonares.
Espirometria: Distúrbio ventilatório obstrutivo grave com resposta positiva à prova broncodilatadora.
Ecocardiograma: Fração de ejeção = 68%; pressão sistólica na artéria pulmonar = 28 mmHg;
pressão no átrio direito = 5 mmHg. Função sistólica global e segmentar biventricular normal em
repouso. Relaxamento diastólico anormal do ventrículo esquerdo (grau I de disfunção diastólica).
Alterações degenerativas leves das valvas mitral e aórtica com regurgitação aórtica leve.
Fibronasolaringoscopia: Polipose nasal.
Prick Test: Hipersensibilidade a poeira domiciliar (+ + +) e ácaros (+ + + +).
INTERPRETAÇÃO E CONDUTA
Trata-se de um caso de bronquiectasia cilíndrica secundária, principalmente, a condições adquiridas.
A asma, por alterar a estrutura morfofuncional das vias aéreas, pode desencadear bronquiectasias
como um dos componentes estruturais da doença, no entanto, é pouco frequente. A exposição a pó de
giz, composto principalmente de óxido de cálcio, pode causar e exacerbar reações alérgicas em
pacientes asmáticos, aumentando as complicações da doença. A exposição passiva à fumaça de
cigarro também é um agravante para condições pulmonares pré-existentes. Fator reumatoide positivo
somado a sintomas articulares fomenta a possibilidade de doença intersticial pulmonar secundária à
artrite reumatoide, a qual pode cursar, muitas vezes, com bronquiectasia. No entanto, são necessárias
mais avaliações para conclusão diagnóstica de artrite reumatoide.
Evolução: A terapêutica para controle das exacerbações da asma foi intensificada, seguindo-se as
orientações do Global Initiative for Asthma (GINA 2020). Foram prescritos: formoterol + budesonida
12/400 µg BID (e dose adicional seria empregada se o paciente apresentasse tosse, sibilância e
dispneia aos esforços, conforme orientação médica), mometasona 400 µg MID, acetilcisteína 600 mg
MID, azitromicina 500 mg MID às segundas, quartas e sextas-feiras, e salbutamol 400 µg na
persistência de sintomas (tosse, sibilância e dispneia aos esforços), conforme orientação médica.
A paciente foi orientada quanto ao controle ambiental e encaminhada ao serviço de fisioterapia
respiratória para reabilitação pulmonar.
Inicialmente será realizado acompanhamento tomográfico semestral e avaliada a possibilidade de o
mesmo tornar-se anual.
A paciente foi reavaliada em 30 dias e na ocasião relatava melhora importante dos sintomas
respiratórios. À ausculta respiratória, já não apresentava sibilos, como na primeira consulta. Referia
ainda melhora dos sintomas diurnos e da funcionalidade, não mantinha queixa de limitação para
realização de atividades da vida diária. A mesma não precisou procurar o serviço de Pronto
Atendimento da cidade de origem nos últimos 30 dias e negou uso de corticosteroide sistêmico, porém
necessitou fazer uso do broncodilatador de curta duração pelo menos uma vez por semana no período
noturno.
DISCUSSÃO
Traqueobroncomalácia
Estenose de vias aéreas
Amiloidose traqueobrônquica
Corpos estranhos nas vias aéreas
Traqueobroncopatia osteoplástica
Broncolítiase
Linfangioleiomiomatose
Histiocitose X
Traqueobroncomegalia (síndrome de Mounier-Kuhn)
Alta atitude
Massas mediastinais
Edema pulmonar
Embolia pulmonar
Tosse induzida por fármacos
Proteinose alveolar pulmonar
OUTRAS CAUSAS
Vasculites
Doenças inflamatórias intestinais
Doenças da tireoide
Fístulas traqueoesofágicas ou broncoesofágicas
Outras
Diagnóstico laboratorial
São considerados exames principais no auxílio diagnóstico da tosse:
• Endoscopia digestiva alta com biópsia de esôfago e ph-metria esofágica: fundamentais para o
diagnóstico de DRGE. A impedanciometria é uma nova opção, especialmente para caracterizar
o refluxo básico
• Óxido nítrico (NO) exalado: reflete inflamação eosinofílica, comumente encontrada na asma
atópica.
Tratamento
Em muitos casos, o tratamento é muito complicado, portanto, é importante identificar a causa e
iniciar a terapêutica de acordo com esta causa.
Quando não se consegue definir a(s) causa(s) da tosse, pode-se iniciar um tratamento empírico,
com observância à resposta clínica do paciente.
De acordo com sua etiologia, a opção pelo tratamento poderá ser mais específica, como no caso da
asma e da DRGE, ou ser mais generalista, visando à diminuição da frequência e da intensidade da tosse
do paciente.
O arsenal medicamentoso mais usado para o controle da tosse inclui broncodilatadores,
substâncias que atuam no sistema nervoso central, substâncias que atuam no sistema nervoso
periférico, substâncias que atuam no muco e anti-histamínicos.
O uso de medicações para alívio da tosse é indicado nos casos mais intensos e com o intuito de
trazer conforto. É importante insistir na investigação diagnóstica, pois, geralmente, a eficácia do
tratamento dependerá da definição da causa da tosse.
Expectoração
Em condições fisiológicas, são produzidos diariamente, aproximadamente, 100 mL de muco no trato
respiratório inferior. Esta produção é levada ao trato respiratório superior pelo aparelho mucociliar, onde
sofre processo de deglutição, sem causar sintomatologia.
O muco é produzido por células caliciformes, plasmáticas, de Clara, pneumócitos do tipo II e
glândulas submucosas. Trata-se de um coloide hidrofílico, cuja composição compreende 95% de água,
1% de proteínas, 0,9% de carboidratos e 0,8% de lipídios.
Além do muco, 250 a 400 mL de água são eliminados diariamente através dos movimentos
respiratórios, sob a forma de vapor d’água.
Situações que causam aumento da produção do muco e alterações das suas propriedades
desencadeiam mecanismos de defesa do sistema respiratório responsáveis pela sintomatologia
descrita como tosse e pigarro.
A tosse pode ser produtiva ou improdutiva. Na tosse produtiva, quantidades variáveis de material
formado ou depositado nas vias aéreas são eliminadas (escarro). A palavra escarro tem sua origem no
latim, screare ou escarrar, e significa “material que é expelido durante a expectoração”.
Quando o material expectorado é oriundo do trato respiratório superior, suas características básicas
são gotejamento pós-nasal, que pode ser visualizado na orofaringoscopia, e eliminação não somente
com a tosse, porém, também com a manobra de aspiração nasofaríngea. As rinossinusites são
responsáveis por produção abundante de secreção, normalmente purulenta, viscosa e grumosa; tendo
associação frequente com tosse e inclusive sintomas de hiper-reatividade das vias aéreas.
O primeiro questionamento ao paciente cuja sintomatologia inclui tosse produtiva é sobre as
características da secreção eliminada. Esta informação, apesar de importante, não isenta o médico da
inspeção do material eliminado. Tal procedimento deverá ser realizado solicitando-se ao paciente que
expectore em uma superfície branca (lenço de papel ou placa de Petri), sendo posteriormente
examinado o conteúdo, preferencialmente em local de boa luminosidade. O exame compreenderá a
visualização do material, análise de sua viscosidade e odor.
As informações semiológicas da expectoração são muitas, devendo começar, ainda na anamnese,
com a descrição do tempo de aparecimento da sintomatologia. Três condições poderão apresentar-se
ao profissional de saúde, ou seja, o início agudo, subagudo ou crônico da eliminação de material
através da tosse. Início agudo invariavelmente é causado por infecções virais do trato respiratório,
afecções alérgicas e agudização de condições crônicas, como asma brônquica e bronquite crônica.
Infecções bacterianas como as pneumonias causam produção de expectoração de início insidioso,
aumentando gradativamente de volume em um período de dias a semanas.
O período do dia em que a expectoração é mais abundante também fornece pistas diagnósticas.
Eliminação copiosa de secreção no período matutino, logo após levantar, é característica de doenças
supurativas crônicas como bronquiectasias e bronquite crônica. Também pode-se verificar tosse com
expectoração em crises intermitentes durante o dia. Esta característica inclina o diagnóstico para
condições em que a ação da gravidade deposita o conteúdo, até o momento que a quantidade
acumulada obriga o organismo a lançar mão de mecanismos de defesa para eliminá-la. Este
mecanismo contitui-se da tosse e consequente eliminação do acúmulo de secreção. As
bronquiectasias são o modelo deste tipo de comportamento.
Tosse e expectoração relacionadas à alimentação indicam fístula broncoesofágica ou distúrbios de
deglutição, com aspiração do conteúdo alimentar para as vias respiratórias. O decúbito também pode
precipitar eliminação de secreção. Devido à peculiaridade anatômica da árvore respiratória, alguns
segmentos pulmonares somente terão uma drenagem adequada, quando determinada posição
assumida pelo paciente facilitar a drenagem das secreções. Exemplos desta condição são as
bronquiectasias, os abscessos pulmonares e as fístulas broncopleurais.
As características do escarro mudam de acordo com a doença que acomete o sistema respiratório,
sendo alteradas sua cor, viscosidade e odor. A viscosidade encontra-se particularmente aumentada nos
casos de infecção do trato respiratório, seja ela bacteriana, micobacteriana ou fúngica. As infecções
virais normalmente não aumentam a viscosidade de forma tão marcante. Poucas proteínas e células, e
grande quantidade de água e eletrólitos caracterizam o escarro seroso. À inspeção, tem como
característica básica o fato de ser aquoso e translúcido, semelhante à água. É típico de afecções virais
do trato respiratório e indivíduos atópicos.
O escarro mucoide ou mucoso tem aspecto semelhante à clara de ovo. É esbranquiçado e algo
viscoso. É o tipo encontrado em pacientes portadores de bronquite crônica e asma brônquica, quando
não há infecção bacteriana superposta. Na asma brônquica, devido à grande quantidade de eosinófilos
presentes na secreção, poderá haver escarro de coloração amarelada, porém sem significar infecção
bacteriana.
A presença de piócitos caracteriza o escarro do tipo purulento. Macroscopicamente apresenta-se
como secreção extremamente viscosa, amarelada ou esverdeada. A infecção bacteriana é o maior
exemplo de escarro purulento. Diferenças sutis em sua coloração podem sugerir agentes etiológicos
específicos. Na pneumonia pneumocócica, o escarro é tipicamente ferruginoso. Quando o agente
implicado é a Klebsiella pneumoniae, assume coloração arroxeada, semelhante à geleia de framboesa.
Pseudomonas aeruginosa confere um aspecto esverdeado à secreção eliminada. O aspecto bilioso ou
semelhante à pasta de anchovas é patognomônico de abscessos hepáticos que sofrem ruptura e
comunicação com o trato respiratório através do diafragma. Características mucosas e purulentas
associadas no mesmo material recebem o nome de escarro mucopurulento. Escarro hemático é aquele
que apresenta raias de sangue, e pode ocorrer em casos de tuberculose pulmonar, neoplasia brônquica
central e tromboembolismo pulmonar. Também pode receber a denominação de hemoptóicos.
Hemoptise franca, ou seja, com a eliminação de sangue vivo também pode ocorrer nestas situações.
Quando a coloração é rósea e o aspecto espumoso, aerado, suspeita-se de congestão pulmonar.
Expectoração enegrecida ou cinzenta pode ser encontrada em mineradores de carvão, fumantes ou
pacientes com mucormicose. A eliminação de moldes brônquicos é típica da aspergilose
broncopulmonar alérgica, assim como os cálculos são encontrados na broncolitíase.
O odor também é uma característica semiológica importante, sendo a fetidez associada ao
abscesso pulmonar por anaeróbios. A tríade de dentes em mau estado de conservação, perda de
consciência e escarro de ordor pútrido, é patognomônica de abscesso pulmonar.
Em virtude da gama de informações que pode-se obter com a simples inspeção do material
eliminado através da tosse, a propedêutica do escarro deveria ser um capítulo único no estudo da
semiologia do aparelho respiratório, tanto quanto o exame físico e sua semiotécnica. Também útil no
direcionamento das abordagens diagnósticas posteriores, limitando as possibilidades etiológicas, esta
conduta simples e passível de realização à beira do leito, deveria ser incorporada à prática médica
diária, não somente daqueles que dedicam-se ao estudo das afecções pulmonares, como dos que
praticam a arte da medicina como um todo.
Hemoptise
Hemoptise é o sangramento proveniente das vias aéreas inferiores, mas comumente decorrente dos
vasos da parede brônquica. A apresentação pode variar desde rajas de sangue (hemoptoicos) no
escarro até a eliminação de grandes volumes, mas o valor semiológico é o mesmo.
Os mecanismos de hemoptise são os mesmos de qualquer sangramento ocorrendo em outro sítio
do organismo: distúrbio da integridade do vaso ou da coagulação, sendo o primeiro o mais comum.
Isso ocorre através de inflamação, necrose, invasão neoplásica ou aumento da pressão hidrostática. A
hemoptise secundária a distúrbio da coagulação é mais raro e pode ter sido ocasionada por discrasias
sanguíneas, uso de anticoagulantes e outras substâncias.
A causa mais comum de hemoptise são as infecções. No Brasil, a tuberculose pulmonar é a maior
responsável, seja pela doença em atividade ou por sequelas pulmonares. Bronquiectasia, bronquite
aguda ou exacerbação de bronquite crônica, pneumonia e câncer de pulmão são outras causas
frequentes. Em alguns casos, mesmo após investigação, a hemoptise permanece sem causa aparente,
sendo denominada hemoptise criptogênica.
As malformações vasculares também são responsáveis pelo surgimento de hemoptise, tanto
congênitas quanto adquiridas. As congênitas são comumente associadas a outras alterações
vasculares, como a tetralogia de Fallot; e as adquiridas podem ser causadas por circulação colateral
anômala secundária a tromboembolismo pulmonar crônico.
Classificação da hemoptise:
INFECÇÕES
DOENÇAS CARDIOVASCULARES
NEOPLASIAS
Carcinoma brônquico
Metástase para brônquio e traqueia
Adenoma brônquico
Tumor carcinoide
VASCULITES/COLAGENOSE
IATROGENIAS
COAGULOPATIA
Disfunção plaquetária
Hemofilia
Coagulação intravascular disseminada
Doença de von Willebrand
Cocaína/crack
Anticoagulação/antiagregante plaquetário
Bevacizumabe (anticorpo antimonoclonal)
OUTRAS
Hemossiderose pulmonar
Corpo estranho
Contusão pulmonar
Criptogênica
Catamenial
Telangiectasias brônquicas
Broncolitíase
Amiloidose
Pós-cirurgia torácica
Diagnóstico
Na anamnese da hemoptise, são relevantes os seguintes dados em virtude do que sugerem:
• Ritmo de galope (B3), turgência jugular, desvio de ictus: insuficiência cardíaca congestiva
• Sopros: doenças valvares, malformações congênitas
• Situs inversus: doença de Kartagener
• Sibilos difusos ou localizados: obstrução intratorácica por corpo estranho ou neoplasia
• Estridor laríngeo: obstrução extratorácica
• Baqueteamento digital: sugere doença supurativa crônica, abscesso pulmonar, neoplasia e
hipoxemia crônica
Dor Torácica
Dor é uma experiência sensorial e emocional desagradável, associada a uma lesão tissular real ou
potencial e descrita em termos de tal dano. A dor aguda é um alerta de que algo no organismo não está
bem e está relacionada a afecções traumáticas, queimaduras, infecções e processos inflamatórios,
entre outras causas.
As estruturas torácicas com sensibilidade dolorosa são pleura parietal (apical, costal e
diafragmática), traqueia e brônquios principais, formações esqueléticas do tronco, nervos, vasos e
fáscias musculares, coração e esôfago.
A dor mais característica associada à respiração é a dor pleurítica, originada na pleura parietal e na
fáscia endotorácica (a pleura visceral não tem inervação sensitiva): é predominantemente inspiratória,
piorando ao tossir ou rir, e em geral bem localizada. Pode irradiar-se para o ombro, se comprometer o
diafragma ipsolateral, podendo ser percebida até o abdome, conforme irritação diafragmática.
Um segundo tipo distinto de dor torácica, aquela que acompanha as traqueítes ou
traqueobronquites, acentua-se após a tosse, apresenta-se mais centralmente no tórax e costuma ser
precedida de sintomas das vias aéreas superiores.
A hipertensão arterial pulmonar determina, entre outros sintomas, dor torácica frequentemente
confundida com angina, pois não costuma ocorrer em repouso e associa-se à dispneia, melhorando
quando o indivíduo repousa.
A dor pleurítica geralmente associa-se à febre, tendo início agudo e abrupto dos sintomas.
A dor musculoesquelética costuma ser agravada pelo movimento. Encontram-se, na história,
frequentemente traumas, quedas ou lesões anteriores ao início do sintoma, sobretudo se presentes
fraturas de arcos costais. Achados no exame físico que sugerem tal situação são crepitações e ponto
de maior sensibilidade na área comprometida, com reprodução do sintoma à digitopressão.
São atributos da dor:
• Qualidade: são três as variedades da dor – picante, urente e dolente. As duas primeiras são
desencadeadas por estímulos na superfície externa do corpo (superficiais), fazendo parte da
experiência de cada indivíduo (p. ex., queimadura ou picada). A dor dolente ocorre na
intimidade do corpo, interiorizada à fáscia profunda, distante da visualização direta, portanto,
sujeita a fantasias. Qualquer outra sensação desprazerosa ou desconforto diferente dessas
três variedades mencionadas não é dor;
• Duração: como regra, a duração mantém relação inversa com a intensidade. A denominada
curva tempo-intensidade da dor apresenta importantes associações significativas como, por
exemplo, na angina, em que a dor cresce progressivamente até atingir um platô antes de
desaparecer.
Cianose
A semiologia define cianose como coloração azul-arroxeada da pele. Ocorre por aumento da
hemoglobina reduzida no sangue capilar além de 5 g% (o normal é em torno de 2,6 g%). A cianose não é
detectável até que a saturação de oxigênio no sangue seja menor que 85%. A descoloração é mais
aparente no lóbulo das orelhas, na superfície cutânea dos lábios e no leito ungueal.
A menos que o fluxo através da pele seja retardado (como no comprometimento cardíaco), a
cianose implica hipoxemia arterial.
Há três tipos: cianose central – resultado de hipoxemia arterial; cianose periférica – associada à
estase, a qual permite uma extração mais acentuada de oxigênio da hemoglobina contida no sangue
periférico; e cianose por alteração da hemoglobina.
Como regra, não ocorrerá cianose, se PaO2 > 55 mmHg (HbO2% > 85%), e estará presente, se PaO2 <
40 mmHg (HbO2% < 70%). A cianose é duvidosa, se PaO2 estiver entre 40 e 55 mmHg (HbO2% entre 70 e
85%).
Mecanismos:
• Cianose central:
• Redução da concentração de oxigênio (altitudes elevadas)
• Alteração da ventilação pulmonar (tumores, enfisema pulmonar, atelectasia)
• Transtornos de difusão (infecções, fibrose pulmonar, edema pulmonar na insuficiência
cardíaca)
• Cianose periférica:
• Exposição ao frio (vasoconstrição) – mais comum
• Insuficiência congestiva grave (congestão periférica)
• Doença de Raynaud (transtorno vasomotor)
• Acrocianose (transtorno vasomotor com espasmos de pequenos capilares ou artérias)
• Cianose por alteração da hemoglobina
• Metemoglobinemia.
Dispneia
Na literatura médica, a definição de dispneia tem variado entre diferentes autores, mas, geralmente,
o termo diz respeito à experiência subjetiva de sensações respiratórias desconfortáveis. De acordo com
um painel de especialistas reunidos pela American Thoracic Society para discutir o tema, dispneia
passou a ser definida como “um termo usado para caracterizar a experiência subjetiva de desconforto
respiratório que consiste de sensações qualitativamente distintas, variáveis em sua intensidade”.
Para a maioria das pessoas, na maior parte do tempo, respirar é um fenômeno inconsciente.
Algumas vezes, entretanto, o referido ato torna-se uma ação consciente, associada a desconforto. Os
mecanismos que envolvem o último fenômeno ainda não são completamente conhecidos, muito
embora acumulem-se evidências de que estejam envolvidos processos neurológicos variados. Contudo,
ao contrário do que acontece, por exemplo, com a dor, cujos estímulos originam-se em terminações
nervosas livres, até o momento, não foram descritos receptores especializados de dispneia.
Tenho falta de ar quando apresso o meu passo ou quando subo escadas e/ou
1
ladeira.
Preciso parar algumas vezes quando ando no meu passo ou ando mais devagar que
2
outras pessoas da minha idade.
Preciso parar muitas vezes devido a falta de ar quando ando em torno de 100 metros,
3
ou poucos minutos de caminhada no plano.
Sinto tanta falta de ar que não saio de casa ou preciso de ajuda para me vestir ou
4
tomar banho sozinho.
Fonte: Celli BR. N Engl J Med. 2004 Mar 4; 350 (10):1005-12. PubMed.
• Dispneia paroxística noturna: situação na qual o paciente tem seu sono interrompido por uma
dramática sensação de falta de ar, levando-o a sentar-se no leito ou mesmo levantar-se e
procurar uma área da casa mais ventilada, visando obter alívio da súbita sensação de
sufocação. Pode estar presente ainda sudorese profusa. É uma condição comum em
pacientes portadores de insuficiência cardíaca esquerda. Nesses casos, admite-se que,
durante o sono, a reabsorção do edema periférico leve à hipervolemia sistêmica e pulmonar,
com consequente agravamento da congestão pulmonar. As sobrecargas hemodinâmicas, que
ocorrem em uma fase particular do sono (fase dos movimentos rápidos dos olhos [REM]),
podem contribuir para o agravamento da congestão pulmonar e facilitar o surgimento desse
tipo de dispneia. No sono REM, documenta-se grande estimulação dos nervos simpáticos no
sistema cardiovascular.
• Asma cardíaca: termo inapropriado, usado para designar a queixa de chiado no peito e sibilos
em pacientes com insuficiência cardíaca esquerda e sintomas de dispneia. Habitualmente, tais
achados são encontrados em indivíduos com ortopneia e dispneia paroxística noturna. Admite-
se que o estreitamento das pequenas vias aéreas por edema da mucosa e reflexos gerados a
partir de receptores nervosos, localizados no interstício pulmonar, com consequente
broncospasmo, estejam envolvidos na gênese de tais fenômenos.
• Platipneia: sensação de dispneia que surge ou se agrava com a adoção da posição ortostática,
particularmente em pé. Classicamente, esse fenômeno ocorre em pacientes com quadros de
pericardite ou shunts direita-esquerda. Nesta situação, pode vir acompanhada de ortodeoxia,
ou seja, queda acentuada da saturação arterial de oxigênio com a posição em pé. Platipneia e
ortodeoxia são achados clássicos da síndrome hepatopulmonar, que se estabelece
secundariamente a dilatações vasculares intrapulmonares.
• Trepopneia: sensação de dispneia que surge ou piora em uma posição lateral e desaparece ou
melhora com o decúbito lateral oposto. É uma queixa não específica que pode surgir em
qualquer doença, comprometendo um pulmão mais intensamente do que o outro. Exemplos
dessa condição seriam a ocorrência de derrame pleural unilateral ou paralisia diafragmática
unilateral.
As causas mais comuns de dispneia são listadas na Tabela 5.
Asma
Insuficiência cardíaca
Anemia
Doenças neuromusculares
Pneumotórax espontâneo
Dispneia psicogênica
Hipertireoidismo
Hipocratismo Digital
O hipocratismo digital (HD), também denominado baqueteamento digital, consiste no aumento focal
do tecido conjuntivo vascularizado da porção terminal das falanges distais, sobretudo na face palmar.
Estas alterações empurram a base da unha para cima, a chamada unha em vidro de relógio, com
consequente alteração do ângulo de implantação da unha e hipertrofia da extremidade dos dedos, que
adquire o aspecto de uma “baqueta de tambor”. Pode acometer os dedos das mãos e dos pés de forma
simétrica, o HD bilateral, entretanto, pode ocorrer o HD unilateral, onde apenas um membro está
envolvido. Pode ser hereditário ou surgir em decorrência de doença crônica já diagnosticada, sendo,
neste caso, um sinal clínico secundário.
A teoria mais aceita para o desenvolvimento do HD envolve microtrombos plaquetários e
megacariócitos na circulação periférica, com libertação de fatores de crescimento vascular.
O diagnóstico do HD é clínico, pode ser simples e direto, como nos casos cuja presença é
clinicamente óbvia, com alterações grosseiras nas extremidades dos dedos, mesmo que se usem
diferentes critérios clínicos para a sua detecção e variada sinonímia para sua designação.
• Gastrintestinais: cirrose hepática, cirrose biliar primária, doença inflamatória intestinal, doença
celíaca, neoplasias (adenocarcinoma do esófago/cólon, linfoma do sistema digestório)
• Outras: doença de Hodgkin, infecção por vírus da imunodeficiência humana (HIV), talassemia,
udo abusivo de laxantes e gravidez.
Não há tratamento específico para o HD, o tratamento deve ser direcionado para a doença primária.
Anamnese
A anamnese é parte fundamental da observação clínica, pois as informações coletadas direcionam
o exame físico, os recursos subsidiários e a urgência para a investigação diagnóstica, além de ser um
momento precioso para estabelecer a relação de confiança médico-paciente. Por ela devem ser obtidas
as informações a seguir.
Identificação: deve conter nome, idade, sexo, cor, estado civil, profissão e ocupação, naturalidade e
procedência do paciente.
Queixa e Duração: registro objetivo e simples dos sintomas que fizeram o paciente procurar o
médico que caracteriza a queixa em aguda ou crônica. A partir desse registro, desenvolve-se a
cronologia desses sintomas. Devem-se destacar os seguintes questionamentos: Qual o motivo? Quanto
tempo? Qual a sensação?
História Pregressa da Moléstia Atual: essa fase é fundamental na observação clínica. Os sintomas
devem ser obtidos nos detalhes, incluindo sua sede, local, seu caráter, intensidade (leve, moderada ou
intensa), extensão (superficial ou profunda), irradiação, fatores desencadeantes e fatores de melhora ou
piora do sintoma, fenômenos concomitantes, horário de aparecimento (contínuo ou intermitente) e
medidas terapêuticas já efetuadas com referência aos seus resultados.
Nas doenças do sistema respiratório, cinco sintomas são fundamentais para compor o cenário da
maioria das doenças:
• Tosse: avaliar caráter, intensidade, fatores desencadeantes e fatores que melhora ou piora do
sintoma, fenômenos concomitantes, duração
• Chiado: som musical semelhante a um miado de gato, também conhecido como sibilância, que
é ouvido durante a respiração e ocorre nas obstruções das vias aéreas de diversas causas.
Esta informação deverá ser automaticamente interrogada, quando o paciente queixar-se
dispneia, com ou sem tosse, ou em qualquer situação de desconforto respiratório. Deve-se
questionar sobre sua intensidade, fatores desencadeantes e fatores de melhora ou piora,
fenômenos concomitantes, duração e horário de aparecimento
Interrogatório Sobre os Diversos sistemas: integra um conjunto de sintomas que não foram
descritos na história principal e que requerem uma investigação sistemática, muitas vezes não fazendo
parte da fisiopatologia da doença principal ou que motivou a consulta, mas que permite novas
hipóteses diagnósticas.
Neste item deverão ser avaliados sintomas gripais, segmentos cefálico, cardiovascular, digestório e
outros como: geniturinários, neuromusculares, osteoarticulares, metabólicos e psiquiátricos.
Antecedentes Pessoais: um roteiro sistematizado facilita a investigação de eventos passados que
possam ajudar no diagnóstico clínico do processo mórbido atual. Deve-se questionar sobre os
seguintes aspectos:
• Moléstias prévias
• Hábitos e vícios
• Antecedentes ocupacionais
• Procedência
• Exposições ambiental e intradomiciliar
• Uso de medicamentos
• Lazer
Antecedentes Familiares: nos antecedentes familiares, cabe ao médico a investigação de alterações
sistêmicas e cirúrgicas, destacando, ainda, causas genéticas ou por hábitos comuns. Devem ser
avaliadas as diferentes doenças prévias como, por exemplo, doenças cardiovasculares,
endócrinas/metabólicas e câncer, e seu tratamento. Atenção especial deve ser dada a doenças
transmissíveis, por serem os familiares os principais comunicantes.
Exame Físico
A propedêutica física pulmonar possibilita avaliar o paciente de modo eficiente. O exame físico será
dividido em geral e especial, mas, antes de abordar diretamente o assunto, vale relembrar alguns dados
anatômicos do tórax que irão ajudar no exame físico (Figuras 2 a 5).
Inspeção e Palpação
Ectoscopia: observar coloração das mucosas, baqueteamento digital, forma do tórax.
Padrão respiratório: observar tipo, ritmo e amplitude da respiração.
Sinais de esforço e utilização de musculatura acessória: batimento de aletas nasais, musculatura
cervical, tiragem intercostal, musculatura abdominal.
Posições: em decúbitos dorsal, laterais, sentado e em ortostatismo.
Observar:
• Abaulamentos
• Impulsões de borda esternal
• Retrações
• Malformações torácicas
• Batimentos ou movimentos
• Frêmitos
• Pontos dolorosos
• Enfisema subcutâneo.
Avaliação da Expansibilidade Torácica
Conceitos: a parede torácica inclui a pele, o tecido subcutâneo, os músculos, as cartilagens e os
ossos.
Procedimento: antes e depois de examinar um paciente, lave as mãos. O examinador deve
posicionar-se atrás do paciente. Iniciar o exame pelos ápices e ir deslocando as mãos em direção às
bases. Pousar as mãos espalmadas sobre as regiões a serem examinadas, de tal modo que os
polegares toquem-se levemente, em ângulo quase reto. Os demais dedos encostam levemente no tórax,
levemente fletidos. Nas bases, aderir bem os dedos e o examinador deve se postar assentado, de
preferência. Solicitar ao paciente para respirar mais fundo e ir observando a movimentação de suas
mãos, particularmente o distanciamento dos polegares da linha médio-espinhal. A expansibilidade pode
ser normal ou diminuída (unilateral ou bilateralmente).
Registro do exame normal: expansibilidade normal e simétrica.
Percussão Torácica
Procedimentos: Antes e depois de examinar um paciente, lave as mãos. Para a percussão das faces
anterior e laterais, o paciente pode estar deitado ou assentado. Na percussão das faces laterais, o
paciente deve colocar a mão na cabeça. Já a percussão da parede posterior deve ser feita com o
paciente na posição sentada. Utiliza-se a percussão digitodigital, indo de cima para baixo em cada face.
Ir golpeando os espaços intercostais ora de um lado, ora do outro, e ir comparando os sons obtidos.
Manter a força do golpe constante. Identificar os 3 sons pulmonares à percussão e as áreas em que
ocorrem. Comparar o exame com pessoas magras, musculosas e obesas.
• Som normal: som claro pulmonar produzido pela vibração do ar contido nos alvéolos
pulmonares que é ampliado por ressonância pela caixa torácica
• Som patológico: som submaciço e maciço; aparece quando ocorre enchimento alveolar
(exsudatos, transudatos, fibrose pulmonar etc.), ou quando há entre o pulmão e a parede
torácica interposição de um meio líquido ou sólido (p. ex., derrame pleural)
• Som timpânico: produzido pela percussão de cavidades contendo ar, como por exemplo:
pneumotórax
Ausculta Pulmonar
Conceitos: a ausculta é, por excelência, o método semiótico da exploração clínica do tórax para o
exame dos pulmões. Neste procedimento, deve-se percorrer todo o tórax anterior e posterior (Figura 6),
sempre comparando regiões homólogas.
Erro grosseiro: auscultar o tórax por cima de roupas.
Fonte: https://guiamedicobrasileiro.com.br.
• Sons normais:
• Tipos: som traqueal, respiração brônquica, respiração broncovesicular, murmúrio vesicular.
Podem ser: fisiológicos, aumentados, diminuídos, abolidos. Acessar o endereço a seguir
para ouvir o som: https://www.youtube.com/watch?v=xnubmmeDWrw
• Sons anormais:
• Tipos:
Secos:
1. Cornagem, estridor (https://www.youtube.com/watch?v=ugqvHTAjXTU)
2. Roncos: secreção (https://www.youtube.com/watch?v=yT86-TXdS0s)
3. Sibilos: semelhantes a ruídos musicais ou sussurrantes
(https://www.youtube.com/watch?v=1-ushapZVlg)
Úmidos:
1. Estertores crepitantes: associados a líquido presente em vias aéreas de pequeno
calibre ou até mesmo intra-alveolares (p. ex., esfrega-se uma mecha de cabelos contra
os dedos; (https://www.youtube.com/watch?v=q65b1082xP8&t=6s)
2. Estertores subcrepitantes: vias aéreas de médio calibre
(https://www.youtube.com/watch?v=q65b1082xP8&t=6s):
Traqueal: audível sobre a traqueia; é um ruído intenso, como se assoprasse dentro de
um tubo (https://www.youtube.com/watch?v=IEmtZkh9wjk)
Brônquico: som traqueal audível na zona de projeção de brônquios de maior calibre –
face anterior do tórax, próximo ao esterno (https://www.youtube.com/watch?
v=mC7WeC_uMD8)
Vesicular ou murmúrio vesicular: produzido pela turbulência do ar ao chocar-se contra
saliências das bifurcações brônquicas (https://www.youtube.com/watch?
v=uKUfNT0x4FM)
Roncos: vibrações das paredes brônquicas e conteúdo gasoso. Sons graves de baixa
frequência, contínuos, escutados nas vias aéreas maiores
(https://www.youtube.com/watch?v=yT86-TXdS0s)
Sibilos: vibrações das paredes bronquiolares e conteúdo gasoso. Sons agudos como,
por exemplo, bronquite, crises asmáticas (https://www.youtube.com/watch?
v=IEmtZkh9wjk)
Estridor: som produzido pela semiobstrução da laringe ou traqueia
(https://www.youtube.com/watch?v=IEmtZkh9wjk)
3. Estertores finos ou crepitantes: auscultados no final da fase inspiratória
não se alteram com a tosse; p. ex., pneumonia, edema agudo (fase inicial)
(https://www.youtube.com/watch?v=IEmtZkh9wjk)
Ruído semelhante: friccionar feixe de cabelos, destruição de folhas secas
4. Subcrepitantes ou bolhosos: auscultados no início da inspiração e em toda a
expiração; alteram-se pela tosse; p. ex., bronquites, bronquiectasias
(https://www.youtube.com/watch?v=irWSIh2ic6Y)
ATENÇÃO!!!
Os sons pulmonares podem ser: presentes ou ausentes, inspiratórios ou expiratórios (proto, meso,
tele, holo). Além disso podem ser raros, poucos ou leves, moderados, graves, móveis ou não com
o estímulo da tosse. Podem estar difusos ou localizados em uma determinada região do pulmão,
podem evoluir – os sons podem aumentar, diminuir, ou permanecerem inalterados –, e cursar ou
não com esforço respiratório.
Material: estestocópio.
Procedimentos: antes e depois de examinar um paciente, lave as mãos. Colocar o paciente em
posição assentada. Posicionar corretamente as olivas do estetoscópio nas orelhas. Solicitar ao
paciente que respire lenta e profundamente com a boca aberta. Iniciar o exame pelos ápices e ir
deslocando o estetoscópio em direção às bases. Compara-se um lado com o outro, observando-se os
sons pulmonares fisiológicos e os ruídos adventícios (extras, anormais). Observam-se também as
fases de inspiração ou de expiração e se há prolongamentos dela.
Registro do exame normal: murmúrio vesicular fisiológico sem ruídos adventícios.
Sopros Pulmonares
Ruídos laringotraqueais que, em função de alterações de transmissibilidade do parênquima, poderão
ser auscultados na superfície do tórax como, por exemplo, nas condensações e na cavidade do
parênquima. Podem ser divididos em: sopro brônquico, sopro tubário, sopro cavernoso ou cavitário,
sopro anfórico, sopro pleurítico.
Atrito pleural: ruído desenvolvido pelo roçar das folhas pleurais alteradas, geralmente é localizado,
som musical, não se altera com a tosse ou com a respiração, aumenta com a pressão do estetoscópio,
aparece no fim da inspiração e no começo da expiração; pode ser acompanhado de dor
(https://www.youtube.com/watch?v=98TIpprcVA4&list=PLLlAaCXMwTi1DV78aifxBzySY-
je7TpkO&index=12).
Ausculta da voz: escutar a ressonância do numeral “33”. Pode ser dividida em:
• Broncofonia:
• Aumentada: condensações ou cavidades ligadas a brônquios desobstruídos, de pelo menos
3 mm de diâmetro
• Nível de consciência
• Expressão facial
• Postura adotada pelo paciente
• Pele/mucosas e suas alterações: presença de cicatrizes, incisões, manchas, coloração,
escoriações; hidratação
Fonte: https://pedsurg.ucsf.edu.
Pectus escavatum: deformidade que decorre do deslocamento do esterno para trás, de tal maneira
que os arcos costais anteriores se projetam mais anteriormente do que o esterno. Pode ser simétrico
ou assimétrico e superior médio ou inferior. Também denominado: tórax escavado, infundibuliforme,
tórax em funil, tórax de sapateiro (Figura 8).
Tórax cifoescoliótico: decorrente de anormalidade das curvaturas da coluna torácica. Pode ser
predominantemente lateral (escoliose), posterior (cifose) ou combinado (cifoescoliose) (Figura 11).
Fonte: https://br.images.search.yahoo.com.
Inspeção Dinâmica
Avaliação do tórax/abdome através dos movimentos respiratórios.
Frequência Respiratória (FR)
Recomenda-se verificar a FR do paciente em repouso, de preferência em decúbito dorsal, da forma
mais discreta possível. O método usado é a contagem dos movimentos respiratórios, enquanto se
calcula a frequência do pulso. A FR deve ser avaliada durante, pelo menos, 30 segundos.
Fonte: https://pt.wikipedia.org.
Fonte: https://pt.wikipedia.org.
Fonte: https://aia1317.fandom.com/.
Inspeção
Normal Normal Retração Abaulamento Abaulamento Abaulamento Retração
estática
Redução da
Redução da expansão, Redução da
Inspeção Redução da Redução da Redução da Redução da
expansão, sinal de expansão,
dinâmica expansão expansão expansão expansão
tiragem Lemos FTV abolido
Torres
Redução da
Redução da Redução da Redução da Redução da Redução da Redução da
expansão,
Palpação expansão, FTV expansão, expansão, expansão, expansão, FTV expansão, FTV
FTV
aumentado FTV abolido FTV abolido FTV abolido diminuído diminuído
aumentado
Macicez,
Submacicez ou Submacicez Submacicez
Percussão sinal de Timpanismo Hipersonoridade Normal
macicez ou macicez ou macicez
Signorelli**
Diminuição do
Estertores
Estertores finos Ausência do murmúrio
finos ou
ou grossos, Ausência do murmúrio Ausência do fisiológico,
grossos,
sopro murmúrio fisiológico, murmúrio estertores no Estertores pan-
sopro
Ausculta brônquico, fisiológico, redução da fisiológico, início da ou
cavernoso,
broncofonia redução da broncofonia, redução da inspiração, teleinspiratórios
broncofonia
aumentada, broncofonia atrito pleural, broncofonia roncos e sibilos,
aumentada,
pectorilóquia*** egofonia expiração
pectorilóquia
prolongada
* Sinal de Lemos Torres: abaulamento expiratório intercostal localizado nas bases pulmonares, na face lateral do hemitórax. **Sinal
o o
de Signorelli: som maciço devido a derrame pleural, durante a percussão do 7 ao 11 espaço intervertebral. ***Pectorilóquia:
percepção superficial da voz do paciente no local em que é auscultada e ao mesmo tempo perfeitamente articulada. DPOC: doença
pulmonar obstrutiva crônica; FTV: frêmito toracovocal.
CONCLUSÃO
Em Pneumologia, os sintomas específicos relatados pelos pacientes são em número reduzido,
variando quanto à ordem sequencial de aparecimento, à intensidade e à duração. A dispneia, a dor
torácica, a tosse com ou sem expectoração, a hemoptise, a cianose são elementos semiológicos
observados normalmente à anamnese dos pacientes. Como exemplo, sabe-se que a tosse,
predominantemente seca, é mais comum nas enfermidades do interstício pulmonar, e aquela
acompanhada de secreção costuma ser mais comum nas doenças broncoalveolares. Se a dor torácica
relatada pelo paciente é do tipo ventilatório-dependente, isso pressupõe agressão pleural,
diferentemente da dor causada pelo herpes-zóster intercostal que não costuma se relacionar com os
movimentos respiratórios.
O médico deve obter uma boa história clínica e realizar detalhado exame físico. Os exames
complementares são de inegável valor no auxílio à elaboração do diagnóstico, mas de modo algum
podem substituir a anamnese e o exame físico minuciosos. A ausculta pode não evidenciar uma
pequena caverna no âmago do parênquima pulmonar, mas os mais modernos exames de imagem não
conseguem detectar, por exemplo, o sibilo localizado de uma situação de embolia pulmonar em um
vaso segmentar.
Neste capítulo, objetivou-sei realizar uma revisão da semiologia respiratória, sem a pretensão de
esgotar o assunto, mas enriquecendo a exposição com um caso clínico, por meio de um enfoque
prático e direto.
BIBLIOGRAFIA
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5. Maciel R, Aidé MA. Prática Pneumológica. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2017.
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9. Vidotto LS, Ricardo C, Carvalho F. Difunção respiratória: o que sabemos? J Bras Pneumol. 2019; 45(1):1-9.
10. Waschke FPJ. Sobotta - Atlas Prático de Anatomia Humana. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2019.
Capítulo 11
ANAMNESE
Paciente R.S.M., 68 anos de idade, sexo masculino, internado
com quadro de precordialgia e dispneia em repouso iniciado há 7
horas da admissão hospitalar.
Queixa Principal: Dor no peito e falta de ar.
História da Moléstia Atual: Paciente iniciou quadro de
precordialgia em repouso em regiãoretroesternal, com irradiação
para mandíbula e membros superiores, de caráter opressivo e com
piora aos esforços, e duração aproximada de 5 minutos, aliviado
com uso de nitrato sublingual. Queixa-se que essa foi a dor mais
intensa que já sentiu e que ela cursa com dispneia intensa,
sensação de morte, sudorese fria e náuseas. Relata ainda períodos
de borramento visual no trajeto para o pronto-socorro.
Desenvolvimento Neuropsicomotor: Sem alterações
Precedentes Médicos: Hipertensão arterial; diabetes mellitus;
doença arterial obstrutiva periférica; tabagismo ativo.
História Familiar: Doença aterosclerótica precoce; hipertensão
arterial; diabetes mellitus.
EXAME FÍSICO
Paciente em mau estado geral, descorado 3+, edema de
membros inferiores, anictérico, acianótico, afebril, taquipneico
moderado, sudoreico.
Sinais Vitais: Pressão arterial (PA) – 90 × 60 mmHg nos 4
membros; frequência cardíaca (FC) – 58 bpm; tempo de perfusão: 4
segundos.
Pele: Dermatite ocre nos membros inferiores.
Cabeça e Pescoço: Turgência jugular de 5 cm a 45°de decúbito.
Sistema Respiratório: Tórax atípico, expansão pulmonar bilateral
e simétrica; ausência de frêmitos nos campos pulmonares;
murmúrio vesicular diminuído nas bases e estertores crepitantes até
terço médio, bilateralmente.
Sistema Cardiovascular: Ausência de impulsos precordiais
visíveis; frêmito sistólico, palpável na região esternal esquerda baixa;
ritmo cardíaco irregular, bulhas normofonéticas em 3 tempos com
ritmo de galope em B3 e sopro holossistólico na borda esternal
inferior direita.
Abdome: Padrão abdominal em avental, sem lesões cutâneas;
ausência de visceromegalias; timpanismo discreto difuso; ruídos
hidroaéreos reduzidos.
Sistema Nervoso: Vígil, ansioso, colaborativo, orientado no tempo
e no espaço; força motora, sensibilidade e coordenação
preservadas.
Suspeita Diagnóstica: Infarto agudo do miocárdio (IAM).
CONDUTA
Paciente com quadro de síndrome coronariana aguda apresenta
precordialgia tipo A. São necessários realização de
eletrocardiograma para confirmar a suspeita diagnóstica de IAM e
coleta de marcadores de necrose miocárdica (troponina,
creatinofosfoquinase – MB). Ao eletrocardiograma, constata-se
supradesnivelamento do segmento ST.
Após a confirmação do diagnóstico, a conduta para IAM consiste
na administração de antiplaquetários (ácido acetilsalicílico,
inibidores da P2Y12), anticoagulantes (heparina de baixo peso
molecular), hipolipemiantes e, dependendo do quadro clínico do
paciente, betabloqueadores e inibidores da enzima conversora da
angiotensina ou bloqueadores do sistema renina-angiotensina-
aldosterona.
Ainda devem ser tomadas medidas baseadas no arsenal
disponível em cada unidade de saúde. Em serviço de hemodinâmica,
procede-se à cineangiocoronariografia diagnóstica e à angioplastia
primária. Na ausência desse serviço, deve ser realizada trombólise
endovenosa, caso não haja contraindicações absolutas ou exista a
opção de transferência para um serviço especializado.
DISCUSSÃO
Ausculta Fisiológica
Para se compreender melhor a ausculta, deve-se conhecer o
instrumento utilizado para realizá-la: o estetoscópio. Criado por
René Laennec, em Paris, para evitar posicionar diretamente o ouvido
sobre o tórax das pacientes. Atualemnte é parte fundamental do
arsenal de qualquer clínico. O estetoscópio pode ser analógico ou
digital e é composto pelas aurículas, um tubo flexível e o tambor, que
comporta o diafragma e a campânula; em alguns modelos, há
apenas um diafragma que funciona como ambos, a depender da
pressão utilizada pelo examinador ou caso este seja digital.
Bulhas Cardíacas
Bulha significa som confuso ou de múltiplas origens e a palavra
não poderia ser mais adequada para descrever os sons provenientes
da ausculta cardíaca.
As bulhas são definidas em relação ao ciclo cardíaco, à posição
em que os componentes de cada bulha são mais bem audíveise
também em relação ao comportamento delas com várias alterações
fisio ou patológicas.
De forma simples, há as 2 bulhas principais: B1 e B2. A origem
dos sons pode ser comparada ao barulho de uma porta se
fechando. Pode-se fazer o teste: usualmente, as portas não fazem
barulho ao abrir, mas sim quando são fechadas.
A primeira bulha, ou B1, é proveniente do fechamento das
maiores válvulas cardíacas (mitral e tricúspide) e a onomatopeia
mais utilizada para descrevê-la é TUM. Já B2, relacionada às
válvulas semilunares (aórtica e pulmonar), é caracterizada pelo som
TÁ.
Cada bulha, portanto, tem 2 componentes – assim são definidas
as consagradas áreas auscultatórias, cada uma priorizando o som
de uma das 4 válvulas. No Brasil, pela imensa prevalência de lesões
reumáticas, prioriza-se a ausculta na ordem em que as válvulas são
mais afetadas pela febre reumática – mitral, aórtica, pulmonar e
tricúspide.
Vale ainda comentar sobre uma alteração em relação à
percepção das bulhas, o denominado “desdobramento” nada mais é
do que um som mais prolongado, percebido como TLUM ou TLÁ,
relacionado ao atraso de algum dos componentes de cada bulha.
B1
Conforme descrito, tem relação com o fechamento das válvulas
mitral e tricúspide – componentes M1 e T1 respectivamente.
Coincide com a fase ascendentes do pulso carotídeo. É mais intensa
na região do ictus cordis do que B2. Pode ser hiperfonética por
taquicardia e situações de alto débito cardíaco; hipofonética com
insuficiência mitral, miocardiopatia dilatada, doença pulmonar
obstrutiva crônica (DPOC), obesidade ou derrame pericárdico ou
ainda variar entre hipo e hiperfonese por extrassistolia frequente,
fibrilação atrial ou bloqueio atrioventricular total.
B2
Resultante do fechamento das válvulas semilunares aórtica e
pulmonar, A2 e P2, respectivamente. A2 corresponde ao nó dicrótico
do pulso carotídeo e B2 ocorre logo após o pico do pulso carotídeo.
Hiperfonese de B2 deriva de hipertensão arterial, coarctação da
aorta e outras situações com anteriorização da raiz aórtica, como na
Tetralogia de Fallot. Já a hipofonese advém de hipotensão arterial,
lesões graves da válvula aórtica.
B3
Sem origem determinada como as demais bulhas e similarmente
à B4, está relacionada com a baixa complacência ventricular –
acredita-se que o som seja proveniente do turbilhonamento
sanguíneo ao entrar no ventrículo. Há ainda a possibilidade de B3 de
origem ventricular direita. Ocorre com o término do enchimento
rápido diastólico.
B4
Corresponde à contração atrial, na fase do enchimento
ventricular rápido e também se relaciona com baixa complacência
do ventrículo esquerdo.
Desdobramentos
• B1: Relacionado ao atraso do fechamento de alguma das
válvulas, principalmente por bloqueios de ramo direito ou
esquerdo
Galopes
As bulhas B3 e/ou B4 geram um ritmo denominado galope;
dependendo do componente presente. São os galopes de B3, de B4
ou de soma.
Galope de B3
Principal sinal diagnóstico de insuficiência cardíaca acessível
para a ausculta, tem característica também diagnóstica, com
elevada mortalidade nos pacientes portadores de doença arterial
coronariana.
Como exceção, pode ocorrer em pessoas saudáveis, entre 20 e
40 anos de idade, e em mulheres grávidas antes da vigésima
semana de gestação.
B3 pode ser inibida por estenose mitral grave.
Galope de B4
Este galope representa pressões diastólicas finais elevadas no
ventrículo esquerdo em 46% dos casos, além de maior rrelação com
doença arterial coronariana. Pode acontecer de forma intermitente
no bloqueio atrioventricular total e, raramente, durante episódios de
fibrilação atrial.
Geralmente é confundida com desdobramento de B1; o truque
para evitar esta confusão é atentar para alterações respiratórias,
pois B4 não se altera.
Ausculta Patológica
Sopros
Antes determinantes de doença estrutural cardíaca, atualmente
os sopros têm sido utilizados como marcadores diagnósticos e
prognósticos apenas por cardiologistas experientes, por dificuldades
no ensino e pelo advento de exames complementares não invasivos
como o ecocardiograma.
Sua ausculta ainda é considerada fundamental e pode mudar
drasticamente a condução de um caso, como no caso clínico
descrito.
Os sopros devem ser corretamente descritos e isto envolve:
Formato
• Sistólicos: podem ser em diamante ou holossistólicos. Em
diamante ou crescendo-decrescendo são chamados sopros
de fluxo, pela característica de turbilhonamento, na
tentativa de passagem do volume sanguíneo por uma
estenose, verdadeira ou relativa
Localização
Sopros de válvulas específicas são mais audíveis em locais de
ausculta tradicionais da válvula acometida. Sempre relate o local em
que o sopro é mais intenso, mesmo fora das áreas usuais.
Irradiação
Para regiões cervicais e claviculares, geralmente se trata de lesão
da base [pulmonar, aórtica], enquanto lesões com irradiação axilar
são relacionadas com acometimento mitral.
Tom
• Agudo: como o vento passando por frestas – envolve
principalmente sopros de gradientes elevados, como
insuficiência mitral ou aórtica
Timbre
Os sopros podem ter característica musical – geralmente
relacionada com a vibração de alguma estrutura, como parte de uma
válvula, ou não ter característica musical – como nos casos de
sopros rudes.
Intensidade
Nesta ora, é utilizada a classificação de Levine & Harvey (1949),
em 6 graus:
• Do tronco pulmonar
• Dos ramos pulmonares
• Supraclavicular ou braquiocefálico.
Manobras
• Posição: sentado, inclinado para frente, segurando o fôlego
durante a expiração, decúbito lateral esquerdo, em
ortostase e de cócoras
• Reduz a intensidade de B3 e B4
• Exercício isométrico (aperto de mão: aumenta a pós-carga
por aumento da resistência vascular sistêmica
Ruídos
• Knock pericárdico: achado típico da pericardite constritiva,
pode ocorrer até mesmo na ausência de calcificação
pericárdica; é mais facilmente encontrado durante a
inspiração e na borda esternal direita inferior
Síntese
• Insuficiência aórtica: mais audível do segundo ao quarto
espaço intercostal esquerdo, som agudo e soprante em
decrescendo, similar a ruído inspiratório pulmonar; manter
o paciente sentado e inclinado para frente, segurando o
fôlego durante a expiração
BIBLIOGRAFIA
1. Lok CE, Morgan CD, Ranganathan N. The accuracy and interobserver agreement in
detecting the ‘gallop sounds’ by cardiac auscultation. Chest. 1998; 114:1283.
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. Waider W, Craige E, First heart sound and ejection sounds. Echocardiographic and
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Capítulo 12
ANAMNESE
Paciente do sexo masculino, 65 anos de idade, com úlcera na
perna há 1 mês.
HMA: Paciente com queixa de úlcera em face lateral da perna
esquerda há 1 mês, após trauma local, com aumento progressivo do
tamanho da lesão, associado a dor de forte intensidade. Relata dor
para deambular há 6 meses, parando a caminhada após 60 metros
por queimação na panturrilha. É hipertenso, diabético e tabagista (40
maços/ano). Faz acompanhamento médico irregular para suas
comorbidades.
EXAME FÍSICO
Sinais Vitais:
Frequência respiratória (FR): 18 irpm; frequência cardíaca (FC): 80
bpm; temperatura: 36,5°C.
Geral: Paciente em bom estado geral, emagrecido, corado,
hidratado, anictérico e acianótico, orientado no tempo e espaço.
Aparelho Pulmonar: Murmúrios vesiculares presentes, simétricos.
Aparelho Cardiovascular: Ritmo cardíaco regular em 2 tempos
sem sopros.
Abdome: Plano, flácido, indolor, sem visceromegalia, ruídos
hidroaéreos presentes e sem alterações.
Membros Inferiores: Apenas pulsos femorais e poplíteos
bilaterais. Pulsos tibiais posteriores e anteriores ausentes. Úlcera na
face lateral da perna esquerda medindo 4 × 3 cm, superficial,
coloração rosa nacarada, com pouca fibrina (Figura 1). Sem odor
fétido ou secreção purulenta. Tempo de Enchimento Capilar 4
segundos, com nível térmico no antepé, sem cianose. Redução da
pilificação nas pernas.
Figura 1. Lesão trófica na face lateral da perna esquerda.
DISCUSSÃO
Com adequada anamnese e exame físico completo, pode-se
chegar ao diagnóstico de 95% das doenças artérias periféricas. Após
anamnese minuciosa, devem-se iniciar inspeção, palpação e ausculta
dos membros inferiores.
Alterações tróficas
Com uma inspeção cuidadosa, devem-se observar:
• Edema:
• Venoso: observar varizes associadas; piora com a
ortostase; mais intenso no final do dia. Avaliar cacifo ou
circunferência da perna diariamente;
Ausculta arterial
Deve-se auscultar todo o trajeto arterial. Quando houver quebra do
fluxo laminar, com transformação em fluxo turbilhonar, ouvem-se
sopros. Na palpação, isso se traduz em frêmitos. Nas estenoses e
aneurismas, pode-se ter sopro sistólico, e nas fístulas arteriovenosas,
sopros sistólico e diastólico.
Avaliação da dor
Para se avaliar a dor no exame físico, pode-se solicitar a
deambulação, acompanhando o paciente, ou fazer o teste em esteira.
BIBLIOGRAFIA
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Capítulo 13
CASO CLÍNICO
Identificação: Paciente do sexo feminino, 38 anos de idade, casada, enfermeira, natural
de Mogi das Cruzes ( SP) e procedente de São Paulo (SP) há 20 anos, católica, parda.
Queixa principal: “Cansaço e dores articulares há dois meses”.
História da moléstia atual: Paciente afirma que, há cerca de dois meses, passou a
apresentar fadiga e artralgia simétrica de pequenas e grandes articulações (mãos, punhos,
ombros, joelhos e tornozelos) de caráter inflamatório (sem relação com esforço e com
rigidez matinal de duração aproximada de 60 minutos). Há um mês, a paciente informa que
passou a apresentar febre diária (vespertina e na madrugada) associada à sudorese. Neste
mesmo período, também passou a observar um abaulamento indolor na região cervical
posterior direita.
A paciente nega hiporexia, perda ponderal, prurido, alterações cutâneas, em orelha ou
trato aerodigestivo, tosse, dispneia, aumento do volume abdominal, mudanças do hábito
intestinal, queixas urinárias, corrimento ou lesões genitais, ou alterações em extremidades.
A paciente usa levotiroxina 75 mcg/dia.
Antecedentes:
Tireoidectomia em virtude de carcinoma papilífero em 2011, sendo submetida à
iodoterapia adjuvante. Nega cirurgias prévias e alergia à dipirona. Etilista social. Nega
tabagismo ou uso de drogas ilícitas. Contracepção: dispositivo intrauterino de
progesterona. Tem parceiro sexual único nos últimos 15 anos. Nega tatuagens ou
acidentes perfurocortantes nos últimos 12 meses, assim como transfusões sanguíneas
prévias. Não viajou recentemente.
Paciente vive em apartamento com o esposo, em região com saneamento adequado,
consome água mineral e não cria animais domésticos.
História familiar:
Sua prima faleceu por evolução de esclerose múltipla aos 32 anos de idade e sua tia por
câncer de mama.
Exame físico:
Paciente com bom estado geral, alerta, orientada em tempo e espaço, cooperativa,
hidratada, normocorada, eupneica, anictérica, acianótica e afebril.
Apresenta linfonodomegalias em cadeia cervical posterior direita, suboccipital e
retroauricular, sendo as duas maiores de aproximadamente 2 a 2,5 cm, fibroelásticas,
pouco dolorosas, não aderidas a planos profundos; sem calor ou rubor.
