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2020

Título: Semiologia por Casos Clínicos


Editor: Luiz S. Galleti | Marketing 360º
Diagramação: Mateus Machado
Capa: Aline Mattos
Revisão ortográfica: Caio Vinicius Menezes Nunes
Conselho Editorial: Paulo Costa Lima | Sandra de Quadros Uzêda | Silvio José Albergaria da
Silva

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Tuxped Serviços Editoriais (São Paulo-SP)

G588s Godoi, Bruno Bastos.


Semiologia por Casos Clínicos / Bruno Bastos Godoi. – 1. ed. - Salvador, BA : Editora Sanar,
2020. 880 p.
ISBN 978-85-5462-231-2
1. Casos Clínicos. 2. Medicina. 3. Semiologia. 4. Sintomatologia.
I. Título. II. Assunto. III. Godoi, Bruno Bastos.
CDD 616.47
CDU 616.07

ÍNDICE PARA CATÁLOGO SISTEMÁTICO


1. Medicina: Doenças e seus sintomas.
2. Medicina: Sintomatologia médica.
Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário Pedro Anizio Gomes CRB-8 8846

Editora Sanar Ltda.


Rua Alceu Amoroso Lima, 172
Caminho das Árvores
Edf. Salvador Office e Pool, 3º andar.
CEP: 41820-770 – Salvador/BA
Telefone: 0800 337 6262
sanarsaude.com
atendimento@sanar.com
Autores

AUTOR – COORDENADOR
Bruno Bastos Godoi
Formação em Medicina pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM).
Autor-coordenador das seguintes obras: “100 Casos Clínicos em Medicina (2a Edição)”, “Casos
Clínicos em Pediatria”, “Casos Clínicos em Ginecologia e Obstetrícia”, “Mapas Mentais da
Medicina” e “Cirurgia: 50 Casos Clínicos” e “Cirurgia Ambulatorial: Uma Abordagem Prática”.
Além disso, atuou como autor colaborador no livro “50 Casos Clínicos em Neurocirurgia e
Neurociência”. Revisor e membro do Conselho Editorial de periódicos científicos internacionais.

COAUTORES
Adriano Tito Souza Vieira
Acadêmico de Medicina da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Presidente da Liga
Acadêmica de Medicina Interna e Cirúrgica - Liga do Trauma (LAMIC-LT) na gestão 2020. Autor e
Colaborador nos livros “Mapas Mentais da Medicina”, “Cirurgia – 50 Casos Clínicos: do
Diagnóstico ao Tratamento” pela editora Sanar®.

Ana Cristina Lacerda Melo


Formada em Medicina pela Universidade Federal do Ceará. Residência de Dermatologia pelo Centro
de Dermatologia Dona Libânia. Pós-graduação em Dermatocosmiatria pela Faculdade do ABC de
São Paulo. Coordenadora do Ambulatório de Colagenoses no Centro de Dermatologia Dona Libânia

Ana Luzia Oliveira Boccanera


Acadêmica de medicina da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP). Cirurgiã-dentista
pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Diretora de Relações Públicas da Liga
Acadêmica de Medicina Interna e Cirúrgica - Liga do Trauma (LAMIC- LT, UNEB).
André Bouzas de Andrade
Médico pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Cirurgião Geral pelo Hospital do Servidor
Público Municipal e Cirurgião Oncológico pelo Hospital A.C. Camargo (Fundação Antônio
Prudente). É orientador da Liga Acadêmica de Medicina Interna e Cirúrgica – Liga do Trauma
(LAMIC-LT, UNEB). Mestre em Oncologia pela Fundação Antônio Prudente. Professor da
disciplina de Clínica Cirúrgica I e Coordenador da área Cirúrgica do curso de Medicina da
Universidade do Estado da Bahia (UNEB).

André Gusmão Cunha


Médico pela Universidade Federal da Bahia e Cirurgião do Aparelho Digestivo pela Universidade de
Campinas (UNICAMP). É orientador da Liga Acadêmica de Medicina Interna e Cirúrgica – Liga do
Trauma (LAMIC-LT, UNEB). Professor Adjunto A de Clínica Cirúrgica da Universidade do Estado
da Bahia (UNEB). Coordenador da Emergência e da Linha Cirúrgica do Hospital Municipal de
Salvador. Médico Consultor do Projeto LEAN nas Emergências do Hospital Sírio-Libanês/Ministério
da Saúde. Fellow do Colégio Americano de Cirurgiões (FACS), Mestre do Capítulo Bahia do
Colégio Brasileiro de Cirurgiões (TCBC).

Antonio Gilvan Teixeira Júnior


Médico pela Faculdade de Medicina (FAMED) da Universidade Federal do Cariri (UFCA)/ Ceará.
Fuundador do Programa Caririense de Emergência e Trauma (PCET - FAMED/UFCA) e da Liga
Acadêmica de Neurocirurgia e Neurologia do Cariri (LANNEC). Membro do Laboratório de Escrita
Científica - LABESCI (UFCA). Tem experiência com publicações científicas em periódicos
nacionais e internacionais (mais de 20 artigos) com foco em estudos retrospectivos, como
comunicações breves, revisões sistemáticas e meta-análise. Foi Bolsista de Graduação Sanduíche no
Exterior pelo programa Ciências sem Fronteiras (CNPq) na University of Liverpool, Inglaterra,
Reino Unido (2015-2016). Já realizou diversos estágios clínicos nacionais e internacionais em
Neurocirurgia e em Emergências Médicas. Participou de dezenas de eventos nacionais e
internacionais, como ouvinte e como apresentador de trabalho ou palestrante.

Benjamim Messias de Souza Filho


Acadêmico de medicina da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Presidente da Associação
Atlética Acadêmica de Medicina da UNEB, gestão 2020. Vice-presidente da Liga Acadêmica de
Medicina Interna e Cirúrgica - Liga do Trauma (LAMIC - LT, UNEB), gestão 2020.

Carla Roberta Macedo de Sousa


Gineco-obstetra pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Mestrado Acadêmico em Saúde da
Família – UFC. Doutoranda em Ciências Cirúrgicas – UFC. Professora efetiva da disciplina de
Ginecologia – UFC. Preceptora da residência em Ginecologia e Obstetrícia - UFC

Dan Zimelewicz Oberman


Graduado em Medicina pelo Instituto Universitario del Hospital Italiano de Buenos Aires, Argentina
(2011-2016). Cursa Residência médica em Neurocirurgia pelo Hospital Força Aérea do Galeão
(2019-2025). Cursa Mestrado em Investigação Clínica no Hospital Italiano, atuando na linha de
pesquisa de (Variação anatomica do poligono de Willis, como fator de risco de rotura para aneurisma
cerebral). Realizou Clerkship durante o internato no Departamento de Neurocirurgia no: ‘’Ospedale
Umberto Primo - Italia’’ e ‘’Hadassah Medical Center Hospital - Israel’’. Tem experiência na área de
Medicina, com enfase em Neurocirurgia e Neuroanatomia.

Eugênio Santana Franco Filho


Graduação em Medicina pelo Centro Universitário Christus - Especialista em Medicina de
Emergência pela Escola de Saúde Pública do Estado do Ceará – ESPCE. CEO doses de emergência.
Preceptor das Residências Médicas em Medicina de Emergência da ESPCE e IJF. Instrutor dos
programas PHTLS e ATLS

Farley Carvalho Araújo


Graduado pela Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES); Especialista em Clínica
Médica pelo Hospital Universitário Clemente de Faria; Especialista em Reumatologia pela
Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP); Mestre em Reumatologia pela UNIFESP; Membro
titular da Sociedade Brasileira de Reumatologia; Membro da Associação Brasileira de Avaliação
Óssea e Osteometabolismo (ABRASSO); Professor assistente do curso de Medicina da Universidade
federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM)

Fernanda Filetti Ferreira


Graduanda em Medicina na Universidade Federal do Espírito Santo

Fernanda Laraia Martins


Acadêmico de medicina da Universidade do Vale do Sapucaí, Pouso Alegre-MG

Flávia de Paiva Santos Rolim


Membro Titular da Academia Brasileira de Neurologia. Fellowship em Doenças
Neurodegenerativas/Distúrbios do Movimento (Hospital Geral de Fortaleza). Neurointensivista
(Hospital Sírio Libanês). Neurologista do Hospital Geral de Fortaleza e do Hospital Monte Klinikum.
Supervisora do programa de residência médica em Neurologia da Escola de Saúde Pública do Ceará.
Mestranda em Ciências Médicas (Universidade de Fortaleza)

Gabriela Melo Pereira


Formada em Medicina pela Universidade Federal do Maranhão. Residente de Dermatologia do
Centro de Dermatologia Dona Libânia

Gefferson Dias Teixeira


Médico formado pela Universidade Federal do Ceará. Residente de Ginecologia e Obstetrícia da
Santa Casa de Misericórdia de Sobral/UFC

Geraldo Antonio Roni Neto


Especializando da Clínica de Olhos da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte;

Germano Martins Coelho


Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM)

Glauber Coutinho Eliazar


Preceptor dos departamentos de Córnea, Urgência e Catarata da Clínica de Olhos da Santa Casa de
Misericórdia de Belo Horizonte

Gregório Victor Rodrigues


Graduação em medicina na UFMG. Residência em Medicina de Família e Comunidade pelo Hospital
Odilon Behrens-BH. Especialização em Gestão em Saúde pela FGV. Especialização GreenBelt em
Lean6Sigma pela Voitto. Mestrando em Saúde Pública pela UFMG. Professor de graduação em
Medicina pela UNI-BH. Professor convidado de graduação em Medicina pela UFMG. Coordenador
da Pós-Graduação em Saúde da Família pela Santa Casa-BH. Membro da Diretoria da Associação
Mineira de MFC. COO e Co-Founder da AEQ Digital Health, startup de Tecnologia em Saúde, com
foco em inteligência artificial. COO e Co-founder da Dexpertio, empresa de cursos e consultoria em
Atenção Primária à Saúde.

Gustavo Henrique Pedroso


Interno de Medicina do Centro Universitário Atenas; presidente do IV Congresso Acadêmico de
Medicina e Saúde do UniAtenas (2019); diretor da Liga Acadêmica de Medicina e Espiritualidade
(2019) do UniAtenas; membro das Ligas Acadêmicas de Neurologia e Neurociência (2020), de
Ginecologia e Obstetrícia (2020), de Medicina e Espiritualidade (2018) e de Geriatria e Gerontologia
(2017) do UniAtenas; diretor do Diretório Acadêmico Valdi Tutunji (2020) do UniAtenas.

Harue Santiago Kumakura


Graduação em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (UFRN). Cirurgiã Geral e Cirurgiã Vascular e Endovascular pelo Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da USP (HC-FMUSP). Título de Especialista em Angiologia e Cirurgia
Vascular e Título de Especialista em Cirurgia Endovascular pela Sociedade Brasileira de Angiologia
e Cirurgia Vascular (SBACV). Médica Assistente do Pronto-Socorro de Cirurgia Vascular do HC-
FMUSP.

Janaina Martins Andrade


Especialista em Pneumologia pelo Instituto de Ensino e Pesquisa da Santa Casa de Misericórdia de
Belo Horizonte. Especialista em Farmacologia Clínica pela Unimontes (Universidade Estadual de
Montes Claros). Professora no curso de Medicina da Universidade Federal dos Vales do
Jequitinhonha e Mucuri. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Reabilitação e Desempenho
Funcional (PPGReab) da UFVJM. Médica do Centro de Terapia Intensiva da Santa Casa de Caridade
de Diamantina.

João Henrique Fonseca do Nascimento


Acadêmico de Medicina da Universidade do Estado da Bahia e Membro Acadêmico do Colégio
Brasileiro de Cirurgiões (CBC-Ba). Membro sênior do Conselho da Liga Acadêmica de Medicina
Interna e Cirúrgica - Liga do Trauma (LAMIC-LT, UNEB). Biomédico pela Universidade Estadual
de Santa Cruz (UESC), Biomedial Scientist pela Case Western Reserve University (CWRU/USA) e
Molecular Epidemiologist (habilitação) pelo Center for Global Health and Diseases (CGHD/USA).
Autor e colaborador nos livros “Casos Clínico em Pediatria”, “Casos Clínicos em Ginecologia e
Obstetrícia”, “Mapas Mentais da Medicina”, “Cirurgia – 50 Casos Clínicos: do Diagnóstico ao
Tratamento” pela editora Sanar®.

Josué da Silva Brito


Interno de Medicina do Centro Universitário Atenas (UniAtenas)

Jovana Gobbi Marchesi Ciríaco


Graduação em medicina na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), residência e doutorado
em neurologia pela Universidade de São Paulo (USP), professora adjunta de clínica médica UFES,
membro titular Associação Brasileira de Neurologia (ABNeuro) e Sociedade Brasileira de Cefaleia
(SBraCefaleia), vice-presidente regional do Espírito Santo da ABNeuro, neurologista coordenadora
da Neuromind

Juan Dantas Leitão


Fisioterapeuta formado pela Faculdade FANOR- Devry (2013.2). Especialista em fisioterapia osteo-
muscular e osteopatia. Formação complementar em RPG, Pilates e dry needling.

Júlian Reis da Silva


Interna de medicina do 5° ano do Centro Universitário Atenas

Karen Lopes Cunha


Médica formada pela Universidade Federal do Ceará (2017.2). Residente de Medicina de Emergência
pela Escola de Saúde Pública do Ceará. Trabalha como Médica do SAMU-Fortaleza e do Exército
Brasileiro no Hospital Geral de Fortaleza.

Lucas Cunha Pereira de Oliveira


Aperfeiçoamento em Hemostasia e Trombose pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo (HCFMUSP). Residência em Hematologia e Hemoterapia pelo
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP).
Residência em Clínica Médica pelo Hospital Santa Marcelina de Itaquera, São Paulo. Graduação em
Medicina pela Universidade Federal da Paraíba, UFPB.

Lucas Silvestre Mendes


Neurologista pelo Hospital Santa Marcelina (SP). Fellowship em NeuroImunologia pelo Hospital das
Clínicas da USP-SP (HCFMUSP). Atualmente Neurologista do Hospital São Camilo Fortaleza e
Hospital Geral de Fortaleza (HGF). Professor de medicina da Unichristus. Supervisor do programa
de residência médica em Neurologia do Hospital Geral de Fortaleza (HGF)

Lucca Vinícius Maia Marques


Acadêmico de medicina no centro universitário Atenas-Paracatu MG, presidente da liga acadêmica
de neurologia e neurociência Atenas, diretor cientifico do congresso de especialidades medicas do
Uniatenas e membro do diretório acadêmico de medicina do Uniatenas.

Luciano Coni Costa


Acadêmico de medicina da Universidade do Estado da Bahia. Diretor de Pesquisa da Liga
Acadêmica de Medicina Interna e Cirúrgica - Liga do Trauma (LAMIC - LT, UNEB)

Madson Correia de Farias


Médico Assistente do Serviço de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular do Hospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

Mariana Lacerda Reis Grenfell


Formada em Medicina pela Escola Superior de Ciências da Saúde do Espírito Santo – EMESCAM.
Residência Médica em Neurologia pela Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP. Residência
Médica em Neurologia com ênfase em Eletroencefalograma e Epilepsia - Ano Opcional pela
Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP. Médica neurologista e preceptora da Universidade
Federal de Vitória. Professora de neurologia da Escola Superior de Ciências da Saúde do Hospital da
Santa Casa de Misericórdia de Vitória – EMESCAM. Médica neurologista e neurofisiologista clínica
e coordenadora do serviço de eletroencefalograma do Hospital Meridional. Médica neurologista e
neurofisiologista clínica da Unidade de AVC do Hospital Estadual Central de Vitória

Mateus Gonçalves de Sena Barbosa


Acadêmico de medicina da Faculdade Atenas, Passos-MG, estagiário de neurocirurgia no Hospital
Santa Casa Da Misericórdia De Passos, membro da Liga Acadêmica De Urgência E Emergência da
Faculdade Atenas, participante da iniciação científica e projeto de extensão de diabetes mellitus e
depressão da Faculdade Atenas.

Matheus Resende Marciano Rosa


Médico pela Faculdade de Medicina de Alfenas. Cirurgião Geral pelo Hospital Alzira Velano.
Urologista pelo Hospital de Referência da Saúde do Homem do Estado de São Paulo (Hospital
Brigadeiro)

Maycon Cristian Gomes De Paula


Acadêmico de medicina da Universidade do Vale do Sapucaí, Pouso Alegre-MG

Michel Yahn Vago Muradi


Graduando em Medicina na Universidade Federal do Espírito Santo

Nathaniel dos Santos Sousa


Médico formado pela Universidade Federal de Campina Grande. Residente de Ginecologia e
Obstetrícia da Santa Casa de Misericórdia de Sobral/ UFC

Neiffer Nunes Rabelo


Especializando da Clínica de Olhos da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte

Nicollas Nunes Rabelo


Graduado em Medicina pela Faculdade de Medicina Atenas (2007-2012). Especialização em
Neurointensivismo para Adultos pelo Hospital Sírio Libanês - Instituto de Ensino e Pesquisa (2014)
atuando na linha de pesquisa Sedação e Analgesia no Paciente com TCE Grave. Residência em
Neurocirurgia pelo Hospital Santa Casa de Ribeirão Preto (2013-2018). Complementação
Especializada (Fellow) em Neurocirurgia Vascular e Base de Crânio pela Disciplina de Neurologia
do HC-FMUSP (2018-2019). Cursa Doutorado em Neurocirurgia Vascular no Departamento de
Neurologia da FMUSP (2018-2022) atuando nas linhas de pesquisas (Doenças da Neurocirurgia
Vascular e Doença periodontal como Fator de Rotura para Aneurisma Cerebral). Pesquisador adjunto
da FMUSP. Neurocirurgião e Assistente do Programa de Residência de Neurocirurgia do Hospital
Santa Casa de Ribeirão Preto e Hospital da Santa Casa de Passos - MG. Fez parte do Programa de
Cooperação da Academia Brasileira de Neurocirurgia e Departamento de Neurocirurgia da
Universidade de Tubingen - Alemanha - Advanced Techniques for the Young Neurosurgeon
(ATCHYN), Hanover e Dresden. Médico Perito da Aeronáutica (MC-141- ANAC - RBAC 67
Segunda a Quinta Classe). Tem experiência na área de Medicina, com ênfase em Neurocirurgia.
Membro Titular da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia, Academia Brasileira de Neurocirurgia,
AANS, CNS e WFNS. Membro Discente titular da comissão coordenadora do Programa de Pós-
graduação de Neurologia da FMUSP

Odon Tavares de Souza Neto


Médico formado pela Universidade estadual do Ceará 2008.2 (UECE). Membro da Sociedade
Brasileira de Anestesiologia. Instrutor Associado do Centro de Ensino e Treinamento em
Anestesiologia do Hospital Geral de Fortaleza desde 2016. Pós-graduado em Urgência, Emergência e
Terapia Intensiva pela Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais - Faculdade Unimed.

Otávio Augusto Oliveira de Carvalho


Universidade Federal do Amazonas, Instituto do Coração HCFMUSP

Pedro Henrique Silveira Chaves


Acadêmico de medicina do Centro Universitário Atenas e vice-presidente da Liga Acadêmica de
Neurologia e Neurociências do Uniatenas.

Priscila Correia de Farias


Acadêmica de Medicina da Faculdade de Medicina Unichristus

Rafael Góis Campos


Médico pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Psiquiatra e Psicogeriatra pela
Universidade Federal de São Paulo (EPM/UNIFESP). Preceptor da residência médica do Hospital
João Machado (HJM) e do Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL/UFRN). Mestrando na
UFRN.

Rafael Lopes Gurgel


Título de Especialista em Gastroenterologia pela Federação Brasileira de Gastroenterologia e
Endoscopia pela Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva. Especialista em Gastroenterologia
com Residência Médica no Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto/ USP e
Fellow em endoscopia digestiva oncológica pelo Instituto Nacional do Câncer (INCA/RJ).
Graduação em Medicina pela Universidade do Estado do Amazonas. Professor e coordenador do
Módulo de Gastroenterologia da Faculdade de Medicina do Centro Universitário INTA (2016 -2019).
Preceptor da residência de clínica médica da UFC / SCMS. Mestrando em Farmacologia clinica pela
UFC/NDPM.

Renara de Pinho Caldeira Mourão


Graduada em Medicina pela Faculdade de Medicina de Barbacena. Residência Médica em
Ginecologia e Obstetrícia na Maternidade Municipal de Contagem. Residência. Médica em
Mastologia no Hospital Alberto Cavalcanti – Fhemig. Professora Titular do Curso de Medicina da
Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, campus Diamantina- (UFVJM).
Coordenadora das Disciplinas Saúde da Mulher I e II do Curso de Medicina da UFVJM. Vice -
coordenadora do Internato em Ginecologia e Obstetrícia da UFVJM. Preceptora da Residência em
Ginecologia e Obstetrícia da UFVJM

Renata Fraga Costa


Residência em Geriatria pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de
São Paulo (HCFMUSP). Residência em Clínica Médica pelo Hospital Santa Marcelina de Itaquera,
São Paulo. Graduação em Medicina pela Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas,
UNCISAL.

Roberta da Silveira Kataoka Wlassak


Formada em Medicina pela Universidade Estadual do Ceará. Especialização em Medicina de Família
e Comunidade pela Universidade federal do Ceará. Residente de Dermatologia do Centro de
Dermatologia Dona Libânia

Robson Eugênio da Silva


Mestre em Biociências aplicadas à saúde, doutorando em Biociências aplicadas a saúde pela
universidade Federal de Alfenas. Médico Nefrologista professor das disciplinas de Clínica Médica e
Nefrologia. Universidade José do Rosário Velano - UNIFENAS- Alfenas MG e Universidade
Federal de Alfenas - UNIFAL - Alfenas MG.
Rodolfo Pereira Espíndola
Acadêmico do sexto ano do curso de Medicina. Universidade José do Rosário Velano - UNIFENAS-
Alfenas MG.

Samer Heluany Khoury


Graduação em Medicina pela Universidade Federal de Campina Grande – UFCG. Residente de
Medicina de Emergência pela Escola de Saúde Pública do Estado do Ceará - ESPCE

Sérgio Antunes Santos


Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM)

Sissi Claudio Mota


Formada em Medicina pela Universidade Federal de Campina Grande
Especialização em Medicina da Família e Comunidade pela Universidade Federal do Ceará.
Residente de Dermatologia do Centro de Dermatologia Dona Libânia

Thiago Faria Galvão


Especializando da Clínica de Olhos da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte

Vera Bain
Formada em Medicina pela Universidade de São Paulo. Residência de Pediatria no Hospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Residência de Infectologia
Pediátrica no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

Victor José Timbó Gondim


Médico - Universidade Federal do Ceará. Otorrinolaringologista - Universidade de Santo Amaro.
Otoneurologia - Universidade Federal de São Paulo. Professor da Faculdade de Medicina da
Unichristus

Yury Tavares de Lima


Graduação em Medicina pela Universidade Federal de Campina Grande – UFCG. Residencia Médica
em Medicina de Emergência pela Escola de Saúde Saúde Pública do Estado do Ceará – ESPCE.
Preceptor das Residências Médicas em Medicina de Emergência da ESPCE e IJF
Sumário
Capa

Créditos

Autores

Prefácio

Seção 1 - Introdução

Seção 2 - Cabeça e sistema tegumentar

Seção 3 - Sistema Respiratório

Seção 4 - Cardiovascular

Seção 5 - Gastrointestinal

Seção 6 - Urogenital

Seção 7 - Sistema Nervoso e Osteomioarticular

Seção 8 - Extras
Prefácio

Fiquei muito feliz ao ser convidada para escrever este prefácio, principalmente em razão
da pessoa que fez o convite: Bruno Godoi. Uma pessoa que tem entusiasmo pela vida. Um
médico que tem sede de ciência e generosidade acadêmica. Obrigada por compartilhar
suas utopias e desafios médicos comigo. Me sinto honrada.
Ao ser convidada para escrever este prefácio, o primeiro pensamento que me veio foi o
de cartografar os significados de semiologia, tentando elucidar a complexidade e
integralidade do paciente como indivíduo holístico.
Na medicina, aprendemos sobre a objetividade dos sinais. Sinais do corpo.
Diferentemente dos sintomas, que são vocalizados na subjetividade das palavras do
paciente; que representam a materialização de sensações em diálogos.
Contudo, esta fronteira entre objetividade-subjetividade é assim tão precisa?
Afinal, o que é um corpo?
Apesar de nossos olhares serem adestrados para ver a parte física, química e as
interações biológicas, o corpo não é apenas um organismo vivo. Um corpo é sujeito, com
sentimentos, percepções, cor, gênero, classe, cultura, história. Como médicos, às vezes nos
esquecemos, mas a experiência concretizada na semiologia talvez seja a que represente a
dimensão mais aguda do cuidado. Se posicionar no lugar do outro. Ouvir sem silenciar.
Tocar para trocar. Falar para ser compreendido. Olhar sem constranger.
Um corpo, definitivamente, não é apenas um organismo vivo.
E como lidar com esse corpo em tempos pandêmicos? Tempos sem abraços, de
distância. De máscaras, sem rosto. De luvas, sem tato. De alguma forma, nós, médicos,
somos preparados para este tipo de realidade. Mas a verdade é que nunca estamos
preparados de fato. Porque também somos corpo, somos sujeitos, com afetos, ansiedades,
angústias e esperança. E esta é a parte da semiologia que a faz, ao mesmo tempo, tão
revolucionária e tão simples: a humanidade. Uma relação de sujeito-sujeito. Que deve ser
sem hierarquia, sem muros invisíveis.
Sujeito-Sujeito. E é nessa continuidade hifenizada de humanidade que nós médicos
precisamos nos apegar. Sem messianismo, status ou idolatria. Afinal, na vida e na morte,
também somos corpo. E resistimos com ele, nele e por todos os outros.

Fabiana Souza Máximo Pereira


Médica pela Faculdade de Medicina de Petrópolis - RJ.
Geriatra pelo HC - UFMG. Professora de Geriatria da UFVJM.
Capítulo 1

Bases do Diagnóstico/Raciocínio
Clínico
Autor(a): Gregório Victor Rodrigues

Raciocínio Clínico, Qual Sua Importância?


O raciocínio clínico é função fundamental da prática médica. A eficiência, a eficácia e a
efetividade do atendimento médico é altamente dependente da análise e da síntese
adequadas dos dados clínicos e da qualidade da tomada de decisões envolvendo riscos e
benefícios dos testes diagnósticos e do tratamento.
Tanto é assim que muitos estudos têm demonstrado que falhas cognitivas nas tomadas
de decisões desencadeiam erros diagnósticos, intervenções terapêuticas deficientes e
desfechos insatisfatórios. Para se ter dimensão dessa implicação, em números, segundo a
Society to Improve Diagnosis, o erro diagnóstico é responsável por 40.000 a 80.000 mortes
por ano nos EUA, ocupando o quinto lugar no ranking de causas de morte, quando
enumeradas todas as causas de iatrogenia (Figura 1).

Figura 1. Causas de morte discriminadas DPOC: doença pulmonar obstrutiva crônica.


Legenda: Acidentes auto: acidentes automobilísticos; k:1000 (por exemplo,601k=610.000)
Fonte: Michael, 2016

Por outro lado, o contrário também é verdadeiro, isto é, o raciocínio clínico, se bem
conduzido, constitui-se em índice da qualidade da assistência médica. Coderre et al.
consideram que são benefícios diretamente relacionados ao bom raciocínio clínico a
otimização do tempo diagnóstico; a utilização racional dos exames, dispensando
propedêutica desnecessária e, consequentemente, diminuindo custos operacionais e riscos
potenciais de efeitos adversos; o aumento da resolubilidade do problema do paciente e,
consequentemente, aumento da sua satisfação; e, sobretudo, o aumento da autossatisfação
profissional, quando a lógica da conclusão mostra-se adequada.
Diante de semelhantes constatações, é natural que uma das competências fundamentais
a ser desenvolvida pelo graduando em medicina seja justamente o raciocínio clínico. No
entanto, as escolas de medicina têm dispensado pouca atenção ao ensino do raciocínio
clínico em termos do seu entendimento neuropsicopedagógico e às implicações
educacionais envolvidas no desenvolvimento dessa competência. Tradicionalmente, tem-se
considerado apenas que as habilidades cognitivas necessárias a esse processo podem ser
satisfatoriamente obtidas pelos estudantes de maneira absolutamente tácita, sem qualquer
intervenção ativa ou consciente dos sujeitos envolvidos – professores e alunos.
Este capítulo introdutório, cujos princípios perpassarão por todos os outros ao longo
desse livro, afirma a ideia de que a melhor compreensão dos mecanismos
neuropsicopedagógicos do raciocínio clínico, tanto por parte dos médicos professores, que
comumente não se debruçam sobre essa questão, quanto por parte dos alunos, que
inicialmente a desconhecem, possa fornecer base mais sólida de seu ensino e
aprendizagem. Nesse sentido, serão apresentados os conceitos que subsidiam
teoricamente o raciocínio clínico, a fim de que o seu aprendizado, sendo didaticamente mais
adequado, seja também mais consciente e prazeroso.
Raciocínio Clínico, o Que É?
Entretanto, o raciocínio clínico é conceito difícil de ser explicado teoricamente. Os
próprios médicos, embora valham-se a todo o momento do raciocínio clínico, comumente
não se detêm a pensar a respeito desse processo que lhes ocorre de maneira tão natural.
Sabem, portanto, exercê-lo, sem, no entanto, saber dizer exatamente como o fazem.
Nas duas últimas décadas, contudo, houve grande avanço quanto à capacidade de
compreensão da cognição humana e, em particular, do raciocínio clínico. O conhecimento
obtido por influência da ciência cognitiva, teoria de decisão e ciência da computação tem
possibilitado ampla visão do processo cognitivo, que se constitui como base das decisões
diagnósticas e terapêuticas em medicina.
Desses estudos, em especial o de Kassirer, depreende-se a noção de que raciocínio
clínico é toda a variedade de estratégias cognitivas desenvolvidas com o objetivo de buscar
solução adequada para um problema clínico do paciente.
Por seu turno, Catherine Lucey, uma referência no assunto, conceitua raciocínio clínico
como a habilidade dos médicos para entender as queixas de um paciente e depois
identificar uma lista de possíveis diagnósticos que podem explicar essa condição. Já
Rogers, de forma simples, afirma que o raciocínio clínico é o processo de pensamento que
norteia a prática.
Portanto, raciocínio clínico é justamente a sistematização de um processo intelectual
cujo objetivo é o encontro da solução clínica adequada ao paciente. Isso será abordado
mais de perto, para se entender como os médicos mais experientes pensam.

Raciocínio Clínico, Como os Médicos Pensam?


Muito treinados, médicos experientes são realmente capazes de integrar várias
informações e rapidamente pensar no que têm de fazer. Tanto é assim que, para eles, de
forma imperceptível, tão logo a consulta começa, o raciocínio ocorre de forma muito natural,
inclusive chegam a achar que tudo é bastante óbvio, não percebendo sequer a
complexidade que o seu pensamento desenvolve. É essa obviedade professoral que, aos
olhos do aluno pode parecer se tratar de um dom inatingível, quer se descortinar. Para tanto,
apresenta-se o passo a passo que teoricamente ocorre na cabeça dos médicos, quando
raciocinam sobre os problemas clínico de seus pacientes.

Seleção de Dados Elementares


O primeiro passo é a seleção de dados elementares. Dentre a série de informações
dispersas na consulta, até então destituídas de significado clínico apreciável, o médico
experiente consegue discriminar aquelas dotadas de significância. Isso é o que chamamos
de dados elementares: qualquer informação que, por sua significância relevante e
discriminatória, serve de base para a resolução de problemas. Essa primeira parte é
importante, porque existem vários ruídos na comunicação com o paciente, que naturalmente
ao procurar a assistência médica motivado pelo incômodo dos sintomas, queixa-se
realmente através da expressão de sua própria linguagem, veículo de sua cultura e da sua
experiência de doença.
Nesse ponto é importante comentar que, ao contrário do que se pode pensar, esses
ruídos não são descartáveis. Escutá-los ativamente faz parte da construção de vínculo com
o paciente, que favorecerá inclusive a obtenção da informação, sem a qual o profissional
não teria acesso para fazer seu diagnóstico. Mas o que se quer dizer é que, do ponto de
vista de raciocínio, selecionar dados elementares é importante, porque eles serão o pivô
sobre o qual se assentarão as hipóteses.

Transdução Semiótica
Uma vez selecionados esses dados, sejam eles os sintomas da queixa, os sinais
examinados ou os resultados dos exames solicitados, eles serão, então, transduzidos em
qualificadores semânticos próprios da terminologia médica. Por exemplo, veja o caso do Sr.
João ao relatar a “fisgada” que sente na perna sempre que pressente que uma chuva que
está por vir. O profissional de saúde capta a informação e encontra para ela correlatos na
linguagem médica (Figura 2). Para esse caso, por exemplo, poderia entender o médico que
se trata de uma ciatalgia agravada pelo hábito de apanhar apressadamente, e de maneira
nada ergonômica, as roupas do varal, antes que a chuva caia.

Figura 2. Representação esquemática do processo que se passa na cabeça do médico ao relacionar a


queixa do paciente em sua linguagem leiga a um conceito descrito na terminologia médica.

Perceba que essa segunda etapa, denominada de transdução semiótica, não é


simplesmente uma tradução. Mais do que isso: ela atribui valor clínico inteligível, tornando,
representativamente, a queixa do paciente em um problema.

Representação Problemática
Problema é um conceito amplo que se refere àquilo que o examinador encontra de
“errado” em relação à saúde do paciente. Dessa forma, diz respeito a qualquer elemento que
interfira na qualidade de vida do paciente, necessite de investigação adicional ou requeira
uma conduta terapêutica. Deve-se ressaltar que tais elementos sejam, por si, problemáticos;
eles não são, por si, diagnósticos. Ao contrário, cada um deles compõe a lista de problemas,
que é a súmula dos problemas, que, uma vez conjugados, constituem o diagnóstico.
Para se ter noção do poder dessa sequência inicial de passos (identificação de dados
elementares, transdução semiótica e representação problemática), é apresentado o caso
clínico a seguir.

Paciente: Bom dia, doutor. Eu vim até aqui, porque meu joelho direito tem doído muito
desde a noite passada. Eu fui em uma festa ontem e estava tudo bem. Conversei
bastante com meus amigos, dancei e, de quebra, tomei algumas, porque ninguém é de
ferro, não é, doutor? Eu fiquei pensando se eu não exagerei na dança. Porque beber
umas doses é algo que eu já tenho costume...Agora, o estranho é que há cerca de uns
6 meses eu tive uma dor parecida no mesmo joelho. Eu nem cheguei a te procurar,
doutor, porque eu passei um creme de arnica e melhorou rapidinho e nunca mais
voltou, até agora. Dessa vez eu tentei a mesma coisa, mas achei melhor procurá-lo,
porque estou custando a andar. Vai que é uma coisa mais séria. Eu acho que pode ser
artrose, minha mãe tem isso. (sic)

Como um profissional experiente relataria esse caso?

Clínico experiente: Paciente do sexo masculino, 54 anos de idade, apresenta gonartrite


aguda, de início súbito, duração contínua e forte intensidade. O Qqadro é reincidente,
embora assintomático no período intercrítico. Está afebril e nega trauma.

E então, nota-se alguma diferença? Muito provavelmente são notáveis algumas


diferenças. Em primeira instância, essa diferença consiste na capacidade do médico
experiente em transformar, de forma objetiva e elaborada, a história do paciente em um
problema clinicamente significativo. É possível que o médico iniciante tenha seguido por
esse caminho, tentando recontar a história do paciente de maneira mais médica, digamos;
mas o modo como o clínico experiente faz isso é significativamente mais objetivo e
elaborado, não é verdade? Isso ocorre, porque ele identificou os dados elementares e os
traduziu em linguagem médica, obtendo uma representação do(s) problema(s) do paciente.

Associação de Scripts Mentais


Com alguns conceitos já em mente, a próxima etapa do processo de raciocínio clínico é o
reconhecimento padrão. Ainda tomando como base o caso do exemplo, a representação da
queixa como o problema gonartrite aguda estimula imediatamente o clínico experiente a
rememorar seus conhecimentos relacionados, os quais, por sua vez, estão armazenados na
sua memória na forma de protótipos mentais de doença e adoecimento (os scripts), uma
maneira inteligente de representação que facilita a rememoração (Figura 3).
Construídos com base no binômio teoria-prática, os scripts de doença/adoecimento são
ricos em informação clinicamente relevante, estudados em livros e reconhecidos na
exposição repetida aos pacientes. Seu conteúdo congrega o modelo conceitual de
determinada entidade nosológica, com características clínicas determinantes e
discriminatórias.

Figura 3. Scripts mentais: atendo-se aos detalhes mais importantes, esse construto mental resume-se
aos termos da epidemiologia da doença (Quem contrai?), da evolução da doença (Qual é a história
natural?), da apresentação clínica (Quais são os sinais e sintomas clássicos?) e do mecanismo
fisiopatológico da doença (Como ocorre a patogênese?).

Mas essa composição não é estanque. Ao longo da formação médica (que nunca se
encerra), os scripts vão sofrendo ajustes/modificações contínuas decorrentes da dinâmica
entre teoria e prática. E, nesse ínterim, o modelo vai também absorvendo influências
subjetivas, como a experiência da observação/participação da perspectiva do paciente
(moléstia ou enfermidade), da relação com o adoecer (ideias e crenças, interpretações,
preocupações, impactos na vida, expectativas, sentimentos), além da perspectiva contextual
(família, comunidade, pessoal e social).
Desse modo, a construção do modelo ou protótipo (script) pelo profissional não é (ou não
deve ser) redutível à doença, pois há outras perspectivas subjetivas que o compõem. Tanto é
assim que qualquer script, mesmo que referente a um mesmo assunto, é pessoal, ou seja, é
construído a partir das referências de cada profissional, de cada indivíduo, pois ele é quem
dá o tom, filtra e organiza os dados que vão compor o modelo.

Hipótese-Dedução
Tal representação é tão rapidamente ativada na mente do médico que toma parte
inclusive na aquisição dos dados elementares, sendo a estratégia para elaborar mais
perguntas pertinentes à anamnese, reconhecer mais sinais congruentes ao exame físico e
também solicitar exames apropriados.
É dessa forma, então, que o médico experiente vai testando o(s) protótipo(s) que
automaticamente veem à sua mente. A cada resposta durante a anamnese, a cada manobra
ao exame físico e a cada resultado de exames, o diagnóstico vai se configurando, como
mostra ludicamente a Figura 4.

Figura 4. Esquema lúdico mostrando a “poda” de possibilidades pela hipótese-dedução.

Heurística
Mas, ao contrário do que se pode imaginar, médicos experientes não fazem todas as
perguntas durante a anamnese, não realizam todas as manobras ao exame físico nem
solicitam todos os exames para chegar às suas conclusões diagnósticas. Na verdade, os
médicos começam a pensar em diagnósticos no exato instante em que estão diante de um
paciente e suas ideias sobre o que há de errado continuam a evoluir enquanto examinam.
Assim, a maioria dos médicos chega rapidamente a dois ou três diagnósticos (outros, mais
talentosos, chegam a quatro ou cinco). Mas, de todo modo, todos formulam suas hipóteses
a partir de um conjunto de informações muito incompleto. E, para isso, em princípio, a
heurística é inegavelmente fundamental.
Heurística são regras práticas intuitivas que direcionam o raciocínio para conclusões
padronizadas. Tais regras práticas são processos simplificadores construídos mentalmente
a partir da constatação dedutiva do resultado da experimentação de um fenômeno
repetitivo. Aplicado à medicina, a heurística ocorre pelo diagnóstico imediato ou instantâneo
realizado através do reconhecimento de um conjunto de dados padrão denotador de
determinada doença.
Para se ilustrar tal associação, relate a um médico experiente o seguinte caso e
cronometre o tempo que ele irá gastar para fazer o diagnóstico certeiro:
Paciente do sexo masculino, 59 anos de idade, tabagista, apresenta tosse crônica,
febre e hemoptise. Radiografia de tórax revela cavitação em lobo direito. BAAR positivo
em 2 amostras.

Por que será que isso ocorre? Será que ele processou um volume grande de informações
para chegar a esse resultado?
Ora, pelo contrário. A coisa é muito mais reflexa: a sua experiência clínica acumulada ao
longo de tantos anos de profissão permite-lhe identificar rapidamente esse problema de
saúde que lhe é tão comum com a mesma facilidade com que reconhece uma face familiar.
Você, por outro lado, ainda desconhecido do “velho companheiro” de seu professor,
provavelmente não o reconheceria de pronto e passaria sem cumprimentá-lo, afinal, como
nossos professores costumam dizer, “a gente só cumprimenta quem conhece”. O segredo
está, pois, na familiarização.

Raciocínio Clínico, Como Aprender a Pensar Como


Médico?
Mas, se assim é, como os estudantes ou médicos novatos podem desenvolver a
capacidade diagnóstica, se o repertório de scripts mentais ainda é parco e deficiente? Como
os estudantes podem construir os seus scripts mentais?
A estratégia adotada pela maioria das faculdades é expor os alunos desde cedo a
apresentações de doença, uma a uma. Isso ocorre tanto nas aulas segmentadas por
sistemas, quanto em ambulatórios e enfermarias, divididos por especialidades, situações
nas quais o diagnóstico já está adiantado até mesmo pelo capítulo que se lê ou pela
demanda filtrada dos serviços superespecializados.
Contudo, para os propósitos do aprendizado do raciocínio clínico, isso não é favorável.
Para se compreender melhor o porquê desse problema educacional, observe o seguinte
exemplo: “Mulher negra, 34 anos de idade, com queixa de tontura.”
O que pensar desse caso clínico? Qual a chance de estarmos diante de um sintoma de
isquemia miocárdica? Ou seria o caso de um ataque isquêmico transitório? E quem sabe
não seria o início de um hipotireoidismo?
Ora, imagine agora que, para a resolução desse problema, o profissional tivesse a
oportunidade de se ausentar do consultório pelo tempo necessário para se debruçar sobre
os livros a fim de angariar a informação para resolver o caso – todos gostariam dessa
oportunidade quando lhes surgisse a dúvida. Mesmo que isso fosse possível (o que não é),
com o que o profissional deveria preocupar-se em estudar? Leria a parte sobre sistema
neurológico ou o capítulo de endocrinologia talvez? Mas não se deve esquecer do
desconforto no peito, de modo que talvez fosse interessante ler a parte de sistema
cardiovascular. Mas e se o desconforto no peito for um tromboembolismo pulmonar, a
leitura sobre o sistema respiratório não seria útil?!

Abordagem Sindrômica
Nesse momento, fica claro que a forma como se costuma estudar, que é a maneira com
que os livros costumam ser organizados, em capítulos de doença a doença, situação a
situação, só tem mais utilidade quando o diagnóstico já foi confirmado. Isso realmente
costuma acontecer nos ambulatórios de especialidade, onde as demandas já vêm bastante
filtradas, ou mesmo nas provas avaliativas em que apenas “cai” aquele seleto conteúdo. O
problema é que apenas vivenciando essas situações de leitura “horizontal”, o raciocínio é
pouco exercitado e, considerando estudantes, sobretudo em fase inicial, isso não é bom
para o seu desenvolvimento. Principalmente porque a vida real não tem conteúdo
selecionado e mesmo os ambulatórios de superespecialidades são ambientes muitos
propícios aos vieses cognitivos (como será abordado em módulo específico sobre esse
tema), coisa que também não é favorável ao desenvolvimento do raciocínio clínico.
Além do que, você imagina quantas doenças são descritas na literatura médica? São
muitas! Veja na Figura 5 como tem ocorrido a evolução do Código Internacional de Doenças,
para se ter uma ideia desse volume.

Figura 5. Evolução da catalogação das doenças. (Fonte: Laurenti, 1991.)

Por outro lado, você sabia que são descritas apenas cerca de 200 formas com que as
doenças apresentam-se e manifestam-se, isto é, cerca de 200 síndromes clínicas? Com
menos apresentações clínicas do que doenças de base para causá-las, isso só pode
significar uma coisa: uma síndrome pode ser explicada por múltiplas patologias.
E isso leva a outra conclusão: estudar de forma vertical, ou seja, através de uma
abordagem sindrômica, é a solução mais realista. E é essa sugestão para se construírem os
scripts mentais de doença. Pouco a pouco, tome as apresentações clínicas com que você se
depara e uma a uma faça com elas uma leitura vertical, uma abordagem sindrômica,
comparando cada possibilidade diagnóstica sobre a árvore sindrômica em termos de
mecanismo fisiopatológico, de epidemiologia, de sintomas, de sinais, de complicações, de
testes diagnósticos e de terapias. É evidente que esse exercício será muito mais útil e
prático do que simplesmente ler um capítulo sobre determinada doença (Figura 6).
Figura 6. Quadro de leitura vertical para construção de scripts mentais de forma comparativa.

Diferenciação Diagnóstica:
Ainda é possível que falte repertório ao clínico iniciante. Para lidar com essa escassez de
opções diagnósticas, deve-se lembrar dos mnemônicos etiopatogênicos! Um mnemônico
famoso é o VINDICATE, que estabelece que, em geral, para cada apresentação clínica existe
pelo menos 1 patologia capaz de explicá-la em cada uma das seguintes etiopatogenias: V
de vascular, I de inflamatória, N de neoplásica, D de degenerativa, I de intoxicativa, C de
congênita, A de autoimune, T de traumática e E de endócrina. Deve-se testar isso, por
exemplo, quando o paciente apresentar dor no peito, preenchendo-se o quadro acima. Pode-
se encontrar uma causa vascular em virtude de um infarto agudo do miocárdio, uma causa
neoplásica devido a um mixoma atrial, uma causa degenerativa em razão de uma
degeneração vascular, uma causa inflamatória por miocardite, uma causa autoimune devido
ao lúpus, uma causa traumática em virtude de trauma torácico e uma causa endócrina
devido à tireotoxicose.
Ainda assim as possibilidades expressas no VINDICATE não são todas. Como explicado,
debaixo do “guarda-chuva de uma apresentação sindrômica”, existem muitas possibilidades
diagnósticas, e é por isso que se sugere um outro mnemônico, que é considerado mais
completo que o VINDICATE. Ele denomina-se INVESTIGANDO MAIS e tem as seguintes
relações, como mostra a Figura 7:

Figura 7. Mnemônico INVESTIGANDO MAIS


Autoprescrição Educacional
Outra forma de enriquecer e desenvolver o repertório de scripts é planejar o processo de
aprendizagem. Ao final de cada dia de prática, deve-se refletir sobre ela, tentando elencar os
aspectos positivos e negativos, as dificuldades e as incertezas de sua própria evolução,
estimulando o surgimento de necessidades de aprendizagem. Uma necessidade se
estabelece, quando há discrepância entre o que se faz e o que deve ser feito. A identificação
de necessidades é crucial em nosso processo de desenvolvimento profissional. Todavia,
nem sempre se consegue identificá-las, sendo frequente o desencontro entre uma
necessidade real e uma necessidade percebida. Às vezes é necessário que ocorra um
incidente crítico, um erro, para haver mobilização. Existem formas menos traumáticas (tanto
para si quanto para o paciente) de aprender: autopercepção; feedback de colegas, feedback
de pacientes, vídeos de consultas etc. Nesse sentido, sugere-se o que se intitula
autoprescrição educacional ou plano de desenvolvimento pessoal. Na Tabela 1 apresenta-se
um pequeno roteiro de como fazer plano de desenvolvimento profissional autodirigido com
base nas dúvidas que surgem. Com ele, é possível identificar o porquê da necessidade, a
importância desse estudo, priorizar o que é mais relevante sobre o assunto, estipular um
objetivo de aprendizado a ser alcançado, elencar opções para cumprir esse aprendizado,
colocando-se meta de tempo e forma de, posteriormente, avaliar o que foi aprendido.

Tabela 1. Plano de desenvolvimento pessoal.

Necessidade Melhorar o exame do coração.

Importância Vários pacientes com alterações que eu não identifiquei.

Tópico Sopros sistólicos (SS).

Ser capaz de distinguir sopro inocente ou funcional de sopros


patológicos;
Objetivo
ser capaz de identificar a origem anatômica do SS (válvula,
septo).

Fitas de áudio; filmes áudio-visuais. Buscar estes recursos


com colegas e professores. Ler e resumir um bom texto,
Metodologia de aprendizado estruturando os itens ou causas.
Ouvir uma fita (filme) dos itens ou causas definidos pelo
estudo feito.

Cronograma 2 semanas, sendo a 1ª para reunir os recursos instrucionais.

Observar nos próximos atendimentos se houve melhora da


Metodologia de avaliação
performance, comparado com professores e colegas.

Raciocínio Clínico: Princípios Aplicados à Prática


Nesse momento, já se discutiu como se pode melhorar o desenvolvimento do repertório
clínico, é preciso colocá-lo em prática no processo de reconhecimento padrão, que compara
o script mental com a apresentação clínica do paciente. Como esclarecido, para médicos
experientes, esse processo acontece através da heurística, em que atalhos mentais são
acionados, associando-se rapidamente (Figura 8).
Figura 8. Esquema para representação da teoria do processamento dual, aplicada ao raciocínio clínico.

No entanto, para estudantes e médicos novatos, esse reconhecimento não acontece


imediatamente. Como demonstra a Figura 9, comparando-se o pensamento de um novato e
de um expert, existe o seguinte paradoxo: apesar de coletarem mais dados, principiantes
tem menor acurácia diagnóstica.

Figura 9. Comparação entre o processo de resolução de problemas clínicos entre médicos experientes
e aprendizes.
Isso ocorre, porque não basta ter repertório, é preciso saber como utilizá-los. A utilização
mecânica, aleatória ou exaustiva não é produtiva. Por isso, dentre as estratégias possíveis,
como raciocínio fisiopatológico, exaustão, arborização, sugere-se guiar o raciocínio segundo
probabilidades, valendo-se de alguns princípios bastante lógicos.
O primeiro deles é o princípio da verificação emergencista. Esse princípio estabelece que
antes de tudo deve-se excluir aquilo que é grave. Naturalmente, é um princípio que
acompanha muito quem trabalha em serviços de urgência e emergência, mas mesmo quem
não trabalha deve ter essa noção, pois urgência e emergência não têm hora nem lugar para
acontecer. Mesmo em um centro de saúde, onde mais comumente atende-se a pacientes
crônicos ou com agudizações leves, é possível que surja algum paciente com uma
emergência. E diante disso não é aceitável que se fique investigando e confabulando
diagnósticos. Pelo contrário, é preciso que seja identificada rapidamente a gravidade e eu se
faça algo para contê-la. Mas para isso, é necessário pensar nessa hipótese sempre primeiro,
mesmo que seja para excluí-la. Muitas vezes essa exclusão parecerá óbvia até mesmo pela
inspeção. De todo modo, não se deve deixar de pensar primeiramente nas hipóteses que
configuram uma emergência, a partir da identificação dos seguintes sinais sugestivos
(Figura 10)

Figura 10. Sinais sugestivos de condições e situações de urgência e emergência (ECG: Escala de
Coma de Glasgow; TEC: Tempo de enchimento capilar; PAS: Pressão Arterial Sistêmica; FC:
frequência cardíaca; FR: frequência respiratória; SatO2: saturação de oxigênio).

Ausência de pulso
Parada cardiorrespiratória
Ausência de movimento ventilatório
Queda de mais de 2 pontos no ECG
Rebaixamento agudo da consciência ECG < 8 pontos

TEC > 3 Ssegundos


PAS < 90 mmHg
Alterações importantes dos dados
FC > 130 bpm ou FC < 40bpm
vitais
Sao2 < 90%
FR > 36 ou FR < 8irpm

Precordialgia típica
Febre com suspeita de neutropenia
Achados potencialmente
Suspeita de obstrução de vias aéreas
emergenciais
Alterações neurológicas agudas e focias
Enterorragia volumosa

Um segundo princípio diz respeito à parcimônia. É um princípio científico e filosófico que


propõe que, entre hipóteses formuladas sobre as mesmas evidências, é mais racional
acreditar que a simples seja mais provável. Ou seja: diante de várias explicações para um
problema, a solução mais simples tende a ser a mais correta. É o que o se chama de navalha
de Ocam, em homenagem ao filósofo William de Occam. A ideia da “navalha” ou “lâmina” é
uma metáfora que estabelece que, com o uso da parcimônia, a hipótese mais complicada é
“cortada”.
O terceiro princípio é a unicidade diagnóstica. Esse princípio relaciona-se com a
conclusão prévia de que é muito mais provável que apenas um diagnóstico explique toda a
apresentação clínica do paciente do que vários diagnósticos simultâneos explicando partes
da apresentação. Ou seja, há maior probabilidade de que um paciente com a apresentação
de diarreia sanguinolenta, olho vermelho e dor articular tenha uma doença inflamatória
intestinal do que um conjunto de disenteria, conjuntivite e artrite reumatoide ao mesmo
tempo, por exemplo.
O último princípio é a incerteza. Esse princípio estabelece que a única certeza em termos
diagnóstico é justamente a incerteza. Muito embora os dados advindos sobretudo de
exames complementares possam direcionar para uma certeza, uma conclusão nesse
sentido é, na verdade, muito precipitada. Isso porque, em grande parte das vezes, a
conclusão diagnóstica não pode ser determinística. Pelo contrário, factualmente, a certeza é
um nível inatingível em termos diagnósticos, principalmente em termos prognósticos, em
que se tenta, de certa forma, prever o futuro. Tal situação incerta ocorre, porque as
informações angariadas, seja através da história clínica, do exame físico ou mesmo dos
exames complementares, são, por vezes, pouco objetivas: vagas, incompletas,
fragmentadas, confusas ou mesmo ambíguas. Isso ocorre não por outro motivo: o próprio
conhecimento médico disponível carrega, em si, uma incompletude, salientada, inclusive,
pela grande variabilidade biológica e pelo subjetivismo da natureza psicológica humana,
ambos denotadores da complexidade com que se trabalha. Dessa forma, por mais
experiente que seja o profissional, a dúvida é uma constante na sua profissão. A adição de
qualquer informação apenas afasta ou aproxima essa possibilidade. Se percorrido
corretamente cada passo da anamnese, do exame físico e dos exames complementares,
adiciona-se evidencia à hipótese, de modo que, como demonstra a Figura 11,
sequencialmente as “coisas vão clareando” à luz da ciência.

Figura 11. Esquematização do processo de raciocínio com base em probabilidades.

Portanto, com base nesses princípios, pode-se concluir que a impressão diagnóstica
deve sempre: primeiro, afastar as hipóteses de urgência e emergência, que demandam
medidas imediatas; segundo, considerar as hipóteses mais prováveis segundo a
epidemiologia clínica, considerando o princípio da parcimônia; terceiro, aplicar, quando
cabível, a ideia da unicidade diagnóstica, em que é mais provável que o quadro apresentado
pelo paciente seja satisfatoriamente explicado por apenas um diagnóstico (unitário), em vez
de vários diagnósticos explicando partes dos dados; quarto e último, tentar elencar sempre
mais do que uma hipótese, tendo pelo menos 3 hipóteses de trabalho, que são aquelas
eleitas como possíveis e para quais a investigação adicional será dirigida para eleger, dentre
elas, a mais provável. Tenha esses princípios sempre em mente.

Raciocínio Clínico: o Aprendizado Reflexivo na


Prática
Depois de toda essa abordagem, é ou não é de se espantar que muitas escolas em saúde
tenham dispensado tão pouca atenção ao aprendizado do raciocínio clínico
especificamente? Agindo como se as habilidades cognitivas específicas desse processo
não pudessem ser explicitamente ensinadas, esses centros de formação têm insistido que a
simples absorção de informações teóricas, associada à observação da conduta dos
professores perante os pacientes, é suficiente para internalizar no estudante o jeito próprio
de pensar do profissional da saúde.
Como estudantes-alvo desse ensino (que somos ou fomos), sabe-se que não é assim.
Quantas vezes não nos vemos absorvendo uma avalanche de conteúdo teórico destituída de
relação com os problemas práticos apresentados pelos pacientes? E quantas vezes mais,
sem raciocinar, não realizamos perguntas ao paciente na anamnese ou manobras ao exame
físico sem bem saber o que objetivamos com isso?
De todo modo, o que se quer demonstrar é que o ensino explícito da maneira de bem
raciocinar pode em muito contribuir para otimizar a formação do profissional, melhorando o
seu desempenho diagnóstico, estimulando seu autoaprendizado, conferindo-lhe autonomia
para entender por que chegou a determinada conclusão diagnóstica, e, sobretudo,
enchendo-lhe de prazer no exercício exitoso da sua prática.
Nesse sentido, deve-se ler esta obra, tentando-se aplicar aos casos de cada capítulo os
conhecimentos e princípios adquiridos, sempre refletindo sobre sua prática e baseando-se
nos casos com que se depara. Como pode-se observar na Figura 12, o desempenho
diagnóstico evolui, naturalmente, ao longo dos anos de experiência do médico. No entanto,
segundo os estudos de Choudhry et al. (2005), a prática não melhora a performance
automaticamente, por si. Para continuar a se desenvolver e evitar que seu “desenvolvimento”
seja bloqueado/aprisionado, uma das respostas é o desenvolvimento da prática reflexiva,
denominada metacognição. Não basta “experienciar”, é necessário enriquecer a experiência
com reflexão.

Figura 12. Relação entre desempenho e experiência de acordo com os estudos de Choudhry et al.
(2005).
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Capítulo 2

Método Clínico Centrado na Pessoa


Autor(a): Fernanda Filetti Ferreira
Coautor(a)/revisor(a): Jovana Gobbi Marchesi Ciríaco

APRESENTAÇÃO CLÍNICA 1
Paciente, 6 meses, masculino, nascido e residente na cidade de Vitória (ES). Por volta de
03h30 da manhã, é trazido por sua mãe ao pronto atendimento municipal. A mulher, uma
jovem de 24 anos, visivelmente abalada e cansada, alegava que seu filho apresentara um
pico febril de instalação súbita nas últimas duas horas, registrando 39ºC em aferição
domiciliar.
Ao exame físico, o bebê estava tranquilo e apresentava bom estado geral, sem nenhuma
alteração ao exame físico. A aferição da temperatura no consultório media 37ºC. A
caderneta vacinal fora esquecida em casa, embora a mãe alegasse ter dado todas as doses
pertinentes para a idade do seu filho.
A mulher apresentava baixa escolaridade e aparentava viver em frágeis condições
socioeconômicas, sendo residente de um bairro de periferia. Sem carteira de motorista e
considerando que os ônibus da região não estavam funcionando de madrugada, ela foi a pé,
mesmo sabendo que a distância era grande (3 quilômetros) e que as zonas pelas quais
passaria eram perigosas, afinal, a condição do filho era muito preocupante. Estava
completamente suada pela longa caminhada e, embora numa noite era relativamente
quente, estava vestida com uma blusa de frio de gola alta, que contrastava com o uso de
uma bermuda até o meio da coxa e um par de chinelos.
Quando questionada sobre o pai do bebê, alegou que ele ficara em casa, pois trabalhava
cedo no dia seguinte. Após este ponto da consulta, foi difícil prender sua atenção no exame
da criança. Desatenta, respondia apenas o que lhe era perguntado após breves períodos
calada, como se estivesse analisando cada palavra que iria proferir.

APRESENTAÇÃO CLÍNICA 2
No ambulatório de neurologia, você recebe um prontuário volumoso pertencente a sua
próxima paciente. Nele constam informações de numerosas internações relacionadas a
uma mastectomia há 7 anos atrás, por ocasião de um câncer de mama.
Na consulta, comparece uma senhora de 61 anos desacompanhada. Ela apresenta bom
estado geral, é animada, sorridente, falante e muito cooperativa, apesar da dificuldade
auditiva na orelha esquerda. Informa como queixa principal “estar ficando muito esquecida
para fatos recentes”.
Ao prosseguir com a anamnese, ela mostra documentos referentes a uma recente
cirurgia para retirada de câncer no conduto auditivo, acompanhados de um laudo
anatomopatológico da biópsia excisional intraoperatória. O exame revela que as bordas da
amostra estavam prejudicadas, fomentando a potencial necessidade de uma segunda
cirurgia. A paciente ainda não havia sido alarmada desta situação, já que tinha buscado o
resultado do exame recentemente, em virtude do retorno ao cirurgião marcado para daqui a
três dias.
Ao ser questionada sobre o tratamento, refere estar realizando radioterapia e faz grande
menção aos medicamentos que vem adquirindo na pastoral, como “Sangue de Dragão”,
suplementações e outros fitoterápicos. A eles atribui veementemente a função de “expelir o
câncer do corpo”, testemunhando que junto a fé, eles foram o pilar de sua cura. Quando
interrogada acerca de sua religião, disse ser muito dedicada às atividades da igreja Católica.
A fala empoderada, depois de uma pausa tímida, subitamente desmanchou-se. Aos
poucos, as lágrimas apareceram acompanhadas de uma reflexão: relata que grande parte da
sua entrega aos compromissos com a igreja eram uma forma de compensar o desinteresse
da família para com ela, uma forma de minimizar sua sensação de solidão. Segundo ela,
seus filhos, quando a visitavam, o faziam por obrigação, sem carinho.
Seu exame físico era normal, à exceção da hipoacusia na orelha afetada pelo câncer. O
Mini Exame do Estado Mental (MEEM) obteve pontuação máxima, com paciente vigil e bem
orientada em tempo e espaço.

APRESENTAÇÃO CLÍNICA 3
Paciente do sexo masculino, 25 anos de idade, estudante de medicina do 6º ano,
preparando-se para as provas de residência, é admitido no pronto socorro do queixando-se
de dor torácica e dispneia. Olhando para a porta, o médico prontamente se depara com um
jovem com visível sobrepeso e com profundas olheiras. Como queixa principal, ele cita dor
no peito constante, às vezes mesclada com sensação de pontadas, que piora com a
ansiedade, por vezes é acompanhada de taquicardia.
Sua alimentação é quase integralmente composta de fast-foods e comidas de delivery. O
sono não é reparador e por vezes ele diz acordar mais cedo do que gostaria, além de ser
francamente sedentário. Nega uso de tabaco, álcool ou drogas ilícitas. Mora sozinho, longe
da família, que é do interior. Muitos eram os parentes obesos e/ou diabéticos do tipo 2.
Também ressaltou um importante histórico familiar de infarto agudo do miocárdio (IAM),
causa da morte de dois tios (aos 50 e aos 64 anos de idade) e seu avô (aos 53 anos de
idade).
Ao exame físico: frequência cardíaca (FC) - 88 bpm, ritmo regular; frequência respiratória
(FR) - 19 ipm; PA - 160x100mmhg; Glicemia Capilar (GC) - 92 sem jejum. Bulhas rítmicas,
normofonéticas em 2 tempos, sem sopros. Murmúrios vesiculares bem distribuídos, sem
ruídos adventícios.
O médico prontamente relaciona a dor torácica a ansiedade, mas por desencargo de
consciência, diante do seu futuro colega de profissão, solicita um eletrocardiograma e um
teste ergométrico. O resultado de ambos é normal.

QUESTÕES PARA DISCUSSÃO


1. De maneira simples, o que diferencia um “modelo” de um “método”? O que esse
conceito sinaliza dentro da proposta do Método Clínico Centrado na Pessoa
(MCCP)?
2. Qual é o propósito do MCCP? Qual é o significado prático de ser “Centrado na
Pessoa”?
3. O MCCP é um protocolo? Como aplicá-lo?
4. Quais são os pilares do MCCP e como incorporar cada um deles na prática
médica?
5. O MCCP é uma alternativa a Medicina Baseada em Evidências (MBE)?
6. Diante das apresentações clínicas citadas acima, qual seria uma forma
conveniente de abordar o paciente segundo o MCCP? A quais pilares do método
o médico deveria estar mais atento em cada um dos casos?

DISCUSSÃO
Introdução
Enquanto os modelos são fundamentações teóricas e ideais, os métodos são, por
definição, destinados à aplicação prática de uma matriz de conceitos. Adentrando com essa
constatação pelas portas do nosso amplo sistema de saúde: seria possível encontrar um
método que suprisse integralmente a abordagem de todos os pacientes, objetivando a cura?
Será que todos os pacientes, de fato, a encontram? Aliás, será que eles ao menos esperam
isso?
A prática clínica prontamente desmistifica as esperanças das panaceias. Diante de uma
medicina que é pautada em sólida ciência, avanços científicos e em uma generosa dose de
arte e compaixão, propomo-nos a discutir um dos métodos de prática clínica em emergência
nos últimos 30 anos. Denominado “Método Clínico Centrado na Pessoa” (MCCP), ele possui
por fundamentação a alteridade do médico em compreender a realidade de seu paciente e
suas expectativas, buscando estabelecer uma terapêutica de aplicabilidade realista com
responsabilidades compartilhadas.
Seguindo a nobre proposta deste livro em aguçar seu raciocínio com o que há de mais
nobre na medicina - o paciente - selecionamos acima algumas apresentações clínicas de
casos marcantes na trajetória das autoras. Pontos chave foram modificados com a intenção
de preservar a identidade dos pacientes, sem prejuízo à essência da discussão. Assim, nos
afirmando sobre a máxima de que “as doenças podem ser iguais, mas os doentes sempre
serão diferentes”, gostaríamos de aquecer nossa discussão acerca do valor prático do
MCCP.

O propósito do Método Clínico Centrado na Pessoa


Por séculos, construiu-se uma prática médica tradicionalíssima e de grande valia: ela
privilegia uma anamnese bem feita, um bom exame físico e, mais atualmente, conta com
ampla oferta de exames complementares, nos permitindo explorar aspectos mais
“refinados” da fisiopatologia e dos diagnósticos diferenciais. Além disso, um amplo espectro
de intervenções terapêuticas foi conquistado com o avançar científico, oferecendo um
arsenal de procedimentos cada vez mais precisos. Com tantos avanços, o que o “Método
Clínico Centrado na Pessoa” tem de inovador a oferecer?
Sucintamente, o MCCP objetiva orientar a prática médica de modo a proporcionar
melhores resultados terapêuticos e prognósticos por meio de um atendimento tão integral
quanto possível, valorizando a natureza biopsicossocial do paciente. Com esse olhar, ele
busca que os avanços da medicina sejam revertidos em um tratamento plausível e
executável para a pessoa, explorando suas intenções ao buscar o médico e a
contextualizando social, econômica e geograficamente. Além disso, compreende que, na
relação médico paciente, a atenção do examinador deve transcender a sede pelo
diagnóstico e pela cura, se disponibilizando também para as situações em que o mais
terapêutico que se pode fazer é uma escuta atenciosa.
É um método e, portanto, é voltado para a prática. Por ser centrado na pessoa (e não em
uma teoria fixa), tem como valor primordial o triunfo da flexibilidade sobre a rigidez dos
protocolos, buscando para além da sua estrutura central, uma aplicabilidade adaptável às
diferentes necessidades de pacientes e médicos. Após evocados esses propósitos,
destrinchamos, no próximo item, os principais pilares do MCCP, através dos quais ele
cumpre globalmente a sua abordagem.

Pilares do Método Clínico Centrado na Pessoa


Tabela 1: Os quatro componentes interativos do Método Clínico Centrado da Pessoa

1. Explorando a Saúde, a Doença e a Experiência da Doença

Percepções e experiência da saúde, pessoais e únicas (significados e aspirações)

Histórico, exame físico, exames complementares

Dimensões da experiência da doença (sentimentos, ideias, efeitos no funcionamento e


expectativas)

2. Entendendo a Pessoa como um Todo

A pessoa (ex: história de vida, questões pessoais e de desenvolvimento)

O contexto próximo (ex: família, trabalho, apoio social)

O contexto amplo (ex: cultura, comunidade, ecossistema)


3. Elaborando um Plano Conjunto de Manejo dos Problemas

Problemas e prioridades

Metas do tratamento e/ou manejo

Papeis da pessoa e do médico

4. Intensificando a Relação entre a Pessoa e o Médico

Compaixão e empatia

Poder

Cura e esperança

Autoconhecimento e sabedoria prática

Transferência e contratransferência

1. Explorando a Saúde, a Doença e a Experiência da


Doença
O modelo biomédico, influente na conduta médica tradicional, possui como foco principal
o diagnóstico. Tal finalidade faz da consulta um momento de investigação da patologia e de
sua sede, buscando o delineamento da doença através de uma dedicada anamnese, de um
rigoroso exame físico e de uma boa seleção de exames complementares. Embora
essenciais e de valor inquestionável, essas condutas não bastam num atendimento
centrado na pessoa, por razões óbvias: o paciente não se limita à sua doença, se é que ele
porta doença alguma. Nesse sentido, a busca incessante pelo diagnóstico enviesa rótulos
de patologias nem sempre presentes, situação que amplia a face dos malefícios da
iatrogenia e simplifica o paciente à doença. Para exemplificar o impacto desse
comportamento para a pessoa, selecionamos o relato de Anatole Broyard, professor de
redação ficcional nas Universidades de Columbia e Nova York, editor, crítico literário e
ensaísta no jornal New York Times e que, infelizmente, faleceu por um câncer de próstata
em outubro de 1990.

“Eu não exigiria muito tempo do meu médico. Só queria que ele considerasse a minha
situação por talvez 5 minutos e que me desse toda sua atenção pelo menos uma vez,
se sentisse ligado a mim por um breve momento, estudasse minha alma tanto quanto
a minha carne para chegar a minha experiência da doença, pois cada homem fica
doente à sua própria maneira... Assim como ele pede exames de sangue e radiografias
dos ossos para o meu corpo, queria que meu médico me examinasse para encontrar
minha alma tanto quanto a minha próstata. Sem um pouco desse reconhecimento, não
sou nada mais do que minha doença. (Broyard, 1992, p. 44-5)”

Neste primeiro ponto do MCCP, o foco é esclarecer que, ao protagonizar o paciente, a


doença por si é só um dos aspectos que motivam a ida ao médico. Há ainda de se explorar
as aspirações que dão significado ao seu status de saúde e a sua experiência da doença.
Essa necessidade advém do fato de que nem todo paciente que busca ajuda está doente,
mesmo que se sinta assim. O oposto também é verdadeiro: há quem não se sinta doente
enquanto está, seja porque o diagnóstico não aflige seu conceito de saúde, seja porque a
doença ainda não apresenta sintomas. A complexidade da relação entre a saúde, doença e a
experiência da doença é simplificada no diagrama a seguir e brevemente discutida nos
próximos pontos deste primeiro item.

Figura 1. Sobreposições de saúde, doença e experiência da doença.

Fonte: STEWART, Moira. Medicina Centrada na Pessoa transformando o método clínico. 3


Ed. Porto Alegre: Artmed, 2017.

O delineamento da doença através de seus sinais sintomas é objetivo de todo este livro e,
portanto, não será detalhado aqui. Será reservado a este tópico o esclarecimento da
importância de explorar as dimensões da experiência da doença e da saúde.

Experiência da Doença e suas Dimensões


A ida ao médico é, a princípio, resultado de algum incômodo acerca da própria saúde.
Muito embora esse encontro seja motivado pelo interesse comum no diagnóstico, o médico
deve considerar que ele pode não existir ou não ser adequadamente justificado por uma
síndrome e seus diagnósticos diferenciais. Considerando a potencial incompatibilidade
entre a existência da doença - o que a medicina espera - e o que o que é vivenciado pelo
paciente - encontrado por ele dentro de seu olhar leigo - é aconselhada pelo MCCP a
exploração das dimensões da experiência da doença. Essa abordagem é simplificada pelo
acrônimo “SIFE”, ilustrado a seguir.

Tabela 2. Abordagem da experiência da doença (SIFE): o acrônimo, seu significado e algumas das
perguntas pertinentes.

Letra Significado

S Sentimentos: Como o paciente se sente diante da doença?

Ideias: O que ele acha que esta doença pode provocar? Ela é consequência de algo?
I
O que pode ter a causado?

Funcionamento: Essa doença pode prejudicar o cotidiano do paciente? Ela o torna


F
incapacitado em algum sentido?

Expectativas: O que será que irá acontecer com o paciente? Será que o médico terá
E
de pedir algum exame muito caro?

S = Sentimentos
Ao explorar a experiência da doença, devem ser questionados os sentimentos do
paciente acerca do diagnóstico que ele potencialmente carrega. Existem pacientes que
ficam tristes, com raiva e outros que ainda se sintam traídos pelo próprio corpo, que
subitamente o tirou da condição de saúde para uma debilitada. Também existem aqueles
que na doença veem a oportunidade de receber o cuidado e atenção que foram negados
enquanto no status de saúde, para os quais a doença é, no fundo, um alívio. Outro exemplo é
o dos pacientes que encontram na experiência da doença a consciência da finitude e,
introspectivamente, chegam ao caminho de valorização da vida, trazendo, para além da dor,
o sentimento de liberdade.
Existem muitos outros sentimentos acerca da doença, os quais variam sem a
preocupação de se encaixar em categorias fixas, afinal, partem de aspectos singulares dos
indivíduos que os deflagram. Eles devem ser explorados pelo médico, a fim de minimizar
medos e angústias desnecessárias ao paciente e à família.

• Como você se sente a respeito da doença?


• Percebo que está com bastante raiva. Ela se relaciona ao seu diagnóstico?
• Algo em especial te preocupa em relação a esta doença?
• Você vem extraindo algum valor desta experiência tão difícil?
I = Ideias
É nesse aspecto que exploramos o “porquê” da doença, segundo as teorias do paciente.
Elas podem variar desde algo objetivo e adequado, como: “Sinto esta dor no antebraço
porque me queimei com uma panela quente”, até suposições objetivas e inadequadas como:
“Venho sentindo dores de cabeça (aos 46 anos) e acho que elas acontecem em
consequência a um episódio na infância, quando cai da cama e tive que tomar alguns
pontos na testa”. Outras ideias que podem ser exploradas são aquelas de natureza mais
subjetiva, como quando o paciente encara a doença como punição divina, uma oportunidade
de tornar-se dependente ou até mesmo como um fim irreparável ao qual não se pode
escapar.
Este ponto oportuniza o esclarecimento de dúvidas quanto a etiologia e patogênese da
potencial doença, conscientizando a pessoa de cenários mais realistas e a integrando como
parceira ativa na compreensão da entidade nosológica.

• O que você acha que causou sua doença?


• Existe algum problema que, na sua teoria, pode ter prejudicado sua saúde?
F = Funcionamento
Ao adoecer, algumas das principais preocupações do paciente centram-se em potenciais
debilitações futuras, as quais podem comprometer significativamente sua qualidade de vida.
Portanto, é primordial o interesse em elencar as atividades de valor para o paciente, o
auxiliando nas suas dúvidas quanto ao impacto da doença na sua rotina e o ajudando a
encontrar soluções para superar os déficits existentes.

• Você teme que a sua doença vá te atrapalhar em alguma área da sua vida?
• Existe algo que você deixou de fazer por estar doente?
• O adoecimento te afastou de algo que tem valor especial para você?
E = Expectativas
Grande parte dos pacientes possui esperanças ou desejos pré-definidos quanto a um
processo e desfecho específicos. Cabe ao médico identificar expectativas as quais suas
condutas estão subordinadas, pois elas muito têm a contribuir na visualização da
experiência da doença e na cooperatividade durante o tratamento.
Alguns pacientes são bastante precipitados em expor seus desejos, como no caso
clássico da mãe ao pediatra: “Doutor, eu gostaria que você pedisse um raio-X e um
antibiótico para o um filho, que está tossindo muito”. Outros raramente irão expor seus
pensamentos ao médico sem um explícito convite, porque não sentem autoridade ou
liberdade para tal. No entanto, essas mesmas pessoas também serão rebeldes ao
tratamento que vai contra suas expectativas, por julgá-lo erroneamente sob o olhar de sua
ignorância.
Normalmente, a mãe do cenário ilustrado na citação acima não chega pedindo o exame e
o tratamento desse jeito, mas pode ter certeza, ela estava pelo menos esperando por esse
desfecho. Sem consegui-lo, ela subestima o diagnóstico de “virose” como fruto de uma
consulta rápida, feita por mais um médico apressado. Depois de ter suas expectativas
quebradas, ela ignora o tratamento proposto, automedicando o filho com antibióticos que
pegou emprestados da comadre. Esse é só um exemplo dos reflexos das expectativas mal
esclarecidas.

• O que você espera da nossa consulta?


• Como você gostaria de ser tratada?
• Existe algum tratamento que você utilizou em uma situação parecida e que
funcionou para você?