Sem demais linfadenomegalias superficiais palpáveis.
À inspeção do couro cabeludo, não há lesões.
Cavidade oral e orofaringe: sem alterações.
Otoscopia: sem alterações.
Pele e fâneros: sem alterações.
Ausculta cadiopulmonar: sem alterações.
Abdome semigloboso, ruídos hidroaéreos (RHA) normoativos, espaço semilunar de
Traube livre, indolor à palpação, sem massas ou visceromegalias.
Extremidades bem perfundidas, sem edema.
Avaliação complementar: Hemograma completo com neutropenia moderada (997
cels./mm³) sem outras anormalidades. Resultados dos seguintes testes: monospot test
negativo; sorologia para vírus da imunodeficiência humana (HIV) negativa; sorologias para
citomegalovírus (CMV), vírus Epstein-Barr (EBV), rubéola e toxoplasmose com IgG+ e IgM-.
Resultados de outros testes: fator antinuclear negativo, anti-DNA negativo,
complemento normal, fator reumatoide negativo, velocidade de Hemossedimentação – 27
mm/h.
Radiografia de tórax: sem alargamento do mediastino.
Interpretação e conduta: A paciente apresenta quadro subagudo de linfadenopatia
cervical direita associada a sinais e sintomas sistêmicos que podem sugerir linfoma,
infecção (p. ex., linfadenite tuberculosa) ou doença autoimune. Considerando os
diferenciais descritos e a falta de elucidação diagnóstica com a propedêutica inicial, a
paciente foi encaminhada para a biópsia excisional. Neste meio tempo, foram
administrados paracetamol e anti-inflamatórios não esteroidais (AINE) para manejo e alívio
dos sintomas. Corticosteroides devem ser evitados nesta fase, pois podem mascarar o
quadro clínico e retardar possível diagnóstico histológico de doença linfoproliferativa.
Biópsia excisional: Proliferação linfoide atípica exibindo focos de necrose não
neutrofílica; laudo imuno-histoquímico – o perfil imuno-histoquímico associado aos
achados morfológicos corrobora o diagnóstico de linfadenite histiocítica necrosante
(doença de Kikuchi-Fujimoto), em estágio celular.
Evolução:
Após uma semana da biópsia, ainda em uso dos antitérmicos e anti-inflamatórios, a
paciente passou a apresentar progressiva resolução das linfadenopatias. Em três semanas,
após suspensão das medicações sintomáticas, a paciente manteve-se sem febre, sem
artralgia, relatando somente leve fadiga.
DISCUSSÃO
• Baço
• Linfonodos
• Tecido linfoide associado à mucosa (MALT – mucosa-associated lymphoid tissue)
• Tecido linfoide associado à pele (SALT – skin-associated lymphoid tissue).
Os tecidos linfoides secundários têm a função de identificar e reter antígenos que
entraram em contato e estão se deslocando pelo corpo através da circulação sanguínea
(baço), dos vasos linfáticos (linfonodos), das membranas mucosas (MALT) e da pele
(SALT).
O plasma sanguíneo, sob efeito da pressão circulatória, extravasa dos capilares para a
matriz extracelular dos tecidos e cerca de 90% deste fluido retorna para a circulação
sanguínea através das vênulas. Os 10% restantes são lentamente filtrados através dos
tecidos até atingir uma rede de pequenos canais de fundo cego denominados capilares
linfáticos, onde passam a formar a linfa.
Todos os canais linfáticos possuem válvulas para garantir um fluxo unidirecional até os
vasos linfáticos coletores. Os vasos linfáticos levam a linfa até os linfonodos regionais e,
finalmente, até os ductos torácico e linfático direito que devolvem a linfa à circulação
sanguínea.
Os linfonodos são estruturas encapsuladas que possuem forma de “caroço de feijão” e
têm diâmetro que varia entre 2 e 10 mm. Neles estão presentes linfócitos, macrófagos e
outras células acessórias necessárias para lidar com antígenos estranhos ao organismo. A
presença de um antígeno leva à migração de leucócitos (células inflamatórias) para dentro
do linfonodo, ativação e proliferação de linfócitos, assim como prejuízo do efluxo celular,
provocando o aumento do volume do linfonodo. Este aumento patológico do tamanho do
linfonodo é denominado linfonodomegalia, linfadenomegalia ou linfadenopatia.
CAUSAS EXEMPLOS
Bacterianas:
Localizadas: faringite estreptocócica; infecções cutâneas; doença da
arranhadura do gato; Difteria; cancroide; febre da mordida do rato
Generalizadas: brucelose; leptospirose; febre tifoide; linfogranuloma venéreo;
síifilis; doença de Lyme
Exame físico:
A atenção cuidadosa com a simetria entre os lados direito e esquerdo enquanto estiver
inspecionando e palpando as diferentes cadeias linfonodais é crucial para a identificação
de linfonodos aumentados. Uma vez que se identifica um linfonodo anormal em um
determinado local, é imperativo que todas as demais cadeias linfonodais superficiais sejam
examinadas. Um exame físico completo também deve ser realizado para buscar sinais
associados a doenças sistêmicas. A esplenomegalia associada, por exemplo, pode sugerir
o diagnóstico de linfoma, leucemia linfocítica crônica, leucemia aguda, mononucleose
infecciosa ou sarcoidose.
Quando se inspecionam e palpam as diferentes áreas nodais, devem-se analisar e
interpretar as seguintes características:
Linfadenopatia localizada:
• Cervical:
Linfonodos cervicais anteriores estão localizados superficial e profundamente em
relação ao músculo esternocleidomastóideo. Os cervicais posteriores localizam-se
posteriormente entre o esternocleidomastóideo e o trapézio. Infecções evolvendo a cabeça
e o pescoço e algumas infecções sistêmicas (p. ex., mononucleose infecciosa – EBV –
citomegalovirose e toxoplasmose) podem ocasionar linfadenopatia cervical anterior.
Linfadenopatia cervical posterior pode estar associada à infecção por EBV, tuberculose,
toxoplasmose, linfoma ou outras malignidades envolvendo a cabeça e o pescoço (p. ex.,
carcinoma espinocelular).
A infecção pelo Mycobacterium tuberculosis ou outras micobactérias atípicas pode
ocasionar linfodonomegalias cervicais que se desenvolvem ao longo de semanas a meses.
Habitualmente, eles tornam-se flutuantes e coalescidos (linfadenite tuberculosa ou
escrófula). Por vezes, pode haver processo inflamatório mais exuberante e progressão da
infecção para a pele sobrejacente (escrofuloderma). Os sinais e sintomas costumam ser
regionais, mas a febre é um sinal comum.
A doença da arranhadura do gato também pode apresentar-se com múltiplas
linfadenopatias cervicais.
Linfadenopatias com sinais de alarme (endurecidas, indolores e aderidas a planos
profundos) em indivíduos idosos, tabagistas e etilistas sugerem a possibilidade de
acometimento metastático de tumores de nasofaringe, orofaringe, laringe, tireoide ou
esôfago.
• Pré-auricular:
Os linfonodos pré-auriculares drenam a região anterior e temporal do escalpo, o canal
auditivo externo e a conjuntiva. Infecções dessas regiões podem ocasionar o aumento
reacional. Quando a doença da arranhadura do gato acomete esta região, é descrita como
síndrome de Parinaud, uma conjuntivite granulomatosa unilateral envolvendo as
conjuntivas bulbar e palpebral.
• Retroauricular e suboccipital:
Linfadenopatia retroauricular e suboccipital dolorosa é um achado clínico precoce na
rubéola, precedendo o rash. Infecções bacterianas e fúngicas do escalpo parietotemporal e
posterior também podem justificar o aumento destes linfonodos
• Supraclavicular:
Linfadenopatia supraclavicuar associa-se a alto risco de malignidade, podendo chegar a
50% dos casos e com maior risco nos indivíduos acima de 40 anos de idade.
Linfadenopatia supraclavicular direita pode estar associada a câncer envolvendo o
mediastino, pulmão e esôfago. Linfadenopatia supraclavicular esquerda, também
conhecida como “nódulo de Virchow” está associada a metástases de neoplasias malignas
abdominais (p. ex., estômago, vesícula biliar, pâncreas, rins, testículos, ovários e próstata) e
à infiltração linfomatosa.
• Axilar:
Os linfonodos axilares drenam a parede torácica, os braços e as mamas. Lesões e
infecções dos membros superiores são causas comuns de linfadenopatia axilar. A doença
da arranhadura do gato e a esporotricose (infecção fúngica causada pelo Sporothrix
schenckii, por vezes associada ao trabalho de jardinagem) são causas bem descritas de
linfadenopatia axilar por inoculação e drenagem linfática.
Na ausência de infecção ou lesões traumáticas, principalmente em indivíduos mais
velhos, linfomas e metástases de tumores de mama, melanoma e de demais sítios devem
ser suspeitados.
Os implantes mamários de silicones também podem gerar linfadenopatia axilar e
supraclavicular por reação inflamatória de corpo estranho contra partículas de silicone.
• Epitroclear:
Linfadenopatia epitroclear (linfonodos acima de 0,5 cm) é sempre patológica. Linfoma e
melanoma são os diagnósticos diferenciais mais importantes. Outras causas incluem
infecções envolvendo o antebraço, sífilis secundária e sarcoidose.
• Inguinal:
Linfonodos inguinais palpáveis de até 2 cm são comumente encontrados em indivíduos
saudáveis. Este achado ainda é mais comum em regiões tropicais, onde mais indivíduos
têm o hábito de caminhar descalços. Infecções sexualmente transmissíveis (p. ex., herpes-
vírus simples, linfogranuloma venéreo, cancroide e sífilis) e infecções envolvendo a pele
dos membros inferiores são etiologias comuns. Melanomas e carcinomas espinocelulares
envolvendo a vulva e o pênis podem causar linfadenopatia inguinal maligna. O
acometimento por linfomas não é tão frequente nesta região.
Linfadenopatia generalizada:
Linfadenopatia generalizada é caracterizada pelo aumento de linfonodos em duas ou
mais cadeias linfonodais não contíguas.
Doenças sistêmicas de etiologia infecciosa, autoimune e malignidades disseminadas
são comumente associadas à linfadenopatia generalizada e necessitam de propedêutica
específica para serem corretamente diagnosticadas. Abaixo seguem alguns exemplos:
• Infecção micobacteriana:
Infecções por micobactérias podem cursar com linfadenite localizada, como já
discutido anteriormente. Entretanto, alguns indivíduos com maior imunossupressão podem
apresentar tuberculose miliar, uma forma disseminada da doença que é uma importante
causa de linfadenopatia generalizada e faz diagnóstico diferencial com malignidade.
• Linfomas e leucemias:
Pacientes com linfomas de Hodgkin e não Hodgkin apresentam linfadenomegalias não
dolorosas e firmes que podem acometer diversas cadeias linfonodais supra e
infradiafragmáticas. O linfoma de Hodgkin apresenta-se mais frequentemente como
linfadenomegalia cervical e/ou mediastinal e a sua progressão respeita áreas linfonodais
contíguas. Um sintoma raro, mas muito específico do linfoma de Hodgkin é o relato de forte
dor no linfonodo acometido após ingesta de bebida alcoólica. Leucemias, especialmente
de diferenciação linfocítica (leucemia linfocítica crônica e leucemia linfoblástica aguda),
também podem cursar com linfadenomegalia disseminada.
Abordagem diagnóstica:
A causa da linfadenopatia será evidente na maioria dos casos submetidos a anamnese
e exame físico completos conforme descritos nas seções anteriores. Alguns casos não
necessitarão de nenhuma investigação adicional (p. ex., linfadenopatia cervical em
indivíduo com infecção de via aérea superior).
Se a história e o exame físico sugerirem um processo benigno e autolimitado, o paciente
pode ser tranquilizado e um retorno agendado em até quatro semanas para avaliar se a
linfadenopatia persistirá após resolução/tratamento do processo patológico subjacente. A
persistência da linfadenopatia poderá desencadear investigação adicional, como exames
de imagem e biópsia.
Pacientes com linfadenopatias que apresentem achados sugestivos de etiologias
infecciosas ou autoimunes podem necessitar de testes diagnósticos mais específicos para
confirmação diagnóstica (p. ex., monospot test, culturas, sorologias e/ou testes
moleculares para identificação de patógenos, fator antinuclear, anti-DNA, complementemia
etc.).
Pacientes com linfadenopatias com características suspeitas para malignidade (p. ex.,
nódulos endurecidos, de crescimento rápido, indolores, coalescidos, aderidos a planos
profundos, localizados em região supraclavicular, presença de febre, sudorese noturna e/ou
perda ponderal) devem ser submetidos a exames de imagem para maior caracterização e
encaminhados para realização de biópsia.
• Métodos de imagem:
A ultrassonografia pode ser utilizada como método inicial para melhor caracterização
de linfadenopatia localizada, especialmente em crianças e adolescentes. Frente à suspeita
de malignidade, a tomografia computadorizada (TC) será mais informativa. A TC torna
possível o estadiamento da doença de base e auxilia na identificação do sítio primário,
quando a linfadenopatia for ocasionada por acometimento metastático.
• Biópsia linfonodal:
A biópsia linfonodal pode ser realizada de maneira excisional (aberta) ou incisional
(biópsia por agulha). A biópsia excisional é mais informativa, pois avalia toda a arquitetura
linfonodal e é o método preferido na suspeita de linfoma. Entretanto, devido a uma menor
morbidade, menor custo e facilidade de acesso a linfonodos mais profundos, a biópsia
incisional tem sido cada vez mais utilizada.
O linfonodo mais alterado deve ser selecionado para a biópsia. Em situações de
linfadenopatia generalizada sem haver linfonodo com alterações que se destaquem, deve-
se continuar com a seguinte ordem: regiões supraclavicular, cervical, axilar e inguinal. As
chances de resultado falso-negativo e de complicações pós-operatórias são maiores nos
sítios axilares e inguinais.
A PAAF é um método citológico mais utilizado para a pesquisa de recorrência de
algumas neoplasias. Esta técnica, entretanto, não fornece informações quanto à
arquitetura do linfonodo e tem taxa significativa de resultados falso-negativos, devendo ser
evitada na avaliação diagnóstica inicial de linfadenopatias.
Resposta: NÃO!
Vassilakopoulos et al., estudando mais de 300 pacientes, identificaram a combinação
de seis fatores independentes preditores de doença subjacente grave que necessita de
biópsia para sua confirmação diagnóstica. Através deste estudo, eles desenvolveram o
Lymph node score (Tabelas 3 e 4). De acordo com esse escore, um valor menor ou igual a
−3 descarta uma etiologia grave, valor entre −2 e −1 fala contra, valor de 5 a 6 fala a favor e,
finalmente, valor igual ou maior que 7 é praticamente diagnóstico, devendo esses dois
últimos subgrupos serem encaminhados para biópsia diagnóstica.
Achados Pontos
Linfonodo doloroso −5
Tamanho do linfonodo
< 1 cm² 0
1 a 3,99 cm² +4
4 a 8,99 cm² +8
≥ 9cm² +12
Prurido generalizado +4
Linfonodo supraclavicular +3
Linfonodo endurecido +2
−2 ou −1 1a3 − 0,1
0a4 23 − NS
5a6 17 a 26 − 5,1
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Capítulo 14
ANAMNESE
Identificação: R.W.G., sexo masculino, 52 anos de idade, comerciante, solteiro, natural
do Ceará (CE) e procedente de Ribeirão Preto (SP), católico.
Queixa Principal: “Barriga crescida há 2 meses e desorientação”.
História da Moléstia Atual: Paciente etilista de longa data apresentou, há dois meses,
um aumento do volume abdominal com edema em membros inferiores. Quadro
progressivo acompanhado de piora do padrão sono/vigília e desconforto respiratório a
moderados esforços. Na última semana, manifestou 5a 6 episódios de diarreia líquida/dia
com muco catarral, sem sangue e sem tenesmo. Há 3 dias evoluiu com queda do estado
geral, rebaixamento do nível de consciência, flapping, vômitos e febre, sendo admitido no
Hospital Regional Norte.
IS: Nega hipertensão arterial sistêmica (HAS), dislipidemia, alergia, internamentos ou
cirurgia prévia. É portador de diabetes mellitus tipo 2 há 7 anos.
Medicações em uso domiciliar: Metformina 1,5 g/dia
História Fisiológica: Parto eutócico e a termo no hospital, desenvolvimento psicomotor
normal, calendário vacinal desatualizado.
Hábitos: Sedentário, tabagista (20 anos/maço), etilista atual (> 10 doses de
destilado/dia, por 20 anos), ex-usuário de maconha (parou há 20 anos).
História Familiar: pai com HAS, mãe e irmão com diabetes mellitus. Nega história de
hepatopatia crônica na família.
EXAME FÍSICO
Medidas Antropométricas
P: 60 kg; altura: 1,70; índice de massa corporal (IMC): 20,8.
Dados Vitais:
Pressão arterial (PA): 90 × 50 mmHg; frequência respiratória (FR): 28 irpm; frequência
cardíaca (FC): 95 bpm; temperatura: 36,0°C.
Geral: Paciente mostra-se em estado geral regular, acianótico, afebril, hipocorado,
(+/+4), desidratado, fácies atípica, um pouco desorientado no tempo e no espaço.
Pele: ictérica (+++/+4), com presença de telangiectasias em maior distribuição em
membros superiores e tórax.
Cabeça e Pescoço: Normocefálico, sem alterações ao exame. Pescoço cilíndrico,
simétrico; laringe e traqueia móveis, medianas; pulso carotídeo simétrico; sem
adenomegalias.
Sistema Respiratório: Tórax simétrico, sem deformidade, boa expansibilidade,
taquipneico, murmúrio vesicular com crepitações em terço distal bilateralmente.
Sistema Cardiovascular: Precórdio calmo, pulsos simétricos, regulares; paciente
taquicárdico. BN2T com sopro pansistólico (+3/+6).
Abdome: Globoso, tenso, doloroso à palpação profunda, ruídos hidroaéreos (RHA)
presentes. Presença de circulação colateral. Hepatimetria prejudicada pela tensão
abdominal. Espaço semilunar de Traube ocupado.
Extremidades: Pulsos periféricos palpáveis, simétricos e finos, edema de membros
inferiores simétricos até altura dos joelhos com cacifo (+3/+4).
Suspeita Diagnóstica: Cirrose hepática por álcool/ascite/encefalopatia hepática.
Conduta: Internamento hospitalar; solicitados exames laboratoriais (hemograma
completo, albumina, TAP/INR, bilirrubina total e fracionada, sumário de urina, urinocultura,
hemoculturas, creatinina, ureia, sódio e potássio, alfafetoproteína: 2 mg/dL. Exame de
imagem – ultrassonografia de abdome total com Doppler. Realizada paracentese
diagnóstica (proteínas totais e fracionadas, bilirrubina, cultura do líquido ascítico, pH,
celularidade) e terapêutica. Medidas para encefalopatia hepática.
EXAMES COMPLEMENTARES
Paracentese diagnóstica: Líquido amarelo-citrino com mínimo de grumos. Celularidade:
1.050/mm3. Polimorfonucleares: 350/mm3. Hemácias: 1.500/mm3. Proteína total: 3.
Albumina: 1,1 mg/dL. Cultura: negativo. Bilirrubina ascítica: 2 mg/dL. Citologia oncótica:
resultado negativo.
Exames laboratoriais:
Hemograma: hemoglobina – 9,6 mg/dL; glóbulos brancos – 4.500; plaquetas –
120.000/mm3); albumina: 3 mg/dL; TAP/IRN: 1,7; bilirrubina total/direta: 5,4/3,9 mg/dL;
creatinina: 1,4 mg/dL; ureia: 57 mg/dL; sódio: 132 mg/dL; potássio: 3,2 mg/dL.
Endoscopia digestiva alta: Varizes esofágicas de médio calibre com “manchas
vermelhas”. Gastropatia hipertensiva grave. Gastrite de antro erosiva intensa.
Ultrassonografia de abdome total: Hepatopatia crônica sem nódulos hepáticos, ascite
de grande volume e esplenomegalia homogênea.
DISCUSSÃO
Ascite é o acumulo de líquido livre na cavidade peritoneal de origem patológica. A
avaliação de ascite ou aumento do volume abdominal é amplamente realizada em
pacientes com hepatopatia crônica ou outras doenças, como hipertensão portal, síndrome
nefrótica, neoplasias, entre outras.
Semicírculos de Skoda
Com o paciente em decúbito dorsal, o líquido ascítico tende a se depositar nas regiões
de flanco e hipogastro; assim, uma percussão realizada desde o epigastro em direção aos
flancos e ao andar inferior do abdome revelará uma transição do som timpânico para o
maciço ou o submaciço, formando uma linha semicircular com concavidade voltada para a
região epigástrica.
Sinal do piparote
A face palmar de uma das mãos é posicionada em um dos flancos do paciente e com a
outra mão o examinador dispara “piparotes” no outro flanco do paciente. O abalo produzido
pelos piparotes é transmitido ao líquido ascítico e percebido pela palma da mão
posicionada no flanco oposto. Para que as ondas não sejam transmitidas ao lado oposto
pela parede abdominal, o paciente ou um assistente posiciona a borda cubital da sua mão
na linha mediana do abdome. Esse sinal é característico de grandes ascites, não sendo
efetivo em ascites de médio ou pequeno volume.
A encefalopatia hepática é um conjunto de manifestações neuropsiquiátricas
associadas com hepatopatia e clearance de amônia, ocorrendo alteração do sistema
gabaérgico (GABA) com aumento da ação inibitória pela passagem da barreira
hematencefálica, com elevação da concentração de glutamina, edema cerebral e alteração
da atividade de elétrica neuronal. Utiliza-se a classificação de West-Haven para sua
avaliação clínica (Tabela 1).
Grau IV Coma
Presente Ausente
O diagnóstico laboratorial de PBE possui uma boa relação com o exame físico?
E a analise do líquido é uma boa ferramenta?
Resposta: Não. Existem estudos que confirmam que até 50% dos pacientes
cirróticos submetidos à paracentese terapêutica possuem PBE sem ter sinais
clínicos. Os principais sintomas são dor abdominal, febre, alteração da
motilidade gastrintestinal e, em alguns casos, somente sinais de insuficiência
hepática, como encefalopatia hepática ou alteração da função renal.
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7. Zaterka S, Eisig JN. Tratado de Gastroenterologia: da Graduação à Pós-graduação. 2 ed. São Paulo: Atheneu;
2016.
Capítulo 15
ANAMNESE
Identificação: B.S.S., 63 anos de idade, sexo masculino, negro, casado, católico,
aposentado, nível médio completo, natural e residente de região metropolitana do estado.
Queixa Principal: Sangue nas fezes há 20 dias.
História da Moléstia Atual: Paciente relatou que, há 20 dias, apresenta hematoquezia, a
qual inicialmente acreditou ser doença hemorroidária corriqueira, mas com a persistência
do sintoma resolveu procurar ajuda médica. Apresentou sangue vivo, em pequenas
quantidades (rajas) nas fezes. Contou ainda que, nas últimas 3 semanas, vem
apresentando tenesmo e sensação de evacuação incompleta, além de alterações do hábito
evacuatório, o qual anteriormente consistia em uma evacuação diária, mas passou a uma a
cada dois dias, em média). Relatou que as fezes estão com a cor mais escurecida, apesar
de cheiro e consistência normais, mas em quantidade diminuída e aspecto em fita. Nega
fatores de melhora, piora ou associados, e quadro anterior similar. Não apresenta dor
abdominal, náuseas e vômitos, sensação de plenitude gástrica, distensão abdominal,
flatulências e prurido anal. O paciente contou que evacuou hoje, 2 horas antes da consulta,
quando os sinais e sintomas descritos se repetiram.
Interrogatório Sistemático: Relatou perda ponderal de 4 kg sem intenção. Nega febre,
calafrios, sudorese excessiva, alterações de pele, olhos, orelhas, nariz, pescoço, sistemas
respiratório, cardiovascular, geniturinário, locomotor e nervoso.
Antecedentes Fisiológicos: Nega sintomas de andropausa ou outras queixas.
Precedentes Médicos: Apresenta hipertensão arterial controlada por medicação
prescrita por médico (losartana potássica, 50 mg/dia). Nega diabetes mellitus (DM), assim
como internamentos prévios, cirurgias, traumas e acidentes, alergias ou transfusões
sanguíneas.
História Familiar: Pai faleceu aos 72 anos de idade em decorrência de complicações de
câncer colorretal e era portador de DM e hipertensão arterial sistêmica (HAS); mãe faleceu
por causas naturais aos 67 anos de idade. Não possui irmãos.
Hábitos de Vida e história Psicossocial: Alimentação rica em carnes vermelhas e
gorduras, com baixa ingesta de vegetais. Informa etilismo social (1 lata de cerveja aos fins
de semana). Nega tabagismo e uso de drogas ilícitas. É sedentário. Relata ser
heterossexual e manter relações sexuais unicamente com a esposa, sem uso de
preservativo. Nega realização de sexo anal durante toda a vida ou ter infecção sexualmente
transmissível (IST)/síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS). Tem boa relação com
familiares e amigos, sem sintomas depressivos e com bom estado anímico.
EXAME FÍSICO
AVALIAÇÃO HISTOPATOLÓGICA
Adenocarcinoma de reto
DISCUSSÃO:
Considerações especiais relacionadas ao exame proctológico: O exame proctológico,
por envolver uma região íntima, é considerado tabu em muitos meios sociais. Pode causar
grande desconforto ao paciente, e, por esse motivo, cada etapa de sua realização deve ser
precedida de diálogo com o paciente, sendo explicado, de forma sucinta, o que será feito,
como será feito e a razão da realização do exame, além de necessitar da autorização do
paciente para prosseguimento. Durante o toque retal é importante tranquilizar o paciente
sobre o exame, informando-o de que este não provocará dor, mas pode desencadear o
desejo de defecar, porém isso não ocorrerá. Caso o paciente “resista ao exame”,
contorcendo-se ou contraindo muito o esfíncter anal, deve-se fazer uma pausa e acalmar o
paciente antes de retomar o exame.
O exame semiológico proctológico pode ser dividido em 4 etapas, sendo elas: inspeção,
palpação, anuscopia e retossigmoidoscopia, contudo é importante lembrar que esse último
relaciona-se com ferramentas da propedêutica armada.
Inspeção: Deve ser feita em uma posição que possibilite a visualização das regiões
perianal e sacrococcígea pelo médico, sendo, assim, possível realizar o exame com o
paciente em posição ortostática (de pé) e com o corpo inclinado para a frente, apoiado na
mesa de exame. No entanto, o decúbito lateral é preferível, já que, além de expor as
mesmas áreas, possibilita maior conforto ao paciente.
Durante o decúbito lateral esquerdo, o paciente deve ficar com as nádegas próximas da
borda do lado da mesa do exame em que se encontra o examinador e com a cabeça
afastada dele, além de fletir o quadril e os joelhos; pode ser mais fácil orientar o paciente
para que ele “puxe os joelhos na direção do peito”. Ademais, convém informá-lo para que
permaneça encarando a parede oposta ao examinador durante toda a duração do exame, já
que os pacientes tendem a sair da posição ideal de decúbito, aproximando-se da posição
de decúbito dorsal, à medida que tentam conversar com o examinador. Para facilitar a
visualização da área, pode-se utilizar um fotóforo, mais comum, e uma lupa, não
obrigatório. Esses itens são de grande ajuda para visualizar alterações mais discretas, que
poderiam passar despercebidas em uma análise a olho nu.
Durante a inspeção das regiões sacrococcígea e perianal, deve-se procurar por
nodulações, ulcerações, inflamações e/ou escoriações. Nodulação é o crescimento
anormal de tecido. Pode ser um pólipo benigno ou uma neoplasia maligna. Mesmo pólipos
benignos merecem atenção do médico, já que muitas neoplasias malignas originam-se
dessas estruturas.
Palpação: Após criteriosa inspeção, que já pode ser suficiente para definir alguns
diagnósticos como, por exemplo, o de fissura anal ou de cancro sifilítico, o médico deve
seguir para a palpação. Primeiramente o examinador deve palpar as regiões anal, perianal e
perineal, procurando por fístulas, abscessos e nodulações. Em seguida, para realizar o
toque retal, deve-se lubrificar a parte da luva que recobre o dedo indicador, podendo-se
também lubrificar a região perianal que foi exposta com o afastamento manual das
nádegas do paciente. Após solicitar ao paciente que faça força “para baixo”, como se fosse
defecar, o médico pressiona suavemente o ânus do paciente e, enquanto o esfíncter relaxa,
insere a ponta do dedo no canal anal, na direção do umbigo do paciente, e, com suaves
movimentos rotatórios, alterna entre os diversos sentidos do canal anal, palpando-o em sua
totalidade. Durante o exame, é importante notar o tônus do esfíncter anal que, em
condições normais, pressiona firmemente o dedo do examinador, além disso, ao parar de
aplicar força no esfíncter anal, ele normalmente se fecha, evento que se chama de reflexo
anal. Em alguns casos, no entanto, o reflexo pode estar invertido, algo que pode sugerir
prolapso retal, inflamação do canal anal e prurido anal. Convém tocar primeiro na parte
anterior do canal anal, local da loja prostática no homem, possibilitando uma palpação
indireta da próstata, sendo então possível verificar tamanho, mobilidade, formato e a
consistência desta.1,2
O epitélio do reto até a linha pectinada é simples e cilíndrico e apresenta paredes lisas,
sem nenhuma rugosidade, e de consistência macia em condições fisiológicas. A detecção
de qualquer massa pelo examinador torna necessária uma anuscopia para investigar sua
origem. Indurações e endurecimentos também devem ser investigados, por poderem ser
causados por inflamação, fibrose ou neoplasia maligna. Em situações com clínica
sugestiva e que não seja identificada alteração alguma na anuscopia, é importante frisar
que a retossigmoidoscopia é necessária. No que diz respeito ao caso, fezes em fita com
diâmetro diminuído sugerem estreitamento de alguma parte do intestino. Esse
estreitamento pode ser causado principalmente por estenose em reto e ânus ou câncer
colorretal.
Tendo em mente a multiplicidade de origens desse sintoma, é necessário fazer um
diagnóstico diferencial. Nesse contexto, o toque retal serve para confirmar ou descartar a
sugestão de estenose de reto e ânus, por vezes, corroborando suspeita diagnóstica, além
de poder evidenciar pólipos, que podem ser parte de um quadro de câncer.
Anuscopia: Importante exame e, em muitos casos, é o de escolha para análise inicial de
lesões suspeitas localizadas mais distalmente no trato gastrintestinal, especialmente nas
porções finais do canal anal, possibilitando uma visualização direta das mesmas. A doença
hemorroidária é normalmente a causa mais comum, no entanto, não podem ser
descartadas outras causas, como papilas hipertróficas, criptites ou pólipos localizados
nesse segmento. Para a realização da anuscopia, será utilizado um instrumento
denominado anuscópio, em forma de espéculo, metálico ou descartável (acrílico), para
visualização do ânus e da porção distal do reto. Este aparelho apresenta como
características: comprimento de 6 a 10 cm, diâmetro de 3 a 5 cm (infantil) e 5 a 7 cm
(adulto), um mandril (que é retirado após introdução no canal anal) e uma alça que permite
que o examinador segure o instrumento durante o exame. Alguns anuscópios contêm uma
chanfradura, que vai de sua extremidade até perto da parte média do aparelho, o que
possibilita o exame das estruturas laterais do canal sem necessidade de movimentar o
instrumento.
O examinador definirá a posição do paciente de acordo com suas preferências e com as
condições clínicas do examinado e, então, será realizado o exame em que há inicialmente a
lubrificação do anuscópio com vaselina ou lidocaína e sua introdução suavemente no canal
anal. Ao ultrapassar o esfíncter, o mandril deve ser removido. Diante de lesões suspeitas,
como neoplasia, como referido no caso, processos inflamatórios da mucosa colorretal e na
pesquisa de ovos de Schistosoma mansoni, indica-se a retirada de fragmentos por
intermédio de uma pinça de biópsia, para exame histopatológico. O endoscopista deve
fazer uma descrição macroscópica detalhada da lesão, junto ao pedido do exame, visto que
o patologista apenas receberá fragmentos em substância fixadora (formol a 10%),
facilitando seu diagnóstico histopatológico.
O paciente apresenta diversos indicativos para investigação de câncer colorretal por
meio semiologia clínica, como idade acima de 50 anos (faixa etária em que há necessidade
de investigação de câncer) e antecedentes familiares (pai acometido por câncer colorretal,
implicando, dessa forma, maior risco de câncer colorretal, bem como necessidade de mais
exames e vigilância). O paciente também relatava tenesmo, que é a sensação de dor retal e
em períneo, acompanhada de desejo de defecar, além de fezes em fita, que geralmente é
um quadro de estreitamento do lúmen do cólon ou do segmento anorretal, também
indicativos de neoplasias na região colorretal. Ademais, a existência de sangue nas fezes
pode ser decorrente de pólipos ou câncer, bem como hemorragia gastrintestinal ou
hemorroidas locais e a detecção de sangue no reto também sugere câncer no reto ou no
cólon. Por fim, massas detectadas durante o exame proctológico obrigam o médico a
aprofundar a avaliação clínica, por meio de técnicas semiológicas e exames
complementares. Ao detectar endurecimentos na região, como observado no exame do
paciente em questão, deve-se sempre desconfiar de massa tumoral e proceder à
anuscopia, e, caso essa última não seja conclusiva, a exemplo dos casos de tumores mais
altos, é necessária a avaliação com retossigmoidoscopia, buscando-se, assim, minimizar
possíveis erros diagnósticos e melhores desfechos.
Bibliografia
1. Bickley LS. Bates. Propedêutica Médica. 11. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2015.
2. Brasil. Conselho Federal de Medicina. Processo-Consulta CFM no 192/11 – Parecer CFM no 35/11. Acesso em:
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3. Gartner LP. Tratado de Histologia. 4. ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2017.
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5. Tanaka A, Sadahiro S, Suzuki T, Okada K, Saito G. Comparisons of rigid proctoscopy, flexible colonoscopy, and
digital rectal examination for determining the localization of rectal cancers. Diseases of the Colon & Rectum.
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lesions. Techniques in Coloproctology. 2017; 11(2):111-3.
Capítulo 16
ANAMNESE
Paciente do sexo feminino, 28 anos de idade, apresentando febre e dor lombar à
esquerda há mais de 48 horas.
História da Moléstia Atual: Há sete dias paciente vem apresentando dor lombar à
esquerda, do tipo cólica, em região inguinal e grande lábio vaginal, e náuseas sem vômito,
com melhora da dor com o uso de antiespasmódico associado a analgésicos. Há dois dias
iniciou quadro de febre de 38ºC, mudando o padrão da dor, que se tornou contínua, em
posição antálgica lateralizada comprimindo flanco esquerdo. Relatou que sua urina está
com aspecto turvo/avermelhado e com cheiro fétido. Apresenta calafrios, sudorese
importante e hiporexia desde o agravo dos sintomas.
IS: Nega alterações gastrintestinais e nas articulações, sem dores lombares crônicas,
alterações neurológicas e em extremidades.
Precedentes Médicos: Nega patologias crônicas prévias, internamentos e cirurgias, e
relata quadro de cistites de repetição sem acompanhamento médico. Não apresenta
alergias medicamentosas, alimentares e ambientais.
História Familiar: Mãe hipertensa, diabética, dislipidêmica, hipotireóidea e portadora de
nefrolitíase; pai hipertenso, portador de gota e nefrolitíase. Tem um irmão hígido.
EXAME FÍSICO
Dados Vitais:
Frequência respiratória (FR): 28 irpm; frequência cardíaca (FC): 115 bpm; temperatura:
38,8°C; pressão arterial (PA): 98 × 65 mmHg.
Geral: Paciente corada, hidratada, anictérica, acianótica, com palidez cutânea,
diaforética e com taquisfigmia. Sem adenomegalias e edemas de extremidades.
Sistema Respiratório: Murmúrio vesicular fisiológico, ausência de ruídos adventícios.
Sistema Cardiovascular: Bulhas rítmicas em 2 tempos, ausência de sopros, cliques e
estalidos.
Abdome: Ausência de abaulamentos, retrações e cicatrizes, pontos ureterais superiores
dolorosos à palpação, ausência de visceromegalias, ruídos hidroaéreos normais. Sinal de
Giordano presente em região lombar esquerda.
Suspeitas Diagnósticas:
Pielonefrite aguda complicada de rim esquerdo.
Conduta
Solicitados tomografia de abdome (vias urinárias) sem contraste, hemograma e função
renal, urina I e urocultura. Iniciada antibioticoterapia empírica associada Á expansão
volêmica com Soro Fisiológico a 0,96%, devido a quadro séptico. Terapia guiada após
culturas e avaliação da urologia para conduta intervencionista adequada.
EXAMES COMPLEMENTARES
Tomografia de abdome (vias urinárias) sem contraste: cálculo na junção ureteropélvica
esquerda, com hidronefrose moderada à esquerda. Líquido na loja perirrenal esquerda com
sinais de nefrite intersticial de parênquima renal esquerdo.
Hemograma: Leucocitose acentuada à custa de neutrofilia, com desvio até
metamielócitos. Granulações tóxicas nos neutrófilos.
Função Renal: Ureia e creatinina sem alterações.
Urina I: Densidade aumentada, hematúria e hemoglobinúria, nitrito positivo, leucocitúria,
cilindros leucocitários.
Urocultura: Crescimento de Escherichia coli (100.000.000 UFC/mL). Antibiograma
sensível à ceftriaxona e meropeném.
DISCUSSÃO
Existem pontos que delimitam a região da loja renal, na região lombar, cuja palpação e
percussão podem despertar dor, na vigência de afecções renais e ureterais. São dois os
pontos: o lombar costovertebral (no vértice do ângulo formado pela última costela e pela
coluna vertebral) e o lombar costomuscular (no vértice do ângulo formado pela massa
muscular sacrolombar e pela última costela).
Manobra de Giordano
Golpes secos com a borda cubital de uma das mãos podem despertar uma intensa dor
aguda. Aconselha-se que a referida manobra seja realizada em diferentes alturas das
regiões lombares, direita e esquerda. A percussão deve iniciar-se com manobras leves,
aumentando-se gradualmente, porque não se pode prever a intensidade da dor que elas
poderão desencadear. Quando a manobra de Giordano produz dor aguda e intensa, diz-se,
habitualmente, que o paciente apresenta o sinal de Giordano positivo, entretanto, nos livros
de semiologia consultados, não se encontra tal definição. Deve-se sempre anotar se a
positividade da manobra (produção da dor) foi direita, esquerda ou em ambas as regiões.
Semiologia da Dor
As dores de origem renal localizam-se nos ângulos costovertebrais, abaixo da décima
segunda costela; são contínuas e refletem-se ocasionalmente nos hipocôndrios. Resultam
da distensão aguda da cápsula renal (pielonefrite aguda, obstrução ureteral aguda) ou de
processos inflamatórios perinefréticos. Os quadros expansivos renais como hidronefrose,
tumores ou cistos produzem distensão lenta e gradual da cápsula e costumam ser
assintomáticos.
Dores lombares relacionadas com movimentos do tronco são frequentemente
interpretadas como dores renais, mas decorrem, em geral, de lesões osteoarticulares da
coluna ou de vícios posturais.
A dor ureteral é classicamente em cólica e origina-se na região lombar, com irradiação
para o flanco e a fossa ilíaca. Estas dores quase sempre são secundárias à passagem de
pequenos cálculos ou coágulos sanguíneos e são produzidas pelo intenso movimento
peristáltico que se instala a montante do local obstruído. Geralmente os pacientes
apresentam aumento do volume renal, que produz dor contínua na região costovertebral.
A localização topográfica de cálculos ureterais pode ser definida pelas características
da cólica ureteral, como:
Sintomas e sinais menos específicos ou não urinários também podem ocorrer, o que
pode causar confusão clínica. A manifestação clínica é específica e clássica na maioria
dos casos, consistindo em início rápido de febre alta e dor e sensibilidade no flanco.
Os estudos de imagem que podem ser usados na avaliação da pielonefrite aguda
incluem:
BIBLIOGRAFIA
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2. Demertzis J, Menias CO. State of the art: imaging of renal infections. Emerg Radiol. 2007; 14(1):13-22.
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5. Meneghelli UG, Martinelli ALC. Princípios de semiotécnica e de interpretação do exame clínico do abdômen.
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. Stunell H, Buckley O, Feeney J et al. Imaging of acute pyelonephritis in the adult. Eur Radiol. 2007; 17(7):1820-8.
Capítulo 17
ANAMNESE
Paciente do sexo masculino, 16 anos de idade, apresentando dor
no testículo direito.
História da Moléstia Atual: Paciente apresentava-se
assintomático. Há cerca de 36 horas apresentou dor intensa em
testículo direito que o despertou do sono noturno. Não teve febre ou
inapetência. Decidiu usar anti-inflamatórios e analgésicos que tinha
em sua residência. Houve melhora apenas parcial, porém, suportava
a dor com o uso dos medicamentos citados. Como houve
persistência do quadro, decidiu procurar auxílio médico. A hipótese
de trauma local foi descartada após ser indagado pelo médico
plantonista. O paciente não iniciou vida sexual.
IS: Nega alterações gastrintestinais, no sistema urinário e em
outros sistemas.
Precedentes Médicos: Nega comorbidades, cirurgias, alergias e
internações prévias. Testículos localizados em escroto desde o
nascimento.
História Familiar: Pai hipertenso, mãe com diabetes mellitus. Nega
cardiopatias e neoplasias.
EXAME FÍSICO
Dados Vitais:
Frequência respiratória (FR): 18 irpm; Frequência cardíaca (FC): 85
bpm; temperatura: 36,8°C.
Geral: Paciente calmo, eutrófico, hidratado, anictérico e
acianótico, mucosas normocrômicas, orientado no tempo e no
espaço.
Abdome: Plano, flácido, indolor, sem visceromegalia, com ruídos
hidroaéreos sem alterações. Punho-percussão lombar indolor.
Genital:
Pênis: Pilificação pubiana característica para a idade. Necessária
retração manual do prepúcio para correta inspeção do pênis devido
ao excesso de pele, comum nos homens não circuncidados. Não
foram visualizados sinais de balanopostite ou qualquer lesão. Glande
de aspecto habitual e cor rósea brilhante; glândulas de Tyson
(pequenas protuberâncias em sulco balanoprepucial)
caracteristicamente normais. Realizada leve manobra manual para
abertura de meato e visualizada mucosa uretral sem anormalidades.
Escroto: Pele elástica. Eritema discreto à direita. Rafe em
localização mediana. Reflexo cremastérico ausente.
Testículo esquerdo: Formato oval, liso, de consistência firme, sem
áreas de endurecimento; indolor. Epidídimo palpável justatesticular
posterior; ducto deferente anexo com consistência habitual de fio
denso.
Testículo direito: dor à palpação, levemente edemaciado, mais
alto e horizontalizado em relação ao esquerdo. Epidídimo de difícil
caracterização em virtude de edema e intolerância à palpação devido
à dor. Não foi possível palpar ducto deferente pela dificuldade em
isolar os elementos do cordão. Não houve alívio da dor na elevação
do testículo.
Demais órgãos e sistemas sem alterações significativas.
Suspeita Diagnóstica: Torção de testículo direito.
Conduta: Solicitada ultrassonografia com Doppler de escroto e
testículos. Exame não mostrou fluxo arterial em testículo direito
(Figura 1). Testículo esquerdo normal, bem perfundido.
Figura 1. Testículo direito sem fluxo.
Fonte: Própria
DISCUSSÃO
A torção de testículo tem sua maior incidência nos homens entre
12 e 16 anos de idade. Manifesta-se por dor de início súbito e recente
(com o tempo, a dor pode diminuir de intensidade devido à necrose
do testículo). O tempo do diagnóstico/tratamento é o principal fator
de preservação da função testicular, sendo o ideal menos de 6 horas.
Episódios anteriores de dor podem constar na história clínica devido
a torções prévias intermitentes, porém não são obrigatórios.
Diferente de outras patologias testiculares infecciosas, sintomas
como febre e mau estado geral não estão presentes.
O principal diagnóstico diferencial é a orquiepididimite aguda.
Nesta condição, a dor é inicialmente branda, com piora progressiva,
associada a intensos sinais flogísticos (edema importante testicular,
hiperemia); pode ainda ter relação com sinais sistêmicos (febre,
inapetência, queda de estado geral).
Outras patologias escrotais e testiculares são mais facilmente
distinguíveis: neoplasias cursam com nodulações pétreas e
geralmente não causam dor. Hidrocele provoca abaulamento
escrotal, geralmente indolor, e pode ser diferenciada das hérnias
inguinoscrotais através de exame de transiluminação (transparência
do líquido acumulado dentro do escroto após ser iluminada por uma
lanterna).
Torção de apêndice testicular (tecido de resquício embrionário
aderido ao testículo) também pode cursar com episódios de dor,
geralmente sem tanta intensidade.
Cálculos impactados no ureter podem cursar com dor para
testículos e escroto, porém, geralmente acompanhados de dor
lombar ipsilateral.
O reflexo cremastérico é realizado ao estimular a região medial da
coxa e o escroto com objeto firme (p. ex., pinça, haste de um
cotonete ou até mesmo a unha). Quando presente, o reflexo
cremastérico retrai o escroto com consequente elevação do
testículo. Ele estará quase sempre ausente na torção de testículo e
inalterado nos casos de orquiepididimite e torção de apêndice
testicular.
Por motivos óbvios, devido ao enrolamento do cordão, haverá
elevação do testículo torcido, podendo horizontalizar o mesmo,
dificultando a separação dos elementos estruturais, como o ducto
deferente.
O sinal de Prehn é o alívio do quadro doloroso ao elevar a bolsa
testicular afetada. Não é patognomônico, porém pode estar presente
nos quadros de orquiepididimites.
A ultrassonografia com Doppler é o exame padrão-ouro para o
diagnóstico. Apresentará fluxo ausente na patologia em questão,
aumentado nos casos infecciosos/inflamatórios e inalterados nos
demais. É importante enfatizar que na falta de exame
ultrassonográfico e em alta suspeita diagnóstica a conduta cirúrgica
é indicada.
UTILIZAÇÃO DA
ULTRASSONOGRAFIA COM DOPPLER
BASEADA EM EVIDÊNCIAS
Fonte: Eyer de Jesus, 2000
BIBLIOGRAFIA
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Capítulo 18
CASO CLÍNICO 1
ANAMNESE
Identificação: M.F.S, 42 anos de idade, casada, G3P3, professora, católica, natural e
procedente de Sobral – Ceará (CE).
Queixa Principal: “Muita menstruação”.
História da Moléstia Atual: Paciente relata que há cerca de 18 meses iniciou quadro de
sangramento menstrual excessivo, chegando a trocar aproximadamente oito absorventes
diários e desmotivando-a a sair de casa nos dias de maior fluxo. O ciclo era regular (30 a 32
dias), e o sangramento durava entre 8 e 10 dias. Informa ainda que nos primeiros 3 dias de
menstruação apresentava dor pélvica em cólica de moderada intensidade que cedia com o
uso de anti-inflamatórios não esteroidais (AINE). Nega sangramento fora do período
menstrual ou sinusorragia. Procurou atendimento ginecológico há 6 meses, sendo
realizada citologia oncótica do colo do útero que não mostrou alterações. Iniciou
anticoncepcional oral combinado de uso regular e diário, conforme orientação médica, para
a diminuição do fluxo, sem melhora.
Antecedentes Pessoais: Apendicectomia aos 17 anos de idade. Fez uso de
anticoncepcional oral combinado por cerca de 5 anos. Nega hipertensão ou diabetes,
tabagismo e etilismo. Nunca realizou cirurgias. Faz atividade física (caminhada) três vezes
por semana.
História Gineco-obstétrica: Menarca aos 12 anos de idade, sexarca aos 16 anos de
idade; tem apenas um parceiro sexual. Nega infecções sexualmente transmissíveis (IST).
Apresenta ciclo regulares e sem alteração do fluxo prévia. Teve três partos normais no
hospital e sem intercorrências. O último preventivo ginecológico foi realizado há 6 meses e
estava normal. Nega patologias cervicais em exames anteriores ou procedimentos prévios
no colo do útero. Não usa contracepção, porque o parceiro realizou vasectomia há 3 anos.
A data da última menstruação foi há 5 dias, estando menstruada no momento da avaliação.
História Familiar: Mãe hipertensa e pai diabético e coronariopata. Irmã mais velha
precisou remover o útero aos 47 anos de idade por problema semelhante, mas não sabe
precisar o diagnóstico.
Interrogatório de Órgãos e Sistemas
Geral: Relata episódios de tonturas e astenia. Nega perda ponderal.
Cardiovascular: Nega queixas.
Respiratório: Nega dispneia ou tosse.
Digestório: Apresenta constipação desde a infância.
Geniturinário: Nega leucorreia, dispareunia, sinusorragia, disúria, incontinência ou
urgência urinária.
Exame Físico
Paciente orientada, hidratada, hipocorada (1+/4+), anictérica, acianótica.
Cardiovascular: Bulhas normofonéticas em dois tempos e sem sopros.
Respiratório: Sem ruídos adventícios.
Pélvico e Abdominal: Sem massas palpáveis ou visceromegalias.
Exame das Mamas: Sem alterações às inspeções dinâmica ou estática. Sem nódulos ou
linfadenomegalias palpáveis.
Geniturinário: Vulva normotrófica, com distribuição de pelos normais e sem lesões.
Períneo e Região Anal: íntegro sem sinais de lesões.
Exame Especular: Colo do útero sem lesões e com sangramento vermelho vivo
originado do orifício externo do canal endocervical.
Toque Bimanual: Útero móvel, indolor e aumentado de volume, sendo palpável acima da
sínfise púbica.
Exames Complementares
Beta gonadotrofina coriônica (ß-HCG): resultado negativo.
Eritrograma: Hemoglobina – 8,3; hematócrito – 24,1.
Ultrassonografia via transvaginal: Útero anteversoflertido, volume 335 cm3, miométrio de
textura homogênea e nodulações hipoecogências de localização intramurais e componente
submucoso medindo, respectivamente, 5,2 × 4,3 cm e 4,9 × 4,1 cm. Endométrio homogêneo
de espessura 8 mm e ovários de forma e volume normais.
DISCUSSÃO
História Clínica
Na identificação da paciente, a idade é o pontapé inicial para o raciocínio clínico, pois
dependendo da faixa etária, algumas etiologias são mais comuns para justificar a causa do
sangramento (Tabela 1). A religião também é um dado que não pode ser ignorado, uma vez
que, em algumas situações em que seja indicada a utilização de hemoderivados na
abordagem terapêutica, o fato poderá ser um problema em determinadas crenças
religiosas.
Corpo estranho
Trauma
Infecção
Infância
Tumor ovariano
Sarcoma botrioide
Abuso sexual
Pólipo endometrial
Adenomiose
Miomatose uterina
Contracepção hormonal
Anovulação
Menacme
Coagulopatias
Infecções
Causas obstétricas
Hiperplasia e câncer endometrial
Causas cervicais (ectopia, pólipo, câncer)
Atrofia de endométrio
Uso de terapia hormonal
Menopausa
Câncer de endométrio
Câncer de colo do útero
A queixa principal (“muita menstruação”) deve ser relatada como o principal motivo que
levou a paciente a buscar auxílio profissional e serve como guia para descrever a história
da moléstia atual.
Nessa história, a queixa de sangramento deverá ser descrita de forma temporal (início
da alteração), pois, tão importante quanto os aspectos quantitativos e qualitativos para
descrever a queixa atual é a valorização da mudança de padrão do ciclo menstrual.
Sabe-se que muitas alterações fisiológicas, como alteração do conteúdo vaginal,
sangramento, mastalgia ou dor pélvica, podem acompanhar a mulher de forma cíclica,
dependendo do período do ciclo menstrual, então, é importante caracterizar com o máximo
de precisão se a queixa tem relação cíclica. É fundamental que seja definido se o
sangramento acontece no período menstrual ou fora do período esperado para a
ocorrência de sangramento. No período menstrual, causas como miomatose uterina,
adenomiose ou causas não estruturais são mais comuns para a ocorrência do
sangramento. Causas não estruturais podem acontecer no caso de um estímulo hormonal
inadequado do endométrio. Em caso de sangramento fora do período menstrual, causas
anatômicas, como lesões no colo do útero, trauma, fissuras ou causas neoplásicas são
mais prevalentes. A Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO)
estabeleceu uma técnica mneumônico para facilitar a investigação das possíveis causas
de SUA (Tabela 2). A nomenclatura referente ao sistema de classificação para as causas de
SUA foi revisada pela FIGO, no início de 2011, e apresenta nove categorias dispostas de
acordo com a sigla PALM-COEIN: pólipo, adenomiose, leiomioma, malignidade e hiperplasia
do endométrio, coagulopatia, disfunção ovulatória, endometrial, iatrogênica e causas não
classificadas.
Coagulopatias
Pólipos
Ovulatórias
Adenomioses
Endometriais
Leiomiomas
Iatrogênicas
Malignidade e hiperplasias
Não classificadas
Exame Físico
Para o diagnóstico de SUA, é necessário história clara do sangramento, anamnese
detalhada e avaliação inicial com exames físicos geral, abdominal e pélvico. No exame
físico geral, deve-se avaliar o estado da paciente como um todo, e dar especial atenção aos
parâmetros hemodinâmicos em caso de quadros de hemorragia aguda e abundante em
busca de sinais de choque hipovolêmico.
Os exames pélvico e abdominal devem ser realizados em busca de massas palpáveis ou
sinais de irritação peritoneal. O exame geniturinário e em região perineal é fundamental
para a confirmação da origem do sangramento. Devem ser pesquisadas lesões sangrentas
em vulva, períneo, regiões perianal e uretral. A realização do exame especular para
visualização do canal vaginal e do colo do útero é obrigatória em todas as pacientes que já
tiveram atividade sexual. Na paciente do caso relatado, o exame especular não evidenciou
lesões, mas confirmou que o sangramento era de origem uterina, uma vez que foi
visualizado sangramento originado do orifício externo do canal endocervical.
O toque bimanual é realizado introduzindo-se os dedos indicador e médio no canal
vaginal, fazendo pressão uniforme para trás enquanto os pequenos lábios são afastados.
Palpam-se paredes vaginais, fundo de saco e colo do útero. Com a mão espalmada na
região pélvica, o colo do útero é ligeiramente elevado para a palpação uterina, podendo-se
perceber aumento do volume local ou assimetria em seu contorno. No caso em questão, a
paciente apresentou aumento do volume uterino na palpação bimanual, bem como
ausência de lesões à inspeção de vulva, vagina e colo do útero, reforçando as hipóteses
diagnósticas sugeridas na história clínica.
Exames Complementares
Quanto aos exames complementares, sua utilização deve ser realizada de forma
racional, sempre considerando-se o esclarecimento diagnóstico e/ou o estabelecimento de
alguma conduta com base em seu resultado. Devem-se buscar, além de métodos sensíveis
e específicos para o esclarecimento diagnóstico, opções de mais fácil acesso, menos
invasivas e preferencialmente de menor custo. Na Tabela 3, são apresentados o grau de
recomendação e a força de evidência (GRFE) para os métodos diagnósticos em paciente
com SUA, recomendados pela FIGO.
A paciente realizou exame ß-HCG, que resultou negativo e descartou a possibilidade de
causas obstétricas com causadoras do SUA, e hematimetria, que evidenciou um quadro de
anemia. Este quadro não estabelece a etiologia da SUA, mas pode sinalizar para a
repercussão hematimétrica da queixa de sangramento e o bem-estar da paciente, bem
como servir de monitoramento para a resposta ao tratamento estabelecido.
A ultrassonografia endovaginal, quando possível de ser realizada, geralmente é
preferível em relação à ultrassonografia pélvica em pacientes que já tiveram atividade
sexual, por fornecer imagem mais nítida sem a interferência direta do panículo adiposo, da
bexiga e das alças intestinais que dificultam o exame pela via pélvica. A ultrassonografia da
paciente evidenciou útero de volume aumentado e imagens sugestivas de miomatose
uterina, corroborando a hipótese diagnóstica.
CASO CLÍNICO 2
ANAMNESE
Identificação: P.F.L., sexo feminino, 17 anos de idade, natural e procedente de Sobral –
Ceará (CE), desempregada, solteira.
Queixa Principal: “Dor forte no pé da barriga há dois dias”.
História da Moléstia Atual: Paciente é admitida na emergência clínica queixando-se de
dor em hipogástrio, que iniciou há 48 horas e piorou nas últimas 24 horas, de forte
intensidade e irradiação para fosse ilíaca direita. Não soube informar fatores
desencadeantes de melhora ou piora. Ao quadro, associam-se náuseas, vômitos, queda do
estado geral, adinamia e febre.
Ao ser questionada, nega alterações urinárias (disúria, poliúria, polaciúria, urgência
miccional), mas relata corrimento vaginal esbranquiçado, fétido, de aspecto leitoso, sem
prurido, de início há 72 horas.
Antecedentes Pessoais: Nega comorbidades, alergias e cirurgias prévias. Não faz uso
contínuo de nenhuma medicação.
Hábitos: Ingere bebidas alcoólicas socialmente aos fins de semana. Nega tabagismo e
uso de outras substâncias.
História Gineco-obstétrica: Menarca aos 13 anos de idade, sexarca aos 15 anos de
idade. Teve um parceiro sexual fixo durante um ano (dos 15 aos 16 anos de idade). Após
este período, relata vários relacionamentos sexuais casuais, alguns sem proteção. Nega
uso de contraceptivos orais, gravidez e abortamentos. Ciclo menstrual regular.
História Familiar: Mãe hipertensa controlada com medicações. Nega história familiar de
câncer ginecológico.
Exames físico:
Hemograma: ver Tabela 4.