Percepção da Saúde
Um dos esforços que prontamente reforça a importância dessa compreensão está na
conceituação de saúde pela Organização Mundial da Saúde, que transitou de “ausência de
doença” para um “recurso para a vida diária, especificamente a capacidade de realização de
aspirações, satisfação de necessidades e resposta positiva ao ambiente” (OMS 1986b).
Aproximando a última definição do Método Clínico Centrado na Pessoa e da proposta de
explorar a experiência da doença, percebe-se como essencial o entendimento do conceito
de saúde para o paciente.
É possível experimentar bem-estar quando doente tanto quanto é possível se sentir
doente sem doença, justamente porque o conceito de saúde possui nuances individuais. Se
para mim o conceito de saúde é ter condições físicas e emocionais para aproveitar a família
e os amigos, para um paciente que é um atleta maratonista, a saúde pode ser, dentre outras
coisas, ter fôlego para correr 10 milhas. Essas diferentes perspectivas fazem com que o
meu corpo sedentário seja doente nos objetivos do maratonista, ou talvez o dele seja doente
no meu conceito, afinal, correndo tanto ele sente uma dor no joelho intolerável ao meu dia a
dia, enquanto me ajoelho para brincar de casinha com a minha filha.
Entendido que o conceito de saúde é individual porque a qualidade do bem-estar varia
com as aspirações do paciente, deve-se sempre buscar entender como ele o define. Nessa
conversa, serão priorizados os aspectos da sua qualidade de vida no manejo de seu
tratamento, a fim de promover a vivência de um conceito holístico de saúde.
Também é interessante abordar a fragilidade do sentimento de “ter saúde”. Uma paciente
“saudável” que descobre uma neoplasia como achado acidental de um exame, sofre, da
noite para o dia, uma mudança de rótulo crucial. Até o resultado da imagem ela era normal,
feliz e despreocupada. Depois de ler uma frase em um papel, transita para a angústia de
uma “potencial portadora de câncer”. O medo e ansiedade são generalizados e, em ocasiões
como essa, é importante esclarecer a saúde como um conceito amplo, para além da tarja de
“doente” que o paciente passa a receber.

A exploração de conceitos como a saúde, a doença e a da experiência da doença sob a


visão do paciente são cruciais em seu entendimento. O esquema a seguir exemplifica como
a interação entre esses componentes se complementam no atendimento centrado a pessoa,
constituindo o primeiro pilar do Método Clínico Centrado na Pessoa.

Figura 2. Explorando a saúde, a doença e a experiência da doença.

Fonte: STEWART, Moira. Medicina Centrada na Pessoa: transformando o método clínico. 3


Ed. Porto Alegre: Artmed, 2017.

2. Entendendo a Pessoa como um Todo


Assim como uma palavra só faz sentido quando inserida em um contexto, a
compreensão da experiência da doença só se torna completa uma vez que o bom médico
tem a capacidade de colocá-la em um contexto ecológico, abrangendo a amplitude do ser
que extrapola, e muito, a patologia que se busca diagnosticar.
Presumir que o acesso ao entendimento integral da pessoa acontecerá logo num
primeiro contato é superficial e até mesmo prepotente, visto que essa é uma tarefa que
demanda experiência, sensibilidade e múltiplos encontros com o paciente. Além disso, é
preciso que o médico esteja disposto a suspender, mesmo que temporariamente e
especialmente quanto a assuntos polêmicos, os seus juízos de valor, a fim de não
constranger o paciente e fortalecer a relação.
O “entender a pessoa como um todo” é especialmente valioso quando os sinais e
sintomas não apontam uma doença claramente definida, ou quando a resposta à
experiência da doença parece exagerada ou fora de propósito. Abordaremos a seguir, em
tópicos, algumas esferas a serem avaliadas nessa compreensão, a qual influencia no tipo de
atendimento que os pacientes buscarão, em como isso será feito e na profundidade com a
qual acontecerá envolvimento com o processo saúde/doença. É preciso entender a pessoa
como uma grande colcha de retalhos: costurada com a trama do tempo, reforçada por
vivências singulares e decorada com sua personalidade.
Abaixo, listamos as principais esferas que permeiam o entendimento integral da pessoa,
abordando os principais aspectos de cada uma através de perguntas exemplares.

A. Esfera individual
a. Em que parte do ciclo da vida essa pessoa se insere? (criança, adolescente, idoso...)
É momento de alarme para alguma crise? (de identidade, instalação súbita de
responsabilidades, mudança dos padrões hormonais...)
b. Quais são os papeis sociais que ela cumpre e com quanta dedicação ela os
desenvolve? (mãe, filha, estudante, esposa, jogador de futebol...)
c. Qual o perfil psicológico desse paciente? (resiliente, emotivo, calado, brincalhão...)
d. Qual sua relação com o sagrado? Ela existe?

B. Contexto próximo
a. Como é sua relação com a família? E com os amigos? Há alguma comunidade a
qual ela pertence diretamente? Há uma rede de apoio que acolhe essa pessoa?
b. Qual sua ocupação laboral? Esse emprego traz segurança financeira? Qual o nível de
satisfação emocional que ela sente nessa atividade?
c. Qual o seu grau de instrução educacional? Alguma dificuldade marcou
distanciamento escolar?
d. Essa pessoa tem tempo para o lazer? Quais são seus interesses no “tempo ocioso”?

C. Contexto amplo
a. Qual a comunidade com a qual essa pessoa convive? Quais são as dificuldades e
os pontos fortes dela? Quais os seus valores? Possui regras e restrições?
b. Qual é a cultura dessa pessoa? Ela se identifica com um grupo étnico e/ou social
bem demarcado? Ela possui presença política? Possui restrições religiosas?
c. Qual a geografia na qual essa pessoa vive? Ela reside em um local de difícil acesso a
oportunidades socioeconômicas? Ambienta-se em regiões centrais ou nas periferias?
É rural ou urbana? Existem condições sanitárias nesse ambiente? As ruas são
asfaltadas e há integração de transportes onde ela vive?
d. Quais são as condições do sistema de saúde regional mais próximo de onde essa
pessoa vive? Ele contém as medicações e exames complementares necessários?
Quais são as burocracias necessárias para essa pessoa conseguir tratamento? A
região é cercada de unidades básicas de saúde? E hospitais de referência? Eles são da
rede pública ou privada? Essa pessoa está inserida em algum convênio? Se sim, essa
adesão possui vínculo empregatício com o prestador de serviços?
e. Essa pessoa está exposta com que intensidade ao fenômeno da globalização? Qual
o conteúdo que ela consome? Qual o seu padrão de consumo quanto aos itens
essenciais e supérfluos? Qual a qualidade das fontes de informação a qual essa
pessoa está exposta?

Tabela 3. Aspectos centrais de cada uma das esferas que permeiam a pessoa

Esfera Alguns aspectos que merecem atenção

Ciclo de Vida

Papeis Sociais
Individual
Perfil Psicológico

Espiritualidade

Família

Segurança Financeira

Educação
Contexto Próximo
Emprego

Lazer

Apoio Social

Contexto Amplo Comunidade

Cultura

Economia

Sistema de Assistência à Saúde

Fatores Sócio Históricos


Esfera Alguns aspectos que merecem atenção

Geografia

Meios de Comunicação

3. Elaborando um Plano Conjunto de Manejo dos


Problemas
Por vezes, o médico assume um tom paternalista em cuidar do seu paciente, acreditando
que consegue decidir o melhor para ele com sua base em guidelines atuais e em opções
terapêuticas com bons graus de evidência. Apesar da melhor das intenções, nem sempre a
adesão do paciente é adequada e, o que era para ser um tratamento padrão ouro, torna-se
tratamento nenhum. Este tópico aborda estratégias para evitar esse tipo de cenário,
buscando incentivar um plano conjunto de manejo dos problemas. Abordaremos, a seguir,
três aspectos desse processo.

Problemas e Prioridades
Os pacientes, além de possuírem individualidade na percepção dos eventos que se
passam acerca do seu cuidado, frequentemente apresentam mais de um problema a ser
resolvido. Também pode haver incompatibilidade entre as preocupações do médico e do
que procura atendimento. Outra situação é a de que a solução proposta pelo médico pode,
na verdade, ser um transtorno para o paciente.
Buscando equilibrar essas demandas, é interessante que o médico enumere os
problemas na sua visão e na do paciente, bem como suas prioridades. Quando são muitos,
recomendam-se consultas menos espaçadas, a fim de frequentemente revisar a terapêutica
e garantir adesão. O médico deve demonstrar respeito aos temores do paciente e considerá-
los, o que não significa ser passivo e deixar de apontar as prioridades do ponto de vista
técnico. Nesse momento, deve ser persistente a competência de promoção da saúde, seja
na prevenção, seja no tratamento das doenças. A atenção aos possíveis impactos na
qualidade de vida do paciente é irrevogável, em especial, ao colocar o longo prazo em
perspectiva.

Metas do Tratamento e/ou Manejo


Estabelecidas as prioridades do paciente e do médico, deve ser construído um plano
conjunto direcionado para a prática. A intenção desse momento é fomentar o encontro de
dois especialistas: o médico, quanto especialista em medicina, e o paciente, quanto
especialista em si mesmo. Via de regra, ninguém sabe mais da própria vida, anseios e
aspirações do que o próprio paciente e é devidamente soberbo o médico que desconsidera
essa realidade.
Nessa fase, especialmente crucial em pacientes com patologias crônicas, devem ser
estabelecidas metas e o objetivos para os tratamentos, expondo seus benefícios e sem
mascarar seus riscos. Os pacientes devem ter liberdade para expor sua visão acerca do
manejo a ser feito, ser questionados sobre seu livre consentimento a adesão terapêutica
escolhida e ser encorajados a ser parte ativa de um plano comum.

Papéis da Pessoa e do Médico


Compartilhar a decisão terapêutica não significa que ela sempre será pautada em papéis
de decisão equânimes entre pessoa e médico, mas sim que a possibilidade de protagonizar
a escolha seu tratamento será ofertada ao paciente. É essencial reforçar que, no Método
Clínico Centrado na Pessoa, é soberano o entendimento de que as pessoas possuem perfis
únicos e que, durante a aplicação, o médico deve ter “jogo de cintura” para ajustar suas
condutas. Existem aqueles pacientes que deliberadamente se sentem mais seguros em
seguir passivamente as instruções do médico e isso é tão digno de respeito quanto a atitude
de assumir um papel mais proativo diante das propostas.
Nesta fase do planejamento, é essencial esclarecer que o sucesso terapêutico previsto
depende do quão disponível a pessoa está em aderir ao tratamento. Nem sempre o paciente
deixa de adotar as medidas por pura e simples teimosia: especialmente num país desigual
como o Brasil, a forte demarcação social pode impedir a execução do plano terapêutico
adequado. É dever do médico atentar-se em passar medicações disponíveis pelo Sistema
Único de Saúde (SUS) e que respeitem as orientações da Anvisa, em orientar sobre as
burocracias do sistema de saúde e em facilitar seu caminho em direção ao tratamento
adequado. Nunca é demais alertar sobre a prática do bom senso em oferecer condições de
tratamento que respeitem as condições econômicas do paciente.

4. Intensificando a Relação entre a Pessoa e o


Médico
Uma das grandes dificuldades na relação médico-paciente é estabelecer os limites até
onde o médico permite se envolver. Encarar o sofrimento do paciente envolve processos
emocionais sobre os quais o profissional constantemente tenta esboçar um falido controle.
O fracasso em manter-se neutro desperta distanciamento por parte do médico, fragilizando
as alianças que, a princípio, tinham por cerne o bem estar alheio.
Ao contrário do modelo biomédico e do cenário citado acima, o Método Clínico Centrado
na Pessoa vem na contramão do desejo de afastamento e posiciona o médico como alguém
que deve ter sua relação intensificada com o paciente. Esse envolvimento é
emocionalmente seguro? Sim, ele pode ser, desde que parta das seguintes prerrogativas: a
de busca permanente pelo autoconhecimento e do estudo dos fenômenos que permeiam
esse relacionamento.
A justificativa para essa intensificação parte de dois pressupostos: (1) o de que a
intenção de não envolvimento é uma falácia e (2) o de que esse distanciamento limita o
conhecimento do paciente, o centro do encontro. É muito difícil, para não dizer impossível,
fazer um atendimento centrado na pessoa quando se está indisposto a enxergar para além
da doença. A forma mais humana de entender os dramas e alegrias de outrem é através da
empatia e da compaixão, fenômenos essencialmente ligados ao estender-se
emocionalmente para além de si e sentir o universo fora da própria bolha.
Uma citação anônima diz que a empatia é “se permitir mergulhar nas águas do outro,
mas sem se afogar”. Embora isso seja mais fácil de dizer do que de aplicar, uma coisa é
certa: o retorno para a margem desse rio é uma viagem no barco do autoconhecimento. É
através do olhar para a própria profundidade que reconhecemos os vieses emocionais que
permeiam o relacionamento médico-paciente, como a transferência ou a
contratransferência, podendo interpretá-los de modo a gradualmente aperfeiçoar o
relacionamento a pessoa que busca ajuda.

Tabela 4. Transferência e contratransferência

Conceito O que é Pode ser Exemplo

Quando o paciente enxerga no


Processo no qual os médico alguém no qual pode
pacientes trazem para a Positiva confiar porque encontra o que
consulta sentimentos e esperava segundo as expectativas
conflitos ser originários sociais quanto ao papel do médico
Transferência
de relacionamentos
anteriores, depositando
certas expectativas sobre Quando o paciente despreza o
o médico atendimento do médico por não
Negativa
julgar que ele aparenta
credibilidade

Quando a paciente o lembra de


O mesmo que uma avó querida, julgando-a
transferência, Positiva
alguém gentil, pura e de adesão
diferenciando-se pela terapêutica desejada
direção do
Contratransferência
comportamento: que vai
do médico para o Quando o paciente é poliqueixoso e
paciente e não do o médico prontamente o taxa como
Negativa
paciente para o médico histérico, baseado em preconceitos
sociais

Uma revisão didática dos principais pilares do Método Clínico Centrado na Pessoa
encontra-se no esquema abaixo. Os três primeiros pontos, são devidamente enumerados,
enquanto o quarto ponto é representado pelos colchetes. Isso acontece justamente porque
a intensificação do relacionamento com o paciente é o principal fator que influencia sobre
seu entendimento: o paciente conta seus temores e segue as propostas de alguém que
confia e no qual percebe genuína preocupação. Não custa reforçar que o MCCP não é um
protocolo e sim uma estratégia de enfrentamento dos problemas do paciente centrada nele.
A aplicação do método sem a disponibilidade real para o enfrentamento da realidade do
paciente, seja ela favorável ou dolorosa, minimiza o valor das informações adquiridas, pois o
médico torna-se incapaz de enxergar nelas as pistas de orientação de sua conduta.

Figura 3. O Método Clínico Centrado na Pessoa: quatro componentes interativos.

Figura 3-capítulo2 - página 12 do word


Fonte: STEWART, Moira. Medicina Centrada na Pessoa: transformando o método clínico. 3
Ed. Porto Alegre: Artmed, 2017.

(imagem não disponível no arquivo original da Sanar)

Antigos pontos adicionais ao Método Clínico


Centrado na Pessoa
O leitor que já ouvira falar do Método Clínico Centrado na Pessoa anteriormente,
provavelmente estranhou a apresentação de quatro ao invés de seis pontos norteadores.
Isso acontece porque as autoras deste capítulo preferiram privilegiar o conteúdo da edição
mais recente do livro “Medicina Centrada na Pessoa: Transformando o Método Clínico”. Ele
foi escrito pela equipe idealizadora do método e constitui leitura mandatória aos que
desejam se aprofundar no assunto. Na terceira e mais recente edição do livro indicado, os
pontos “Sendo Realista” e “Incorporando promoção e prevenção em saúde” são
incorporados aos quatro pontos anteriormente citados, sob a justificativa de que:

Sendo Realista
Ser realista não é um componente isolado do MCCP, mas sim um comentário sobre o
contexto no qual o médico enfrentará os quatro pontos do método. Trata-se do tempo
disponível para o atendimento, da quantidade e qualidade dos membros da equipe
multidisciplinar, da compreensão da realidade do paciente e com o que ele pode ou não se
comprometer, entre outros. Assim, “ser realista” é um comportamento que deve permear
todos os graus do MCCP, da tomada de condutas e entendimento do contexto do paciente
até a compreensão das barreiras de relacionamento a serem superadas.

Incorporando Promoção e Prevenção em Saúde


Segundo os autores, um tópico único sobre este assunto induz ao raciocínio de que ele é
um aspecto isolado do MCCP. Na contramão dessa impressão, a incorporação de promoção
e prevenção em saúde é perfeitamente integrada aos demais pontos do método. O enlace é
especialmente perfeito em: (1) “Explorando Saúde, Doença e Experiência da Doença”, no
qual realizam-se os esclarecimentos pertinentes acerca visão singular do paciente sobre
sua doença, e em (2) “Elaborando um Plano Comum de Manejo dos Problemas”, no qual a
promoção e prevenção em saúde são discutidas de modo a fomentar estratégias práticas
para incorporá-las.
O Método Clínico Centrado na Pessoa e a Medicina Baseada em
Evidências são antagônicos?

Durante o aprendizado acerca do Método Clínico Centrado na Pessoa, muitos alunos


tendem a acreditar que ele se trata de uma abordagem pautada na supremacia total e
completa das vontades do paciente, radicalmente suspendendo os guidelines e
ignorando os valores da Medicina Baseada em Evidências (MBE). Essa compreensão,
no entanto, é errada. Em realidade, o MCCP conversa diretamente com a MBE,
subordinando-a. A Medicina Baseada em Evidências é parte do avanço científico
inegável da medicina e ignorá-la é ato completamente imprudente. Entretanto,
conduzir o paciente estritamente baseado nas evidências científicas é instrumentalizar
o atendimento a ponto de ignorar o que a medicina tem de mais nobre: a arte do
cuidado. Se por um lado a MBE tem a intenção de resgatar o apego a ciência, por
outro, o MCCP resgata a arte de lidar com o ser humano. A centralidade na pessoa
analisa, para além da doença, a experiência do paciente com o adoecer, seu contexto,
suas prioridades e a busca propor uma terapêutica acordada entre médico e paciente,
a qual deve, sim, ser pautada em evidências científicas, mas sem perder a
maleabilidade que garante a aplicação das terapias mais recomendadas.

A Banalização do Método Clínico Centrado na Pessoa

Não é incomum que o Método Clínico Centrado na Pessoa tente ser incorporado de
maneira mecânica na abordagem médica. Nesse contexto, perguntas como “O que a
senhora acredita que está causando sua dor de cabeça?”, “Como o senhor se sente a
respeito da sua condição?”, entre outras, tornam-se um protocolo, sem que seja
promovida uma reflexão adequada, interrompendo a fala do paciente e esquecendo-se
da sua natureza como ser particular. Explorar o íntimo do paciente sem de fato ter
interesse nele é como pedir um exame complementar sem uma sólida hipótese
diagnóstica: você não saberá lidar com a informação que vier.
Buscando atentá-lo para essa falha recorrente, gostaríamos de lembrá-lo do que está
escancarado no nome do método: ele é centrado na pessoa! Isso significa que sua
aplicação se submete ao envolvimento genuíno com o paciente, à real busca pela
compreensão de seu contexto amplo e próximo, ao autoconhecimento do médico e à
diversidade pressuposta em lidar com o outro. As pessoas são diferentes e, portanto, o
MCCP deve ser flexibilizado de modo a abraçar da melhor maneira aquele que se
apresenta pedindo a ajuda do médico. É essencial reforçar que a habilidade em lançar
mão dos recursos do MCCP nos momentos adequados vem junto com a experiência
do médico.
Um aconselhamento ao querido leitor: seja persistente e tenha paciência com a sua
gradual evolução. Uma grande jornada é conquistada passo a passo e, aos poucos,
você desenvolverá na prática as habilidades que são aqui propostas, desde que não
perca de vista o essencial: o paciente.

De Volta ao Paciente: Retomando os Casos


Enumerados os pontos centrais do Método Clínico Centrado na Pessoa e feitas
discussões pertinentes, retomaremos os casos descritos no início do capítulo, esmiuçando
alguns dos pontos poderiam ter sido aplicados na vida real. Exploraremos a conduta ideal
em conjunto aos desfechos reais.

Exemplo 1: Mãe leva filho ao pronto atendimento durante a madrugada


Começando a explorar a doença e experiência da doença, o médico deve ter clareza de
que a mãe será a grande intermediária dessa relação, sendo suas dúvidas e preocupações
mais que pertinentes como cuidadora do seu paciente. Ao focar na doença, é essencial
verificar o padrão da febre, sua intensidade, quando e como surgiu, destrinchando o sinal
que alarmou a mãe a buscar atendimento. Para todo início da consulta, uma boa anamnese
e ao menos uma breve revisão de sistemas é essencial. Também é interessante questionar a
mãe sobre o que mais a preocupa em relação a febre do filho. Conforme observado no caso,
a febre por ela relatada na aferição domiciliar era incompatível com medição feita no
consultório, contexto que faz da consulta um momento especialmente peculiar e sugere a
hipervalorizarão desse sinal pela mãe. Nesse sentido, o médico tem o dever de tentar
compreender o que realmente aconteceu e aproveitar as oportunidades de educar a mãe
sobre a leitura adequada do termômetro ou sobre quando a febre seria realmente alarmante
a ponto da ida ao pronto atendimento ser necessária, levando suas dúvidas de encontro a
promoção em saúde, por exemplo.
Outro ponto que chama especial atenção é a desatenção súbita da mãe no exame do
filho e a ausência da caderneta de vacinação. Acreditamos que a ação de levar o bebê a pé,
durante a madrugada, no colo por muitos quilômetros é uma evidência bastante razoável de
seu grau de preocupação e cuidado. Mas por que ela exibiria tanta dificuldade em prestar
atenção ao que o médico fala acerca do seu bem mais precioso? Seria sonolência?
Cansaço? Será que a preocupação foi tanta que ela simplesmente saiu correndo de casa e
esqueceu a caderneta da criança?
Como conversamos nos pontos 2 e 4, é imprescindível buscar, na medida das nossas
limitações, entender o paciente como um todo e nos permitir criar um relacionamento
empático, antes de julgar a mãe como histérica. Ela é uma mulher jovem e em condições de
fragilidade socioeconômica, mora num bairro de periferia e tem pouca educação. Por que o
pai dessa criança deixaria a mãe ir sozinha de madrugada? Seria ele um pai presente na
criação dessa criança ou será que trabalhava demais? Que trabalho seria esse que permitiria
que a mulher andasse sozinha por três quilômetros de madrugada com o recém nascido?
Será que nenhuma comadre da vizinhança teria um carro para ajudá-la nesse momento? Se
colocando no lugar dessa mãe, será que você largaria tudo em casa no meio da madrugada
para ir ao hospital? Ou será que esperaria até a manhã do dia seguinte? Com um pouco de
atenção, chegamos ao ponto mais dramático da consulta.
Depois de interrogar a mãe com cuidado, sua face era de tanto desespero que ela não
conseguia mais se conter. As lágrimas escorreram sobre o rosto ela apertou a criança
contra o peito: a febre exorbitante da filha fora uma mentira “embasada” num quadro febril
menor, usado como forma de escapar para fora de casa, já que o marido havia a violentado
mais cedo e ela temia que algo acontecesse a filha. O “homem da casa” era abusivo e
estava mais bêbado que o normal, pregando ameaças constantes. Depois de algum tempo,
mais confortável na sua presença, a mãe mostrou as marcas de hematomas por debaixo da
blusa. E agora, o que você faz? Qual o seu plano terapêutico para essa jovem? Mandá-la de
volta para casa, a pé?
É imprescindível reforçar aqui a necessidade de sensibilidade do médico em reconhecer
seu poder limitado para lidar com a situação, sem deixar de dar atenção ao problema da
paciente, que, nessa situação, é extremamente grave e extrapola a competência da
medicina. Indo ao pronto atendimento, a mãe torcia para que a febre da filha fosse grave o
suficiente para justificar um encaminhamento para internação, com a intenção de ganhar
tempo em um lugar seguro.
Gostaríamos de reforçar aqui a importância da equipe multiprofissional no atendimento
centrado na pessoa, justamente porque nunca se sabe quando as intempéries do contexto
social irão atropelar a medicina. Mais uma vez, o dever de atuar na promoção do bem estar
da paciente se fez presente, conscientizando-a sobre o papel da delegacia da mulher, da
assistência social e da psicóloga em abraçar seu caso. Diante de uma situação como essa,
cabe ao médico o papel proativo de garantir que a paciente será devidamente acolhida pelas
outras assessorias disponíveis para seu atendimento, responsabilizando-se ativamente por
seu papel na atenção integral a pessoa.
Fonte: Figura Autoral

Exemplo 2: Senhora sorridente com queixa de piora da memória


Para o segundo caso, selecionamos uma paciente cuja parte da história já era conhecida
nos prontuários antigos, incluindo um câncer de mama agressivo que motivara uma longa
internação prévia. À medida que a progressão de sua saúde vem sendo revelada, percebe-se
que a queixa principal apresentada provavelmente não era o pior problema que ela tinha,
sinalizando uma potencial hipovalorização de sua história patológica pregressa, sujeita a
negociação divina.
A senhora se articulava bem, aparentava ter memória talvez até melhor que a da médica
(admito) e apresentava pontuação máxima no MME. Na contramão das boas notícias, você
obteve uma informação grave que provavelmente fora ignorada por sua paciente: sua luta
contra o câncer não havia acabado. Em meio ao medo que um diagnóstico desse tipo
naturalmente causa, ela se sentia sozinha, muito embora estivesse aliviada pela bondade do
Deus grande que a protegia e que a tinha curado por sua devoção espiritual, através das
medicações da pastoral.
Nesses momentos, é especialmente tentador direcionar o tema da conversa para o que o
médico acredita ser mais grave: a potencial recidiva do câncer, evidenciada pelo
comprometimento das bordas da biópsia. Mas será que isso seria o mais adequado a se
fazer? Você gostaria de receber essa notícia assim? Acreditamos que esse caso carrega um
grande dilema.
É preciso ter muito cuidado para não atropelar a queixa da paciente com um problema
secundário, mais alarmante. Cientes de sua fragilidade emocional e do viés de suas
informações, notado o eufemismo para situações importantes, marcamos um retorno no
qual ela pudesse estar acompanhada de algum membro da família. Isso foi feito com a
intenção de filtrar melhor a questão da memória e compreender se esse sentimento de que
a família estava com ela “por obrigação” era algo plausível ou algum sintoma depressivo,
esperado ao considerar a idade da paciente e a luta dura que vivenciou nos últimos anos.
Nem sempre o sorriso do paciente é sinônimo de que está tudo bem. É preciso compreender
que é impossível usar a fotografia do momento da consulta como um resumo do filme que é
sua vida, especialmente no caso de uma paciente tão delicada quanto aquela.
De modo a não sermos negligentes com uma potencial recidiva, buscamos nos
aprofundar, de maneira branda, em como ela havia vivenciado a situação do câncer. Ainda
em fase de negação do quanto aquela era uma fase difícil, ela ecoava os gritos de vitória
antes de saber se de fato havia vencido. Convenhamos, não era o momento de dizer que os
remédios da pastoral não funcionavam, que não há evidência científica para aquilo ou que
sua fé inabalável na cura era, na verdade, uma ilusão que provavelmente não duraria mais
que três dias, quando retornasse ao consultório do cirurgião. Diante de uma situação difícil,
buscamos explorar o conceito de saúde para aquela paciente e entender o valor de sua
espiritualidade nesse momento. Ela amava costurar, temia a Deus e era apaixonada pela sua
família. Nos contara que já havia bordado roupas para as escolas de samba da cidade e que
muito se alegrava em ver as mulatas sambando na pista, afinal, era fevereiro e ela aguardava
com alegria essa época do ano. Para ela, saúde era simplesmente poder amar o mundo e
ser amada de volta por ele.
Assim sendo, conversamos sobre como esses eram valores extremamente dignos e que
sua fé era bonita de nos dar inveja, que era bom que ela tivesse encontrado consolo e paz
em momento tão difícil e que era importante permanecer assim. Comunicamos, de maneira
gentil, a possibilidade de voltar a receber alguma intervenção cirúrgica, mas que tudo
deveria ser melhor conversado com o cirurgião. Reforçamos que, sendo uma mulher forte
como ela, a esperança não deveria seria perdida de vista. Atentos a delicadeza da situação,
reiteramos a complexidade dos momentos bruscos pelos quais ela havia passado e
aconselhamos a presença de alguém competente para acompanhar melhor sua luta,
encaminhando-a para uma psicóloga do serviço que sabíamos ser uma pessoa amiga e
responsável. Insistimos que ela pedisse a companhia de suas filhas para aquela consulta
com o cirurgião e nas próximas com a gente, buscando suprir seu sentimento de abandono
pela família, pelo menos de alguma forma. Sobre o manejo, conversamos sobre os remédios
da pastoral e reforçamos a importância da radioterapia, dizendo que não havia problemas
em usar os medicamentos, desde que a fizessem bem e que ela entendesse que aquele não
era um substituto a radioterapia, situação a qual ela atentamente compreendeu.
Findada a consulta ela ainda quis contar mais um pouco da sua vida e, honestamente, ter
dado essa liberdade não custou mais do que 5 minutos para um largo sorriso no seu rosto.
No fundo, aquela paciente precisava de alguém que admirasse sua história para além do
câncer, que permitisse que ela falasse um pouco de si, mesmo que gritasse um pouco por
conta do seu problema de audição. O maior valor que tiramos desse momento foi o quanto
escutar o paciente pode ser terapêutico, situação reforçada pelo MCCP. De uma consulta
pesada, ela saiu feliz e muito agradecida. Para nós uma porção do mini mental continha
satisfação profissional que extrapolava os scores cognitivos:

Fonte: Figura Autoral


Fonte: Figura Autoral

Exemplo 3: Estudante de medicina em preparo para a residência


O que mais nos alegra e dói nesses casos é o fato de que eles são reais. Sim, este em
especial, foi para puxar a sua orelha, futuro doutor ou futura doutora.
Quando falamos em ser realista, o manejo do tempo da consulta é imperativo,
especialmente nos serviços nacionais, quase sempre sobrecarregados. Entretanto, sabendo
que a agilidade terá de ser tamanha, o momento da consulta deve ser de foco total e
completo, buscando aflorar o máximo da sua humanidade. Dentro da medicina, como
reflexo de uma sociedade de produtividade, estamos acostumados a nos sacrificar pelo
sucesso profissional, a minimizar quando nosso corpo pede socorro. Somos rotineiramente
incentivados a isso. Neste caso, um estudante do internato como você foi, é, ou será, veio
buscar a sua ajuda, mas, atento a patologia cardíaca, talvez você não teria enxergado uma
angústia que um dia, se não foi sua, foi de algum dos seus amigos também. Buscamos
“forçar a barra” nos aspectos da empatia e da compaixão, colocando um semelhante sob
seus cuidados.
Este caso gritava alguma patologia cardiovascular, especialmente considerando a
história familiar e os hábitos do paciente. O eletrocardiograma e o teste de esforço estavam
dentro dos parâmetros de normalidade e, o que o médico que atendeu este paciente fez foi
indicar uma potencial relação do desconforto cardíaco com a ansiedade. E ele estava certo.
“Afinal, não tem jeito, a ansiedade da prova de residência deixa a gente assim mesmo, mas
vai passar”. E passou.
Nosso paciente passou na prova de residência das mais concorridas. Passou pelo olhar
do médico com uma queixa subjugada. Passou e tentou suicídio ainda no primeiro ano de
internato. Infelizmente nós, como médicos, não conseguimos controlar todos os desfechos,
mas escutar esse tipo de história nos convida a repensar as condutas. Nosso dever aqui é
promover a reflexão: o que aquele médico poderia ter feito naquele atendimento, baseado no
Método Clínico Centrado na Pessoa, para ter impactado positivamente e evitado esse fim?
Concluímos que as maiores falhas dessas consultas se concentraram em dois pontos:
“Elaborando um Plano Conjunto de Manejo dos Problemas” e “Intensificando a Relação entre
a Pessoa e o Médico”.
O médico, na melhor das intenções, tentou acalmar o paciente, dizendo que “era assim
mesmo”. Infelizmente, “era assim mesmo” para ele, quando fez sua prova de residência. A
contratransferência é um fenômeno na relação com paciente que nos ajuda muito a
entender melhor como ele se sente, pois projetamos nele as situações da nossa vida,
tornando mais próxima a sensação de alteridade. Entretanto, ao reconhecer esse fenômeno,
é importantíssimo entender que há uma tendência em medir a vida do paciente com os
desfechos das próprias experiências. Isso pode maximizar a queixa na visão do médico ou
minimizá-la, como ocorreu nesse caso.
Se não houvesse subestimado a queixa do paciente e, se, provavelmente, tivesse
conseguido explorar melhor a sua experiência da doença, a elaboração da terapêutica talvez
fosse mais atenciosa. Nesse ponto, poderia ter sido reforçada a importância de
acompanhamento psicológico/psiquiátrico e feita promoção de bons atos para a qualidade
de vida. Com cuidado a esses aspectos, talvez houvesse a chance de prevenir um fim
trágico, no qual havia uma patologia depressiva e de ideação suicida de base, pouco
expressivas em duas consultas rápidas de foco cardiovascular.
Fonte: Figura Autoral

Neste último esquema, acreditamos ser nítida a diferença na exploração geral do Método
Clínico Centrado na Pessoa e, sobretudo, no resultado da consulta. Tal situação reforça
nosso apelo em prol da atenção ao paciente e o contexto que o cerca, de forma a
proporcionar um atendimento mais holístico e humanizado.

CONCLUSÃO
Depois de um desfecho pesado, no último caso, gostaríamos, de mais uma vez reforçar
alguns pontos centrais e valorizar o Método Clínico Centrado na Pessoa:

• O que há de maior valor na medicina não é a doença e sim o paciente. Essas


pessoas terão diferentes vidas, contextos e tudo isso afetará sua experiência da
doença de maneira singular: das primeiras queixas ao desfecho do caso;

• O MCCP atua agindo em quatro pilares: (1) explorando melhor a experiência da


doença, (2) buscando compreender o paciente de maneira holística, (3) elaborando
terapêuticas realistas, baseadas em responsabilidades compartilhadas e (4)
buscando intensificar a relação do médico com seu paciente;
O médico que aplica o MCCP deve constantemente revisar suas abordagens, de modo a
não engessar o método no formato de um protocolo. As doenças podem ser iguais, mas os
pacientes são sempre diferentes. O uso do método privilegiará um ponto ou outro à medida
que se ganha experiência, confiança do paciente e genuíno interesse na melhor e mais
realista intervenção em prol do bom prognóstico;
O bom prognóstico nem sempre é sinônimo de cura. Devemos nos atentar para não
privar os pacientes de suas paixões e autonomia, pois isso piora o processo de
adoecimento;
O médico deve estar atento aos fenômenos de transferência e contratransferência,
buscando também autoconhecimento permanente. Isso aumentará sua qualidade de vida e
apontará grandes vieses do seu atendimento.

BIBLIOGRAFIA
1. CATALYST, Nejm. What Is Patient-Centered Care? 2017. Acesso em: 30 mar. 2020.
2. EPSTEIN, Ronald M.. The Values and Value of Patient-Centered Care. Annals Of Family Medici¬ne, Rochester, v. 9,
n. 2, p.100-103, abr. 2011.
3. EPSTEIN, Ronald M.; FISCELLA, Kevin; LESSER, Cara S.; STANGE, Kurt C.. Why The Nation Needs A Policy Push
On Patient-Centered Health Care. Health Affairs, [s.l.], v. 29, n. 8, p.1489-95, ago. 2010. Health Affairs (Project
Hope).
4. STEWART, Moira. Medicina Centrada na Pessoa: transformando o método clínico. 3. ed. Porto Alegre: Artmed,
2017.
Capítulo 3

Exame Físico Geral


Autores: Karen Lopes Cunha e Juan Dantas Leitão

CASO CLÍNICO:
Paciente do sexo masculino, 76 anos de idade, natural e procedente de Fortaleza,
aposentado, com queixas de fraqueza e cansaço há 6 meses, que comprometiam, há 2
meses, suas atividades habituais.
Comorbidades: hipertensão e diabetes.

ANAMNESE:
HDA: Paciente relata que percebeu estar ficando “mais fraco e sem coragem” há 6
meses. Há 2 meses vem apresentando dificuldade para realizar suas atividades habituais.
Também informa dispneia moderada aos esforços, tendo procurado médico em um serviço
de pronto atendimento, o qual solicitou exames laboratoriais gerais. Associado a isso,
também queixa-se de perda ponderal. Nega febre ou outros sintomas sistêmicos. Em
consulta inicial, sua esposa relatou que percebeu que o paciente estava mais pálido que o
habitual.
HISTÓRIA PATOLÓGICA PREGRESSA: Nega história de transfusão sanguínea prévia.
Diurese e evacuações presentes e fisiológicas. Pesquisa de sangue oculto nas fezes com
resultado positivo.
HISTÓRIA FAMILIAR: Neoplasia de sigmoide em irmão, diagnosticado aos 65 anos de
idade.
HISTÓRIA PSICOSSOCIAL: Ex-tabagista. Dieta rica em carne vermelha. Sedentário.
MEDICAÇÕES EM USO: Losartana 100 mg/dia, hidroclorotiazida 50 mg/dia, metformina
1 g/dia.

EXAME FÍSICO:
Geral: Paciente consciente, orientado, verbalizando, deambulando, eutrófico, hidratado,
anictérico, acianótico, afebril.
Pele: Palidez cutâneo-mucosa 3+/4+. Unhas enfraquecidas.
Cabeça e Pescoço: Normocefálico, sem alterações ao exame. Pescoço cilíndrico,
simétrico; laringe e traqueia móveis, medianas; pulso carotídeo simétrico; ausência de
pulso jugular.
Sistema Respiratório: tórax simétrico, sem deformidade, boa expansibilidade,
discretamente taquipneico (frequência respiratória [FR] 24 irpm), murmúrio vesicular
presente bilateralmente, sem ruídos adventícios.
Sistema Cardiovascular: Ritmo cardíaco regular, bulhas normofonéticas, com sopro
sistólico em foco pulmonar, taquicárdico (frequência cardíaca [FC]: 116 bpm).
Abdome: Plano, flácido, indolor, sem visceromegalias, ruídos hidroaéreos presentes e
sem alterações.
Sistema Nervoso: Paciente lúcido e orientado, responsivo. Força muscular preservada.

EXAMES LABORATORIAIS:
Hemoglobina (Hb): 6,6 g/dl (baixa); anisocitose, microcitose e hipocromia; ferro: 21,15
(diminuído); transferrina: 545 (aumentada); TIBC: 778,57 (aumentado); ferritina: 4,58
(diminuída); índice de saturação de transferrina: 2,72. Pesquisa de sangue oculto nas fezes
com resultado positivo; glicose: 179; ureia: 79; creatinina: 1,5.
Suspeita Diagnóstica: Anemia ferropriva de etiologia a esclarecer.

Conduta
Solicitados exames laboratoriais na emergência, indicada internação hospitalar para
investigação da anemia e transfusão sanguínea de hemocomponentes (Hb < 7).
Considerada realização de endoscopia e colonoscopia eletivas para estudo do trato
gastrintestinal.

EXAMES COMPLEMENTARES:
Endoscopia Digestiva Alta: Candidíase esofágica. Gastrite enantematosa de corpo leve,
associada a mucosa pouco edemaciada. Não observados sinais de sangramento atuais ou
recentes nem lesões que justifiquem anemia.
Colonoscopia: lesão ulcerovegetante em cólon direito.
Suspeita Diagnóstica: Anemia ferropriva secundária a neoplasia do trato gastrintestinal.

QUESTÕES PARA DISCUSSÃO

1. Qual é o objetivo do exame físico geral?


2. Todo paciente deve ser submetido ao exame físico geral?
3. Quais as partes compõem o exame físico geral?
4. Qual a importância de o médico realizar o exame físico geral?
5. O exame físico geral auxilia no diagnóstico de patologias?
DISCUSSÃO:
Antes de iniciarmos a discussão, é preciso ter em mente que um bom clínico precisa ter
os seus “seis sentidos” aflorados: visão, audição, olfato, paladar, tato e intuição.
O exame clínico é dividido em duas etapas:

a. Exame físico geral, somatoscopia ou ectoscopia;


b. Exame dos diferentes sistemas ou aparelhos (que serão abordados nos capítulos
seguintes).

Neste capítulo, será abordado o exame físico geral, que é a primeira etapa do exame
clínico. Além de complementar a anamnese (entrevista clínica), fornece uma visão do
paciente como um todo e fortalece a relação médico-paciente. Ao longo do exame físico
geral pode-se, inclusive, retomar algum dado da anamnese, otimizando e integrando as
informações, possibilitando uma compreensão global do indivíduo. Tal parte do exame
clínico inicia-se desde o momento que o paciente entra no campo visual do médico, o qual
inicia sua percepção por observação, buscando características peculiares que possam
indicar alguma patologia. Portanto, constitui-se no primeiro contato do médico com o
paciente, devendo sempre ser realizado, independente da queixa apresentada.

Quando o médico olha o paciente ele está fazendo duas coisas: inspecionando seu
corpo (parte técnica) ao mesmo tempo em que vê a pessoa que se sente doente
(componente psicológico). (Porto, 2017)

De modo geral, o exame físico também pode estar dividido em:

1. Inspeção: realizada através da visão, pela qual se identificam alterações que


possam sugerir patologias;
2. Palpação: utiliza-se o tato para identificar alterações de forma ou de quantidade;
3. Percussão: identifica, através do som, alterações patológicas ou não, visto que
cada estrutura tem um som próprio. Assim, pode ser realizada por pequenas e
leves batidas dos dedos de uma mão contra os da outra;
4. Ausculta: realizada por meio do uso de aparelhos para este fim, como por exemplo
o estetoscópio.

Para se executar um exame físico geral adequado, são necessários alguns requisitos,
como local apropriado, iluminação correta, posição propícia do paciente (p. ex., paciente
em decúbito dorsal horizontal, com examinador posicionado à direita do paciente). A parte
a ser examinada deve estar sempre descoberta, respeitando-se a intimidade do examinado.
A avaliação do exame físico geral também pode ocorrer de forma qualitativa ou
quantitativa. A primeira engloba um aspecto mais subjetivo da avaliação do paciente,
geralmente graduado em níveis, representados por cruzes. Por exemplo, quando nos
referimos à palidez cutâneo-mucosa 3+/4+, queixa apresentada pelo nosso paciente do
caso clínico inicial, significa que o nível máximo de palidez são 4 cruzes (ou gradações), e
que o referido paciente apresenta 2 cruzes; a segunda corresponde à avaliação de
aspectos mensuráveis, como medidas de pressão arterial (PA), peso, altura, índice de
massa corporal (IMC), circunferência abdominal, frequência cardíaca, pulsação e
frequência respiratória.
De forma geral, segue-se uma sequência para não que nenhuma alteração passe
despercebida. A seguir, apresentamos uma sugestão que acompanha o sentido
craniocaudal:

• Avaliação do estado geral: Avalia-se o grau de acometimento da doença em todo o


organismo, alertando nos casos de sinais escassos ou presença de doença
sabidamente grave. O paciente pode estar em bom estado geral (BEG), regular
estado geral (REG) ou mau estado geral (MEG). São características que podem
influenciar nessa percepção: vestimenta, aparência física, apresentação pessoal,
odor.

• Avaliação do nível de consciência: Refere-se à perceptividade, à reatividade e aos


reflexos. Na prática, pode-se utilizar uma série de classificações disponíveis na
literatura, como a do estado de coma de Glasgow, a classificação de Ramsay e a
classificação de Richmond (RASS).

• Fácies: Corresponde à expressão fisionômica do paciente. O normal é a fácies


atípica. Existem alguns padrões de face que podem sugerir algumas doenças,
como por exemplo: fácies hipocráticas (encontrada no paciente extremamente
emagrecido), fácies cushingoide (paciente com face bem arredondada, em lua
cheia) e fácies lúpica (aquela que apresenta uma vermelhidão em forma de “asa
de borboleta”).

• Atitude e Postura: Refere-se à posição adotada pelo paciente. Pode ser postura
ativa (adotada espontaneamente pelo paciente), passiva ou antálgica (adotada
para alívio da dor, por exemplo). Neste momento, também é oportuno observar
como o paciente vai à consulta, seus hábitos de higiene, se vai sozinho ou
acompanhado à consulta, se entra andando ou de cadeiras de rodas, por exemplo.

• Biótipo: É o conjunto de características morfológicas apresentadas pelo indivíduo,


podendo ser brevilíneo, longilíneo ou normolíneo.

• Pele e Mucosas: Devem ser avaliados coloração, hidratação, turgor, textura e


lesões elementares de pele. Assim, podem-se identificar, por exemplo, palidez,
icterícia, cianose ou sinais de desidratação. Caso se confirme qualquer uma
dessas alterações, deve-se classificar o grau (em cruzes). Também deve-se atentar
para a mucosa palpebral da conjuntiva, esclera, mucosa oral, frênulo lingual, leito
ungueal, palma das mãos etc.

• Avaliação do padrão respiratório: Deve-se observar a frequência respiratória, a


expansibilidade torácica e o uso ou não de musculatura acessória. O paciente
pode estar eupneico ou dispneico (com dificuldades de respirar). Quanto à
frequência, pode estar bradipneico (poucas inspirações) ou taquipneico (aumento
das inspirações).

• Sinais vitais (FR, FC, PA e temperatura):


• FC: Normalmente, é aferida quando se palpa a artéria radial, contando a
quantidade de batimentos ao longo de 1 minuto. Neste momento, também
observa-se a constância e a amplitude de pulso. A unidade utilizada é bpm
(batimentos por minutos).

• PA: Antes de se aferir a PA, deve-se perguntar ao paciente se está sentindo dor, se
está com a bexiga cheia ou se está de repouso. O braço deve estar apoiado e na
altura do coração. Utiliza-se um manguito com esfigmomanômetro para aferir a
PA. Escutamos os sons de Korotkoff, que correspondem às pressões sistólica e
diastólica.

• FR: Corresponde ao número de inspirações em um minuto, quando se observam


os movimentos do tórax ou da parede abdominal. Também devem-se avaliar: o
ritmo da inspiração, que pode conter pausas, ser mais profunda, superficial ou
prolongada; o uso ou não de musculatura acessória, como batimento de asa nasal,
contração de fúrcula esternal, tiragem costal, os quais podem significar dificuldade
respiratória. A unidade de medida utilizada é irpm (incursões respiratórias por
minuto).

• Medidas antropométricas: Peso, altura, IMC.


Altura: O paciente deve estar com os pés descalços, em postura ereta e olhar para o
horizonte.
Peso: Idealmente, o peso deve ser medido em balança analítica, para que possa ser
calibrada conforme necessidade.
IMC: Com base em um cálculo que engloba peso e altura (IMC = peso/altura2 (kg/m2),
o IMC categoriza o paciente em magreza, eutrofia, sobrepeso e graus de obesidade.
No entanto, é importante perceber a proporção massa muscular/massa de gordura,
pois podem ocorrer interpretações equivocadas acerca do IMC. A gordura visceral
está relacionada à resistência à insulina e à hipertrigliceridemia. Dentre as 3
circunferências apresentadas, aquela que possui maior correlação com a obesidade
visceral é a circunferência da cintura abdominal.
Dessa forma, como pudemos perceber ao longo dessa descrição, o médico que realiza
o exame físico geral em sua avaliação pode identificar fatores que influenciam o
tratamento do paciente. Também pode-se suspeitar de determinadas patologias e sugerir
uma investigação mais aprofundada sobre determinados sinais e sintomas.

BIBLIOGRAFIA:
1. Bickley LS. Bates – Propedêutica Médica. 12. ed. Guanabara Koogan; 2010. 965p.
2. Lópes M, Medeiros JL. Semiologia Médica – as Bases do Diagnóstico Clínico. 5. ed. Revinter; 2004. 1233p.
3. Porto CC, Porto AL. Exame Clínico. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2017.
4. Melo AAR, Nakamura FTT, Polho GB. Apostila de Propedêutica. Exame Clínico - Extensão Médica Acadêmica da
FMUSP.
Capítulo 4

Sinais Vitais
Autores: Lucas Cunha Pereira de Oliveira, Renata Fraga Costa

CASO CLÍNICO

ANAMNESE
Paciente de 58 anos de idade relata tontura após novo ajuste medicamentoso.

História da Moléstia Atual


O paciente procurou o serviço médico relatando hipertensão arterial não controlada, apesar
de medicamentos em uso contínuo (no início do diagnóstico a doença era controlada com o
medicamento). Informou que, por motivo de estresse no trabalho, aumentou a ingesta alimentar,
parou a atividade física e engordou 10 kg em menos de 1 ano. Estava em uso de anlopidino 5
mg/dia e enalapril 10 mg, 2 vezes/dia. Relatou que, há menos de 1 mês, teve novo ajuste
medicamentoso: foi introduzida a clortalidona 25 mg e as doses dos antigos fármacos foram
aumentadas (anlodipino 10 mg/dia e enalapril 20 mg, 2 vezes/dia). Faz também uso de
metformina XR 500 mg 2 vezes/dia.
Retornou ao ambulatório com queixa de sensação de tontura ao se levantar, quando modifica
posicionamento bruscamente e quando fica muito tempo em pé. A pressão arterial (PA) durante
a consulta sentado é de 150 × 90 mmHg. Cita que já fez uso de anlodipino 10 mg + clortalidona
25 mg + enalapril 20 mg + metformina 500 mg XR hoje. Relatou cefaleia holocraniana de caráter
em peso de leve intensidade no momento da consulta.

Antecedentes Pessoais Patológicos (APP)


Hipertensão arterial primária desde os 48 anos de idade, diabetes mellitus há 5 anos, ex-
tabagista (30 maços-ano) há 1 ano, obesidade tipo II. Sedentarismo.
Nega alergia medicamentosa. Nega etilismo.

Antecedentes Familiares
Pai falecido aos 78 anos de idade por evento cardiovascular – infarto agudo do miocárdio
(IAM). Mãe diabética e hipertensa.

EXAME FÍSICO
Sinais Vitais: Frequência respiratória (FR) – 18 irpm; PA sentado – 150 × 90 mmHg;
frequência cardíaca (FC) – 82 bpm; temperatura axilar – 36,4°C; escala visual numérica (EVN) de
dor – 4/10.
Geral: Paciente com discreta face álgica, bom estado geral, hidratado, anictérico, acianótico,
normocorado.
Pele: Sem alteração à ectoscopia. Sem adenomegalias.
Cabeça e Pescoço: Sem anomalias de configuração do crânio, nuca livre, fácies atípica.
Pescoço cilíndrico, simétrico; laringe e traqueia móveis, medianas; pulso carotídeo simétrico;
veias jugulares sem estase a 45°; forma, consistência e mobilidade da tireoide normais. Sem
sopros audíveis em topografia carotídea/tireoidiana.
Sistema Respiratório: Tórax sem deformidade/abaulamentos, expansibilidade simétrica, sem
alteração à palpação, murmúrios vesiculares diminuídos difusamente, sem ruídos adventícios.
Eupneico em ar ambiente.
Sistema Cardiovascular: Ritmo cardíaco regular em 2 tempos, sem sopros audíveis.
Normocárdico. Pulsos centrais e periféricos amplos e simétricos. Manobra de Osler negativa.
Abdome: Globoso, ruídos hidroaéreos presentes, sem alterações. Normotenso, indolor, sem
visceromegalias palpáveis ou sinais de circulação colateral. Estrias difusas.
Sistema Nervoso: paciente lúcido e orientado auto e alopsiquicamente, sem sinais
meníngeos ou déficits neurológicos focais. Sem alteração de marcha ou de reflexos tendíneos.
Teste de Romberg com resultado negativo. Sem sinais de vestibulopatia.

REAVALIAÇÃO/EVOLUÇÃO CLÍNICA:
Após realizada analgesia (paracetamol 750 mg por via oral) e mantido o paciente em repouso
(deitado) por 60 minutos em um ambiente relaxante, o paciente relatou resolução completa do
quadro álgico (cefaleia). Neste momento, mais adequadamente foram reavaliados os sinais
vitais.
1º momento – sinais vitais em posição supina (deitado):
PA – 125 × 70 mmHg; FC – 70 bpm; PA durante inspiração – 110 × 70 mmHg.
2º momento – sinais vitais em posição ortostática (em pé) após 3 minutos:
PA – 100 × 55 mmHg; FC – 93 bpm.

HIPÓTESES DIAGNÓSTICAS
Hipotensão postural desencadeada por medicamentos. Cefaleia tensional.

QUESTÕES PARA DISCUSSÃO:

1. Este paciente encontrava-se realmente com PA elevada ao exame físico inicial?


2. Como realizar corretamente a aferição da PA sistêmica?
3. Como diagnosticar hipotensão postural?
4. A queda da PA durante inspiração sugere alguma hipótese diagnóstica associada?
5. Como manejar o quadro clínico apresentado pelo paciente?

DISCUSSÃO

SINAIS VITAIS
Sinais vitais são parâmetros clínicos objetivos, simples, de fácil verificação, baixo custo e
provavelmente as mais importantes informações coletadas do paciente durante sua avaliação.
Devido a tais características, os sinais vitais, aliados ao quadro clínico e aos demais achados
extraídos durante o exame físico, são importantes componentes em escores de alerta precoce e
outros métodos de triagem clínica, como os aplicados nas emergências dos hospitais.
Desse modo, no cotidiano, os sinais vitais integram vários métodos de classificação e
triagem rápida de pacientes em diferentes contextos, como:

a. Protocolo de Manchester, na triagem de atendimento em emergência, que classifica os


pacientes em cores (azul, verde, amarelo, laranja e vermelho) de acordo com a gravidade
clínica e confere respectivamente a meta de tempo para a intervenção médica (se imediata
ou em até 120 minutos);
b. Critérios da síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS);
c. Suspeita de sepse (quick sequential organ failure assessment score [qSOFA]): FR ≥ 22
irpm, PA sistólica ≤ 100 mmHg associada à alteração do nível de consciência (Glasgow < 15);
d. Estimativa de perda volêmica sanguínea e classificação do choque hipovolêmico
hemorrágico em graus I, II, III e IV, de acordo com o American College of Surgeons Committee
on Trauma;
e. Entre outros métodos.

Portanto, sabendo-se de sua ampla e importante aplicabilidade no cotidiano dos cuidados à


saúde, é essencial salientar que todos os profissionais da saúde necessitam valorizar esses
dados, ter o conhecimento e habilidade necessária para sua avaliação e conferir a devida
importância do seu registro em prontuário, para, desse modo, possibilitar a interpretação médica
de precoces indícios de deterioração funcional do(a) paciente, favorecendo rápidas alterações
na condução clínica, modificando, portanto, o desfecho/prognóstico do(a) paciente.
Os sinais vitais compõem-se classicamente de: (1) PA sistêmica; (2) temperatura corporal;
(3) FC; (4) FR. A dor, apesar de ser um sintoma, ou seja, um dado subjetivo, pode tornar-se algo
objetivo por meio da aplicação de escalas.
Apesar de sua relevância clínica, os sinais vitais vêm inapropriadamente sendo
negligenciados por médicos e enfermeiros em detrimento dos modernos parâmetros
laboratoriais, não sendo infrequentes seus registros de forma negligente ou omitidos nos
prontuários dos pacientes. Reforçando tal conjuntura, pode-se citar que muitos profissionais de
saúde desconhecem a informação de que a queda na PA é uma alteração tardia e não um
indicativo precoce de deterioração clínica, esta normalmente precedida por um aumento
compensatório nas FC e FR. Contudo, devido a tal desconhecimento, desvalorizam-se essas
alterações de fácil e rápida avaliação, causando, portanto, atraso no diagnóstico clínico.
Quadro 1. Exemplos de situações clínicas em que os sinais vitais são pilares para o raciocínio clínico e a
hipótese diagnóstica.

SINAIS VITAIS
QUADRO RACIOCÍNIO
FC FR TAX PA CLÍNICO CLÍNICO
DOR
(bpm) (irpm) (°C) (mmHg)

Paciente proveniente de
zona rural, internada
com quadro clínico de
mal-estar inespecífico,
cefaleia, perda de peso e
hepatoesplenomegalia
Sinal de Faget
sem alterações
(dissociação pulso-
significativas nos
temperatura)
exames laboratoriais
EVN:
70 18 40°C 110 × 80 Devido a diagnóstico
A 2 Hipóteses
inconclusivo, o caso
diagnósticas:
clínico foi levado à
Brucelose?
sessão clínica, e o
Febre tifoide?
médico-residente
salientou tal achado nos
controles de
enfermagem
(dissociação pulso-
temperatura)
SINAIS VITAIS
QUADRO RACIOCÍNIO
FC FR TAX PA CLÍNICO CLÍNICO
DOR
(bpm) (irpm) (°C) (mmHg)

Idoso em leito de UTI


devido à hemiplegia
súbita há 24 h.
Tomografia de crânio
inicial demonstrando
acidente vascular
cerebral isquêmico Tríade de Cushing
(AVCi) em artéria (bradicardia +
cerebral média sem hipertensão arterial +
EVN: desvio de linha média. alteração do ritmo
B 40 16 36,5°C 200 × 120 não Conduta inicial respiratório):
aplicável conservadora pela
neurocirurgia. Sob Hipótese diagnóstica:
monitoramento contínuo hipertensão
em UTI e intubado intracraniana
devido a rebaixamento
do nível de consciência,
evolui com hipertensão
arterial, bradicardia e
alteração do ritmo
respiratório
SINAIS VITAIS
QUADRO RACIOCÍNIO
FC FR TAX PA CLÍNICO CLÍNICO
DOR
(bpm) (irpm) (°C) (mmHg)

qSOFA ≥ 2 (Glasgow <


15 e FR ≥ 22 irpm)

Hipótese diagnóstica:
sepse de foco
pulmonar

Imunocomprometido
O fato de o paciente
comparece ao Pronto-
não apresentar febre
Socorro com mal-estar
não exclui gravidade
inespecífico, sonolência
clínica nem descarta
(Glasgow 14),
hipótese de quadro
prostração e queixa de
infeccioso. Atentar
C 120 26 36,8°C 120 × 80 EVN: 0 tosse seca há 3 dias.
para o fato do mesmo
Nega febre.
ser
Eletrocardiograma
imunocomprometido
demonstra taquicardia
(ou seja, não
sinusal. Ausculta
apresentar resposta
respiratória sem
inflamatória sistêmica
alterações
adequada) e que
taquicardia e
taquipneia são
normalmente sinais
precoces de
deterioração clínica
conforme caso
apresentado
SINAIS VITAIS
QUADRO RACIOCÍNIO
FC FR TAX PA CLÍNICO CLÍNICO
DOR
(bpm) (irpm) (°C) (mmHg)

Ausência de
taquicardia reflexa

Hipótese diagnóstica:
choque neurogênico
secundário a lesão
Vítima de trauma
vertebral/medular
cervical após mergulho
alta
em piscina rasa.
Paciente imobilizado
Tal achado deve ser
pelo SAMU é admitido
reconhecido e
em hospital, com
diferenciado do
extremidades quentes e
choque hipovolêmico,
D 70 24 37°C 70 × 40 EVN: 6 secas, hipotenso, com
no qual a pressão
colar cervical, em
arterial está diminuída
prancha rígida, com
e acompanhada de
déficit motor bilateral em
taquicardia. O
membros inferiores e
emprego de aminas
superiores(tetraplegia),
vasoativas deve ser
perda de resposta a
realizado
estímulo doloroso
precocemente, e a
reposição volêmica
aplicada de forma
parcimoniosa, diante
do risco de
sobrecarga
SINAIS VITAIS
QUADRO RACIOCÍNIO
FC FR TAX PA CLÍNICO CLÍNICO
DOR
(bpm) (irpm) (°C) (mmHg)

Jovem com quadro de


infecção viral de vias
respiratórias superiores.
Evolui com dor torácica
ventilatório-dependente
com melhora em
posição sentada e com Tríade de Beck
tórax inclinando para (taquicardia +
80 × 50 frente. Dias após, hipotensão arterial +
------------- progrediu para dispneia bulhas hipofonéticas)
E 115 24 36°C 65 × 45 EVN: 8 aos esforços e
(durante hipotensão, procurando
inspiração) pronto atendimento Hipótese diagnóstica:
tamponamento
Ao exame físico: cardíaco por
turgência jugular, bulhas pericardite viral
cardíacas hipofonéticas,
pulso paradoxal (queda
> 10 mmHg na PA
sistólica aferida durante
inspiração)

* FC: frequência cardíaca; FR: frequência respiratória; TAX: temperatura axilar; PA: pressão arterial; bpm: batimento por
minuto; irpm: incursão respiratória por minuto; EVN: escala verbal numérica; UTI: Unidade de Terapia Intensiva; SAMU:
Serviço de Atendimento Médico de Urgência.

Compreendendo-se, portanto, a importância da interpretação dos sinais vitais no raciocínio


clínico, na terapia, na evolução e no desfecho do quadro clínico, é primordial que os sinais vitais
sejam aferidos de forma precisa, o que exige cuidado e acurácia propedêutica pela equipe de
saúde. A seguir será descrita a adequada propedêutica relacionada à aferição e ao registro de
cada um dos sinais, além de suas aplicações na prática clínica.

PRESSÃO ARTERIAL
A PA é resultado do produto do débito cardíaco (quantidade de sangue bombeado pelo
coração que exerce pressão na aorta) × resistência vascular periférica (determinada por vários
mecanismos vasoconstritores e vasodilatadores, como o sistema nervoso simpático, o sistema
renina-angiotensina, a modulação endotelial, além da espessura dos vasos) (Figura 1). Sua
regulação é uma das funções mais complexas do corpo e depende da ligação entre os sistema
cardiovascular, renal, neural e endócrino. Em resumo, ela é a força que o sangue faz contra a
parede das artérias do corpo, após sua ejeção do ventrículo esquerdo.

Figura 1. Conceito de pressão arterial sistêmica.

Fonte: autoria própria

Pode-se determinar a pressão arterial de uma pessoa por dois métodos: não invasivo e
invasivo. De forma geral, o método não invasivo, ou indireto, tem menos riscos e maior
aplicabilidade na prática. Pelo método não invasivo, destaca-se a técnica auscultatória, pela
qual se utiliza o estetoscópio associado ao esfigmomanômetro, e determina-se a PA através dos
sons de Korotkoff. Na técnica oscilométrica, utilizam-se aparelhos digitais que estipularão a
pressão arterial média (PAM) do paciente através do valor de oscilação máxima, sendo
calculadas as pressões arteriais sistólica (PAS) e diastólica (PAD) através de algoritmos do
equipamento.

Tabela 1. Descrição dos sons de Korotkoff.

Primeiro som, fraco, seguido por batidas regulares. Equivale à pressão


Fase I ou K1
sistólica.

Sons da fase I seguidos por sons sibilantes ou por sopros; caracteriza-


Fase II ou K2
se por sons suaves e longos, como um murmúrio intermitente.

Amplificação dos sons da fase II, correspondente ao aumento do


Fase III ou K3 volume de sangue que passa pela artéria ainda parcialmente
comprimida; os sons são mais crispados.
Fase IV ou K4 Os sons se tornam súbita e nitidamente abafados

Os sons cessam completamente porque a artéria foi descomprimida e


Fase V ou K5 o fluxo passa a ser laminar. O valor indicado no manômetro
corresponde à pressão diastólica.

O método invasivo ou direto, avalia e monitora a PA de forma contínua através do


posicionamento de um cateter intra-arterial. Apesar de ser considerado padrão-ouro para
determinação pressórica, o cateterismo arterial é reservado para pacientes hemodinamicamente
instáveis com necessidade de medicamentos vasoativos e/ou que se submeterão a
prolongados períodos intraoperatórios ou cirurgias de grande porte. Tal procedimento não é
rotineiramente realizado, pois não é isento de complicações, como trombose arterial, formação
de pseudoaneurisma, fístula arteriovenosa, dentre outros.
Em se tratando da obtenção da PA sob a técnica auscultatória (que deve ser conhecida por
todo profissional de saúde), pode-se utilizar o esfigmomanômetro de coluna de mercúrio ou o
aneroide (Figura 2) (não se utiliza de qualquer tipo de líquido manométrico) devidamente
calibrado. Devido ao risco de contaminação ambiental e toxicidade, existe a propensão em
descontinuar os equipamentos de coluna de mercúrio do seu uso rotineiro. Vale ressaltar que
todos os instrumentos de medicação devem ser aprovados pelo INMETRO - Rede Brasileira de
Metrologia Legal e Qualidade e passar por verificação periódica.

Como aferir a PA:


Antes de realizarmos a aferição pressórica da forma indireta, devemos avaliar o melhor tipo
de braçadeira para o paciente em questão. De forma geral, quando usamos um manguito de
tamanho menor do que o braço do paciente, resultará em uma pressão falsamente elevada. O
inverso também acontece: quando utilizados um manguito maior, a pressão pode ser menor do
que a real. Devido a tal motivo, o ideal é termos disponível diversos tamanhos de manguitos.

Figura 2. Esfigmomanômetro aneroide.


Fonte: autoria própria

Pode-se aferir a PA em braços, antebraços, coxas ou pernas, respeitando-se as relações entre


o tamanho da circunferência do membro e a largura do manguito e o comprimento da bolsa
insufladora.
Utilizando o braço direito como membro preferível para aferição pressórica, determine a
circunferência dele no ponto médio entre o acrômio e o olécrano; selecione o manguito que
tenha largura aproximada de 40% da circunferência do membro e comprimento mínimo de 80%.
De forma geral, as dimensões do manguito padronizado pela faixa etária encontram-se na
Tabela 2.

Tabela 2. Dimensões do manguito de acordo com a circunferência do membro.

Fonte: 7ª Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial.

Nos ambientes hospitalares e ambulatoriais, o manguito mais comumente encontrado é o de


adulto padrão, que mede 13 cm de largura por 30 cm de comprimento. Através dele, pode-se
corrigir o valor pressórico real, pela Tabela 3, caso não se possua o manguito apropriado no
momento da aferição pressórica.
Tabela 3. Fatores de correção da pressão arterial medida com manguito de adulto padrão (13 cm de largura
× 30 cm de comprimento), de acordo com a circunferência do braço do paciente.

PAS: pressão arterial sistólica; PAD: pressão arterial diastólica.


Fonte: 7ª Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial.

Aferição pressórica:
Informe o procedimento ao paciente, deixando-o em repouso por 3 a 5 minutos em ambiente
calmo. Caso o paciente tenha realizado exercícios físicos, certifique-se de que o mesmo fique
em repouso durante 60 minutos e que não tenha ingerido bebidas alcoólicas, café ou alimentos
nem tenha fumado nos 30 minutos anteriores.
Oriente que, durante a aferição, não se deve conversar. Assegure-se que o paciente não
esteja com dor, bexiga cheia, roupas/adornos que garroteiem o membro, ou com as pernas
cruzadas.
O paciente deve estar sentado e relaxado, com pés apoiados no chão e o dorso recostado na
cadeira. O membro superior deve estar na altura do coração, apoiado, com a palma da mão
voltada para cima. Se o paciente estiver em pé, apoie o braço no nível do meio do tórax.
Coloque o manguito, sem deixar folgas, 2 a 3 cm acima da fossa cubital e centralize o meio
da parte compressiva do manguito sobre a artéria braquial. Estime PAS pelo método de
palpação: palpe o pulso radial e insufle o manguito até não conseguir senti-lo; visualize o valor
que estiver no manômetro e acrescente 30 mmHg. Utilize esse valor para as insuflações
subsequentes, após 30 segundos de intervalo. Proceda à deflação lentamente (velocidade de 2
mmHg por segundo) após posicionamento do estetoscópio na artéria braquial na fossa cubital.
Determine o primeiro som (fase I de Korotkoff, equivalente à PAS) e o desaparecimento dos sons
(fase V de Korotkoff, equivalente à PAD). Se os batimentos persistirem até o nível zero,
determinar a PAD no abafamento dos sons (fase IV de Korotkoff) e anote os valores da
PAS/PAD/zero. Realize pelo menos duas aferições, com intervalo em torno de um minuto. Meça
a pressão em ambos os braços na primeira consulta e use o valor do braço em que foi obtida a
maior pressão como referência.
Tal método de aferição é utilizado no técnica auscultatória e serve tanto para evitar
desconforto e superestimação pressórica quando o manguito é insuflado por um valor
excessivo, como evita o erro ocasional provocado pelo hiato auscultatório (um desaparecimento
do som entre a PAS e a PAD), que pode gerar uma subestimação da PAS ou superestimação da
PAD (Figura 3).

Figura 3. Hiato auscultatório: situações hipotéticas.

PA: pressão arterial. Imagem: autoria própria

Ainda utilizando a palpação da artéria radial, podem-se pesquisar ativamente, por meio da
manobra de Osler, sinais indiretos de rigidez arterial. Esta condição é decorrente do processo de
calcificação da camada média de artérias de médio e pequeno calibres, esclerose de
Monckeberg. Desse modo, as artérias braquial e radial, pelo fato de sofrerem tal processo de
calcificação, podem, durante a aferição da pressão arterial (pressão do cuff insuflado a 30
mmHg acima do desaparecimento do pulso radial), ter seus trajetos palpáveis apesar da
ausência de pulso, resultando, assim, em uma manobra de Osler positiva. Essa “rigidez das
artérias” provoca uma pseudo-hipertensão arterial, evento que deve ser suspeitado, quando o
paciente desenvolve tontura após início de terapia anti-hipertensiva ou otimização dessa terapia.
É mais comum nos seguintes grupos: idosos, indivíduos do sexo masculino, pessoas com
diabetes mellitus, insuficiência renal crônica e redução na densidade mineral óssea.
O resultado dessa manobra (Osler positivo), apesar de sua baixa sensibilidade e
especificidade, é válido para prosseguir com a exclusão do diagnóstico de pseudo-hipertensão
arterial, para, assim, individualizar o tratamento anti-hipertensivo do paciente evitando-se
possíveis efeitos colaterais.
A correta aferição da PA é importante para diagnóstico da hipertensão arterial sistêmica
(HAS) e sua importância faz parte do controle de comorbidades associadas ao risco
cardiovascular. É recomendado realizar a triagem para HAS em todos os indivíduos, e em caso
de valores pressóricos alterados, deve-se efetuar a aferição pressórica fora do ambiente do
consultório sempre que possível, através de monitoramento ambulatorial da pressão arterial
(MAPA) – considerado padrão-ouro – ou monitoramento residencial da pressão arterial (MRPA).
Tais métodos para aferição pressórica servem também para se identificar a síndrome do jaleco
branco – quando os níveis pressóricos encontram-se mais elevados em ambientes clínicos, e as
médias ambulatoriais situam-se nos limites de normalidade – e hipertensão mascarada, que é
definida como pressão normal em consultório, mas elevada durante o dia, quando aferida no
domicílio ou no ambulatório.
A definição e o estadiamento da hipertensão arterial sugeridos pelo Colégio Americano de
Cardiologia/Associação Americana do Coração (ACC/AHA) em 2017 é descrita abaixo:

• PA normal – sistólica < 120 mmHg e diastólica < 80 mmHg


• PA elevada – sistólica de 120 a 129 mmHg ou diastólica < 80 mmHg
• Hipertensão:
• Estágio 1 – sistólica de 130 a 139 mmHg ou diastólica de 80 a 89 mmHg
• Estágio 2 – sistólica ≥ 140 mmHg ou diastólica ≥ 90 mmHg.
Vale salientar que a Sociedade Europeia de Cardiologia e a Sociedade Europeia de
Hipertensão Arterial (ESC/ESH) 2018 difere da ACC/AHA, como apresentado a seguir:

• PA ideal – sistólica < 120 mmHg e diastólica < 80 mmHg


• PA normal – sistólica de 120 a 129 mmHg e diastólica de 80 a 84 mmHg
• PA elevada – sistólica de 130 a 139 mmHg e/ou diastólica de 85 a 89 mmHg
• Hipertensão:
• Estágio 1 – sistólica de 140 a 159 mmHg e/ou diastólica de 90 a 99 mmHg
• Estágio 2 – sistólica de 160-179 mmHg e/ou diastólica de 100 a 109 mmHg
• Estágio 3 – sistólica ≥ 180 mmHg ou diastólica ≥ 110 mmHg.
Se houver disparidade de categorias entre as pressões sistólica e diastólica, o valor mais
alto determinará o estágio.
Valores mais baixos de PA também merecem atenção. Em se tratando de um setor de
triagem em unidade de pronto atendimento, setor de observação ou unidade de cuidados
intensivos, valores pressóricos baixos sinalizam que paciente pode evoluir desfavoravelmente,
tornando prioritário o atendimento a este indivíduo.
TEMPERATURA
Pela física, a temperatura é definida como uma medida estatística do nível de agitação entre
as moléculas. Os seres humanos são homeotérmicos, ou seja, são seres vivos capazes de
manter sua temperatura corporal em um nível constante, favorecendo o metabolismo mesmo
diante de oscilações térmicas do meio ambiente. A temperatura central (Tc) média do corpo
humano costuma ser considerada normal entre 36,5°C e 37°C, permanecendo em níveis
constantes a +/- 0,6°C. A manutenção da temperatura corpórea é essencial para o completo e
adequado funcionamento do corpo com suas reações bioquímicas. Tanto o aumento
(principalmente quando Tc > 41,5°C) quanto a diminuição da temperatura corporal (Tc < 35°C,
principalmente Tc < 33,5°C) causam prejuízos funcionais ao corpo humano que podem provocar
lesões orgânicas e, eventualmente, a morte.
Dois diferentes mecanismos podem acarretar aumento da Tc corporal. O primeiro decorre de
mau funcionamento orgânico com produção de citocinas pró-inflamatórias resultantes,
normalmente, de um processo infeccioso, ocasionando febre. O segundo mecanismo provém de
um desequilíbrio entre a produção de calor (metabolismo) e a perda do mesmo para o meio
externo, controlada por vários mecanismos regulatórios da temperatura. Tal equilíbrio é regido,
quase inteiramente, por mecanismos de feedback neurais e quase todos esses mecanismos
operam por meio de centros regulatórios da temperatura, localizados no hipotálamo.
A temperatura corporal pode ser obtida em diversos locais do corpo, como axila, esôfago,
reto, membrana timpânica, artéria temporal, artéria pulmonar e bexiga, no entanto apenas as
medidas realizadas no esôfago, bexiga, reto e artéria pulmonar retratam com maior exatidão a
temperatura central.

Quadro 2. Acessórios de aferição de temperatura corporal, vias de mensuração, vantagens e desvantagens.

Vias de
Acessório Imagem ilustrativa Vantagens Desvantagens
mensuração

Tempo mais
longo para
mensuração;
Risco de quebra;
Risco de
contaminação
Baixo custo; -
do meio
Termômetro Precisão; - Sem
Axilar e oral ambiente e do
de coluna necessidade de
indivíduo
calibração.
(mercúrio);*
Leitura difícil
para idosos ou
pessoas com
pouca acuidade
de visão.
Vias de
Acessório Imagem ilustrativa Vantagens Desvantagens
mensuração

Baixo custo;
Necessidade de
Utilização simples
calibração
Termômetro Axilar, oral e e fácil;
periódica;
digital retal Mensuração
Necessidade de
rápida;
troca de bateria.
Leitura fácil.

Termômetro 1) Timpânica Mensuração Necessidade de


com sensor rápida; calibração;
infravermelho Leitura de fácil Necessidade de
visualização; troca de bateria;
Auricular Comodidade para Alto custo;
uso pediátrico; Necessidade de
Higiene no caso ser colocado a
do tipo temporal, uma distância
por não adequada para
necessitar de garantir a
contato (usado precisão;
2) Temporal bastante por Alguns
(testa) vigilância trabalhos
Sem contato epidemiológica). demonstraram
ser um método
sem precisão.
Vias de
Acessório Imagem ilustrativa Vantagens Desvantagens
mensuração

Mensuração
Necessidade de
rápida e fácil;
Termômetro calibração;
Comodidade para
digital tipo Oral Necessidade de
uso pediátrico;
chupeta troca de bateria.
Leitura de fácil
Alto custo.
visualização.

Acompanhamento Baixa precisão;


Adesivo para Axilar, peitoral
constante; Custo elevado
avaliação de ou em região
Comodidade para por ser
temperatura frontal
uso pediátrico. descartável.
Vias de
Acessório Imagem ilustrativa Vantagens Desvantagens
mensuração

Procedimento
invasivo;
Dificuldade de
Acurácia; inserção do
Via preferencial termostato;
Esofágica
Sensor de no contexto de Irritação pela
temperatura trauma conforme passagem da
(método
esofágica Advanced Trauma sonda pela via
invasivo)
Life Support nasal ou oral;
(ATLS); Desconforto do
paciente por ser
um método
invasivo.

Acurácia;
Contraindicado
Sensor de Praticidade em
em caso de
temperatura Vesical pacientes
paciente
em sonda (método internados com
anúrico;
vesical de invasivo) indicação de
Procedimento
demora sondagem vesical
invasivo.
de demora.
Vias de
Acessório Imagem ilustrativa Vantagens Desvantagens
mensuração

Acurácia
Praticidade em
crianças e adultos
para os quais a
verificação da
temperatura por
Alguns
via oral geraria o
consideram
risco de
procedimento
Retal ferimentos (por
Sensor de invasivo e
inconsciência,
temperatura humilhante ao
(método pós-cirurgia em
retal paciente devido
invasivo) cavidade oral,
à via de
convulsão) ou
aplicação do
aferição sem
sensor
acurácia (ingestão
de líquidos
recentemente
pela boca ou
respiração pela
boca).