Ectoscopia: Estado geral ruim, hipocorada 2+/4+, desidratada 2+/4+, anictérica,
acianótica, febril (38 °C). Sistema neurológico: Escala de coma de Glasgow 14 pontos
(abertura ocular – 3; resposta verbal – 5; resposta motora – 6), pupilas isocóricas e
fotorreativas, sem déficit motor focal.
Sistema Respiratório: Murmúrio vesicular universalmente presente, sem ruídos
adventícios. Paciente taquipneica, com frequência respiratória (FR) de 24 irpm.
Sistema Cardiovascular: Ritmo cardíaco regular, bulhas normofonéticas, em dois tempos,
sem sopros. Pressão arterial (PA) de 100 × 60 mmHg; frequência cardíaca (FC) de 110
bpm.
Valores Referência
Hemoglobina 9 12 a 17
Hematócrito 36 40 a 52%
vcm 88 80 a 100
hcm 23,08 26 a 34 pg
chcm 26,09 31 a 36%
Bastonetes 12% 0 a 4%
Eosinófilos 3% 0 a 1%
Basófilos 0% 0 a 1%
Monócitos 2% 2 a 8%
PCR +++ 0
DISCUSSÃO
O caso clínico em questão apresenta uma paciente com DIP, patologia que se configura
como uma emergência ginecológica, com grande morbidade, de repercussões agudas e
crônicas. A DIP revela sinais, sintomas e alterações no exame físico tão características que,
quando reunidas, conseguem configurar seus critérios diagnósticos. Isso corrobora a
importância do domínio da semiologia ginecológica na formação do médico generalista, o
qual pode se deparar com quadro semelhante ao descrito em qualquer âmbito de sua
atuação, desde a atenção primária a emergências.
A correta abordagem de qualquer ginecopatia sempre será pautada no conhecimento da
fisiologia e anatomia fisiológicas, reconhecendo-se suas alterações, bem como em uma
história clínica minuciosa. Uma anamnese e exame físico bem realizados promovem maior
acurácia no diagnóstico e uso racional dos exames complementares.
História Clínica
A correta anamnese promove a triagem de fatores de risco, perfis epidemiológicos e
sintomas que direcionam ao correto diagnóstico. É o primeiro contato entre o médico e o
paciente, momento oportuno para se estabelecer confiança mútua entre ambos os
envolvidos na consulta.
Identificação: A identificação deve ser a mais precisa possível, não podendo haver erros
ortográficos ou abreviaturas que possam ocasionar dúvidas em atendimentos posteriores.
Nesse momento, informações como idade e procedência da paciente já podem indicar
determinadas hipóteses diagnósticas.
No caso, a paciente é jovem, 17 anos de idade, e apenas com esse dado já se sabe que
ela está no grupo de risco para DIP, visto que 70% das pacientes acometidas pela doença
têm menos de 25 anos de idade. Adolescentes apresentam risco 3 vezes maior para o
acometimento de DIP. Há referências que autorizam, inclusive, o tratamento empírico de
pacientes jovens com vida sexual ativa e com dor pélvica.
A DIP apresenta maior incidência em pacientes com maior vulnerabilidade
socioeconômica, apesar de haver crescimento entre as classes com melhor qualidade de
vida.
A determinação da procedência também colabora com o traçado epidemiológico de
determinadas patologias, já que algumas doenças são mais prevalentes que outras, de
acordo com a região analisada. Sabe-se que a DIP origina-se primariamente de bactérias
sexualmente transmissíveis, como Chlamydia trachomatis, Neisseria gonorrhoeae, em 90%
dos casos, ao longo do trato genital feminino, acima do orifício interno do colo. Logo,
determinar se a paciente é proveniente de área com alta prevalência de infecção
sexualmente transmissível (IST) é de fundamental importância.
Queixa Principal: de modo fiel, devem ser descritas as expressões usadas pela paciente
para informar o que motivou a procura ao atendimento. A descrição correta da queixa e o
tempo do surgimento dos sintomas já direcionam a um diagnóstico assertivo em um
grande número de atendimentos. A paciente do caso apresenta dor intensa em baixo ventre
– “dor forte no pé da barriga”. Neste tópico da anamnese, o uso de coloquialismo e
expressões informais devem ser transcritas literalmente.
A queixa relatada pela paciente é bem comum em quadros agudos de DIP, visto que a
doença inicia-se após quadro de endometrite, que promove dor em região de hipogástrico e
à mobilização do colo do útero.
História da Moléstia Atual: Deve-se registrar a história da evolução clínica da paciente,
determinando a sequência cronológica dos sintomas e os fatores desencadeantes, de piora
ou melhora do quadro. Deve-se interrogá-la se já foi submetida a alguma intervenção e o
resultado desta.
A paciente do caso apresenta os sintomas característicos da DIP, como corrimento
vaginal purulento, comprometimento do estado geral, febre, dor em baixo ventre, o que a
enquadra no perfil clínico-epidemiológico da doença. Mais de 50% das pacientes com DIP
apresentam descarga vaginal de aspecto purulento, associada à dor infraumbilical. A febre
pode estar presente em torno de 30 a 40% dos casos. Pode haver sintomas atípicos em até
20% dos casos, como metrorragia (sangramento fora do período menstrual) e alteração do
fluxo menstrual. A progressão da doença é marcada por sintomas sistêmicos,
comprometimento do estado geral, adinamia, náuseas e vômitos. Isso nos faz manter
alerta sobre a progressão do quadro da paciente. Além disso, a piora da dor abdominal,
associada a alterações como rigidez abdominal, sugere quadro de abdome agudo, o que
constitui uma emergência cirúrgica. Apenas esses dados já norteiam a abordagem clínica
otimizada.
História Patológica Pregressa: Determinar se a paciente apresenta alguma patologia
prévia que implique evolução da atual é determinante na abordagem e no prognóstico da
doença. Por exemplo, sabe-se que a infecção gonocócica facilita a contaminação pelo vírus
da imunodeficiência humana (HIV). Pacientes com algum tipo de imunossupressão
apresentam evolução mais grave da DIP, HIV-positivos, maior chance de formação de
abscesso túbulo-ovariano. Logo, é fundamental o registro patológico pregresso.
Antecedentes Ginecológicos: Deve-se deixar registrada a data da primeira menstruação
(menarca) e a data da primeira relação sexual (sexarca). Quanto mais precoce a sexarca,
maior a vulnerabilidade à IST. Além disso, informações sobre número de parceiros sexuais
e uso de métodos contraceptivos também são imprescindíveis. No caso apresentado, a
informação de múltiplos parceiros e falha no uso de preservativo casualmente corrobora
fator de risco para IST e, consequentemente, maior vulnerabilidade para DIP.
Também devem-se registrar número de gestações, vias de parto, abortamentos e as
informações sobre o ciclo menstrual, sua regularidade, duração, fluxo. Lembrar-se de
interrogar sobre sinusorragia (sangramento durante relação sexual), sinal de lesão em colo
do útero.
História Familiar: Muitas doenças são influenciadas e até definidas geneticamente
como, por exemplo, o câncer de mama. Logo, deve-se sempre questionar a história familiar
da paciente.
Medicações em uso: Sempre interrogar sobre uso crônico ou recente de medicações,
visto que estas podem interferir no ciclo menstrual, produzir efeito imunossupressor ou
interagir com os medicamentos a serem prescritos para tratamento do quadro clínico.
Exame físico
O exame físico minucioso é fundamental para avaliação de qualquer doença do trato
genital feminino. Nos casos de DIP, ele é imprescindível, visto que os critérios diagnósticos
da doença são essencialmente clínicos, como demonstrados na Tabela 5. A presença de
um critério elaborado ou dos 3 critérios maiores + 1 critério menor determina o diagnóstico
de DIP.
Tabela 5. Critérios diagnósticos de doença inflamatória pélvica (DIP). PCR: proteína C reativa; VHS:
velocidade de hemossedimentação.
CRITÉRIOS
CRITÉRIOS MAIORES CRITÉRIOS MENORES
ELABORADOS OU
OU MÍNIMOS OU ADICIONAIS
DEFINITIVOS
Exame Físico Geral: Todo exame físico ginecológico deve ser precedido de um exame
geral amplo, abordando todos os sistemas. Observa-se que o caso clínico apresenta
paciente em estado de emergência, necessitando de uma conduta rápida, assertiva e
eficaz. Logo, a percepção de todo o exame físico é fundamental para uma abordagem
exitosa.
Estado Geral: Paciente é admitida com estado geral ruim, desidratada 2+/4+, com febre
e sinais de toxemia. Isto já sugere um quadro geral de gravidade que exige uma conduta
mais enérgica.
Sistema Cardiovascular: Apresenta ritmo cardíaco regular, mas com leve hipotensão e
taquicardia (FC > 100 bpm), sinais que sugerem sepse.
Sistema Respiratório: O que marca a gravidade do quadro é a taquipneia (FR > 20 irpm).
Abdominal: O caso aponta para sinais de emergência cirúrgica. A paciente apresenta
distensão abdominal, associada à rigidez, e dor à descompressão em fossa ilíaca direita –
sinais claros de irritação peritoneal. Em contexto de DIP, deve-se sempre aventar a
possibilidade de ruptura de abscesso túbulo-ovariano, uma emergência cirúrgica.
Extremidades: A paciente não apresenta alterações nas extremidades, no entanto, em
casos mais graves encontram-se sinais de hipoperfusão periférica, marcadas por aumento
no TEC > 2,5 segundos.
Exame Ginecológico
Inspeção
O exame físico ginecológico inicia-se com a inspeção estática da vulva. Nesse
momento, devem-se observar monte de Vênus, grandes lábios, glândulas de Bartholin,
pequenos lábios, hímen, fúrcula vaginal e, posteriormente, o períneo. Na DIP, não se espera
alteração nessas estruturas. Elas podem ser suscetíveis a doenças dermatológicas,
neoplasias, reparos de rafias pós-parto, por isso, essa fase do exame físico não pode ser
suprimida, apesar de não haver alterações típicas no caso clínico em questão.
EXAMES COMPLEMENTARES
Após anamnese detalhada e bem estruturada e um exame físico sistemático, podem ser
solicitados, de modo racional, exames complementares, para corroborar as hipóteses
diagnósticas aventadas e guiar a conduta do profissional.
Vale ressaltar que, em casos de abdome agudo (dor intensa, rigidez, defesa involuntária
durante palpação) com instabilidade hemodinâmica (hipotensão, taquicardia, perfusão
prejudicada), esses exames não devem retardar a abordagem cirúrgica.
Exames Laboratoriais
Em doenças infecciosas, sempre é prudente solicitar hemograma completo, que pode
evidenciar sinais de anemia aguda, leucocitose com desvio à esquerda (aumento do
número total de leucócitos e de células brancas jovens, como bastões, indícios de alta
resposta inflamatória na tentativa de combater a infecção), que é um critério menor de DIP.
Podem-se solicitar também provas inflamatórias, como proteína C reativa (PCR) e
velocidade de hemossedimentação (VHS), outros critérios menores para DIP.
A paciente do caso apresenta alterações no hemograma, elevação de PCR e VHS, o que
corrobora ainda mais o diagnóstico.
Exames de Imagem
Vários exames de imagem podem ser elencados para definir o diagnóstico de DIP, no
entanto, deve-se sempre pensar na disponibilidade técnica, no custo-benefício e nas
condições da paciente para submeter-se ao exame.
Nessas variáveis, a ultrassonografia, seja ela abdominal ou transvaginal, ganha
importante destaque, tanto pela acurácia como pelo custo. Com ela, determinam-se
massas pélvicas, visualizam-se e dimensionam-se os órgãos genitais internos, bem como
identificam-se alterações nos mesmos e avalia-se a presença de líquido na cavidade
abdominal.
No caso em questão, apesar da paciente já apresentar uma clínica bem característica
da DIP, a ultrassonografia corroborou para identificar a presença de líquido livre na
cavidade, associada a um abscesso > 10 cm, já sendo indicação de abordagem cirúrgica.
Conclui-se, portanto, após a apreciação desse caso clínico ilustrativo, a importância de
uma avaliação sistemática e pormenorizada de qualquer patologia. Lembrando-se sempre
que existe uma sequência racional no interrogatório e na avaliação física das pacientes.
Isso garantirá mais acertos nos diagnósticos e o uso mais racional dos exames
complementares.
CASO CLÍNICO 3
ANAMNESE
Identificação: F.M.T.S, 36 anos de idade, branca, casada há 8 anos, professora, católica,
natural de Sobral (CE).
Queixa Principal: Dor pélvica de forte intensidade há 4 anos.
História da Moléstia Atual: Paciente relata quadro de dor pélvica em cólicas,
intermitente, de moderada intensidade, que piora no período menstrual, iniciada desde a
menarca, mas com piora há cerca de 4 anos, o que a faz procurar a emergência diversas
vezes, apesar do uso de anti-inflamatórios não esteroides (AINE) como naproxeno ou
cetoprofeno com melhora parcial do quadro. Relaciona a piora da dor ao período de dois ou
três dias antes do período menstrual, de caráter progressivo, apesar de queixar-se em
outros períodos do ciclo, que a faz ter limitações na qualidade de vida, perda de dias de
trabalho e ansiedade. Apresenta quadro de constipação e tenesmo durante o período
menstrual, além de dispareunia de profundidade, que a faz evitar relações sexuais.
Procurou diversos médicos nesse período, sendo orientada com o uso de sintomáticos,
tranquilizada quanto ao caráter benigno das dores e encaminhada para acompanhamento
psicológico devido à desproporção entre as queixas e os achados nos exames solicitados.
Fez uso de anticoncepcional combinado oral durante dois anos, tendo melhora parcial dos
sintomas, porém suspendeu seu uso há dois anos por desejo de gestação. Devido ao
insucesso na tentativa de engravidar, foi encaminhada ao ginecologista para investigação
de infertilidade.
Antecedentes ginecológicos:
• Menstruais: Menarca aos 09 anos de idade, ciclo menstrual curto, com fluxo
aumentado, associado à dismenorreia (dor pélvica durante o período menstrual)
progressiva
• Sexuais: Sexarca aos 17 anos de idade, dois parceiros sexuais, vida sexual ativa,
porém com frequência reduzida devido à dispareunia de profundidade (dor no
fundo da vagina durante o ato sexual) nos últimos anos, que a faz evitar relações
sexuais. Fez uso de anticoncepcional oral combinado prescrito na Unidade Básica
de Saúde durante dois anos, porém suspendeu seu uso também há cerca de dois
anos pelo desejo de gestação. Nega uso de outros contraceptivos
EXAMES COMPLEMENTARES
Ultrassonografia com preparo intestinal para mapeamento de endometriose: lesão
sugestiva de foco de endometriose em fórnice vaginal de 2 cm, ligamentos uterossacros
espessados bilateralmente, lesão única de menos de 2 cm em parede de reto com invasão
de camada muscular a 12 cm da borda anal.
Hemograma: ver Tabela 6.
Tabela 6. Hemograma.
VALORES VALORES DE
ERITROGRAMA
ENCONTRADOS REFERÊNCIA
DISCUSSÃO
A endometriose é uma patologia ginecológica benigna que consiste na presença de
tecido endometrial (glândulas endometriais e estroma) fora de sua localização habitual no
endométrio, induzindo uma reação de inflamação crônica. A incidência dessa doença vai de
10 a 15% em mulheres em fase fértil, podendo chegar a 70% e 48% em pacientes com dor
pélvica crônica e infertilidade, respectivamente. Os números da endometriose podem ser
subestimados, pois a maioria das pacientes são assintomáticas, podendo corresponder a
um problema de saúde pública ainda maior. Dependendo do local dos implantes
endometriais, três tipos clínico-patológicos de endometriose podem ser distinguidos:
endometriose peritoneal superficial, endometriose de ovário (lesões císticas denominadas
endometriomas) e endometriose profunda.
O diagnóstico de endometriose é cirúrgico e histopatológico, porém a suspeita e o
diagnóstico clínico são importantes para a diminuição do tempo entre o início dos
sintomas e o diagnóstico, contribuindo para uma melhor qualidade de vida dessas
pacientes. Os principais fatores associados a esta doença são dor pélvica crônica,
infertilidade e presença de massa pélvica em mulheres durante a vida reprodutiva, de forma
isolada ou associada. O diagnóstico muitas vezes é difícil, devendo-se excluir outras
patologias que cursam com quadro clínico semelhante, como síndrome do intestino
irritável, DIP, aderências, neoplasias e outras doenças.
Confirmado o diagnóstico de endometriose, existem duas possibilidades de tratamento:
clínico e cirúrgico. Porém, a escolha entre essas duas opções é complexa e controversa,
visto a heterogeneidade das condições clínicas, idade, condição hormonal, bem como seu
desejo ou não de engravidar, decorrentes da enorme associação entre esta doença e
infertilidade. A eficácia do tratamento pode ser mensurada por avaliação da melhora da dor,
qualidade de vida e taxas de fertilidade.
História Clínica
No caso em questão, a paciente está em idade fértil e queixa-se de dor pélvica crônica,
muito comum em emergências e muitas vezes subestimadas com prescrições
medicamentosas para os sintomas, sem a devida investigação e melhor conduta. Dor
pélvica crônica é definida como dor pélvica não menstrual ou não cíclica, com duração de
pelo menos seis meses, suficientemente intensa para interferir em atividades habituais e
que necessita de tratamento clínico ou cirúrgico. Pacientes com endometriose costumam
procurar diversos níveis de atenção à saúde sem o diagnóstico, às vezes sendo essa sua
dor associada a possíveis alterações de humor, muito comum em quem precisa conviver
com uma dor crônica e incapacitante. Por esses motivos, através da semiologia
ginecológica, pode-se suspeitar da consição clínica e solicitar os exames adequados para o
diagnóstico e a definição da terapêutica.
Anamnese: Endometriose é uma doença comum em mulheres durante a idade fértil,
devendo-se suspeitar dessa condição em pacientes com dor pélvica crônica nessa faixa
etária. O pico de incidência da endometriose varia entre 30 e 45 anos de idade. Além disso,
as mulheres de raça branca e asiática apresentam maior fator de risco, quando as
comparadas às de outras raças.
História da Moléstia Atual: É importante questionar a paciente sobre seus sintomas,
valorizando as queixas que ela julgar importante. A paciente em questão apresenta dor
pélvica intermitente e progressiva, associada a piora durante o período menstrual, de
intensidade forte o suficiente para limitar sua qualidade de vida e causar isolamento, além
de dispareunia de profundidade, que a faz recusar a atividade sexual, tenesmo (sensação
de desejo de defecar mesmo estando com o reto vazio) e constipação. Com a finalidade de
quantificar esses sintomas, pode-se usar a escala visual de dor. Pacientes com
endometriose normalmente apresentam dor em grau maior que sete na escala visual
analógica.
Indagações sobre a qualidade de vida são importantes, como: se há necessidade de
faltar trabalho ou evento social na vigência da dor, se há necessidade de uso corriqueiro de
medicações analgésicas e necessidade de ir ao pronto-atendimento. Isso é importante para
evitar o atraso diagnóstico e a progressão da doença.
História Ginecológica: Observa-se um maior número de casos de endometriose em
pacientes nulíparas, devendo ser causada pelo maior tempo de exposição estrogênica na
paciente nuligesta, sem a proteção progestacional da gestação. Na avaliação da
esterilidade, estima-se que em 30 a 50% dos casos exista associação à endometriose, sem
no entanto estar estabelecida a causa desta relação. Percebe-se que a endometriose é
mais frequente em pacientes com menarca precoce e com ciclos menstruais curtos.
História Familiar: Uma história familiar positiva está associada à endometriose, mas
não está claro se esta associação pode ser explicada por mecanismos genéticos,
elementos ambientais ou apenas uma maior consciência global. A paciente em questão
relata quadro clínico semelhante ao da sua mãe.
Exame Físico
Em geral, o exame físico da endometriose é muito variável, dependendo basicamente do
local de implantação do tecido endometrial. Na maioria das vezes, o exame pélvico, da
vagina e do colo do útero não apresentam sinais da doença. Preferencialmente, o exame
físico deve ser realizado durante o período menstrual, quando a sensibilidade do exame é
aumentada. Na paciente em questão, podem-se observar ao exame especular lesões
azuladas em região de fórnice posterior da vagina, que podem ser sensíveis e sangrarem à
manipulação do espéculo. Na avaliação da endometriose, o toque bimanual é importante,
pois com ele podem-se perceber alterações que, junto à história clínica, aumentam a
suspeita de endometriose. O útero pode estar retrovertido, fixo, com dor à mobilização do
colo uterino, aumento da sensibilidade, com massas ou nódulos em fórnice posterior e em
região anexial. O toque retal é de extrema importância para avaliar massas ou
acometimento retal, além da melhor definição dos uterossacros. Contudo, deve-se lembrar
que o exame físico pode ser impreciso, principalmente em pacientescom lesões
extragenitais.
Exames complementares
Adicional ao exame físico e à anamnese, pode-se proceder à ultrassonografia com
preparo intestinal para mapeamento de endometriose como exame de eleição no
diagnóstico, devido a seu baixo custo, facilidade de acesso e alta acurácia, apesar de ser
operador-dependente. A ultrassonografia possibilita a detecção de lesões ovarianas,
subperitoneais anteriores (parede da bexiga e inserção dos ligamentos redondos) e
subperitoneais posteriores (ligamento uterossacro, fórnice vaginal, fundo de saco de
Douglas, reto e junção retossigmoide). O diagnóstico da endometriose profunda é variável
conforme os grupos, variando entre sensibilidades de 71 a 97% e especificidades entre 85 e
100% com a ultrassonografia. Para endometriomas, a sensibilidade varia entre 64 e 89% e a
especificidade entre 89 e 100%. Porém, este exame não permite a confirmação de
implantes peritoneais superficiais. O exame também possibilita averiguar aderências,
avaliando dinamicamente tanto a mobilidade quanto a fixação dos órgãos envolvidos.
A videolaparoscopia diagnóstica é capaz de avaliar a região pélvica e possibilita, além
da coleta de material para biópsia confirmatória, o tratamento das lesões existentes.
Porém, a videolaparoscopia é um procedimento invasivo e de alto custo, devendo ser
realizado em ambiente cirúrgico sob anestesia geral. Portanto, existem critérios durante a
abordagem das pacientes com suspeita clínica de endometriose e, apesar de sua alta
sensibilidade e especificidade, não é um exame a ser indicado na abordagem inicial.
Exames como colonoscopia, ressonância magnética de pelve, ultrassonografia endorretal e
urografia excretora devem ser selecionados caso a caso, dependendo do quadro clínico, e
não indicados de rotina.
Quanto a exames laboratoriais, muitos estudos foram realizados para descobrir quais
são úteis no diagnóstico da endometriose, porém sua sensibilidade e especificidade não
são suficientes para usá-los de forma isolada, sendo na maioria das vezes importantes
para exclusão de outras causas de dor pélvica. O marcador sérico mais estudado na
endometriose foi o CA125, uma glicoproteína identificada em vários tecidos na vida adulta,
com endométrio, endocérvice, epitélio das tubas uterinas, pleura e peritônio; dessa forma
não é um marcador exclusivo da endometriose, podendo estar elevado em várias situações
como observado na Tabela 7. Seu uso é mais importante como indicador de progressão de
doença após tratamento do que no diagnóstico.
Tabela 7. Afecções ginecológicas benignas, malignas e doenças sistêmicas que apresentam aumento
do CA125.
Endometriose
Leiomiomas
Síndrome de Meigs
Menstruação
Gravidez
DIP
Cirrose hepática
Diabetes
Derrame pleural
Irradiação prévia
Derrame pleural
Adenocarcinoma de cérvice
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Capítulo 19
Anamnese Neurológica
Autores: Josué da Silva Brito, Nícollas Nunes Rabelo
ANAMNESE
Identificação: Paciente do sexo feminino, 42 anos de idade,
negra, casada, natural de Paracatu (MG), balconista, com ensino
médio completo.
Queixa Principal: Queixa-se de “apagão” e perda de movimento e
sensibilidade.
História da Moléstia Atual: Paciente relata perda transitória da
consciência (PTC) há 5 dias, ocorrida no período noturno, de
maneira súbita, precedida por náuseas e palpitação. Nega vômitos,
tontura, distúrbios visuais e auditivos prévios. Desconhece o que
ocorreu durante o evento. Acompanhante não observou
movimentação incomum e refere que o evento durou 7 minutos.
Após o acontecido, procurou o serviço de Emergência, apresentando
hemiplegia e hemiparesia nos membros superior e inferior do lado
esquerdo. Recebeu tratamento de suporte, sendo realizada
tomografia computadorizada que evidenciou microangiopatia
isquêmica, hipodensidade e apagamento dos sulcos corticais em
região parietal.
Revisão de Sistemas: Nega dispneia, edema, confusão, fadiga,
alterações gastrintestinais e urinárias. Revelou alteração do humor e
incapacidade para realizar funções inerentes a sua profissão desde
o evento.
Antecedentes Pessoais: Paciente relata que crescimento e
desenvolvimento neurológicos se deram de forma adequada à faixa
etária. Nega cirurgias prévias. Há 20 anos foi diagnosticada com
cardiopatia chagásica e hipertensão arterial sistêmica (HAS). Nega
diabetes mellitus, neoplasias, doenças hematológicas e
neurológicas. Aos 38 anos de idade, apresentou acidente vascular
cerebral isquêmico (AVCI), sendo internada por 4 dias, sem sequelas
motoras ou sensitivas. Faz uso de losartana 40 mg (1-0-0), atenolol
25 mg (1-0-0), sinvastatina 40 mg (0-0-1) e ácido acetilsalicílico
(AAS) 100 mg (0-1-0). Nega alergia a medicamentos, alimentos e
agressores ambientais. Está com o cartão vacinal atualizado.
História Familiar: Mãe apresenta HAS há 10 anos. Pai faleceu há
30 anos, aos 55 anos de idade, por causa desconhecida. Era
chagásico.
Suspeita diagnóstica: AVCI.
Conduta: Solicitados angiorressonância magnética do crânio e
eletrocardiograma. Paciente conduzida para cardiologia e
hematologia para avaliação etiológica. Encaminhada para
psicologia, fisioterapia e terapia ocupacional.
DISCUSSÃO
Anamnese neurológica
A anamnese neurológica é a parte mais importante da consulta,
superando o exame físico e as investigações complementares, visto
que possibilita a coleta de dados epidemiológicos e de informações
sobre a doença e o paciente. A anamnese é composta de
identificação, queixa principal e história da moléstia atual,
interrogatório sintomatológico, antecedentes pessoais e história
familiar3.
Identificação
A identificação do paciente é composta por nome, idade, estado
civil, sexo, cor, etnia, profissão, procedência e escolaridade, fator de
extrema importância que define pontes de corte de exames
neuropsicomotores, como o Miniexame do Estado Mental. Esses
dados caracterizam fatores epidemiológicos relacionados a
moléstias, facilitando a interpretação do quadro.
AVC
Hiperaguda Segundos
Ataque epiléptico
Síncope vasovagal
Lesões compressivas
Aguda Minutos
Doenças vasculares
Doenças tóxico-metabólicas
Doenças tóxico-metabólicas
Doenças infecciosas ou imunomediadas
Subaguda Mais de 72 horas Neoplasias
Miastenia grave
Hemorragia subdural
Crônica Progressão em meses ou dias Síndrome de Guillain-Barré
Malignidade
Doenças degenerativas
Doenças do neurônio motore
Interrogatório Sintomatológico
Em neurologia, deve incluir a investigação sobre vertigem,
cefaleia, dor, distúrbio sensitivo, distúrbio motor, alteração de
memória, transtorno do sono, alteração de intelecto e distúrbios do
controle esfincteriano.
Antecedentes Pessoais
A investigação de antecedentes pessoais busca elucidar
aspectos funcionais e patológicos do paciente desde o pré-natal até
o momento da consulta. Nesta etapa, deve-se caracterizar a
gestação (duração e intercorrências médicas) e o parto (tipo e
condição ao nascer), o desenvolvimento neuropsicomotor, avaliar a
história de traumas, cirurgias, alergias, infecções e intoxicações,
doenças que podem comprometer o sistema nervoso (como
diabetes mellitus, hipertensão arterial, doença de Chagas, sífilis,
tuberculose, meningite e encefalite), história vacinal, uso abusivo de
álcool e drogas ilícitas, uso de medicação.
História Familiar
Objetiva identificar condições genéticas (como doença de
Huntington, doença de Charcot-Marie-Tooth, atrofia muscular
espinhal infantil e juvenil, ataxia de Friedreich, doença de Wilson,
síndrome de Rett, síndrome do X frágil etc.) e congênitas, e
influências ambientais e socioeconômicas nas manifestações
clínicas. Ela é composta pela indagação de doenças familiares,
condições de moradia, relações familiares e aspectos econômicos
da família do paciente.
Anamneses Especiais
Cefaleia
Responsável por 25% das queixas em neurologia. A investigação
desse sintoma envolve a caracterização de tempo de dor e sua
evolução (definindo os sintomas não só no momento do relato, mas
também no período antecedente), local da dor, se uni ou bilateral,
irradiação, frequência (diária, semanal ou mensal), duração do
ataque, intensidade da dor, fatores que servem de gatilho ou alívio
da dor, sintomas associados (como náuseas e vômitos, fotofobia,
fonofobia), uso de medicações, traumas ou procedimentos recentes
na região. É necessário também se avaliar a ocorrência de mais de
um tipo de dor.
A história auxilia na diferenciação de cefaleias primárias (como a
enxaqueca com ou sem aura, cefaleia em salvas e em tensão) das
secundárias (como dores associadas a traumas, distúrbios
metabólicos, alterações vasculares e ao uso e retirada de
substâncias), para tanto é necessário se atentar a bandeiras
vermelhas (um conjunto de dados epidemiológicos, sinais e
sintomas que servem de alerta para cefaleias secundárias e são
fundamentos para uma investigação por neuroimagem). A Tabela 3
retrata as bandeiras vermelhas e diagnósticos diferenciais.
Tabela 3. Bandeiras vermelhas na cefaleia.
BANDEIRA VERMELHA DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Há algum tipo de sensação ou sintoma antes da A aura ocorre na convulsão focal e auxilia na
convulsão? identificação do local da convulsão
Epilepsia do lobo temporal – paciente apresenta déjà
vu e epigastralgia
Epilepsia do lobo parietal – tem como aura a
parestesia
Epilepsia do lobo occipital – cegueira transitória,
distorções visuais
Qual o período máximo sem convulsões? Qual o Essas questões servem como guia para escolha da
medicamento utilizado no período? medicação
Qual a frequência de procura ao departamento de Outra questão que permite aferir de forma objetiva o
emergência? sucesso do tratamento
Vertigem
O paciente que se queixa de vertigem, frequentemente, utiliza o
termo “tontura”, porém esse é um termo impreciso que precisa ser
melhor investigado. Tontura pode significar atordoamento, cefaleia,
confusão mental, visão turva, em suma, um grande número de
sensações subjetivas. A vertigem, sim, consiste na sensação de
movimento do próprio corpo ou do ambiente em volta, com a
sensação de eminente queda. A história da vertigem deve ser
focada em identificar fatores de risco para doenças
tromboembólicas ou vasculares, doenças neurológicas associadas,
história de sintomas semelhantes, sintomas associados (como
auditivos), duração do episódio, fatores associados à lesão central
isquêmica, como hipertensão arterial, diabetes mellitus, idade
avançada e tabagismo. Doenças tromboembólicas e vasculares
estão associadas a vertigens centrais, as quais apresentam duração
maior e não se associam, normalmente a sintomas auditivos.
Transtornos do Sono
Estima-se que apresentam incidência de 25 a 30% em adultos em
geral. A investigação de transtorno do sono deve incluir a
caracterização de todo o sono, o que inclui o horário em que se
deita, tempo que se demora para dormir, duração do sono, presença
de despertares noturnos, tempo que se gasta para se levantar. É
preciso caracterizar o sintoma, investigando seu início, duração,
frequência, fatores de melhora e piora no padrão do sono, impacto
na vigília (sonolência diurna, perturbações do humor,
comprometimento do desempenho escolar ou profissional,
diminuição de atenção, concentração ou memória,
comprometimento de relações interpessoais, alucinações,
movimentos espontâneos), sintomas associados, o que inclui
ortopneia, ronco, apneia, cefaleia matinal, refluxo, noctúria,
cataplexia, congestão nasal, disfunção erétil, dispneia paroxística
noturna, sonambulismo, movimento de pernas, bruxismo,
despertares noturnos (sua duração, precipitantes, frequência), uso
de fitoterápicos e medicamentos para indução do sono,
investigando-se também efeitos de tratamentos anteriores, e
consumo de bebidas energéticas e cafeína. Deve-se também
entrevistar o parceiro do paciente, visto que muitas manifestações
não são percebidas ou recordadas.
PRÁTICAS BASEADAS EM
EVIDÊNCIAS
A anamnese é verdadeiramente útil para o diagnóstico de
doenças?
Em 1975, Hampton et al. demonstraram que a anamnese pode
definir 83% dos diagnósticos em ambulatórios. Após essa avaliação,
houve grande evolução das tecnologias complementares, contudo, a
anamnese continua tendo papel fundamental. Conforme avaliaram
Dijk et al., a acurácia diagnóstica do conjunto de história clínica,
exame físico e eletrencefalograma é superior a 85% para PTC.
Portanto a anamnese persiste como ferramenta essencial para
realização do diagnóstico médico.
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Capítulo 20
ANAMNESE
Identificação: Paciente do sexo masculino, 45 anos de idade,
motorista.
Queixa Principal: “Dificuldade para sentir cheiro e sabor”.
História da Moléstia Atual: O paciente sofreu um acidente
automobilístico grave há aproximadamente 30 dias. Relata que
estava utilizando cinto de segurança e no momento do acidente
perdeu a consciência. Ficou internado por poucos dias sob
observação clínica, não sendo necessário nenhum tipo de tratamento
cirúrgico. Queixa-se de perda do olfato e do paladar progressiva
desde então.
HPP: Previamente hígido. Nega comorbidades e uso de
substâncias ilícitas.
EXAME FÍSICO
Geral: nenhuma informação significativa.
Exame Neurológico: Observa-se anosmia nas duas narinas. O
paciente não conseguiu identificar o odor de café e de canela em pó.
O restante do exame neurológico estava completamente normal,
inclusive as funções mentais superiores.
Suspeita: Anosmia desencadeada após traumatismo
cranioencefálico (TCE) por lesão dos nervos olfatórios na lâmina
cribiforme.
Conduta: Solicitada tomografia computadorizada (TC) do crânio
para descartar outras lesões traumáticas associadas ao TCE, como
fraturas ou hematomas.
EXAMES COMPLEMENTARES
TC do crânio sem alterações.
DISCUSSÃO
O teste do nervo olfatório deve ser feito em uma narina de cada
vez, com o paciente de olhos fechados (Figura 1).
Figura 1. Teste do nervo olfatório.
Fonte: https://site.medicina.ufmg.br/neuroexame/imagePage.php?
imageLocation=/images/.
ANAMNESE
Identificação: Paciente do sexo feminino, 45 anos de idade,
empresária.
Queixa Principal: “Mancha no olho direito”.
História da Moléstia Atual: A paciente é sabidamente portadora
de esclerose múltipla em tratamento regular com medicação de uso
contínuo, porém refere que há 3 dias apresenta mancha e
borramento visual no olho direito, associados a dor retro-ocular
ipsolateral. Relata ainda que essa dor atrás do olho direito piora,
quando mexe ou fecha as pálpebras com força.
HPP: Portadora de esclerose múltipla desde os 35 anos de idade.
Medicação: utiliza apenas dimetilfumarato para tratar a doença
neurológica.
EXAME FÍSICO
Geral: nenhuma informação significativa.
Exame Neurológico: Acuidade visual – 20/20 em olho esquerdo
(OE) e 20/70 em olho direito (OD); pupilas isocóricas e fotorreagentes
(PIFR), porém observa-se um defeito pupilar aferente relativo (DPAR)
em OD (Vídeo 1 e Figura 3). Campimetria visual de confrontação:
resultado sem informação significativa. O restante do exame
neurológico estava normal.
Vídeo 1. Defeito pupilar aferente relativo apresentado pela paciente do caso.
EXAMES COMPLEMENTARES
RM do encéfalo demonstrou nova lesão inflamatória em nervo
óptico direito, confirmando a hipótese de neurite óptica, além de
revelar outras lesões desmielinizantes em SNC compatível com
esclerose múltipla.
DISCUSSÃO
Na anamnese de um paciente com queixa de perda visual ou
suspeita de neurite óptica, deve-se sempre caracterizar a forma de
apresentação do sintoma e arguir se há dor associada.
O sintoma visual normalmente pode se iniciar de forma súbita,
aguda ou progressiva.
Na forma súbita, o paciente relata o que estava fazendo, quando
ocorreu o evento, ou queixa-se de que já acordara com o déficit.
Quadros súbitos normalmente sugerem patologias vasculares,
sendo, neste caso, a neuropatia óptica isquêmica aguda (NOIA) a
forma mais comum. Ocorre isquemia na papila do nervo óptico e por
isso há queixa de perda visual abrupta. A NOIA não arterítica
(relacionada a idade, hipertensão arterial sistêmica [HAS] ou diabetes
mellitus [DM]) habitualmente cursa sem dor, e a forma arterítica
(relacionada principalmente à arterite de células gigantes) causa
bastante dor associada ao quadro visual.
No caso dessa paciente, os sintomas evoluíram ao longo de 3
dias, ou seja, há um quadro de redução de acuidade visual com
apresentação aguda (não deve ser NOIA).
É importante pontuar que o sintoma de dor ao movimentar os
olhos sugere bastante o diagnóstico de neurite óptica. Muitas vezes,
o paciente não relata isso espontaneamente, portanto, o médico deve
sempre perguntar ativamente durante a anamnese. Em alguns casos,
pode haver inclusive dor à compressão do globo ocular.
Ao movimentar os olhos naturalmente ocorre tração do nervo
óptico, porém, no caso dessa paciente, há uma lesão inflamatória, o
que causa a dor característica.
O exame do nervo óptico pode ser subdividido em quatro partes:
ANAMNESE
Identificação: Paciente do sexo masculino, 65 anos de idade,
aposentado.
Queixa Principal: “Visão dupla”.
História da Moléstia Atual: O paciente relata que há 2 dias
acordou pela manhã e percebeu que estava enxergando dobrado. As
imagens sobrepunham-se na vertical e o quadro melhorava
completamente, quando ocluía um olho (diplopia binocular).
Apresentava dificuldade para ler (tinha que fechar um dos olhos),
pois as letras do livro estavam desalinhadas. Nega outros sintomas
neurológicos como desequilíbrio ou alteração da fala.
HPP: Previamente hipertenso e diabético. Nega uso de
substâncias ilícitas.
EXAME FÍSICO
Geral: não há informação significativa.
Exame Neurológico: Pupilas isocóricas e fotoreagentes. Observa-
se discreto estrabismo vertical durante a inspeção (Figura 9).
Motricidade ocular extrínseca (MOE) aparentemente normal. Teste
da cobertura ocular alternada – confirmada hipertropia em OE (Vídeo
2).
Figura 9. Estrabismo vertical ao olhar primário.
Fonte: arquivo próprio.
EXAMES COMPLEMENTARES
RM do encéfalo sem alterações.
QUESTÕES PARA DISCUSSÃO
1. O que deve ser questionado na anamnese de um paciente
com diplopia?
2. Como realizar o exame neurológico direcionado nesse
contexto?
3. Em quadro de diplopia vertical, como diferenciar lesão
central de lesão periférica?
4. Quais as principais causas de diplopia/estrabismo
vertical?
DISCUSSÃO
A diplopia pode ser ocasionada por doenças neurológicas
(maioria) ou oftalmológicas.
Dentre as causas neurológicas, há as lesões centrais ou
periféricas.
Centrais (lesões de núcleos ou vias): acidente vascular cerebral
(AVC) de tronco encefálico, placas desmielinizantes, cavernomas,
neoplasias de SNC.
Periféricas (afecções de MOE ou lesões de nervos III, IV ou VI):
doença ocular tireoidiana, pseudotumor orbitário, mononeuropatia
microvascular, lesões traumáticas.
O primeiro passo na anamnese desses casos é determinar se a
diplopia é monocular ou binocular. Se a visão dupla melhorar ao
ocluir um dos olhos (binocular), há causas neurológicas; se a visão
dupla continuar ao ocluir um olho (monocular), causas
oftalmológicas.
O segundo passo seria observar se as imagens sobrepõem-se na
horizontal ou vertical:
ANAMNESE
Identificação: Paciente do sexo feminino, 25 anos de idade,
caucasiana, estudante universitária.
Queixa Principal: “Dormência no rosto”.
História da Moléstia Atual: A paciente relata que há
aproximadamente 3 dias vem percebendo dormência no lado
esquerdo do rosto. Sente que a sensação é mais perceptível em
região perioral ipsolateral, tendendo a poupar a testa. Procurou
atendimento médico hoje, porque o quadro não está melhorando; na
verdade a sensação de dormência intensificou-se. Atualmente nega
qualquer outro sintoma neurológico associado.
Informou ainda que há 6 meses apresentou formigamento em
membro superior direito que durou ininterruptamente por 05 dias.
Procurou ortopedista na época, porém evoluiu com melhora
espontânea.
HPP: Previamente hígida. Refere tabagismo e etilismo social.
Interrogatório por Órgão e Aparelhos: Ao ser questionada sobre
sintomas esfincterianos, lembrou-se de que há aproximadamente 01
ano teve quadro autolimitado de urgência urinária que melhorou ao
longo de uma semana.
EXAME FÍSICO
Exame neurológico: Sensibilidade tátil preservada em face.
Hipoestesia dolorosa em hemiface esquerda percebida ao exame
físico, principalmente em região perioral. Trofismo e força do
masseter parecia preservada bilateralmente. O restante do exame
neurológico estava completamente normal.
Suspeita: Lesão de núcleo do nervo trigêmeo em região de
hemiponte esquerda. Pelo histórico de outros sintomas neurológicos
prévios em diversas topografias, pode-se suspeitar de esclerose
múltipla.
Conduta: Solicitada RM do encéfalo para confirmar se há lesão
pontina recente e ou lesões desmielinizantes em outras topografias.
EXAMES COMPLEMENTARES
RM do encéfalo com achados compatíveis com doença
desmielinizante, incluindo uma pequena lesão em hemiponte
esquerda com discreto realce ao contraste (gadolínio) (Figuras 18 e
19).
DISCUSSÃO
No exame do nervo trigêmeo, testa-se a sensibilidade tátil e a
sensibilidade dolorosa da face e de parte do couro cabeludo:
ANAMNESE
Identificação: Paciente do sexo feminino, 30 anos de idade,
médica.
Queixa Principal: “Boca torta”.
História da Moléstia Atual: Relata que desde ontem vem
percebendo que a boca está ficando torta, porém hoje o quadro
intensificou-se. Notou que o lado esquerdo do rosto está nitidamente
mais fraco, inclusive para fechar os olhos. Nega alteração do paladar
e outros sintomas neurológicos.
HPP: Previamente hígida. Utiliza apenas anticoncepcional oral.
Nega uso de substâncias ilícitas.
Interrogatório por Órgão e Aparelhos: Ao ser questionada
ativamente, lembrou-se de que há aproximadamente 1 mês teve uma
suposta crise de labirintite (sic) com vertigem que durou uma
semana.
EXAME FÍSICO
Geral: Não há informação significativa.
Exame Neurológico: Paralisia facial padrão periférica à esquerda
com lagoftalmo e fenômeno de Bell. Sinais de Bergara-Wartenberg e
do platisma de Babinski presentes. Restante do exame neurológico
sem alterações.
Suspeita: Paralisia facial periférica (PFP) de etiologia a esclarecer:
Bell versus causa secundária.
Conduta: Pelo histórico de sintoma neurológico prévio (vertigem
contínua por dias), pode ser lesão de tronco encefálico. Solicitou-se
RM do encéfalo para descartar causas secundárias de paralisia.
EXAMES COMPLEMENTARES
RM do encéfalo demonstrou lesões compatíveis com diagnóstico
de esclerose múltipla, inclusive uma lesão pontina à esquerda em
topografia de trajeto do nervo facial (Figura 23).
Figura 23. Lesão pontina à esquerda justificando a paralisia facial periférica
da paciente.
DISCUSSÃO
Nesse cenário não se pode esquecer de perguntar ao paciente
três informações:
ANAMNESE
Identificação: Paciente do sexo masculino, 72 anos de idade,
aposentado.
Queixa Principal: “Tudo rodando”.
História da Moléstia Atual: Paciente relata que está desde ontem
sentindo tontura vertiginosa, como se o mundo estivesse se
mexendo, além de náuseas, vômitos e desequilíbrio. Procurou
atendimento médico hoje, pois os sintomas pioraram. Não tem
conseguido alimentar-se corretamente. Necessita de algum familiar
ao seu lado, pois só consegue deambular com apoio ou ajuda. A
vertigem tem duração contínua, independente da posição que fique.
Nega disartria, diplopia, disfagia e disfonia.
HPP: Portador de HAS e DM. Utiliza anti-hipertensivos e
hipoglicemiantes orais de uso contínuo há alguns anos. Não houve
nenhuma mudança recente nas medicações.
EXAME FÍSICO
Geral: desidratação (+2/+4). Ausculta cardiopulmonar fisiológica.
Paciente eupneico em ar ambiente.
Exame neurológico: No head impulse test para pesquisa do reflexo
oculovestibular (ROV) observa-se que o mesmo está abolido à
esquerda. No exame da motricidade ocular extrínseca, flagra-se
nistagmo horizontal com fase rápida para direita, que piora ao olhar
para direita e melhora ao olhar para esquerda.
No teste da cobertura ocular alternada (cover eye test), não se
evidenciam estrabismo ou desalinhamento dos olhos. Provas
cerebelares estavam normais: eumetria e eudiadococinesia.
Desequilíbrio com tendência à queda para esquerda. Marcha de
Fukuda com desvio para esquerda.
Suspeita: Neurite vestibular – causa periférica.
Conduta: Solicitada RM do encéfalo para descartar evento central
(AVC) por se tratar de paciente idoso com fatores de risco
cardiovascular, porém exame físico compatível com causa periférica.
Internação hospitalar, sintomáticos realizados via endovenosa e
hidratação venosa.
EXAMES COMPLEMENTARES
RM do encéfalo sem alterações.
DISCUSSÃO
Em medicina, a tontura é um tema que a maioria dos médicos não
gostam ou simplesmente evitam.
Talvez isso ocorra, porque nesse cenário a anamnese e o exame
físico são essenciais (mais importantes que os exames
complementares), além disso, rotineiramente os pacientes com
tontura têm má percepção dos sintomas ou têm dificuldade em
relatá-los, tornando o diagnóstico difícil.
O primeiro passo no atendimento desses pacientes é determinar
se a tontura é vertiginosa (“mundo rodando ou se movendo”) ou não.
Sendo vertiginosa, tem-se: AVC de tronco encefálico, neurite
vestibular, vertigem postural paroxística benigna (VPPB), doença de
Ménière, enxaqueca.
Sendo não vertiginosa tem-se: hipotensão postural, tontura
associada a transtornos psiquiátricos, causas medicamentosas.
O segundo passo é determinar o tempo de duração da
tontura/vertigem:
HIT
No exame neurológico do coma, ao se testar o ROV, realiza-se a
manobra oculocefálica (olhos de boneca), girando-se a cabeça do
paciente de um lado para o outro e observando-se o movimento
ocular no sentido oposto. Contudo, a melhor forma de se testar o
ROV em pacientes conscientes é através do HIT, realizando um giro
rápido e vigoroso da cabeça do paciente para cada lado, observando-
se se o mesmo consegue manter o olhar fixo no nariz do examinador
(Figuras 27 e 28).
Figura 27. Head impulse test para esquerda (testando sistema vestibular
esquerdo) aparentemente normal, pois o paciente consegue manter o olhar
fixo no examinador mesmo após o giro súbito.
Figura 28. Head impulse test para direita (testando sistema vestibular à
direita) abolido/hipoativo, pois o paciente não foi capaz de manter o olhar
fixo no examinador no momento da manobra. Nesse contexto, logo em
seguida, rapidamente o paciente realiza uma sácade corretiva e passa a olhar
o alvo novamente.
Fonte: Kattah et al., 2009.
Nistagmo
A pesquisa do nistagmo deve ser feita inicialmente à inspeção do
olhar primário. Em seguida, solicita-se ao paciente para, com a
cabeça parada, seguir o movimento do dedo do examinador somente
com o olhar, na horizontal de um lado para o outro e depois na
vertical para cima e para baixo.
Há apenas um padrão de nistagmo descrito como possivelmente
periférico: bate com fase rápida no sentido oposto ao lado do
labirinto lesado, intensifica-se ao olhar para o lado da fase rápida,
reduz ou até some ao olhar para o outro lado (lei de Alexander).
Qualquer outro padrão de nistagmo encaixa-se como causa
central como, por exemplo, nistagmo que piora ao olhar para
esquerda e piora ao olhar para direita; e nistagmo vertical para cima
(upbeat) ou para baixo (downbeat).
Nesse caso clínico, tem-se um paciente idoso com HIT abolido à
esquerda, portanto o sistema vestibular do lado esquerdo deve estar
hipofuncionante. Observa-se nistagmo com padrão periférico
(benigno), já que bate com fase rápida para direita, piora ao olhar
para direita e melhora ao olhar para esquerda.
Skew deviation
Este termo significa desvio/estrabismo/desalinhamento do olhar
na vertical ocasionado geralmente por lesões em SNC,
principalmente em topografia de tronco encefálico.
Algumas vezes, esse achado é sutil e difícil de perceber à
inspeção do olhar primário.
Por este motivo, utiliza-se a manobra da cobertura ocular
alternada para tentar flagrar algum desalinhamento vertical leve
(figura 29).
ANAMNESE
Identificação: Paciente do sexo feminino, 54 anos de idade, dona
de casa.
Queixa Principal: “Fala embolada”.
História da Moléstia Atual: Paciente é levado para atendimento
médico por familiar (filha) com queixa de que há 6 meses sua fala
está progressivamente pior, mais embolada e cada vez mais
ininteligível. Associado ao quadro, refere ainda dificuldade para
engolir com frequente tosse e engasgo, principalmente ao ingerir
líquidos. Houve perda de peso importante no período,
aproximadamente 10 kg desde o início dos sintomas.
HPP: Previamente hígida. Nega comorbidades e uso de
medicações.
EXAME FÍSICO
Geral: Nenhuma informação significativa.
Exame neurológico: Glasgow 15, paciente orientada em tempo e
espaço, compreende e obedece aos comandos.
Discurso: disartria moderada com tendência à voz anasalada por
fraqueza de palato/faringe (Vídeo 4).
Oroscopia: Fasciculações em língua. Elevação simétrica do
palato.
Atrofia em musculatura distal de membros superiores (atrofia
tenar/hipotenar).
Fasciculações em musculatura induzidas após percussão com
martelo de reflexos.
Reflexo cutâneo-plantar em extensão bilateral.
Vídeo 4. Disartria apresentada pela paciente do caso.
EXAMES COMPLEMENTARES
ENMG com sinais evidentes de doença do neurônio motor em
vários segmentos.
QUESTÕES PARA DISCUSSÃO
1. Como realizar o exame dos nervos IX, X e XII?
2. Por que a paciente do caso clínico apresentava disartria
anasalada?
3. Qual a importância de documentar as fasciculações?
DISCUSSÃO
O exame dos nervos IX, X e XII envolve basicamente testes na
cavidade oral.
Glossofaríngeo e vago são examinados juntos (não é possível
testar os dois separadamente). Solicita-se ao paciente que abra a
boca e, então, ilumina-se com a lanterna para visualizar a orofaringe
e o palato em repouso. Em seguida, o paciente deve vocalizar a letra
“A” por alguns segundos e, exatamente neste momento, deve-se
observar a elevação simétrica do palato (Figura 31).
Figura 31. Paralisia de nervo IX/X à esquerda com queda do palato
ipsolateral durante vocalização.
Fonte: Campbell et al., 2005.
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Capítulo 21
CASO CLÍNICO
C.R.M., 18 anos de idade, sexo feminino, natural de Barbalha (CE),
sofreu acidente de bicicleta há 30 dias. Chegou à emergência
queixando-se de diminuição da força muscular e dormência no braço
e nos dedos polegar e indicador do membro superior direito. No
momento relata dor intensa.
Ao exame neurológico do membro superior direito, constatou-se:
DISCUSSÃO
A semiologia das síndromes topográficas deve originar-se da
região lesionada correlacionando-a com as consequências clínicas.
Ela depende da localização da lesão, e não de sua natureza, que pode
ser a mais variada. A síndrome observada para cada região depende
de diversos fatores. Qualquer lesão focal pode determinar síndrome
topográfica, sendo bastante variadas as possíveis causas:
traumáticas, vasculares, neoplásicas, infecciosas ou apenas
inflamatórias, degenerativas e tóxico-metabólicas. 1,2,3,4,5,6
Neste capítulo serão abordadas as síndromes topográficas
relacionadas ao plexo braquial (PB).
A lesão dos nervos periféricos determina vários sintomas e sinais
na região correspondente à distribuição de cada nervo em particular.
Para fazer o diagnóstico topográfico da lesão dos nervos periféricos,
é necessário conhecer o território sensitivo, os músculos e os
reflexos inervados por cada nervo. 5,6,7,8,9
CONCLUSÃO
Neste capítulo, discutiu-se a importância do PB, região que
contém um conjunto de nervos resposnável por toda a
movimentação dos membros superiores, possibilitando movimentos
finos e delicados, como realizar uma cirurgia cerebral, até
movimentos de força extrema, como erguer um peso de 100 kg. Os
quadros clínicos resultantes das lesões são muito variáveis, nem
sempre podendo ser topografados a um só nervo ou dermátomo. Os
acidentes automobilísticos e traumas obstétricos são as causas
mais comuns de lesão do plexo braquial, e o diagnóstico clínico é
totalmente possível com um bom exame neurológico e
conhecimento da anatomia humana, como visto ao longo do
capítulo.
BIBLIOGRAFIA
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Capítulo 22
ANAMNESE
Paciente do sexo masculino, 65 anos de idade, obeso, tabagista e
etilista social, procurou assistência médica referindo lombalgia baixa
de longa data que evoluiu com irradiação da dor e parestesia, desde
a região lombar direita para face anterior da coxa e face medial da
perna. Relata piora da dor ao movimentar-se. Realizou tratamento
com dipirona e fisioterapia, sem melhoras. Procurou o consultório
médico, devido à dificuldade da marcha, inclusive em repouso.
EXAME FÍSICO
Paciente está em regular estado geral, estável
hemodinamicamente, eupneico, eucárdico. Está vígil, orientado e
cooperativo. Apresenta linguagem fluente, nervos cranianos sem
alterações, força grau V nas extremidades, exceto para flexão da
coxa sobre o quadril e extensão do joelho, e adução da coxa. Exibe
hipoestesia em face anterior da coxa e face medial da perna direita.
Hiporreflexia patelar sem alteração do reflexo de Aquiles. Reflexo
cutaneoplantar presente.
Suspeita Diagnóstica:
Hérnia de disco lombar em L4-L5.
Conduta
Solicitada ressonância magnética (RM). Indicados repouso inicial
sem restrições quanto à posição do paciente e terapia analgésica.
EXAMES COMPLEMENTARES
Radiografia: Não foram evidenciadas fraturas lombares ou
sacrais.
RM: nos planos sagital e axial, em sequência T2, evidenciando
protrusão discal posterior e lateral no recesso lateral à direita entre
L4-L5, com ruptura do ânulo fibroso, comprimindo a face anterior do
saco dural e mantendo contato com a raiz de L4 no interior do canal
vertebral.
Figura 1. RMN ponderada em T2 da coluna vertebral de um paciente normal
(A) Vista parasagital ligeiramente à direita da linha média, mostrando uma
hérnia lombar L4-L5; (B) Corte axial ao nível do corpo vertebral L4
mostrando a hérnia lombar comprimindo raízes nervosas L4 e o recesso
lateral à direita.
Fonte: autoria própria.
DISCUSSÃO
O plexo lombar é formado no interior do músculo psoas maior a
partir dos quatro primeiros ramos ventrais lombares, com uma
contribuição do décimo segundo ramo torácico. Ele inclui os nervos
ílio-hipogástrico, ílio-inguinal, genitofemoral, cutâneo lateral da coxa,
obturador e femoral. Em cada nível vertebral, os nervos
emparelhados deixam a medula através do forame intervertebral da
coluna vertebral. Cada nervo, então, divide-se em fibras nervosas
anteriores e posteriores. Os nervos do plexo lombar organizam-se de
maneira que a raiz de L1 fica abaixo da vértebra de L1 no forame
intervertebral (L1-L2), L2 fica no forame intervertebral (L2-L3), e
assim por diante (Tabela 1).
Figura 2. RMN ponderada em T2 da coluna vertebral de um paciente
normal. (A) Vista sagital da linha média; (B) Vista parasagital, mais à direita
da linha média, mostrando os foramens neurais; (C) Corte axial ao nível do
corpo vertebral L5 mostrando raízes nervosas L5 e os recessos laterais.
Figura 2-capítulo 22 - cópia
Fonte: autoria própria.
CONCLUSÃO
A abordagem ao paciente com lombalgia pode ser difícil, devido à
dissociação de uma correlação confiável entre os achados clínicos e
de imagem. Pelo fato de o segmento lombar ter grande inervação
difusa e entrelaçada, nem sempre é possível estabelecer com
precisão o local de origem. Assim, a caracterização etiológica da
lombalgia é um processo que requer uma abordagem propedêutica
que inclui avaliação clínica, exame físico e exames complementares.
Avaliam-se as possibilidades de existir doença sistêmica grave
subjacente, déficits neurológicos que possam necessitar de
abordagem urgente ou doenças com caráter mais benigno que
possam orientar as condutas sequenciais. O exame de imagem,
principalmente a ressonância magnética, é fundamental na avaliação
de pacientes com suspeita de lesão intrarraquiana e objetiva analisar
a doença e confirmar o diagnóstico suspeito, além de orientar na
conduta cirúrgica.