Procedimento
invasivo com
risco de graves
Arterial intercorrências;
Padrão-ouro em
Pulmonar Necessidade de
Cateter mensurar
profissional
Swan-Ganz temperatura
(método médico
central.
invasivo) especializado
em leito de
cuidados
intensivos.

A temperatura corpórea é um dos sinais vitais que, na prática diária, a partir da verificação de
um estado febril, auxilia bastante na suspeita de alguma comorbidade infecciosa. Por isso,
torna-se um dos principais motivos de procura de atendimento hospitalar. Além disso, a
avaliação térmica é um importante meio de rastreamento infeccioso usado pela vigilância
epidemiológica em populações de risco, quando em situações de surtos ou epidemias. Em tais
situações, a avaliação térmica é usada como um método de triagem de indivíduos com
indicação de quarentena na tentativa de contenção de surtos e realização do tratamento
adequado.
É válido salientar que a febre é um critério prioritariamente verificado nos cuidados de saúde
como indício de infecção vigente e tradicionalmente tem conotações negativas para o bem-estar
do paciente. Contudo, é importante mencionar que: (I) infecções nem sempre são
acompanhadas de elevação da Tc como, por exemplo, em indivíduos senis ou
imunocomprometidos; (II) situações inflamatórias não originadas por agente infeccioso (p. ex.,
doenças autoimunes ou oncológicas) podem ser a causa direta da febre. Avanços importantes
nos últimos 20 anos em Imunologia e Neurofisiologia expandiram a compreensão do processo
de febre como parte da resposta da fase aguda a uma natureza adaptativa do sistema imune.
Desse modo, uma questão frequentemente levantada é se tal elevação térmica seria benéfica ou
não ao sistema imune, aumentando a fagocitose ou a formação de anticorpos.
É importante ressaltar que a febre não é apenas um sinal. Deve ser considerada parte de uma
síndrome (síndrome febril), pois vem acompanhada de uma série de alterações fisiológicas
como: taquicardia, taquipneia, astenia, calafrios, sudorese etc. Desse modo, espera-se aumento
da FC concomitante ao aumento da temperatura corporal; caso haja dissociação pulso-
temperatura, configura-se sinal de Faget, indicativo de doenças como febre amarela, brucelose e
febre tifoide.
A aplicabilidade da avaliação térmica como sinal vital é bem ampla. Verificam-se vários
métodos e vias de verificação de temperatura, cada um com suas vantagens e desvantagens
(Quadro 2). De acordo com o contexto vigente, podem ser exemplificadas várias situações com
diferentes formas de avaliação térmica: (1) criança em domicílio sendo avaliada pelo próprio
responsável no rastreamento de febre com um termômetro de coluna em região oral; (2)
paciente na admissão hospitalar com critérios de sepse com termômetro digital em região
axilar; (3) paciente em cuidados intensivos em UTI neurológica com controle térmico via sensor
esofágico, retal ou vesical; (4) uma equipe de vigilância epidemiológica realizando a verificação
térmica em cidadãos no aeroporto via termômetro de infravermelho sem contato em viajantes
oriundos de um local sob surto epidemiológico.
Pelo fato da disponibilidade de vários métodos invasivos e não invasivos de verificação da
temperatura corporal na tentativa de estimar a real temperatura do corpo, temperatura corpórea
central, diferentes valores térmicos são comumente observados ao se compararem distintas
metodologias e vias de mensuração. A temperatura corpórea quando aferida pela via retal
costuma ser 0,6°C mais alta que a mensurada pela via oral. A temperatura corpórea quando
aferida pela via membrana timpânica costuma ser 1,24°C mais baixa que a temperatura
esofágica (Poveda, 2016). Por tal motivo, recomenda-se que o registro térmico em prontuário
venha com siglas referentes à via de mensuração: Tax (temperatura axilar); Tesof (temperatura
esofágica); Toral (temperatura oral); Tret (temperatura retal) etc. É necessário conhecer as
diferenças fisiológicas existentes entre os três locais – oco axilar, boca e reto –, porque, em
determinadas situações patológicas (abdome agudo e afecções pélvicas inflamatórias), a
medida das temperaturas axilar e retal tem valor clínico, quando se encontra uma diferença
maior que 0,5°C (Porto, 2019) .
Além de tais diferenças na interpretação dos valores térmicos de acordo com a via de
mensuração e sua acurácia, é importante lembrar que não há consenso na literatura ou em
protocolos assistenciais em relação aos valores térmicos que caracterizariam febre. De acordo
com cada sociedade médica e seu intuito, os valores podem ser diferentes na tentativa de
cumprir melhor seus objetivos. Desse modo, o Center for Disease Control and Prevention (CDC),
como entidade de controle epidemiológico, considera febre como temperatura ≥ 38oC (100,4oF),
pois necessita de um parâmetro térmico pontual e objetivo na triagem de possíveis indivíduos
doentes que necessitem de terapia e quarentena. Enquanto isso, a Infectous Diseases Society of
America (IDSA) define febre como suspeita de infecção nos casos de: (1) temperatura oral
isolada > 100°F (> 37,8°C); ou (2) repetidas temperaturas orais > 99°F (> 37,2°C) ou temperatura
retal > 99,5°F (> 37,5°C); ou (3) aumento na temperatura > 2°F (> 1,1°C) em relação à temperatura
basal.
Na prática clínica, de acordo com Castle et al., a definição do valor térmico de ≥ 100°F
(37,8°C) em temperatura isolada pela via oral é um excelente meio de rastreamento infeccioso,
pois alcançou uma sensibilidade de 70% mantendo uma excelente especificidade de 90%, com
um valor preditivo positivo de 55%.
Além da aplicação na avaliação inicial do paciente, o acompanhamento do padrão de
evolução da temperatura pode auxiliar a caracterizar o padrão da febre e, consequentemente,
auxiliar na suspeita diagnóstica e sua resolução pode fornecer indícios de resposta à terapia
implementada. Em termos da sua evolução, os padrões de variação de febre são contínuo,
intermitente, remitente e recorrente (Figura 4 ). Cada comportamento com um grupo de
hipóteses diagnósticas normalmente associadas. Os mecanismos fisiopatológicos na base
destes padrões têm em consideração o ciclo de vida do agente infeccioso e a alteração na
liberação de citocinas que ocorre em grande variedade de patologias.

Figura 4. Padrões de variação de temperatura e febre.

Imagem: autoria própria

Tanto a elevação da temperatura (febre, hiperpirexia ou hipertermia) quanto a hipotermia são


importantes alterações a serem detectadas e consideradas no raciocínio clínico-laboratorial e,
consequentemente, nas medidas implementadas (Quadro 3).

Quadro 3. Diferenças conceituais em elevações de temperatura corpórea.


Diferenças conceituais em elevações de temperatura corpórea (Tc)

Febre, hiperpirexia e hipertermia não são sinônimos

Elevação da temperatura corporal na presença de uma redefinição no ponto


de ajuste térmico normal no hipotálamo. Alteração fisiológica envolvendo
níveis elevados de prostaglandina E2 no hipotálamo que elevam o ponto de
ajuste térmico, por exemplo, de 37°C para 39°C. Obedecendo ao comando do
hipotálamo, ocorre vasoconstrição periférica (motivo da sensação de frio) na
tentativa de elevar a temperatura central para 39°C. Tremor pode ser iniciado
Febre para aumentar a produção de calor pelos músculos. Com a elevação da
temperatura corpórea, o ponto de ajuste térmico é alcançado (39°C) e o
hipotálamo agora mantém a nova configuração na temperatura do nível febril,
assim como no nível normotérmico. Quando o ponto de ajuste hipotalâmico é
redefinido para baixo (37°C), os processos de perda de calor são acelerados
por vasodilatação e sudorese. Tal redefinição pode decorrer de redução na
concentração de pirogênios ou ao uso de antipiréticos

Febre muito alta (Tc > 41,5°C). Observada comumente em infecções graves e
Hiperpirexia em pacientes com sangramento no sistema nervoso central. Conduta:
antipiréticos + manta de resfriamento
Diferenças conceituais em elevações de temperatura corpórea (Tc)

Febre, hiperpirexia e hipertermia não são sinônimos

Elevação da temperatura corporal na presença de um ponto de ajuste térmico


normal no hipotálamo. Pode ser rapidamente fatal e seu tratamento difere da
febre. Apesar do controle fisiológico comportamental da temperatura
corporal, a produção excessiva de calor pode ocorrer facilmente.
Síndrome de insolação, certas doenças metabólicas e efeitos de agentes
farmacológicos que interferem na termorregulação. Em contraste com a febre,
o estabelecimento do centro termorregulador durante a hipertermia permanece
inalterado nos níveis normotérmicos, enquanto a temperatura corporal aumenta
de maneira descontrolada e anula a capacidade de perder calor. A exposição ao
calor exógeno e a produção de calor endógeno são dois mecanismos pelos
quais a hipertermia pode resultar em temperaturas internas perigosamente
altas

Hipertermia
Dica: história anterior de exposição ao calor ou ao uso de certos
medicamentos que interferem na termorregulação normal. Antipiréticos não
reduzem a temperatura elevada na hipertermia

Causas: ecstasy, neurolépticos (síndrome neuroléptica maligna), agentes


anestésicos voláteis +/- succinilcolina (hipertermia maligna), inibidores de
recaptação de serotonina (síndrome serotoninérgica)

Conduta: descobrir a causa da hipertermia para o devido tratamento


Síndrome neuroléptica maligna: interromper medicação +
dantrolene/bromocriptina/amantadina.
Hipertermia maligna: dantrolene
Síndrome serotoninérgica: interromper medicação + cipro-heptadina (antídoto)

Adaptado de Dinarello et al., 2020.

Considera-se hipotermia o estado no qual a Tc do indivíduo é menor que 35°C. Os idosos são
particularmente suscetíveis a esta condição, devido a sua incapacidade de aumentar sua
produção de calor e de diminuir a perda de calor por vasoconstrição. As crianças também são
mais suscetíveis devido à maior superfície corporal total relativa e por disporem de fontes
limitadas de energia.
Nos protocolos internacionais de trauma, a hipotermia compõe juntamente com a
coagulopatia e a acidose metabólica a ´´tríade da morte´´. Vítimas de trauma também são mais
suscetíveis à hipotermia, e qualquer grau de hipotermia pode se tornar prejudicial, com
importante aumento de mortalidade. Nestes indivíduos, diferentemente da classificação
tradicional de hipotermia (Tc < 35°C), qualquer Tc abaixo de 36°C deve ser interpretada como
hipotermia e Tc abaixo de 32°C constituem-se em estados de hipotermia grave (Quadro 4).
Quadro 4. Classificação, estágios e achados clínicos da hipotermia.

Classificação Classificação
tradicional do trauma
Estágio da hipotermia Achados clínicos
(temperatura (temperatura
central) central)

Tremores com manutenção do


Estresse ao frio nível de consciência normal.
35°C a 37°C ----
(sem hipotermia) Funções normais. Capaz de
cuidar de si mesmo

Alerta com tremores. Sem


Hipotermia leve 32°C a 35°C 34°C a 36°C capacidade de cuidar de si
mesmo

Nível de consciência alterado.


Pode estar consciente ou
Hipotermia moderada 28°C a 32°C 32°C a 34°C
inconsciente, com ou sem
tremor

Hipotermia grave < 28°C < 32°C Inconsciente. Sem tremores

Adaptado de Zafren et al., 2020.

Como o controle térmico central é essencial no contexto de trauma, visto a demonstração de


menor tolerância de redução térmica corpórea nesses protocolos (< 36°C em vez de < 35°C), o
rigoroso controle térmico preferencialmente deve ser realizado pela via esofágica e requer
termômetros capazes de registrar temperaturas baixas.
Após as explanações relacionadas à importância e à aplicabilidade da temperatura como
sinal vital interferindo na condução do caso clínico, seguem-se as recomendações técnicas de
como realizar adequadamente a verificação da temperatura, conforme a técnica e a via de
mensuração mais comumente empregada no Brasil: oco axilar, a partir do uso do termômetro
digital ou de coluna. Para sua utilização correta, são necessários os seguintes passos:

• Passo 1: Realize a higiene da axila, evitando-se umidade no local, e do termômetro com


algodão embebido de álcool etílico a 70%;

• Passo 2 :
• (em caso de termômetro digital): Ligue o termômetro pressionando o botão
“liga/desliga” que geralmente fica ao lado do visor. Um sinal sonoro será ouvido.
Verifique se no visor aparece o ícone <L> intermitente. O termômetro estará pronto
para mensuração. (obs.: o ícone pode não aparecer se a temperatura ambiente for
superior a 32°C ou o aparelho estiver com defeito ou sem bateria).

• (em caso de termômetro de coluna): Verifique se a coluna de mercúrio encontra-se


abaixo de 35°C. Não segure o termômetro pelo bulbo, pois isso pode alterar a
mensuração da temperatura. Caso o termômetro não esteja abaixo de 35°C, reduza a
coluna de líquido utilizando força centrífuga (agite rapidamente o termômetro para
baixo, segurando-o pela extremidade contrária ao bulbo);

• Passo 3: Posicione adequadamente o sensor do termômetro digital ou bulbo do


termômetro de coluna no oco axilar. Mantenha o braço na posição normal ou cruze os
braços sobre o peito. Aguarde pelo sinal sonoro do termômetro digital ou por 3 a 5
minutos em caso de termômetro de coluna;

• Passo 4: Faça a leitura do valor térmico registrado. Em caso de termômetro digital,


registre o valor da temperatura mostrado no visor; em caso de termômetro de coluna,
mantendo o termômetro no nível dos olhos e rodando-o entre os dedos até que a linha
de mercúrio possa ser vista. Registre o valor e informe o resultado ao paciente;

• Passo 5: Lembre-se de desligar o termômetro digital após o uso. Realizar limpeza


conforme técnica de higiene, após o uso tanto do digital quanto do de coluna. Guardar
no estojo protetor.
A mensuração da temperatura na cavidade oral é bastante comum em outros países. Coloca-
se o termômetro na região sublingual após a devida higienização. O paciente não pode ter
ingerido bebida ou comida nos últimos 5 minutos. Colocar a sonda do termômetro sob a língua
e fechar a boca. Manter a boca fechada durante o procedimento. Respirar pelo nariz. Usar os
lábios para segurar o termômetro firmemente no lugar. Deixe o termômetro na boca por cerca de
3 minutos ou até o dispositivo emitir um bipe. Checar a temperatura e depois enxaguar o
termômetro em água fria, limpar com álcool e enxaguar novamente.
Para verificação pela via retal, coloque vaselina na sonda de um termômetro retal para
facilitar sua introdução no canal anal. Inserir apenas cerca de 1 a 2,5cm no canal anal e esperar
3 minutos ou quando o dispositivo emitir um bipe. Recomenda-se que coloque a criança em
decúbito ventral em uma superfície plana ou no colo. Por ser um procedimento em região
incômoda, cuidado para a criança, ao se mexer, não empurrar o termômetro muito
profundamente no canal anal. Nesse caso, o uso de termômetro deve ser individual.
É importante lembrar que desde 1º de janeiro de 2019 estão proibidas a fabricação,
importação e comercialização de produtos com mercúrio, como termômetros e aparelhos de
pressão que utilizem tal substância. A medida também inclui a proibição de uso desses
equipamentos em serviços de saúde, que deverão ser descartados conforme resolução da
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) no
145/2017.

FREQUÊNCIA CARDÍACA
O batimento cardíaco normal e efetivo é o responsável pela propulsão sanguínea no corpo
humano. Envolve um complexo sistema de rede elétrica intracardíaco, sincronismo no
movimento de contratura e de relaxamento do miocárdio, além de simultânea abertura e
fechamento de valvas cardíacas. O nó sinoatrial, localizado no átrio direito, é o marca-passo
fisiológico do coração, responsável pelo batimento cardíaco, determinando a FC.
O ciclo cardíaco é composto por dois períodos: a sístole (contratura dos ventrículos com
ejeção sanguínea para os pulmões e demais tecidos do corpo) e a diástole (contratura atrial e
preenchimento sanguíneo dos ventrículos relaxados). Durante o ciclo cardíaco, ocorre a abertura
e o fechamento de valvas cardíacas; dessa forma, impede-se que haja o refluxo do sangue em
direção aos átrios ou das artérias em direção aos ventrículos.
Na ausculta cardíaca normal, ouvem-se duas bulhas cardíacas: a primeira (B1) e a segunda
(B2). A B1 ocorre durante a sístole e representa o som do fechamento do conjunto das valvas
atrioventriculares (mitral e tricúspide). A B2 ocorre durante a diástole e representa o som do
fechamento das valvas semilunares (aórtica e pulmonar).
Podemos quantificar a FC de forma indireta através da técnica de palpação ou de ausculta.
Na técnica palpatória, a partir da compressão digital de artérias de fácil acesso, pode-se
contar a frequência do pulso, inferindo-se a FC. Habitualmente, o pulso radial é o mais palpado
para tal avaliação, apesar de se poder utilizar outros sítios: femoral, carotídeo, braquial, poplíteo,
tibial posterior e pedioso (Figura 5). É válido lembrar que se paciente apresentar doença arterial
obstrutiva periférica, decorrente do processo de aterosclerose, a palpação dos pulsos arteriais
periféricos poderá estar prejudicada.

Figura 5. Localização dos principais pulsos arteriais e da ausculta cardíaca no ictus cordis.

Fonte: autoria própria


Como na técnica palpatória é necessário que haja fluxo sanguíneo arterial adequado, em
pacientes com aterosclerose importante, muitas vezes necessita-se palpar os pulsos centrais
(femoral e carotídeo). É importante lembrar que durante a palpação das carótidas, pode haver
estímulo do seio carotídeo gerando reflexo vagal, bradicardia, pausa sinusal, diminuição da
perfusão cerebral e até embolia cerebral. Devido a esse risco, a palpação deve ser evitada na
população idosa ou em indivíduos com eventos cerebrais isquêmicos prévios.
Vale ressaltar também que, durante a avaliação do pulso radial, deve-se comprimir a artéria
com as polpas dos dedos indicador e médio. Pode-se usar o polegar como forma de “pinça”
(Figura 6). Evite a pesquisa desse pulso com o polegar, pois pode-se confundir a própria
pulsação com a do paciente.

Figura 6. Avaliação do pulso radial.

Fonte: autoria própria

Avalie se o pulso apresenta ritmo regular e se a FC parece ser normal; conte-a durante 30
segundos e multiplique por dois. Caso você pressuponha que a frequência esteja elevada ou
baixa, averigue o pulso durante 60 segundos.
Se o ritmo for irregular, certifique-se de avaliar a frequência pelo método de ausculta na
topografia do ictus cordis (quinto espaço intercostal na linha hemiclavicular à esquerda) durante
60 segundos. Atente para a discrepância que pode ocorrer entre o método palpatório e o método
auscultatório.
Pelo fato de o método palpatório necessitar da detecção da sístole a partir da onda
propagada através da complacência arterial, é importante salientar que há situações em que
ocorre o batimento cardíaco sem detecção do pulso. Tal fato ocorre nas extrassístoles, quando
por déficit de enchimento sanguíneo ventricular, não ocorre geração de onda de pulso
perceptível ao método de palpação, ou seja, uma extrassístole pode ser produzida antes do
ventrículo esquerdo estar com quantidade de sangue suficiente para gerar a propagação de uma
onda de pulso após a sístole. Por esse motivo, o ideal é averiguar o pulso arterial associado à
técnica de ausculta cardíaca, sempre que possível.
Pode-se classificar a FC como taquicardia (FC > 100 bpm), normocardia (FC 60 a 100 bpm) e
bradicardia (FC < 60 bpm).

FREQUÊNCIA RESPIRATÓRIA
Os movimentos respiratórios são responsáveis pela entrada de ar rico em oxigênio nos
alvéolos pulmonares e pela remoção do dióxido de carbono, resultante do metabolismo celular.
Essa troca gasosa nos alvéolos pulmonares é essencial para a hematose, transformação de
sangue venoso em arterial. Após tal evento, o sangue arterial percorre as veias pulmonares para
as câmaras cardíacas esquerdas e, consequentemente, é distribuído para todo o corpo humano
pela via aorta e seus ramos.
A inspiração acontece a partir da contração do diafragma, dos músculos intercostais
externos e, quando necessário, da musculatura acessória (esternocleidomastóideo, serrátil
anterior e escaleno). Aumenta-se o volume torácico, e, os pulmões sofrem um processo de
expansão com consequente entrada de ar nos mesmos (inspiração). A expiração ocorre a partir
do relaxamento do diafragma, que leva à retração da parede torácica, dos pulmões e a
compressão destes pelas estruturas abdominais. Uma pressão positiva intratorácica é gerada e
o ar é expelido dos pulmões. Na respiração normal (Figura 7), as forças elásticas geradas pela
ação do diafragma são suficientes para a ventilação pulmonar. Em caso de respiração intensa,
forças extras oriundas da contração dos músculos abdominais são necessárias para a
expiração rápida.
O centro respiratório localiza-se na medula e no bulbo central. Controla a frequência, a
profundidade e o padrão da respiração. Uma incursão respiratória, também denominada
movimento respiratório, é constituída de uma inspiração e de uma consecutiva expiração. A
quantidade de incursões respiratórias em um minuto é denominada FR.

Figura 7. Movimentos respiratórios: inspiração e expiração. Padrão respiratório normal.

Fonte: autoria própria


Para o cálculo deste sinal vital, o profissional de saúde deve se colocar próximo ao paciente e
realizar a inspeção dos movimentos torácicos. Recomenda-se que o paciente não perceba que
os movimentos respiratórios estejam sendo contados, pois, ele pode voluntariamente controlar a
frequência e a profundidade da incursão respiratória. Para auxiliar em tal contagem, simule estar
realizando a contagem da FC pela palpação do pulso radial, por exemplo, enquanto na verdade
computa a FR em um minuto. É importante que a FR seja avaliada realmente durante 60
segundos para serem evitados erros no registro do sinal vital, e, principalmente, para poder
observar o padrão respiratório, que necessita de um tempo maior de avaliação principalmente
em caso de padrão respiratório irregular, que apresente apneia como, por exemplo, o Cheyne-
Stokes.

Quadro 5. Padrões respiratórios.

PADRÃO RESPIRATÓRIO DENOMINAÇÃO DESCRIÇÃO

Eupneia Padrão respiratório normal

Apneia Ausência de respiração

Bradipneia Frequência respiratória reduzida

Frequência respiratória
Taquipneia
aumentada

Aumento e redução graduais de


Cheyne-Stokes respiração com períodos de
apneia

Aumento no volume e na
frequência respiratória.
Normalmente encontrada em:
Kussmaul
acidose metabólica

Respiração irregular. Apneia


alternada com períodos de
Biot ou atáxica respiração profunda que param
subitamente por intervalos
curtos. Normalmente encontrada
em: meningite, lesões cerebral e
bulbar

A FR normal (normopneia) nos adultos em repouso oscila entre 12 e 20 incursões


respiratórias por minuto (irpm). Taquipneia se refere ao aumento na FR e bradipneia, à sua
diminuição. De acordo com o volume da incursão respiratória, pode ser superficial ou profunda
e, em relação ao ritmo, regular ou irregular. Com a junção desses parâmetros consegue-se
classificar os padrões respiratórios (Quadro 5).
Na pediatria, os valores de referência da FR são diferentes conforme a idade. Crianças
menores de 1 ano de idade têm FR entre 30 e 60 irpm; 1 a 3 anos de idade, entre 24 e 40 irpm; 4
a 5 anos de idade, entre 22 e 34 irpm; 6 a 12 anos de idade, entre 18 e 30 irpm; adolescentes (13
a 18 anos de idade): entre 12 e 20 irpm.
A Organização Mundial da Saúde recomenda o uso da FR como um sinal vital usado na
triagem em pacientes pediátricos com pneumonia e bronquiolite, principal causa de mortalidade
infantil no mundo em crianças até os 5 anos de idade. Contrariamente a tal importância, verifica-
se que habitualmente é um sinal vital esquecido ou negligenciado pelas equipes de saúde,
principalmente nos pacientes adultos.
Outras alterações podem ser verificadas durante a realização da FR: batimentos de asas do
nariz, uso de musculatura acessória e movimento paradoxal abdominal, quando não houver
sincronismo entre os movimentos respiratórios abdominais e torácicos. Em tais situações,
suspeite de gravidade clínica como pneumonia grave e fadiga muscular diafragmática,
respectivamente.

DOR
Antes de ser considerada um sinal clínico, a dor já fazia parte do rol de sintomas a serem
relatados pelos pacientes. Quando presente, ela pode colaborar para alterações dos demais
sinais vitais, tornando de suma importância a análise dos parâmetros de forma
interligada/contextualizada. É comum a presença de taquicardia, aumento de PA e até mesmo
taquipneia, enquanto o quadro álgico estiver vigente. Além do mais, a dor auxilia, em muitos
casos, a localizar o alvo do problema, salvo casos atípicos.
A dor é definida como uma experiência subjetiva que possivelmente existe apenas na pessoa
que a sente, cabendo ressaltar que sua percepção pode ser afetada por questões sociais,
pessoais ou familiares, existindo a possibilidade de preceder negligência física, uso de
substâncias ou acontecimentos traumáticos da vida.
A Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP, 1986) definiu dor “como uma
experiência emocional e sensorial desagradável, associada a dano tecidual real ou potencial, ou
descrita em termos de tal dano”, tendo uma proposta de definição revisada por Milton Cohen,
John Quintner e Simon van Rysewyk como “a dor é uma experiência somática mutuamente
reconhecível que reflete a apreensão de uma pessoa por ameaça à sua integridade corporal ou
existencial”.
Quanto a sua duração, a dor pode ser classificada como aguda, que é aquela de início
recente e que dura menos de 3 meses. Na fase aguda, é comum encontrar a resposta
neurovegetativa, sendo relatadas, por vezes, taquicardia, hipertensão arterial, sudorese ou até
mesmo bradicardia, quando ocorre resposta vagal secundariamente. A dor crônica é
denominada como aquela com duração superior a 3 meses, período em que ocorre uma fase de
modulação da dor, gerando sua cronificação, quando não abordada de forma correta, ou quando
existe limitação orgânica à resolução da mesma (capacidade reduzida do sistema nervoso
central de diminuir as respostas a estímulos periféricos); nessa fase, são pouco frequentes as
alterações neurovegetativas, sendo mais comum nas doenças crônicas. Há também a dor
recorrente, que costuma ter duração mais breve com repetição em intervalo de tempo regular.
Quanto a sua neurofisiologia, a dor do tipo nociceptiva pode ser incitada por estímulo de
receptores específicos e somáticos, estando presente, quando há dano tecidual demonstrável
(lesão muscular, fratura, ferimento corto contuso, por exemplo). A dor do tipo
neurogênica/neuropática ocorre, quando existe lesão ou disfunção das estruturas no interior do
sistema nervoso periférico e/ou central, provocando uma resposta não adaptativa; a
sensibilização central pode resultar em hiperalgesia e alodinia. Já a dor simpática ocorre como
resultado de sensibilização nociceptiva proveniente de secreção de substâncias químicas nas
terminações nervosas ou axonais lesionadas nos sistemas autônomos. Não se pode esquecer
das dores consideradas afetivas, que são aquelas influenciadas por fatores cognitivos e
emocionais, como ansiedade ou medo.
Foge do escopo do capítulo aprofundar os diagnósticos causais dos processos álgicos, mas
vale ressaltar a importância de uma avaliação sumária quanto a sua caracterização, como
localização, duração, tipo de dor (se em queimação, constritiva, formigamento), fatores
agravantes ou de alívio, radiação, intensidade e sintomas correlacionados.
A limitação em transformar a dor (percepção subjetiva de quem sente) em um dado objetivo
pode ser contornada, utilizando-se ferramentas de avaliação, como as escalas
multidimensionais que analisam as esferas sensorial-discriminativa, motivacional-afetiva e
cognitiva-avaliativa, representadas pelo Inventário para dor Mcgill e Wisconsin Brief Pain
Questionnaire. Devido a sua complexidade e difícil aplicabilidade, o uso das escalas
multidimensionais não é rotineiro em setores de triagem de pronto atendimento de saúde e
aferição de controle por equipe de enfermagem/médica, sendo reservado para situações
específicas.
As escalas unidirecionais procuram avaliar apenas uma dimensão da dor: sua intensidade.
Dentre elas, tem-se a Escala visual analógica que é representada por uma linha com 10 cm, em
que suas extremidades consistem em “Sem Dor” e “Pior Dor”.

Figura 8. Escala visual analógica.

O paciente irá marcar, perpendicularmente a essa linha, a intensidade de sua dor, e o


avaliador medirá em centímetros a distância entre o marco inicial da linha e o local marcado,
adquirindo assim, um valor numérico, entre 0 e 10.
Já a Escala visual numérica consiste em uma tabela, com as numerações entre 0 a 10, a fim
de o paciente assinalar a intensidade de sua dor, sendo o 0 “Sem dor” e 10 “Pior dor imaginável”.

Figura 9. Escala visual numérica.


Pode-se lançar mão da escala de faces Wong-Baker, em que é solicitado ao paciente que
represente sua dor conforme a fisionomia facial desenhada correspondente, sendo a expressão
de felicidade equivalente a “ Sem dor” e a expressão de tristeza máxima de “Pior dor”.

Figura 10. Escala de dor facial.

Existe limitação técnica para aqueles pacientes com transtorno cognitivo maior,
semiconscientes ou em condição que impeça o contato fidedigno com o examinador, como
pacientes críticos em unidade intensiva e/ou intubados. Nesse contexto, é de suma importância
avaliarmos fáscies do paciente, tensão muscular, posicionamento adotado. Foram validadas
ferramentas para auxílio na quantificação de quadro álgico em pacientes críticos não
comunicativos, como Behavioral Pain Scale e Critical Care Pain Observation Tool, que avaliam e
pontuam expressão facial, movimentos corporais, indicadores fisiológicos, dentre outros fatores.

DISCUSSÃO DAS QUESTÕES DO CASO


CLÍNICO:
Questão 1) Este paciente encontrava-se realmente com PA elevada ao exame físico inicial?
O nível pressórico elevado à admissão (PA: 150 × 90mmHg) foi corroborado pelo quadro
álgico agudo. Em se tratando de qualquer paciente, situação de ansiedade, dor e uso de alguns
medicamentos, como descongestionantes nasais ou anti-inflamatórios, podem justificar um
quadro pressórico mais elevado, sendo recomendada correção de fator predisponente com nova
aferição a posteriori.
Questão 2) Como realizar corretamente a aferição da PA sistêmica?
Orientar o paciente sobre o procedimento; avaliar a circunferência do membro em que será
realizada a aferição. Caso o manguito de tamanho ideal não esteja disponível, podem-se
aproximar as pressões sistólica e diastólica, como mostrado na Tabela 3. Como esse paciente é
obeso, a realização da aferição com manguito menor do que o preconizado, pode resultar em
uma falsa hipertensão arterial.
No ato da aferição, certificar-se de que o paciente esteja com a bexiga vazia, em repouso por
pelo menos 5 minutos e em ambiente calmo.
Questão 3) Como diagnosticar hipotensão postural?
Hipotensão ortostática ou postural deve ser suspeitada em pacientes idosos, diabéticos,
disautonômicos e naqueles em uso de medicação anti-hipertensiva. Assim, particularmente
nessas condições, deve-se inicialmente manter o paciente em repouso supino por no mínimo 5
minutos e medir a PA em tal posição, ou seja, deitado. Registrar a PA em posição supina.
Colocar o paciente em posição ortostática por no mínimo 3 a 5 minutos e, com o paciente em
pé, aferir a PA novamente. Hipotensão ortostática é definida, quando ocorre redução da PAS > 20
mmHg ou da PAD > 10 mmHg em relação à PA aferida no paciente em posição supina (Figura
11).

Figura 11. Hipotensão postural ou ortostática: método de avaliação.

Fonte: autoria própria

Questão 4) A queda da PA durante a inspiração sugere alguma hipótese diagnóstica


associada?
Em indivíduos sadios, fisiologicamente durante a inspiração já é esperada uma leve queda (<
10 mmHg) na PAS devido ao aumento do retorno venoso (Figura 12). Contudo, quando se
observa uma queda na PAS > 10 mmHg durante a inspiração, confirma-se um achado clínico
denominado pulso paradoxal. No caso clínico apresentado no início do capítulo, o paciente de
58 anos de idade apresentou PA: 125 × 70 mmHg e, durante a inspiração, a PA modificou-se para
110 × 70 mmHg, logo, apresentou uma queda na PAS de 15 mmHg, maior que 10 mmHg, logo,
foi confirmado o pulso paradoxal.

Figura 12. Fisiopatologia do pulso paradoxal.


Fonte: autoria própria

O pulso paradoxal não é uma doença, é uma manifestação fisiológica de alguma


comorbidade e o tratamento deve ser implementado para a comorbidade de base. É resultado
de alterações nas forças mecânicas impostas nas câmaras cardíacas e vasculatura pulmonar
classicamente devido a doenças do pericárdio (tamponamento cardíaco e pericardite
constritiva).
Contudo, tal achado, não se restringe a doenças do pericárdio. O pulso paradoxal pode ser
encontrado em várias outras comorbidades cardíacas e não cardíacas: infarto de ventrículo
direito, cardiomiopatia restritiva, doença pulmonar obstrutiva crônica grave (DPOC), asma,
pneumotórax hipertensivo, derrame pleural bilateral volumoso, tromboembolismo pulmonar, em
pacientes grandes obesos, apneia obstrutiva do sono, dentre outras.
Para constatar tal alteração no exame clínico, é necessário o uso do esfigmomanômetro
manual e do estetoscópio (técnica não invasiva) ou observar o comportamento da pressão
arterial invasiva (PAI) durante a inspiração em pacientes na unidade de terapia intensiva. O pulso
paradoxal não consegue ser verificado pela aferição de PA com esfigmomanômetros digitais.
É importante salientar que a avaliação é verificada durante a inspiração normal; não se deve
instruir o paciente a mudar o padrão respiratório, muito menos a realizar inspiração profunda,
pois pode interferir na magnitude do pulso paradoxal.
Na técnica não invasiva, com uso do esfigmomanômetro manual e do estetoscópio, a
avaliação é feita inflando-se o manguito até que todos os sons de Korotkoff estejam ausentes.
Liberando muito lentamente a pressão do manguito, os primeiros sons auscultados serão
ouvidos apenas durante a expiração, e essa pressão deve ser anotada (PAS 1, neste caso: 125
mmHg). Em seguida, à medida que a pressão do manguito diminui ainda mais, os sons de
Korotkoff passam a ser ouvidos tanto durante a inspiração quanto da expiração (PAS 2, neste
caso: 110 mmHg) (Figura 13). A variação entre essas duas pressões sistólicas é o que
quantifica o pulso paradoxal (PAS 1 – PAS 2 = 125 – 110 = 15 mmHg).

Figura 13 Metodologia de identificação do pulso paradoxal.


Fonte: autoria própria

Questão 5) Como manejar o quadro clínico apresentado pelo paciente?

• Recomendar mudança de estilo de vida (MEV), perda de peso, avaliação e


acompanhamento nutricional. Parabenizar interrupção do tabagismo;

• Quanto à hipotensão postural: reavaliar esquema anti-hipertensivo (o reajuste dos


medicamentos há 1 mês era realmente necessário? A hipertensão do paciente não
estava devidamente controlada ou foi aferida sem a técnica/recomendação correta?);
evitar diuréticos (clortalidona, anti-hipertensivo tiazídico); orientar medidas
comportamentais, como levantar-se lentamente, em etapas, do supino ao sentado e em
pé, principalmente pelo turno matutino. Manter hidratação adequada e evitar ambientes
muito quentes, elevar a cabeceira da cama em 10 a 20°.

• Solicitar:
1. MAPA (monitoramento ambulatorial da pressão arterial) para melhor avaliação do
comportamento pressórico;
2. Prova de função pulmonar (carga tabágica elevada + pulso paradoxal + ausculta
pulmonar globalmente reduzida) na tentativa de diagnosticar provável DPOC;
3. Exames séricos, incluindo lipidograma (colesterol total e frações e triglicerídeos),
glicemia de jejum, hemoglobina glicada, função tireoidiana, função renal, ionograma,
sumário de urina e pesquisa de microalbuminúria;
4. Exame de fundo de olho (rastrear retinopatia dos tipos diabética e hipertensiva);

• Rastrear transtorno de ansiedade (paciente ganhou 10 kg concomitante à cessação do


tabagismo).
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2020, e, ATLS 8ª edição. Lesões por frio: hipotermia sistêmica. Pag 221.
Capítulo 5

Semiologia da Pele e Fâneros


Autor(a): Ana Cristina Lacerda Melo
Coautor(as): Roberta da Silveira Kataoka Wlassak, Gabriela Melo Pereira, Sissi Cláudio Mota

ANAMNESE
IDENTIFICAÇÃO: ASC, 47 anos, sexo feminino, casada, costureira, natural e procedente
de fortaleza-Ceará.
QUEIXA PRINCIPAL: bolhas e inchaço no corpo.
HISTÓRIA DA DOENÇA ATUAL: Paciente relata quadro de febre, cefaleia e dor de
garganta há 1 semana, fazendo uso de anti-inflamatório para alívio dos sintomas. Após 48
horas do uso da medicação, notou o surgimento de pápulas eritematosas edematosas com
halo claro em faces extensoras de extremidades acrais e região palmar. No dia seguinte,
notou o aparecimento de uma borda eritematosa ao redor dessas lesões, associando com o
aparecimento de lesões ulceradas em mucosas orais. Após 2 dias, evoluiu com placas
eritematosas circulares com halo bolhoso em região cervical, tronco e braços com
crescimento centrífugo. Paciente procurou emergência, sendo internada para investigação
clínica e controle das lesões cutâneas, sendo realizada biópsia cutânea e exames
laboratoriais. Foi iniciado Prednisona 1mg/kg e suspenso medicações em uso.

HISTÓRIA PATOLÓGICA PRÉVIA


Nega cirurgias e internamentos prévios. Nega doenças cutâneas prévias Nega histórico
de Herpes simples. Nega uso de medicações de uso contínuo, mas refere fazer uso
frequente de analgésicos e AINES.

HISTÓRIA FAMILIAR:
Nega casos de hipertensão arterial, diabetes mellitus, cardiopatias, câncer,
doenças sexualmente transmissíveis e doenças cutâneas.

EXAME FÍSICO
Dados Vitais:
FR: 16 ipm; FC: 104 bpm; Temperatura: 37,7 °C
Geral: Estado geral bom, acianótica, febril ao toque, anictérica, eupineica, hidratada,
eutrófica, orientada no tempo e no espaço.
Pele e mucosas: na sequência do texto.
Cabeça e Pescoço: Pescoço cilíndrico, simétrico; laringe e traqueia móveis, medianas;
pulso carotídeo simétrico; jugulares sem estase a 45º.
Sistema Respiratório: tórax simétrico, sem deformidade, boa expansibilidade, eupneica,
murmúrio vesicular presente e bem distribuído sem ruídos adventícios.
Sistema Cardiovascular: pulsos simétricos e cheios, FC: 104 bpm. Ausculta com bulhas
normofonéticas, 2 tempos, sem sopros.
Abdome: Plano, flácido, indolor, RHA presente, sem massa ou visceromegalia,
Sistema Nervoso: Lúcida e orientada. Ausência de Sinais de irritações meníngea.
Sensibilidade e força muscular preservada.
EXAMES COMPLEMENTARES

Histopatológico:
Dermatite de interface vacuolar com ceratinócitos necróticos.

Hemograma
Leucocitose 12000(75% neutrófilos sem desvio), VHS :40mm

QUESTÕES PARA DISCUSSÃO

1. Como descrever um exame dermatológico?


2. Qual a lesão elementar primária da paciente?
3. Quais as hipóteses diagnósticas de acordo com as lesões cutâneas
apresentadas?

QUESTÃO 1
Como descrever um exame dermatológico?
A descrição das lesões dermatológicas, bem como o seu diagnóstico sempre foi um
tema difícil para a maioria dos estudantes de medicina e para os médicos generalistas. No
entanto, com conhecimentos básicos podemos descrever a maioria das lesões cutâneas e
dar o diagnóstico das patologias mais comuns.
A semiologia dermatológica se torna ainda mais relevante, pois sabemos que uma
enorme gama de doenças hepáticas, endocrinológicas, infecciosas, reumatológicas, dentre
outras, podem ter suas manifestações cutâneas como fase inicial da enfermidade.
Como a dermatologia trabalha majoritariamente com a descrição das lesões de pele,
sendo utilizados exames complementares apenas em alguns casos, temos que imaginar
que uma boa descrição será fundamental para que o colega possa entender qual lesão está
sendo abordada.
Uma das peculiaridades da semiologia dermatológica é que o exame físico precede a
anamnese. Na entrevista devemos perguntar ao paciente a localização das lesões, duração,
sintomas (prurido, dor, ardor), fatores desencadeantes (exposição solar, alérgeno, alimento,
medicação) e tratamentos anteriores. É importante perguntar também sobre uso de
medicamentos, alimentos, hábitos pessoais, profissão, atividades recreacionais, histórico de
alergias, doenças cutâneas prévias, queimaduras solares. Os antecedentes familiares
também devem ser questionados quanto às doenças cutâneas, neoplasias, atopias,
trombofilias, doenças genéticas e reumatológicas.
O exame dermatológico deve envolver todo o tegumento, ou seja, pele, anexos (cabelos e
unhas) e mucosas e consiste em 4 etapas:

• Inspeção: Realizado em ambiente iluminado com a luz de preferência atrás do


examinador

• Palpação: Permite verificar a presença de lesões sólidas, avaliar consistência,


mobilidade e dor

• Compressão: Importante para avaliar dermografismo, edema e infiltrações


cutâneas por doenças de depósito.

• Digitopressão. A pressão exercida interrompe o fluxo sanguíneo e permite


diferenciar eritemas de púrpura. O segundo não desaparece a digitopressão, pois é
formado por extravasamento de sangue.
Ao descrever um exame dermatológico, podemos utilizar a seguinte mnemônica:
MOCOTELO para facilitar a lembrança dos pontos relevantes a serem descritos.

a. MO- Morfologia da lesão com descrição da forma e do tamanho. Nesse tópico,


abordaremos as formações sólidas, as coleções líquidas, as elevações edematosas.
b. CO- Coloração da lesão: Alterações de cores por alterações pigmentares ou
vasculho-sanguínea. A primeira ocorre por depósito de pigmento endógeno (melanina,
hemossiderina) ou exógeno. A segunda ocorre por congestão/ constrição vascular ou
extravasamento de sangue.
c. TE- Textura- alteração de superfície (alterações de espessura, perda e reparações
teciduais)
d. LO- Localização da lesão

Vamos descrever detalhadamente cada um dos tópicos:

Morfologia da lesão:
a.1. Lesões elementares com conteúdo líquido:

• Vesícula: lesão elevada, circunscrita, menor de 1 cm, geralmente de conteúdo claro.


Pode ter localização subcórnea, epidérmica ou subepidérmica (figura 1). Exemplo:
Herpes simples.

Vesículas
Figura 1. Vesículas agrupadas sobre placa eritematosa.
Fonte: autoria própria

• Bolha: lesão elevada, circunscrita, maior de 1cm. Pode estar localizado na epiderme
ou entre a epiderme e a derme. A bolha pode ser flácida (pênfigos) ou tensa
(Penfigóide bolhoso, dermatite herpetiforme) a depender do nível de formação e
clivagem da pele, superficial e profundo, respectivamente (figura 2).

Bolha
Figura 2. Bolha com conteúdo sero-hemático em dorso de mão esquerda.

Fonte: autoria própria

• Abcesso: coleção purulenta profunda que pode ser acompanhada de sinais


inflamatórios como edema, calor, rubor e dor (figura 3). Exemplo: abcesso
periungueal.

Abscesso
Figura 3. Abscesso exibindo periferia com eritema e área central de flutuação.
Fonte: autoria própria
• Cisto: tumor benigno, comum, derivado de anexos cutâneos, sendo formado por
epitélio glandular ou queratinizado. Localiza-se preferencialmente no tórax e couro
cabeludo (figura 4). Exemplo: cisto epidérmico.

Cisto
Figura 4. Cisto.
Fonte: autoria própria

• Hematoma: coleção de sangue, geralmente restrita ao local do trauma. Exemplo:


hematoma subungueal.
• Pústula: lesão elevada, circunscrita, de conteúdo purulento, medindo menos de 1
cm. Seu conteúdo pode ser infeccioso como no impetigo ou asséptico como na
pustulose subcórnea e na psoríase exantemática generalizada aguda (PEGA).

a.2 Lesões elementares sólidas e edematosas

• Pápula: elevação circunscrita, de até 1 cm de diâmetro. Pode ter superfície plana ou


curva (figura 5). Exemplo: Pápulas achatadas do líquen plano.

Pápulas
Figura 5. Pápulas região axilar esquerda.
Fonte: autoria própria

• Nódulo: lesão firme, circunscrita, com mais de 1cm. Pode ser mais palpável que
visível quando a localização é hipodérmica (figura 6). Exemplo: carcinoma
basocelular.

Nódulos
Figura 6. Nódulos sobre placa hipercrômica em punhos.

Fonte: autoria própria

• Placa: Lesão geralmente elevada, maior de 1cm. Pode apresentar descamação,


crosta, maceração e queratinização na sua superfície. Consideram o termo placa
papulosa como a confluência de pápulas, e o termo placa maculosa como
confluência de máculas (figura 7).

Placa
Figura 7. Placa verrucosa em dorso nasal.
Fonte: autoria própria

• Urtica: lesão elevada, efêmera, edematosa e de coloração vermelho-róseo. Ocorre


por edema na derme e não por infiltração celular. Exemplo: urticária.

b. Coloração da lesão: Lesões elementares planas

• Mácula: Alteração da cor da pele, sem relevo ou depressão ou alteração da


consistência. Podem ser de origem pigmentar ou vascular.

b.1 Mácula Pigmentar:

• Hipercromia: Ocorre por depósito de pigmento na pele. Podem ser


endógenos(melanina) ou exógenos (medicamentos, metais pesados), localizados
ou generalizados (figura 8). Exemplo: Melasma, Eritema pigmentar fixo, depósito de
medicamento como Cloroquina, Doença de Addison,
Mácula Hipercrômica
Figura 8. Mácula hipercrômica em face.

Fonte: autoria própria

• Hipocromia/Acromia: Ocorre por redução ou ausência de pigmento na pele,


respectivamente (figura 9). Exemplo: Pitiríase Alba, vitiligo.

Mácula Acrômica
Figura 9. Mácula acrômica em região temporal direita.
Fonte: autoria própria

b.2 Mácula Vascular:

• Eritema: Mancha de coloração vermelha, ocasionada por dilatação vascular que


desaparece a digitopressão. Quando o eritema agudo é generalizado e entremeado
por área de pele sã é chamado de exantema morbiliforme. Quando é agudo
generalizado e sem áreas de pele sã é conhecido como exantema escalatiniforme.
Já a eritrodermia é caracterizado por eritema generalizado, crônico e descamativo
(figura 10). Exemplo: Doenças exantemáticas da infância, Eritrodermia por Psoriase
generalizada.

Eritema
Figura 10. Placa eritemato infiltrada em dorso.
Fonte: autoria própria

• Purpúra: mancha vermelho-violácea, devido ao extravasamento de hemácias do


vaso. Não desaparece à digito-pressão. Pode ser dividida em equimose quando
ultrapassa 1 cm de diâmetro e petéquia quando menor de 1cm (figura
11).Exemplo:Vasculite leucocitoclástica,

Púrpura
Figura 11. Placas purpúricas em nádegas e membros inferiores.

Fonte: autoria própria


Para outras alterações de cor: basta descrever a tonalidade observada, acastanhada,
esverdeada, múltiplas tonalidades de marrom, etc.

c. Textura (alterações de espessura, perda e reparações teciduais)

• Esclerose: perda do pregueamento natural da pele, alterando sua consistência,


tornando-se lisa e endurada, resistindo ao enrugamento ou distensão. Exemplo:
Esclerodermia.

• Liquenificação: espessamento da pele com acentuação dos sulcos, decorrente do


ato de coçar a pele cronicamente (figura 12). Exemplo: Dermatite Atópica
liquenificada, Líquen Simples Crônico.

Liquenificação
Figura 12. Placa hipercrômica escoriada com liquenificação.
Fonte: autoria própria

• Queratose: Espessamento da camada córnea da pele, deixando sua consistência


endurecida. Pode ter variação de cor (esbranquiçada, amarelada ou variações de
marrom) (figura 13). Exemplo: Queratose seborreica, Queratose actínica.
Queratose
Figura 13. Placas hiperqueratósicas em região pré-tibial bilateral.

Fonte: autoria própria

• Crosta: resíduo espesso e endurado, decorrente do ressecamento de conteúdo


seroso ou líquido (sangue, pus ou serosidade) associado com restos celulares,
formando uma massa de concreção de cor variável. Exemplo: Pênfigo Cazenave.
• Erosão: perda parcial da integridade da epiderme, não deixando cicatriz ao final do
processo de cicatrização (figura 14). Exemplo: Pênfigo Vulgar.

Erosão
Figura 14. Necrose epidérmica com erosão central em membro inferior esquerdo.

Fonte: autoria própria

• Escamas: lâminas de queratina formadas por distúrbio de queratinização.


Geralmente associado com eritema de fundo. As escamas podem ser laminadas,
nacaradas ou furfurácea (fina) (figura 15). Exemplo: Psoríase.

Escamas
Figura 15. Ictiose com descamação lamelar em face.
Fonte: autoria própria

• Fissura: fenda linear, estreita na pele, podendo ser rasa ou profunda. Surge
geralmente numa área de pele macerada e em região de movimento

• Úlcera: perda crônica de epiderme e derme, podendo atingir até tecidos mais
profundos. Exemplo: Leishmaniose tegumentar (figura 16).

Úlcera
Figura 16. Úlcera de bordas elevadas e fundo limpo em região temporal direita.
Fonte: autoria própria
• Fístula: pertuito interno na pele, por onde ocorre drenagem de material proveniente
de foco inflamatório ou infeccioso (figura 17). Exemplo: Doença de Crohn em região
perianal.

Fístula
Figura 17. Fistulas e traves fibrosas em axila.
Fonte: autoria própria
• Vegetação: Pápula de superfície irregular. Pode ser pedunculada ou não. Exemplo:
Verruga vulgar (figura 18).

Vegetação
Figura 18. Tumoração vegetante supra orbital esquerda.

Fonte: autoria própria

• Atrofia: adelgaçamento da pele, devido à diminuição dos elementos constituintes


do tecido (figura 19). A pele pode enrugar, afinar ou afundar. Pode ser idiopática ou
consequência de processos inflamatórios ou infecciosos.Exemplo: Lúpus
eritematoso discoide fase cicatricial

Atrofia
Figura 19. Placa cicatricial atrófica em região posterior perna direita.

Fonte: autoria própria

d. Localização
Nesse tópico abordaremos a descrição do local de aparecimento das lesões. Quando
estiverem presentes em múltiplos locais, podemos utilizar os seguintes termos:
• Disseminada: lesões numerosas e individuadas em várias regiões cutâneas.
• Generalizada: erupção difusa e uniforme, acometendo várias regiões cutâneas.
• Universal: comprometimento total, incluindo o couro cabeludo.
Informação Adicional: Formas e Tamanhos das Lesões

• Puntiforme: arredondadas de aproximadamente 1 mm.


• Lenticular: ovaladas, do tamanho de uma lentilha.
• Numular: arredondadas, forma de “moeda”.
• Arciformes: em forma de arco.
• Anulares: em forma de anel.
• Serpiginosa: em linha ou contorno sinuoso.
• Zosteriforme: consoante a um trajeto de um nervo.
QUESTÃO 2

Qual a lesão elementar da paciente?


Agora que já aprendemos como descrever as lesões dermatológicas, podemos dizer que
a paciente apresenta pápulas eritematosas puntiformes cercado por um halo claro e um
halo eritematoso em palmas das mãos, caracterizando lesões em alvo. Apresenta ainda
placas eritematosas infiltradas de cerca de 4 cm, com bordos elevados com formação de
bolhas, algumas confluentes, em dorso e região cervical. Observa-se também bolhas tensas
de aproximadamente 2cm, de conteúdo citrino em face extensora de braços e cotovelos e
erosões em mucosa oral.

QUESTÃO 3

Quais as hipóteses diagnósticas de acordo com as lesões cutâneas


apresentadas?
De acordo com as manifestações apresentadas pela paciente de lesões em alvo em
extremidades acrais, bolhas em membros superiores, erosões de mucosas e placas
eritematosas infiltradas em tronco podemos inferir que a principal hipótese diagnóstica é de
Eritema multiforme, desordem imunomediada que acomete a pele e a mucosa. A lesão em
alvo com seus anéis concêntricos com mudança de cor, representa um achado
característico. As principais causas são o uso de medicamentos (AINES, Sulfas,
anticonsulsivantes) e a infecção pelo herpes vírus. Os diagnósticos diferenciais são feitos
com: Síndrome Stevens-Johnson , eritema pigmentar fixo, penfigóide bolhoso e síndrome de
Sweet.
Para finalizar o nosso capítulo, vamos fazer uma breve revisão dos sinais e sintomas e
quais as principais doenças associadas.

• Bolhas: Pênfigos, penfigoide bolhoso, dermatite herpetiforme, Dermatose por IGA


Linear, queimaduras, zoster, reação adversa a droga, erisipela bolhosa.

• Pústula: Acne, foliculites, pustulose subcórnea, PEGA, rosácea, impetigo.


• Descamação: Dermatite de contato, dermatite atópica, psoríase, dermatite
seborréica, pitiríase rósea de Gilbert, pitiriase rubra pilar, lúpus subagudo, micoses.

• Púrpura: Púrpura senil, vasculite leucocitoclástica, plaquetopenia, trombofilias,


púrpura pigmentosa crônica, púrpura de Henoch-Schönlein.

• Prurido: Xerose cutânea, hipotireoidismo, policitemia vera, insuficiência renal,


hiperbilirrubinemia, neoplasias hematológicas, dermatite de contato, HIV,
medicamentos.

• Eritrodermia: Farmacodermias, síndromes paraneoplásicas, doenças cutâneas


descamativas, linfomas cutâneos.

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Capítulo 6

Semiologia dos olhos


Autores: Josué da Silva Brito, Neiffer Nunes Rabelo, Geraldo Antonio
Roni Neto, Thiago de Faria Galvão, Glauber Coutinho Eliazar

CASO CLÍNICO

ANAMNESE
Identificação: Paciente do sexo feminino, 67 anos de idade,
negra, aposentada.
Queixa Principal: “Dor e vermelhidão no olho esquerdo” há 1 dia.
História da Moléstia Atual: Paciente relata dor em olho esquerdo,
de intensidade moderada, iniciada há 1 dia, hiperemia difusa,
náuseas, vômitos e cefaleia frontal, visão turva e fotofobia. Não
utilizou medicação.
Antecedentes Pessoais: Paciente refere diabetes mellitus há 10
anos e usa metformina, glibenclamida e insulina do tipo NPH.
Informa diagnóstico de enxaqueca sem aura crônica há 6 meses,
para a qual foi prescrito topiramato. Nega história de doenças
autoimunes sistêmicas e alergias a medicamentos, alimentos e a
fatores ambientais. Cartão vacinal completo.
História Familiar: Nega história de doenças oftalmológicas e
autoimunes na família.
Exame físico ocular: Olho esquerdo com hiperemia conjuntival
difusa, sem secreção, e consistência pétrea à palpação bidigital.
Motilidade e alinhamento ocular preservados. Câmara anterior rasa
com pupila pouco responsiva em média midríase e edema de córnea
difuso. Acuidade visual em olho esquerdo de 20/400 e 20/25 em
olho direito. Fundoscopia inviável em olho esquerdo devido à
opacidade corneana e sem alterações em olho direito. Olho direito
com câmara anterior rasa, sem outras alterações.
Hipótese Diagnóstica: Glaucoma agudo de ângulo fechado.

QUESTÕES PARA DISCUSSÃO


1. Como as queixas oftalmológicas devem ser
caracterizadas?
2. Quais os componentes do exame físico ocular?
3. Como deve ser realizada a avaliação da acuidade visual?
4. Como deve realizar-se a oftalmoscopia direta?

DISCUSSÃO
A consulta oftalmológica inclui detalhada avaliação dos
sintomas e sinais oculares, através da anamnese e do exame ocular,
respectivamente.

Anamnese Oftalmológica
A anamnese oftalmológica apresenta a mesma importância e
fundamentos do que a realizada em outras especialidades. É
necessário caracterizar a queixa do paciente quanto a localização,
duração, frequência, evolução, intensidade, fatores desencadeantes,
fatores de piora e melhora, medidas terapêuticas adotadas e
manifestações associadas. As queixas mais frequentes incluem
alteração da acuidade visual, cefaleia, prurido, ardência, olho
vermelho, sensação de corpo estranho e diplopia.
Devem-se investigar história de doenças sistêmicas do paciente,
uso de medicamentos, alergia a fármacos e história familiar,
indagando-se sobre alterações oculares na família, como
estrabismo, ambliopia, retinopatias, glaucoma, catarata,
degeneração da mácula e doenças genéticas.
A Tabela 1 apresenta elementos essenciais da anamnese
oftalmológica e indicações de gravidade, de acordo com a queixa.
Tabela 1. Anamnese de queixas comuns em Oftalmologia.

ITEM INVESTIGAÇÃO PONTOS-CHAVE

Dor aguda pode ser indicativa de alterações na


córnea
A vermelhidão desenvolveu-se de forma
Dor profunda e intensa pode indicar condições
gradual ou repentina? Há dor ocular,
graves, como glaucoma agudo de ângulo fechado,
secreção (de qual tipo?), prurido, história
Olho vermelho esclerite e irite
familiar de atopia, lacrimejamento, edema,
Alterações da acuidade visual são potencialmente
dor ocular (quais as características dessa
graves e exigem avaliação de especialista, podem
dor?) Há alteração da acuidade visual?
indicar ceratite, glaucoma agudo de ângulo fechado
e uveíte

O uso de lentes de contato pode estar associado à


abrasão de córnea, ceratite e hipóxia corneana
A acuidade visual diminuída ocorre, por exemplo,
em neurite óptica, esclerite e uveíte
A sensação de corpo estranho é presente em
Além da caracterização da dor, é preciso
abrasão da córnea, síndrome do olho seco, ceratite
investigar uso de lentes de contato,
e quando há corpo estranho retido
alterações da acuidade visual, sensação de
Dor ocular Há cefaleia intensa em dores causadas por
corpo estranho, cefaleia, fotofobia, história
esclerite e glaucoma
de doença inflamatória ou autoimune
A fotofobia é um sintoma associado a inflamações
sistêmica
oculares diversas, como ceratite, uveíte, abrasão da
córnea e glaucoma
Esclerite, uveíte e neurite óptica são exemplos de
afecções oculares que podem estar relacionadas à
doenças sistêmicas
ITEM INVESTIGAÇÃO PONTOS-CHAVE

Na queixa de borramento visual, é preciso


investigar o tempo de início, limitações no
Baixa acuidade súbita pode relacionar-se a
dia a dia, repercussões durante o dia e a
glaucoma agudo, uveíte ou ceratite
noite, se a dificuldade manifesta-se para
A alteração visual de evolução gradativa ao longo
Alterações da alvos próximos e/ou distantes, mudanças na
de semanas ou meses é causadaa, normalmente,
acuidade visual visão ao longo do tempo, fatores de piora e
por erros de refração, catarata, retinopatia
melhora e sintomas associados. Devem-se
diabética, glaucoma e degeneração macular ligada
avaliar a história patológica pregressa do
à idade
paciente e os exames anteriores que
atestaram baixa acuidade visual

Lesões oculares precisam ser tratadas por


especialistas
Lesões químicas e térmicas devem ser
Devem-se investigar a fonte da lesão
identificadas e encaminhadas imediatamente ao
(química, elétrica, traumática, térmica), as
serviço de emergência
características do objeto causador da lesão,
Objetos perfurocortantes podem causar lacerações
se for o caso, e sempre aventar a
ou perfurações, e objetos contundentes podem
possibilidade de corpo estranho intraocular.
provocar ruptura do globo ocular se for alta a
Lesão ocular Também devem ser questionados horário da
energia cinética do trauma
lesão, local acometido, como ocorreu,
Corpos estranhos advindos de metais provocam
medidas realizadas antes de busca de
maior irritação
unidade de saúde (como irrigação, uso de
Em caso de suspeita de perfuração do globo ocular,
medicação e tentativa de remoção de corpo
o exame pode piorar o prognóstico por poder
estranho) e história ocular anterior
aumentar a herniação de estruturas intraoculares,
portanto, o encaminhamento ao especialista deve
ser precoce

Inspeção Ocular
À inspeção, devem-se avaliar as estruturas externas do globo
ocular e as estruturas anexas (pálpebras, sobrancelhas e aparelho
lacrimal). Para uma avaliação eficaz, necessita-se de boa iluminação
e a observação, sempre comparativa, das hemifaces.
A avaliação busca detectar alterações da anatomia normal do
olho, lesões cutâneas, bem como mudanças de pigmentação,
inflamação, hiperemia e secreção. Todas as estruturas devem ser
examinadas, como pelos e pele palpebrais, conjuntivas, esclera e
episclera, carúncula, córnea, íris e pupila, e câmara anterior.
Na avaliação da pele, busca-se identificar lesões cutâneas ou
alteração em distribuição ou características dos pelos. O globo
ocular e as cavidades orbitárias devem ser avaliados quanto a
simetria, deslocamentos e integridade. Na avaliação da conjuntiva,
buscam-se corpos estranhos, hiperemia, secreção, granulações,
alterações da pigmentação, sendo necessária a eversão das
pálpebras para avaliação das conjuntivas tarsais. Para realizar a
eversão da pálpebra superior, coloca-se um objeto de apoio no sulco
palpebral e tracionam-se os cílios superiormente, solicitando-se ao
paciente que olhe para baixo. Devem-se verificar a coloração da
esclera e da episclera, e os sinais flogísticos e de trauma. Em geral,
a córnea é cristalina, o que possibilita a visualização nítida da íris.
No seu exame, buscam-se opacidades. Na íris, deve-se verificar se
há alterações de relevo e áreas de atrofia. A pupila deve ser avaliada
quanto a diâmetro, forma e posição. Por fim, avalia-se a câmara
anterior quanto à profundidade e à presença de sangue (hifema) e
de pus (hipópio). Pode-se tentar avaliar a profunidade da câmara
anterior com uma lanterna tangencialmente a partir do campo
temporal. A iluminação de toda a córnea indica câmara profunda, e a
ausência de iluminação da porção nasal da córnea indica câmara
anterior rasa.
A Tabela 2 apresenta alguns achados na inspeção ocular e
hipóteses diagnósticas relacionadas.
Tabela 2. Achados que podem estar presentes na inspeção ocular.

ACHADOS HIPÓTESE DIAGNÓSTICA

Hiperemia de conjuntiva bulbar com secreção purulenta,


Conjuntivite bacteriana
sem prurido

Hiperemia de conjuntiva bulbar ou tarsal com corrimento Conjuntivite viral


seroso, sem prurido ou com leve prurido

Olho vermelho, hiperemia e dor ocular importante Esclerite

Hiperemia conjuntival, câmara anterior rasa, pupila de


tamanho médio ou midriática, com acuidade visual Glaucoma agudo de ângulo fechado
reduzida e dor de média a grande intensidade

Hiperemia conjuntival, hipópio, fotofobia e redução da


Endoftalmite
acuidade visual

Hiperemia conjuntival, fotofobia, pupila irregular, células e


Uveíte
flare na câmara anterior

Nódulo palpebral bem definido sem sinais flogísticos Calázio

Nódulo palpebral doloroso e eritematoso em bordas


Hordéolo
palpebrais

Xantelasma (pode relacionar-se com doença


Depósito amarelado seroso na região medial da pálpebra
hepática ou dislipidemias)

Hiperemia e irregularidade das margens palpebrais e queda


Blefarite
de cílios

Protrusão bilateral dos olhos (exoftalmia bilateral) Hipertireoidismo

Retração do globo ocular (enoftalmia) Trauma da cavidade orbitária

Paralisia do III nervo craniano, síndrome de


Ptose palpebral Horner, miastenia gravis, condições
congênitas

Fina deposição na margem da córnea, circular, de tom


esverdeado, vermelho rubi ou marrom-escuro (anéis de Doença de Wilson
Kayser-Fleischer)

Conjuntiva amarelada (icterícia) Bilirrubinemia

Palpação Ocular
Reservada aos casos que se observa inflamação ou edema das
pálpebras ou do aparelho lacrimal e, ainda, na suspeita de glaucoma
agudo. À palpação, identificam-se lesões nodulares, tumores,
crepitações (um sinal de fratura) e a consistência do globo ocular.
Para avaliação da consistência, realiza-se a tonometria bidigital.
Nesse exame, solicita-se que o paciente feche os olhos e olhe para
baixo. Com ambos os dedos indicadores apoiados na pálpebra
superior, aplica-se pressão suave alternada, ora com dedo indicador
direito, ora com o dedo indicador esquerdo. Cada olho deve ser
examinado individualmente. Normalmente, o olho apresenta-se com
consistência semelhante à de um tomate maduro. Quando há
aumento da pressão intraocular, o olho é sólido e duro, possuindo
uma consistência pétrea.

Avaliação da Acuidade Visual


A acuidade visual deve ser avaliada em um ambiente com
adequado contraste luminoso. Devem-se testar os olhos
individualmente, primeiro sem óculos e depois com eles, caso sejam
usados, e se avaliar a visão para perto e para longe.
Diversas tabelas auxiliam a avaliação da acuidade, entre elas a
tabela de Snellen (Figura 1), LEA symbols, HOTV, Allen Cards,
Tumbling E. A tabela de Snellen é a mais utilizada, contudo, só é
indicada para crianças com mais de 4 anos de idade, quando a
acuidade visual torna-se semelhante à do adulto.
Para a avaliação, o paciente deve ser posicionado a 6 metros (20
pés) da tabela. Oclui-se um de seus olhos com cartão ou mesmo
com a mão, e ele deve ser alertado de que não pode exercer pressão
sobre o globo ocular. Deve-se solicitar que o paciente leia o topo da
tabela, da esquerda para a direita. Em caso de paciente não
alfabetizado, pode ser utilizada a tabela que apresenta apenas
optótipo “E”, com diferentes direções, devendo ser indagado quanto
à direção “das pernas do E”. Deve-se registrar a fração da última
linha lida pelo paciente, com e sem correção. O numerador
corresponde à distância da pessoa do quadro e o denominador
representa a distância que uma pessoa com visão normal enxergaria
o optótipo. Um adulto, portanto, com acuidade visual adequada
apresenta a fração 20/20.
Caso o paciente não consiga ler a maior letra do quadro, deve-se
pedir que conte os dedos mostrados pelo examinador, registando-se
a que distância isso ocorre. Como próximo passo, caso a mão do
examinador não seja enxergada pelo paciente, deve-se movimentar
a mão a 30 cm do paciente, indagando-o se possui alguma
percepção. Em caso positivo, registra-se a acuidade visual como
percepção de movimento de mão. Por fim, na ausência de acuidade
aos outros testes, deve-se acender uma fonte de luz e indagar ao
paciente se ela está acesa ou apagada, sua localização e se
consegue identificar sua cor. A informação correta da localização do
foco luminoso corresponde à presença de projeção luminosa. Se o
paciente apenas souber dizer se a luz está apagada ou acesa, há
acuidade visual de percepção luminosa. Na ausência de percepção
da luz, conclui-se inexistência de percepção luminosa.
A visão de perto também é medida através de tabelas
específicas, incluindo uma redução proporcional das tabelas de
Snellen, de Jaeger e de Bailey-Lovie, posicionadas de 35 a 45 cm do
paciente. Ela também pode ser medida por amostras de textos, em
vez do uso de optótipos. Avalia-se não apenas a acuidade visual,
mas também dificuldades durante a leitura.
Figura 1. Tabela de Snellen.
Fonte: Tabela de domínio público, adaptada pelos autores.
Para fins legais, é denominada como cegueira a acuidade visual
igual ou inferior a 20/200, contudo a caracterização médica da
cegueira se dá a partir de 20/400. Valores iguais ou menores do que
20/60 já caracterizam uma visão subnormal.

Motilidade e Alinhamento extraoculares


Há seis músculos extraoculares, sendo quatro retos,
denominados, a partir da sua inserção, como superior, inferior, lateral
e medial, responsáveis primariamente por elevação, depressão,
abdução e adução dos olhos, respectivamente. Há também dois
músculos oblíquos, o superior e o inferior, que realizam, dentre
outras funções, inciclotorção e exciclodução dos olhos,
respectivamente.
Os músculos extraoculares são inervados por: III nervo craniano
(oculomotor), IV nervo craniano (troclear) e VI nervo craniano
(abducente). O nervo oculomotor inerva os músculos retos superior,
inferior, medial e oblíquo inferior. O nervo troclear inerva o músculo
oblíquo superior. O músculo reto lateral é inervado pelo nervo
abducente.
Vários exames podem ser utilizados para a avaliação do
alinhamento e da motilidade oculares, entre eles o teste de
Hirschberg, o teste de oclusão e a avaliação do olhar conjugado.
Figura 2. Grau de desvio do olhar no teste de Hirschberg.

Fonte: Elaborado pelo autor.


Para realização do teste de Hirschberg, posiciona-se o paciente,
imóvel, com cabeça alinhada ao eixo axial, olhar direcionado ao
infinito, e introduz-se iluminação simultânea de ambos os olhos,
através de foco luminoso a 30,5 cm. Este teste busca identificar
desvios oculares manifestos (heterotropias), podendo ser aplicado
para crianças com mais de 6 meses de idade. Quando for observado
o reflexo luminoso no centro de cada pupila, não há desvio do olhar
(Figura 2). Quando se encontra na borda pupilar, há desvio de 15º.
Entre a borda e o limbo, desvio de 30º. A visualização do reflexo no
limbo deve ser interpretada como desvio de 45º.
O teste de oclusão ou da cobertura avalia heterotropias e
heteroforias (desvio latente que se torna visível, quando olhos estão
dissociados). No teste, interrompe-se artificialmente a fusão
sensorial e motora da visão binocular, através da oclusão de um
componente. Para sua realização, o paciente deve ser posicionado
adequadamente em local com iluminação baixa, mantendo a cabeça
alinhada ao eixo axial. O olhar deve ser fixado em um objeto a 6
metros e, posteriormente, em um a 50 cm. Deve-se ocluir cada olho
seletivamente por segundos (ao menos 5 segundos), com um
oclusor ou material improvisado, como ponta de abaixador lingual,
observando-se o movimento do olho não obstruído (cover test).
Após a retirada do oclusor, devem-se observar o desvio e o
movimento do olho anteriormente obstruído (uncover test).
Não havendo desvio latente, comprova-se a ortoforia. No caso de
haver desvio, quando se oclui o olho, pode haver: (1) esoforia –
desvio do olhar para dentro; (2) exoforia – desvio do olhar para fora;
(3) hiperforia – desvio do olhar para cima; e (4) hipoforia – desvio do
olhar para baixo. Após a oclusão, o olho move-se novamente para o
centro. No caso de estrabismos manifestos (heterotropias), há
movimentação do olho não ocluído para fora (exotropia), para dentro
(esotropia), para cima ou para baixo (hiper ou hipotropia).
Figura 3. Movimentos básicos do olhar e músculos responsáveis por eles.
RS: reto superior; OI : oblíquo inferior; RL: reto lateral; RM: reto
medial; RI: reto inferior; OS: oblíquo superior.
Fonte: Elaborado pelo autor.

A avaliação do olhar conjugado é útil para identificar lesões da


musculatura extraocular e da inervação. Para o teste, o paciente
deve ser posicionado imóvel e com a cabeça alinhada ao eixo axial.
Solicita-se, então, que ele acompanhe um objeto, tendo como base
os pontos cardinais, como mostrado na Figura 3. O paciente deve
direcionar o olhar para esquerda, direita, para cima e à esquerda,
para cima e à direita, para baixo e à direita, para baixo e à esquerda.

Campimetria por Confrontação


Apesar de não ser o exame ideal para avaliação dos campos
visuais, a campimetria por confrontação é um teste simples que
detecta alterações grosseiras do campo visual. É realizado
posicionando-se o paciente de 60 cm a 1 metro do examinador, na
mesma altura. O paciente deve ocluir um dos olhos, e o examinador
o olho contralateral. O examinador deve movimentar o indicador da
mão livre da região externa para a mais interna do campo visual, em
meia distância. O examinador e o paciente devem detectar o campo
visual em mesmo ponto. No teste, deve-se verificar de 8 a 10
meridianos em cada um dos olhos.
Uma variação do teste de confrontação consiste em indicar
números de 1 a 4 com os dedos da mão, que deve ser movimentada
de cima para baixo, de baixo para cima, da esquerda para direita e da
direita para esquerda, e questionar o paciente, em diferentes pontos,
sobre a quantidade de dedos erguidos. O teste é dito estático.
A alteração de um quadrante é denominada quadrantanopsia,
sendo resultado de lesão de uma das radiações ópticas, podendo
ser nasal, superior ou inferior, ou temporal. A alteração de metade de
um campo visual de um ou de ambos os olhos é designada
hemianopsia. A alteração do campo visual nos mesmos lados de
ambos os olhos é nominada homônima, podendo ser direita ou
esquerda, sendo resultado de lesão do trato óptico ou das radiações
ópticas. A alteração em lados diferentes é classificada como
heterônoma. Em caso de dano de ambos os campos nasais, tem-se
a hemianopsia binasal. O dano em ambos os campos temporais é
denominado hemianopsia bitemporal, resultante de lesão do
quiasma. A falha dentro do campo visual é designada escotoma, e a
falha completa de um olho é denominada cegueira monocular.

Exame Pupilar
A primeira avaliação consiste em medir o tamanho das pupilas à
luz ambiente, enquanto o paciente direciona o olhar para um alvo
distante. Para tanto, podem-se utilizar cartões com círculos pretos
em diferentes tamanhos e compará-los à pupila. A pupila normal
possui de 2 a 4 mm. As pupilas podem ter diferenças de medida de
até 1 mm, acima disso, há anisocoria patológica. Quando o diâmetro
pupilar é superior ao normal, tem-se midríase. Quando inferior,
miose. Deve-se também verificar o contorno pupilar. Sua alteração é
denominada discoria.
A anisocoria deve ser avaliada tanto na claridade quanto na
penumbra. Saber se a anisocoria aumenta ou diminui na
claridade/escuridão auxilia em sua determinação etiológica.
Direcionando-se um foco luminoso para o olho, avalia-se o
reflexo fotomotor direto no olho iluminado e o reflexo fotomotor
consensual no olho contralateral. Uma das alterações é a ausência
do reflexo direto e presença do reflexo consensual (pupila de Marcus
Gunn), um indicativo de lesão unilateral da via aferente.
Deve-se também testar contração pupilar durante a
convergência/acomodação ocular, aproximando-se um objeto aos
olhos, enquanto o paciente mantém o olhar fixo neste objeto.
Pupilas mais responsivas à acomodação do que à luz indicam
comprometimento bilateral da via aferente.