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Capítulo 23
CASO CLÍNICO
Paciente do sexo masculino, 70 anos de idade, atualmente
aposentado há 15 anos, trabalhava como advogado na cidade de
Pouso Alegre, onde nasceu, e reside com a esposa. Ele compareceu
à consulta, porque vinha apresentando “muitos esquecimentos”
(sic). A esposa, que o acompanhava, relatou que o paciente tem se
perdido nos cômodos da casa e não se lembra de coisas simples
como “ligar o chuveiro”, além de não se lembrar do nome das
pessoas esporadicamente. Ela refere que há cerca de 10 anos,
houve início insidioso de episódios amnésicos que evoluíram
progressivamente e tornaram-se cada vez mais frequentes, mas que
essa condição começou a interferir na vida dele há
aproximadamente 2 anos, quando ele começou a ficar ‘deprimido’.
Não havia procurado ajuda médica até o momento.
O paciente não tinha história de doenças psiquiátricas ou atrasos
de desenvolvimento, e usava apenas uma medicação: captopril para
hipertensão arterial sistêmica (HAS). Era filho único e possui história
familiar de hipertensão (pai) e doença de Alzheimer (mãe); seus pais
faleceram há muitos anos. Nega etilismo e tabagismo, e informa
que sempre residiu na zona urbana da sua cidade. Quando
questionado sobre outras alterações, relatou sentir-se indisposto e
com incontinência urinária há alguns meses. Apresenta calendário
vacinal em dia e nunca precisou ser internado no hospital.
À
Ao examiná-lo, nota-se bom estado geral. À ectoscopia, não é
percebido nenhum sinal de alerta. Os sistemas cardiovascular,
pulmonar e gastrintestinal não apresentam nenhuma alteração ao
exame. Sua pressão arterial está bem controlada, e ele não possui
febre. Ao exame neurológico, pode-se notar que suas pupilas estão
isofotorreagentes e todos os reflexos estão presentes e simétricos.
Foi submetido a alguns testes que mostraram que sua força está
preservada, apesar de sua marcha estar lenta e de apresentar
alguma dificuldade em escrever devido a tremores nas mãos.
Obteve 20 pontos na escala do miniexame do estado mental
(MEEM).
Com base no exame físico, combinado à anamnese, suspeitou-se
de alguma síndrome demencial, visto que o paciente cursa com
alterações motoras e sensoriais sistêmicas que indicavam
comprometimento cortical. Foram solicitados exames laboratoriais
(hemograma, vitamina B12, hormônio tireoestimulante [TSH] e T4
livre), além de exames de imagem (tomografia computadorizada) e
punção lombar para se confirmar o diagnóstico de doença de
Alzheimer.
Após algumas semanas, o paciente retornou com as mesmas
queixas trazendo os resultados de exames. O laboratorial solicitado
não apresentou nenhuma alteração, e os demais exames revelaram
o seguinte resultado:
Discussão
O córtex cerebral é uma fina camada de 4 mm de substância
cinzenta que constitui a região mais externa do cérebro. Ele é
responsável por processamento, associação e envio de informações
que comandam todo o sistema nervoso. Anatomicamente, o córtex
é dividido em 5 lobos: frontal, parietal, temporal, occipital e insular.
Enquanto isso, funcionalmente, pode-se dividi-lo em: frontal, motor,
sensorial, visual, auditivo e olfativo.
Para fins didáticos, sua semiologia será abordada de acordo com
a divisão funcional do córtex.
MEEM
I) Orientação Temporoespacial
Dá-se em duas sequências de perguntas e cada item vale 1
ponto. Na primeira sequência, pergunta-se ao paciente o ano, o mês,
o dia do mês e da semana e a hora aproximada do exame, sendo a
pontuação máxima de 5 pontos. Por outro lado, na segunda
sequência, o paciente deve ser questionado sobre o nome do país,
do estado, da cidade, do bairro e do local da consulta, sendo a
pontuação máxima novamente de 5 pontos.
II) Memória
Essa parte do exame envolve a realização de 3 testes:
III) Linguagem
Essa é a parte mais complexa do exame e envolve 6 etapas:
PONTUAÇÃO SIGNIFICADO
I) Orientação e Atenção
Os pacientes considerados orientados são aqueles que sabem
quem são, onde estão e a data. Se o paciente estiver desorientado
em relação ao tempo e ao espaço, deve-se informar o dia, o mês, o
ano e a cidade e pedir que ele lembre. A incapacidade de recordar
essas informações sugere déficit de memória grave. A atenção, a
concentração e a memória imediata são testadas pela repetição de
uma sequência de números em ordem direta (digit span forward).
Hemidesatenção ou heminegligência: paciente não presta
atenção a um lado do espaço. O hemisfério não dominante parece
manter a atenção tanto no hemiespaço direito quanto no esquerdo,
e o dominante mantém apenas no contralateral. Pacientes com
lesões parietais à direita costumam apresentar heminegligência em
relação ao lado esquerdo do espaço. Nas lesões dominantes, a
heminegligência não é característica dominante.
II) Memória
A memória pode ser classificada em imediata (operacional),
recente (de curto prazo), e remota (de longo prazo). A memorização
de uma sequência de números é um teste de atenção e memória
imediata. O acervo de informações do paciente, como fatos
escolares básicos e informações atuais e pessoais, reflete sua
memória remota. Perguntas sobre direções costumam ser úteis. A
memória recente é testada ao apresentar ao paciente informações
que ele deve memorizar; após cerca de 5 minutos o paciente deve
repetir o que memorizou.
III) Cálculo
A habilidade de contar e calcular pode ser avaliada solicitando-se
que o paciente conte em ordem direta ou inversa ou calcule o troco.
A discalculia é característica de lesões do lobo parietal dominante,
sobretudo do giro angular. O comprometimento da habilidade de
calcular pode ocorrer nas lesões posteriores do hemisfério
dominante, e esses pacientes apresentam distúrbio primário da
capacidade de calcular.
V) Introvisão e Julgamento
Geralmente se pergunta o que o paciente faria se encontrasse
uma carta fechada, endereçada e com selo na calçada ou se
sentisse cheiro de fumaça em um cinema. As informações
oferecidas pelos parentes podem ser mais esclarecedoras.
ESCALA DE FORÇA
No exame manual da força dos músculos, a força de cada
músculo é testada e classificada de acordo com a escala do Medical
Research Council (MRC), usada para acompanhar a evolução de
pacientes (Tabela 2). O teste de força confiável se dá pelo método
da alavanca longa. O paciente deve estar apropriadamente
posicionado, evitando movimentos indesejados. O teste em posição
sentada é suficiente na maioria das circunstâncias. É importante
imobilizar a parte proximal do membro ao se testar movimentos
distais. Por exemplo, para examinar o deltoide, deve-se estender o
cotovelo do paciente, pedir que ele abduza o membro e tentar
superar o movimento pegando seu punho.
Tabela 2 Escala de força do Medical Research Council.
NÍVEL DE
RESPOSTA ENCONTRADA
FORÇA
0 Ausência de contração
5 Força normal
AVALIAÇÃO DA FORÇA
• Pescoço: os principais movimentos do pescoço são flexão,
extensão, rotação e flexão lateral. Com exceção dos
músculos esternocleidomastóideo e trapézio, não é
possível examinar isoladamente os músculos dessa região.
Analisa-se, então, a avaliação de cada movimento
Aumento da flexibilidade
Balanço das pernas com maior amplitude e por
Hipotonia tempo prolongado
Balanço do braço maior que o normal
Queda do braço mais abrupta que o normal
SEMIOLOGIA DO CÓRTEX
SENSORIAL
As funções sensoriais do córtex envolvem regiões primárias, que
recebem os estímulos, e regiões secundárias, que interpretam e
contextualizam os estímulos. Sendo assim, as funções corticais
sensoriais estão relacionadas à discriminação e à percepção de
estímulos, estando além da simples noção de estímulos gerados
nos receptores sensoriais periféricos.
A semiologia do córtex sensorial é realizada para verificar se
existem áreas de ausência, diminuição, exagero ou perversão da
sensibilidade e para determinar o tipo de sensibilidade afetada,
assim como o grau e a distribuição da anormalidade. Recomenda-se
realizar essa avaliação no início do exame neurológico, quando o
paciente está mais alerta e atento. A fadiga prejudica a acurácia e
os achados tornam-se menos confiáveis.
Os sintomas sensoriais são referidos pelo próprio paciente
como:
SENSIBILIDADE EXTEROCEPTIVA
Dor
Geralmente usa-se um alfinete de segurança dobrado em
ângulos retos, descartável e capaz de causar dor, porém sem
sangramento.
O paciente deve manter os olhos fechados durante o exame,
sendo instruído a avaliar se o estímulo de um lado parece tão agudo
quanto o do outro. É comum pedir ao paciente que fale em
porcentagem ou valores monetários o quanto um estímulo vale em
relação ao outro para facilitar seu registro. Pode-se ainda pedir para
que o paciente diga se foi estimulado pela parte aguçada ou pela
romba, entretanto esse método não permite avaliar pequenas
alterações na sensibilidade (Tabela 4).
Tabela 4. Sentido de realização do exame de dor em pacientes com hipo ou
hiperalgesia
Sensibilidade Térmica
Pode ser realizada com tubos de ensaio contendo água quente
ou fria, ou por objetos com condutividade térmica diferente. O ideal
é que o frio seja de 5 a 10° e os quentes de 40 a 45°. Garanta que os
tubos estejam secos.
No exame geral, é suficiente verificar se o paciente sabe
distinguir esses estímulos.
Sensibilidade Tátil
O tato leve pode ser testado com um fiapo de algodão, um lenço
de papel, uma pena, uma escova macia, cabelos ou até mesmo com
toques leves com as pontas dos dedos. É suficiente verificar se o
paciente reconhece e localiza aproximadamente ao região do
estímulo e diferencia sua intensidade.
Peça para que o paciente diga “sim” quando sentir o estímulo e
aponte a área estimulada.
SENSIBILIDADE PROPRIOCEPTIVA
Propriocepção Consciente
O teste começa, no membro inferior, pela articulação
metatarsofalângica do hálux e, no membro superior, pelas
articulações interfalângicas distais. É realizado com o paciente de
olhos fechados, explicando-o antes como será realizado o teste.
Deve-se segurar o dedo, totalmente relaxado, do paciente pelas
laterais na posição dorsoventral, afastando-o dos dedos adjacentes.
O dedo é movido (com excursões de 1 a 2 segundos) para cima ou
para baixo, e o paciente deve dizer o sentido do movimento.
O sentido de posição também pode ser testado colocando-se os
dedos do paciente em posição de “OK”, enquanto seus olhos estão
fechados. Pede-se para que ele descreva a posição ou tente imitá-la
com a outra mão.
Um dos testes usados para distinguir comprometimento
proprioceptivo é o Teste de
Romberg, em que o paciente é capaz de ficar em pé de pés
juntos, quando com os olhos abertos, mas não com eles fechados.
Sensibilidade Vibratória
Avaliada pela capacidade de perceber vibração, quando um
diapasão oscilante é apoiado sobre determinadas proeminências
ósseas e por quanto tempo essa pessoa sente essa vibração. O
teste deve comparar ambos os lados e as partes distal e proximal.
Sensibilidade à pressão
Abrange a percepção da compressão de estruturas subcutâneas,
diferente do tato leve. É realizada por toque firme sobre a pele ou
compressão de estruturas profundas (massas musculares, tendões,
nervos) usando pressão digital ou um objeto contundente. O
paciente deve detectar e localizar a pressão.
Dor Profunda
Avaliada pela compressão de músculos, tendões ou testículos;
por compressão de nervos superficiais ou do bulbo do olho; ou por
hiperflexão extrema forçada da articulação interfalângica de um
dedo.
Agnosias
A perda de diferentes variedades de sensação ao mesmo tempo
caracteriza uma agnosia – resposta da segunda parte da questão 3,
que pode ser causada por lesão em áreas sensoriais secundárias,
principalmente no córtex parietal, geralmente decorrentes de
acidentes vasculares cerebrais, traumatismos cranioencefálicos
(TCE) e neoplasias, sendo necessário analisar criteriosamente cada
uma delas para garantir que a lesão não foi em região primária e, só
após isso, diagnosticar esse tipo de lesão. Para isso é necessário
conhecê-las:
Campimetria
Avaliação do campo visual pelo método da confrontação: médico
e paciente ficam cerca de 1 m de distância de frente para o outro e
ocluem um de seus olhos (em lados opostos) e fixam o olhar no
nariz do outro. O neurologista deve, então, estender sua mão em
uma distância média entre os dois e mover seu dedo lentamente
nos extremos de cada quadrante, fazendo com que o paciente o
acompanhe. De acordo com o campo visual, é possível saber se há
algum comprometimento e a localização da lesão no nervo.
Reflexos
Em pacientes com confusão mental ou rebaixamento do nível de
consciência, deve-se aproximar o dedo ou algum objeto do globo
ocular para ver se o paciente pisca. Contudo, é preciso ser
cuidadoso para não produzir muito deslocamento de ar e estimular
um reflexo corneopalpebral (relacionado aos nervos trigêmeo e
facial).
Fundoscopia
O “exame de fundo de olho” é realizado para avaliar as papilas
ópticas (“cabeça do nervo óptico”), atentando-se para a presença de
edema ou atrofia nessa região, evidenciadas por uma mudança na
tonalidade usual, observada em exames normais.
Pode haver ainda lesões em áreas de associação visual. Nesse
caso, o paciente apresenta uma agnosia visual, perda ou diminuição
da capacidade de reconhecer visualmente, ainda que não possua
alterações visuais – reposta da segunda parte da questão 4.
Existem diversos tipos de agnosia visual. Quando o indivíduo
apresenta uma lesão em regiões parieto-occipitais bilaterais, é
possível que apresente agnosia visual aperceptiva. Ela é
manifestada, quando a percepção distorce a imagem do objeto,
tornando difícil reconhecê-lo. Há dificuldade de distinguir um
quadrado de um círculo.
Lesões em região occipitotemporal bilateral ou que desconectem
o córtex visual dos centros da linguagem podem fazer com que o
paciente apresente uma agnosia visual associativa. Nela, há a
incapacidade de identificar e associar objetos com experiências e
memórias. Essa condição ocorre na ausência de afasia, anomia e
deficiência visual. Dentro desse grupo existe a afasia óptica, na qual
o paciente não consegue identificar um objeto quando apresentado
visualmente, mas consegue quando apresentado por outra
modalidade, como o tato, o que a diferencia de quadros de anomia.
Além desses exemplos, lesões em áreas de associação visual
podem causar agnosia para cores, prosopagnosia (agnosia facial) e
simultagnosia, em que o paciente identifica um objeto ou detalhe de
cada vez, mas não consegue quando lhe é apresentada uma
imagem inteira (Figura 18).
Figura 18. Esquema de correlação entre lesões no trajeto e no córtex visual
com a sintomatologia.
Fonte: Autoria própria.
RESULTADO DO
SIGNIFICADO
EXAME
Continuidade das vias olfatórias; descarta
Percepção do odor
anosmia
BIBLIOGRAFIA
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Capítulo 24
CASO CLÍNICO
J.D.F, sexo masculino, 80 anos de idade, branco, viúvo,
engenheiro aposentado, comparece ao consultório médico
acompanhado do filho, queixando-se de esquecimento há 10 meses.
Inicialmente, teve dificuldades de se lembrar de acontecimentos
recentes, esquecendo-se de conversas que acabou de ter, fazendo
as mesmas perguntas várias vezes. Esquecia nomes e repetia as
mesmas frases com frequência. O filho relatou que o paciente não
percebia o esquecimento. Nega alterações em fala, percepção,
comportamento e humor. Evoluiu com piora, sendo incapaz de
realizar atividades cotidianas como fazer chá, usar o telefone e
tomar remédio, necessitando da ajuda do filho. Hipertenso há 10
anos, faz uso de losartana e hidroclorotiazida. Passado de câncer
prostático, diagnossticado precocemente e tratado com
quimioterapia. Nega tabagismo e etilismo. Faz caminhada diária de
30 minutos acompanhado do filho. Nega antecedentes familiares de
doença neurodegenerativa.
Ao exame, o paciente apresentava pressão arterial (PA) de 120 ×
80 mmHg, frequência respiratória (FR) de 15 irpm, frequência
cardíaca (FC) de 85 bpm e temperatura axilar de 37°C. Bulhas
normorrítmicas e normofonéticas em 2 tempos, sem sopros.
Murmúrio vesicular fisiológico presente bilateralmente no tórax, sem
ruídos adventícios. Percussão sem alterações. Indolor à palpação.
Ausência de frêmitos. Ruídos hidroaéreos presentes em abdome
plano, flácido, indolor à palpação, ausência de visceromegalia. O
miniexame do estado mental (MEEM) revelou alterações em
orientação, memória de evocação, atenção e cálculo (18/30 pontos).
A avaliação funcional das atividades de vida diária mostrou
comprometimento.
Hipótese Diagnóstica: Síndrome Demencial.
Conduta: Hemograma completo, ureia, creatinina, tiroxina (T4)
livre, hormônio tireoestimulante (TSH), albumina, TGO/AST, TGP/ALT,
Gama-GT, vitamina B12, cálcio, VDRL. Tomografia computadorizada
de crânio.
Conclusões clínicas
Ao suspeitar de síndrome demencial, diversos exames podem
ser solicitados para confirmar ou descartar tal hipótese diagnóstica.
O consenso americano afirma que apenas dosagens do TSH e
vitamina B12 seriam suficientes para o diagnóstico, porém, no Brasil,
deve-se solicitar uma gama superior de exames, pois há diferença
no perfil populacional (se comparado aos americanos). Nesse caso
clínico, considera-se a conduta tomada na investigação de uma
síndrome demencial correta. A análise do líquido cefalorraquidiano
não se encaixa com o caso, pois o paciente não tem curso atípico
da doença e não possui qualquer suspeita de evidência de
infecção/inflamação do sistema nervoso central. A tomografia
computadorizada/ressonância magnética de crânio é crucial no
diagnóstico por descartar outras causas de demência e excluir
outras lesões estruturais não detectáveis. A escolha do método de
imagem considera seu custo, o protocolo de determinado serviço
médico e as eventuais contraindicações para um ou outro exame.
O MEEM é uma forma rápida e prática na rotina médica de
avaliar o nível de comprometimento que o paciente pode vir a ter.
Pode ser aplicado nos retornos do paciente para comparar se houve
melhora ou piora de nível cognitivo, permitindo ao médico a
reavaliação de condutas. O teste de fluência verbal, o teste do
desenho do relógio e as atividades da vida diária podem ser
utilizados em conjunto com o MEEM para melhores resultados.
QUESTÕES PARA DISCUSSÃO
1. Quais exames de rastreamento além do miniexame do
estado mental podem ser utilizados?
2. Quais diagnósticos diferenciais podem ser considerados
para definição da síndrome demencial?
3. Quando pensar em uma síndrome demencial apenas
com a anamnese e o exame físico?
DISCUSSÃO
A avaliação do estado mental demonstra importância
significativa no diagnóstico clínico das demências e dos transtornos
mentais orgânicos. Grande parte do exame é feito através da
observação, de como o paciente fornece informação sobre si
mesmo e as situações que lhe acontecem.
Para a avaliação do estado mental, é importante observar os
seguintes itens (tabela 3):
Estado de Consciência
A consciência é a manifestação de contato psíquico com o
ambiente, ou seja, a capacidade do cérebro de responder a
estímulos externos. O paciente pode estar:
Flexão anormal
Sons incompreensíveis Nula
(decorticação)
2 1
3
Extensão
Nula
(descerebração)
1
2
Nula
1
Atenção
Capacidade psíquica de focalizar, notar, selecionar e realçar
objetos e movimentos, entre vários percebidos. Com a atenção
prejudicada, o indivíduo é menos capaz de estar atento ao mundo
circulante.
Observar a capacidade do paciente de prestar atenção e se
parece facilmente distraído. Ele consegue focar na entrevista? É
possível testar este quesito através do MEEM, no subitem “atenção
e cálculo”.
Orientação
Capacidade de orientar-se quanto a tempo, espaço e pessoa. A
orientação autopsíquica mede a capacidade de o indivíduo situar-se
em relação a si mesmo, enquanto a orientação alopsíquica define-se
como a capacidade de o indivíduo situar-se com relação ao
ambiente. A desorientação é frequente nos casos psicorgânicos
(confusão mental ou delirium), mas pode ocorrer em pacientes
psicóticos.
O MEEM é um instrumento muito empregado. Investiga, na
prática clínica, funções cognitivas.
MEEM
O MEEM foi desenvolvido por Folsteim et al (1975). Tem o
objetivo de avaliar a função cognitiva global, sendo um teste de
rastreamento que auxilia o médico a estimar quantitativamente o
prejuízo cognitivo do paciente, além de ser aplicado para
acompanhar a evolução dos que já têm o diagnóstico de demência
estabelecido.
Divide-se em categorias, tendo a finalidade de avaliar
isoladamente cada “função cognitiva específica” como: orientação
temporal (5 pontos), orientação espacial (5 pontos), registro de três
palavras (3 pontos), atenção e cálculo (5 pontos), recordação das
três palavras (3 pontos), linguagem (8 pontos) e capacidade
construtiva visual (1 ponto), totalizando 30 pontos. Quanto menor a
pontuação, maior é o grau de acometimento cognitivo do paciente
(Tabela 2).
Tabela 2. Miniexame do estado mental.
É
É importante salientar que vários subitens do MEEM sofrem
influência da escolaridade, tais como: orientações temporal e
espacial, escrita, cópia dos pentágonos, leitura, atenção. A fim de
minimizar o viés da escolaridade, são utilizados pontos de corte
distintos de acordo com a quantidade de anos estudados pelo
paciente. Adotam-se 20 pontos para analfabetos; 25 pontos com
escolaridade de 1 a 4 anos; 26 pontos de 5 a 8 anos; 28 pontos de 9
a 11 anos e 29 pontos para mais de 11 anos. Porém existem
discrepâncias entre os diversos autores quanto aos valores de corte.
Além do MEEM, existem outros testes de rastreamento para a
avaliação do estado mental do paciente, como será apresentado a
seguir.
Sensopercepção
Definida por estímulos que atingem a consciência e geram
sensação, e esta determina a percepção.
A sensação consiste em fenômenos de estímulo ambiental que
causam efeitos no sistema sensorial. São exemplos de alterações: a
anestesia (ausência de sensibilidade tátil e dolorosa); a hipoestesia
(diminuição da sensibilidade); hiperestesia (aumento da
sensibilidade); cegueira; surdez; anosmia. Lesões periféricas e
centrais podem cursar com essas alterações.
As ilusões e alucinações são exemplos de alteração da
percepção. As ilusões são definidas como deturpações perceptivas
de objetos reais. As alucinações são percepções de objetos não
existentes.
É preciso definir se é uma verdadeira alucinação (se ocorre no
espaço externo e não é sujeita ao controle do indivíduo). Se o
paciente apresenta alucinação auditiva, investigar se é no espaço
externo, se há controle pelo indivíduo e se as vozes ordenam que
façam algo... tem grande importância na avaliação de risco.
Pensamento
Inclui a atividade psíquica completa, a formulação de ideias ou
ideação. Alterações do pensamento são divididas em: alterações do
curso e da forma do pensamento; alterações de juízo da realidade
(delírios).
As principais alterações do curso do pensamento são:
bradipsiquismo e taquipsiquismo. O bradipsiquismo é a lentificação
do curso do pensamento, e o taquipsiquismo é sua aceleração.
Nas alterações na forma de pensamento, destacam-se a fuga de
ideias e os diversos graus de afrouxamento das associações. Na
fuga de palavras, o paciente faz associações inapropriadas entre as
ideias, deixando de seguir uma lógica narrativa, que passam a
ocorrer por assonância, ou seja, pelo som das palavras (amor, calor,
dor, ardor etc.). O afrouxamento das associações lógicas revela a
falta de lógica entre as ideias, configurando uma “salada de
palavras”, com fragmentos de ideias incompreensíveis.
Humor/Afeto
Define-se como o estado emocional basal do indivíduo. O
indivíduo pode-se encontrar deprimido, triste, eutímico, culpado, sem
esperança, exaltado ou ansioso. É importante determinar o humor
dominante da pessoa.
O afeto define-se como componente emocional de uma
determinada ideia e varia durante o discurso ou a narrativa do
paciente de acordo com a reatividade do paciente com o que está
sendo discutido e com o fluxo subjacente dos estados de espírito. O
examinador consegue perceber na forma que seus pacientes usam
e posicionam seus corpos e em seu tom e maneira de falar. Pode
apresentar-se constrangido, apropriado, lábil, anedônico, entre
outros.
Memória
Capacidade de acumular e reter informações percebidas. Pode
ter acometimento da memória de curto prazo, longo prazo, amnésia,
amnésias anterógrada e retrógrada. Se há suspeita de
acometimento da memória, é importante perguntar a outros
indivíduos sobre suas percepções do funcionamento da memória do
paciente.
Para testar a memória imediata, o entrevistador pode falar dígitos
aleatórios, cerca de um por segundo e pedir para o paciente repetir.
Se ele falhar em cinco ou mais dígitos, há motivo para preocupação.
Para testar a memória recente, basta perguntar para o paciente
sobre fatos ocorridos nos dias que antecederam a consulta. Com
relação à memória remota, pergunta-se ao paciente sobre eventos
pessoais em anos passados que ocorreram na sua vida. O nível de
escolaridade é um fator que influencia no resultado do exame.
Também é possível fazer o teste através do MEEM, quando pedir
para o paciente repetir uma palavra ou fazê-lo praticar a memória de
evocação.
Risco
Importante parte na anamnese da prática clínica, pois uma
pessoa que é impulsiva ou tem pensamentos de suicídio ou
homicídio precisa de observação especial. Avaliar se há
possibilidade de autolesão/suicídio, distinguindo entre
pensamentos, planejamento e intenções.
Se a pessoa tem a intenção de cometer suicídio, incluir na
investigação os meios, o horário e o plano que ela tem para torná-lo
realidade. O paciente consegue controlar seus impulsos? Como
tolerou situações estressantes no passado? Existe história de
agressividade descontrolada, comportamento sexual inadequado ou
hostilidade? Ele consegue tolerar situações frustrantes?
Julgamento e Insight
Insight: o indivíduo entende que está passando por um problema
e que tem algo de errado acometendo seu estado emocional. Ele
também pode negar completamente qualquer problema que
obviamente afete as pessoas ao seu redor. Questionar a respeito
dos problemas e o que está os causando, se o paciente entende
seus problemas e se consegue enxergá-los.
Julgamento: se o indivíduo é capaz de avaliar criticamente sua
situação e tomar boas decisões sobre o curso de uma ação. Avaliar
se o paciente tem capacidade de entender as possíveis
consequências de seu comportamento; o entrevistador pode propor
medidas preventivas.
Tabela 3. Avaliação do estado mental.
Orientado, desorientado
ORIENTAÇÃO MEEM
AGUDAS
Tumores
Podem ocorrer em qualquer região anatômica cerebral e
acometem todas as faixas etárias, existindo mais de 120 tipos
diferentes. Sintomas como cefaleias, convulsões, alterações visuais,
hemiparesia, paralisia focal, astenia, febre e alterações cognitivas
são os mais aparentes. O déficit mais comum é a perda cognitiva,
seguida por fraqueza e alterações visuais. Náuseas e vômitos
associados a resultado de exame de imagem anormal ou alteração
cognitiva significativa podem ser consequências de um tumor.
Meningite
Processo infeccioso e/ou inflamatório agudo que acomete por
contiguidade ou via hematogênica as meninges e o espaço
subaracnóideo. Pode ser causada por bactérias, vírus ou fungos e as
crianças menores de 5 anos têm maior suscetibilidade a tal afecção.
Cursa com alteração intensa do estado geral, síndrome febril,
confusão mental com delírio, hipertensão intracraniana e irritação
meníngea. O sinal de Kernig (dor à flexão da articulação do joelho,
quando a coxa é colocada em certo grau de flexão) e o sinal de
Brudzinski (flexão involuntária da perna sobre a coxa e desta sobre a
bacia, ao fletir a cabeça do paciente) associam-se à irritação
meníngea.
As crianças de até 9 meses podem não apresentar os sinais
clássicos, tendo outros sinais e sintomas que permitem a suspeita
diagnóstica: febre, irritabilidade/agitação, choro persistente, grito
meníngeo (criança grita ao ser manipulada, principalmente quando
flete as pernas para troca de fraldas), recusa alimentar, convulsões e
abaulamento de fontanelas.
CRÔNICAS
Demência de Alzheimer
Representa mais de 50% dos casos de demência, embora tenha
possibilidade de estar associada a outra demência. Geralmente, a
memória recente é a primeira a ser acometida, e lembranças
remotas são preservadas até certo estágio da doença. Apresenta-se
com início insidioso e deterioração progressiva.
Inicialmente, ocorre a perda de memória episódica e dificuldades
na aquisição de novas habilidades, com evolução gradual de outras
funções cognitivas como julgamento, cálculo, raciocínio abstrato e
habilidades visuoespaciais. Na fase intermediária, destacam-se
dificuldade de nomear objetos ou escolher palavra adequada na
intenção de expressar alguma ideia e também apraxia. Nos estágios
terminais, ocorrem alterações comportamentais (como irritabilidade
e agressividade), alterações no ciclo sono-vigília, sintomas
psicóticos, incapacidade de deambular, realizar cuidados pessoais e
falar.
O diagnóstico definitivo apenas se dá mediante análise
histopatológica do tecido cerebral post-mortem.
Demência Vascular
Sua manifestação clínica depende da causa e da localização do
infarto cerebral. Em geral, acometimento de grandes vasos resulta
em múltiplos infartos corticais (com síndrome demencial cortical
multifocal), e doença de pequenos vasos, tendo como causa a
hipertensão arterial sistêmica e o diabetes mellitus, resulta em
isquemia da substância branca periventricular e infartos lacunares
(com demência subcortical, disfunção executiva, comprometimento
de memória, alterações frontais, lentificação motora, sintomas
parkinsonianos, distúrbios urinários e paralisia pseudobulbar).
Demência Mista
Caracterizada pela ocorrência simultânea de eventos
característicos de demência de Alzheimer e demência vascular. A
clínica mais comum é de um paciente com sintomas e
características típicos de demência de Alzheimer que sofre piora
súbita e abrupta, acompanhados com sinais clínicos de AVC. Tem
mais comprometimento da função frontal executiva.
Demência por Corpúsculos de Lewy
Acomete cerca de 20% dos pacientes com demência. O
diagnóstico é suspeitado, quando o declínio cognitivo é flutuante e
associa-se com alucinações visuais e sintomas extrapiramidais.
Início rápido e declínio progressivo, hipomimia, bradicinesia e tremor
de repouso (menos comum), com déficits proeminentes na função
executiva, resolução de problemas, fluência verbal, performance
audiovisual.
Patologicamente, é marcada por corpúsculos de Lewy (inclusões
intracitoplasmáticas eosinofílicas hialinas) encontrados no cóortex
cerebral e no tronco encefálico.
Demência Frontotemporal
Síndrome neuropsicológica marcada por disfunção e atrofia dos
lobos frontais e temporais com relativa preservação das regiões
cerebrais posteriores.
Nos estágios iniciais da doença, os pacientes mostram discreto
comprometimento da memória episódica com importante alteração
nos padrões comportamentais. É comum usar a expressão
“paciente frontalizado”. Tais alterações incluem: comportamento
estereotipado e perseverante, mudanças precoces na conduta
social, desinibição, rigidez e inflexibilidade mentais, hiperoralidade,
exploração incontida de objetos no ambiente, distraibilidade,
impulsividade, falta de persistência e perda precoce da crítica.
Doença de Creutzfeldt-Jakob
Causada por infecção, invariavelmente fatal, atinge sistema
nervoso central, caracterizando-se por demência rapidamente
progressiva e envolvimento focal variável do córtex cerebral,
glânglios da base, tronco cerebral, cerebelo e medula espinhal.
EXAMES COMPLEMENTARES
Os exames recomendados são: hemograma completo,
concentrações séricas de ureia, creatinina, T4 livre, TSH, albumina,
enzimas hepáticas (TGO, TGP, Gama-GT), vitamina B12 e cálcio, e
reações sorológicas para sífilis.
Em pacientes com idade inferior a 60 anos de idade, deve-se
solicitar sorologia para vírus da imunodeficiência humana (HIV). A
punção de liquor cefalorraquidiano para análise não é rotina, sendo
indicada apenas na investigação de demência antes dos 65 anos de
idade (demência pré-senil), com apresentação e curso clínico
atípicos, hidrocefalia comunicante ou qualquer suspeita de infecção
ou doença inflamatória no sistema nervoso central.
A tomografia computadorizada deve ser realizada sempre, com a
finalidade principal de diagnóstico diferencial (caso o aceso à
ressonância magnética seja fácil, deve-se optar pela realização
desta em detrimento da tomografia computadorizada).
CONCLUSÃO
Utilizar exames de rastreamento como MEEM, TDR, fluência
verbal e atividades de vida diária podem contribuir na identificação
do paciente com declínio cognitivo, permitindo, assim, uma
investigação mais detalhada. Um paciente com história clínica de
esquecimento, impossibilidade na realização de tarefas que antes
realizava e testes para rastreamento cognitivo alterados sugerem
patologias que acometem o sistema neurológico. É importante
esclarecer que nem todo declínio cognitivo é demência de
Alzheimer, havendo uma gama de diagnósticos diferenciais que o
profissional da saúde deve atentar-se.
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Capítulo 25
CASO CLÍNICO
L.C.G., sexo masculino, 33 anos de idade, chegou à unidade de
emergência em coma (Escala de Coma de Glasgow [ECG]: ausência
de respostas ocular, verbal e motora, totalizando 3 pontos), trazido
pelo pai e sem evidência de trauma. O pai relata que o seu filho não
consome bebidas alcoólicas e nem substâncias ilícitas, mas é
portador de diabetes mellitus tipo II desde os 27 anos de idade e que,
recentemente, foi diagnosticado com depressão após o óbito da
mãe. O paciente faz uso de metformina e de amitriptilina. O pai
informa, ainda, que encontrou o seu filho inconsciente no quarto com
uma cartela de remédios vazia ao lado. Pressão arterial (PA): 100 ×
70 mmHg; frequência cardíaca (FC): 170 bpm; frequência respiratória
(FR): 9 irpm; e SatO2: 93%. Glasgow 3, pupilas fotorreagentes,
midriáticas, bradipneico em ar ambiente, ausência de resposta
motora. Paciente submetido à intubação orotraqueal (IOT). Paciente
normocefálico, com pescoço cilíndrico, simétrico; laringe e traqueia
móveis, medianas; pulso carotídeo simétrico; não apresenta rigidez
de nuca. Tórax simétrico, sem deformidade, boa expansibilidade,
bradipneico, murmúrio vesicular presente e bem distribuído sem
ruídos adventícios. Paciente encontra-se taquicárdico, com ritmo
cardíaco regular em 2 tempos, bulhas normofonéticas, sem sopros.
Abdome globoso. A suspeita diagnóstica foi coma tóxico (induzido
por antidepressivo tricíclico), e a conduta, lavagem gástrica com
carvão ativado e suporte. Foram solicitados exames laboratoriais e
de imagem, em que foram constatados normalidade nos níveis
glicêmicos, acidose metabólica, tomografia computadorizada (TC) de
crânio sem alterações e eletrocardiograma com aumento do intervalo
QRS.
DISCUSSÃO
FISIOPATOLOGIA DO COMA
Para que o ser humano consiga reconhecer o ambiente e a si, ele
precisa que os dois componentes da consciência (conteúdo e nível)
estejam em perfeita integridade.
O conteúdo de consciência relaciona-se à funcionalidade do
córtex cerebral. Dessa maneira, acometimentos no córtex podem
ocasionar disfunções como afasia, apraxia e agnosia, todas elas
relacionadas ao conteúdo de consciência. Já o nível de consciência
depende da comunicação entre o córtex cerebral e a substância
reticular ativadora ascendente (SRAA). Esta substância (Figura 1)
situa-se entre a ponte e o diencéfalo e possui como principal área
anatômica a formação reticular mesencefálica. Sua localização é de
extrema importância, uma vez que está próxima aos núcleos dos
nervos cranianos responsáveis pela motricidade ocular, próxima ao
trato piramidal e no interior da formação reticular, que exerce o
controle respiratório e o controle postural dos membros e dos olhos.
Trata-se de uma região com diversas vias ascendentes e
descendentes que se comunicam com o córtex cerebral. Vários
mecanismos podem alterar a funcionalidade dessa área, como
lesões anatômicas (acidente vascular encefálico [AVC], tumor) no
tronco encefálico ou nos hemisférios cerebrais que,
consequentemente, acabam interrompendo as múltiplas conexões
existentes. Ademais, quadros de hipóxia e de hipoglicemia, em
função de um distúrbio metabólico, podem modificar o
funcionamento da SRAA, haja vista que o sistema nervoso necessita
de oxigênio e glicose para o seu metabolismo.
ANAMNESE
A avaliação do paciente em coma exige uma investigação
sistematizada e necessita de um tempo maior. Torna-se relevante o
diálogo com testemunhas que presenciaram o quadro de coma do
paciente, uma vez que a maneira como iniciou, o fator
desencadeante, o tempo de instalação, a aparência prévia, sintomas
e sinais neurológicos precedentes (cefaleias, convulsões, êmeses),
uso de drogas, antecedentes de afecções sistêmicas (hepatopatias,
cardiopatias, nefropatias) e de distúrbios psiquiátricos, a história de
TCE e, inclusive, o lugar em que o paciente foi encontrado são
elementos de fundamental importância para o diagnóstico. Dessa
forma, embora muitos pacientes em estado comatoso sejam levados
à emergência por pessoas desconhecidas, não se deve liberar os
acompanhantes até que seja obtido o máximo de informações
possíveis.
EXAME GERAL
Antes da realização do exame neurológico no paciente em coma,
o médico, em primeiro contato com esse paciente, deve atentar-se
para o protocolo ABC (vias respiratórias, ventilação e circulação),
certificando, respectivamente:
EXAME NEUROLÓGICO
O exame neurológico é de extrema relevância para o
esclarecimento da etiologia do coma. Cabe ao médico, por meio
desse exame, estabelecer se a causa do coma foi orgânica
(estrutural ou metabólica) ou psíquica, acompanhar se a evolução
apresenta sinais de melhora ou de piora e determinar o prognóstico
do paciente, identificando se é um processo reversível ou uma
situação de morte cerebral (resposta da questão 1 da Discussão).
Para isso, a realização do exame neurológico no paciente em coma
consiste na avaliação de quatro fatores: nível de consciência (I),
exame ocular (II), ritmo respiratório (III) e resposta motora (IV).
I) Nível de consciência
Demonstra a capacidade de resposta do paciente frente a
estímulos apresentados a ele. Situações simples, como abertura
ocular e respostas verbal e motora tornam-se ausentes em pacientes
em coma. Tais critérios correspondem à ECG (Tabela 1) que, no caso
do coma, apresenta um valor menor ou igual a 8 pontos. Os extremos
dessa escala variam de 3 a 15 pontos (sempre usar a melhor
resposta e do melhor lado); a pontuação de 13 a 15 refere-se a
traumas leves, de 9 a 12 a traumas moderados, e de 3 a 8 a traumas
graves.
Tabela 1. Escala de Coma de Glasgow.
Fonte: Bickley LS, Peter GS. Bates – Propedêutica Médica. 11.ed. Rio
de Janeiro, RJ: Guanabara Koogan; 2015. p.989.
Fonte: Mendes PD, Maciel MS, Brandão MVT, Fernandes PCR, Antonio
VE, Kodaira SK, et al. Distúrbios da Consciência Humana – Parte 2 de
3: A Abordagem dos Enfermos em Coma. Rev Neurocienc 2012 out;
20(4):576-83.
Fonte: Mendes PD, Maciel MS, Brandão MVT, Fernandes PCR, Antonio
VE, Kodaira SK, et al. Distúrbios da Consciência Humana – Parte 2 de
3: A Abordagem dos Enfermos em Coma. Rev Neurocienc 2012 out;
20(4):576-83.
Fonte: Martins CRJ, França MCJ, Martinez ARM, Faber I, Nucci A. Semiologia Neurológica.
1.ed. Rio de Janeiro: Revinter; 2017. p.399.
Fonte: Mendes PD, Maciel MS, Brandão MVT, Fernandes PCR, Antonio
VE, Kodaira SK, et al. Distúrbios da Consciência Humana – Parte 2 de
3: A Abordagem dos Enfermos em Coma. Rev Neurocienc 2012 out;
20(4):576-83.
EXAMES ADICIONAIS
A fim de um melhor atendimento ao paciente comatoso, é
imprescindível um exame físico geral minucioso e eficaz, atentando-
se para qualquer tipo de anormalidade nas seguintes regiões: pele,
crânio, face, ouvidos, boca, olhos, pescoço, tórax, abdome, coração e
pulmão. Ademais, deve-se analisar se há sinais de irritação
meníngea, exceto nos quadros de politraumatizados, em virtude do
risco de lesões raquimedulares.
No que tange aos aspectos laboratoriais, torna-se fundamental
para os comas tóxicos, infecciosos e metabólicos a solicitação de
hemograma, exame de urina e a determinação da glicosúria, da
glicemia, da ureia, das provas de função hepática e a análise de
substâncias tóxicas no sangue e na urina. Nos comas primitivamente
neurológicos, conforme a gravidade de cada situação, devem ser
solicitados os exames: radiográfico craniano, de análise do liquor,
eletroencefalograma (extremamente útil na classificação do grau de
intensidade do coma), TC e ressonância magnética de crânio.
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Capítulo 26
CASO CLÍNICO
Anamnese e História da Moléstia Atual
M.S., 43 anos de idade, sexo masculino, morador de rua, foi vítima
de atropelamento, sofrendo traumatismo cranioencefálico (TCE)
grave. Foi atendido pelo serviço de urgência e emergência, sedado e
colocado em ventilação mecânica. Seu filho compareceu ao Hospital
Regional onde estava internado.
E devido ao fato ocorrido, o filho de M.S. transmitiu as
informações necessárias aos dois neurologistas de plantão do dia.
Após 48 h na unidade de terapia intensiva (UTI), observou-se que o
paciente não possuía os reflexos de tronco. Foram registrados os
dados vitais constantes na Tabela 1.
Tabela 1. Dados vitais do paciente M.S.
105 × 65
PRESSÃO ARTERIAL mmHg
• Traumatismo cranioencefálico
• Acidente vascular cerebral (hemorrágico ou isquêmico)
• Tumores cerebrais primários
• Anóxia cerebral (afogamentos, pós-parada cardiorrespiratória)
• Intoxicação exógena
PACO2 20 a 45 mmHg
HEMOGLOBINA >9
Observação relevante:
• Observar movimentos respiratórios (se possível, com
ventilômetro acoplado) por até 10 minutos ou até pCO2 ≥ 55
mmHg
7 dias a 2 meses 24 h
CONCLUSÃO
O protocolo para diagnóstico de ME é um processo sistematizado,
comprovado cientificamente, eficiente, complexo, ético e
indispensável. Além disso, cabe ressaltar que ele é de extrema
importância, pois possibilita um diagnóstico seguro de ME. Dessa
forma, indubitavelmente, quando realizado da maneira correta, desde
a avaliação dos critérios para abertura desse protocolo até a última
etapa de exames, garante-se um diagnóstico confiável. E, ainda,
dependendo da situação e da legalidade, é possível serem
aproveitados determinados órgãos para transplantes que podem
salvar vidas de outros pacientes.
Destarte, o protocolo para diagnóstico de ME assegura o princípio
moral da “não maleficência”, o qual faz parte da frase de Hipócrates
“antes de tudo, não cause dano”. Nesse contexto, tal relação é
aplicada, porque na ausência de tal protocolo podem-se causar
danos a familiares e amigos caso o diagnóstico de ME seja incorreto,
e a pacientes, os quais poderiam ter utilizado de determinados
recursos hospitalares que garantiriam seu bom prognóstico.
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Capítulo 27
Semiologia do Liquor
Autores: Pedro Henrique Silveira Chaves, Nícollas Nunes Rabelo
ANAMNESE
Paciente do sexo masculino, 70 anos de idade, procurou
atendimento com queixa de fraqueza em membros inferiores,
incontinência urinária e perda de memória.
Relatou paresia de membros inferiores com início há seis meses,
alegou piora no quadro desde seu início. Afirmou ter tido dificuldade
de manter a postura do tronco nos últimos dois meses e
incapacidade de conter a micção. Além disso, notou episódios de
perda de memória em relação a fatos ocorridos recentemente e
desorientação quanto ao tempo e espaço. Informou não ter se
medicado ou procurado ajuda médica prévia.
No decorrer da investigação de sistemas, negou astenia, febre e
perda ponderal. À investigação neurológica, confirmou-se parestesia
em membros inferiores. Não apresentou alterações nos demais
sistemas.
Relatou ser hipertenso, utilizar losartana 50 mg e
hidroclorotiazida 25 mg. Negou demais doenças de base, bem como
cirurgias e internações prévias.
Tem pai hipertenso e mãe diabética, sem casos de cardiopatias,
câncer e depressão na família.
Ao exame físico do sistema nervoso, mostrou-se lúcido e
orientado quanto ao tempo e espaço, sem afasia ou alterações de
memória imediata e remota, porém com alteração da memória
recente. Apresentou marcha apráxica em pequenos passos,
resultado de teste de Romberg negativo, tônus e massa muscular
preservados, força muscular 3/5 em flexão de membros inferiores
na altura do quadril e 4/5 em extensão na altura do joelho.
EXAMES COMPLEMENTARES
Tap-test
Após retirada de 50 mL de liquor por punção lombar, notou-se
melhora nos quadros de apraxia e incontinência urinária, que voltou
a acontecer dois dias depois.
Fisiologia do liquor
Compreender os mecanismos de produção, circulação e
drenagem do liquor é fundamental para o entendimento da prática
semiológica. Esses processos participam ativamente das
manifestações clínicas de algumas patologias, como na
hidrocefalia, e dos sinais apresentados nos exames
complementares como a tomografia e a ressonância magnética que
serão discutidos adiante.
O liquor ou líquido cefalorraquidiano (LCR) é um líquido incolor,
de viscosidade e densidade semelhantes às da água. No adulto, a
quantidade de LCR é cerca de 100 a 160 mL e é composto
principalmente por água (99%), além de uma pequena quantidade de
eletrólitos, proteínas, glicose, aminoácidos, neurotransmissores,
entre outros. Detém a função de dar suporte físico ao cérebro,
atenuar choques mecânicos, manter a homeostase neuronal e
promover o aporte nutricional, além de possuir leucócitos que
auxiliam na resposta imune contra agentes patológicos no sistema
nervoso. Sua produção é mediada pelos plexos coroides e pela
camada celular ependimária, principalmente nos ventrículos laterais,
porém também ocorre no terceiro e no quarto ventrículos.
A circulação liquórica acontece por meio de forames e canais
que interligam os ventrículos e o espaço subaracnóideo. Portanto,
considerando como ponto inicial da circulação os ventrículos
laterais, o LCR chega ao terceiro ventrículo pelos forames de Monro
e segue para o quarto ventrículo pelo aqueduto de Sylvius. No quarto
ventrículo, o LCR segue dois caminhos:
Hidrocefalia
No adulto, o principal distúrbio liquórico remete à hidrocefalia de
pressão normal (HPN) que se manifesta pela tríade de Hakim e
Adams, ou seja, marcha apráxica, incontinência urinária e demência.
Nesses casos, são realizados a mensuração da PIC, exames
radiológicos e o tap-test.
Síndrome meníngea
A associação entre os sinais de HIC, os achados humorais do
liquor e as manifestações provenientes da inflamação meníngea é
denominada síndrome meníngea. Essa condição é causada
principalmente por hemorragias subaracnóideas decorrentes de
rupturas de aneurismas cerebrais e pela meningite advinda de
processos exsudativos desencadeados por diversos patógenos.
Os principais sintomas são:
• Vômitos
• Fotofobia
• Contraturas: afetam os músculos da nuca e dos membros
inferiores.
Na síndrome meníngea, o liquor apresenta algumas alterações
notáveis. A quantidade apresenta-se aumentada juntamente com a
pressão e ultrapassa 20 mmHg. O aspecto do liquor varia de acordo
com a quantidade de células presentes, oscilando de cristalino a
opaco, de turvo a purulento e, em quadros hemorrágicos, pode
assumir aspecto xantocrômico ou hemorrágico. Em sua
composição pode haver aumento de albumina
(hiperalbuminorraquia), além de diminuição de cloretos e glicose
(hipoglicorraquia). Pode ainda haver crescimento no número de
células de defesa como neutrófilos, eosinófilos, bem como de
células mononucleares, assim como podem surgir microrganismos.
Alguns exames físicos são cruciais para o diagnóstico da
síndrome meníngea:
Conduta
Solicitado verificação da pressão de abertura do liquor, tap-test,
exames de imagem (tomografia computadorizada e ressonância
magnética). Repouso em inclinação de 30º.
CONCLUSÃO
O paciente foi encaminhado à neurocirurgia e submetido ao
procedimento de derivação ventriculoperitoneal. Após a cirurgia, o
paciente evoluiu com melhora no quadro de HPN sem eventuais
complicações.
BIBLIOGRAFIA
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Lisboa, Lisboa, 2016.
Capítulo 28
Semiologia da Sensibilidade de
Tronco e Membros
Autores: Lucca Vinícius Maia Marques, Nícollas Nunes Rabelo
CASO CLÍNICO
ANAMNESE
Paciente do sexo masculino, 40 anos de idade, relata perda de
função motora, da propriocepção e da sensibilidade epicrítica em
membros do lado esquerdo, e concomitantemente perda de
sensibilidade protopática nos membros do lado direito.
História da Moléstia Atual: Paciente admitido em Unidade Básica
de Saúde (UBS) refere quadro de cervicalgia associado a parestesia
em membro inferior esquerdo há cerca de duas semanas, foi tratado
com anti-inflamatórios e corticosteroides. No mesmo dia, o paciente
foi liberado para retornar a sua residência. Retornou à UBS
sinalizando piora do quadro com perda da sensibilidade térmica e
dolorosa proprioceptiva e epicrítica no hemicorpo esquerdo
associada a privação de sensibilidade protopática no hemicorpo
direito. Foram realizados os exames físicos neurológicos de
sensibilidade que confirmaram os relatos do paciente. O paciente foi
encaminhado para o Hospital Municipal de Paracatu (MG) para uma
melhor investigação do caso. Nele foram solicitados exames de
imagem, ressonância magnética (RM) e tomografia
computadorizada (TC), com Hipótese Diagnóstica de compressão
medular confirmada em C4-C5 e C5-C6 configurando, pelos sinais
clínicos apresentados, síndrome de Brown-Séquard em virtude de
hérnia de disco cervical. No tratamento, utilizou-se abordagem
cervical anterior standard, na qual se realizou a descompressão das
estruturas neurológica se depois procedeu-se à artrodese
intersomática em dois níveis com cage PEEK contendo matriz óssea
desmineralizada. O paciente manteve-se imobilizado com colar
cervical por 12 semanas. O pós-operatório evoluiu sem
intercorrências com progressiva melhora do quadro.
Desenvolvimento Neuropsicomotor: Paciente com crescimento e
desenvolvimento adequados para idade.
Precedentes Médicos: Paciente apresenta diabetes mellitus tipo
2 controlada com medicamentos hipoglicêmicos. Relata
internamento por acidente automobilístico na adolescência no qual
não foi necessária intervenção cirúrgica. Nega cirurgias e alergias
medicamentosas, alimentares e ambientais. Refere cartão vacinal
completo (sic).
História Familiar: Nega casos de hipertensão arterial, diabetes
mellitus, cardiopatias, síndromes e câncer.
EXAME FÍSICO:
Dados Vitais: frequência respiratória (FR): 19 irpm; frequência
cardíaca (FC): 90 bpm; temperatura: 36°C.
Geral: Paciente alega astenia; nega febre e calafrios.
Pele: Perda de sensibilidade tátil e térmica, íntegra; nega lesões e
prurido.
Cabeça e Pescoço: Normocefálica, sem alterações ao exame,
ausência de turgência jugular patológica e pulsos carotídeos
simétricos.
Abdome: Plano, flácido, indolor.
Sistema Nervoso: Paciente lúcido e orientado, responsivo. Sinais
de irritações meníngeas negativos: Kernig, Brudzinski e Lasègue.
Perda de sensibilidade proprioceptiva e exteroceptiva; alterações na
força muscular no hemicorpo esquerdo.
Suspeita Diagnóstica: Compressão nervosa.
Conduta: Solicitados exames de imagem – RM e TC. Repouso
sem restrições quanto à posição do paciente.
EXAMES COMPLEMENTARES
TC: Compressão da raiz nervosa em C4-C5 e C5-C6.
RM: Confirmação da compressão da raiz nervosa em C4-C5 e C5-
C6.
DISCUSSÃO:
SENSIBILIDADE EXTEROCEPTIVA:
1. São as que se originam nos receptores periféricos de
mucosa ou pele, decorrentes dos estímulos vindos do
ambiente. Esse tipo de sensibilidade é dividido em três;
quando a perda dessa sensibilidade é dada por
compressão medular, ocorre sempre no lado contralateral
da compressão.
CONCLUSÃO
De acordo com o discutido, verifica-se a importância dos testes
de sensibilidade para chegar a uma hipótese diagnóstica eficiente e
precisa para o caso clínico, explicitado no início do capítulo, visto
que a partir destes testes há a capacidade do avaliador de definir o
lado da compressão medular, confirmando-o através dos exames de
imagem. Essas manifestações clínicas ocorrem pelo fato de que na
Brown-Séquard há uma interrupção do fascículo de Goll e de
Burdack, o que ocasiona perda de sensibilidade profunda no lado
ipsolateral. Além disso ocorre perda de sensibilidade termodolorosa
no lado contrário à lesão pela interrupção do trato espinotalâmico
lateral e anterior. Ocorre a hemiplegia do lado homolateral da lesão.
BIBLIOGRAFIA
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Capítulo 29
Semiologia de Equilíbrio,
Coordenação e Marcha
Autores: Flávia de Paiva Santos Rolim, Lucas Silvestre Mendes
ANAMNESE
Identificação: M.S.A., 68 anos de idade, sexo masculino,
aposentado.
Queixa Principal: “Quedas frequentes nos últimos 6 meses”.
História da Moléstia Atual: Paciente de 68 anos de idade, do
sexo masculino, é encaminhado para avaliação no ambulatório de
neurologia de um hospital terciário por apresentar episódios
recorrentes de quedas nos últimos 6 meses. Ele relata que os
sintomas iniciaram-se em membros inferiores, com sensação de
desequilíbrio e “travamento” nas pernas (sic). Percebia maior
lentidão e dificuldade para realizar tarefas diárias por fadiga e dor
nas pernas. Lembra-se de ter sofrido uma a duas quedas por mês,
nos últimos 6 meses e que, em geral, elas acontecem quando
permanece em pé por muito tempo ou quando está sentado por
muito tempo e tenta levantar, ou ainda quando está andando e se
distrai com algo. Algumas vezes, tem sensação de tontura antes da
queda.
Queixa-se de apatia e humor deprimido, estando em tratamento
para depressão há cerca de 2 anos, quando deixou de trabalhar.
Antecedentes Médicos: Hipertenso, faz acompanhamento com
urologista há cerca de 5 anos por motivo de incontinência urinária,
atribuída à hiperplasia prostática benigna (HPB); foi submetido à
ressecção transuretral da próstata há 4 anos, sem melhora dos
sintomas.
Faz tratamento para depressão há 2 anos.
História Familiar: Pai hipertenso, falecido aos 58 anos de idade
por infarto agudo do miocárdio (IAM); mãe falecida aos 70 anos de
idade por complicações de pneumonia. Nega comorbidades e
história de neoplasias, demência ou doenças psiquiátricas na
família.
Medicações em Uso: Losartana 50 mg a cada 12 h; fluoxetina 20
mg/dia; tansulosina 0,4 mg/dia.
EXAME FÍSICO
Sinais Vitais: Pressão arterial (PA) em decúbito dorsal – 160 × 70
mmHg e PA em ortostase – 130 × 70 mmHg em ortostase;
frequência cardíaca (FC) –
78 bpm; frequência respiratória (FR): 16 irpm; temperatura: 36°C.
Geral: Paciente em bom estado geral, afebril, acianótico,
anictérico, corado, eupneico, hidratado, orientado, cooperativo.
Pele: Sem alterações.
Cabeça e Pescoço: Sem adenomegalias palpáveis.
Sistema Respiratório: com Murmúrio vesicular, mas sem ruídos
adventícios.
Sistema Cardiovascular: Ritmo cardíaco regular, bulhas
normofonéticas e sem sopros.
Abdome: globoso por adiposidade, flácido, indolor, sem
visceromegalias, com ruídos hidroaéreos.
Sistema Nervoso:
• Funções mentais superiores: orientado, cooperativo,
Miniexame do Estado Mental – 28/30 (errou cálculo)
Condutas:
1. Solicitada ressonância magnética
2. Solicitados exames laboratoriais (hemograma, eletrólitos,
funções renal e hepática, hormônio tireoestimulante [TSH],
tiroxina [T4] livre, estudo do ferro, cobre sérico, dosagem de
cobre em urina 24 h, ceruloplasmina, glicemia de jejum e
perfil lipídico, dosagem das vitaminas B12 e D, pesquisa de
acantócitos no sangue periférico e sorologias)
3. Orientadas medidas para controle de hipotensão
ortostática.
Exames complementares:
• Exames laboratoriais normais
• Ressonância magnética encefálica: imagem linear de
hipersinal na ponte em T2 tanto longitudinal quanto
verticalmente (“sinal da cruz”), compatível com gliose de
fibras pontocerebelares, sugerindo o diagnóstico de atrofia
de múltiplos sistemas (AMS) (Figura 1).
Figura 1. Sinal da cruz ou hot cross bun sign compatível com diagnóstico de
atrofia de múltiplos sistemas.
DISCUSSÃO
1. Se forem consideradas apenas as aferências, o equilíbrio
depende principalmente da propriocepção, da visão e da
função vestibular. Em indivíduos normais, a manutenção do
equilíbrio estático em uma superfície firme está sob a
responsabilidade compartilhada dos sistemas:
proprioceptivo (70%), vestibular (20%) e visual (10%).
2. O exame da marcha é o melhor teste individual da função
neurológica. A caminhada reflete a integração das
capacidades motora, sensorial, vestibular e cerebelar,
incluindo a atitude adotada em relação às disfunções e às
estratégias compensatórias para possíveis disfunções do
movimento.
Para se manter uma caminhada regular, é necessário integrar
duas habilidades: equilíbrio e mobilidade. Para o equilíbrio,
são necessários controle postural estático, reação de suporte,
reflexos posturais antecipatórios, recuperação e reação
protetora. Para a mobilidade, são necessários o comando
para início da marcha e a mudança do centro de gravidade
com consequentes deslocamentos posturais no espaço,
através de ações que determinam contração e relaxamento da
musculatura esquelética envolvida no ato motor da
deambulação por meio da programação de circuitaria motora
piramidal e extrapiramidal para controle do movimento.
Ataxia apendicular
AVC
Hemisférios (membro ipsolateral)
Neoplasias
cerebelares Queda preferencial para o
Desmielinização
lado da lesão
Doenças
neurodegenerativas
Ataxia axial
Vérmis cerebelar Toxicidade (álcool)
Disartria
Neoplasias (astrocitoma
pilocítico)
Nistagmo AVC
Lóbulo flóculo-
Distúrbios da motricidade Neoplasias
nodular
ocular extrínseca (meduloblastoma)
Paraneoplasia
Intoxicação exógena
Combinações das Causa medicamentosa
Pancerebelar manifestações clínicas (fenitoína)
descritas Doenças genéticas
(ataxias
espinocerebelares)
Sinal de Romberg
Ao pesquisar o sinal de Romberg, o examinador observa o
equilíbrio postural do paciente em uma superfície plana, estando
este inicialmente de pé, com os pés juntos e de olhos abertos (30
segundos), para logo a seguir examiná-lo nesta mesma posição com
os olhos fechados (30 segundos). O teste deve durar 1 minuto e é
considerado positivo, quando o paciente mostra-se apto a manter-se
de pé na primeira parte do exame, mas perde o equilíbrio ou cai,
quando com os olhos fechados (Figura 2).
Quando positivo, este teste indica lesão de vias proprioceptivas.
É válido lembrar que pacientes com lesão vestibular aguda também
podem cair para o lado lesionado ao tentar realizar o Romberg,
porém demonstram outros sinais.
Figura 2. Pesquisa do sinal de Romberg.
Fonte: Maranhão-Filhoet al., 2011.
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Capítulo 30
CASO CLÍNICO 1
ANAMNESE
Paciente do sexo feminino, 58 anos de idade, reside em Vitória (ES). Trabalha como
engenheira civil majoritariamente em escritório, ocasionalmente realizando vistorias
técnicas nas obras que coordena. Durante uma dessas visitas de campo, os
trabalhadores que a acompanhavam a socorreram em virtude de uma queda súbita e
ligaram imediatamente para o atendimento móvel de emergência, alegando que ela
não conseguia levantar-se, pois não mexia um dos lados do corpo.
Da ligação à chegada ao hospital, passaram-se 50 minutos. À admissão no serviço
de emergência, a paciente apresentava hemiplegia completa à direita, associada à fala
disártrica. O marido, que chegara com a esposa, informou à equipe médica que ela era
hipertensa e diabética, e que fazia uso irregular de losartana, metformina e
sinvastatina. Relatou também que sua esposa consome álcool ocasionalmente,
quando em eventos sociais, e não é tabagista.
Ao exame físico, a paciente apresenta mau estado geral. Aparentemente
compreendia as perguntas da equipe médica, no entanto, sua fala não era
inteligível. Demonstrava fácies atípica, estava bem nutrida, hidratada, afebril,
anictérica, sem edemas, eupneica (frequência respiratória [FR] = 16 irpm),
normocárdica (frequência cardíaca [FC] = 88 bpm), porém hipertensa (pressão arterial
[PA] = 160 x 120 mmHg). À ausculta, seu sistema respiratório apresentava murmúrios
vesiculares fisiológicos, sem ruídos adventícios, e seu sistema cardiovascular, com
ritmo regular, bulhas normofonéticas em 2 tempos, sem sopros. Abdome atípico,
flácido, timpânico, indolor à palpação, sem massas ou visceromegalias. Membros
inferiores sem edema.
Ao exame neurológico, sensibilidade, equilíbrio e marcha não foram avaliados em
face da notável disartria e do encaminhamento emergencial para o exame de imagem
(Figura 1), cuja equipe já estava pronta para recebê-la. O exame de cognição
evidenciava uma potencial afasia de expressão combinada a disartria. As pupilas
encontravam-se fotorreagentes e isocóricas. Motricidade e reflexos estavam abolidos
no hemicorpo direito (com força grau 0 em membros superior e inferior direitos), mas
no esquerdo estavam preservados (força grau 5 em membros inferior e superior
esquerdos). Não apresentava movimentos involuntários. National Institutes of Health
Stroke Scale (NIHSS) = 13.
Figura 1. Tomografia computadorizada de crânio. A. Aumento na densidade do segmento M1
da artéria cerebral média esquerda devido à trombose, indicada pela seta, um dos sinais
precoces de infarto cerebral. B. Hipodensidade e perda da diferenciação entre substância branca
e cinzenta, reforçando os efeitos da isquemia por ocasião da trombose demonstrada no sinal da
artéria densa em A.
DISCUSSÃO
Avaliação da Força
No momento de avaliação da força, a principal queixa do paciente é acerca de seu
déficit: a fraqueza. No entanto, o médico deve atentar-se ao fato de que, na maioria
das vezes, o paciente pode estar confundindo a diminuição da potência muscular
(fraqueza) com outros sintomas que direcionam ao sentimento de indisposição, como
incoordenação, astenia, torpor, entre outros (Tabela 1). Para esclarecer o que o
paciente refere como fraqueza, a história é muito útil e deve ser explorada, sobretudo
questionando-o sobre as diferenças que vem percebendo nas ações do seu cotidiano.
Algumas perguntas-chave são e seus significados são:
Apenas com a história, o médico já pode ter boa noção do que esperar ao exame
físico, o qual deve ser cautelosamente realizado. O momento da anamnese é crucial
para o raciocínio acerca dos potenciais diagnósticos nosológicos, e o exame físico
ajuda a estabelecer a topografia da lesão. Os déficits de força devem ser
caracterizados quanto a sua topografia e intensidade. Essa caracterização pode ser
confirmada por algumas técnicas: (1) observação dos movimentos e anamnese, (2)
manobras de contraposição e (3) provas deficitárias; estas últimas serão abordadas
ao longo do capítulo. Após a execução da semiotécnica, o médico poderá classificar a
força por meio do sistema de graduação apresentado na Tabela 2.
Tabela 2. Sistema de graduação da força muscular, de acordo com o Medical Research Council.
Grau Significado
5 Força normal
Manobras de Contraposição
Nas manobras de contraposição, a força pode ser avaliada de duas formas:
Figura 6. Rotação lateral da cabeça: de forma similar às posições das mãos para abdução, o
examinador solicitará ao paciente que rotacione a cabeça olhando para o lado da mão que está
forçando. Na imagem, observa-se também a palpação do músculo esternocleidomastóideo, que
fica evidente nesta manobra. O procedimento deve ser realizado para cada um dos lados.
Figura 7. Flexão da cabeça: com o paciente em decúbito dorsal e seus braços rentes ao corpo, o
examinador deverá colocar a mão contra a fronte do paciente e solicitar que ele faça força de
modo a levar o queixo em direção ao esterno.
Figura 8. Elevação do ombro: com o paciente sentado e sem forçar as mãos contra superfícies, o
examinador colocará ambas as mãos sobre os ombros do paciente, aplicando resistência, e
pedirá para que ele realize a elevação das escápulas.
Fonte: Autoria própria.
Figura 9. Abdução dos membros superiores: com o paciente sentado, o examinador posicionará
suas mãos lateral e superiormente aos cotovelos do paciente em adução (membros superiores
paralelos ao eixo axial do corpo), aplicará resistência no sentido medial e solicitará ao paciente
que tente abrir seus braços. Os primeiros 15 graus da abdução avaliarão o músculo
supraespinhal, (A) dos 15° até o intervalo de aproximadamente 90° a 120°, será avaliado o
músculo deltoide (B), e em diante será avaliado, também, o músculo trapézio (C).
A
Fonte: Autoria própria.
B
Fonte: Autoria própria.
C
Fonte: Autoria própria.
Figura 10. Adução dos membros superiores: com o paciente sentado, o examinador posicionará
suas mãos medial e superiormente aos cotovelos do paciente com membros superiores em
abdução (formando 90° com o corpo), aplicará resistência e solicitará ao paciente que tente
fechar seus braços.
Fonte: Autoria própria.
Figura 11. Flexão do cotovelo: o paciente deverá estar sentado. O examinador apoiará uma de
suas mãos anterior e superiormente à fossa cubital do paciente para estabilizá-lo.
Simultaneamente, deve aplicar resistência à flexão do cotovelo, segurando a face anterior do
terço distal anterior do antebraço do paciente. O teste deve ser aplicado bilateralmente.
Figura 12. Extensão do cotovelo: com o paciente sentado, o examinador apoiará uma de suas
mãos posterior e superiormente à fossa cubital do paciente para estabilizar o movimento.
Simultaneamente, deve contrapor à força de extensão do cotovelo do paciente, posicionando sua
mão contra o terço distal posterior do antebraço do paciente. O teste deve ser aplicado
bilateralmente.
Fonte: Autoria própria.
Figura 13. Rotação medial de membro superior: com o paciente sentado e o braço relaxado, o
antebraço horizontalizado e a palma da mão verticalizada com a face apontando medialmente, o
examinador apoiará uma das mãos lateralmente à fossa cubital para estabilização e forçará a
outra mão contra a palma do paciente, solicitando que este tente realizar a rotação medial do
braço.
Figura 14. Rotação lateral de membro superior: com o paciente com o braço relaxado, o
antebraço horizontalizado e a palma da mão verticalizada com a face apontando medialmente, o
examinador apoiará uma das mãos medialmente à fossa cubital para estabilização e forçará a
outra mão contra o dorso da mão do paciente, solicitando que ele tente realizar rotação medial.
Fonte: Autoria própria.
Figura 15. Extensão do punho: com o paciente sentado, os antebraços repousando sobre os
membros inferiores, punhos fechados e o dorso da mão apontando superiormente, o examinador
forçará a palma de suas mãos contra o dorso das mãos do paciente e solicitará que ele realize a
extensão do punho.
Figura 16. Flexão do punho: o paciente deve posicionar-se de forma parecida à extensão de
punho, exceto pelo fato de que o dorso da mão deverá estar apoiado sobre a coxa. O examinador
forçará a palma de suas mãos contra o ventre dos punhos fechados do paciente. Com a
contração, evidenciam-se os tendões do palmar longo.
Fonte: Autoria própria.
Figura 17. Oposição dos dedos: o paciente deve realizar o pinçamento do primeiro e segundo
dedos e mantê-los firmes, enquanto o examinador também realiza o mesmo pinçamento, de
forma que os dedos de ambos prendam-se, do mesmo jeito que ocorre na união dos aros de uma
corrente. O examinador tracionará os dedos em pinça do paciente, como se quisesse abrir o aro
formado pela união do primeiro e segundo dedos e pedirá para o paciente tentar mantê-lo
fechado (o aro). O teste deve ser aplicado bilateralmente. A manobra de oposição entre o
polegar e o indicador avalia os nervos ulnar e mediano. Já a oposição entre o polegar e o dedo
mínimo avalia os nervos radial e ulnar.
Fonte: Autoria própria.
Figura 18. Flexão dos dedos: o paciente deverá estar com a palma de suas mãos apontada para
cima, e o examinador tracionará a parte anterior dos dedos do paciente com suas mãos.
Figura 20. Flexão do quadril: com o paciente em decúbito dorsal, o examinador deverá apoiar a
perna do paciente sobre um de seus antebraços (paralelamente) e mantê-la firme com sua mão,
enquanto a outra mão fará força contra o terço médio anterior da coxa do paciente e será
solicitado que este tente realizar a flexão do quadril. Há a possibilidade de realizar manobra
com o paciente sentado, mas, nessa posição, frequentes são as tentativas de compensar o
movimento com outros grupos musculares. O teste deve ser aplicado bilateralmente.
Fonte: Autoria própria.
Figura 21. Adução do quadril: com o paciente sentado e seus membros inferiores em uma
abertura de aproximadamente 60°, o examinador deverá posicionar a palma de suas mãos
medialmente aos joelhos do paciente e aplicará força em sentido lateral, solicitando ao paciente
que tente aduzir seus membros inferiores.
Fonte: Autoria própria.
Figura 22. Abdução do quadril: com o paciente sentado e seus membros inferiores formando um
ângulo de aproximadamente 60° entre eles, o examinador deverá posicionar a palma de suas
mãos lateralmente aos joelhos do paciente e aplicará força medialmente, solicitando ao paciente
que tente abduzir seus membros inferiores.
Figura 23. Extensão do joelho: com o paciente sentado e seus pés livres, o examinador apoiará
uma de suas mãos sobre o joelho do paciente, enquanto resiste à extensão do joelho com a outra
mão. O paciente também pode realizar este teste em decúbito dorsal. O examinador colocará seu
antebraço direito abaixo do joelho esquerdo do paciente, a palma de sua mão direita apoiará
acima do joelho direito do paciente, sua mão esquerda forçará contra a parte anterior do terço
distal da perna e pedirá que o paciente tente realizar a extensão do joelho. O teste deve ser
aplicado bilateralmente.
Fonte: Autoria própria.
Figura 24. Flexão do joelho: com o paciente sentado e seus pés sem apoio, o examinador
apoiará uma de suas mãos sobre o joelho do paciente, forçará a outra contra o terço médio
posterior da perna e solicitará que o paciente tente realizar a flexão do joelho.
Fonte: Autoria própria.
Figura 25. Dorsiflexão do pé: com o paciente sentado e seus pés sem apoio, o examinador
deverá forçar a mão contra o dorso do pé do paciente e solicitar que ele realize a dorsiflexão. O
paciente também pode realizar este teste em decúbito dorsal, executando o mesmo
procedimento.
Figura 26. Flexão plantar do pé: com o paciente sentado e seus pés sem apoio, com um papel, o
examinador deverá forçar a mão contra a planta do pé do paciente e solicitar que ele realize a
flexão plantar. O paciente também pode realizar este teste em decúbito dorsal, executando o
mesmo procedimento.
Fonte: Autoria própria.
As provas deficitárias são mais sensíveis e, por esse motivo, são usadas em
déficits de força discretos ou duvidosos. Serão exploradas mais adiante neste
capítulo.
Avaliação do Tônus
O tônus representa o grau de contração do músculo em repouso. Pode ser avaliado
de três formas:
Músculo relaxado
(contração mínima Músculo relaxado,
Músculo contraído,
basal), com com achatamento
com contorno
Inspeção formato das massas
acentuado das
preservado das musculares no
massas musculares
massas plano do leito
musculares
Balanço
Normal Aumentado Diminuído
positivo
Redução do
Aumento do Tônus
Tônus
Hipotonia Hipertonia
Fonte:
São inúmeros os reflexos testados no consultório, os quais são classificados em
dois tipos:
Descritiva
Quantitativa Descrição
(qualitativa)
Reflexos Superficiais
Foram pesquisados os mais comuns, referidos na Tabela 6, e a forma como
procedem (Figuras 28 a 30).
Tabela 6. Reflexos superficiais mais comumente pesquisados.
Centro
Reflexo Inervação Sede do estímulo Resposta
medular
Cutâneo- Nervo tibial L5 a S2 Região plantar, em Flexão dos
Plantar estímulo que se origina do dedos do pé
calcanhar em sentido
posteroanterior
margeando a porção
lateral plantar. Completa o
movimento dirigindo-se
medialmente através do
arco transverso do pé
Reflexo Cutâneo-Plantar
Com o paciente em decúbito dorsal, pernas ligeiramente fletidas e coxa
rotacionada externamente, o examinador avisa ao paciente que irá aplicar um estímulo
não doloroso, mas que será firme e poderá gerar algum incômodo. Também o instrui
acerca da necessidade de manter os pés tão relaxados quanto possível. Em seguida,
imprime estímulo que parte do calcanhar em direção posteroanterior, aproximando-se
a borda lateral da superfície plantar até atingir o arco transverso do pé, quando
assume trajetória horizontal em direção medial. O estímulo é feito com haste de borda
romba (classicamente um abaixador de língua de madeira quebrado ao meio). O
reflexo normal consiste na flexão dos dedos do pé (Figuras 28 e 29).
Figura 28. Abaixador de língua quebrado ao meio. A ponta ao centro da partição é utilizada na
aplicação do estímulo.
Fonte: Autoria própria.
Figura 29. A. Pesquisa de reflexo cutâneo-plantar. B. Resposta com flexão dos dedos do pé.
A
Fonte: Autoria própria.
B
Fonte: Autoria própria.
Reflexo Cutâneo-Abdominal
Ainda com o paciente em decúbito dorsal, garante-se que a parede abdominal está
completamente relaxada para proceder ao estímulo. O examinador deve estimular o
abdome nas regiões superior, média e inferior, partindo da superfície lateral em direção
ao plano medial (Figura 30). De modo didático, pode-se dizer que a pesquisa é feita
desenhando os bigodes de um gato em direção ao umbigo, que seria o focinho do
gato. O reflexo normal é a contração da musculatura subjacente com desvio da linha
alba e do umbigo em direção ao estímulo. Algumas situações acerca desse reflexo
merecem ser pontuadas:
Centro Sede do
Reflexo Músculo Resposta
medular estímulo
Tendão de Aquiles
Aquileu Tríceps sural L5 e S1 (tendão do Flexão do pé
calcâneo)
Extensão da
Patelar Quadríceps L2 a L4 Tendão rotuliano
perna
Flexão do
antebraço e, às
Apófise estiloide vezes, ligeiras
Supinador Supinadores C5 e C6
do rádio supinação e
flexão dos
dedos
Pronação da
Processo estiloide
Pronador Pronadores C6 a T1 mão e do
da ulna
antebraço
Figura 31. Reflexo glabelar: o examinador deverá posicionar um dedo em frente aos olhos do
paciente (20 cm de distância) para mantê-lo focado, enquanto a glabela é percutida. Espera-se
que o paciente pisque os olhos na primeira vez e não o faça nas próximas percussões. Se o
piscamento persistir, confirma-se o sinal de Myerson, associado à doença de Parkinson. O
martelo deve movimentar-se fora do campo de visão do paciente, que está focado no dedo do
examinador, a fim de evitar o reflexo de piscamento, o qual testa nervos diferentes do reflexo
glabelar. Enquanto o reflexo de piscamento testa o II (sensitivo) e VII (motor) pares cranianos,
o reflexo glabelar testa apenas o VII par craniano (em seus componentes sensitivo e motor).
Figura 32. Reflexo orbicular da boca: o examinador deverá percutir região suprabucal, no centro
do filtro, normalmente com interposição do dedo. Espera-se resposta da mímica parecida com
assobio ou beijo. Na prática, este é um reflexo difícil de ser observado em adultos e é mais
comum em crianças ainda em amamentação.
Figura 33. Reflexo massetérico ou mandibular: para essa manobra, o paciente deve estar com a
boca entreaberta. O examinador deverá percutir o mento do paciente, interpondo seu dedo entre
o alvo e o martelo. Espera-se a elevação da mandíbula em decorrência da contração do músculo
masseter.
Fonte: Autoria própria.
Figura 34. Reflexo bicipital: o examinador deverá palpar o tendão do músculo bíceps braquial e
apoiar o antebraço do paciente sobre o seu. Em seguida, irá interpor seu polegar entre o tendão e
o martelo, segurando o cotovelo do paciente com o restante dos dedos e realizar a percussão.
Espera-se a contração do bíceps.
Figura 35. Reflexo tricipital: o examinado deverá palpar o tendão do músculo tríceps braquial e,
com uma mão, segurar a parte anterior da fossa cubital do paciente, deixando o braço deste
fazendo aproximadamente 90° com o eixo axial do corpo e seu antebraço sem apoio, ficando
verticalizado. Em seguida, deverá percutir o tendão do músculo tríceps braquial. Espera-se a
contração desse músculo.
Fonte: Autoria própria.
Figura 37. Reflexo estiloulnar: o examinador deve segurar a mão do paciente, de forma que esta
fique em supinação, e deverá percutir próximo ao processo estiloide da ulna. Espera-se
supinação discreta do antebraço.
Fonte: Autoria própria.
Figura 38. Reflexo dos flexores dos dedos: o examinador deve segurar a mão do paciente de
forma que esta fique em supinação, posicionar seus dedos contra a parte anterior das falanges
médias do paciente, interpondo-os, e percutir através do seu dedo. Espera-se a flexão dos dedos.
Figura 39. Reflexo adutor da coxa: com o paciente sentado, o examinador deve percutir os
tendões no côndilo medial do fêmur, com interposição de seu dedo. Esse teste também pode ser
realizado com o paciente em decúbito dorsal com membros inferiores fletidos em ligeira
adução, com os pés apoiados na cama ou as pernas pendentes. Espera-se a adução discreta da
coxa ipsolateral ou bilateralmente.
Fonte: Autoria própria.
Figura 40. Reflexo patelar: com o paciente sentado e seus pés sem apoio, o examinador deverá
palpar o tendão patelar e percuti-lo. Espera-se a extensão do joelho.
Figura 41. Reflexo aquileu: com o paciente em decúbito dorsal, o examinador deverá posicionar
o terço distal lateral da perna direita sobre o terço médio anterior da perna esquerda do paciente.
Em seguida, o examinador deverá percutir o tendão do calcâneo. Espera-se a flexão plantar
discreta. O paciente também consegue realizar essa manobra em decúbito ventral, mas deve
estar com os pés fora da maca, ou seja, sem apoio. O examinador deverá segurar o pé do
paciente para sentir a contração transmitida e percutir o tendão do calcâneo.
Fonte: Autoria própria.
DISCUSSÃO DO CASO 1
Fonte: http://aneste.org/a-necessidade-do-sistema-nervoso-central-pelo-aporte-de-
oxigni.html
Fonte: https://samyysandra.com/broca-vs-wernicke
CASO CLÍNICO 2
A mesma paciente do caso anterior apresenta-se ao médico generalista na Unidade
Básica de Saúde 4 meses após o episódio de AVC isquêmico. O susto foi grande,
houve sequelas, e, desde então, a família a pressionou para que ela fizesse uso
adequado das medicações para tratamento de hipertensão, diabetes e
hipercolesterolemia. Ela está em consulta de rotina para renovação das medicações,
mas também anseia observar progresso dos seus esforços pelo acompanhamento do
fisioterapeuta e fonoaudiólogo. Chega à sua sala com auxílio de uma bengala e
prontamente pega, com dificuldade, alguns papéis de receitas médicas de bolsa,
colocando-os sobre a mesa.
Ao exame físico, a paciente apresenta-se em bom estado geral, cooperativa, lúcida
e orientada no tempo e no espaço. Fácies atípica, está bem nutrida, hidratada, afebril,
anictérica, sem edemas, eupneica (FR = 15 irpm), normocárdica (FC = 84 bpm) e
normotensa (PA = 118 × 79 mmHg). À ausculta, o sistema respiratório apresenta
murmúrios vesiculares fisiológicos, sem ruídos adventícios. O sistema cardiovascular
tem ritmo cardíaco regular, bulhas normofonéticas em 2 tempos, sem sopros. Abdome
atípico, flácido, timpânico, indolor à palpação, sem massas ou visceromegalias.
Membros inferiores sem edema.
Ao exame neurológico, a paciente não apresenta déficits cognitivos, melhorando
globalmente o quadro de afasia. Pupilas fotorreativas e isocóricas. O equilíbrio e a
coordenação estão preservados. Amplitude e velocidade de movimentos encontram-
se diminuídos no lado direito. A marcha ceifante é discreta, em virtude da
espasticidade no hemicorpo direito, associada à flexão do membro superior
ipsolateral, caracterizando a postura de Wernicke-Mann. Força grau 4 na musculatura
proximal do hemicorpo direito e 4- na musculatura distal desse mesmo lado. Além
disso, a paciente apresenta hipertonia espástica e hiperreflexia no hemicorpo direito,
com sinal do canivete positivo. Todas as modalidades de sensibilidade estão
preservadas.
Sinal de Babinski
É um sinal patológico obtido na pesquisa do reflexo cutâneo-plantar. Quando
positivo, observa-se a extensão do hálux. É comumente acompanhado pelo
distanciamento dos demais dedos do pé, que se abrem em forma de leque, conforme
demonstrado na Figura 44.
Figura 44. Sinal de Babinski. A. Extensão do hálux. B. Abertura dos dedos do pé em leque.
Fonte: Autoria própria.
Sinal de Hoffmann
Recomenda-se que o paciente esteja sentado e distraído, com as mãos relaxadas e
articulação do cotovelo e antebraço apoiada sobre mão e antebraço do examinador.
Com a outra mão, o médico deve realizar o pinçamento da terceira falange distal,
exercendo pressão sobre a unha. A resposta positiva é obtida com a flexão da falange
distal do polegar da mesma mão. Considera-se um equivalente de Babinski nos
membros superiores (Figura 45). Embora seja um sinal de fácil e interessante
pesquisa, é menos constante e confiável do que as pesquisas em membros inferiores.
Figura 45. Sequência de fotos feitas na pesquisa do Sinal de Hoffman
Sinal de Tromner
Com o paciente em posição confortável e com as mãos relaxadas, o examinador
segura sua mão pela articulação metacarpofalângica do dedo médio, enquanto, com a
outra mão, realiza um golpe de baixo para cima na extremidade distal do dedo do
paciente, conforme mostrado na Figura 46. Quando positivo, é obtida a mesma
resposta do sinal de Hoffmann.
Figura 46. Pesquisa do sinal de Tromner.
Fonte: Autoria própria.
Clônus
Consiste em uma série de contrações musculares involuntárias secundárias ao
estiramento súbito de um músculo. Os mais comumente observados são os clônus
aquileu e patelar. A pesquisa de ambos é realizada em decúbito dorsal, conforme
demonstrado nas Figuras 47 e 48.
Figura 47. Demonstração da manobra para pesquisa do clônus patelar. Após o estiramento
brusco do músculo quadríceps femoral no paciente com lesão do neurônio motor superior,
espera-se uma série de contrações musculares, fazendo a patela subir e descer repetidas vezes.
Figura 48. Demonstração da manobra para pesquisa do clônus aquileu. Após o estiramento
brusco do músculo tríceps sural no paciente com lesão do neurônio otor superior, espera-se uma
série de contrações musculares com flexão e dorsiflexão do pé repetidas vezes.
Fonte: Autoria própria.
Hipertonia
A hipertonia observada no quadro subagudo da síndrome do neurônio motor
superior é denominada «hipertonia elástica» ou espasticidade, como já esclarecido no
tópico «Avaliação de Tônus», no caso anterior. Sua fisiopatologia parece estar
relacionada à hiperexcitabilidade dos motoneurônios alfa e gama, dois tipos de
neurônios associados à unidade motora (músculo + nervo). A clínica da espasticidade
é marcada por duas características importantes:
Tetraparesia,
paraparesia
crural/braquial
incompleta
(sem
Hemiparesia acometimento
Desproporcional, Proporcional alterna, com de nervos
com predomínio completa. acometimento cranianos).
Fraqueza
braquial ou Raramente de hemicorpo A clínica
crural poupa a face contralateral e observada
face ipsolateral dependerá da
localização do
acometimento
medular e da
forma como ele
ocorreu
Presentes,
Reflexos quando a lesão
cutâneo- Abolidos ou diminuídos está em
abdominais segmentos
inferiores a T6
Ausente em
Sinal de
Presente lesões abaixo
Babinski
de L1
Perda das
sensibilidades
térmica e
Hemi-
Alteração dolorosa
Possíveis hipoestesia Sensibilidade
sensitiva vaga e contralateral ao
alterações contralateral pode estar
grafoestesia déficit motor
sensitivas ao tálamo preservada
alterada (por lesão do
acometido
trato
espinotalâmico
lateral)
SINAL
CÓRTEX CÁPSULA TRONCO MEDULA
OU
CEREBRAL INTERNA CEREBRAL ESPINHAL
SINTOMA
Hemisfério
esquerdo:
afasia (já que na
maioria dos
casos, esse
hemisfério é o
Oftalmoplegia
dominante para
internuclear
a linguagem),
(especialmente
que pode ou não
em lesões
ser
pontíneas)
Outras acompanhada
possíveis de depressão
Síndrome de
associações psíquica
Claude Bernard-
Horner, um
Hemisfério
transtorno
direito:
autonômico
anosognosia
simpático
(falta de
percepção da
doença) e
transtornos da
atenção à
esquerda
CASO CLÍNICO 3
Paciente do sexo masculino, 32 anos de idade, reside em Vila Velha (ES). Possui
ensino superior completo e trabalha como advogado em causas criminais. Procurou
atendimento médico uma semana após sintomas de fadiga e apresenta queixas
objetivas como não conseguir segurar as sacolas do supermercado e passar a sofrer
frequentes tropeços ao subir as escadas de casa, obrigando o uso do elevador mesmo
para subir um único andar de seu prédio. Mora sozinho e não possui casos similares
na família. Quando questionado sobre seus hábitos e cuidados com a saúde, nega
etilismo e assume tabagismo (132,5 maços-ano), além de relatar estar se curando de
um caso de resfriado comum (infecção de vias aéreas superiores) há 10 dias.
Ao exame físico, o paciente apresentava-se em bom estado geral, lúcido, orientado
no espaço e no tempo. Fácies atípica, estava bem nutrido, hidratado, afebril, anictérico,
sem edemas, eupneico (FR = 14 irpm), normocárdico (FC = 80 bpm) e normotenso (PA
= 121 × 85 mmHg). À ausculta, o sistema respiratório apresentava murmúrios
vesiculares fisiológicos, sem ruídos adventícios. O sistema cardiovascular tem ritmo
cardíaco regular com bulhas normofonéticas em 2 tempos, sem sopros. Abdome
atípico, flácido, timpânico, indolor à palpação, sem massas ou visceromegalias.
Membros inferiores sem edema.
Ao exame neurológico, apresentava cognição e comportamento normais. Postura e
equilíbrio conservados, apesar da marcha escarvante. Ao teste do pinçamento, os
dedos apresentavam baixa amplitude e velocidade diminuída bilateralmente. Foi
realizado o teste rítmico de dorsiflexão e flexão plantar contra o solo, mostrando
também amplitude e velocidade diminuídas bilateralmente. Força em membros
proximais grau 5, membros superiores distais com força grau 4+ e membros inferiores
distais grau 3, situação visível na flexão e extensão do punho e na dorsiflexão e flexão
plantares. Apresenta hipotonia discreta. Sem movimentos involuntários. Reflexos
profundos diminuídos, sendo testados bicipital, tricipital, patelar e aquileu.
Sensibilidades tátil e vibratória diminuídas distalmente e parestesia em membros
inferiores. Nervos cranianos sem alterações perceptíveis.
Com baseado nos dados clínicos e no exame semiológico, apresentava síndrome
de neurônio motor inferior, denotada pela fraqueza de predomínio distal, simétrica,
ascendente, em mais de um nervo, isto é, do tipo polineuropatia motora distal
ascendente pós-infecciosa. Suspeitou-se de síndrome de Guillain-Barré. Solicitou-se a
internação do paciente para melhor observação do quadro. Foram realizadas
eletroneuromiografia e punção lombar, que evidenciaram, respectivamente, velocidade
de condução nervosa diminuída, latências distais prolongadas e excesso de proteínas
totais no liquor, confirmando a hipótese diagnóstica (Figura 50).
O paciente iniciou tratamento com imunoglobulina endovenosa e começou a
apresentar melhora dos sintomas em 5 dias.
Figura 50. Eletroneuromiografia mostrando bloqueio de condução do antebraço, sendo denotado
pela queda de amplitude (80%) e área (76%) do potencial de ação muscular composto (AMP)
com a estimulação distal do punho (traçado superior) em comparação com a estimulação no
cotovelo (traçado inferior). Também observa-se a diminuição da velocidade de condução no
antebraço (18,9 m/s).
Fonte: https://link.springer.com/chapter/10.1007/978-1-4614-6567-6_28
Tardia
Presente
Presente (acentua-se
Atrofia (acentuada e Presente Ausente
(moderada) com o
precoce)
tempo)
Ausente ou
Diminuído ou Diminuído ou diminuído Diminuído ou
Reflexo Normal
ausente ausente (desproporcional normal
à fraqueza)
Deficitário:
Distúrbio de hipoestesia,
Ausente Dor irradiada Ausente Ausente
sensibilidade anestesia e/ou
parestesia
Além disso, até mais do que nas síndromes piramidais, as síndromes do
motoneurônio inferior possuem vínculo bastante direto com os sinais observados, em
especial ao considerar a natureza segmentar de origem desses a partir da medula
espinhal e dos forames intervertebrais. Com intuito de auxiliar na localização precisa
da topografia da lesão, disponibiliza-se também na Tabela 10, para consulta rápida, a
correspondência entre os ramos medulares e os grupos musculares por eles
inervados.
Tabela 10. Relação entre músculos e suas ações musculares, raízes nervosas e nervos
periféricos.
RAÍZES AÇÃO DO
MÚSCULO NERVO
NERVOSAS MÚSCULO
Extensão do antebraço
Tríceps braquial C6 a C8 (T1) Radial
(cotovelo)
Nervo para o
Psoas (L1) L2 a L4 Flexão da coxa
psoas maior
CASO CLÍNICO 4
Paciente do sexo masculino, 79 anos de idade, caucasiano, proveniente da cidade
de Venda Nova do Imigrante (ES), é encaminhado ao ambulatório de neurologia para
investigação de queixa de fadiga muscular. Dois meses antes da consulta notou
dificuldade na deglutição e na mastigação de sólidos, a qual se agravava ao longo da
refeição e piorava no jantar, engasgando-se frequentemente. Desenvolveu ptose
palpebral, mais acentuada à esquerda, há três semanas, quando passou a sentir
dificuldades para manter o olho aberto ao assistir à televisão. Demorou a ir ao médico,
pois achou que era apenas cansaço proveniente dos exercícios físicos que havia
iniciado há 2 meses e meio atrás.
O paciente era hipertenso e estava medicado com ácido acetilsalicílico (100
mg/dia) e lisinopril (5 mg/dia). Nega etilismo e tabagismo e não possui casos
conhecidos de doenças neurológicas ou autoimunes na família.
Ao exame físico, o paciente apresentava-se em bom estado geral, lúcido e
orientado no espaço e no tempo. Fácies atípica, estava bem nutrido, hidratado, afebril,
anictérico, sem edemas, eupneico (FR = 14 irpm), normocárdico (FC = 80 bpm) e
hipertenso (PA = 150 × 100 mmHg). À ausculta, o sistema respiratório apresentava
murmúrios vesiculares fisiológicos, sem ruídos adventícios e o sistema cardiovascular
com ritmo cardíaco regular e bulhas normofonéticas em 2 tempos, sem sopros.
Abdome atípico, flácido, timpânico, indolor à palpação, sem massas ou
visceromegalias. Membros inferiores sem edema.
Ao exame neurológico, não apresentava alterações cognitivas ou em nervos
cranianos. Estava ligeiramente disártrico e com voz anasalada, características que se
acentuavam ao longo do discurso. Não tinha desvios na língua ou na úvula nem havia
evidência de xerostomia. Não apresentava déficits motores nos membros e não havia
alterações na sensibilidade ou nos reflexos tendinosos profundos.
Hemograma, ionograma e provas de funções renal, hepática e tireóidea estavam
normais, bem como a radiografia de tórax. A tomografia computadorizada (TC) de
crânio mostrou moderada atrofia corticossubcortical generalizada compatível com o
grupo etário, e a torácica não evidenciou nenhuma imagem com significado
patológico, como adenomegalias ou massas mediastínicas ou pulmonares. As provas
funcionais respiratórias mostraram um padrão restritivo moderado.
O teste com 2 mg de edrofônio endovenoso (anticolinesterásico) foi positivo,
verificando-se melhora acentuada, mas transitória (cerca de 5 minutos), da ptose
palpebral. O estudo eletroneuromiográfico mostrou disfunção da placa motora do tipo
pós-sináptico, com diminuição da resposta muscular à estimulação repetida (Figura
52). A pesquisa de anticorpos solúveis antirreceptor da acetilcolina (R-ACC) foi
positiva (8,99 nmol/L, com negativo < 0,4). Verificou-se negatividade para os outros
autoanticorpos pesquisados:e anti-DsDNA, antinucleares, fator reumatoide e anti-TPO.
Os marcadores tumorais (CA19.9, CA-125 e ACE) foram negativos. Conjugando-se os
dados clínicos e analíticos, confirmaram-se os diagnósticos de miastenia gravis e
hipertensão arterial.
Foi iniciado o tratamento com prednisolona 20 mg/dia por via oral, piridostigmina
60 mg por via oral, a cada 8 h, e lisinopril 10 mg/dia. Verificou-se melhora clínica
progressiva, o paciente recebeu alta hospitalar e orientação para acompanhamento
com neurologista para posterior reavaliação de melhor imunossupressão e retirada do
corticosteroide.
Figura 52. Eletroneuromiografia com agulha de fibra única. Mostra-se a mesma unidade motora
sendo estimulada diversas vezes, com evidente aumento da latência (em ms) e jitter (oscilações)
em decorrência da resposta muscular ineficiente.
Fonte: https://doi.org/10.1002/mus.22203
Provas Deficitárias
Consistem em movimentos de sustentação voltados para avaliação de fraqueza
progressiva durante um curto intervalo de tempo. São mais sensíveis que as manobras
de contraposição e normalmente são utilizadas para detectar déficits de força mais
discretos, localizados na sutil amplitude entre 4 e 5 da escala de graduação de força
do Research Medical Council. Essas provas auxiliam na localização da topografia da
fraqueza, que pode ser global, distal (característico de lesões piramidais ou de nervos
periféricos) ou proximal (característico de miopatias).
São essenciais para pacientes com síndromes de placa motora, já que a
estimulação contínua dos músculos provoca sua falha, e a força da contração passa a
ser vencida pela gravidade. Em pacientes sem alterações, espera-se que consigam
sustentar os membros durante todo o tempo da prova. As manobras mais comuns são
explicadas com as Figuras 53 a 58.
Figura 53. Prova do desvio pronador: os membros superiores devem estar estendidos, em
supinação ou com as palmas voltadas para o plano mediano, fazendo um ângulo de 90° com o
tronco. No paciente acometido, espera-se que ocorram oscilação, pronação e flexão do braço e
dos dedos. O teste dura entre 1 a 2 minutos.
Fonte: Autoria própria.
Figura 54. Prova dos braços estendidos ou Mingazzini para os membros superiores: é
semelhante à prova do desvio pronador, entretanto, os antebraços do paciente devem estar em
pronação durante o início do teste. No paciente acometido, espera-se que ocorram oscilação,
queda dos membros superiores, flexão das mãos e dos dedos.
Fonte: Autoria própria.
Figura 55. Prova de Raimiste: alguns pacientes têm fraqueza nos músculos flexores do ombro, o
que os impede de deixar os membros superiores estendidos e realizar as provas anteriores.
Nessa manobra, o paciente deve estar em decúbito dorsal, com os braços levemente afastados
do corpo, os cotovelos apoiados na maca e os antebraços verticalizados formando um ângulo de
90° com os braços. No pacientre acometido, eEsperam-se oscilação e queda da mão em direção
ao plano mediano.
Fonte: Autoria própria.
Figura 56. Prova de Mingazzini para os membros inferiores: assim como nos membros
superiores, a provas de membros inferiores também duram de 1 a 2 minutos. O paciente deve
estar em decúbito dorsal, com as coxas fletidas sobre a pelve (formando um ângulo de 90°) e as
pernas devem ser mantidas na posição horizontal. No paciente acometido, esperam-se oscilação
e queda dos membros inferiores. Essa prova pode ser observada nas três primeiras figuras.
Quando o paciente possui dificuldade em movimentar o quadril e fletir a coxa, como em casos
de artrose ou alterações abdominais como a ascite, o examinador pode lançar mão da Prova de
Wartenberg, ilustrada nas últimas três imagens. Nela, a realização do teste ocorre sem a
horizontalização das pernas, tomando os calcâneos como pontos de apoio. O pé deve estar em
dorsiflexão e, com o passar do tempo, espera-se que ocorra queda dos pés em pacientes
acometidos.
Fonte: Autoria própria.
Figura 57. Prova de Barré: o paciente deve posicionar-se em decúbito ventral, fazendo com que
as pernas fiquem verticalizadas em um ângulo próximo a 90°, pelo movimento de flexão do
joelho. Em uma situação patológica, nos pacientes acometidos espera-se queda das pernas
durante a prova.
Fonte: Autoria própria.
Figura 58. Prova de “Mingazzini palpebral”: assim como as provas anteriores, também é um
teste de sustentação, utilizado para o diagnóstico de miastenia gravis. Solicita-se ao paciente
que fique com a face a 90° do pescoço e que olhe para um ponto fixo acima dos olhos, podendo
ser indicado com uma caneta pelo examinador. Espera-se que ocorra ptose palpebral no paciente
acometido, ou seja, a queda da pálpebra.
Fonte: Autoria própria.
CASO CLÍNICO 5
Paciente do sexo feminino, 16 anos de idade, residente na Serra (ES), ensino médio
incompleto. Procurou atendimento com neurologista por motivo de dores musculares
e fadiga constantes, associadas à dificuldade para andar e subir escadas. Também
alegava que não conseguia mais correr. Em investigações posteriores, o tratamento da
depressão não havia sido resolutivo. Tem antecedente de doença esofágica que não
sabe relatar e não utiliza nenhum medicamento regular. Nega etilismo e tabagismo.
Ao exame físico, a paciente apresentava-se em regular estado geral, lúcida e
orientada no espaço e no tempo, fácies atípica, estava bem nutrida, corada, afebril,
anictérica, sem edemas, eupneica (FR = 17 irpm), normocárdica (FC = 88 bpm) e
normotensa (PA = 115 × 78 mmHg). O sistema respiratório apresentava murmúrios
vesiculares fisiológicos, sem ruídos adventícios e sistema cardiovascular com ritmo
cardíaco regular e bulhas normofonéticas em 2 tempos, sem sopros. Abdome atípico,
flácido, timpânico, indolor à palpação, sem massas ou visceromegalias. Membros
inferiores sem edema. Apresentava pele áspera, ressecada e dedos em gatilho (Figura
60).
Ao exame neurológico, mostrava cognição e comportamento normais, bem como
exames de sensibilidade e nervos cranianos sem alterações. Coordenação e equilíbrio
estavam conservados. A marcha era miopática (anserina), com base ligeiramente
alargada e movimentos acentuados do quadril. A amplitude e a velocidade dos
movimentos encontravam-se diminuídas. Havia diminuição da força proximal grau 4−
em membros inferiores, situação que era pior na musculatura proximal. Hipotonia era
observada bilateralmente em membros superiores e inferiores. Reflexos profundos
eram normais e não havia fasciculações.
Realizou dosagem de creatinoquinase total com elevação excessiva de 28.000 U/L
(valor de referência para mulheres: 22,0 a 199,0 U/L; homens: 22,0 a 334,0 U/L)
confirmando lesão muscular em atividade (Figura 61). Os demais exames laboratoriais
normais não apresentavam sinais infecciosos.
A partir dos sinais e sintomas clínicos, suspeitou-se de síndrome miopática, e com
as demais características clínicas (jovem, sexo feminino, com alteração esofágica e
xerodermia intensa associada), presumiu-se escleromiosite, uma doença de
superposição entre a esclerodermia e a dermatomiosite, ambas doenças autoimunes.
Iniciou-se terapia com o imunossupressor metilprednisolona 1 g/dia, por 5 dias, em
pulsoterapia, a qual a paciente foi responsiva. Posteriormente, associou-se a
imunossupressão por via oral com azatioprina e prednisona e realizou-se a dosagem
de anti-SCL, a qual foi positiva, confirmando o diagnóstico.
Figura 60. Mão da paciente com pele ressecada e ferimentos condizentes com esclerodermia.
Síndrome Muscular
A escleromiosite é uma doença autoimune sistêmica, com importante
comprometimento muscular e cutâneo. É um subtipo de dermatomiosite, no qual essa
doença se hibridiza com a esclerodermia, gerando um padrão combinado de sinais
dermatológicos e musculares. Neste caso, o diagnóstico foi majoritariamente clínico,
observados hipotonia, fraqueza e exuberantes sinais dermatológicos, associados aos
sintomas de dor e fraqueza que a paciente apresentava.
Após análise um pouco mais aprofundada acerca da motricidade, percebeu-se um
pequeno déficit de força difuso, bem avaliado em manobras de contraposição, provas
deficitárias e teste de amplitude dos movimentos. Assim como na maioria das
miopatias, a fraqueza era pior na musculatura proximal dos membros, situação que
justifica a marcha anserina e a dificuldade em subir os degraus do ônibus.
Nesse caso, é especialmente interessante a investigação prévia de possível
depressão. No acompanhamento progressivo da paciente, o diagnóstico de depressão
havia sido dado por conta da interferência da mãe, que chamava a filha de preguiçosa
por não conseguir correr ou subir as escadas, taxando a indisposição física da filha
como reflexo de “má vontade”. Reforça-se a importância de considerar a queixa da
paciente e observar seu contexto integralmente, antes de taxar seu distúrbio como
algo não orgânico. Essa situação torna-se ainda mais urgente ao se atentar para a
incapacitação gerada pelos inúmeros efeitos colaterais das medicações para essa
finalidade, crucial na etapa de desenvolvimento psicossocial, a qual essa adolescente
se encontrava.
CASO CLÍNICO 6
Paciente do sexo masculino, 75 anos de idade, caucasiano, residente em Baunilha
(ES), uma cidade no interior do estado. Possui ensino básico completo (até a 4a série)
e é aposentado, tendo anteriormente trabalhado no ramo da marcenaria. Procurou
atendimento médico com queixa de tremor não incapacitante na mão direita, com
início há 3 anos, que evoluiu para a mão contralateral. Considerava suas queixas algo
comum da velhice, justificando sua demora em buscar ajuda médica. Relata consumo
ocasional de “pinga” com os amigos e de cigarros de palha até os 52 anos de idade,
quando fez uma promessa para o nascimento da neta, que veio linda e saudável,
motivando o abandono desse hábito. Sem casos relatados na família. Foi à consulta
acompanhado da esposa.
Ao exame físico, o paciente apresentava-se em regular estado geral, lúcido e
orientado no espaço e no tempo, fácies parkinsoniana, estava bem nutrido, hidratado,
afebril, anictérico, sem edemas, eupneico (FR = 16 irpm), normocárdico (FC = 86 bpm)
e normotenso (PA = 117 × 83 mmHg).
Ao exame neurológico, apresentava cognição e comportamento normais. Exame de
sensibilidade e nervos cranianos normais. A marcha era tipicamente parkinsoniana,
com perda do balanço em membros superiores, pior à direita, e festinação. Durante o
teste de pinçamento dos dedos, a amplitude e a velocidade dos movimentos
diminuíram progressivamente, sendo piores à direita. O paciente apresentava força
grau 5 em todos os membros, rigidez (hipertonia plástica) em membros inferiores e
superiores, com sinal da roda denteada positivo, mais evidente no membro superior
direito. Mostrava hipocinesia e tremor em repouso intermitente em ambas as mãos
(com predominância da direita). Os reflexos bicipital, tricipital, patelar e aquileu
estavam normais, embora difíceis de visualizar em decorrência da rigidez. Havia
persistência do reflexo glabelar (sinal de Myerson). Apresentou micrografia, quando
solicitado a escrever o nome completo, além de bradimimia, com diminuição do
piscamento e pouca expressão facial (fácies parkinsoniana).
O diagnóstico de doença de Parkinson foi pautado na apresentação clínica, sendo
iniciada a levodopaterapia, com uso de levodopa em doses baixas em 3 tomadas
diárias e escalonamento lento, conforme resposta clínica (levodopa/benserazida
100/25 mg meio comprimido, 3 vezes ao dia).
Distúrbios do Movimento
Da mesma forma que se necessita de um tônus basal para manter a musculatura
em repouso, precisa-se de respostas motoras “pré-ativadas” em prol de movimentos
comuns do dia a dia, como andar, respirar, deglutir saliva, piscar, entre outros; cenário
que incorpora agilidade nas respostas motoras essenciais. É neste papel de
“mantenedor do automatismo motor integro” que atuam os núcleos da base, os quais
orquestram, de maneira complexa, circuitos de inibição e/ou facilitação entre si,
induzindo maior ou menor estímulo dos movimentos em geral.
Os distúrbios do movimento abrangem as diversas afecções que possuem como
componente comum um ou mais movimentos involuntários. Seu diagnóstico é
confirmado pela inspeção visual e eles devem ser relacionados com os demais
achados semiológicos a fim de encontrar o diagnóstico nosológico. Dessa maneira, é
importante o rigor à observação e à descrição do movimento, analisando-se a
trajetória dos corpos de forma metódica. Para isso, é necessário basear-se no uso de
parâmetros como ritmo, frequência, amplitude, trajetória, porção do membro
acometida e voluntariedade, de modo a encontrar grupos típicos de movimentos
involuntários.
Não é de interesse deste capítulo estender-se demais sobre os diagnósticos
diferenciais para cada um dos distúrbios do movimento, mas ensinar a identificar o
padrão básico de cada um deles. Apesar disso, são apresentadas tabelas que podem
ser úteis nesse sentido. Os principais tipos de distúrbios do movimento são descritos
a seguir.
Tremor
Trata-se de uma hipercinesia rítmica, com contrações alternadas de grupos
musculares e seus antagonistas. Em geral, o movimento ocorre ao redor de um plano
e pode ser regular ou não quanto à frequência e à amplitude. A frequência pode ser
classificada como lenta (1 a 4 hZ), média (4,5 a 8 hZ) ou rápida (> 8 hZ); e sua
amplitude pode ser classificada como ampla, média ou fina.
Outro aspecto essencial na classificação dos tremores é se ele ocorre em
relaxamento, durante o movimento ou durante a manutenção de uma postura. Com
base nesse critério, o tremor pode ser classificado em três tipos essenciais:
Fonte: https://www.google.com/url?
sa=i&url=https%3A%2F%2Fwww.researchgate.net%2Ffigure%2FResultado-testes-
diagnostico-tremor-essenciala-Teste-de-desenho-da-espiral-
de_fig3_308900910&psig=AOvVaw2gd46ZRvCR06X0PD_z9f03&ust=15896636208520
00&source=images&cd=vfe&ved=0CAIQjRxqFwoTCKjl887ktukCFQAAAAAdAAAAABAI
Distonia
Trata-se de uma contração muscular sustentada, levando a movimentos repetitivos.
A característica principal desse movimento é a ocorrência de cocontração, ou seja, a
ação simultânea de músculos agonistas e antagonistas, de forma não harmoniosa. Os
movimentos tendem a ter preponderância direcional e, se sustentados por um longo
tempo, podem causar uma postura distônica. Distonia ocorre em membros isolada ou
generalizadamente.
Sinuosa,
lembrando uma De caráter
Deslocamentos
contorção. migratório e
bruscos, semelhantes
Trajetória Normalmente errático, variando
a chutes e
ocorre em torno em intensidade e
arremessos
do longo eixo do topografia
membro afetado
Rápida e violenta,
Velocidade e intensidade com início e fim Lenta e contínua Variável
abruptos
Segmentos proximais
dos membros,
normalmente
acometendo grandes Extremidades
Segmento corporal mais
massas musculares. distais dos Variável
comumente acometido
É comum o membros
hemibalismo, ou seja,
atingindo apenas um
dos hemicorpos
Mioclonia
Contração rápida involuntária de um músculo ou grupo muscular, lembrando um
susto ou um solavanco que leva ao deslocamento. É abrupta e normalmente está
associada aos pacientes com epilepsia. Pode receber duas classificações: positiva,
quando há contração muscular abruta; e negativa, quando há a cessação súbita de
uma descarga muscular.
Tiques
Movimentos rápidos e súbitos, normalmente repetitivos e estereotipados. Além
disso, são classificados como “semivoluntários” pois, embora ocorram sem o
planejamento intencional do paciente, podem ser suprimidos pela vontade. Uma
característica marcante dos tiques consiste no fato de que eles são precedidos por
uma urgência premonitória e, quando suprimidos, normalmente causam desconforto
ao paciente.
Assemelham-se a movimentos propositais, como piscar ou elevar a asa do nariz,
dentre outros. Podem ser agravados em situações de estresse emocional ou diminuir,
quando o paciente se sente envergonhado e observado. Além disso, podem ser
simples ou complexos (mobilizando vários grupos musculares).
CASO CLÍNICO 7
O mesmo paciente do caso anterior retorna ao seu consultório 1 ano após a
primeira consulta e, neste intervalo, havia feito 3 consultas de acompanhamento do
ajuste da dose medicamentosa, que estava sendo bem-sucedida. Nesta consulta, ele
aparece desacompanhado, relatando o falecimento da esposa após um infarto agudo
do miocárdio. Desassistido no interior, ele buscava formas de morar com a filha mais
velha, residente de Colatina (ES), uma cidade um pouco maior do que a qual ele
morava. Após alguma insistência, o paciente revela ter aumentado bruscamente as
doses de levodopa por conta própria, ingerindo dois comprimidos de
levodopa/benserazida 100/25 mg 3 vezes ao dia.
Ao exame físico, o paciente apresentava-se em regular estado geral, lúcido e
orientado no espaço e no tempo, fácies atípica, estava bem nutrido, hidratado, afebril,
anictérico, sem edemas, eupneico (FR = 16 irpm) e normocárdico (FC = 86 bpm). A
pressão arterial não foi medida em virtude da impossibilidade do paciente manter-se
em repouso.
Ao exame neurológico, apresentava cognição e comportamento normais. Exame de
sensibilidade e nervos cranianos normais. A marcha era desorientada e levemente
sinuosa, situação que tentava ser enfrentada com passos lentos cuidadosos, próximos
às paredes dos corredores. À inspeção visual, evidentes eram os movimentos
involuntários, visto que o paciente apresentava nítidos movimentos coreoatetósicos e
dificuldade de manutenção postural, movendo-se de um lado para o outro, enquanto
sentado na cadeira, e com quase nenhum controle dos membros superiores
(movimentos lentos, de média amplitude, assimétricos, não estereotipados e
ondulantes).
O paciente fora instruído acerca da importância de reduzir gradativamente as
doses da levodopa, a fim de que fossem controlados os sintomas hipercinéticos. Foi
reajustada a medicação para que, lentamente, ele voltasse à dosagem normal. Além
disso, solicitou-se que sua filha comparecesse no próximo atendimento, marcado para
o mês seguinte.
CONCLUSÃO
Para finalizar, apresenta-se uma síntese dos conhecimentos abordados na Tabela
12, que combina as lesões em diferentes topografias da circuitaria de motricidade
com uma série de aspectos clínicos. É necessário, pontualmente, reforçar a
importância de aliar os conhecimentos básicos à prática clínica, motivando o leitor a
buscar uma propedêutica criteriosa e condizente com o saber científico. Vive-se em
um mundo de muitas informações e, como nunca, torna-se importante valorizar o
paciente, seu relato e boas fontes. Deseja-se bom proveito prático dos conhecimentos
aprendidos.
Tabela 12. Relação entre sítio anatômico da lesão e aspectos dos distúrbios motores
REFLEXOS
VOLUME E
NÍVEL FRAQUEZA TÔNUS FASCICULAÇÕES ATAXIA TENDINOSOS
CONTORNO
PROFUNDOS
REFLEXOS
VOLUME E
NÍVEL FRAQUEZA TÔNUS FASCICULAÇÕES ATAXIA TENDINOSOS
CONTORNO
PROFUNDOS
Mono, hemi,
para,
tetraparesia, Aumentados,
Lesão do trato muitas exceto se o
Espástico Normais Nenhuma Ausente
corticoespinhal vezes processo for
incompleta agudo
(distribuição
piramidal)
Focal ou
Neurônio Atrofia Focalmente
segmentar, Flácido Comuns Ausente
motor inferior comum diminuídos
bulbar
Raiz nervosa,
Focal ou Atrofia Diminuídos ou
plexo, nervo Flácido Ocasionais Ausente
segmentar comum ausentes
periférico
Às vezes,
presentes por
Difusa ou
Junção Geralmente causa do Geralmente
proximal, Ausente
neuromuscular inalterados tratamento normais
bulbar
anticolines-
terásico
Normais, Normais,
Difusa, atrofia, exceto se a
Normal ou
Músculo proximal ou hipertrofia Nenhuma Ausente fraqueza for
flácido
distal ou pseudo- muito
hipertrofia acentuada
Lesão Nenhuma
Rígido Normais Nenhuma Ausente Normais
extrapiramidal ou leve
Nenhuma. A
Lesão ataxia pode Pendulares ou
Hipotônico Normais Nenhuma Presente
cerebelar simular normais
fraqueza
REFLEXOS
VOLUME E
NÍVEL FRAQUEZA TÔNUS FASCICULAÇÕES ATAXIA TENDINOSOS
CONTORNO
PROFUNDOS
Bizarra,
Normais,
colapsante,
podendo
não há Normal
haver
perda real ou variável,
Distúrbio não deficiência do
de força, muitas vezes Normais Nenhuma Ausente
orgânico relaxamento e
pode aumentada
abalos
simular artificialmente
simulados
qualquer
irregularmente
tipo
BIBLIOGRAFIA
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10. Rodrigues MM, Bertolucci PHF. Neurologia para o Clínico Geral. São Paulo: Editora Manole; 2014.