Oftalmoscopia Direta
Também denominada exame fundoscópico ou fundoscopia, é
uma etapa essencial do exame ocular. Para sua realização é
necessário o uso do oftalmoscópio. Este instrumento emite raios
luminosos que atravessam a pupila, chegam ao fundo do olho
(retina, vasos sanguíneos da retina, disco óptico) e são refletidos até
a lente do aparelho, permitindo, então, a visualização do fundo do
olho.
Os passos para realização desse exame são:

1. Informar o paciente sobre o exame e remover lentes de


contato e óculos que possa usar
2. Reduzir a luminosidade, parcial ou totalmente, para manter a
pupila do paciente dilatada
3. Dilatar a pupila do paciente com uma gota de colírio
midriático, como o colírio de tropicamida a 1% ou de
fenilefrina a 2,5%, quando não houver contraindicações como
câmara anterior rasa e história de glaucoma agudo de ângulo
fechado
4. Posicionar-se à direita do paciente para exame do olho direito
ou à esquerda para avaliação do olho esquerdo
5. Projetar feixe de luz sobre superfície ou dorso da mão
6. Reduzir para a menor abertura e ajustar a intensidade de luz
desejada;
7. Selecionar o disco de lente para 0 dioptria (se o examinador
não subtrair nenhum grau)
8. Segurar o oftalmoscópico com a mão direita para exame do
olho direito e o contrário para o olho esquerdo
9. Apoiar o oftalmoscópico na face medial do rebordo orbitário
do paciente, com cabo inclinado lateralmente a cerca de 15 a
25º da vertical
10. Apoiar a mão não ocupada na testa do paciente e elevar a
pálpebra superior dele, enquanto realizar o exame
11. Orientar o paciente a fixar o olhar em objeto ou figura a 1
metro
12. A 50 cm do paciente, direcionar foco luminoso para íris,
examinando o reflexo vermelho de cada olho
13. Avaliar o reflexo vermelho de diferentes angulações,
buscando opacificações completas ou parciais que
interrompam esse reflexo
14. Aproximar o oftalmoscópio, observando o disco óptico,
quando estiver de 3 a 5 cm do paciente, até que o aparelho
toque em seus cílios
15. Girar lentes até o disco óptico tornar-se mais nítido: lentes
positivas para o olho hipermetrope e negativas para olho
míope
16. Examinar o disco óptico quanto a coloração (normalmente
amarelo-alaranjada), nitidez, tamanho, aspecto da escavação
central
17. Inspecionar veias da retina (estruturas vermelho-escuras, às
vezes pulsáteis), artérias (estruturas vermelho-claras, com
2/3 a 4/5 do diâmetro das veias, não pulsáteis, exceto na
presença de anormalidades), fóvea e mácula (coloração
marrom, situada temporalmente ao disco óptico)
18. Buscar lesões, registrando localização, coloração, tamanho
aproximado e característica das bordas
19. Examinar a periferia da retina, solicitando ao paciente que
olhe para cima para avaliação da retina superior, olhe para
baixo para exame da retina inferior, para o lado temporal para
análise da retina temporal e para o lado nasal para avaliação
da retina nasal
20. Observar vaso da região central até a periferia
21. Rodar o disco de lentes no sentido horário até alcançar +10
dioptrias para examinar conjuntiva, córnea e íris
22. Repetir passos para o outro olho e, após, finalização,
informar ao paciente que sua pupila permanecerá dilatada por
3 a 24 h, a depender do colírio utilizado e da resposta do
paciente, e sobre efeitos colaterais (fotofobia, alteração
visual).

PRÁTICAS BASEADAS EM
EVIDÊNCIAS
A anamnese oftalmológica e o exame ocular são úteis à pratica
médica?
Em estudo com 115 pacientes, Wang et al. avaliaram o papel da
anamnese na Oftalmologia. Nesse estudo, a anamnese foi
responsável por 88% dos diagnósticos, e o percentual restante
distribuído entre exame físico e testes adicionais.
O estudo de Harper e Reeves relatou sensibilidade de 81% e
especificidade de 90% no uso da oftalmoscopia direta para triagem
de glaucoma. Para detecção de retinopatia diabética, a sensibilidade
foi de 55,67% e a especificidade de 76,78%.

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Capítulo 7

Semiologia do ouvido e do equilíbrio


Autor(a): Victor José Timbó Gondim

ANAMNESE
Identificação: Paciente do sexo masculino, 40 anos de idade, engenheiro
Queixa Principal: Labirintite
História da Moléstia Atual: Paciente com quadro de tontura ao olhar para cima, de início
súbito, principiada ao se levantar hoje pela manhã, com duração de segundos.
Acompanhava-se de náuseas, sem vômitos. Nega cefaleia, síncope, sintomas auditivos
associados (hipoacusia, zumbido, plenitude auricular) e sintomas nasais e laríngeos.
Precedentes Médicos: Nega comorbidades, alergias medicamentosas e alimentares.
Relata vacinações em dia.

EXAME FÍSICO
Sinais Vitais: Frequência respiratória (FR) – 20 irpm; frequência cardíaca (FC) – 80 bpm;
temperatura: 37°C.
Geral: Paciente em bom estado geral, hidratado, anictérico e acianótico, consciente e
orientado no tempo e no espaço.
Otoscopia: Conduto auditivo externo pérvio, membrana timpânica íntegra, translúcida,
sem abaulamentos e retrações; ausência de nistagmo espontâneo e semiespontâneo; head
impulse test sem sacadas corretivas; teste de Skew sem alterações; teste de Romberg
inalterado;
manobra de Dix-Hallpike –nistagmo de curta latência, horizontorrotatório à direita, com
sintomas de tontura associados.
Rinoscopia Anterior: Septo nasal central, mucosas normocoradas, conchas nasais
eutróficas.
Oroscopia: Dentes em bom estado de conservação, classificação de Mallampati I,
amígdalas grau I.
Cabeça e Pescoço: Crânio normocefálico, sem alterações ao exame. Pescoço cilíndrico,
simétrico; laringe e traqueia móveis, medianas; pulso carotídeo simétrico; jugulares sem
estase a 45º.
Sistema Respiratório: Tórax simétrico, sem deformidade, boa expansibilidade, eupneico,
murmúrio vesicular bem distribuído, sem ruídos adventícios.
Sistema Cardiovascular: precórdio calmo, pulsos simétricos, cheios; taquicárdico.
Bulhas normofonéticas em 2 tempos, sem sopros.
Abdome: Plano, flácido, indolor, sem visceromegalia, com ruídos hidroaéreos sem
alterações.
Suspeita Diagnóstica: Vertigem posicional paroxística benigna (VPPB).

CONDUTA
Manobra de Epley, com melhora imediata.

QUESTÕES PARA DISCUSSÃO

1. O que é a VPPB?
2. Como se diagnostica VPPB?
3. Tontura é sinônimo de labirintite?

DISCUSSÃO
1. A VPPB é a principal causa de tontura (17,1%) dos casos em geral. Pode ocorrer
em qualquer faixa etária, mas predomina entre 50 e 60 anos de idade, geralmente
no sexo feminino.
No labirinto humano, existem cristais de carbonato de cálcio denominados otólitos, os
quais têm a função de amplificar o poder de detecção dos movimentos cefálicos que serão
convertidos em impulsos nervosos. Quando essas estruturas migram da posição original
para os canais semicirculares, instala-se a VPPB.
Clinicamente, ela se manifesta por crises de tonturas desencadeadas por
movimentação da cabeça, com duração de segundos a minutos, associadas muitas vezes
a náuseas, vômitos, sudorese e palidez. Mesmo após a crise, pode persistir uma sensação
de mal-estar por algumas horas.
2. As manobras de posicionamento são consideradas o padrão-ouro para o
diagnóstico, não havendo, via de regra, necessidade de exames complementares.
A mais realizada é a manobra de Dix-Hallpike: o paciente é posicionado sentado,
com a cabeça a 45º para o lado a se testar. Deita-se o paciente para trás com a
cabeça pendente para fora da maca por cerca de 30 segundos a 1 minuto. Depois,
há o retorno para a posição sentada. A sensibilidade do exame é de 48 a 88% e
seu valor preditivo negativo de 52%.
Considera-se a manobra positiva, quando há nistagmo, que topografa o canal
semicircular acometido: canal semicircular posterior (vertical para cima e rotatório); canal
anterior (vertical para baixo e rotatório); canal anterior ou posterior (rotatório, independente
do sentido); canal lateral (horizontal). Entretanto, algumas doenças do sistema nervoso
central mimetizam a VPPB, cuja suspeita se dá com alguns achados atípicos na prova de
Dix-Hallpike: nistagmo acima de 1 minuto de duração; sintomas ou nistagmo no
posicionamento de ambos os lados da prova; ausência de latência ou nistagmo
multidirecional.
3. Não. As labirintites são uma das mais raras causas de tontura. Decorrem de uma
complicação incomum da otite média aguda e da otomastoidite.

Divisão Anatômica
O ouvido humano divide-se em 3 partes: orelha externa, média e interna.
A orelha externa consiste na área que compreende o pavilhão auricular, o conduto
auditivo externo e a porção externa da membrana timpânica.
A orelha média vai da porção interna da membrana timpânica até o labirinto. Situa-se
dentro do osso temporal e é composta das seguintes partes:

• Ossículos da audição (martelo, bigorna e estribo): fazem a conexão entre a


membrana timpânica e a janela oval na orelha interna, sendo responsáveis
basicamente por ampliar o estímulo sonoro

• Células mastóideas: porção aerada do osso temporal


• Tuba auditiva: liga a orelha média à rinofaringe, com função de drenar secreções e
igualar a pressão da orelha média com a do meio externo.
A orelha interna é composta basicamente pelo labirinto, onde há a transdução do
estímulo sonoro em elétrico (na cóclea) e dos movimentos em impulsos nervosos (nos
canais semicirculares, no sáculo e utrículo).

Sintomas Básicos na Semiologia do Ouvido


Otalgia
Dor de ouvido, sintoma muito frequente no paciente otorrinolaringológico.
Topograficamente, pode ter origem local, como nas lesões infecciosas de orelha média
e externa (otites média e externa, respectivamente). Outra possibilidade é originar-se em
locais distantes, manifestando-se como uma dor referida. Nesse caso, são exemplos das
dores de origem dentária (como na disfunção temporomandibular, cáries e abscessos
dentários), infecções nasais ou orais.

Secreções Otológicas
Saída de líquido do ouvido, com coloração de vários aspectos: hialina (p. ex., fístula
perilinfática, como nas fraturas de base de crânio), sanguinolenta (denominada otorragia,
como nos traumas e infecções), purulentas (também denominadas otorreias, de origem
infecciosa).
Prurido
Tem diversas causas, como nos eczemas auditivos, rinites alérgicas e quadros
sistêmicos, como diabetes, linfomas ou hepatite crônica.

Disacusias
Perda da capacidade auditiva, que pode ser moderada (hipoacusia), acentuada (surdez)
ou total (anacusia ou cofose).
Há 3 tipos básicos:

• Condução: por lesões anatômicas na cadeia de transmissão sonora, como rolhas


de cerume, desarticulação da cadeia ossicular da orelha média, infecções,
tumores, entre outras

• Neurossensorial: quando a lesão encontra-se em orelha interna e/ou nervo


vestibulococlear, onde há a transdução mecanoelétrica

• Mista: combinação das disacusias de condução e neurossensoriais.


Zumbidos, Tinnitus ou Acúfenos
Percepção de som na ausência de estímulo sonoro. De 15 a 17% da população
apresenta zumbidos de forma constante. Manifestam-se de diversas formas, como
barulhos de insetos, água corrente, campainha, panela de pressão, dentre outras. Pode ser
subjetivo (só o paciente ouve) e objetivo (examinador também ouve).
As causas são variáveis (Tabela 1). Podem ter origem auditiva neurossensorial (80% dos
casos) ou para-auditiva (20% dos casos). Nestes, a maioria são pulsáteis e síncronos com
batimentos cardíacos, devendo ser investigados com exames de imagem
(angiorressonância ou tomografia).
Os zumbidos de origem auditiva neurossensorial podem ser de causa otológica (como
nas perdas auditivas), cardiovascular (hipertensão arterial sistêmica), metabólica
(distúrbios do metabolismo dos carboidratos, das gorduras ou origem tireoideana) ou
somatossensorial.

Tabela 1. Causas de zumbido.

ESTRUTURAS PARA-AUDITIVAS (20%)

81%: pulsátil
15%: mioclonia dos músculos da orelha média
4%: mioclonia palatal

AUDITIVO NEUROSSENSORIAL (80%)


Otológico: perdas auditivas, cerume, corpo estranho, doença de Ménière, otoesclerose, trauma
acústico
Cardiovascular: hipertensão arterial sistêmica, ateroesclerose e aumento do débito cardíaco
Metabólico: metabolismo dos açúcares, dislipidemias, distúrbios tireoidianos
Somatossensorial: por estimulação trigeminal e medular dorsal (mandíbula, articulação
temporomandibular, cabeça e pescoço)
Outras: medicamentosas (ototoxicidade: quinino, salicilatos, estreptomicina, canamicina,
garamicina, neomicina)

Tontura
Percepção de alteração do equilíbrio corporal. A vertigem é o tipo mais comum e
caracteriza-se pela ilusão de movimento corpóreo, geralmente rotatória.
A tontura pode estar acompanhada de desequilíbrio e queda, além de sintomas
neurovegetativos (náuseas e vômitos) e sintomas auditivos.
Distúrbios visuais, neurológicos, psíquicos, vasculares ou metabólicos podem ser
causas (Tabela 2).

Tabela 2. Principais causas de tontura.

ORIGEM VESTIBULAR (PERIFÉRICA)

Vertigem posicional paroxística benigna (VPPB)


Cinetose
Neurite vestibular: inflamação dos nervos vestibulares ou do gânglio de Scarpa (clínica básica:
vertigem súbita intensa; geralmente sem sintomas auditivos)
Hidropsia endolinfática (síndrome de Ménière): dilatação do labirinto membranáceo (clínica
básica: vertigem > 20 minutos + hipoacusia flutuante + zumbido flutuante + plenitude
auricular)
Vestibulotoxicidade: lesão labiríntica por substâncias exógenas (aminoglicosídeos, cisplatina,
diuréticos, AINES, AAS etc.)

ORIGEM CENTRAL

Esclerose múltipla
Tumor do ângulo pontocerebelar
Epilepsia vestibular
Enxaqueca basilar/vestibular
Infarto/hemorragia do tronco
Ataxia episódica familiar
Atrofia cerebelar
Infarto ou hemorragia cerebelar
Malformação de Arnold-Chiari
ORIGEM CERVICAL

Insuficiência vertebrobasilar: fluxo sanguíneo das artérias vertebrais e basilar


Síndrome do roubo da subclávia: vertigem desencadeada por esforço do membro superior
Síndrome dos escalenos: compressão da artéria vertebral pelos músculos escalenos

ORIGEM METABÓLICA E HORMONAL

Distúrbios do metabolismo do açúcar: diabetes, hipoglicemia reativa, hiperinsulinemia


Dislipidemias
Alterações tireoidianas: hipo/hipertireoidismo
Alterações ovarianas: síndrome pré-menstrual, síndrome pré-menopausa, gravidez, por
anticoncepcionais

AINES: anti-inflamatório não esteroidais; AAS: ácido acetilsalicílico.

Na abordagem das tonturas, o ponto mais importante é diferenciar os quadros


periféricos (labirínticos) dos centrais. A Tabela 3 resume como se manifesta cada
modalidade.

Tabela 3. Origem das tonturas e suas manifestações.

PERIFÉRICA CENTRAL

Náuseas/Vômitos Graves Moderados

Desequilíbrio Leve Grave

Perda auditiva Comum Rara

Oscilopsia Leve Grave

Sintomas neurológicos Raros Comuns

Compensação Rápida Lenta


Exame Físico Básico
• Otoscopia: exame do meato acústico externo e da membrana timpânica
geralmente por meio de otoscópio. Avaliam-se: a integridade da pele; fatores
obstrutivos (como cerume, otorreia, tumores); e a membrana timpânica
(integridade, coloração perolácea e a presença de abaulamentos e/ou retrações)

• Movimentação dos olhos: presença de nistagmo espontâneo e semiespontâneo;


pesquisa de nistagmo de posicionamento (p. ex., manobra de Dix-Hallpike); reflexo
vestíbulo-ocular (p. ex., head impulse test)

• Equilíbrio: avaliação da postura e da marcha (p. ex., teste de Romberg)


• Funções neurológicas: testes de pares cranianos, força, sensibilidade, funções
cerebelares.

EXAME FÍSICO BASEADO EM EVIDÊNCIAS


Existe algum exame físico fundamental a ser realizado nas unidades de emergência?
Sim. De acordo com estudo publicado na revista Stroke, em 2009, Kattah et al. criaram
uma abordagem mnemônica (HINTS):

• HI (Head Impulse Test ou teste do impulso cefálico): o paciente deve olhar para a
ponta do nariz do examinador durante todo o exame, com a cabeça em posição
centrada (examinador e paciente com os olhos alinhados no mesmo plano). Em
seguida, o examinador realiza uma rotação lateral lenta em cerca de 20° na cabeça
do paciente para qualquer um dos lados, seguido de um retorno abrupto para a
posição central. Em pacientes normais, os olhos se mantêm fixos. Um teste com
resultado alterado é aquele em que o olhar não se fixa, gerando uma sacada
corretiva (movimento abrupto do olho para compensar a alteração da fixação
ocular)

• N (Nistagmo): na origem periférica é geralmente associada a um nistagmo


predominantemente horizontal unidirecional com movimentos que aumentam em
intensidade, quando o paciente olha na direção da fase rápida do batimento ocular.
Nas doenças centrais, o nistagmo é vertical, torcional (ou rotatório) ou
multidirecional

• S (Skew deviation ou teste de Skew): o paciente olha fixamente o examinador e


este deve cobrir um dos olhos do paciente, alternando o olho a ser coberto e
observando movimentações oculares verticais de acomodação, que indicam um
teste positivo. Resulta de um desequilíbrio do tônus vestibular esquerdo e direito,
particularmente nas conexões vestibulares e oculomotoras, como uma resposta
às alterações de inclinação da cabeça.
A combinação desses testes aumenta o valor preditivo positivo para o diagnóstico de
acidentes vasculares cerebrais como a causa da tontura. A sensibilidade desse protocolo é
de 100% e a especificidade de 96%, comparado com exames de imagem nas primeiras 72 h
de sintomas.
A Tabela 4 resume os achados possíveis.

Tabela 4. Mnemônico HINTS para avaliação da tontura.

PERIFÉRICO CENTRAL

Head impulse test Alterado Normal

Nistagmo Horizontal unidirecional Vertical torcional e/ou bidirecional

Skew deviation Normal Alterado

BIBLIOGRAFIA
1. ___. Tratado de Otorrinolaringologia e Cirurgia Ceervicofacial da ABORL-CCF. 3. ed. Rio de Janeiro: Elsevier;
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2. Bhattacharyya N, Gubbels SP, Schwartz SR. et al. Clinical practice guideline: benign paroxysmal positional
vertigo (Update). Otolaryngology–Head and Neck Surgery. 2017; 156(3_suppl):S1-47.
3. Cruz OLM, Costa SS. Otologia. Rio de Janeiro: Revinter; 2000. 472 p.
4. Dolci JE, Silva LL. Otorrinolaringologia: Guia Prático. São Paulo: Atheneu; 2012. 874 p.
5. Gomes A, Costaneto JPM, Nogueira FB et al. Manual de Otorrinolaringologia. 2. ed. Rio de Janeiro: Roca; 2015,
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. Greters ME, Bittar RSM, Santos M D et al. Vertigem posicional paroxística não benigna. Arquivos Internacionais
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7. Kattah JC, Talkad AV, Wang DZ et al. HINTS to diagnose stroke in the acute vestibular syndrome. Stroke. 2009;
40(11):3504-10.
. Porto CC, Porto AL (Ed.). Exame Clínico: Porto & Porto. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2012. 522 p.
9. Porto CC. Semiologia Médica. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2009. 1308 p.
Capítulo 8

Semiologia do nariz e dos seios


paranasais
Autor(a): Victor José Timbó Gondim

ANAMNESE
Identificação: Paciente do sexo masculino, 20 anos de idade,
apresentando queixa principal de “nariz entupido”.
História da Moléstia Atual: Paciente iniciou quadro de obstrução
nasal e rinorrreia hialina há 2 dias. Procurou atendimento médico,
sendo prescritos sintomáticos e loratadina. Evoluiu em 10 dias com
astenia, dor facial, rinorreia esverdeada, febre de 38oC e hiposmia.
Queixou-se também de otalgia bilateral. Nega plenitude aural,
hipoacusia, outros sintomas otológicos e dispneia.
Precedentes Médicos: Rinite alérgica. Nega alergias
medicamentosas e alimentares. Refere vacinações atualizadas.
História Familiar: Pais com rinite alérgica.

EXAME FÍSICO
Sinais Vitais:
Frequência respiratória (FR): 20 irpm; frequência cardíaca (FC):
90 bpm; temperatura: 37,8°C
Geral: Bom estado geral, hidratado, anictérico e acianótico,
consciente, orientado no tempo e no espaço.
Otoscopia: Conduto auditivo externo pérvio, membrana timpânica
íntegra, translúcida, sem abaulamentos e retrações.
Rinoscopia Anterior: Septo nasal central, mucosas hiperemiadas,
conchas nasais hipertróficas (++++/4+).
Oroscopia: Dentes em bom estado de conservação, classificação
de Mallampati I, tonsilas palatinas grau I.
Cabeça e Pescoço: Crânio normocefálico, sem alterações ao
exame. Pescoço cilíndrico, simétrico; laringe e traqueia móveis,
medianas; pulso carotídeo simétrico; jugulares sem estase a 45º.
Sistema Respiratório: Tórax simétrico, sem deformidade, boa
expansibilidade, eupneico, com murmúrio vesicular bem distribuído,
sem ruídos adventícios.
Sistema Cardiovascular: Precórdio calmo, pulsos simétricos,
cheios, paciente normocárdico; bulhas normais, em 2 tempos, sem
sopros.
Abdome: Plano, flácido, indolor, sem visceromegalia, com ruídos
hidroaéreos, mas sem alterações.
Suspeita Diagnóstica: Sinusite aguda.
Conduta: Antibioticoterapia.

QUESTÕES PARA DISCUSSÃO


1. Quais são as causas mais comuns de obstrução nasal de
origem local?
2. Como realizar uma boa rinoscopia anterior?
3. O que poderia explicar sintomas auditivos em um
paciente com sinusopatia aguda?

DISCUSSÃO
1. A obstrução nasal é um sintoma cujas causas podem ser
de origem intranasal, paranasal ou retronasal.
Para o primeiro grupo, que são as principais causas, enquadram-
se as condições de origem da mucosa nasal. A causa mais comum
são doenças de origem inflamatória, como infecções ou alergias.
Outras causas são desvio de septo nasal, hipertrofia de
adenoides (tonsilas situadas na parede posterior da rinofaringe),
malformações e tumores.
2. Para uma boa rinoscopia anterior, dois fatores são
fundamentais: espéculo nasal e iluminação externa. Para
esta, pode-se utilizar uma lanterna, um fotóforo (fonte
luminosa que se prende à testa) ou um espelho nasal, que
consiste em um espelho circular colocado na fronte para
refletir a luz proveniente de uma fonte luminosa.
O espéculo nasal é um instrumento com o qual o médico
consegue ampliar a visão da cavidade nasal, podendo ser
descartável ou não.
A rinoscopia anterior deve ser realizada com o paciente olhando
de frente para o examinador; essa posição possibilita a visualização
do assoalho da cavidade nasal (inferiormente) e a cabeça da concha
nasal inferior (lateralmente). É uma boa maneira de verificar a
permeabilidade da cavidade nasal.
3. Em qualquer condição nasal, os sintomas auditivos podem
ser explicados pela anatomia, considerando-se a tuba
auditiva. Trata-se de um canal que liga a orelha média à
rinofaringe. Encontra-se habitualmente fechada e sua
abertura torna possível a equalização da pressão da orelha
média com a do meio ambiente. Além disso, viabiliza a
drenagem de secreções da orelha média.

Obstrução Nasal
Sintoma importante e frequente em muitas doenças sistêmicas
que pode acometer todas as idades e raças. Suas causas estão
sumarizadas na Tabela 1. Sua morbidade varia de acordo com a
gravidade e a etiologia. Isoladamente o sintoma não costuma
ocasionar risco de morte ao paciente, exceto nos casos de atresia
coanal congênita bilateral, em que há falha no desenvolvimento da
comunicação entre a cavidade nasal posterior e a rinofaringe. Nessa
situação, pode haver importante repercussão respiratória, com
cianose.
A obstrução nasal causa repercussões importantes para a
sociedade, gerando gastos anuais elevados com atendimento
médico/cirurgias, por conta de sua alta incidência. Nos EUA, são
realizadas cerca de 600.000 cirurgias por ano, e a obstrução nasal é
a terceira cirurgia mais realizada por otorrinolaringologistas.
Pode cursar com: respiração oral, rinorreia, distúrbios de olfato,
prurido nasal, alterações no sono e na deglutição, dentre outros

Tabela 1. Causas de obstrução nasal.


COMUNS

Rinite: alérgica e não alérgica (infecciosa, vasomotora, medicamentosa)


Sinusite: aguda e crônica (com e sem polipose nasal)
Hipertrofia de conchas nasais inferiores
Desvio septal
Hipertrofia adenoideana
Medicações: antitireoidianos, contraceptivos orais, anti-hipertensivos, anti-inflamatórios não esteroidais

INCOMUNS

Insuficiência valvular nasal


Neoplasias
Síndrome do nariz vazio (sintoma paradoxal por cirurgia nasal prévia)
Neuropatia trigeminal

RARAS

Anatômica: atresia coanal, estenose piriforme


Infecciosas: HIV, sífilis, Tuberculose

HIV: vírus da imunodeficiência humana.

Dor
Na maioria das vezes, associa-se a processos inflamatórios
agudos dos seios paranasais (sinusites). Causas nasais e
paranasais incluem-se no diagnóstico diferencial das cefaleias.

Espirros
As crises de espirro, também chamadas crises esternutatórias ou
espirros em salva, podem surgir como manifestação de rinites ou
mesmo em infecções de vias aéreas superiores.
As rinites alérgicas são reações de hipersensibilidade mediadas
por IgE (tipo I de Gell e Coombs). São causadas por resposta
inflamatória ao contato das partículas inaladas com a mucosa. Há
diversos desencadeantes, como: aeroalérgenos, irritantes
específicos, mudanças climáticas, anti-inflamatórios (em
predispostos). Além dos espirros em salva, acompanha-se de outros
sintomas, como prurido (em nariz, palato, olhos, faringe, laringe e
ouvidos), rinorreia hialina (anterior e/ou posterior), obstrução e
congestão nasal, com hipo/anosmia, e perda do paladar.

Rinorreia ou corrimento nasal


Caracteriza-se por uma secreção excessiva de origem nasal.
Pode ter colorações variadas, como as hialinas (presentes nas
rinites), mucoides e/ou purulentas (em quadros infecciosos), e/ou
sanguinolentas.
Em caso de rinorreia unilateral purulenta, sempre deve-se lembrar
da possibilidade de corpo estranho nasal, principalmente na faixa
etária pediátrica.
Outra causa importante para se ter em mente são as fístulas
liquóricas, que se apresentam como uma secreção serosa,
associadas a trauma cirúrgico e/ou acidentes.

Epistaxe
Sangramento de origem nasal. É a principal causa de hemorragia
na população, representando condição frequente nas emergências
médicas e necessitando, muitas vezes, de tamponamento nasal
e/ou intervenção cirúrgica.
A maioria dos sangramentos nasais é de pequeno volume,
autolimitada e sem repercussões hemodinâmicas, porém sempre
deve-se atentar para condições associadas, como uso de
medicamentos (p. ex., antiagregantes plaquetários), drogas
psicoativas (p. ex., cocaína), hipertensão arterial, coagulopatias,
traumatismos locais ou extensos. São fatores muitas vezes
causadores e/ou perpetuadores dessa condição.
As principais causas de epistaxe são:

• Alterações olfatórias:
• Cacosmia: caracteriza-se pela percepção de odor fétido
nasal. Apresenta diversas causas (infecciosas [sinusites,
sífilis nasal], tumores e corpos estranhos)

• Hiposmia, por sua vez, é a redução do olfato. Cerca de


metade de suas causas é por infecções de vias aéreas
superiores, traumas e obstruções nasais.
Aproximadamente 20% são idiopáticas. Outras etiologias
incluem trauma cirúrgico e exposição a substâncias
tóxicas olfatórias, como antibióticos (aminoglicosídeos,
tetraciclina), cocaína, álcool, dióxido sulfúrico,
formaldeído, metais pesados, monóxido de carbono,
solventes orgânicos, entre outras. No adolescente que
não sente odor, lembrar da síndrome de Kallman
(hipogonadismo hipogonadotrófico), por agenesia do
bulbo olfatório. Importante lembrar também que a
hiposmia pode ser o primeiro sinal de demência em
pacientes idosos

• Parosmia caracteriza-se pela sensação distorcida do


olfato, geralmente resultando em sensação de cheiros
que não existem ou cheiros desagradáveis.

EXAME FÍSICO BASEADO EM


EVIDÊNCIAS
Para o diagnóstico de rinossinusite aguda, é necessário algum
exame complementar?
Não. De acordo com o último European position paper on
rhinosinusitis and nasal polyps (EPOS), o diagnóstico de rinossinusite
aguda pode ser confirmado apenas pelo critério de dois ou mais
sintomas, sendo pelo menos um obstrução nasal ou rinorreia
anterior, somados com dor facial, hipo/anosmia ou tosse (crianças).
Os exames complementares (endoscopia nasal, tomografia etc.)
reservam-se apenas para dúvida diagnóstica e/ou suspeita de
complicações.

BIBLIOGRAFIA
1. ____. Tratado de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cervicofacial da ABORL-CCF. 3. ed.
Rio de Janeiro: Elsevier; 2017. 1024 p.
2. Esmaili A, Acharya A. Clinical assessment, diagnosis and management of nasal
obstruction. Australian Family Physician. 2017; 46(7):499-503.
3. Fokkens WJ, Lund VJ, Mullol J, Bachert C, Alobid I, Baroody F et al. EPOS 2012:
European position paper on rhinosinusitis and nasal polyps 2012. A summary for
otorhinolaryngologists. Rhinol Suppl. 2012; 23:3.
4. Mohan S, Fuller J, Ford SF, Lindsay RW. Diagnostic and therapeutic management of
nasal airway obstruction: advances in diagnosis and treatment. JAMA Facial
Plastic Surgery. 2018; 20(5):409.
5. Porto CC, Porto AL (Ed.). Exame Clínico: Porto & Porto. 7. ed. Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan; 2012. 522 p.
. Porto CC. Semiologia Médica. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2009. 1308
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7. Villwock JA, Kuppersmith RB. Diagnostic algorithm for evaluating nasal airway
obstruction. Otolaryngologic Clinics of North America. 2018; 51(5):867-72.
Capítulo 9

Semiologia da Laringe
Autor(a): Victor José Timbó Gondim

ANAMNESE
Identificação: Paciente do sexo masculino, 50 anos de idade.
Queixa Principal: “Rouquidão contínua e falta de ar”.
História da Moléstia Atual: O paciente queixa-se de disfonia progressiva há cerca de 6
meses. Evoluiu nos últimos 2 meses com episódios de dispneia. Nega disfagia. Hábitos:
tabagista desde a adolescência, etilista diário.
Interrogatório Sintomatológico: Nega alterações em nariz, ouvidos e olhos,
gastrintestinais, urinárias e extremidades.

EXAME FÍSICO
Dados Vitais: Frequência respiratória (FR) – 18 irpm; frequência cardíaca (FC) – 80
bpm; temperatura: 37°C.
Pele: Sem alterações.
Cabeça e Pescoço: Sem adenomegalias palpáveis. Tireoide sem alterações palpáveis;
móvel à deglutição. Ausência de sopros cervicais
Sistema Respiratório: Tórax simétrico, sem deformidade, boa expansibilidade,
taquipneico, com murmúrio vesicular bem distribuído, sem ruídos adventícios.
Sistema Cardiovascular: Precórdio calmo, pulsos simétricos, cheios: paciente
normocárdico. Bulhas normofonéticas em 2 tempos, sem sopros.
Abdome: Plano, flácido, indolor, sem visceromegalia, com ruídos hidroaéreos sem
alterações.
Sistema Nervoso: Paciente lúcido e orientado, responsivo. Sem sinais de irritação
meníngea. Reage a estímulos dolorosos, sem alterações na força muscular.
Ao exame otorrinolaringológico: Otoscopia com membrana timpânica íntegra,
translúcida, sem abaulamentos ou retrações; rinoscopia anterior com septo centrado e
conchas nasais eutróficas. Avaliação perceptivo-auditiva da voz com G3B0R3A0S0I0 .
Suspeita Diagnóstica: Disfonia crônica a esclarecer (neoplasia de laringe?).
Conduta: Solicitado exame de laringoscopia.
EXAMES COMPLEMENTARES
Laringoscopia: Evidenciada lesão ulceroinfiltrativa em toda a prega vocal direita, com
fixação de hemilaringe direita.

QUESTÕES PARA DISCUSSÃO

1. Quando a disfonia sugere neoplasia?


2. Quais sinais e sintomas podem associar-se à disfonia?
3. Quando se deve pensar em solicitar exames complementares para pacientes
com rouquidão? Quais as opções disponíveis?
4. Nódulo vocal é câncer?

DISCUSSÃO
1. Normalmente, quando é insidiosa e progressiva, e há acometimento de pregas
vocais, causado pela má vibração da mucosa vocal. Toda disfonia que não
melhora em 15 dias deve ser investigada.
2. Nas neoplasias de laringe, podem associar-se: disfagia e odinofagia (ambas por
invasão direta), dispneia (efeito obstrutivo em estágios avançados), otalgia reflexa
(é frequente a associação com metásstase linfonodal cervical), síndrome
consumptiva (seja por dificuldade de ingestão alimentar ou pelo catabolismo
tumoral).
3. Em toda rouquidão persistente. Podem ser solicitados: laringoscopia (primeira
escolha e possibilita visualização direta da lesão), estroboscopia (laringoscopia
com auxílio de luz oscilante, de acordo com a frequência vocal do paciente –
possibilita melhor visualização da vibração vocal), tomografia computadorizada,
ressonância magnética e tomografia computadorizada por emissão e pósitrons
(PET-TC; Position Emission Tomography).
4. Os nódulos de pregas vocais correspondem ao grupo de lesões fonotraumáticas
das pregas vocais, que são condições decorrentes de uso inadequado da voz e
incluem: edema de Reinke, pólipos e granulomas vocais. São lesões de caráter
benigno e podem ser tratadas, via de regra, com fonoterapia ou exérese cirúrgica,
de acordo com o seu tamanho ou refratariedade ao tratamento com fonoterapia.

Anamnese
Dor
Sintoma frequente na semiologia laríngea, especialmente em laringites (agudas e
crônicas), podendo ser acompanhada de dor à deglutição (odinofagia).
Dispneia
A dispneia de origem laríngea pode ser infecciosa (como na laringite diftérica,
laringomalácia, papilomatose por papilomavírus humano [HPV], abscessos, dentre outras),
congênita (laringomalácia, estenoses congênitas), neoplásica, por corpos estranhos e
traumas.

Disfonia
Toda dificuldade na emissão vocal que impeça a produção natural e harmoniosa da voz.
Pode ser aguda (até 14 dias de evolução) ou crônica (acima de 14 dias).

Quanto à causa, pode ser:

• Funcional: altera a função vocal por mau uso da voz, mas não é ocasionada por
lesão. Pode ter causas ocupacionais (p. ex., cantores), alterações estruturais
mínimas (alteram a estrutura tecidual das pregas vocais e cujo impacto restringe-
se à função fonatória, como nas assimetrias laríngeas, alterações de proporção
glótica) e causas de origem psicogênica

• Orgânica: alteração independente do uso da voz. As causas podem ser


neurológicas (p. ex., Parkinson), neoplásicas e infecciosas (papilomatoses,
laringites)

• Organofuncional: são os casos de disfonias funcionais que evoluíram para lesões


secundárias pelo mau uso da voz (p. ex., pólipos e nódulos de pregas vocais,
granulomas de processos vocais, dentre outras).

Estridor
Respiração ruidosa pelo turbilhonamento de ar em uma via aérea estreitada.
Topograficamente, pode localizar-se em regiões extratorácicas (como na laringe) ou
intratorácicas. Ocorre geralmente em crianças (motivo: laringe menor), e as doenças
congênitas são a principal causa de estridor em menores de 2,5 anos. Na população
pediátrica, é um dos sinais mais importantes de obstrução respiratória.

Tosse
A mucosa laríngea é uma região altamente reativa aos estímulos provocadores de
tosse, sendo possíveis diversas causas, como refluxo laringofaríngeo e infecções.

Disfagia
Incapacidade de ingerir ou transportar o bolo alimentar da região oral ao estômago.
Causas obstrutivas laríngeas podem cursar com esse sintoma, como neoplasias, infecções
e malformações. No refluxo, pode associar-se à sensação de corpo estranho, definida
como globus laríngeo, na qual não se encontra lesão maior.

Pigarro
Causado por quadros de hipersecreção de muco, comum na doença do refluxo e em
tabagistas crônicos.
Exame físico
Além do exame físico básico otorrinolaringológico e da avaliação do padrão da voz
(rouquidão, instabilidade vocal), podem-se usar instrumentos de laringoscopia, de forma
indireta (por meio de espelho e luz) ou direta (via uso de laringoscópio).

EXAME FÍSICO BASEADO EM EVIDÊNCIAS


Existe uma escala que possibilita a avaliação perceptivo-auditiva da voz que é
considerada o padrão-ouro para essa finalidade: a escala GRBASI.
Ela foi desenvolvida no Japão em 1969. Ao decompor a sigla, ela compreende: G –
grade (grau de disfonia); R – roughness (grau de regularidade); B – breathiness (grau de
soprosidade ou voz soprosa); A – asteny (grau de astenia); S – strain (grau de tensão); I –
instability (grau de instabilidade).
A disfonia traduz a irregularidade vibratória, a soprosidade pode indicar fenda vocal, a
regularidade implica rigidez de mucosa, a astenia sugere hipofunção (observada em alguns
casos neurológicos, como na miastenia gravis), a tensão aponta para hiperfunção e a
instabilidade é manifestada em algumas patologias neurológicas e locais (como Parkinson,
coreias, AVC, distonias laríngeas).
Cada parâmetro é quantificado de 0 a 3, em que 0 é normal, 1 leve, 2 moderado e 3
grave.