Capítulo 31
CASO CLÍNICO
História da Moléstia Atual: Paciente de 76 anos de idade, natural e residente
em São Paulo (SP), iniciou há cerca de 4 meses quadro de alteração de
memória, caracterizada por dificuldade de se lembrar de nomes de pessoas
conhecidas, além de ter se perdido em locais que faziam parte de seu itinerário
rotineiro. Sua esposa notou também que o paciente passou a se confundir com
dinheiro e parou de executar as tarefas rotineiras da semana, como ir ao
mercado. Há aproximadamente 1 semana, notou-se desequilíbrio com algumas
quedas da própria altura. Tais sintomas são descritos como de início insidioso e
com piora rapidamente progressiva. Nega perda ponderal e demais queixas.
Interrogatório Sintomatológico: Relata tontura discreta, ocasional, de longa
data.
História Patológica Pregressa: Hipertensão arterial em tratamento regular
com losartana 50 mg/dia.
História Familiar: Não há história familiar de doenças neurológicas.
EXAME FÍSICO
Dados Vitais: Pressão arterial (PA) – 120 × 70 mmHg; frequência cardíaca
(FC) – 74 bpm; frequência respiratória (FR) – 18 irpm; temperatura: 35,8°C.
Geral: Paciente apresenta-se em bom estado geral, corado, hidratado,
anictérico, acianótico, afebril.
Sistema Respiratório: tórax simétrico, sem deformidade, boa
expansibilidade. Murmúrio vesicular bem distribuído, sem ruídos adventícios;
paciente eupneico em ar ambiente.
Sistema Cardiovascular: Ritmo cardíaco regular, em 2 tempos, bulhas
normofonéticas, sem sopros. Pulsos simétricos, cheios.
Abdome: Plano, flácido, indolor, sem visceromegalia, com ruídos hidroaéreos
sem alterações.
Sistema Nervoso: Paciente vígil, desorientado em tempo e espaço, apatia
discreta. Exame do estado mental com uma pontuação de 15/30 com prejuízo
em orientação espacial e temporal, nomeação de objetos, memória, cálculo e
dificuldade em desenhar os polígonos. Pupilas isocóricas e fotorreagentes,
Motilidade ocular extrínseca sem anormalidades, discreto nistagmo horizontal
bilateral às miradas extremas, discreta disartria. Força muscular grau V
globalmente; reflexos osteotendinosos vivos globalmente. Dismetria discreta
bilateral; inúmeras mioclonias; nervos cranianos sem alterações. Ausência de
sinais meníngeos.
HIPÓTESE DIAGNÓSTICA
Trata-se de uma síndrome demencial rapidamente progressiva. Analisando-
se a história clínica juntamente com o exame físico, a hipótese diagnóstica
principal é doença de Creutzfeldt-Jakob (DCJ).
CONDUTA
Como em toda síndrome demencial, necessita-se afastar causas de
demências secundárias e tratáveis, sendo assim, é indicado realizar exames
laboratoriais, tais como: hemograma, função renal, hormônio tireoestimulante
(TSH), albumina, transaminases hepáticas, vitamina B12, ácido fólico, reações
sorológicas para sífilis, hepatites, e vírus da imunodeficiência humana (HIV).
Além da realização desses exames laboratoriais, no caso descrito, há
necessidade de exame de imagem, preferencialmente ressonância magnética
de crânio, punção lombar com análise do liquor e eletroencefalograma.
Resultado dos exames complementares:
DISCUSSÃO
Antes de se prosseguir com o estudo semiológico das funções corticais
superiores, é de grande valia uma breve revisão acerca destas funções, sua
correspondência cortical e das alterações potencialmente oriundas de seu
acometimento patológico.
• Comportamento
• Julgamento e autocrítica
• Raciocínio abstrato
• Funções executivas
• Atenção
• Orientação
• Memória
• Cálculo
• Linguagem
• Inteligência.
COMPONENTE
PERGUNTAS SINTOMAS PERGUNTAS
AVALIADO
“Tem dificuldade
“Anda sem rumo?”
para se orientar
“Faz coisas repetidas como
em locais
Comportamento abrir/fechar gavetas e
familiares?”
motor anormal armários?”
“Apresenta
“Remexe em coisas à sua
dificuldade em
volta?”
reconhecer
rostos?”
GNOSIAS E “Tem dificuldade
PRAXIAS em dirigir
veículos?”
“Tem dificuldade
“Tem acessos de raiva?”
para se vestir?”
Irritabilidade “Está mais
“Tem dificuldade
teimoso/irritadiço?”
em pentear-se?”
“Tem dificuldade
para usar objetos
comuns?”
Idade (anos) 55 a 60 a 65 a 70 a 75 a 80 a
85
Escolaridade 59 -64 -69 -74 -79 -84
9 a 12 anos de idade ou 28 28 28 27 27 25 26
ensino médio completo (2,2) (2,2) (2,2) (1,6) (1,5) (2,3) (2,0)
Comportamento
A análise comportamental é a conclusão da inspeção, associada às
informações obtidas na entrevista. De certa forma, o comportamento de uma
pessoa pode ser previsível, pois, apesar de ser algo bastante individual, deve
respeitar normas sociais e culturais nos meios em que ela se insere, além de
tender a uma continuidade relativamente estável, sem que haja mudanças
bruscas e/ou inexplicáveis em comportamentos previamente existentes.
Assim sendo, estas informações devem ser preferencialmente coletadas na
presença de um acompanhante que tenha contato direto e de longa data com o
paciente, para que possa relatar mudanças em seu padrão comportamental. Por
exemplo, para uma pessoa que era introspectiva e reservada, contar piadas e
fazer brincadeiras com desconhecidos é um comportamento aberrante, ao
passo que, para uma pessoa extrovertida e brincalhona, um comportamento
recluso é anormal. Se necessário, para melhor avaliação, deve-se solicitar que,
em consulta subsequente, o acompanhante do paciente seja uma pessoa de
mais próximo convívio.
Alguns comportamentos são, contudo, anômalos em quase qualquer
contexto e chamam a atenção do examinador independentemente do passado
comportamental do paciente. Como, por exemplo, assediar pessoas na rua,
retirar roupas em locais públicos, agredir outros indivíduos de forma imotivada
etc.
Julgamento e Autocrítica
A avaliação da autocrítica considera a relação do indivíduo com a sociedade
na qual ele vive, tendo em vista sua própria percepção de certo ou errado acerca
daquilo que ele faz dentro das regras sociais às quais está submetido. Isso
pressupõe que, ao efetuar tal avaliação, o médico deve estar ciente da condição
social, econômica e cultural do paciente.
A avaliação do julgamento perpassa a necessidade de propor uma situação
de conflito ao paciente a fim de que ele decida a melhor opção para sua
resolução. Por exemplo, cria-se um cenário catastrófico, com vítimas que
podem ser salvas pelo paciente, sem que isso lhe ofereça riscos, e pergunta-se
a ele qual seria sua atitude; naturalmente espera-se que ele vá ajudar; da mesma
maneira, apresenta-se uma situação em que ele se encontre em um cinema
fechado, no qual comece a sentir o cheiro de fumaça, perguntando-lhe sua
atitude. Outra forma de avaliar a autocrítica é perguntar ao paciente se ele está
ou não doente. A capacidade de reconhecer a própria doença já prediz que o
paciente possui insight.
Pacientes com diminuição da capacidade de julgamento podem apresentar
comportamento impulsivo ou impróprio. Lesões nas regiões orbitofrontais
podem comprometer o julgamento, e a ausência de consciência da doença, a
ponto de negar qualquer incapacidade, pode ocorrer nas lesões parietais não
dominantes.
Raciocínio Abstrato
A avaliação do raciocínio abstrato consiste em avaliar a capacidade do
paciente em encontrar semelhanças e diferenças entre objetos, construir
analogias e fazer interpretações (para isso, geralmente utilizam-se provérbios e
aforismos).
As semelhanças e diferenças são perguntas em relação a objetos da mesma
classe ou correlatos, por exemplo, “qual a semelhança entre uma maçã e uma
banana (ambas são frutas), um carro e um avião (ambos são meios de
transporte)” etc.; “qual a diferença entre mentira e erro (uma é voluntária e o
outro não)” etc. Para testar a capacidade de fazer analogias, pode-se perguntar:
“A mesa está para a perna assim como o carro está para quê?”. Além disso, o
paciente pode ser incapaz de interpretar um provérbio ou pode fazer uma
interpretação concreta ou literal. O comprometimento da abstração é mais
comum nos distúrbios frontais.
Funções Executivas
Atribuídas ao lobo frontal, sobretudo em sua porção mais anterior (córtex
pré-frontal), são uma das mais nobres funções corticais superiores, pelo seu
papel crucial na capacidade humana de ser “pensante”. Ela representa a
habilidade do nosso cérebro de selecionar todas as informações, mas apenas
as necessárias, de cada mínima subárea encefálica e interpretá-las, gerar um
contexto e uma resposta; com isso ela realiza uma organização de alto nível, e
executa pensamentos, comportamentos complexos, planejamento, memória
operacional, atenção, solução de problemas, raciocínio verbal, inibição,
flexibilidade mental, execução de multitarefas, início e monitoramento de ações.
A disfunção do lobo frontal pode ser sutil, tanto que os testes cognitivos
realizados podem ser incapazes de identificar grandes disfunções frontais. Por
isso, do ponto de vista comportamental, a melhor avaliação consiste em
comparar a personalidade e o comportamento anteriores do paciente com os
atuais. Alguns testes para função executiva usados com frequência são o Teste
Wisconsin de Classificação de Cartas (Wisconsin Card Sorting Test), Bateria de
Avaliação Frontal (FAB), a fluência verbal por geração de lista de palavras, testes
de inibição da resposta, como o teste de interferência de cores e palavras de
Stroop e o teste pequeno-grande.
O Teste Wisconsin de Classificação de Cartas é usado para verificar a
capacidade de alternância inter-tarefas. Nele, o paciente deve descobrir, à
medida que o realiza, qual é a série esperada de cartas por cor, formato ou
número e, logo após descobrir, o padrão é modificado e ele deve se adaptar à
nova categoria. Uma alternativa mais simples consiste em pedir que o paciente,
por meio do reconhecimento de um padrão lógico, diga em qual mão estará a
moeda na próxima jogada (p. ex., na primeira vez, a moeda está na mão direita,
na segunda, na esquerda, na terceira, na direita, onde estará na quarta?), em
seguida, o padrão é trocado e o paciente tem que ser capaz de mudar o seu
raciocínio quanto ao padrão.
A perseveração é a repetição inadequada de palavras e ações realizadas.
Este paciente tem dificuldade de abandonar o padrão inicial e tende a
perseverar, repetindo sempre a mesma resposta. Um dos instrumentos para
avaliação desta capacidade é o teste de trilhas, no qual o paciente é orientado a
ligar letras ou números sequenciais, espalhados em uma página (p. ex., A-B-C/1-
2-3) ou a alternar a ligação entre letras e números (p. ex., A-1-B-2-C-3). Outro
teste de habilidade de alternância consiste em pedir ao paciente para escrever
uma série de letras M e N unidas, sem errar a sequência. Tarefas de cópia que
envolvam figuras com várias voltas, como o teste da espiral de Arquimedes,
também podem acusar perseveração ao notar que o paciente se mantém
fazendo voltas além do necessário.
Outra característica marcante da “frontalização” (acometimento patológico
do lobo frontal) é a desinibição, ou seja, o paciente age de forma impulsiva, sem
controle sob sua resposta. No teste “pequeno-grande”, as palavras pequeno e
grande são escritas em letras maiúsculas e minúsculas; o paciente deve ler em
voz alta, quando a palavra estiver escrita em letras maiúsculas, mesmo que
esteja escrito “pequeno”, e vice-versa. Um teste semelhante consiste em
escrever nomes de cores em cores diferentes, por exemplo, escrever azul com
tinta vermelha, e depois pedir ao paciente que diga a cor da tinta, e não do nome
da cor escrita.
Atenção
Exerce um papel-chave para a cognição como um todo, isso porque o
paciente que não consegue prestar atenção ao que lhe é dito, pedido ou
mostrado fatalmente apresentará déficits de memória, orientação, funções
executivas etc. Por isso não é possível atribuir alterações identificadas em
testes cognitivos a uma disfunção cortical, caso o paciente esteja desatento.
Cuidado deve ser tomado quanto àquilo que se entende como atenção. O
paciente pode se apresentar vígil, alerta, falando fluentemente e relatando suas
queixas, mas estar profundamente desatento, distraído e incapaz de se
concentrar.
A base neuroanatômica da atenção é bastante complexa e está associada a
múltiplas estruturas encefálicas. Primeiramente, há a participação do sistema
ativador reticular ascendente (SARA), responsável pela manutenção do estado
de vigília; este ativa o córtex cerebral por meio das fibras da formação reticular
mesencefálica e dos núcleos intralaminares do tálamo. Lesões nessas regiões
podem resultar desde transtornos de atenção até o coma, sendo
frequentemente observadas nas encefalopatias tóxica e metabólica; estas
manifestam-se precocemente com desatenção, progredindo para acometimento
do nível de consciência e resultandor em coma.
Além do SARA, a região pré-frontal, responsável pelos planejamentos motor e
comportamental, tem papel importante na manutenção da atenção, além de
estar associada ao circuito de recompensa, fundamental na construção de
memórias e aprendizado. Lesões pré-frontais podem desencadear desde
dificuldade de concentração até alterações comportamentais importantíssimas.
Por fim, há o lóbulo parietal inferior direito, crucial para a percepção espacial
e para a atenção corporal. Mas por que o direito? Pois, assim como a linguagem,
a atenção é lateralizada, sobretudo no que tange às áreas de associação, nas
quais se enquadram segmentos das regiões frontotemporoparietais. O
hemisfério direito sofre maior influência dos estímulos visuoespaciais,
apresentando maior representatividade que o esquerdo na manutenção da
atenção espacial. As regiões frontoparietais esquerdas, por sua vez, são
responsáveis por direcionar a atenção ao hemisfério contralateral. Por conta
disso, o hemisfério direito assume o controle da percepção de ambos os lados.
Consequentemente, lesões à esquerda causam déficit parcial de atenção, já que
o hemisfério direito o compensará; e lesões em região parietal direita, junção
temporoparietal e córtex frontal inferior direito cursarão com heminegligência à
esquerda. Esta é considerada um déficit de atenção e pode acometer dois
domínios: o proprioceptivo, cursando com a negligência corporal, e o
visuoespacial, cursando com a negligência visuoespacial.
Na negligência corporal, o paciente não reconhece a metade esquerda de
seu corpo como sendo sua, por conta disso ele não terá asseio com seu dimídio
esquerdo, por exemplo, barbeando-se apenas à direita, ou não escovando os
dentes nem banhando em seu hemicorpo esquerdo.
Na negligência visuoespacial, por sua vez, o paciente não reconhece
componentes do espaço ao seu redor, que estejam posicionados à sua
esquerda, como pessoas ou objetos. Neste caso, o paciente pode deixar, por
exemplo, de comer a comida da metade esquerda de um prato, ou desenhar
apenas a metade direita de um desenho. Ao solicitar que ele leia um texto, irá
fazê-lo somente até a metade direita do papel.
A avaliação das negligências pode ser feita facilmente no consultório. Um
dos testes consiste em desenhar uma linha horizontal no papel e pedir ao
paciente para marcar o centro da mesma, aqueles com heminegligência
marcarão o meio da metade direita da linha. Pode também ser feito o teste de
cancelamento de alvos visuais, no qual é apresentado um papel com várias
letras de disposição randômica, e solicitado ao paciente para marcar apenas as
letras-alvo (p. ex., letras “A”); em caso de negligência, ele será incapaz de
detectar os alvos à esquerda. Por fim, o teste do desenho também é uma
alternativa interessante. Pede-se ao paciente para desenhar um objeto como
uma casa, ou uma flor, e o mesmo irá fazer apenas a sua metade direita.
Para testar os demais domínios da atenção, uma bateria de testes pode ser
aplicada. O Digit Span Test (DS), que pode ser direto (foward) ou inverso
(backward), é um bom teste de atenção, concentração e memória imediata.
Neste, o médico fala ao paciente uma sequência crescente de números, que não
podem seguir uma ordem lógica ou padrão (p. ex., 1-5-9 ou 4-6-8-9 são
sequências adequadas; 1-2-3 ou 2-4-6 são inadequadas); inicia-se com 3 ou 4
dígitos, aumentando-se progressivamente de acordo com o desempenho do
paciente; os números da sequência devem ser falados no ritmo de um por
segundo. O paciente deve repeti-los na ordem que foram ditos, no DS direto, ou
na sequência inversa à ordem falada no caso do DS inverso. O DS na ordem
inversa é substancialmente mais complexo que o direto, pois exige também
uma memória operacional preservada, além da capacidade de reter e processar
corretamente a sequência de números.
As sequências numéricas corretamente repetidas para um desempenho
satisfatório é de 5 a 9 dígitos (média de 7) na ordem direta e 4 a 6 (média de 5)
na ordem inversa; o desempenho na prova inversa não deve ser superior a 2
dígitos a menos que na ordem direta (p. ex., se na prova direta o resultado foi de
14 dígitos, na prova inversa ele deve ser de até 12).
Outro teste de atenção consiste na elaboração de uma tarefa em três etapas.
O médico deve solicitar ao paciente que execute ininterruptamente uma tarefa
sequencial composta por três etapas distintas e consecutivas. Por exemplo,
“Pegue esta folha com sua mão direita, dobre ela ao meio e coloque-a no chão”
(parte do MEEM), ou “corte este papel ao meio, corte a metade ao meio e repita
novamente, até que haja três tamanhos diferentes de papel”, podendo haver
variantes destes comandos, desde que seguindo a ordem de realizá-los em três
etapas.
A última dimensão da atenção é o controle mental e a concentração. Estes
domínios exigem do paciente não apenas a capacidade de realizar tarefas
complexas, mas também de agrupar diversos componentes intelectuais e
manipular cada um e todos eles da forma correta para obter sucesso na tarefa.
Nesta dimensão, não apenas a atenção está envolvida, mas também a memória
(que será discutida adiante), sobretudo a memória operacional. Os testes para
avaliação do controle mental e da memória operacional incluem: tarefas
sequenciais de três ou sete etapas, soletrar a palavra MUNDO de trás para frente
(parte do MEEM) e dizer os dias da semana ou meses do ano em ordem inversa
(sendo normal a conclusão em até 30 segundos para adultos).
Em casos mais complexos, ou de limitação quanto à avaliação ambulatorial,
pode ser necessário utilizar a avaliação neuropsicológica específica dos
subtipos de atenção.
Orientação
Relaciona-se à capacidade do indivíduo em reconhecer e compreender a
existência de si próprio, do meio que o cerca e da relação que ele estabelece
com este meio, além da capacidade de discernimento temporal. Ou seja, o
paciente tem que ser capaz de dizer quem ele é, onde está e em qual data se
encontra. Alguns autores trazem ainda o conceito de reconhecimento do self,
insight ou introvisão como quarto componente da orientação; neste caso o
paciente deve ser capaz de compreender a situação na qual se encontra, como
um todo.
A orientação habitualmente é avaliada no início do EEM; o MEEM, por
exemplo, inicia-se com a orientação temporoespacial. Ademais, é muito comum
que uma das primeiras queixas que leva o paciente ao consultório, juntamente
com o “esquecimento”, é a de que ele está desorientado, perdido, não reconhece
os lugares etc. Logo vê-se que orientação e memória caminham juntas,
frequentemente fazendo parte do mesmo continuum, quando acometidas.
Há situações, contudo, nas quais a orientação como um todo não está
acometida, mas apenas um de seus componentes, daí a importância de fazer
perguntas direcionadas a cada um deles, e até mesmo dentro de um
componente (p. ex., o tempo), fazer perguntas mais e menos difíceis para
avaliar a extensão do acometimento (Tabela 3). O paciente pode saber o dia da
semana, mas não o ano, assim como pode saber a estação do ano, mas não o
mês exato; por outro lado, apesar de temporalmente desorientado, ele pode
estar perfeitamente orientado quanto ao lugar. Na avaliação temporal, a
pergunta de maior detalhamento consiste em solicitar ao paciente que estime a
hora exata, a maioria deles é capaz de fazê-lo com uma margem de erro de até
meia hora. Em caso de acometimento patológico da orientação, o primeiro
domínio perdido é o temporal, seguido do espacial e, muito raramente da
desorientação em relação à própria pessoa.
Tabela 3. Perguntas para avaliar a orientação.
“Qual é o dia do
“Em qual estado/país?” “O que gosta de fazer?”
mês?”
Memória
Esta função cortical é uma das mais complexas do organismo humano,
sendo a pedra angular do que chamamos de conhecimento e aprendizado. Por
ser uma função cerebral de altíssima complexidade, o conhecimento e o estudo
da memória têm muitas lacunas a serem preenchidas, motivando uma
crescente quantidade de estudos que tentam buscar respostas para essas
dúvidas. Por conseguinte, a visão que se tem atualmente da memória
certamente é diferente daquela que se terá daqui a cinquenta anos.
Tendo em vista a grande representatividade da memória para todas as
atividades cognitivas, ela invariavelmente precisou ser dividida de diversas
formas, classificações e sistemas, para possibilitar uma compreensão mais
palpável de cada uma de suas múltiplas dimensões (Tabela 4).
Tabela 4. Principais sistemas de memória clinicamente relevantes.
Verbal: não
Doença de
recordar da
Alzheimer,
narrativa oral,
Lobos temporais encefalite
Verbal: não consegue se não recordar
mediais, circuito de herpética,
recordar do café da manhã de da lista de
Papez deficiência de
hoje ou do destino da viagem palavras
Verbal: esquerda tiamina,
Episódica mais recente Visual: não
predomina sobre esclerose
(declarativa) Visual: não consegue recordar recordar da
direita hipocampal,
em qual armário ficam os cópia da
Visual: direita distúrbio
pratos ou o lado da rua ou o figura, não
predomina sobre hipóxico-
local da farmácia recordar da
esquerda isquêmico,
localização da
demência por
figura no
corpos de Lewy
espaço
Doença
cerebrovascular,
degeneração
Não consegue se lembrar de
lobar
números de telefone Estruturas
frontotemporal,
imediatamente após ouvi-los; Digit span, subcorticais do
Operacional demência por
não consegue realizar uma cálculo córtex pré-frontal,
(declarativa) corpos de Lewy,
série de pedidos simples após mental córtex de
demência por
transitar de um quarto para o associação parietal
doença de
outro
Parkinson,
traumatismo
cranioencefálico
Doença de
Não consegue se lembrar de
Núcleos da base, Parkinson,
Processual como abotoar suas camisas;
Não é testado cerebelo, área degeneração
(não não consegue dirigir um carro
rotineiramente motora cerebelar,
declarativa) como fazia antes (sem
suplementar doença de
déficits motores associados)
Huntington
Cálculo
A discalculia, como o nome prediz, é a inabilidade para realização de
cálculos, e está intimamente relacionada a lesões do lobo parietal dominante,
com ênfase no giro angular. A anaritmetria, muito mais rara que a primeira, é a
inabilidade primária da capacidade de calcular, ou seja, o paciente nunca
adquire esta habilidade.
A avaliação simplista da capacidade de cálculo pode ser realizada ao pedir
que o paciente solucione cálculos corriqueiros como contar cédulas ou moedas.
A avaliação formal consiste em instruir o paciente a fazer contas mentalmente
ou no papel.
A capacidade de calcular depende de uma série de fatores inatos como a
própria inteligência do paciente, seu senso e habilidade matemática além, é
claro, do nível de escolaridade. Operações matemáticas muito simples como
1+1 ou 2+2 são tão intensamente aprendidas ao longo da vida, que sua
realização tem a capacidade de testar muito mais a memória remota descritiva,
que a habilidade de cálculo per se. Um adulto “normal” é capaz, em média, de
realizar operações com dois dígitos para adição, sendo um pouco menos hábil
para subtração.
Se o paciente é facilmente capaz de realizar cálculos simples, deve-se
passar para uma dificuldade intermediária, como 12 + 3, 13 + 7, 17 + 11 ou 26 +
14. Outros testes possíveis são: pedir ao paciente que multiplique
sucessivamente um número por 2, até que não seja mais capaz; apresentar uma
tabela com colunas de dois ou três algarismos, e pedir que some ou subtraia
uma da outra. A vantagem desta última é de avaliar, juntamente com o cálculo, a
habilidade visuoespacial que pode estar, assim como o primeiro, comprometida
nas lesões parietais, só que neste caso, no hemisfério não dominante.
Linguagem
A linguagem humana está párea à memória em termos de complexidade,
afinal, é por meio dela que os seres humanos, dotados de altíssima capacidade
comunicativa, conseguem se conectar a todo o mundo, falando, ouvindo,
entendendo, mostrando, tudo faz parte da linguagem, e para que esse sistema
de sinais, signos e símbolos visuais, auditivos e memorizados sejam
estruturados logicamente, muitas áreas cerebrais são necessárias. A despeito
desta larga distribuição da linguagem pelo encéfalo, as regiões de maior
representatividade estão localizadas nas áreas perissilvianas do hemisfério
dominante, quais sejam a área de Wernicke e de Broca.
Assim como para com a memória, alguns subitens devem ser observados
quanto à linguagem. São eles: capacidade de fala espontânea, na qual se
destacam as fluências; compreensão oral; nomeação; leitura; escrita; e
repetição. As alterações patológicas relacionadas a esta função são
denominadas afasias (ou disfasias); quando acometem apenas a parte “motora”
da fala é intitulada disartria. As afasias estão expostas na Tabela 6.
Para se confirmar a fluência verbal, é necessario que o paciente mantenha,
relativamente constantes, o volume, tom e extensão das frases. Pacientes com
redução da fluência da fala em geral são capazes de reconhecer esta limitação,
muitas vezes tendendo a reduzir seu contingente vocal, não falando mais que o
estritamente necessário; esta alteração é denominada laconismo.
A avaliação da fluência verbal fonêmica deve ser realizada solicitando-se ao
indivíduo que fale a maior quantidade de palavras iniciadas com as letras “F”,
“A”, ou “S”, durante um minuto, não sendo aceitos nomes próprios de pessoas ou
lugares e nem derivações de um mesmo substantivo (p. ex., pedra, pedreira,
pedregulho etc). Uma pessoa com segundo grau completo deve ser capaz de
falar pelo menos doze palavras neste período de tempo.
A fluência verbal semântica pode ser avaliada da seguinte forma: anota-se a
quantidade de animais que o paciente for capaz de falar em um minuto, não
sendo consideradas variações da mesma espécie (p. ex., boi, vaca e bezerro). O
valor da normalidade para o ensino médio completo é de pelo menos 13
animais (se o indivíduo tiver menos de 8 anos completos de escolaridade,
considerar 9 palavras).
Quanto à compreensão oral, deve-se observar durante a anamnese se há
alguma dificuldade para a compreensão de palavras ou frases, desde
gramaticalmente simples até as mais complexas. Para testar, solicite que o
paciente obedeça a comandos verbais como “abra a boca”. Se ele não obedecer,
verifique sua capacidade de concordar ou discordar com a cabeça, caso
positivo, faça uma pergunta sem nexo, como “um elefante pode voar?”. Se o
paciente não responder, ou responder de forma positiva, sua compreensão está
comprometida (deve-se excluir hipoacusia e outros transtornos cognitivos que
não permitam ao paciente perceber a lógica da frase).
A incapacidade de nomeação é denominada anomia e representa o achado
mais comum das afasias. Ela pode ser fonológica, quando o paciente sabe o
significado do objeto; semântica, quando ele não sabe o significado; ou se a
anomia é secundária a uma agnosia visual, na qual o paciente é incapaz de
reconhecer o objeto pela visão, identificando-o pelo tato. Quando a habilidade
para nomear está comprometida, mas não completamente perdida, o paciente
pode, ao tentar falar o nome de um objeto demonstrado, criar neologismos, ou
seja, criar palavras ou atribuir significados distintos a uma palavra já existente;
utilizar circunlocuções, isto é, utilizar outros termos para substituir ou tentar
“explicar” determinada palavra da qual ele não se lembra (p. ex., em vez de falar
martelo, ele fala “usado para bater o prego”); ou ainda apresentar parafasia, que
consiste na substituição de fonemas, sílabas ou palavras, podendo ser de dois
tipos: fonêmica, na qual o paciente comete um erro fonético formando uma
nova palavra, semelhante à original (p. ex., “láfis” em vez de “lápis”); ou
semântica, quando ele utiliza palavras da mesma categoria da qual quer se
referir, para descrevê-la (p. ex., falar “caneta” para se referir a um “lápis”, ou
“cachorro” no lugar de “lobo”).
O teste da nomeação é simplesmente solicitar ao paciente que nomeie
objetos presentes na sala, inclusive, faz parte de uma das tarefas do
minimental. Outros testes possíveis são a bateria breve de rastreio cognitivo, e o
teste de nomeação de Boston.
A leitura, obviamente, requer a utilização de textos e/ou frases para ser
avaliada. Deve-se pedir ao paciente que leia uma ordem escrita e realize o
comando, por exemplo, “feche os olhos” (também parte do MEEM); ou solicitar
que leia um texto em voz alta. Essa tarefa pode não parecer, mas é bastante
complexa, pois envolve informações visuais (córtex visual primário) para ler o
que se encontra escrito, áreas de associação visual para compreender que se
trata de um texto, memória de curto e longo prazo para compreender o
significado daquilo que está escrito, áreas da fala para processar (Wernicke) e
gerar uma resposta (Broca), ativa as áreas motoras e pré-motoras para gerar
uma resposta vocal, devendo ainda passar pelos núcleos da base e do cerebelo
para serem articuladas na forma, velocidade, entonação e frequência corretas e,
só então, o som de resposta é emitido, pelo uso dos nervos periféricos e da
musculatura laríngea. Lesões em qualquer uma ou todas essas estruturas
podem incorrer em incapacidade de leitura ou compreensão de palavras
escritas (alexia), além de outros distúrbios da linguagem como a própria afasia
e disartria. Na alexia “pura”, ou seja, sem agrafia (incapacidade de escrever –
tabela 6), a lesão ocorre no córtex occipital esquerdo e no esplênio do corpo
caloso; com frequência este paciente apresentará hemianopsia direita.
A escrita, por sua vez, é avaliada pela capacidade do paciente em escrever
uma frase completa, ou seja, com sujeito e predicado, e fazer sentido. Erros
gramaticais não devem ser considerados na avaliação. O centro de Exner,
localizado no giro frontal médio do hemisfério dominante, está associado à
escrita. A agrafia (disgrafia) é o déficit resultante de mazelas que comprometem
a capacidade de escrita. Ela pode ser linguística (incapacidade da escrita pela
inabilidade de processamento da simbologia adequada à frase), práxica (o
paciente não consegue realizar a sequência de gestos e movimentos
necessários para gerar uma escrita correta; em alguns casos o sintoma piora
quando é solicitado que ele escreva, podendo ser menos evidente na escrita
espontânea) e visuoespacial (o paciente não consegue, pela incapacidade de
reconhecimento espacial das letras, repetir a escrita de uma frase ou texto
apresentados). A síndrome de Gerstmann é um distúrbio linguístico grave no
qual o paciente apresenta agrafia, anaritmetria, agnosia digital e confusão
direita-esquerda; ela decorre de uma lesão no lobo parietal inferior dominante,
sobretudo no giro angular esquerdo.
A repetição é um dado importante para a diferenciação dos tipos de afasia.
Neste momento, o paciente deve repetir palavras e frases de complexidade
crescente. A repetição encontra-se alterada nas afasias perissilvianas (Broca,
Wernicke, de condução e global) e preservada nas demais (anômica,
transcortical e subcortical).
Distúrbios da repetição podem, além da perda de sua capacidade, resultar
em aumento de repetição, com reverberação daquilo que é dito, esta é
denominada ecolalia (p. ex., pede-se ao paciente para repetir a palavra “mamão”
e este o faz, mas permanece falando “mamão, mamão, mamão...”). Ademais, a
palilalia é outro distúrbio observado, nesta a repetição além de reverberar,
acelera progressivamente, levando o paciente a falar sílabas, palavras ou frases
cada vez mais curtas e rápidas.
Tabela 6. Principais afasias de importância clínica.
Alteração da capacidade
Paciente
de expressão oral, escrita
compreende e
ou gestual, com fala não
executa ordens
fluente (pausas, esforço,
Broca (motora, Área de Broca: giro frontal como levantar e
anomia, agramatismos e
expressão, inferior esquerdo (áreas 44 apertar a mão,
perseverações)
eferente) e 45 de Brodmann) mas não responde
Apresenta consciência do
às perguntas ou o
déficit
faz com muita
Capacidade de repetição
dificuldade
alterada
Paciente costuma
manter a
capacidade de
Incapacidade para
obedecer a
compreensão da
comandos axiais,
linguagem oral, escrita ou
como fechar os
gestual
olhos, mas não
Área de Wernicke: região Fala fluente (logorreica¹,
responde a
Wernicke posterossuperior do lobo sem conteúdos, com
perguntas e
(sensitiva) temporal (área 22 de neologismos, parafasias e
comandos
Brodmann) circunlocuções)
apendiculares,
Paciente não percebe o
como “qual o seu
déficit (anosognosia)
nome ou levante
Capacidade de repetição
sua mão”.
alterada
Emite sons e
frases
compreensíveis
AFASIA NEUROANATOMIA CLÍNICA AVALIAÇÃO
Pede-se ao
Fascículo arqueado paciente para
Paciente incapaz de gerar
Condução (conecta a área de repetir uma frase
repetições da linguagem
Wernicke à de Broca) como “nem aqui,
nem ali, nem lá”.
Associação da afasia
motora com a sensitiva.
Global Áreas de Wernicke e Broca Porém, pode permanecer a Igual às anteriores
capacidade de repetição
com ecolalia
Anterior: motora
(semelhante a
Broca)/Posterior: sensitiva
Transcortical Áreas de Wernicke e Broca (semelhante a Wernicke); a Igual às anteriores
diferença consiste na
capacidade mantida de
repetição
Por fim, outros distúrbios de linguagem relevantes para a prática clínica são:
estereotipia verbal, que consiste na repetição automática de um som, palavra ou
expressão sem sentido comunicativo; aprosodia, na qual há falta de melodia e
entonação, também denominada como fala monótona (comumente confundido
com sintoma depressivo); perseveração, que é a repetição da própria fala.
Inteligência
Do pontod e vista médico, a inteligência consiste na somatória de todas as
habilidades cognitivas de um indivíduo, e o índice empregado para a sua
aferição numérica padronizada como unidade de medida é o quociente de
inteligência (QI), que deve ser ajustado para a idade.
Sua avaliação, assim como das demais funções já estudadas, está pautada
em baterias de testes, sendo a Escala de Inteligência Wechsler para Adultos
(WAIS) a mais utilizada nesta população. Seus testes abrangem diferentes
funções como atenção, raciocínio, memória, linguagem, percepção e
construção, possibilitando ao examinador uma estimativa da habilidade
cognitiva, permitindo quantificar o QI verbal, QI de desempenho e QI total. Para
cada um a pontuação média é de 100 (+/-15). Tradicionalmente, pacientes com
QI −2 desvios padrão abaixo da média (<Z-2) são diagnosticados com retardo
mental.
Por ser uma padronização com regras específicas, recomenda-se que a
escala WAIS seja aplicada por profissionais treinados para tal, como os
neuropsicólogos, para que seu resultado seja acurado para fins diagnósticos.
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Capítulo 32
ANAMNESE
Identificação: Paciente do sexo masculino, 49 anos de idade,
masculino, com história de queda de própria altura durante prática
esportiva há 2 meses e trauma direto em ombro esquerdo. No
serviço de emergência, realizou radiografia do ombro que não
detectou lesões ósseas.
História da Moléstia Atual: Desde a queda, o paciente apresenta
dor constante em face lateral de ombro, mais intensa em período
noturno e quando realiza determinados movimentos. Relata que
antes do trauma não sentia dor nem limitação funcional.
Iniciou tratamento medicamentoso com anti-inflamatório não
esteroidal (AINE) + analgésicos comuns, com melhora discreta, mas
sem resolução do quadro. Realizou algumas sessões de fisioterapia
com piora álgica.
EXAME FÍSICO
Inspeção Estática: Sem alterações de relevos ósseos, sem sinais
de atrofias musculares.
Inspeção Dinâmica: Flexão ativa 90°/abdução ativa 70º/Rotação
Interna ativa nível de L5.
Testes: Jobe + / Patte + / Gerber + / Impacto Neer − / Hawkins-
Kennedy −.
EXAMES COMPLEMENTARES
Após avaliação, solicitou-se ressonância magnética (RM).
RM: evidenciada ruptura transfixante de supraespinhoso com
retração de 1,8 cm; subluxação de tendão da cabeça longa do bíceps
(TCLB); fratura-avulsão de grande tuberosidade de úmero.
DISCUSSÃO
A semiologia ortopédica engloba todos os passos técnicos
comuns à semiologia de outros sistemas e adiciona a avaliação de
movimentação articular, força muscular e alguns testes específicos.
O exame deve ser metódico e realizado sempre na mesma
sequência.
Preferencialmente, o indivíduo deve ser examinado com o mínimo
possível de roupa, principalmente quando as queixas incluem áreas
normalmente cobertas. O pudor e o recato do paciente devem ser
respeitados. Com crianças, obtém-se melhor colaboração se a roupa
for sendo retirada aos poucos, à medida que as regiões vão sendo
examinadas.
Considerando os membros superiores, devem-se sempre
investigar as lesões intrínsecas das articulações do ombro, cotovelo,
punho e mãos, além das queixas em braço e antebraço.
Neste capítulo em especial será abordado o estudo do ombro.
Ombro
A dor é a queixa mais comum relatada pelos pacientes com
patologias do ombro. Deve-se investigar se seu início foi insidioso,
como nas doenças inflamatórias e degenerativas, ou agudo, em
ombro anteriormente sem dor, como nas lesões traumáticas ou
doenças inflamatórias agudas. Quanto ao tipo, é importante
considerar se a dor é aguda, latejante ou em agulhada, ou tipo
queimação, constante ou não. Outro aspecto é sua sede, se local,
difusa ou se irradia para outra região, como cervical, escapular, face
lateral do braço ou cotovelo. É importante enfatizar que, quando o
paciente refere dor que se irradia até a mão, deve-se considerar
envolvimento da coluna cervical. Na história clínica, é necessário
procurar se há relação da dor com os movimentos e com a posição
do braço, com o período do dia (lesões do manguito rotador
frequentemente pioram à noite), com movimentos repetitivos ou
esforços mais intensos durante jornada de trabalho.
Outra queixa comum nas patologias do ombro é a instabilidade,
caracterizada pelo paciente como sensação de que o ombro sai do
lugar. Os aspectos mais importantes a serem levantados são:
BIBLIOGRAFIA
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Cirurgia do Ombro. Cap. 4, vol. 1/1. Rio de Janeiro: Medsi; 2000.
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Capítulo 33
ANAMNESE
Identificação: Paciente do sexo masculino, 12 anos de idade,
levado à consulta ortopédica para avaliação de queixa de dor e
deformidade no pé esquerdo. Relata sintomas álgicos ao jogar
futebol com início há 1 ano. Informa que não conseguia mais
permanecer em campo, quando iniciados os sintomas. A avó,
presente na consulta, disse que deveria utilizar botas para correção.
O paciente não se importava com o formato diferente do pé, mas sim
com a possibilidade de não poder retornar ao esporte.
Interrogatório Sintomatológico: Nega quaisquer outras alterações
em outros sistemas. Desenvolvimento neuropsicomotor normal para
a idade. Vacinas em dia.
História Pregressa: Nega patologias de base, cirurgias ou
internações prévias. Parto normal sem intercorrências.
História Familiar: Avós e único irmão com 6 anos de idade
saudáveis.
EXAME FÍSICO
Dados Vitais: Frequência cardíaca (FC) – 80 bpm; frequência
respiratória (FR) – 26 irpm, temperatura: 36,5oC.
Geral: Paciente eutrófico, em bom estado geral, ativo e reativo,
corado, hidratado, anictérico e acianótico. Sem lesões
dermatológicas.
Cabeça e Pescoço: Sem linfadenomegalias; oroscopia e
otoscopia normais.
Aparelhos Respiratório e Cardiovascular e Abdome: Sem
anormalidades.
Sistema Nervoso: Força muscular preservada nos membros
inferiores. Reflexos tendinosos calcâneo e patelar simétricos e
normointensos. Sensibilidade de membros inferiores preservada para
todos os dermátomos.
EXAME MUSCULOESQUELÉTICO
Inspeção Estática: Redução do arco longitudinal medial do pé
esquerdo e “sinal de muitos dedos”; ausência de calosidades,
edemas, tumorações ou alterações de pele bilateralmente. Paciente
longilíneo apresenta bom alinhamento de membros inferiores na
inspeção de frente e perfil. Ausência de outras deformidades,
desalinhamentos e tumorações.
Inspeção Dinâmica: Marcha sem características patológicas.
Amplitude de movimento passiva e ativa normais em quadris, joelhos
e tornozelos. Redução da liberdade de movimentos, sem relatos de
dor, em tentativa de mobilização da articulação talocalcânea.
Palpação: Ponto de sensibilidade localizado em face dorsolateral
do pé esquerdo; demais superfícies ósseas, trajetos tendinosos e
fáscia plantar indolores. Tônus muscular sem alterações. Ausência
de espasmos e contraturas em estruturas musculotendinosas de
membros inferiores.
Testes Especiais: Teste de Gowers negativo; teste de Jack
negativo do lado esquerdo. Teste da ponta dos pés apresentando
ausência de formação de arcoplantar, redução da varização de
calcâneo do lado esquerdo.
Suspeita Diagnóstica
Pé plano valgo rígido doloroso do lado esquerdo.
Propedêutica de Imagem
Radiografia de pés direito e esquerdo em incidência
anteroposterior, de perfil, oblíqua interna e externa e axial posterior de
Harris-Beath.
Resultado: A radiografia do pé esquerdo na incidência oblíqua
revelou uma barra óssea entre os ossos calcâneo e navicular (Figura
1).
Radiografia nas incidências AP e de perfil revelaram as seguintes
alterações do lado esquerdo: redução discreta do pitch do calcâneo,
variações mínimas nos ângulos de Kite, cobertura do navicular, do
tálus e do primeiro metatarso.
Figura 1. Imagem do pé esquerdo em incidência oblíqua interna.
Fonte: Arain et al.,2020.
Conduta
O paciente foi orientado a diminuir suas atividades físicas.
Prescreveu-se anti-inflamatório não esteroidal. O médico explicou
que uma palmilha não seria efetiva para corrigir a deformidade, mas
que poderia aliviar sua dor. Foi informado de que, caso não houvesse
melhora do quadro clínico, o mesmo iria ser imobilizado com bota
gessada suroplantar por 30 dias.
Não houve melhora do quadro clínico. Prescreveu-se bota
gessada por 4 semanas.
Houve melhora do quadro clínico, e o paciente foi orientado,
então, a reduzir as atividades esportivas sendo indicada palmilha
para apoio do arco plantar.
DISCUSSÃO
O pé plano é uma condição muito frequente na pratica clínica,
sendo encontrado em adultos, crianças e adolescentes. Caracteriza-
se pela redução do arco longitudinal do pé, mas na realidade
compreende uma gama de alterações em graus variáveis que
incluem, excessiva flexão plantar do tálus, eversão da subtalar
durante descarga de peso, além de valgo, rotação externa e
dorsiflexão do calcâneo.
O pé plano que afeta crianças e adolescentes pode ser
classificado como pé planovalgo flexível, também categorizado
como fisiológico (com ou sem contratura do tendão de Aquiles) ou
pé planovalgo rígido (causado por coalisões tarsais, tálus vertical
congênito e pés neurogênicos, dentre outros).
O pé plano valgo flexível está associado com uso de calçados
fechados, é mais frequente em algumas raças, em situações de
frouxidão articular e tem uma predisposição familiar para sua
ocorrência. Em estudo clássico de 1948, Harris e Beath encontraram
14% de pés planos valgos em recrutas do exército.
O pé plano valgo flexível também está presente em todos os
bebês, mas espera-se que, com o avançar da idade, o arco
longitudinal se forme a ponto de que apenas 15 a 20% dos adultos
persistam com a deformidade. O sobrepeso e a obesidade são
fatores contribuintes para essa ocorrência.
A contratura do tendão de Aquiles está associada com 25% dos
casos de pé plano valgo flexível e este achado foi considerado causa
de dor e perda de função.
O pé plano valgo rígido, considerado patológico, caracteriza-se por
certa rigidez da subtalar e, em alguns casos, dor. Em estudo de 1974,
Richardson revelou que 76% dos pacientes com coalisão tarsal não
relatavam dor.
A coalisão tarsal pode ser compreendida como uma união entre
um ou mais ossos do tarso, que reduz a mobilidade do pé e pode
causar dor. As coalisões mais frequentes são a calcaneonavicular e a
talocalcânea. As coalisões, oriundas de uma possível falha na
segmentação desses ossos no período fetal também podem ser
ósseas, cartilaginosas ou fibrosas.
Os sintomas aparecem entre 12 e 16 anos de idade,
principalmente após atividades físicas. A retificação do arco
longitudinal medial do pé pode estar associada com hipertonia e
espasticidades dos tendões fibulares.
Importante categorizar separadamente o pé plano adquirido do
adulto, pois esse possui um perfil epidemiológico e história clínica
singular. Apresenta-se com rebaixamento progressivo do arco medial
do pé nessa faixa etária de forma gradual e tem a disfunção do
tendão tibial posterior como sua principal causa. A evolução do pé
plano valgo adquirido do adulto é um processo multifatorial que
muitas vezes está associado a pé plano já existente e à obesidade.
Diabetes mellitus, uso de corticosteroides e patologias
neuromusculares podem estar associadas. É mais frequente na
terceira idade, afetando 10% dos idosos ingleses. Muitas vezes está
associado à degeneração da massa muscular e da estrutura óssea.
Não existe evidência de que o pé plano flexível cause
incapacidade, porém não se pode afirmar o mesmo do pé plano
rígido.
História Clínica
A abordagem fundamental durante a história clínica inclui o
esclarecimento dos familiares a respeito de suas preocupações,
principalmente com relação ao uso de botas e palmilhas com
objetivo corretivo, como sugeriu a avó, e as perspectivas de melhoria
da dor com o tratamento cirúrgico.
Muitas crianças têm o pé plano valgo, porém, quando o mesmo
torna-se doloroso, uma luz de alerta se acende e o médico precisa
atentar para os possíveis diagnósticos através de boa anamnese e
exames físico e radiológico para implementação da conduta correta.
A tipologia da dor deve revelar sintomas álgicos próximos ao local
da coalisão. Adicionalmente, espera-se uma dor de caráter mecânico
com alívio ao repouso. Dores de características inflamatórias, como
as noturnas e em repouso, devem ser mais bem investigadas.
A possibilidade de trauma deve ser descartada. A investigação de
possíveis causas que possam sugerir patologia neuromuscular não
deve ser esquecida, bem como os de casos de frouxidão ligamentar
em família ou parentes próximos com pé plano.
Outras causas de dor no pé, como osteomielite, artrite séptica,
artrite reumatoide, osteocondroses, tendinites, apofisites, fasceítes,
osso navicular acessório, calosidades, compressões nervosas,
distrofia simpaticorreflexa e tumores devem ser sempre descartadas.
Exame Físico
É fundamental uma abordagem global durante o exame físico em
busca sinais de anormalidades do desenvolvimento. O pé deve ser
avaliado em uma superfície rígida, sem calçados, com e sem carga,
uma vez que pode ocorrer a formação do arco sem a descarga de
peso. Deve-se descartar marcha patológica, com assimetrias, ataxias
e claudicações.
O exame neurológico inclui análise da marcha na ponta dos pés e
com o apoio dos calcâneos, uma prova de função que comprova
capacidade muscular e neurológica, principalmente para flexão
plantar e dorsiflexão.
Devem ser analisados os membros inferiores quanto aos estados
de alinhamento, rotação e comprimento. Torção tibial externa e
genuvalgo aumentados podem maximizar a deformidade.
A palpação do pé plano flexível é geralmente indolor. A colisão
calcaneonavicular geralmente causa dor na face anterolateral do pé.
A coalisão talocalcânea inferior ao maléolo medial, ponto onde pode
haver uma proeminência, justamente na face de contato entre as
articulações acometidas.
O achado mais significativo é a redução da mobilidade
talocalcânea. A tentativa manual de varização dos calcanhares testa
a capacidade para se alcançar passivamente a inversão do pé.
Músculos fibulares hipertônicos podem estar associados (Figura
2).
Figura 2. Espasmo de fibulares com dorsiflexão e eversão do tornozelo
direito.
Abordagem Imaginológica
O pé plano valgo flexível indolor não exige necessariamente a
realização de exames de imagem. Já no pé plano valgo flexível
doloroso ou no pé rígido são indicados inicialmente exames de
radiografia em quatro incidências.
Tomografia computadorizada e ressonância magnética são
raramente indicadas, prestam-se mais a esclarecer dúvidas de
achados radiográficos, determinar a localização e tamanho exatos da
coalisão, muitas vezes para avaliar indicação e resultado de
tratamentos.
Uma abordagem radiológica para avaliação do pé plano
possibilita principalmente fazer um diagnóstico diferencial,
quantificar as deformidades, medir ângulos específicos e avaliar
sinais direitos e indiretos de coalisões tarsais.
A radiografia em incidência oblíqua do pé do caso clínico
apresentado revelou uma imagem de coalisão tarsal, mais
precisamente entre os ossos calcâneo e navicular.
As imagens radiológicas evidenciaram redução discreta do pitch
do calcâneo, variações mínimas nos ângulos de Kite, cobertura do
navicular, do tálus e do primeiro metatarso, que são indícios de
planificação do pé com subluxação medial do tálus em relação à
articulação.
A barra óssea calcaneonavicular pode ser bem visualizada na
incidência oblíqua (Figura 6). Em casos de conexões fibrosas ou
cartilaginosas, a homogeneidade característica da ponte óssea não é
observada.
Figura 6. Barra óssea incompleta calcaneonavicular.
Fonte: acervo pessoal.
Lateral do pé com flexão plantar máxima Para diagnóstico do tálus vertical congênito
Fonte: https://emedicine.medscape.com/article/1358051-
overview#a4.
Fonte: http://uwmsk.org/footalignment/doku.php?id=pes_planus.
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69:426-8.
Capítulo 34
Semiologia Osteomioarticular do
Eixo Corporal (Colunas Cervical,
Torácica e Lombar)
Autor(a): Farley Carvalho Araújo
CASO CLÍNICO
Identificação: Paciente do sexo masculino, 20 anos de idade, trabalha como assistente
de pedreiro.
História da Moléstia Atual: Paciente relata dor em topografia de coluna lombar há,
aproximadamente, 1 ano. Não há irradiação para membros inferiores. Informa que a dor é
pior pela manhã e, à medida em que se movimenta, a dor alivia um pouco. Também acorda
travado, fenômeno este que dura por, mais ou menos, 2 h. Não refere queixas em outros
sistemas. Nega uso atual de medicações (embora use dipirona quase diariamente, com
alívio pequeno da dor), cirurgias ou internações, tabagismo ou etilismo.
EXAME FÍSICO
Sinais Vitais: Pressão arterial (PA) – 120 × 60 mmHg; frequência cardíaca (FC) – 72;
frequência respiratória (FR) –13.
Geral: Paciente corado, hidratado, anictérico, acianótico, sem edemas, linfonodos não
palpáveis.
Sistema Cardiovascular: Bulhas normorítmicas e normofonéticas.
Sistema Respiratório: Murmúrio vesicular fisiológico.
Abdome: sem visceromegalias, com ruídos hidroaéreos.
Exame Físico Osteomuscular: Não há sinais de espessamento sinovial. A amplitude de
movimentos é preservada, exceto por leve redução da flexão anterior da coluna lombar,
ratificada, objetivamente, pela manobra de Schober (11 cm). Não se observam hipotrofias
musculares. As manobras de Kernig e Lasègue foram negativas. Reflexos de membros
inferiores estão presentes e simétricos. Curvaturas fisiológicas da coluna preservadas,
embora observe-se discreta redução da lordose lombar. Não há restrições à mobilidade da
coluna cervical.
Ao final da consulta, apresentou uma radiografia de articulações sacroilíacas, a qual
evidenciou sacroiliíte grau II bilateralmente.
DISCUSSÃO
Manifestações Clínicas
A dor é o principal sintoma, quando o assunto é doenças da coluna. Deve-se estudá-la
através de dados como intensidade, irradiação, tempo de instalação, caráter da dor e,
principalmente, se é uma dor de ritmo inflamatório (dor ao repouso e alívio ao movimento)
ou de ritmo degenerativo-mecânico (dor ao movimento e alívio ao repouso).
Também pode-se encontrar rigidez matinal (travamento ao acordar que vai se aliviando
conforme o indivíduo inicia os movimentos do dia) como sintoma associado, além de
parestesias nos membros, perda de força nos membros ou perda de controle dos
esfíncteres.
É importante identificar os sinais de alerta (red flags) que remetem a etiologias mais
graves e de pior prognóstico de acordo com a etiologia das doenças da coluna. São eles:
febre (infecção, tumores), perda de peso (infecções crônicas, tumores), incontinências
urinária ou fecal (síndrome da cauda equina, mielopatia, hérnias discais volumosas), perda
motora (mielopatias, hérnias ciscais volumosas, tumores), dor noturna (doenças tumorais
ou autoimunes), dor de ritmo inflamatório (doenças autoimunes, como as
espondiloartropatias soronegativas), idade inferior a 18 anos e superior a 55 anos
(sugestivo de lesões tumorais ou doenças autoimunes da coluna). Tais sinais podem variar
um pouco conforme a literatura consultada.
Sensação de choque ou padrão de irradiação da dor para os membros podem sugerir
acometimento radicular (ou doença medular) e possibilitar previsão da topografia
segmentar neural acometida (p. ex., a raiz de S1 geralmente apresenta irradiação para a
face posterior da coxa; a raiz de L4 apresenta irradiação para a face anterior, e a raiz de L5
para a face lateral).
Uma outra queixa possível é a da claudicação intermitente (dor nos membros inferiores,
quando se caminha uma determinada distância). Embora seja caracteristicamente
relacionada à doença arterial obstrutiva periférica (claudicação vascular), também pode se
relacionar à estenose do canal vertebral, a qual decorre de etiologias multifatoriais
(hipertrofia do ligamento flavum, espondilodiscartrose, herniações discais, osteoartrite
zigoapofisária), caracterizando a claudicação neurogênica.
Ressalta-se que o contexto socioepidemiológico também é muito importante, quando se
avaliam doenças da coluna vertebral.
Na maioria das vezes, a etiologia da dor estará relacionada com a ocupação ou as
atividades desenvolvidas pelo paciente durante o dia.
A faixa etária também é importante. Sabe-se que, com o avançar da idade, tornam-se
mais prevalentes as etiologias degenerativas (espondiloartrose, osteoartrite
zigoapofisária). Também é de conhecimento que o contexto de hérnias discais
sintomáticas é menos comum em idosos, pois ocorre desidratação do disco com a idade,
reduzindo seu potencial de dano compressivo, quando o mesmo hernia. Do mesmo modo,
deve-se lembrar que as espondiloartropatias soronegativas são mais comuns nos jovens e
que, além disso, cursam com um padrão de dor diferente daquele da osteoartrite.
O sexo também ajuda a diferenciar etiologias, apesar de que há alguns confundidores
(p. ex., do ponto de vista anatômico, existiria uma maior facilidade para herniações discais
nas mulheres, mas as mesmas acontecem mais nos homens, muito provavelmente por
conta da ocupação desempenhada pelos mesmos). Sabe-se que a espondilite anquilosante
é muito mais comum nos homens do que nas mulheres e que síndromes de sensibilização
central (fibromialgia, por exemplo) ainda são mais comuns nas mulheres.
Manobras Especiais
• Spurling: flexão lateral da cabeça com compressão craniocaudal; se positivo
(deflagra sintomas radiculares das extremidades), é sugestivo de herniação discal
cervical
• Arco da corda: trata-se uma manobra para identificar simulação ou dor de origem
não axial. A partir do ponto em que a manobra de Lasègue foi positiva, flexionam-
se joelho e quadril. Se o paciente permanece referindo dor, provavelmente não se
trata de ciatalgia, visto que, nesse momento, o ciático se relaxa
• Sèze: consiste em caminhar nas pontas dos pés (raiz de S1) e, depois, sobre os
calcanhares (raiz de L5). Seu objetivo é testar déficit de força relacionado à
provável raiz acometida
CONCLUSÃO
Neste capítulo, apresentou-se um caso clínico de espondiloartropatia soronegativa
(espondilite anquilosante), condição que poderia ser cogitada pelos dados da história e do
exame físico apresentados (paciente do sexo masculino, jovem, apresentando lombalgia
inflamatória crônica e limitação à flexão anterior da coluna). Embora não seja uma causa
tão comum de dor na coluna, é um bom exemplo de como se pode chegar a uma hipótese
diagnóstica de forma sólida antes mesmo de lançarmos mão da propedêutica armada.
Após breve introdução, foram abordadas as noções de anatomia aplicada. Essas
noções são úteis na prática clínica, seja para interpretar os achados de exame físico, seja
para formular hipóteses diagnósticas.
A partir daí, discutiram-se as manifestações clínicas e o exame físico da coluna,
propondo algumas etiologias, quando foi oportuno.
Acredito que, ao final deste capítulo, o leitor esteja apto para realizar o exame físico da
coluna vertebral e formular hipóteses diagnósticas.
Mas não se deve parar por aqui. Este foi o ponto de partida para o aprofundamento nas
principais patologias da coluna vertebral, para o estudo dos exames complementares e
formulação dos planos terapêuticos.
BIBLIOGRAFIA
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Capítulo 35
Semiologia Psiquiátrica
Autor(a): Rafael Góis Campos
CASO CLÍNICO:
Identificação: Mulher de 29 anos de idade, casada, 2 filhos (um de 4 anos e outro de 1
ano e 6 meses), ensino superior completo (Administração), trabalha em uma empresa de
cosméticos. Mora com o marido e os filhos.
Queixa Principal: “Tristeza há 2 meses”.
História da Moléstia Atual: Paciente relata que há cerca de 6 meses sente-se mais
desanimada, “meio sem vontade de fazer as coisas”. Há cerca de 2 meses os sintomas
intensificaram-se. Começou a sentir tristeza na maioria dos dias, fica angustiada sem
motivo aparente, chora “por qualquer coisinha”. Só tem motivação para cuidar dos filhos;
libido baixa. Dorme pouco e come demais. É sedentária. Nega ideação suicida, delírios e
alucinações. Não consegue perceber nenhum fator desencadeante específico, mas durante
a conversa conta que há 8 meses aconteceram algumas mudanças no emprego que a
desagradaram, há 6 meses sua mãe esteve doente e há 2 meses seu filho “vem dando
trabalho em casa”.
Exame Psíquico: Apresentação discretamente descuidada. Atitude passiva, faz pouco
contato visual e olha muito para baixo, mas tem bom contato. Consciente e orientada.
Atenção diminuída globalmente. Pensamento lentificado, mas organizado e sem delírios.
Psicomotricidade diminuída. Humor hipotímico, com afeto sintônico. Sensopercepção sem
alterações. Volição diminuída. Crítica e noção de doença preservadas.
Antecedentes Patológicos: Nega comorbidades, uso de medicações e drogas ilícitas.
Na época da faculdade, usou drogas (álcool, maconha e cigarro) em contexto recreacional
com amigos, mas parou completamente desde o nascimento do primeiro filho, há 4 anos.
Antecedentes Familiares: Mãe com história de depressões repetidas, com duas
internações por excesso de irritabilidade.
Hipótese Diagnóstica: Episódio depressivo moderado.
Conduta Inicial: Orientada a fazer mudanças em seu estilo de vida e a praticar
exercícios físicos. Encaminhada para terapia. Prescrito fluoxetina 20 mg pela manhã.
Evolução: três semanas depois, paciente retorna acompanhada do marido e do pai, com
quadro bem diferente. Mostra-se animada, falante, e revela que a vida está ótima – “fazia
muito tempo que não me sentia tão bem”. Tem ideias de grandeza (de que pode fazer
muita coisa e pode conquistar “as coisas que me faltam na vida”). Nega alucinações.
Apesar de inquieta e gesticulando muito, não estava agressiva ou agitada. Dorme muito
pouco, mas mantém-se disposta e “cheia de energia”. Quer fazer exercícios todos os dias
por tempos prolongados. Não fez gastos, porque marido retirou seus cartões de crédito.
O clínico resolve entender melhor a história. O marido, que a conhece há cerca de 10
anos, lembra de épocas na faculdade em que ela ficava “super empolgada” com as coisas,
saía mais do que o habitual, tinha muita libido e comprava exageradamente. Marido
estranhava, mas achava que era só um período mais empolgado. Nunca havia ficado do
jeito que está ou procurado ajuda por isso. Alguns desses períodos “empolgados” coincidia
com os períodos de uso de drogas ilícitas. O marido consegue identificar pelo menos três
episódios em que ela tenha ficado assim. No último deles, ao fim da faculdade (há 6 anos),
chegou a comprar 10 livros em um dia só e uma viagem, mesmo não estando com dinheiro
sobrando. Esses três episódios duraram cerca de 10 a 15 dias, com exceção deste último
que parece ter durado cerca de 2 meses, e por isso foi o mais marcante. Nunca havia
procurado ajuda médica por isso.
Parece ter tido dois episódios de ficar mais calada, mais “de cama”. Um desses
episódios foi logo após o nascimento do segundo filho, e o marido relacionou o fato à
própria maternidade. Ela ficava angustiada, insegura de cuidar do filho, achava que não era
capaz e sua mãe teve que passar algumas semanas ajudando-a a cuidar do filho.
O pai da paciente conta que a mãe dela tem história parecida: diversos episódios de
tristeza intensa e outros episódios de ficar acelerada, agitada e falante.
Exame Psíquico: Apresentação extravagante com roupas coloridas e bastante
maquiagem. Hipervígil e hipotenaz. Orientada em espaço, mas desorientada em tempo.
Pensamento de curso acelerado, com fuga de ideias e conteúdo com delírios de grandeza.
Psicomotricidade aumentada. Sensopercepção sem alterações. Humor exaltado com afeto
sintônico. Volição aumentada. Sem crítica e noção de doença.
Hipótese Diagnóstica: Transtorno bipolar em episódio maníaco.
Nova Conduta: O médico suspendeu a fluoxetina e prescreveu carbonato de lítio 600 mg
associado à quetiapina 25 mg para melhorar o sono. Solicitou exames gerais para
descartar causas orgânicas. Orientou cuidados e vigilância durante 24 h. Informou sobre
sinais de risco e locais de pronto atendimento. Pediu que retornassem em breve.
Introdução:
A semiologia psiquiátrica é um tema amplo, descrito em muitos artigos e livros. Para
fins didáticos, neste capítulo ela será dividida em três partes: anamnese psiquiátrica (a
parte da entrevista), exame psíquico ou exame do estado mental (o exame físico da
psiquiatria) e formulação diagnóstica (raciocínio clínico para o diagnóstico psiquiátrico).
Na prática, essas três partes ocorrem simultaneamente ao longo da consulta médica.
A semiologia psiquiátrica consiste em uma entrevista ou conversa estruturada (em
alguns momentos mais estruturada, em outros menos estruturada) na qual se tenta
entender padrões de comportamento do paciente e suas maneiras de pensar e interagir
com o mundo. Ela estará sempre associada a uma boa observação do paciente durante a
entrevista, de como interage com o interlocutor e com as demais pessoas presentes. Uma
boa semiologia psiquiátrica é uma combinação de arte e técnica.
Como em qualquer clínica, a avaliação psiquiátrica do paciente começa com a
anamnese: identificação, história da moléstia atual, antecedentes (pessoais e familiares).
Perpassa o exame psíquico (também chamado de exame do estado mental), os exames
físico e neurológico e pode ser importante para se descartarem causas orgânicas de
alteração de comportamento. Termina com a formulação de hipóteses diagnósticas
(sindrômicas ou etiológicas). Costuma-se dizer que a psiquiatria é a especialidade mais
clínica de todas, porque depende exclusivamente da história e dos exames físico/psíquico
para se formularem diagnósticos; os exames complementares são apenas para descartar
outras causas. Logo, deve-se entender a importância desse tema.
Anamnese
Conceitos básicos
Uma boa anamnese requer tempo, elemento que falta nos ambientes de prática atuais,
mas observando-se algumas questões básicas e conhecendo-se minimamente as grandes
síndromes psiquiátricas e seus diagnósticos diferenciais, é possível estabelecer os
diagnósticos corretos.
Na anamnese psiquiátrica, deve-se ouvir atentamente e ter muita paciência para
entender os meandros da outra pessoa. Porém sabe-se que, na maioria dos contextos de
práticas atuais, os atendimentos são rápidos e diretivos, logo, é importante direcionar um
pouco a anamnese do paciente evitando-se prolixidade, mas com cuidado para não perder
informações que sejam importantes para o entendimento do caso. Na maioria das vezes,
não é a quantidade de tempo oferecida ao indivíduo, mas a qualidade da atenção que
resulta em uma boa anamnese.
Com pacientes mais desorganizados, com transtornos psicóticos ou paranoides, nível
intelectual baixo ou “travados” por alto nível de ansiedade, podem-se usar entrevistas mais
estruturadas, com mais perguntas e direcionamento das conversas. Com pacientes mais
organizados e com inteligência normal, pode-se deixá-los falar mais livremente, apenas
conduzindo discretamente as respostas.
É importante destacar a necessidade da identificação detalhada do paciente, que é
sempre importante, mas em psiquiatria é mandatória! Nas perguntas iniciais, o médico já
consegue perceber várias alterações (como orientação, atenção, linguagem, memória, entre
outras). Especialmente nos pacientes muito ansiosos ou com transtornos paranoides, a
percepção do médico ajuda no questionamento inicial mais “neutro” para só depois se
introduzir as perguntas sobre o problema.
Na dúvida, usam-se perguntas mais genéricas no início (“está tudo bem com você?”,
“como anda a sua vida?”, “o que te trouxe aqui?” ou algo do tipo) e depois direcionam-se
mais as perguntas.
A essência da anamnese psiquiátrica não difere muito das demais clínicas: perguntar a
queixa principal, esmiuçar tal queixa, questionar sintomas associados, excluir outros
quadros que podem confundir com o quadro em questão.
Dica de um especialista: sempre perguntar sobre alterações de humor, descartar
sintomas psicóticos (alterações de pensamento e sensopercepção) e ideação suicida,
mesmo que o quadro não seja sugestivo ou o paciente “não aparente” ter alterações desse
tipo. Sempre lembrar-se de questionar sobre sono, apetite e outras funções biológicas que
comumente se alteram nos quadros psiquiátricos.
Mais para o fim da anamnese, perguntar sobre questões pessoais, tentando localizar a
pessoa em um contexto geral. Questionar o que está fazendo (trabalho, estudo etc.), como
está a rotina, como andam as relações pessoais, e outras perguntas mais genéricas sobre
a vida ajuda a entender vivências pessoais e perceber alguns outros sintomas. A história
psiquiátrica deve ir além dos simples sinais e sintomas e sua investigação. Deve incluir
certos contextos pessoais e ambientais, traumas atuais e pregressos, objetivos de vida,
entre diversas outras questões importantes além das técnicas.
Nos antecedentes, lembrar-se de perguntar sobre doenças prévias, uso de medicações e
de drogas ilícitas, e sobre antecedentes familiares, de preferência perguntar de contextos
familiares e da infância.
Há uma importante questão a ser lembrada: faça uma história objetiva com um familiar,
cônjuge, amigo próximo, ou qualquer pessoa que conheça bem o paciente. Se na primeira
consulta a pessoa veio desacompanhada, peça para trazer alguém na próxima. Na história
objetiva, podem ser obtidas mais informações que o paciente esqueceu ou omitiu
(propositadamente ou não), pode-se, inclusive, descobrir que tudo que o paciente contou na
realidade é delírio da cabeça dele (apesar de parecer convincente, às vezes). Muitas
doenças psiquiátricas cursam com falta de crítica da doença, e sem a história objetiva o
profissional não ficará sabendo dessas informações. Alguns alunos ficam em dúvida se a
história objetiva deve ser feita na frente do paciente ou sem a presença dele. Não há
resposta para isso, essa decisão vai depender do caso e tem que ser decidida no momento.
Psicopatologia:
O exame do estado mental ou exame psíquico costuma ser a parte mais importante da
semiologia psiquiátrica. São vivências, estados mentais e padrões comportamentais
descritos sob forma de sintomas, divididos em categorias e funções psíquicas.
Para fazer o exame psíquico há roteiros, guias, sugestões de perguntas, mas no fundo o
clínico faz o exame psiquiátrico ao longo de toda a conversa com o paciente. Desde o
momento em que o paciente se senta até quando ele vai embora, toda a linguagem (verbal
e não verbal) é avaliada. E esta última é tão importante quanto a primeira, afinal o que ele
não fala (mas demonstra) durante a conversa é tão importante quanto o que ele fala.
A psicopatologia é, como diz o Dr. Paulo Dalgalarrondo, uma linguagem, um idioma, uma
maneira de unificar as conversas entre os médicos. As pessoas tendem a ser peculiares e
inclassificáveis, mas uma ciência bem feita necessita de um idioma bem construído,
compreensível e honesto para que haja comunicação e entendimento mútuo. Ou seja, a
psicopatologia é apenas um jeito de sistematizar o conhecimento psiquiátrico em clusters
de sinais, sintomas e comportamentos. Mas obviamente, como afirma Karl Jaspers “não se
pode reduzir por completo o ser humano a conceitos psicopatológicos”, mas precisa-se
tentar.
De modo geral, não há sinais e sintomas psicopatológicos específicos (ou
patognomônicos) de determinado transtorno mental. O exame psíquico é momentâneo, é
uma descrição das observações do médico e das queixas feitas pelo paciente. Ele deve ser
somado à anamnese para se concluir o diagnóstico.
As principais funções psíquicas são: orientação, consciência, atenção, pensamento,
sensopercepção, psicomotricidade, volição, inteligência, linguagem, memória, humor e
afeto, crítica e noção de doença, mas existem outras, como atitude, contato, cognição
social, personalidade, que não serão abordadas.
Principais funções psíquicas:
• Principais alterações: por ser muito complexo, suas alterações também são. O
pensamento pode ser pueril, concreto (quando tem pouca flexibilidade), ser
tangencial ou circunstancial. Seguindo a divisão anterior, há:
Alterações de curso: o pensamento pode estar acelerado, lentificado, ser
bloqueado, ser roubado
Alterações de forma: o paciente pode ter um pensamento com ideias que
não se conectam, indo desde graus mais leves, como uma frouxidão dos
laços associativos ou com fuga de ideias, até quadros de desorganização
mais graves das ideias, como o descarrilamento de ideias ou desagregação
do pensamento
De conteúdo: a principal alteração é o delírio, quando o paciente tem uma
ideia fixa, irremovível, impossível e não passível de argumentação lógica.
Costuma-se dizer que o delírio é a certeza patológica. Podem ser de vários
tipos como: persecutórios, de ciúme, de ruína, de poder, místico e religiosos,
entre outros
O Raciocínio Diagnóstico
No fim, somando-se anamnese, história objetiva e o exame do estado mental vão se
interpretando os sinais e sintomas com habilidade para se pensar nas principais hipóteses
diagnósticas.
Nesse momento, vale muito usar o raciocínio clínico habitual de fazer uma hipótese
diagnóstica sindrômica inicial (tabela 1) e, em seguida, após excluir causas secundárias, se
chegar a principal hipótese.
• Síndromes depressivas
• Síndromes maníacas ou manitiformes
• Síndromes ansiosas
• Síndromes psicóticas
• Síndromes psicomotoras (desde a catatonia até a agitação psicomotora)
• Síndromes neurocognitivas (síndromes mentais orgânicas, demências e delirium)
• Síndromes cognitivas do neurodesenvolvimento (retardo mental e transtornos afins)
• Síndromes relacionadas ao comportamento alimentar
• Síndromes relacionadas ao uso de substâncias e comportamentos aditivos
• Quadros relacionados ao sono
• Quadros relacionados a sexualidade, identidade de gênero, parafilias e questões
sexuais
1. Fazer anamnese
2. Durante a anamnese, observar o paciente e fazer o exame psíquico
3. Se necessário, fazer perguntas específicas para alguma parte do exame psíquico
(perguntas para testar orientação, por exemplo)
4. Pensar nas grandes síndromes psiquiátricas e descartar possíveis diagnósticos
5. Pensar em causas orgânicas e neurológicas e excluí-las
6. Pensar em questões relacionadas a uso de drogas ilícitas ou medicações e excluí-
las
7. Aplicar ou solicitar escalas e testes psicológicos, se necessário
8. Solicitar exames complementares, se necessário
9. Se possível chegar no diagnóstico definitivo: ótimo. Se não, fazer o diagnóstico
mais preciso que conseguir, iniciar tratamento e acompanhar o caso.
BIBLIOGRAFIA
1. American Psychiatric Association. DSM V. 2013.
2. Dalgalarrondo P. Psicopatologia e Semiologia dos Transtornos Mentais. 3. ed. Artmed; 2019.
3. Forlenza OV, Miguel EC. Compêndio de Clínica Psiquiátrica. Manole; 2012.
4. Kaplan, Sadock. Compêndio de Psiquiatria. 9. ed. Artmed; 2007.
5. Moreno R, Cordás T. Condutas em Psiquiatria: Consulta Rápida. 2. ed. Artmed; 2018.
Capítulo 36
Semiologia da Dor
Autor(a): Odon Tavares de Souza Neto
ANAMNESE
Identificação: Paciente do sexo feminino, 42 anos de idade,
empresária, divorciada, parda, natural e procedente de São Paulo
(SP).
Queixa Principal: “Dor em queimação em punho direito”.
História da Moléstia Atual: Paciente vítima de queda da própria
altura, evoluindo com dor e edema em punho direito. Procurou a
emergência médica de hospital terciário 2 h após o trauma, sendo
diagnosticada (através de radiografia de punho anteroposterior) com
fratura de rádio distal à direita pelo traumatologista. Prescreveu-se
imobilização com tala engessada e orientou-se retorno semanal e
observação por 6 semanas. Fora prescrito também no hospital
tramadol 100 mg endovenoso e, domiciliarmente, ibuprofeno 300 mg
a cada 8 h. Após 1 semana do primeiro atendimento, retorna ao
mesmo hospital com dor e edema em membro fraturado, relatando
que a analgesia prescrita era ineficaz. O médico traumatologista
plantonista optou por acrescentar codeína 30 mg a cada 6 h e manter
o planejamento terapêutico do primeiro colega. Após 4 semanas do
trauma e de constantes avaliações em emergências ortopédicas por
dor (sem resolução), resolve procurar, de forma eletiva, médico
ortopedista especialista em mão. O mesmo solicitou novos exames
de imagem (radiografia com incidência anteroposterior e de perfil, e
tomografia de punho) que evidenciaram: ausência de consolidação
eficaz e possível lesão articular do punho. Sugerida fixação cirúrgica
da fratura com realização de artroscopia do punho direito. O
procedimento cirúrgico realizado 5 semanas após o primeiro
atendimento não apresentou intercorrências. Em retornos semanais
ao médico que a operou, a paciente relata piora paulatina da dor e
surgimento gradual de: sensação de queimação, dor excruciante ao
toque, espasmo muscular, diminuição da força no punho, alteração
de fâneros e vermelhidão na região afetada. Após 2 meses de uso
intermitente de opioides, anti-inflamatórios e corticosteroides, não
houve melhora considerável do quadro e, por conseguinte, o cirurgião
optou por encaminhá-la ao médico especialista em dor.
Interrogatório Sintomatológico: Nega perda ponderal, nulípara.
História Patológica Pregressa: Nega alergias, etilismo, tabagismo
e cirurgias prévias. Relata intolerância à glicose e transtorno de
ansiedade.
Medicamentos: Metformina 500 mg 2 vezes/dia; escitalopram 10
mg 1 vez/dia.
História Familiar: Pai vivo e com história de doença arterial
coronariana, mãe com diabetes melittus e depressão. Possui uma
irmã hígida.
História Psicossocial: Paciente queixa-se de transtorno de
ansiedade desde a adolescência, porém só teve uma consulta com
psiquiatra há 3 anos, ocasião em que lhe fora prescrito escitalopram.
EXAME FÍSICO
Dados Vitais: Altura - 162 cm; peso – 85 kg; frequência
respiratória (FR) – 14 irpm; pressão arterial (PA) – 135 × 90
mmHg; frequência cardíaca (FC) – 82 bpm; temperatura axilar –
37°C.
Geral: Paciente cooperativa, queixosa, hipoativa, eutrófica,
hidratada, anictérica e acianótica, mucosas normocrômicas,
orientada no tempo e no espaço.
Sistema Cardiovascular: Ritmo cardíaco regular, bulhas
normofonéticas, sem sopros.
Sistema Respiratório: murmúrio vesicular universal, sem ruídos
adventícios.
Abdome: Plano, flácido, indolor, sem visceromegalias, com ruídos
hidroaéreos sem alterações.
Extremidades: Punho direito edemaciado, com pele fina e pálida,
alodínea em região de cicatriz operatória e dificuldade de extensão e
flexão da mão, bem como atrofia de região hipotênar.
Suspeita Diagnóstica: Dor crônica – distrofia simpaticorreflexa.
Conduta: Orientação; planejamento fisioterápico; interconsulta
com psiquiatra para ajuste de medicação para transtorno de
ansiedade prévio; realização de bloqueio simpático 1 a 2 vezes por
semana, até alívio dos sintomas.
Intervenção medicamentosa: Pregabalina 150 mg/dia +
prednisona 40 mg por 2 semanas + alendronato 10 mg/dia + dipirona
1 g de horário e celecoxibe 200 mg de resgate.
Reavaliação a cada 15 dias.
EXAMES COMPLEMENTARES
Não indicados.
DISCUSSÃO
1. A dor pode ser compreendida como uma experiência
sensorial e emocional desagradável, associada a um dano
real ou potencial dos tecidos ou descrita em termos deste
dano, ou seja, não é necessário um estímulo nóxico
(doloroso) específico tampouco caracterização verbal do
É
paciente. É essencialmente uma manifestação subjetiva,
variando sua apreciação de um indivíduo para o outro.
Estudos mostram maior prevalência de dor, de intensidade e
de maior consumo de medicamentos analgésicos entre
pessoas do sexo feminino. Outro aspecto importante é o
aumento dessa prevalência com o avançar da idade.
2. A dor pode ser classificada temporalmente em aguda e
crônica. A maioria das referências médicas definem como
dor crônica aquela que é persistente ou recorrente,
perdurando mais de 3 a 6 meses. Dessa forma, dor aguda é
aquela com duração inferior a esse período. Uma exceção é
a dor crônica pós-operatória, cujo tempo de definição
geralmente aceito é quando persiste por mais de 2 meses. É
importante salientar que a dor aguda é acompanhada de
manifestações neurovegetativas e que remite após a
retirada do fator causal, e na dor crônica, a avaliação e o
tratamento tornam-se dificultosos, pois, uma vez instalada,
sua perpetuação pode acorrer mesmo após a retirada do
fator causal (quando identificado).
3. A dor foi citada como quinto sinal vital pela primeira vez em
1996 por James Campbell (Presidente da Sociedade
Americana de Dor), por conseguinte, uma avaliação
apropriada torna-se de suma importância no tratamento do
paciente, pois proporciona uma terapia analgésica
adequada. Resumidamente, o médico deve atentar e, se
possível, documentar os seguintes aspectos:
SISTEMA
↑ FC, ↑ PA, ↑ RVS, ↑ trabalho cardíaco
CARDIOVASCULAR
SISTEMA
Náuseas, vômitos, íleo paralítico
GASTRINTESTINAL
SISTEMA NERVOSO
Ansiedade, medo, fadiga, falta de sono
CENTRAL
BIBLIOGRAFIA
1. Butterworth JF, Mackey DC, Wasnick JD. Morgan & Mikhail´s: Clinical
Anesthesiology. 5th ed. New York: McGraw-Hill; 2013. p. 1023-39.
2. Chou R, Gordon DB, Leon-Casasola OA, Rosenberg JM, Bickler S, Brennan T et al.
Management of postoperative pain: a clinical practice guideline from the American
pain society, the American Society of Regional Anesthesia and Pain Medicine, and
the American Society of Anesthesiologists’ committee on regional anesthesia,
executive committee, and administrative council. The Journal of Pain. 2016;
17(2):131-57.
3. Dellaroza MS, Pimenta CA, Matsuo T. Prevalência e caracterização da dor crônica
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5. Julius D, Basbaum AI. Molecular mechanisms of nociception. Nature. 2001;
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Refresher Courses: 15th World Congress on Pain. Washington: IASP PRESS; 2014.
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9. Mattos SLL, Azevedo MP, Cardoso MGM, Nunes RR. Dor e Cuidados Paliativos. Rio
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10. Merskey H, Albe Fessard D, Bonica JJ, Carmon A, Dubner R, Kerr FWL et al. Pain
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11. Merskey H, Bogduk N. Classification of Chronic Pain. 2nd ed. Seattle: IASP Press;
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a língua Portuguesa. Rev Esc Enferm. USP. 1996; 30:473-83.
15. Porto CC, Porto AL (Ed.). Exame Clínico: Porto & Porto. 7. ed. Rio de Janeiro:
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1 . Rustoen T, Wahl AK, Hanestad BR et al. Gender differences in chronic pain--findings
from a population-based study of Norwegian adults. Pain Manag Nurs. 2004; 5:105-
17.
17. Wu CL, Raja SN. Treatment of acute postoperative pain. Lancet. 2011; 377:2215-25.
Capítulo 37
Semiologia da Criança
Autor(a): Vera Bain
ANAMNESE
Paciente do sexo masculino, 7 meses de idade, levado pela mãe
para consulta pediátrica.
Queixa e Duração: Há 2 dias com salivação intensa e diminuição
da aceitação alimentar.
História da Moléstia Atual: Paciente previamente hígido, em
acompanhamento pediátrico de rotina, sem intercorrências prévias.
Há 2 dias apresenta-se mais choroso e irritado, recusando todos os
alimentos sólidos e aceitando apenas leite materno. Não apresentou
náuseas ou vômitos. Mãe relata que criança leva as mãos à boca
com frequência e chora. Apresenta salivação intensa durante todo o
dia. Nega febre.
IS: Nega alterações de diurese e sintomas respiratórios. Relata
algumas evacuações mais pastosas ao longo dos últimos 3 dias.
Alimentação Pregressa e Atual: Foi amamentado com leite
materno exclusivo até os seis meses de idade, quando iniciou
alimentação complementar com papas de frutas e salgada. Boa
aceitação da alimentação orientada pelo pediatra até dois dias antes
da consulta atual.
Desenvolvimento Neuropsicomotor: Senta-se sem apoio, segura
objetos com a mão e consegue trocar os objetos de mão; balbucia e
reconhece estranhos.
Vacinas: Mãe afirma que a vacinação está atualizada, mas não
trouxe o cartão vacinal da criança.
Antecedentes Pessoais: Sem intercorrências na gestação,
realizou pré-natal adequado. Parto normal com 39 semanas, teste de
Apgar 9/10/10; recebeu alta com 3 dias de vida junto com a mãe.
Sem doenças agudas nem internações prévias.
Antecedentes Familiares: Pais saudáveis. Avós paternos com
hipertensão arterial, sem outras doenças conhecidas na família.
Ambiente: Mora em apartamento com os pais, dorme em berço
próprio. Mãe leva a criança para passear todas as manhãs para ter
exposição ao sol. Cuidados de higiene: banho uma vez ao dia ou
duas vezes em dias de muito calor; higiene oral com gaze úmida uma
vez ao dia.
EXAME FÍSICO
Sinais Vitais: Frequência cardíaca (FC) – 120 bpm; frequência
respiratória (FR) – 28 irpm; temperatura: 36,2°C.
Dados Antropométricos: Peso – 8.500 g; estatura – 69 cm;
perímetro cefálico – 44 cm.
Geral: Bom estado geral, ativo e reativo, corado, hidratado,
anictérico e acianótico.
Pele: Sem lesões de pele.
Cabeça e Pescoço: Fontanelas fechadas, sem linfonodos
palpáveis em região cervical, sem massas ou abaulamentos
Otoscopia: Normal bilateral.
Oroscopia: Discreta hiperemia em região gengival inferior, com
aparecimento de um dente.
Sistema Respiratório: Tórax simétrico, expansibilidade adequada,
ausculta com murmúrios vesiculares presentes, sem ruídos
adventícios nem sinais de desconforto respiratório.
Sistema Cardiovascular: íctus não visível e não palpável, ausculta
com bulhas rítmicas e normofonéticas, em dois tempos e sem
sopros. Pulsos periféricos cheios e simétricos, tempo de enchimento
capilar de 2 segundos.
Abdome: globoso, com ruídos hidroaéreos, flácido, percussão
timpânica, sem massas palpáveis, fígado a 2 cm do rebordo costal
direito e baço não palpável.
Sistema Nervoso: Paciente ativo, reagindo a estímulos, com
sorriso social, sem rigidez de nuca, não apresenta reflexos primitivos.
Períneo e genitália: Sem lesões de pele, genitália masculina
típica.
CONDUTA
Suspeita diagnóstica: surgimento dos primeiros dentes da
criança. No momento sem necessidade de exames complementares.
Optou-se por tranquilizar a família, orientar medidas para alívio dos
sintomas, como uso de mordedores e alimentos mais frios.
Contraindicado uso de medicações que contenham anestésicos
locais como lidocaína.
Em relação à consulta de puericultura de rotina, registrados
crescimento e estado nutricional adequados, alimentação adequada,
desenvolvimento neuropsicomotor adequado, ambiente adequado,
vacinas sem informação. Parabenizou-se a família pelo bom
desenvolvimento e ganho de peso da criança, reiterou-se a
necessidade de não esquecimento do o cartão vacinal na próxima
consulta e marcou-se retorno de rotina aos 9 meses de idade.
DISCUSSÃO
A Consulta Pediátrica
A Puericultura é a área da saúde que se dedica a estudar o
desenvolvimento da criança, desde o nascimento até o final da
adolescência e o ingresso na vida adulta. Historicamente, seu maior
objetivo era o de diminuir a mortalidade em crianças através da
instituição de hábitos de higiene, aplicação de vacinas e orientações
em relação ao risco de doenças infecciosas. Ao longo do século XX,
houve importante aumento da expectativa de vida na sociedade e
queda da mortalidade infantil, o que levou a pediatria e a puericultura
a se voltarem para um novo foco, que é a possibilidade de a criança
chegar à vida adulta da maneira mais saudável possível, através de
alimentação adequada, atividade física e preparação para assumir
responsabilidades e orientação para o cuidado com a própria saúde.
Uma particularidade da consulta pediátrica é o fato de lidar com
crianças de idades muito variadas e com graus de desenvolvimento e
autonomia que são crescentes ao longo da vida. No início, depende-
se muito das informações de pais e cuidadores para se avaliar a
saúde da criança. Nos primeiros anos de vida, o desenvolvimento
físico e neurológico é muito rápido, e a criança muda e evolui a cada
consulta. Por isso as consultas são mais frequentes nos primeiros
meses de vida e mais espaçadas ao longo da infância.
Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria, a frequência das
consultas deve ser mensal nos primeiros 6 meses de vida, trimestral
dos 6 aos 18 meses, semestral até os 4 anos de idade e anual até o
final da adolescência.
ANAMNESE
A estrutura da anamnese pediátrica segue o mesmo modelo da
anamnese tradicional, com a particularidade de que o médico deve
tentar coletar informações com a família e, sempre que possível,
também com a criança.
Queixa e Duração, História da Moléstia
Atual e Interrogatório sobre os Diversos
Sistemas
Muitas consultas pediátricas podem acontecer sem nenhuma
queixa, como nas consultas de rotina. Algumas perguntas-chave no
momento da avaliação devem ser: aceitação alimentar, estado geral
atual e nível de atividade (ativo, prostrado, com pouca resposta a
estímulos) da criança e como se compara com o que os pais
entendem como o normal do seu filho, sono, alterações no padrão de
diurese e evacuação.
Deve-se ficar atento para o fato de que as famílias vão priorizar o
que acham mais importante ou o que chama a atenção delas, mas
que nem sempre é a informação principal que o médico deseja obter
naquela consulta. Assim, o pediatra deve dar atenção à queixa da
família, mas não deixar de fazer a avaliação completa da criança em
todas as consultas.
Antecedentes Pessoais
A história da saúde da criança pode ser dividida entre os eventos
da gestação e do parto e aqueles que aconteceram após seu
nascimento.
A história gestacional materna deve conter as seguintes
informações: idade materna, número de gestações e paridade,
intercorrências em gestações anteriores e doenças que aconteceram
nessa gestação, uso de medicações, álcool e drogas ilícitas durante
a gestação, número de consultas de pré-natal, exames coletados,
incluindo as sorologias para vírus da imunodeficiência adquirida
(HIV), sífilis, hepatite tipos B e C, toxoplasmose e idealmente também
rubéola e citomegalovírus. Em algumas regiões do Brasil, indica-se a
sorologia para detectar vírus T-linfotrópicos humanos (HTLV).
Em relação ao parto, deve-se indagar se foi realizado em
hospital/maternidade ou domicílio, se houve atenção por
parteira/doula, enfermeiro ou médico, e qual foi a via de parto, escore
É
de Apgar e se houve alguma intercorrência. É fundamental saber com
quantas semanas de gestação aconteceu o nascimento, uma vez que
o cuidado com recém-nascido prematuro é diferenciado e seus
riscos de saúde devem ser abordados nas consultas.
Os antecedentes mórbidos da própria criança incluem
hospitalizações, doenças crônicas, infecções recorrentes, uso de
antibiótico.
História Alimentar
A alimentação da criança é parte fundamental da consulta
pediátrica e uma das maiores fontes de preocupação da família.
O aleitamento materno exclusivo é recomendado até os 6 meses
de idade e, após isso, o pediatra orienta a introdução da alimentação
complementar. Os alimentos são oferecidos aos poucos, iniciando-se
com fruta e papa salgada uma vez ao dia. Ao longo dos meses, há
evolução da consistência dos alimentos, da frequência das refeições
de fruta e as salgadas e de suas quantidades. Com 1 ano de idade, a
criança deve estar pronta para receber a mesma alimentação da
família, desde que esta seja uma alimentação saudável.
Alguns detalhes para a oferta de alimentos para a criança: açúcar
só deve ser oferecido após os 2 anos de idade e o sal deve ser
evitado ou usado em mínima quantidade. O mel é contraindicado
antes de 1 ano de idade por risco de contaminação com toxina
botulínica. Alimentos ultraprocessados devem ser sempre evitados.
Sucos não devem fazer parte da alimentação das crianças. A água
pode ser oferecida a partir dos 6 meses de idade.
Na Figura 1 são apresentados os esquemas de alimentação
complementar a partir dos 6 meses de idade, recomendados pelo
Ministério da Saúde.
Figura 1. Alimentação da criança ao longo do dia em relação à idade
Fonte: Guia Alimentar para Crianças Brasileira Menores de Dois Anos
– Ministério da Saúde 2019.
Vacinação
As imunizações são consideradas um dos mais importantes
avanços na saúde populacional, uma vez que promoveram a
diminuição da incidência de doenças infecciosas graves. Para o
sucesso de um programa de imunizações, é imprescindível obter
altas coberturas vacinais.
A maioria das vacinas do calendário do Programa Nacional de
Imunizações é fornecida na infância. Assim, em todas as consultas
de rotina o médico deve checar o cartão vacinal da criança e verificar
se há indicação de vacinas antes da próxima consulta ou atraso
vacinal.
Também é importante perguntar sobre eventos adversos após as
vacinações e registrá-los.
O Programa Nacional de Imunizações do Ministério da Saúde é
bem completo e conta com um calendário abrangente de vacinas.
Além disso, também há um calendário um pouco diferente, indicado
pela Sociedade Brasileira de Pediatria e Sociedade Brasileira de
Imunizações, que conta com algumas vacinas disponíveis apenas na
rede particular. Na Figura 2, disponibiliza-se o calendário do SUS de
2020. Sempre será fundamental checar se houve atualizações no
esquema vacinal, que costumam ser feitas anualmente.
Figura 2. Calendário de Vacinação 2020 – Política Nacional de Imunizações.
Fonte: CGPNI-MS/SESA-ES.
Ambiente Físico e Emocional
A criança sofre influências do ambiente em que vive e do
comportamento de outras crianças e adultos ao seu redor. Por esse
motivo, faz parte da anamnese pediátrica entender o contexto
socioeconômico e o ambiente emocional em que aquele paciente
está inserido. Isso pode ser feito através de perguntas diretas, além
da observação da relação da criança com a família. Essa parte da
consulta é muito delicada e deve-se tomar o cuidado para não invadir
a intimidade da família e não ofender os pais. Diferenças culturais
também devem ser consideradas quando se avalia a relação de pais
e filhos.
Desenvolvimento Neuropsicomotor
Se o objetivo da puericultura é proporcionar uma vida saudável às
crianças, o desenvolvimento neuropsicomotor está no centro desse
cuidado.
Nas primeiras consultas, avaliam-se os marcos de
desenvolvimento, os reflexos primitivos, a interação da criança com o
ambiente e com os cuidadores. Ao longo da infância, o
desenvolvimento deve ser também explorado com perguntas sobre a
aptidão para atividades de motricidade fina, habilidades artísticas,
aptidão para esportes, comportamento adequado em sociedade e
desempenho escolar. A saúde mental da criança também pode ser
avaliada nesse momento da consulta.
Escalas de avaliação do desenvolvimento serão discutidas no
tópico “Exame Físico Baseado em Evidências”.
Antecedentes Familiares
Para concluir a anamnese, pergunta-se sobre a ocorrência de
doenças crônicas na família, incluindo-se pais e avós da criança.
Muitas vezes doenças crônicas e degenerativas não se manifestaram
nos pais do paciente, que ainda são adultos jovens, mas já são
identificadas nos avós.
EXAME FÍSICO
O exame físico completo deve ser feito em todas as consultas
pediátricas. Ele segue o mesmo roteiro de um exame físico de um
paciente adulto, mas há as peculiaridades pediátricas.
Os lactentes de 6 meses a 2 anos de idade geralmente não são
colaborativos ao exame. Assim, o ideal é que nessa idade o médico
comece a examinar a criança no colo dos pais e deixe por último as
manobras mais desconfortáveis, como a otoscopia e a oroscopia.
Medidas Antropométricas
Estatura: nos primeiros 2 anos de idade, o comprimento da
criança é medido com o paciente deitado e com o uso de um
antropômetro. O paciente é posicionado em decúbito dorsal e
usualmente o cuidador segura a cabeça encostada no ponto zero,
enquanto o médico estende os membros inferiores para fazer a
medida. As crianças maiores de 2 anos têm sua altura medida em pé
um uma régua fixada na parede.
Perímetro Cefálico: a medida deve ser feita com uma fita métrica
colocada no occipício e na glabela, medindo-se o maior perímetro da
cabeça da criança.
Peso: até os 2 anos de idade, deve ser aferido em balança de
pesagem de bebês. Em maiores de 16 kg ou 2 anos de idade, deve-se
usar a mesma balança do adulto.
Todas as medidas devem ser anotadas e plotadas em um gráfico
que avalia a adequação do ganho pôndero-estatural. São utilizados
gráficos da OMS que classificam em Z-escore as medidas
antropométricas para avaliar a estatura, o peso, o índice de massa
corporal (IMC) e o perímetro cefálico da criança. Na Figura 3 são
apresentados os gráficos para o paciente do caso clínico e nas
Tabelas 1 a 4 a interpretação dos valores.
Figura 3. Escore – Z de acordo com idade, estatura, peso e índice de massa
corporal
VALORES INTERPRETAÇÃO
Tabela 2. Peso de acordo com a idade (só deve ser usado até 10 anos; sempre
avaliar em conjunto com IMC).
VALORES INTERPRETAÇÃO
VALORES INTERPRETAÇÃO
Sistema Cardiovascular
Nessa parte do exame, devem-se avaliar os pulsos nos quatro
membros, observando-se há simetria e se a perfusão é adequada.
Na criança normal, o ictus cordis é palpável na linha
hemoclavicular esquerda. A ausculta deve ser realizada nos quatro
focos, avaliando-se ritmo cardíaco, sopros ou desdobramentos de
bulhas.
É comum encontrar arritmias respiratórias em crianças e
desdobramento fisiológico de B2, que se modifica de acordo com a
fase da respiração.
A FC normal é maior em crianças do que em adultos (Tabela 5).
Tabela 5. Valores normais de frequência cardíaca em crianças e adolescentes
(PALS, 2016).
Escolar 75 a 118 58 a 90
Adolescente 60 a 100 50 a 90
Sistema Respiratório
Realiza-se a inspeção do tórax para identificação de assimetrias e
de seu formato.
O ritmo e a FR são avaliados. As crianças têm FR que variam
conforme a idade e são mais elevadas do que a dos adultos (Tabela
6). A ausculta será realizada com o objetivo de identificar ruídos
adventícios. Sinais de dispneia nas crianças são: tiragens
subdiafragmática, intercostal e fúrcula, batimentos de asa nasal e
respiração em balancim.
Tabela 6. Valores normais de frequência respiratória em crianças e
adolescentes (PALS, 2016).
RESPIRAÇÕES POR
IDADE
MINUTO
< 1 ano 30 a 53
1 a 3 anos 22 a 37
Pré-escolar 20 a 28
Escolar 18 a 25
Adolescente 12 a 20
Abdome
Inspeciona-se o abdome, que é globoso em lactentes e apresenta
conformação semelhante ao do adulto a partir dos 2 anos de idade.
Os ruídos hidroaéreos não variam muito em relação ao do adulto.
A percussão é timpânica e durante essa parte do exame pode-se
procurar delimitar a localização do fígado, que é maciço à percussão,
e identificar se o espaço de Traube está livre.
Na palpação, deve-se ficar sempre ao lado direito do paciente e
procurar identificar sinais de dor ou desconforto, massas palpáveis e
tentar delimitar o fígado e o baço. Em lactentes, o fígado pode
ultrapassar em 2 a 3 cm o rebordo costal direito, ainda estando
dentro da normalidade. O baço normalmente não é palpável e as
lojas renais devem estar livres.
Sistema Urogenital
Em meninas, observam-se os grandes e pequenos lábios e a
presença de meato uretral, vagina e ânus, sem comunicação entre
eles.
Em meninos, deve-se observar o pênis e se a abertura uretral fica
na extremidade da glande. Podem-se testar a abertura do prepúcio e
a exposição da glande, tendo em mente que essa abertura pode ser
incompleta nos primeiros anos de vida. Palpam-se os testículos no
saco escrotal, e se não estiverem na sua posição normal, pode-se
procurá-los no trajeto, nas regiões inguinal e perineal.
DIAGNÓSTICOS DE PUERICULTURA
Ao final da consulta de puericultura, o médico deverá fazer no
mínimo os seguintes diagnósticos: crescimento, estado nutricional,
alimentação, vacinação, desenvolvimento neuropsicomotor e
ambiente.
Outros diagnósticos podem ser feitos de acordo com as queixas
de cada consulta.
A consulta do Adolescente
A faixa etária da adolescência é compreendida entre 10 e 19 anos
de idade. Nela acontecem mudanças físicas e psicológicas nos
pacientes, que passam da infância à vida adulta. A abordagem do
médico pediatra ou hebiatra deve ser direcionada tanto ao paciente
como à família, no intuito de fazer gradualmente uma transição do
cuidado dos pais para o adolescente.
A consulta deve abordar temas de interesse do paciente. O
ambiente familiar e a rede de amigos e de apoio ajudam o
adolescente a passar por essa transição. Na avaliação do
desempenho escolar, devem-se incluir perguntas sobre o
relacionamento com colegas e professores e sobre o projeto de vida
do adolescente. Hábitos alimentares e o incentivo a atividades
físicas continuam sendo parte fundamental dessa consulta.
Alguns temas sobre segurança do paciente envolvem questionar e
orientar sobre comportamentos de risco, como uso de tabaco, álcool
e outras substâncias psicoativas. Em todas as consultas também é
importante abordar a sexualidade e a saúde reprodutiva do paciente,
certificando-se de oferecer um ambiente seguro para discussão de
expectativas, dúvidas e preocupações. Dados sobre menarca, última
menstruação, atividade sexual e uso de medidas contraceptivas e de
prevenção de infecções sexualmente transmissíveis são
importantes.
O exame físico do adolescente deve incluir medidas
antropométricas, avaliação da pressão arterial e avaliação da
puberdade e do desenvolvimento das mamas e órgãos genitais. Para
que isso seja feito sem constrangimento para o paciente, é
necessário explicar o objetivo desse exame e quais serão os passos
realizados. No momento dessa avaliação, a presença de um
acompanhante na sala pode oferecer uma tranquilidade maior ao
paciente.
BIBLIOGRAFIA
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Capítulo 38
Semiologia Mamária
Autor(a): Renara de Pinho Caldeira Mourão
CASO CLÍNICO
Paciente do sexo feminino, 51 anos de idade, vai à consulta
médica com relato de percepção de nódulo em quadrante superior
lateral de mama esquerda há cerca de 3 meses. Não havia
descoberto nódulo anteriormente, pois não realizava autoexame das
mamas, temendo alterações. Refere que houve crescimento da
nodulação no período, acompanhado de dor discreta e edema
mamário. Nega descarga papilar perceptível.
Levou exame ultrassonográfico realizado após percepção de
nodulação que evidencia: mama esquerda às 2 h, imagem
Hipoecóica, nódulos com margens pouco definidas, irregulares,
paralela ao eixo da pele, com algumas áreas hhiperecóicas em seu
interior, com discreto fluxo ao estudo de Doppler, e sombra acústica
posterior, medindo 2,60 × 2,0 × 2,0 cm. Mama direita sem achados.
Conclusão: nódulo sólido em mama esquerda, categoria 4A BIRADS.
História Gineco-obstétrica: Menarca aos 12 anos de idade, uma
gestação aos 22 anos de idade, amamentou por 1 ano, menopausa
aos 49 anos de idade, sem uso de terapia de reposição hormonal.
História Pregressa: Nega comorbidades e cirurgias prévias.
História Social: Etilista crônica (3 doses/dia), sedentária.
História Familiar: Três irmãs com história de câncer de mama
(aos 35, 39 e 53 anos de idade), mãe com história de câncer
metastático, sem definição de sítio primário.
Exame Físico: Mamas de moderado volume, ptóticas, sem
abaulamentos ou retrações à inspeção estática. À inspeção
dinâmica, observa-se retração de pele às 2 h em mama esquerda,
localizada a 2 cm da borda areolar.
À palpação de fossas supra e infraclaviculares, ausência de
linfonodos palpáveis.
À palpação de axilas, observa-se um linfonodo com característica
pétrea em axila esquerda, móvel, medindo 2 cm. Axila direita livre.
Suspeita: Neoplasia maligna da mama.
Conduta: Solicitação de mamografia.
Paciente encaminhada para realização de biópsia de fragmentos
(core biopsy) de nódulo em mama esquerda.
Retorna após 20 dias, com resultado de mamografia e exame
anatomopatológico, descrito a seguir.
Mamografia bilateral: Nódulo irregular e espiculado em quadrante
superior lateral de mama esquerda, categoria 5 BIRADS.
Anatomopatológico: Carcinoma ductal invasor (SOE – sem outras
especificações), moderadamente diferenciado, Grau II.
DISCUSSÃO
Anamnese deriva do grego, anamnesis, e significa parece
esquecido. É etapa fundamental do exame, em que são coletados
dados importantes, para se estabelecer uma provável hipótese
diagnóstica. Na anamnese de queixas mamárias, alguns pontos
devem ser minuciosamente questionados, para, então, realizar-se a
associação de sintomas, sinais e principais patologias a serem
investigadas.
Para uma anamnese perfeita, devem ser registrados os seguintes
dados:
• Identificação da paciente
• Queixa principal
• Alteração mamária percebida (nodulação, dor, descarga
papilar, alterações de cor, temperatura ou lesão em pele),
tempo de surgimento, progressão ou regressão do
sintoma, associação da queixa com o ciclo menstrual,
entre outras
Inspeção
Durante a inspeção estática, a paciente deverá posicionar-se em
ortostatismo ou sentada na mesa de exame, com braços pendentes
ao lado do corpo, de frente para o examinador (Figura 1). O
examinador observa o volume das mamas (diferenças de tamanho
devem ser questionadas sobre tempo de ocorrência ou se crônico),
formato das mamas, características da pele (hiperemias, sinais
inflamatórios, úlceras, edema, espessamentos, os quais podem estar
relacionados a doenças inflamatórias ou até a carcinoma
inflamatório), retrações de pele ou áreas de abaulamentos, presença
de mamilos acessórios ou mamas extranumerárias (é relativamente
comum encontrar paciente com mamas axilares, que correspondem
ao acúmulo de tecido mamário em regiões axilares), cicatrizes,
vascularização e distribuição dos vasos.
O complexo areolomamilar deve ser observado: orientação dos
mamilos, inversão, áreas de descamação e outras lesões devem ser
investigadas.
Para a inspeção dinâmica, a paciente deverá permanecer na
mesma posição descrita, na qual realizam-se duas manobras
distintas que visam mobilizar a glândula mamária sobre a parede
torácica. Primeiramente solicita-se que a paciente eleve
progressivamente os braços, que devem estar estendidos, com o
objetivo de tornar tensos a pele e os ligamentos de Cooper (Figura
2A). Na sequência, pede-se que a paciente coloque as mãos na
cintura e desloque os cotovelos para a frente e incline o tronco em
direção ao examinador, em seguida, cotovelos posteriormente e
tronco ainda inclinado (Figura 2B). O objetivo desta manobra é
contrair o músculo peitoral maior, o que pode realçar eventuais
nódulos mamários que estejam aderidos a esta estrutura. Toda e
qualquer alteração observada durante a realização dessa etapa deve
ser relatada detalhadamente, para que se possa chegar a uma
hipótese diagnóstica e definir condutas a serem tomadas.
Figura 1. Inspeção estática.
Palpação
A palpação das mamas inicia-se com a paciente ainda sentada ou
em ortostatismo, afim de se avaliarem as cadeias ganglionares.
Primeiramente palpam-se as cadeias ganglionares cervicais e depois
supra e infra –claviculares. Para a palpação destas cadeias, nosso
ideal é se posicionar de frente para a paciente (Figuras 3 e 4), porém
há quem prefira estar posicionado atrás da mesma. Em seguida, com
o braço da paciente apoiado sobre o braço do examinador,
examinam-se as cadeias axilares (Figura 5).
Durante o exame das cadeias ganglionares, deve-se observar a
presença ou ausência de linfonodos palpáveis, que, quando
percebidos, devem ser caracterizados quanto ao tamanho, à
consistência e à mobilidade. Linfonodos de aspecto habitual são
aqueles amolecidos ou fibroelásticos, móveis, com cerca de 1 cm de
diâmetro. Quando há suspeita de acometimento linfonodal por tumor
maligno, o linfonodo costuma apresentar-se com consistência
endurecida ou pétrea, aderida ao plano adjacente e com aumento de
sua dimensão.
Na palpação das mamas, deve-se atentar para o exame da região
que tem como limites a clavícula, o sulco inframamário, a linha axilar
posterior, a linha médio-esternal e o prolongamento axilar. Para a
palpação das mamas, a paciente deve estar em decúbito dorsal, de
modo que toda a mama distribua-se sobre a parede torácica, e os
braços elevados com as mãos atrás da nuca. Sugere-se iniciar a
palpação pela mama “sadia”, palpando a mama afetada depois, e
sempre comparando-se os achados.
A palpação deve ser sempre sistematizada, de forma suave e
deve abranger toda a extensão mamária. Devem-se utilizar a ponta e
a polpa digital dos dedos indicadores, médios, anulares e mínimos
(Figura 6). Movimentos de dedilhamento, massagem e deslizamento
das mãos podem aumentar a sensibilidade do examinador, como
também a pressão variável sobre as mamas. Neste momento, todo
achado, como nódulos, espessamento de pele, retração de pele, entre
outros, deve ser criteriosamente descrito.
Para melhor descrição da localização dos achados ao exame
físico, a mama é dividida em quadrantes, sendo os mediais aqueles
próximos ao esterno, e os quadrantes laterais próximos à região de
linha axilar. Estes subdividem-se em quadrante superior lateral (QSL),
quadrante inferior lateral (QIL), quadrante superior medial (QSM) e
quadrante inferior medial (QIM). Para descrever mais precisamente a
localização de um achado, pode-se descrever a lesão tomando-se
como referência um mostrador de relógio e a distância do complexo
areolopapilar onde está a lesão, definindo, então, a “hora” em que
esta se localiza (Figura 7).
Figura 3. Palpação de cadeias ganglionares supraclaviculares.
Fonte: Carrara et al., 1996
Expressão mamilar
O último passo no exame físico das mamas é a avaliação da
descarga papilar, bilateralmente. Realiza-se com a paciente ainda em
decúbito dorsal, ordenhando-se a papila, firme, porém delicadamente,
abrangendo todo o complexo areolopapilar, estendendo-se da base
da mama até o mamilo. Na presença de descarga, deve-se
caracterizá-la (cor, viscosidade, uni ou multiductal, uni ou bilateral,
presença de ponto de gatilho), para então formular hipótese para a
possível etiologia.
BIBLIOGRAFIA
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14. Souza GN, Fenile R. Fibroadenoma. In: Mastologia de Consultório. São Paulo:
Atheneu; 2012.
Capítulo 39
Semiologia do Idoso
Autor(a): Renata Fraga Costa
ANAMNESE
Paciente do sexo feminino, 87 anos de idade, apresentando
quadro de insônia há 5 dias, associado a alucinação e agitação
flutuante, evoluindo com sonolência importante nas últimas 24 h.
PRECEDENTES MÉDICOS
A paciente é portadora de demência de Alzheimer, diabetes
mellitus insulino-dependente e hipotireoidismo pós-ressecção
cirúrgica. Tem presbiopia e presbiacusia – em uso de óculos e
aparelho auditivo. Seus responsáveis negam infarto agudo do
miocárdio ou acidente vascular cerebral (AVC), etilismo, tabagismo
ou alergia medicamentosa.
HISTÓRIA FAMILIAR
Desconhecem história de pais ou irmãos; nNegam história de
neoplasia.
EXAME FÍSICO
Dados Vitais: Frequência respiratória (FR) – 20 irpm; saturação de
oxigênio (SatO2) em ar ambiente – 97%; pressão arterial (PA) sentada
– 118 × 68 mmHg; frequência cardíaca (FC) – 92 bpm; temperatura –
36,8°C; escala visual analógica de dor (EVA) – não aplicável devido à
hipoatividade da paciente.
Geral: Paciente em regular estado geral, hipoativa, confortável em
ar ambiente, mucosa conjuntival com pouco brilho, cavidade oral
seca. Anictérica, acianótica, normocorada, afebril ao toque. Ptose
senil. Emagrecida; índice de massa corporal (IMC) aproximado de 19.
Pele: Pele enrugada, com pouca elasticidade, mobilidade e turgor
compatíveis com a idade, sem sinais de escoriação. Melanose e
púrpura senis em membros superiores e inferiores, poupa tronco e
abdome. Lesão por pressão grau I em trocânter E (Figura 1).
Cabeça e Pescoço: Couro cabeludo limpo, cabelos rarefeitos, sem
alteração do tamanho ou de configuração do crânio, nuca livre, face
atípica. Edêntula, com prótese dentária bem acoplada, sem alteração
de mucosa oral, salvo ressecamento. Língua sem sinais de
malignidade. Pescoço simétrico, sinais de enrijecimento e
calcificação das cartilagens traqueais, laringe e traqueia medianas;
pulso carotídeo simétrico, sem sopros audíveis; veias jugulares sem
estase a 45°; tireoide não palpável – cicatriz cervical com tecido
fibroso local.
Sistema Respiratório: Tórax com cifose torácica, anquilose das
articulações costocondrais, sem sinais de abaulamentos ou
equimoses. Expansibilidade simétrica, sem alteração à palpação,
murmúrio vesicular presente globalmente, sem ruídos adventícios.
Paciente eupneica em ar ambiente.
Sistema Cardiovascular: Ictus cordis palpável em 5° espaço
intercostal à esquerda, com extensão de 3 cm, de normal amplitude.
Ritmo cardíaco normal em 2 tempos, com sopro sistólico ejetivo em
foco aórtico 2+/6+. Paciente normocárdica. Pulsos centrais e
periféricos cheios e simétricos. Tempo de enchimento capilar menor
que 3 segundos.
Abdome: Plano, ruídos hidroaéreos presentes, sem sopros
audíveis, normotenso, indolor, algo timpânico difusamente. Não
observados equimose, telangiectasias ou herniação de parede.
Toque retal sem sangue ou muco em “dedo de luva”; fecaloma em
ampola retal.
Sistema Nervoso: No momento, paciente apresenta-se calma,
colaborativa, com déficit de atenção, confusa no tempo. Sem sinais
meníngeos. Fraqueza em membros inferiores e dificuldade de
manter-se em ortostase.
HIPÓTESES DIAGNÓSTICAS
Delirium de causa a esclarecer.
CONDUTA INICIAL
1. Solicitaram-se glicemia capilar, rastreamento
infectometabólico (hemograma, proteína C reativa, função
renal, eletrólitos – incluindo cálcio, magnésio e fósforo –
função hepática, exame de urina, radiografia de tórax.
2. Revisão de medicamentos de uso contínuo.
3. Hidratação parcimoniosa.
EXAMES COMPLEMENTARES
• Hemograma: leucocitose sem desvio, aumento de
marcadores de inflamação; hiponatremia leve – 132; ureia –
87; creatinina – 0,8; relação entre ureia e creatinina maior do
que 40, indicando desidratação
DISCUSSÃO
Devido à heterogeneidade da população geriátrica, é importante
ter conhecimento das funcionalidades prévias da paciente a fim de
se estruturar o plano de cuidado, individualizando condutas. A idade
cronológica da paciente não quantifica sua funcionalidade cognitiva
ou física. Estamos diante de uma paciente de 87 anos de idade que:
(1) mantém sua independência para o autocuidado associado à
capacidade intelectual preservada; (2) perdeu sua funcionalidade
para AIVD – necessárias para uma vida independente e ativa na
comunidade – porém mantém suas ABVD, ou, (3) totalmente
dependente para AIVD e ABVD, indicando seu alto grau de
complexidade no cuidado pessoal?
Antes de tudo, é importante que seja ressaltada a diferença
conceitual entre senescência e senilidade. A primeira é o
envelhecimento tido como fisiológico, englobando as alterações
orgânicas, funcionais e psicológicas, e a segunda é tida como
modificações estruturais e funcionais corroboradas por processos
patológicos que podem acometer o idoso. A Organização Mundial da
Saúde (OMS) considera idoso todo indivíduo com idade maior ou
igual a 65 anos de idade, tendo esse limite reduzido para 60 anos em
países com expectativa de vida mais baixa. No Brasil, para fins de
classificação, estudos e planejamento, idoso é tido como maior ou
igual a 60 anos de idade; os indivíduos maiores de 80 anos de idade
têm preferência especial frente aos demais, para atendimento de
saúde – salvo casos de emergência – e análise de processos, desde
2017.
Devido à modificação fisiológica do envelhecimento, é comum
haver apresentações atípicas de doenças, como infecção urinária
sem disúria, broncopneumonia sem febre ou tosse, isquemia
miocárdica sem dor. Por essa razão, é necessário realizar
rastreamento infectometabólico após exame físico minucioso da
paciente. Estamos diante de uma “grande idosa”, com dependência
total para as AIVD e parcialmente para ABVD, que possui alterações
consideradas fisiológicas do envelhecimento sobrepostas a
condições patológicas.
MODIFICAÇÕES FISIOLÓGICAS
Pele e Fâneros
Diante de sua exposição às intempéries do ambiente, a pele é o
órgão do corpo que mais evidencia o envelhecimento. Ocorre
redução do turgor, deterioração do colágeno e das fibras elásticas,
levando a perda de elasticidade e fragilização da pele e de seus
capilares, propiciando púrpura senil (Figura 1); surge também a
involução das glândulas sudoríparas e da epiderme, culminando em
afilamento da pele e seu ressecamento; redução da vascularização
da derme aumenta o tempo de cicatrização. Apesar da diminuição do
número dos melanócitos, existe tendência à hiperplasia epidérmica
pontual com deposição de melanina, ocasionando melanose senil
(Figura 2), que causa desconfortos estéticos para alguns pacientes.
Figura 1. Púrpura senil.
Fonte: Autoria própria.
Olhos
Devido à redução de gordura da face, os olhos aparentam ser
mais fundos; diante da flacidez da pele, ocorre com frequência ptose
palpebral. Em alguns casos, naturalmente reduz-se a lubrificação do
globo ocular, predispondo à úlcera de córnea. O cristalino também
perde sua elasticidade e seu poder de acomodação normal, levando
ao que chamamos de presbiopia. Aumenta nessa faixa etária a
prevalência de retinopatias diabética e hipertensiva devido a
comorbidades, por vezes subdiagnosticadas.
Orelhas
Os ossículos da orelha média tendem à calcificação;
concomitante com a degeneração do órgão de Corti, existe a redução
da acurácia para sons com frequência aguda, denominada
presbiacusia.
Sistema Respiratório
Ocorre calcificação dos anéis da traqueia e brônquios, associada
a perda de elasticidade e atrofia dos alvéolos. Ocorre fragilização dos
septos alveolares, culminando em ruptura e formação de cistos.
Concomitantemente, ocorre diminuição da elasticidade e da
complacência pulmonar, ocasionando aumento do volume residual,
reduzindo assim a capacidade vital e a difusão de oxigênio (a
capacidade pulmonar total mantém-se inalterada com o
envelhecimento). Os mecanismos de higiene/defesa brônquica
também sofrem alterações, como degeneração das glândulas
mucosas e modificação da funcionalidade dos batimentos ciliares,
aumentando o risco de infecções.
Sistema cardiovascular
O aumento da deposição de cálcio concomitante à redução de
fibras elásticas nos vasos estimula as artérias, principalmente aorta,
coronárias e carótidas, a se tornarem mais rígidas e tortuosas. Com o
envelhecimento, a redução da complacência das artérias periféricas
acarreta aumento da pressão sistólica em detrimento à queda da
pressão diastólica. Ocorre espessamento das valvas, concomitante a
fibrose e calcificação, levando ao aparecimento de sopros
decorrentes de estenose e/ou insuficiência – sem repercussão
hemodinâmica necessariamente. A degeneração ou a calcificação do
sistema de condução podem causar bloqueio cardíaco ou arritmias.
Diminuição na sensibilidade dos barorreceptores corrobora a
hipotensão ortostática. Em geral, ocorre redução de sua capacidade
funcional, tornando o idoso mais propenso a sinais de isquemia,
durante situações de maior demanda de oxigênio, como infecções e
exercício físico.
Sistema Gastrintestinal
Ocorre a diminuição do número das glândulas digestivas
(salivares, mucosa gástrica e pâncreas) ocasionando alteração na
absorção de nutrientes; a camada muscular do tubo atrofia-se e
enfraquece, comprometendo a motilidade e predispondo à formação
de divertículos. O número dos hepatócitos regride, o fluxo sanguíneo
hepático reduz, alterando a atividade enzimática e a farmacocinética
de medicamentos, predispondo aos idosos maior risco de efeito
adverso.
Sistema geniturinário
Com o envelhecimento, ocorre a redução do número de néfrons;
alguns glomérulos tornam-se fibrosados e associam-se à obliteração
de algumas arteríolas aferentes. O fluxo plasmático renal e a filtração
glomerular decrescem, reduzindo a depuração da creatinina para 8 a
10mL/min/1,73m2 por década, a partir dos 40 anos de idade. Os
túbulos renais e a cortical renal também diminuem de tamanho.
As musculaturas vesical e uretral atrofiam-se, reduzindo a
capacidade vesical; nos homens, associado com hiperplasia
prostática, corrobora o aumento do volume residual pós-miccional. A
produção de testosterona decai com a idade, e o pênis reduz de
tamanho. Na mulher, a queda dos estrógenos predispõe a uma
mucosa vaginal mais fina, seca e friável, propiciando vaginite
atrófica. Receptores de pressão também alteram-se, explicando o
surgimento de contrações intempestivas durante a fase de
enchimento vesical. A uretra, por sua vez, torna-se mais fibrosa,
menos flexível e com perda de sua densidade muscular, levando à
falha esfincteriana. Esse conjunto de fatores acarreta redução da
proteção local do epitélio, aumentando o risco de infecções
secundárias.
Sistema endócrino
Ocorre substituição de tecido glandular por tecido fibroso e
deposição de gordura nas glândulas tireoide, paratireoides, hipófise e
suprarrenais. Como forma de proteção contra o catabolismo, ocorre
redução da conversão da tiroxina (T4) em tri-iodotironina (T3). Nota-
se redução da resposta febril secundária à dificuldade
termorreguladora proveniente da ação dos hormônios tireoidianos e
do hipotálamo.
Ocorre deposição de cálcio na glândula pineal, acarretando
redução de produção de melatonina no idoso. Devido ao estresse das
células beta do pâncreas, aumentam-se a resistência à insulina e a
intolerância à glicose.
Reduz-se a secreção de hormônio do crescimento e do sulfato de
desidroepiandrosterona; o aumento na secreção dos hormônios
antidiurético e natriurético atrial corroboram a alteração do balanço
hídrico.
Sistema musculoesquelético
Tipicamente ocorre atrofia dos músculos, provocando diminuição
lenta e gradual da massa muscular e da força. A excitabilidade
muscular e da junção mioneural também sofre redução com o
envelhecimento. Surge uma prevalência da atividade osteoclástica
sobre a osteoblástica, provocando alteração da arquitetura óssea,
culminando em sua fragilização. A espessura dos discos
intervertebrais também diminui, acentuando-se as curvaturas da
coluna vertebral, principalmente da torácica, provocando cifose
(Figura 5) e perda da altura. Surgem alterações degenerativas em
articulações, ligamentos e tendões, reduzindo mobilidade e
amplitude de movimento.
Figura 5. Cifose torácica.
Fonte: Autoria própria.
Sistema Nervoso
O número de células nervosas reduz com o envelhecimento. Em
algumas topografias cerebrais, a perda celular é mínima, e em outras
a perda pode ser mais pronunciada (p. ex., hipocampo). Em geral, as
funções mentais permanecem preservadas, podendo haver redução
da capacidade de reter novas informações, não implicando por si,
perda de funcionalidade. O peso do cérebro frequentemente é
reduzido em 5 a 7% como resultado da atrofia de áreas seletivas.
Existe diminuição no fluxo sanguíneo para o cérebro de 10 a 15%.
Corroborando fatores genéticos e comportamentais, a população
idosa não apresenta envelhecimento cerebral de forma homogênea.
Em alguns pacientes, ocorre maior deposição de compostos beta-
amiloides formando emaranhados senis podendo levar à disfunção
mitocondrial, neuroinflamação, dano oxidativo e apoptose.
No grupo com maior exposição a fatores ateroscleróticos, é
comum notar isquemias concomitantes, com consequente redução
mais acelerada da reserva cognitiva. Os neurotransmissores
reduzem-se com a idade, não em velocidade que provoque disfunção,
salvo patologia associada. Existe diminuição da velocidade de
condução nervosa corroborando degeneração axônica e
desmielinização segmentar dos nervos periféricos e ocasionando
decréscimo dos reflexos tendinosos profundos.
Sistema Hematopoético
Ocorre a lipossubstituição da medula óssea, reduzindo a
quantidade de medula óssea ativa. Mesmo assim, a contagem global
das células sanguíneas não sofre muita alteração. A anemia
inexplicada no idoso pode ser causada pelo envelhecimento de
células-tronco com resistência progressiva dos progenitores
eritroides da medula óssea à eritropoetina, sugerindo a exaustão das
células-tronco.
Sistema Imunológico
O número e as funções dos linfócitos T diminuem concomitante
com a involução do timo; apesar da não redução dos linfócitos B,
existem indícios de prejuízo da qualidade de seus anticorpos; dessa
forma, a resposta às vacinas é mais lenta e mais baixa nos idosos.
Os monócitos/macrófagos aparentam aumento em número, porém
seu poder de diferenciação é reduzido.
AVALIAÇÃO CLÍNICA
O objetivo de uma avaliação geriátrica é manter a autonomia,
preservar a funcionalidade e maximizar a qualidade de vida do
paciente. Nesse contexto, torna-se importante conhecer ativamente
os domínios físico (médico), mental, social, funcional e ambiental do
paciente, incluindo a participação do familiar/cuidador, quando
pertinente, para estruturar plano de cuidados.
Muitas alterações que podem ser justificadas por patologias,
como esquecimento frequente, falta de apetite e perda de sono, são
encaradas como processo normal do envelhecimento, sendo muitas
vezes negligenciadas; também não é raro se deparar com familiares
que “podam” as atividades do paciente como forma de excesso de
cuidado (não permitem que coloquem a mesa do jantar, realizem
afazeres domésticos ou saiam para fazer compras) predispondo-os a
uma inabilidade, reforçando por vezes o sentimento de incapacidade,
invalidez e/ou inutilidade.
Incentive que o paciente comunique alterações e queixas -
questionando ativamente sintomas sobre os diversos sistemas – em
ambiente apropriado e com privacidade, introduzindo o familiar na
discussão se oportuno/necessário, nunca esquecendo que o
paciente é o centro da avaliação. Em se tratando de paciente com
reserva cognitiva preservada, o interesse em introduzir um familiar
durante o atendimento, deve ser concordado pelo idoso. Respeite sua
autonomia e sua privacidade.
Construa, com base em uma boa relação médico-
paciente/familiares, terreno propício para introdução de assuntos
referentes a diretrizes antecipadas, a fim de conhecer a opinião do
paciente e dos familiares quanto a desejos e percepções sobre
finitude, atualizando metas e preferências para o atendimento.
De antemão, a avaliação inicial do idoso não se difere daquela do
adulto jovem, sendo contempladas a queixa principal e a história da
moléstia atual com seus sintomas correlacionados, com o olhar
atento para incidência de sintomas atípicos nessa faixa etária, e a
sobreposição de doenças – podendo os sintomas serem explicados
por mais de uma causa. Alguns idosos se acham poliqueixosos e
evitam falar de seus problemas com receio de incomodar os outros,
como também têm vergonha em relatar início de perda urinária em
roupa ou queda do desempenho sexual, de forma espontânea.
Dentre as particularidades clínicas, ganham destaque as sete
principais síndromes geriátricas – também conhecidas como os “Is
da geriatria” – e seus fatores de risco, que são: insuficiência
cognitiva, incontinência urinária e/ou fecal, instabilidade postural e
quedas, imobilidade, iatrogenia, insuficiência comunicativa e
insuficiência social.
Ao iniciar a abordagem geriátrica, vale questionar os déficits
sensoriais, como diminuição da acuidade visual e auditiva, e as
queixas de memória, sono, apetite, hábito intestinal, hábitos sociais,
lista de medicamentos.
Não se surpreenda que o paciente negue queixas de memória
quando indagado, porém tenha um desempenho ruim nos testes de
rastreamento. Além das neuropatias que podem cursar com
diminuição da função intelectual, o transtorno cognitivo pode ser
precedido de alteração tireoidiana e distúrbios carenciais, como
também ser secundário a transtorno depressivo não tratado. Para
auxílio no rastreamento cognitivo, existem alguns testes como
Miniexame do Estado Mental (MEEM) e Montreal Cognitive
Assessment (MoCA). Para o rastreamento de quadro depressivo,
existe a Escala de Depressão Geriátrica de Yesavage (GDS), usada
em idosos sem síndrome cognitiva, ou Escala Cornell, quando o
paciente apresenta transtorno cognitivo maior. Sempre questionar
sobre eventos predisponentes ao quadro, como perda de cônjuge,
emprego, filho – lembrando que são ferramentas de rastreamento,
devendo-se, então, utilizar os critérios do Código Internacional de
Doenças (CID) e/ou do Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais (DSM) para confirmação do diagnóstico.
Com a sobreposição de comorbidades, aumenta-se a quantidade
de medicamentos prescritos e, consequentemente, de
interações e reações adversas. Não é rara a introdução de um novo
medicamento a fim de reduzir o efeito adverso de outro. Isso é mais
frequente em paciente acompanhados por múltiplas especialidades.
Devem ser revisados, em toda avaliação médica, os remédios que o
paciente está usando, incentivando o paciente ou a família a levá-los
(tanto os medicamentos com ou sem prescrição médica) para
confirmar real posologia e modo de uso. Questione ativamente sobre
uso de chás, fitoterápicos e/ou fórmulas, muitas vezes não
consideradas medicações, apesar de potencial efeito adverso, como
é o caso de tendência hemorrágica associada ao Panax ginseng e
Ginko biloba.
A fim de auxiliar o rastreamento de síndromes geriátricas na
população idosa, buscando energicamente os problemas em saúde
de forma sistematizada, foi empregado o instrumento chamado
Avaliação Geriátrica Ampla. Este engloba, além de situação vacinal,
atividade física e multimorbidades, análise de suporte social, estado
nutricional, equilíbrio e quedas, dentre outros. O modelo proposto
desta avaliação foi instituído no município de São Paulo, através da
Avaliação Multidimensional do Idoso na Atenção Básica (AMPI-AB),
com base no Caderno de Atenção Básica nº 19 do Ministério da
Saúde, auxiliando no planejamento e na gestão de cuidados, visando
à promoção em saúde, à prevenção de agravos, ao diagnóstico
precoce e à reabilitação.
EXAME FÍSICO
Uma boa semiotécnica consiste no emprego correto da inspeção,
palpação, percussão e ausculta de cada sistema/aparelho, sem
menosprezar a análise subjetiva do médico quanto à força de
preensão palmar ao aperto de mão, de como o paciente se levanta da
cadeira e deambula, da forma mais espontânea possível, reduzindo a
interferência de terceiros, não comprometendo a segurança do
paciente. Atentar-se para que, durante a avaliação ectoscópica
corporal, só seja exposta a região anatômica a ser avaliada. Em caso
de paciente com vulnerabilidade cognitiva, é ideal que o exame físico
seja realizado em companhia de um familiar/responsável. Deve-se ter
cuidado com os movimentos intempestivos do paciente, devido ao
risco de alteração pressórica com sintomas correlacionados e/ou
piora de labirintopatia prévia.
Deve-se lembrar da importância da aquisição correta dos sinais
vitais, incluindo a aferição da PA e da FC em pelo menos duas
posições (deitado e em pé), a fim de reconhecer hipotensão postural
(tão frequente na população idosa, devido à alteração fisiológica
e/ou secundária ao uso de alguns medicamentos) e iniciar as
recomendações cabíveis. O aumento da FC ortostática é reduzido ou
ausente em pacientes com hipotensão ortostática neurogênica, mas
aumenta em quadros de anemia ou hipovolemia. Deve-se estar
preparado para proteger o paciente de possíveis quedas.
Peso e Altura
É fundamental o acompanhamento de tais dados de forma
periódica. Espera-se que o idoso sofra redução de 1 cm por década a
partir dos 40 anos de idade, associada à tendência de ganho
ponderal até a 6ª década de vida. A perda involuntária de mais de 5 a
10% do peso normal de uma pessoa idosa durante 1 ano é um
importante sinal clínico associado ao aumento do risco de
mortalidade. O risco em pessoas acima de 70 anos de idade não é
afetado significativamente por um IMC elevado na faixa de 25 a 29,9.
Pele
É mais vulnerável a fatores estressores/traumas devido à
alteração da senescência. Além da avaliação basal, em busca de
lesões como micose ou lesão por pressão, é importante a análise
crítica em busca de sinais de maus-tatos ou lesões neoplásicas.
Cabeça e Pescoço
Devem-se avaliar as características da face, incluindo-se os
movimentos estereotipados ou assimétricos; observar lesões em
couro cabeludo ou sinais de dermatite, condição dentária, se há
sinais de monilíase oral ou desacoplamento de próteses
ortodônticas. Avaliar região temporal à procura de sinais indiretos de
arterite. Deve-se verificar acuidade visual e auditiva, assim como a
mobilidade de olhos – apesar de a habilidade de olhar para cima
declinar com o avanço da idade. Quando se observa abrandamento
das sacadas verticais associado a instabilidade
postural, comprometimento cognitivo ou mudança de personalidade,
deve-se suspeitar de paralisia supranuclear progressiva.
No exame cervical, procuram-se assimetrias ou abaulamentos,
pulso venoso e turgência jugular. Palpam-se cadeias linfonodais,
parótidas, tireoide e artérias, associadas à ausculta. Pode-se
encontrar uma limitação à mobilidade cervical decorrente de
osteoartrose associada.
Tórax e Abdome
Durante o exame físico, é comum verificar aumento das
curvaturas da coluna, como cifoescoliose. A depender dos hábitos
que o paciente tenha, pode-se encontrar aumento do diâmetro
anteroposterior, no caso dos portadores de doença pulmonar
obstrutiva crônica (DPOC); a expansibilidade torácica pode estar
reduzida, corroborando sinostose.
Devem ser avaliados uso de musculatura acessória, presença de
circulação colateral, telangiectasias, ginecomastia ou alteração na
arquitetura das mamas das mulheres. O ictus cordis normal pode
tornar-se mais difícil de ser palpado, sem comemorativo patológico
associado, devido à atrofia miocárdica; o espessamento dos folhetos
da valva aórtica pode ser responsável pelo aparecimento de sopro
sistólico ejetivo em foco aórtico como sopro sistólico regurgitativo
no foco mitral, não conferindo comemorativo hemodinâmico ou
patológico.
Decorrente à dificuldade em realizar inspiração profunda, existe
limite técnico no reconhecimento de determinados ruídos
adventícios, por vezes. Podem-se também verificar creptos em
bases, sem significado patológico.
O exame abdominal não difere do exame habitual de um adulto
jovem, com inspeção, ausculta, palpação e percussão devidas. Vale
ressaltar a importância em realizar o toque retal, principalmente nos
pacientes com constipação e/ou suspeita de diarreia paradoxal. É
comum encontrar fecaloma como justificativa.
Exame Musculoesquelético
Deve-se inspecionar em busca de assimetria ou deformidades.
Aumenta a incidência de doenças como Paget – suspeitada por
alteração tibial, arqueamento do membro e aumento do tamanho
craniano –, osteoartrose predispondo à limitação de amplitude de
movimento – podendo acarretar rigidez de nuca, transformando esse
sinal pouco específico para irritação meníngea. Atentar-se também
para sinais de atrofia muscular, corroborando as quedas.
Edema em membros inferiores pode ser justificado devido a
insuficiência venosa e redução de mobilidade. Os pulsos devem ser
ativamente examinados e questionados sinais de doença arterial
periférica. Os pés devem ser avaliados quanto a
deformidades/calosidades e a alterações ungueais e interdigitais –
locais potenciais para porta de entrada de infecções.
Exame Neurológico
É necessário avaliar a função mental do indivíduo e pesquisar
ativamente alteração de motricidade, rigidez, distúrbio do movimento,
mudança de sensibilidade tátil, dolorosa, vibratória e proprioceptiva.
O aumento de deficiência de vitamina B12 – que colabora para
transtorno cognitivo e alteração sensitiva vibratória – é corroborado
pelo uso de alguns medicamentos como metformina e inibidores de
bomba de prótons. Devem-se avaliar grau de atenção ou desatenção,
campos visuais, déficits motores, nervos cranianos, equilíbrio e
marcha do paciente, assim como reflexos; sinais de
comprometimento piramidal e extrapiramidal também devem ser
pesquisados, a fim de aventar algumas doenças neurodegenerativas.
EVOLUÇÃO CLÍNICA
Devido à frequente manifestação atípica de doenças na
população idosa, associada a paciente com limite cognitivo de
descrever sintomatologias correlacionadas de forma precisa, deve-se
solicitar tomografia computadorizada de abdome a fim de descartar
fatores de complicação da infecção de trato urinário. Descartaram-se
nefrolitíase, hidronefrose, ou sinais de abscesso, sendo evidenciados
borramento de gordura perirrenal à esquerda, raros óstios
diverticulares em cólon descendente, sem sinais de diverticulite; e
coproestase associada.
Como a paciente apresentava uma causa óbvia para justificar o
quadro de delirium, sem suspeita inicial de meningite ou abordagem
neurocirúrgica recente, optou-se por não realizar punção liquórica
precedida de tomografia de crânio (na ausência de uma causa óbvia
para delirium, são indicados testes adicionais para pesquisa causal).
Foram introduzidas antibioticoterapia precoce (preferencialmente
após coleta de culturas), hidratação parcimoniosa e medidas para a
constipação – não esquecida a necessidade de quebra e extração
digital do fecaloma.
O profissional orientou cuidados com a pele, a fim de evitar
progressão e/ou nova lesão por pressão, como: mudança de
decúbito a cada 2 h, hidratação da pele, uso de colchão apropriado,
estimulação da mobilidade do paciente, redução do excesso de
umidade da pele, garantia de aporte nutricional de forma
individualizada.
O paciente esteve com acompanhante familiar durante toda a
internação hospitalar; foram otimizadas medidas comportamentais
para controle de delirium como manutenção dos dispositivos de
auxílio sensorial (óculos e aparelhos auditivos), acomodação em
quarto silencioso com janela, utilização de calendário e relógio,
vigilância quanto a possível quadro álgico. Foram evitados contenção
mecânica e uso dispositivos invasivos.
Após 12 h de sua admissão, a paciente melhorou da sua
hipoatividade, ficando mais desperta e colaborativa com examinador.
Voltou a se alimentar melhor nas primeiras 24 h. A paciente evacuou
após medidas farmacológicas e dietéticas. Nível de marcadores
inflamatórios e ureia em queda progressiva nas primeiras 72 h.
Recebeu alta no 4º dia de internação hospitalar, após
descalonamento de antibioticoterapia venosa paraoral guiado por
resultados de culturas. Foram reforçadas medidas para controle de
constipação, cuidados com a pele e anti-delirium. A abordagem
terapêutica considerou diretrizes avançadas e foi criado o vínculo de
confiança com paciente e familiares.
DIAGNÓSTICO FINAL
Delirium de causa multifatorial (constipação, infecção, mudança
ambiental); pielonefrite.
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Capítulo 40
Semiologia de Emergência
Autores: Eugênio Santana Franco Filho, Yury Tavares de Lima e Samer Heluany Khoury
INTRODUÇÃO
Inicialmente descrito e estudado no Japão na década de 1970 e sendo assimilado na
rotina das Emergências norte-americanas em meados da década de 1990, Point-of-care
Ultrasonography (POCUS), ou ultrassom à beira do leito (tradução livre) é uma ferramenta
essencial para a prática diária do médico emergencista.
Extremamente versátil, possibilita ao médico conduzir diversos tipos de emergência,
sejam elas traumáticas ou não. Duas das principais funções do atendimento na Emergência
são classificar o risco que o paciente apresenta e tomar decisões rapidamente (o paciente
deve ser internado? Pode ser liberado de alta? Necessita de transferência para a unidade de
terapia intensiva [UTI]?) e o POCUS é um grande aliado na realização dessas tarefas.
A principal diferença do uso do POCUS na Emergência e no ambiente de terapia intensiva
(onde também é muito útil) é que, via de regra, o emergencista pode usar o POCUS tanto
para definir a conduta inicial como para liberar o paciente do hospital, tendo sido
descartadas patologias graves que implicariam uma chance aumentada de sequelas ou
óbito. Já o médico intensivista utiliza o POCUS como ferramenta decisiva na conduta inicial
e no acompanhamento do paciente internado, mas dificilmente o utiliza como dispositivo
determinante de alta hospitalar.
Trata-se de um exame de imagem de baixo custo (quando comparado à tomografia
computadorizada e à ressonância magnética, por exemplo), inócuo para o paciente (método
não invasivo, que não utiliza contraste e que não emite radiação), rápido, de fácil
treinamento e alta confiabilidade.
Pelo fato de ser realizado à beira do leito, pode ser feito em pacientes
hemodinamicamente instáveis, já que não há necessidade de transporte do paciente para
sua realização.
Além da versatilidade relacionada a diagnósticos e tomadas de decisão, o POCUS é útil
ainda para garantir maior taxa de sucesso e diminuição no número de complicações durante
realização de procedimentos, como pericardiocentese, bloqueio nervoso e punção de
acesso central.
A seguir serão apresentados alguns casos em que o uso do POCUS auxilia/beneficia o
atendimento de Emergência de pacientes críticos.
CASO CLÍNICO 1
ANAMNESE
Paciente do sexo masculino, 65 anos de idade, hipertenso, tabagista, procura
atendimento no departamento de emergência (DE) por desconforto respiratório.
História da Moléstia Atual:
Paciente apresenta-se ao DE dispneico e relata piora dos sintomas nos últimos 5 dias,
manifestando tosse seca e intolerância aos esforços e ao decúbito dorsal.
EXAME FÍSICO
Dados Vitais: Pressão arterial (PA) – 136 × 96 mmHg; frequência cardíaca (FC) – 104
bpm; frequência respiratória (FR) – 32 irpm; saturação de oxigênio (SatO2) – 89%; Glicemia
capilar – 120 mg/dL.
Ao exame físico, o paciente apresenta-se consciente e orientado (mas com discurso com
frases entrecortadas), sudoreico e pálido. Ausculta pulmonar com murmúrio vesicular em
ambos os hemitórax, diminuídos em bases, sem ruídos adventícios. Ausculta cardíaca com
ritmo cardíaco regular e em dois tempos, bulhas hipofonéticas e sem sopros. Abdome
globoso por adiposidade, flácido e indolor, com ruídos hidroaéreos. Extremidades sem
cianose e com discreto edema de membros inferiores, simétrico.
Suspeita diagnóstica:
PROTOCOLO BLUE
Esse protocolo inicia-se com a divisão ectoscópica do tórax em 3 zonas, como
esquematizado na Figura 1.
Figura 1. Protocolo BLUE. (Imagem gentilmente cedida por Dr. Breno Dantas.)
Figura 2. Sinal do morcego: as setas pretas representam os arcos costais; os asteriscos brancos
representam a sombra acústica dos arcos costais sobre o parênquima pulmonar; e as linhas brancas
tracejadas delimitam a área de interesse na janela pulmonar.
Fonte: Autoria própria.
• Linhas A (Figura 4)
Figura 4. Perfil A: linhas horizontais, hiperecogênicas e equidistantes (linhas A), geradas pelo
deslizamento pleural fisiológico e que se repetem em um parênquima pulmonar aerado. A seta preta
representa a linha pleural e as setas brancas representam as linhas A, que se repetem de forma
equidistante.
• Linhas B (Figura 5)
Figura 5. Perfil B: presença de pelo menos 3 linhas verticais em um espaço intercostal,
hiperecogênicas, que se estendem da linha pleural até o final da tela do aparelho (linhas B
verdadeiras). Os asteriscos brancos representam linhas B.
• Linhas C (Figura 6)
Figura 6. Perfil C: parênquima pulmonar apresenta ecogenicidade próximo a tecidos mais densos, com
pontos de consolidação heterogêneos. A seta preta representa pontos hiperecoicos denominados linhas
C, correspondentes às consolidações no parênquima pulmonar.
Fonte: Autoria própria.
PROTOCOLO FATE
Esse protocolo busca respostas rápidas para tomada de decisão a partir da avaliação
dos seguintes pontos:
Fonte: adaptado de: Oveland NP, Bogale N, Waldron B, Bech K, Sloth E. Focus assessed
transthoracic echocardiography (FATE) to diagnose pleural effusions causing
haemodynamic compromise. Case Rep Clin Med. 2013;2:189–93.
• Janela subxifoide: marcador do transdutor direcionado para o ombro esquerdo do
paciente, aplicando-se uma leve pressão no espaço subxifoide. Nesta janela, pode-
se avaliar o coração sob visualização de quatro câmaras. As câmaras direitas (átrio
e ventrículo) ficam mais próximas ao transdutor e, por isso, serão as imagens mais
próximas ao marcador da tela. As câmaras esquerdas, por sua vez, localizar-se-ão
mais distais ao transdutor, estando, assim, mais distantes do marcador da tela.
Esta janela proporciona uma boa visualização de derrames pericárdicos, que, por
gravidade, localizar-se-iam entre o pericárdio, apoiado sob o diafragma, e as
câmaras direitas. Também pode-se ter uma visão das quatro câmaras cardíacas e
comparar seus tamanhos e funcionalidade
• Janela Paraesternal
• Eixo Longo: transdutor insonado a 90° na caixa torácica, com marcador voltado
para o ombro direito do paciente, no maior eixo cardíaco. Esta janela mostra o
coração em corte transversal do seu eixo longo. Assim, podem-se visualizar átrio
e ventrículo esquerdos, via de saída do ventrículo esquerdo (com valva aórtica e
parte proximal da aorta ascendente) e ventrículo direito. Usada para avaliar
valvas aórtica e mitral, possibilita cálculo para estimar fração de ejeção com
base na abertura da valva mitral, sendo possível analisar as alterações da aorta
proximal e sua valva
• Eixo Curto: transdutor posicionado a 90° com o maior eixo do coração, com
marcador direcionado para ombro esquerdo do paciente. Com esta disposição,
mostra-se o corte transversal do eixo longo do coração. Dependendo da altura
desse corte, podem-se visualizar ventrículos direito e esquerdo seccionados,
valva mitral e ápice do coração. É possível observar as contratilidades global e
segmentar, principalmente do ventrículo esquerdo, além da espessura de suas
paredes e a proporção entre os ventrículos. Também faz parte do protocolo FATE
o estudo da transição toracoabdominal, assim como no protocolo e-FAST (FAST
estendido).
CASO CLÍNICO 2
ANAMNESE
Paciente do sexo feminino, 49 anos de idade, em pós-operatório de herniorrafia
abdominal incisional, em 4o dia de internamento hospitalar em leito de enfermaria, apresenta
quadro de dispneia súbita.
História da Moléstia Atual: Paciente avaliada pela equipe de resposta rápida do hospital,
encontra-se no leito, taquipneica, referindo queixa de dor torácica de início súbito associada
a desconforto respiratório. Observa-se tosse sem secreções respiratórias associadas.
Relata dor em membros inferiores e edema. Evolui sem queixas abdominais; ferida
operatória em bom processo cicatricial, sem sinais flogísticos.
EXAME FÍSICO
Dados Vitais: PA – 126 × 84 mmHg; FC – 120 bpm; FR – 28 irpm; SatO2 – 88%; Glicemia
capilar – 160 mg/dL.
Ao exame físico, a paciente apresenta-se consciente e agitada no leito. Ausculta
pulmonar com murmúrio vesicular em ambos os hemitórax, sem ruídos adventícios.
Ausculta cardíaca com ritmo cardíaco regular e em dois tempos, bulhas normofonéticas e
sem sopros. Abdome globoso por adiposidade, flácido e indolor, com ruídos hidroaéreos,
ferida operatória seca, sem flogose associada e sem secreções locais. Extremidades sem
cianose e com discreto edema de membros inferiores, assimétrico, pior à esquerda.
Apresenta dor à mobilização de membro inferior esquerdo que exibe sinais discretos de
rubor e calor local. Palpação do músculo gastrocnêmio dolorosa que piora com manobra de
dorsiflexão do pé esquerdo.
Suspeitas Diagnósticas:
DISCUSSÃO
O paciente teve um episódio abrupto de dispneia após procedimento cirúrgico e restrição
ao leito durante o pós-operatório. Com anamnese, sinais vitais e exame físico, as principais
suspeitas diagnósticas seriam pneumonia hospitalar ou tromboembolismo venoso profundo
(TVP) e/ou TEP.
Durante o estudo do paciente dispneico, com o ultrassom à beira do leito, podem-se
avaliar as estruturas pulmonares a partir do protocolo BLUE. Como na Figura 1 apresentada
no caso anterior, os achados sugestivos de TEP são: deslizamento pleural (ver Figuras 6 e
7), pulmões com perfil A (ver Figura 8) e trombo em veias profundas (Figura 9). Seguindo
essa abordagem, nosso paciente apresenta:
Sinais de deslizamento pleural: as Figuras 6 e 7 mostram deslizamento fisiológico das
pleuras em todos os pontos estudados no protocolo BLUE.
Pulmões com perfil A: notam-se as linhas A, sugerindo pulmão aerado, sem alterações
parenquimatosas
Os sintomas mais comuns de TVP são dor à palpação, rubor e calor locais. Alguns sinais
semiológicos podem estar presentes, como o sinal de Homans (dor na panturrilha à
dorsiflexão do pé) ou o sinal da bandeira (menor mobilidade de uma panturrilha quando
comparada à outra).
Os sinais e sintomas mais comuns do TEP são taquicardia, taquipneia, dor torácica,
tosse e síncope, podendo, em casos mais graves, ter repercussão hemodinâmica e culminar
em choque obstrutivo.
Depois de considerar os fatores de risco para as hipóteses, dentre eles, a imobilização, o
pós-operatório e a predisposição a eventos trombóticos, pode-se usar o POCUS para
confirmar ou descartar algumas hipóteses.
Aproximadamente 50% dos pacientes com TEP apresentam TVP associada. Cerca de
90% das TVP causadoras de TEP estão localizadas nos membros inferiores, e em apenas
8% os trombos originam-se de TVP em membros superiores. Nos membros inferiores, os
trombos originados nas veias femoral comum, femoral superficial e nas poplíteas são os
principais causadores de TEP.
A ultrassonografia auxilia por vários motivos, inclusive por ser ferramenta barata, rápida e
à beira do leito. Tem sensibilidade e especificidade maiores que 95% para diagnóstico de
trombos em veias proximais dos membros inferiores.
Ao analisar as veias dos membros inferiores com o transdutor linear em posição
transversal aos vasos, deve-se buscar visualizar as duas principais veias profundas, que são
a femoral comum (a nível de raiz da coxa) e a veia poplítea (a nível de fossa poplítea). A falta
de compressibilidade dessas veias é o principal sinal indireto de trombo endovenoso. Um
teste adicional pode ser feito para corroborar o achado de trombo, que seria a compressão
de um segmento distal da perna e a observação de fluxo retrógrado de sangue no vaso
estudado (durante este teste, deve-se utilizar a função Doppler). Caso haja fluxo normal com
esta manobra, significa, então, que não há trombo impedindo o fluxo dentro da veia.
Existem alguns fluxogramas disponíveis para guiar a investigação de um TVP. A Figura 10
é uma tradução do fluxograma sugerido pelo American College of Emergency Physicians
(ACEP), para decisão de conduta frente à suspeita de TVP no DE.
Figura 10. Algoritmo para investigação de trombose venosa profunda sugerido pelo American College
of Emergency Physicians (ACEP).
Fonte: adaptado de: Rios M, Lewiss R, Saul T. Focus on: emergency ultrasound for deep vein
thrombosis. Disponível em: http://www.acep.org/, 2009.
Desta forma, estamos diante de um caso de dispneia súbita causada por TEP
diagnosticado em uma avaliação rápida à beira do leito.
CASO CLÍNICO 3
ANAMNESE
Paciente do sexo masculino, 23 anos de idade, vítima de politrauma por colisão moto-
carro há cerca de 30 minutos, levado ao DE por familiares.
História da Moléstia Atual: Paciente admitido no DE apresenta-se gemente, sudoreico,
pálido, após ter sido vítima de colisão moto-carro de alta energia, presenciada pelos
familiares. O paciente usava capacete e foi arremessado a aproximadamente 10 metros do
local da colisão. Ao ser socorrido estava gemente, próximo ao acostamento da pista, em via
bastante movimentada.
EXAME FÍSICO
Paciente em estado geral ruim, hipocorado, sudoreico, gemente. Avaliação neurológica:
pupilas isocóricas e fotorreagentes. Abertura ocular ao chamado, gemente, obedece a
comandos. Ausculta cardíaca apresenta ritmo regular em 2 tempos, bulhas normofonéticas,
sem sopros. Ausculta respiratória com murmúrio vesicular em ambos os hemitórax,
diminuído em base direita. À avaliação abdominal, identificou-se abdome plano, com ruídos
hidroaéreos diminuídos, difusamente doloroso à palpação, com escoriações em região de
flanco direito. Extremidades com pulsos filiformes e simétricos, frias, sem edema, sem
cianose, sem sinais de deformidades ósseas ou incongruências articulares. Escoriações em
face, braço esquerdo, flanco direito, coxa e perna esquerdos.
Dados Vitais: PA – 80 × 60 mmHg; FC – 134 bpm; FR – 35 irpm; SatO2 – 93%; Glicemia
capilar – 132 mg/dL.
Suspeita Diagnóstica:
Trauma abdominal fechado
Trauma torácico.
Conduta: Durante o atendimento do paciente, seguiu-se a abordagem preconizada pelo
Advanced Trauma Life Support (ATLS), com baseno ABCDE do trauma. Durante a avaliação
do abdome, percebe-se que o paciente tem importante desconforto abdominal à palpação.
Palpação do anel pélvico demonstra estabilidade. Não aparenta ter sangramento ativo
visível. A análise do dorso durante o rolamento em bloco evidencia apenas escoriações.
O paciente mantém instabilidade hemodinâmica e necessita de exame complementar
para elucidar quadro de choque, porém não tem estabilidade para ser transportado para o
centro de imagem.
DISCUSSÃO
Durante o atendimento ao paciente politraumatizado, na avaliação preconizada pelo
ATLS, o POCUS é usado como ferramenta extremamente importante na identificação com
rapidez de condições ameaçadoras à vida como tamponamento pericárdico, pneumotórax
ou hemorragias ocultas.
Durante a avaliação desse paciente que se apresenta instável hemodinamicamente para
ser transportado ao centro de imagem, o protocolo e-FAST é uma ferramenta essencial para
avaliação e diagnóstico da causa do choque pós-trauma de alta energia.
PROTOCOLO e-FAST
No protocolo e-FAST utiliza-se o transdutor convexo para avaliação de tórax e abdome.
Esse protocolo é realizado com as seguintes janelas (Figura 11):
a. Espaço hepatorrenal
b. Transição fígado-diafragma-pulmão
c. Linha hemiclavicular anterior direita (3o e 5o espaços intercostais)
d. Espaço esplenorrenal
e. Transição baço-diafragma-pulmão
f. Linha hemiclavicular anterior esquerda (3o e 5o espaços intercostais)
g. Região suprapúbica
h. Janela pericárdica subxifoide.
Figura 12. Janela Hepatorrenal (1) fígado; (2) delimitação do rim direito; (*) líquido livre no espaço
hepatorrenal.
Fonte: Autoria própria.
Figura 13. Janela ultrassonográfica demonstrando líquido livre abdominal e torácico. A seta branca
delimita o diafragma; o asterisco e o círculo sinalizam líquido livre em cavidade torácica e abdominal.
(1) fígado; (2) pulmão.
Fonte: Autoria própria.
Após essa avaliação, pode-se concluir que o paciente apresenta choque hipovolêmico
por trauma fechado com hemotórax e hemorragia intra-abdominal. Segue-se a condução do
caso com medidas para estabilização hemodinâmica, realização de drenagem de tórax e
indicação de laparotomia. Nas demais janelas do protocolo, não foram observadas
alterações.
Ultrassonografia Pulmonar
A presença de ponto pulmonar (Lung point) apresenta 100% de especificidade para o
diagnóstico de pneumotórax. As linhas C com aspecto de consolidação pulmonar similar à
textura de órgãos sólidos apresentam especificidade de 98,5%. O uso da ultrassonografia
pulmonar apresentou acurácia de 90,5% no diagnóstico das causas de insuficiência
respiratória aguda em ambiente de UTI, em comparação com outras formas diagnósticas.
O diagnóstico do protocolo BLUE feito na admissão por médicos com habilidades
básicas em ultrassonografia apresentou concordância perfeita com o diagnóstico final em
84% dos pacientes. Lichtenstein et al. relataram sensibilidade e especificidade de 97% e
95%, respectivamente, para edema pulmonar cardiogênico e de 94% e 89%, respectivamente,
para pneumonia.
e-FAST
A acurácia do exame tem sido amplamente investigada a fim de determinar sua utilidade
como ferramenta de triagem. De modo geral, a literatura exibe alta especificidade e
sensibilidade muito variável (42 a 95%). A maior contribuição da avaliação ecográfica para
traumas abertos é a avaliação pericárdica, apresentando 100% de sensibilidade e 97% de
especificidade.
FATE
O estudo de validação do protocolo FATE, através da avaliação de 233 pacientes, obteve
imagens que contribuíram positivamente para tomada de decisão de pacientes críticos em
227 casos (97%). Dos pacientes avaliados, o protocolo FATE adquiriu ainda novas
informações em 37% dos casos e detectou 24% de informações que foram decisivas para a
conduta dos pacientes avaliados.
BIBLIOGRAFIA
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lower-extremity deep vein thrombosis. Academic Emergency Medicine. 2008; 15(6):493-8.
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thrombosis: implications for simplifying the diagnostic process with compression ultrasound. Archives of
Internal Medicine. 1993; 153(24):2777-80.
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professionals from the Council on Thrombosis (in Consultation with the Council on Cardiovascular Radiology).
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post-traumatic pneumothoraces: The Extended Focused Assessment with Sonography for Trauma (EFAST). J
Trauma. 2004; 57(2):288-95.
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emergência para diagnóstico de insuficiência respiratória. J Bras Pneumol. 2015; 41(1):58-64.
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embolism: recommendations from a national workshop. American Journal of Preventive Medicine. 2010;
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11. Rios M, Lewiss R, Saul T. Focus on: emergency ultrasound for deep vein thrombosis. acep.org, 2009.
12. Whitson MR, Mayo PH. Ultrasonography in the emergency department. Critical Care. 2016; 20:227.
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diagnose pleural effusions causing haemodynamic compromise. Case Rep Clin Med. 2013;2:189–93.
Table of Contents
Capa
Créditos
Autores
Sumário
Prefácio
Seção 1 - Introdução
1. Bases do Diagnóstico/Raciocínio Clínico
Raciocínio Clínico, Qual Sua Importância?
Raciocínio Clínico, o Que É?
Raciocínio Clínico, Como os Médicos Pensam?
Seleção de Dados Elementares
Transdução Semiótica
Representação Problemática
Associação de Scripts Mentais
Hipótese-Dedução
Raciocínio Clínico, Como Aprender a Pensar Como
Médico?
Abordagem Sindrômica
Diferenciação Diagnóstica:
Autoprescrição Educacional
Raciocínio Clínico: Princípios Aplicados à Prática
Raciocínio Clínico: o Aprendizado Reflexivo na Prática
Bibliografia
2. Método Clínico Centrado na Pessoa
APRESENTAÇÃO CLÍNICA 1
APRESENTAÇÃO CLÍNICA 2
APRESENTAÇÃO CLÍNICA 3
DISCUSSÃO
Pilares do Método Clínico Centrado na Pessoa
1. Explorando a Saúde, a Doença e a Experiência
da Doença
2. Entendendo a Pessoa como um Todo
3. Elaborando um Plano Conjunto de Manejo dos
Problemas
4. Intensificando a Relação entre a Pessoa e o
Médico
Antigos pontos adicionais ao Método Clínico
Centrado na Pessoa
CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA
3. Exame Físico Geral
CASO CLÍNICO
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
EXAMES LABORATORIAIS
EXAMES COMPLEMENTARES
DISCUSSÃO
BIBLIOGRAFIA
4. Sinais Vitais
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
REAVALIAÇÃO/EVOLUÇÃO CLÍNICA
HIPÓTESES DIAGNÓSTICAS
DISCUSSÃO
SINAIS VITAIS
Pressão Arterial
TEMPERATURA
FREQUÊNCIA CARDÍACA
FREQUÊNCIA RESPIRATÓRIA
DOR
DISCUSSÃO DAS QUESTÕES DO CASO CLÍNICO
BIBLIOGRAFIA
Seção 2 - Cabeça e sistema tegumentar
5. Semiologia da Pele e Fâneros
ANAMNESE
HISTÓRIA PATOLÓGICA PRÉVIA
HISTÓRIA FAMILIAR:
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
QUESTÃO 1
QUESTÃO 2
QUESTÃO 3
6. Semiologia dos olhos
ANAMNESE
DISCUSSÃO
Anamnese Oftalmológica
Inspeção Ocular
Palpação Ocular
Avaliação da Acuidade Visual
Motilidade e Alinhamento extraoculares
Campimetria por Confrontação
Exame Pupilar
Oftalmoscopia Direta
PRÁTICAS BASEADAS EM EVIDÊNCIAS
BIBLIOGRAFIA
7. Semiologia do ouvido e do equilíbrio
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
CONDUTA
DISCUSSÃO
Divisão Anatômica
Sintomas Básicos na Semiologia do Ouvido
EXAME FÍSICO BASEADO EM EVIDÊNCIAS
BIBLIOGRAFIA
8. Semiologia do nariz e dos seios paranasais
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
DISCUSSÃO
Obstrução Nasal
EXAME FÍSICO BASEADO EM EVIDÊNCIAS
BIBLIOGRAFIA
9. Semiologia da Laringe
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
DISCUSSÃO
EXAME FÍSICO BASEADO EM EVIDÊNCIAS
BIBLIOGRAFIA
Seção 3 - Sistema Respiratório
10. Semiologia Respiratória
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
INTERPRETAÇÃO E CONDUTA
DISCUSSÃO
Entendendo o Sistema Respiratório
Manifestações Clínicas das Vias Aéreas
Diagnóstico clínico
Diagnóstico laboratorial
Diagnóstico
Dor Torácica
Hipocratismo Digital
Anamnese
Exame Físico
Exame do Sistema Respiratório
Inspeção Estática
Formas Patológicas do Tórax
Inspeção Dinâmica
Inspeção Dinâmica Versus Ritmo Respiratório
CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA
Seção 4 - Cardiovascular
11. Semiologia do Coração (Auscultas Fisiológica e Patológica)
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
CONDUTA
DISCUSSÃO
Ausculta Patológica
Epônimos e Fenômenos
BIBLIOGRAFIA
12. Semiologia vascular (Arterial e Venosa)
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
DISCUSSÃO
Índice Tornozelo-Braquial (ITB)
EXAME FÍSICO BASEADO EM EVIDÊNCIAS
BIBLIOGRAFIA
13. Semiologia do Sistema Linfático
CASO CLÍNICO
DISCUSSÃO
AVALIAÇÃO CLÍNICA DAS LINFADENOPATIAS
PERIFÉRICAS
EXAME FÍSICO BASEADO EM EVIDÊNCIAS:
BIBLIOGRAFIA
Seção 5 - Gastrointestinal
14. Semiologia do Abdome (principais achados fisiológicos e
patológicos)
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
DISCUSSÃO
EXAME FÍSICO BASEADO EM EVIDÊNCIAS
BIBLIOGRAFIA
15. Semiologia do Reto e Ânus
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
SUSPEITA DIAGNÓSTICA
AVALIAÇÃO HISTOPATOLÓGICA
DISCUSSÃO
SEMIOLOGIA BASEADA EM EVIDÊNCIAS
Bibliografia
Seção 6 - Urogenital
16. Semiologia das Vias Urinárias
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
DISCUSSÃO
EXAME FÍSICO BASEADO EM EVIDÊNCIAS
BIBLIOGRAFIA
17. Semiologia do Genital Masculino
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
DISCUSSÃO
UTILIZAÇÃO DA ULTRASSONOGRAFIA COM
DOPPLER BASEADA EM EVIDÊNCIAS
BIBLIOGRAFIA
18. Semiologia do Trato Genital Feminino
CASO CLÍNICO 1
ANAMNESE
DISCUSSÃO
Exame Físico
Exames Complementares
CASO CLÍNICO 2
ANAMNESE
Exames físico
Exames Complementares
DISCUSSÃO
História Clínica
Exame físico
Exame Ginecológico
EXAMES COMPLEMENTARES
CASO CLÍNICO 3
ANAMNESE
EXAMES COMPLEMENTARES
DISCUSSÃO
BIBLIOGRAFIA
Seção 7 - Sistema Nervoso e Osteomioarticular
19. Anamnese Neurológica
ANAMNESE
DISCUSSÃO
Anamneses Especiais
PRÁTICAS BASEADAS EM EVIDÊNCIAS
BIBLIOGRAFIA
20. Semiologia dos Nervos Cranianos
CASO CLÍNICO 1: NERVO OLFATÓTIO (NERVO
CRANIANO I)
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
DISCUSSÃO
CASO CLÍNICO 2: NERVO ÓPTICO (NERVO
CRANIANO II)
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
DISCUSSÃO
CASO CLÍNICO 3: NERVO TROCLEAR (NERVO
CRANIANO IV)
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
DISCUSSÃO
CASO CLÍNICO 4: NERVO TRIGÊMEO (NERVO
CRANIANO V)
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
DISCUSSÃO
CASO CLÍNICO 5: NERVO FACIAL (NERVO
CRANIANO VII)
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
DISCUSSÃO
CASO CLÍNICO 6: NERVO VESTIBULOCOCLEAR
(NERVO CRANIANO VIII)
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
DISCUSSÃO
CASO CLÍNICO 7: NERVOS GLOSSOFARÍNGEO,
VAGO E HIPOGLOSSO (NERVOS CRANIANOS IX – X -
XII)
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
DISCUSSÃO
BIBLIOGRAFIA
21. Síndromes Topográficas (Plexo Braquial)
CASO CLÍNICO
DISCUSSÃO
Anatomia e Função do Plexo Braquial
Lesão do Plexo Braquial
Lesões do Plexo Braquial Superior (C5 e C6) ou de
Erb-Duchenne
Lesão do tronco médio ou tipo Remarck (C7)
Lesões do Plexo Braquial Inferior (C8 e T1) de
Klumpke
Lesão do Cordão Medial
Lesão do Cordão Posterior
Lesão do Nervo Torácico Longo (C5-C7)
FECHAMENTO DO CASO CLÍNICO
CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA
22. Semiologia das Síndromes Topográficas (plexo lombar)
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
DISCUSSÃO
CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA
23. Semiologia do Córtex Cerebral
CASO CLÍNICO
SEMIOLOGIA DO CÓRTEX FRONTAL (EXECUTIVO)
SEMIOLOGIA DO CÓRTEX MOTOR
ESCALA DE FORÇA
AVALIAÇÃO DA FORÇA
OUTROS EXAMES MOTORES
AVALIAÇÃO DO TÔNUS MUSCULAR
SEMIOLOGIA DO CÓRTEX SENSORIAL
SENSIBILIDADE EXTEROCEPTIVA
SENSIBILIDADE PROPRIOCEPTIVA
SEMIOLOGIA DO CÓRTEX VISUAL
SEMIOLOGIA DO CÓRTEX AUDITIVO
SEMIOLOGIA DO CÓRTEX OLFATIVO
EXAME FÍSICO BASEADO EM EVIDÊNCIAS
CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA
24. Avaliação do Estado Mental
CASO CLÍNICO
DISCUSSÃO
Aparência Geral e Comportamento
Estado de Consciência
Atenção
Orientação
O MEEM foi desenvolvido por Folsteim et al (1975).
Tem o objetivo de avaliar a função cognitiva global,
sendo um teste de rastreamento que auxilia o médico a
estimar quantitativamente o prejuízo cognitivo do
paciente, além de ser aplicado para acompanhar a
evolução dos que já têm o diagnóstico de demência
estabelecido.
Teste do Desenho do Relógio (TDR)
Teste de Fluência Verbal (FV)
Sensopercepção
Pensamento
Humor/Afeto
Memória
Importante parte na anamnese da prática clínica, pois
uma pessoa que é impulsiva ou tem pensamentos de
suicídio ou homicídio precisa de observação especial.
Avaliar se há possibilidade de autolesão/suicídio,
distinguindo entre pensamentos, planejamento e
intenções.
Julgamento e Insight
AVALIAÇÃO FUNCIONAL PARA ATIVIDADES DE
VIDA DIÁRIA
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DAS DEMÊNCIAS
Tumores
CRÔNICAS
EXAMES COMPLEMENTARES
CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA
25. Semiologia do Paciente Em Coma
CASO CLÍNICO
DISCUSSÃO
CONCEITOS: CONSCIÊNCIA, COMA E DELIRIUM
FISIOPATOLOGIA DO COMA
PRINCIPAIS ETIOLOGIAS DO COMA
ANAMNESE
EXAME GERAL
EXAME NEUROLÓGICO
EXAMES ADICIONAIS
FECHAMENTO DO CASO CLÍNICO
CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA
26. Semiologia de Morte Encefálica
CASO CLÍNICO
Conceito de Morte Encefálica(ME):
Segundo exame clínico neurológico
Exame Complementar Confirmatório
MEDICINA BASEADA EM EVIDÊNCIAS:
CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA
27. Semiologia do Liquor
ANAMNESE
EXAMES COMPLEMENTARES
DISCUSSÃO
EXAME FÍSICO BASEADO EM EVIDÊNCIAS
CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA
28. Semiologia da Sensibilidade de Tronco e Membros
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
DISCUSSÃO
CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA
29. Semiologia de Equilíbrio, Coordenação e Marcha
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
DISCUSSÃO
BIBLIOGRAFIA
30. Semiologia da motricidade e dos reflexos
CASO CLÍNICO 1
ANAMNESE
DISCUSSÃO
DISCUSSÃO DO CASO 1
CASO CLÍNICO 2
DISCUSSÃO DO CASO CLÍNICO 2
CASO CLÍNICO 3
DISCUSSÃO DO CASO CLÍNICO 3
CASO CLÍNICO 4
DISCUSSÃO DO CASO CLÍNICO 4
CASO CLÍNICO 5
DISCUSSÃO DO CASO CLÍNICO 5
CASO CLÍNICO 6
DISCUSSÃO DO CASO CLÍNICO 6
CASO CLÍNICO 7
DISCUSSÃO DO CASO CLÍNICO 7
CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA
31. Semiologia das funções corticais superiores
CASO CLÍNICO
EXAME FÍSICO
HIPÓTESE DIAGNÓSTICA
CONDUTA
DISCUSSÃO
Princípios da Neurofisiologia Cognitiva
Conceitos de Neuroanatomia Funcional
Semiologia das Funções Corticais Superiores
Exame do Estado Mental (EEM)
Comportamento
Julgamento e Autocrítica
Raciocínio Abstrato
Atenção
Orientação
Memória
Cálculo
Linguagem
Inteligência
BIBLIOGRAFIA
32. Semiologia Osteomioarticular dos Membros Superiores
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
DISCUSSÃO
Exame Físico Baseado em Evidências
BIBLIOGRAFIA
33. Semiologia Osteomioarticular dos Membros Inferiores
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
EXAME MUSCULOESQUELÉTICO
DISCUSSÃO
História Clínica
Exame Físico
Abordagem Imaginológica
Tratamento da Barra Óssea
BIBLIOGRAFIA
34. Semiologia Osteomioarticular do Eixo Corporal (Colunas
Cervical, Torácica e Lombar)
CASO CLÍNICO
EXAME FÍSICO
DISCUSSÃO
CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA
Seção 8 - Extras
35. Semiologia Psiquiátrica
CASO CLÍNICO
Introdução
Conceitos básicos
Questões subjetivas, vínculo e boa anamnese psiquiátrica
Psicopatologia
O Raciocínio Diagnóstico
BIBLIOGRAFIA
36. Semiologia da Dor
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
DISCUSSÃO
BIBLIOGRAFIA
37. Semiologia da Criança
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
CONDUTA
DISCUSSÃO
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
DIAGNÓSTICOS DE PUERICULTURA
GRUPOS ESPECIAIS: RECÉM-NASCIDOS E
ADOLESCENTES
EXAME FÍSICO BASEADO EM EVIDÊNCIAS
BIBLIOGRAFIA
38. Semiologia Mamária
CASO CLÍNICO
DISCUSSÃO
BIBLIOGRAFIA
39. Semiologia do Idoso
ANAMNESE
INTERROGATÓRIO SINTOMÁTICO
EXAME FÍSICO
CONDUTA INICIAL
EXAMES COMPLEMENTARES
DISCUSSÃO
MODIFICAÇÕES FISIOLÓGICAS
AVALIAÇÃO CLÍNICA
EXAME FÍSICO
EVOLUÇÃO CLÍNICA
BIBLIOGRAFIA
40. Semiologia de Emergência
INTRODUÇÃO
CASO CLÍNICO 1
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
DISCUSSÃO
PROTOCOLO BLUE
PROTOCOLO FATE
CASO CLÍNICO 2
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
DISCUSSÃO
CASO CLÍNICO 3
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
DISCUSSÃO
PROTOCOLO e-FAST
POCUS BASEADO EM EVIDÊNCIAS
BIBLIOGRAFIA