BIBLIOGRAFIA
1. ___. Tratado de Otorrinolaringologia e Cirurgia Ceervicofacial da ABORL -CCF. 3. ed. Rio de Janeiro: Elsevier;
2017. 1024 p.
2. Dolci JEL, Silva L. Otorrinolaringologia: Guia Prático. São Paulo: Atheneu; 2012. 874 p.
3. Ganança FF, Pontes P. Manual de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço. Barueri: Manole; 2011.
2000 p.
4. Gomes A, Costaneto APM, Nogueira FB et al. Manual de Otorrinolaringologia. 2. ed. Rio de Janeiro: Roca; 2015.
167 p.
5. Porto CC. Semiologia Médica. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2009. 1308 p.
. Porto CC, Porto AL (Ed.). Exame Clínico: Porto & Porto. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2012. 522 p.
7. Reghunathan S, Bryson PC. Components of voice evaluation. Otolaryngologic Clinics of North America. 2019;
52(4):589-95,.
Seção 3 - Sistema Respiratório
Capítulo 10

Semiologia Respiratória
Autor(a): Janaina Martins Andrade

CASO CLÍNICO

ANAMNESE
Identificação: N.O.A., 65 anos de idade, residente de Gouveia (MG).
Queixa Principal: “Controle da asma”.
História da Moléstia Atual: Paciente asmática desde a infância procurou atendimento pneumológico
para controle das exacerbações. Na ocasião, a crise estava parcialmente controlada, mas a paciente
queixava-se de tosse e sibilância e limitação das atividades da vida diária devido aos sintomas da
asma. Relatou crises asmáticas frequentes com necessidade de uso de broncodilatador de resgate (B2
de curta duração – salbutamol 400 µg a cada 4 h) e corticosteroide sistêmico (prednisona 20 mg MID).
Referiu ainda idas frequentes ao pronto atendimento da cidade de origem para nebulização com
broncodilatadores de curta duração (fenoterol + ipratrópio) e corticosteroide sistêmico venoso
(hidrocortisona 500 mg). Trata-se de paciente sabidamente hipertensa com elevação dos níveis
pressóricos durante as crises asmáticas, em acompanhamento trimestral com o cardiologista
assistente.
A paciente negou: hiporexia, perda ponderal, alterações em olhos, ouvidos, trato aerodigestivo e do
hábito intestinal, queixas urinárias, corrimento ou lesões genitais, ou mudanças em pele e/ou
extremidades.
Antecedentes: Paciente sabidamente asmática com início das crises aos 2 anos de idade. Nega
ocorrência de coqueluche, sarampo, infecções respiratórias de repetição na infância, história prévia de
embolia pulmonar, tuberculose, cirurgias pulmonares e/ou cardíacas, trauma torácico e neoplasia
pulmonar.
Relatou inúmeros episódios prévios de pneumonia, mas não soube informar com precisão
quantidade e data/ano.
Portadora de: hipertensão arterial sistêmica (HAS), em uso domiciliar de losartana 50 mg BID,
hidroclorotiazida 25 mg MID; artrite reumatoide, em uso domiciliar de deflazacorte (glicocorticoide) 3
mg, 3 vezes/semana; e transtorno de ansiedade generalizada, em uso domiciliar de sertralina 50 mg
MID e mirtazapina 30 mg MID.
Desconhecia alergia medicamentosa. Quadro vacinal em dia. Nega cirurgias prévias. Menopausa
aos 42 anos de idade.
Nega tatuagens ou acidentes perfurocortantes nos últimos 12 meses, transfusões sanguíneas
prévias, tabagismo, uso de drogas ilícitas e etilismo. Informou ter sido fumante passiva por 20 anos.
A paciente vive em casa com o esposo, em região com saneamento adequado, e consome água
mineral. Referiu exposição domiciliar a poeira e cão.
Em virtude de sua profissão, relatou exposição a giz escolar por 10 anos, período em que trabalhou
como professora na rede pública de ensino da cidade de origem.
História Familiar: Negou doenças ocorridas por causa genética ou por hábitos comuns e doenças
transmissíveis.
Mãe falecida aos 80 anos de idade em decorrência de fibrose pulmonar secundária à
pneumotoxicidade por amiodarona.
Pai falecido aos 99 anos de idade em virtude de pneumonia adquirida na comunidade.
Filhos (3) com boa saúde.
Relatou que um irmão apresenta HAS e uma irmã transtorno de ansiedade.

EXAME FÍSICO
Ectoscopia: Paciente em bom estado geral, alerta, cooperativa e bem orientada no tempo e no
espaço, eupneica em repouso, afebril (36,7°C), acianótica, hidratada, hipocorada (1+/4+).
Ausência de linfadenomegalias superficiais palpáveis.
À inspeção do couro cabeludo, não foram encontradas lesões.
Cavidades Oral e Orofaríngea: Língua com lesões sugestivas de língua geográfica.
Otoscopia: Cerume em ouvido direito.
Pele e Fâneros: Sem alterações.
Ausculta Cardíaca: Ritmo cardíaco regular, não auscultados sopros.
Ausculta Pulmonar: murmúrio vesicular com sibilos difusos.
Abdome: Semigloboso, com ruídos hidroaéreos normoativos e espaço de Traube livre, indolor à
palpação, sem massas ou visceromegalias.
Extremidades bem perfundidas, sem edemas.

EXAMES COMPLEMENTARES
Revisão Laboratorial: Fator reumatoide reativo (47,7), PPD não reator.
Tomografia de Tórax de Alta Resolução: Espessamento difuso das paredes brônquicas inferindo
bronquiectasias cilíndricas e bronquioloectasias (Figura 1). Opacidades centrolobulares com aspecto
de árvore em brotamento estendendo-se às vias aéreas. Estrias fibroatelectásicas nos ápices
pulmonares.

Figura 1. Tomografia de tórax evidenciando bronquiectasias cilíndricas e espessamento de septos interlobulares em


bases pulmonares de ambos os hemitórax, acarretando distorção da arquitetura pulmonar.
Fonte: arquivo pessoal da Dra. Janaina Martins Andrade.

Espirometria: Distúrbio ventilatório obstrutivo grave com resposta positiva à prova broncodilatadora.
Ecocardiograma: Fração de ejeção = 68%; pressão sistólica na artéria pulmonar = 28 mmHg;
pressão no átrio direito = 5 mmHg. Função sistólica global e segmentar biventricular normal em
repouso. Relaxamento diastólico anormal do ventrículo esquerdo (grau I de disfunção diastólica).
Alterações degenerativas leves das valvas mitral e aórtica com regurgitação aórtica leve.
Fibronasolaringoscopia: Polipose nasal.
Prick Test: Hipersensibilidade a poeira domiciliar (+ + +) e ácaros (+ + + +).

INTERPRETAÇÃO E CONDUTA
Trata-se de um caso de bronquiectasia cilíndrica secundária, principalmente, a condições adquiridas.
A asma, por alterar a estrutura morfofuncional das vias aéreas, pode desencadear bronquiectasias
como um dos componentes estruturais da doença, no entanto, é pouco frequente. A exposição a pó de
giz, composto principalmente de óxido de cálcio, pode causar e exacerbar reações alérgicas em
pacientes asmáticos, aumentando as complicações da doença. A exposição passiva à fumaça de
cigarro também é um agravante para condições pulmonares pré-existentes. Fator reumatoide positivo
somado a sintomas articulares fomenta a possibilidade de doença intersticial pulmonar secundária à
artrite reumatoide, a qual pode cursar, muitas vezes, com bronquiectasia. No entanto, são necessárias
mais avaliações para conclusão diagnóstica de artrite reumatoide.
Evolução: A terapêutica para controle das exacerbações da asma foi intensificada, seguindo-se as
orientações do Global Initiative for Asthma (GINA 2020). Foram prescritos: formoterol + budesonida
12/400 µg BID (e dose adicional seria empregada se o paciente apresentasse tosse, sibilância e
dispneia aos esforços, conforme orientação médica), mometasona 400 µg MID, acetilcisteína 600 mg
MID, azitromicina 500 mg MID às segundas, quartas e sextas-feiras, e salbutamol 400 µg na
persistência de sintomas (tosse, sibilância e dispneia aos esforços), conforme orientação médica.
A paciente foi orientada quanto ao controle ambiental e encaminhada ao serviço de fisioterapia
respiratória para reabilitação pulmonar.
Inicialmente será realizado acompanhamento tomográfico semestral e avaliada a possibilidade de o
mesmo tornar-se anual.
A paciente foi reavaliada em 30 dias e na ocasião relatava melhora importante dos sintomas
respiratórios. À ausculta respiratória, já não apresentava sibilos, como na primeira consulta. Referia
ainda melhora dos sintomas diurnos e da funcionalidade, não mantinha queixa de limitação para
realização de atividades da vida diária. A mesma não precisou procurar o serviço de Pronto
Atendimento da cidade de origem nos últimos 30 dias e negou uso de corticosteroide sistêmico, porém
necessitou fazer uso do broncodilatador de curta duração pelo menos uma vez por semana no período
noturno.

QUESTÕES PARA DISCUSSÃO

1. Qual a principal função dos pulmões?


2. Esclareça as subdivisões do sistema respiratório e suas funções.
3. O que é unidade alvéolo capilar?
4. Qual o princípio que rege a ventilação?
5. Explique como ocorrem a inspiração e a expiração.
6. Quais dados da anamnese e do exame físico são essenciais para a correta identificação de
possíveis diagnósticos diferenciais e a confirmação etiológica?
7. Por que o sibilo acontece predominantemente na expiração?
8. Quais são os sinais de alerta de evolução para insuficiência respiratória?

DISCUSSÃO

Entendendo o Sistema Respiratório


O sistema respiratório pode ser dividido em uma porção condutora, que leva o ar para os locais onde
se dão as trocas gasosas, e uma porção respiratória, onde ocorre a troca de gases entre o ar e o
sangue. A porção condutora é formada por: cavidades nasais, faringe, laringe, traqueia, brônquios,
bronquíolos e bronquíolos terminais. A porção respiratória consiste em: bronquíolos respiratórios,
ductos alveolares, sacos alveolares e alvéolos. Neste local, o oxigênio e o gás carbônico passam entre
alvéolos e capilares pulmonares por difusão, através da membrana respiratória.
Este conjunto de estruturas possibilita o transporte do oxigênio para o sangue, a fim de ser
distribuído para as células, e a retirada do gás carbônico do sangue para o exterior, dejeto do
metabolismo celular.
Durante o processo de ventilação pulmonar, a atividade muscular causa mudanças no volume da
cavidade torácica durante a respiração, com consequente alterações nas pressões intrapulmonar e
intrapleural, que promovem a movimentação do ar da região de alta pressão para a de baixa pressão.
A resistência das vias aéreas é normalmente baixa, porém estímulos nervosos e fatores químicos
podem mudar o diâmetro dos bronquíolos, alterando a resistência e o fluxo de ar. A distensibilidade
pulmonar é normalmente alta devido ao componente elástico do tecido pulmonar e à habilidade do
surfactante para reduzir a tensão superficial do líquido alveolar.
A perfusão pulmonar refere-se ao fluxo sanguíneo da circulação pulmonar disponível para a troca
gasosa, e suas pressões são relativamente mais baixas quando comparadas com a circulação
sistêmica.
Os sintomas específicos relatados pelos pacientes são poucos, variando quanto à ordem sequencial
de aparecimento, à intensidade e à duração. Dispneia, dor torácica, tosse com ou sem expectoração,
hemoptise, sibilância e cianose são elementos semiológicos que aparecem normalmente à anamnese
dos pacientes. Estas manifestações pulmonares citadas originam-se na própria estrutura do órgão e
podem revelar acometimento de vias aéreas, pleura, ou simplesmente refletir um distúrbio funcional, da
ventilação ou das trocas gasosas. Em contrapartida, podemos ter outras manifestações pulmonares
secundárias a processos inflamatórios, infecciosos ou neoplásicos instalados em qualquer sítio do
organismo, não sendo, portanto, exclusivas das doenças pulmonares.
As manifestações mediastinais acontecem pela relação de contiguidade entre os pulmões e o
mediastino, como, por exemplo, na síndrome da veia cava superior. Já as manifestações extratorácicas
são algumas síndromes que frequentemente acompanham as doenças pulmonares, neste caso, pode-
se destacar o hipocratismo digital como manifestação extratorácica mais importante.

Manifestações Clínicas das Vias Aéreas


Tosse
Manifestação mais comum das doenças respiratórias e, portanto, um desafio diagnóstico. É o
principal mecanismo de defesa do organismo e tem a função de eliminar materiais inalados em grande
quantidade, retirar o excesso de muco (existente ou por deficiência do clearance mucociliar, ou por
aumento da sua produção). A efetividade varia de acordo com a velocidade do ar nas vias aéreas, o que
depende da força gerada pela musculatura respiratória. Assim, a tosse pode ser definida como uma
manobra expiratória forçada contra a glote fechada que promove um som característico.
O reflexo da tosse envolve cinco grupos de componentes: receptores de tosse, nervos aferentes,
centro da tosse, nervos eferentes e músculos efetores.
A tosse é classificada, segundo sua duração, em três categorias: aguda, subaguda e crônica,
conforme apresentado na Tabela 1.

Tabela 1. Classificação da tosse.

TOSSE AGUDA TOSSE SUBAGUDA TOSSE CRÔNICA

Autolimitada, com duração Tempo de duração entre 3 e 8 Tempo de duração superior a 8


inferior a 3 semanas semanas semanas

Causas mais comuns:


Causas mais comuns: síndrome da tosse de vias
infecções de vias aéreas aéreas superiores, asma e
Causas mais comuns: doença
superiores, quadros gripais e DRGE, tabagismo ativo. O uso
do refluxo gastresofágico
infecções bacterianas, doença de inibidores da enzima
(DRGE), síndrome da tosse
pulmonar obstrutiva crônica conversora da angiotensina
crônica de vias aéreas
(DPOC), asma, insuficiência (IECA) deve ser considerado,
superiores
cardíaca congestiva, exposição mas sua frequência tem
ambiental ou ocupacional diminuído em função do
diagnóstico precoce

Os exames podem estar


A associação entre a história
normais e a história clínica do Como na aguda, o raciocínio
clínica e os exames
paciente é fundamental para clínico tem suma importância
subsidiários é importante para
definição do diagnóstico e do para o diagnóstico
a elucidação diagnóstica
tratamento
Diagnóstico clínico
A história clínica e o exame físico podem fornecer algumas pistas importantes para o diagnóstico.
São consideradas as causas mais frequentes de tosse:

• Síndrome da tosse das vias aéreas superiores


• Asma
• Gripe
• Doença do refluxo gastresofágico (DRGE)
• Doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) ou bronquite
• Bronquiectasias
• Neoplasia pulmonar
• Aspiração pulmonar
• Inibidores da enzima conversora da angiotensina (IECA)
• Tosse somática
• Doenças intersticiais
• Doenças ocupacionais
• Infecções pulmonares
• Tuberculose pulmonar
• Insuficiência cardíaca congestiva
• Diálise peritoneal.
É importante destacar ainda a tosse somática, antes denominada psicogênica. Estudos sugerem
que a tosse somática acomete mais crianças e adolescentes do que adultos. Crianças com este tipo de
tosse normalmente não o fazem à noite, e a tosse é acompanhada por um ruído característico. O
diagnóstico é de exclusão. Já a tosse idiopática também é sempre um diagnóstico de exclusão; as
causas de tosse devem ser descartadas independentemente de haver ou não sintomas. Antes de inferir
a tosse como sendo de causa indeterminada, deverá ser realizado o tratamento empírico de STVRS,
DRGE e asma. A investigação de causas raras de tosse é imprescindível. A seguir, são listadas na
Tabela 2 as causas menos frequentes de tosse.

Tabela 2. Causas menos frequentes de tosse.


CAUSAS PULMONARES

Traqueobroncomalácia
Estenose de vias aéreas
Amiloidose traqueobrônquica
Corpos estranhos nas vias aéreas
Traqueobroncopatia osteoplástica
Broncolítiase
Linfangioleiomiomatose
Histiocitose X
Traqueobroncomegalia (síndrome de Mounier-Kuhn)
Alta atitude
Massas mediastinais
Edema pulmonar
Embolia pulmonar
Tosse induzida por fármacos
Proteinose alveolar pulmonar

OUTRAS CAUSAS
Vasculites
Doenças inflamatórias intestinais
Doenças da tireoide
Fístulas traqueoesofágicas ou broncoesofágicas
Outras

Diagnóstico laboratorial
São considerados exames principais no auxílio diagnóstico da tosse:

• Radiografia de tórax: fundamental para excluir doenças parenquimatosas pulmonares


• Espirometria: útil para afastar doenças pulmonares obstrutivas ou restritivas
• Tomografia computadorizada de seios da face e nasofibroscopia: útil para confirmar o
diagnóstico de STVRS

• Endoscopia digestiva alta com biópsia de esôfago e ph-metria esofágica: fundamentais para o
diagnóstico de DRGE. A impedanciometria é uma nova opção, especialmente para caracterizar
o refluxo básico

• Broncoprovocação e escarro induzido: exames realizados para confirmar ou descartar quadros


suspeitos de asma

• Tomografia computadorizada de tórax de alta resolução: utilizada para diagnóstico de doenças


pulmonares e confirmação de qualquer alteração de densidade no parênquima pulmonar;
sugerida sua realização com a radiografia de tórax. É também solicitada, quando o paciente
não apresenta resposta clínica após algum tratamento específico e quando melhor
investigação é necessária para confirmar a causa da tosse
• Broncoscopia: pouco utilizada para a investigação de tosse crônica, porém é indicada em
casos os quais as causas mais comuns foram excluídas ou em situações de aspiração de
corpo estranho. O lavado broncoalveolar e a biópsia podem auxiliar no diagnóstico, como em
casos de suspeita de tuberculose

• Análise do escarro: um número elevado de eosinófilos é compatível com a asma e com a


bronquite eosinofílica não asmática. É empregada para o diagnóstico diferencial de tosse e
para a orientação terapêutica

• Óxido nítrico (NO) exalado: reflete inflamação eosinofílica, comumente encontrada na asma
atópica.

Tratamento
Em muitos casos, o tratamento é muito complicado, portanto, é importante identificar a causa e
iniciar a terapêutica de acordo com esta causa.
Quando não se consegue definir a(s) causa(s) da tosse, pode-se iniciar um tratamento empírico,
com observância à resposta clínica do paciente.
De acordo com sua etiologia, a opção pelo tratamento poderá ser mais específica, como no caso da
asma e da DRGE, ou ser mais generalista, visando à diminuição da frequência e da intensidade da tosse
do paciente.
O arsenal medicamentoso mais usado para o controle da tosse inclui broncodilatadores,
substâncias que atuam no sistema nervoso central, substâncias que atuam no sistema nervoso
periférico, substâncias que atuam no muco e anti-histamínicos.
O uso de medicações para alívio da tosse é indicado nos casos mais intensos e com o intuito de
trazer conforto. É importante insistir na investigação diagnóstica, pois, geralmente, a eficácia do
tratamento dependerá da definição da causa da tosse.

Expectoração
Em condições fisiológicas, são produzidos diariamente, aproximadamente, 100 mL de muco no trato
respiratório inferior. Esta produção é levada ao trato respiratório superior pelo aparelho mucociliar, onde
sofre processo de deglutição, sem causar sintomatologia.
O muco é produzido por células caliciformes, plasmáticas, de Clara, pneumócitos do tipo II e
glândulas submucosas. Trata-se de um coloide hidrofílico, cuja composição compreende 95% de água,
1% de proteínas, 0,9% de carboidratos e 0,8% de lipídios.
Além do muco, 250 a 400 mL de água são eliminados diariamente através dos movimentos
respiratórios, sob a forma de vapor d’água.
Situações que causam aumento da produção do muco e alterações das suas propriedades
desencadeiam mecanismos de defesa do sistema respiratório responsáveis pela sintomatologia
descrita como tosse e pigarro.
A tosse pode ser produtiva ou improdutiva. Na tosse produtiva, quantidades variáveis de material
formado ou depositado nas vias aéreas são eliminadas (escarro). A palavra escarro tem sua origem no
latim, screare ou escarrar, e significa “material que é expelido durante a expectoração”.
Quando o material expectorado é oriundo do trato respiratório superior, suas características básicas
são gotejamento pós-nasal, que pode ser visualizado na orofaringoscopia, e eliminação não somente
com a tosse, porém, também com a manobra de aspiração nasofaríngea. As rinossinusites são
responsáveis por produção abundante de secreção, normalmente purulenta, viscosa e grumosa; tendo
associação frequente com tosse e inclusive sintomas de hiper-reatividade das vias aéreas.
O primeiro questionamento ao paciente cuja sintomatologia inclui tosse produtiva é sobre as
características da secreção eliminada. Esta informação, apesar de importante, não isenta o médico da
inspeção do material eliminado. Tal procedimento deverá ser realizado solicitando-se ao paciente que
expectore em uma superfície branca (lenço de papel ou placa de Petri), sendo posteriormente
examinado o conteúdo, preferencialmente em local de boa luminosidade. O exame compreenderá a
visualização do material, análise de sua viscosidade e odor.
As informações semiológicas da expectoração são muitas, devendo começar, ainda na anamnese,
com a descrição do tempo de aparecimento da sintomatologia. Três condições poderão apresentar-se
ao profissional de saúde, ou seja, o início agudo, subagudo ou crônico da eliminação de material
através da tosse. Início agudo invariavelmente é causado por infecções virais do trato respiratório,
afecções alérgicas e agudização de condições crônicas, como asma brônquica e bronquite crônica.
Infecções bacterianas como as pneumonias causam produção de expectoração de início insidioso,
aumentando gradativamente de volume em um período de dias a semanas.
O período do dia em que a expectoração é mais abundante também fornece pistas diagnósticas.
Eliminação copiosa de secreção no período matutino, logo após levantar, é característica de doenças
supurativas crônicas como bronquiectasias e bronquite crônica. Também pode-se verificar tosse com
expectoração em crises intermitentes durante o dia. Esta característica inclina o diagnóstico para
condições em que a ação da gravidade deposita o conteúdo, até o momento que a quantidade
acumulada obriga o organismo a lançar mão de mecanismos de defesa para eliminá-la. Este
mecanismo contitui-se da tosse e consequente eliminação do acúmulo de secreção. As
bronquiectasias são o modelo deste tipo de comportamento.
Tosse e expectoração relacionadas à alimentação indicam fístula broncoesofágica ou distúrbios de
deglutição, com aspiração do conteúdo alimentar para as vias respiratórias. O decúbito também pode
precipitar eliminação de secreção. Devido à peculiaridade anatômica da árvore respiratória, alguns
segmentos pulmonares somente terão uma drenagem adequada, quando determinada posição
assumida pelo paciente facilitar a drenagem das secreções. Exemplos desta condição são as
bronquiectasias, os abscessos pulmonares e as fístulas broncopleurais.
As características do escarro mudam de acordo com a doença que acomete o sistema respiratório,
sendo alteradas sua cor, viscosidade e odor. A viscosidade encontra-se particularmente aumentada nos
casos de infecção do trato respiratório, seja ela bacteriana, micobacteriana ou fúngica. As infecções
virais normalmente não aumentam a viscosidade de forma tão marcante. Poucas proteínas e células, e
grande quantidade de água e eletrólitos caracterizam o escarro seroso. À inspeção, tem como
característica básica o fato de ser aquoso e translúcido, semelhante à água. É típico de afecções virais
do trato respiratório e indivíduos atópicos.
O escarro mucoide ou mucoso tem aspecto semelhante à clara de ovo. É esbranquiçado e algo
viscoso. É o tipo encontrado em pacientes portadores de bronquite crônica e asma brônquica, quando
não há infecção bacteriana superposta. Na asma brônquica, devido à grande quantidade de eosinófilos
presentes na secreção, poderá haver escarro de coloração amarelada, porém sem significar infecção
bacteriana.
A presença de piócitos caracteriza o escarro do tipo purulento. Macroscopicamente apresenta-se
como secreção extremamente viscosa, amarelada ou esverdeada. A infecção bacteriana é o maior
exemplo de escarro purulento. Diferenças sutis em sua coloração podem sugerir agentes etiológicos
específicos. Na pneumonia pneumocócica, o escarro é tipicamente ferruginoso. Quando o agente
implicado é a Klebsiella pneumoniae, assume coloração arroxeada, semelhante à geleia de framboesa.
Pseudomonas aeruginosa confere um aspecto esverdeado à secreção eliminada. O aspecto bilioso ou
semelhante à pasta de anchovas é patognomônico de abscessos hepáticos que sofrem ruptura e
comunicação com o trato respiratório através do diafragma. Características mucosas e purulentas
associadas no mesmo material recebem o nome de escarro mucopurulento. Escarro hemático é aquele
que apresenta raias de sangue, e pode ocorrer em casos de tuberculose pulmonar, neoplasia brônquica
central e tromboembolismo pulmonar. Também pode receber a denominação de hemoptóicos.
Hemoptise franca, ou seja, com a eliminação de sangue vivo também pode ocorrer nestas situações.
Quando a coloração é rósea e o aspecto espumoso, aerado, suspeita-se de congestão pulmonar.
Expectoração enegrecida ou cinzenta pode ser encontrada em mineradores de carvão, fumantes ou
pacientes com mucormicose. A eliminação de moldes brônquicos é típica da aspergilose
broncopulmonar alérgica, assim como os cálculos são encontrados na broncolitíase.
O odor também é uma característica semiológica importante, sendo a fetidez associada ao
abscesso pulmonar por anaeróbios. A tríade de dentes em mau estado de conservação, perda de
consciência e escarro de ordor pútrido, é patognomônica de abscesso pulmonar.
Em virtude da gama de informações que pode-se obter com a simples inspeção do material
eliminado através da tosse, a propedêutica do escarro deveria ser um capítulo único no estudo da
semiologia do aparelho respiratório, tanto quanto o exame físico e sua semiotécnica. Também útil no
direcionamento das abordagens diagnósticas posteriores, limitando as possibilidades etiológicas, esta
conduta simples e passível de realização à beira do leito, deveria ser incorporada à prática médica
diária, não somente daqueles que dedicam-se ao estudo das afecções pulmonares, como dos que
praticam a arte da medicina como um todo.

Hemoptise
Hemoptise é o sangramento proveniente das vias aéreas inferiores, mas comumente decorrente dos
vasos da parede brônquica. A apresentação pode variar desde rajas de sangue (hemoptoicos) no
escarro até a eliminação de grandes volumes, mas o valor semiológico é o mesmo.
Os mecanismos de hemoptise são os mesmos de qualquer sangramento ocorrendo em outro sítio
do organismo: distúrbio da integridade do vaso ou da coagulação, sendo o primeiro o mais comum.
Isso ocorre através de inflamação, necrose, invasão neoplásica ou aumento da pressão hidrostática. A
hemoptise secundária a distúrbio da coagulação é mais raro e pode ter sido ocasionada por discrasias
sanguíneas, uso de anticoagulantes e outras substâncias.
A causa mais comum de hemoptise são as infecções. No Brasil, a tuberculose pulmonar é a maior
responsável, seja pela doença em atividade ou por sequelas pulmonares. Bronquiectasia, bronquite
aguda ou exacerbação de bronquite crônica, pneumonia e câncer de pulmão são outras causas
frequentes. Em alguns casos, mesmo após investigação, a hemoptise permanece sem causa aparente,
sendo denominada hemoptise criptogênica.
As malformações vasculares também são responsáveis pelo surgimento de hemoptise, tanto
congênitas quanto adquiridas. As congênitas são comumente associadas a outras alterações
vasculares, como a tetralogia de Fallot; e as adquiridas podem ser causadas por circulação colateral
anômala secundária a tromboembolismo pulmonar crônico.

Classificação da hemoptise:

• Leve: menos de 100 mL em 24 h


• Moderada: entre 100 e 600 mL em 24 h
• Maciça: mais de 600 mL em 24 h ou 100 mL/hora
• As principais causas de hemoptise são listadas na Tabela 3.
Tabela 3. Principais causas de hemoptise divididas em grupos.

INFECÇÕES

Bronquite crônica exacerbada


Bronquite aguda
Bronquiectasias
Tuberculose
Micobacteriose
Pneumonia
Abscesso pulmonar
Bola fúngica
Leptospirose – síndrome de Weil

DOENÇAS CARDIOVASCULARES

Insuficiência ventricular esquerda grave


Estenose mitral
Tromboembolia pulmonar
Endocardite em câmaras direitas
Aneurisma de aorta
Malformação arteriovenosa
Fístula entre vaso e árvore brônquica
Edema pulmonar

NEOPLASIAS

Carcinoma brônquico
Metástase para brônquio e traqueia
Adenoma brônquico
Tumor carcinoide

VASCULITES/COLAGENOSE

Poliangeíte granulomatosa – granulomatose de Wegener


Lúpus eritematoso sistêmico
Doença dos anticorpos antimembrana basal – síndrome de Goodpasture
Poliangeíte microscópica
Doença de Behçet

IATROGENIAS

Emprego de cateter de Swan-Ganz


Broncoscopia
Biópsia transbrônquica
Intubação orotraqueal

COAGULOPATIA

Disfunção plaquetária
Hemofilia
Coagulação intravascular disseminada
Doença de von Willebrand

DROGAS ILÍCITAS E FÁRMACOS

Cocaína/crack
Anticoagulação/antiagregante plaquetário
Bevacizumabe (anticorpo antimonoclonal)

OUTRAS
Hemossiderose pulmonar
Corpo estranho
Contusão pulmonar
Criptogênica
Catamenial
Telangiectasias brônquicas
Broncolitíase
Amiloidose
Pós-cirurgia torácica

Diagnóstico
Na anamnese da hemoptise, são relevantes os seguintes dados em virtude do que sugerem:

• Episódios prévios de infecção respiratória: bronquiectasias


• Pneumonias recorrentes: bronquiectasias
• Febre, sudorese, perda de peso: tuberculose
• Dispneia, dor pleurítica: tromboembolismo pulmonar
• Fator de risco para trombose venosa: tromboembolia pulmonar
• Tabagismo: câncer de pulmão
• Secreção purulenta associada ao sangramento: abscesso pulmonar, fibrose cística
• Doença cardiovascular: estenose mitral, tromboembolia pulmonar
• Uso de anticoagulante oral: diátese hemorrágica
• Uso de drogas ilícitas: cocaína, crack
• Concomitância com o ciclo menstrual: catamenial
• Passado de tuberculose: bola fúngica
• Epistaxe pessoal e/ou familiar: telangiectasia hemorrágica hereditária.
Fatores de pior prognóstico
Etilismo, necessidade de ventilação mecânica e uso de fármacos vasoativos na admissão e na
transfusão sanguínea no pré-operatório foram fatores independentes para pior prognóstico na
hemoptise maciça.

Dados importantes no exame físico


O exame físico detalhado pode diferenciar anormalidades que causam a hemoptise e ser útil no
diagnóstico diferencial. Deve-se atentar para as seguintes manifestações:

• Adenomegalia cervical, supraclavicular ou axilar: considerar a possibilidade de neoplasias


• Envolvimento de nariz e ouvido: pode sugerir poliangeíte granulomatosa e micoses profundas
• Telangiectasias em lábios ou mucosas oral e nasal: sugere telangiectasias hemorrágicas
hereditárias

• Ritmo de galope (B3), turgência jugular, desvio de ictus: insuficiência cardíaca congestiva
• Sopros: doenças valvares, malformações congênitas
• Situs inversus: doença de Kartagener
• Sibilos difusos ou localizados: obstrução intratorácica por corpo estranho ou neoplasia
• Estridor laríngeo: obstrução extratorácica
• Baqueteamento digital: sugere doença supurativa crônica, abscesso pulmonar, neoplasia e
hipoxemia crônica

• Alteração da cognição, parestesia, paresia e alteração da coordenação motora: avaliar doença


do colágeno, vasculites e síndrome paraneoplásica.

• Principais exames a serem solicitados:


• Angiotomografia de tórax
• Arteriografia
• Broncoscopia diagnóstica e terapêutica.
Tratamento
De modo geral, alguns cuidados devem ser adotados para que seja garantida a estabilidade clínica
do paciente até se definir uma conduta. Todo paciente deve ser posicionado de modo a evitar o
preenchimento alveolar pelo sangramento (principal causa de morte na hemoptise) e a garantir que a
via aérea continue pérvia para que seja adequadamente oxigenada. O paciente deverá permanecer com
a cabeça mais baixa que o corpo, devendo-se adotar o decúbito lateral ipsolateral do lado do pulmão
acometido, se o exame físico (por meio de roncos/sibilos localizados) e os exames de imagem
identificarem lesão pulmonar. Manter dieta zero com o intuito de evitar broncoaspiração também é
importante.
Se o foco do sangramento identificado for unilateral, técnicas de intubação e ventilação mecânica
podem ser adotadas com o objetivo de proteger o pulmão não acometido e garantir boa oxigenação.
O controle do sangramento é de fundamental importância para o tratamento adequado dos casos de
hemoptise, principalmente a maciça. Para isso são utilizadas medidas não cirúrgicas (infusão de
derivados sanguíneos, de acordo com a necessidade do paciente, broncoscopia e arteriografia) e
medidas cirúrgicas.

Dor Torácica
Dor é uma experiência sensorial e emocional desagradável, associada a uma lesão tissular real ou
potencial e descrita em termos de tal dano. A dor aguda é um alerta de que algo no organismo não está
bem e está relacionada a afecções traumáticas, queimaduras, infecções e processos inflamatórios,
entre outras causas.
As estruturas torácicas com sensibilidade dolorosa são pleura parietal (apical, costal e
diafragmática), traqueia e brônquios principais, formações esqueléticas do tronco, nervos, vasos e
fáscias musculares, coração e esôfago.
A dor mais característica associada à respiração é a dor pleurítica, originada na pleura parietal e na
fáscia endotorácica (a pleura visceral não tem inervação sensitiva): é predominantemente inspiratória,
piorando ao tossir ou rir, e em geral bem localizada. Pode irradiar-se para o ombro, se comprometer o
diafragma ipsolateral, podendo ser percebida até o abdome, conforme irritação diafragmática.
Um segundo tipo distinto de dor torácica, aquela que acompanha as traqueítes ou
traqueobronquites, acentua-se após a tosse, apresenta-se mais centralmente no tórax e costuma ser
precedida de sintomas das vias aéreas superiores.
A hipertensão arterial pulmonar determina, entre outros sintomas, dor torácica frequentemente
confundida com angina, pois não costuma ocorrer em repouso e associa-se à dispneia, melhorando
quando o indivíduo repousa.
A dor pleurítica geralmente associa-se à febre, tendo início agudo e abrupto dos sintomas.
A dor musculoesquelética costuma ser agravada pelo movimento. Encontram-se, na história,
frequentemente traumas, quedas ou lesões anteriores ao início do sintoma, sobretudo se presentes
fraturas de arcos costais. Achados no exame físico que sugerem tal situação são crepitações e ponto
de maior sensibilidade na área comprometida, com reprodução do sintoma à digitopressão.
São atributos da dor:

• Qualidade: são três as variedades da dor – picante, urente e dolente. As duas primeiras são
desencadeadas por estímulos na superfície externa do corpo (superficiais), fazendo parte da
experiência de cada indivíduo (p. ex., queimadura ou picada). A dor dolente ocorre na
intimidade do corpo, interiorizada à fáscia profunda, distante da visualização direta, portanto,
sujeita a fantasias. Qualquer outra sensação desprazerosa ou desconforto diferente dessas
três variedades mencionadas não é dor;

• Extensão: corresponde à distribuição da dor pela extensão do corpo. Compreende a


localização (onde é relatada) e a projeção (a superficialidade ou o aprofundamento com que a
dor é percebida). A dor picante é sempre superficial (cutânea), e a dolente profunda, percebida
abaixo da pele. A dor picante é focal, com localização precisa. Na dor dolente, o paciente
aponta de forma difusa e imprecisa para uma região da superfície, mas insiste que ela se
encontra interiorizada. A imprecisão pode ser tanta que o relato de dor inclui região distante do
ponto de estímulo, a chamada dor referida. Este fenômeno é comum em dor torácica, tanto
visceral como musculoesquelética (p. ex., dor dolente no ombro devido à pleurite
diafragmática, dor medial do membro superior e associada ao infarto agudo do miocárdio
[IAM]). O único critério válido para determinar o órgão que origina a dor dolente é sua
modificação pelo exercício funcional das estruturas orgânicas de mesma inervação segmentar;

• Intensidade: a intensidade dolorosa é componente de grande expressão da experiência


dolorosa e o mais aferido na prática clínica e de pesquisa; é indispensável para o planejamento
da terapia antálgica e verificação da adequação do esquema proposto. Para aferição da
intensidade dolorosa, são recomendadas escalas numéricas e de descritores verbais. As
escalas numéricas são graduadas de 0 a 10, em que 0 significa ausência de dor e 10 significa a
pior dor imaginável. Apesar de simples, essa escala é muito utilizada para reajuste terapêutico.
Além disso, apresenta como vantagem a facilidade do uso, necessitando apenas de um pouco
de cooperação do paciente, pois é de fácil compreensão. A intensidade da dor deve ser
classificada em: 0 – sem dor; 1 – dor leve (1 a 4); 2 – dor moderada (5 a 7); 3 – dor intensa (8 a
10);

• Duração: como regra, a duração mantém relação inversa com a intensidade. A denominada
curva tempo-intensidade da dor apresenta importantes associações significativas como, por
exemplo, na angina, em que a dor cresce progressivamente até atingir um platô antes de
desaparecer.

Cianose
A semiologia define cianose como coloração azul-arroxeada da pele. Ocorre por aumento da
hemoglobina reduzida no sangue capilar além de 5 g% (o normal é em torno de 2,6 g%). A cianose não é
detectável até que a saturação de oxigênio no sangue seja menor que 85%. A descoloração é mais
aparente no lóbulo das orelhas, na superfície cutânea dos lábios e no leito ungueal.
A menos que o fluxo através da pele seja retardado (como no comprometimento cardíaco), a
cianose implica hipoxemia arterial.
Há três tipos: cianose central – resultado de hipoxemia arterial; cianose periférica – associada à
estase, a qual permite uma extração mais acentuada de oxigênio da hemoglobina contida no sangue
periférico; e cianose por alteração da hemoglobina.
Como regra, não ocorrerá cianose, se PaO2 > 55 mmHg (HbO2% > 85%), e estará presente, se PaO2 <
40 mmHg (HbO2% < 70%). A cianose é duvidosa, se PaO2 estiver entre 40 e 55 mmHg (HbO2% entre 70 e
85%).
Mecanismos:

• Aumento na quantidade de hemoglobina reduzida nos capilares da pele, consequente a


oxigenação inadequada do sangue arterial;

• Retirada excessiva de oxigênio do sangue capilar (quando a circulação de oxigênio de uma


região é retardada por vasoconstrição, ou por baixo débito cardíaco);

• Combinação dos dois mecanismos citados.


Tipos de cianose:

• Cianose central:
• Redução da concentração de oxigênio (altitudes elevadas)
• Alteração da ventilação pulmonar (tumores, enfisema pulmonar, atelectasia)
• Transtornos de difusão (infecções, fibrose pulmonar, edema pulmonar na insuficiência
cardíaca)

• Transtornos de perfusão (insuficiência cardíaca grave, embolia pulmonar, cardiopatias


congênitas)
• Shunts arteriovenosos (tetralogia de Fallot, tronco arterioso, síndrome de Eisenmenger,
atresia tricúspide, comunicação interatrial ou interventricular com hipertensão pulmonar e
fístulas vasculares pulmonares)

• Cianose periférica:
• Exposição ao frio (vasoconstrição) – mais comum
• Insuficiência congestiva grave (congestão periférica)
• Doença de Raynaud (transtorno vasomotor)
• Acrocianose (transtorno vasomotor com espasmos de pequenos capilares ou artérias)
• Cianose por alteração da hemoglobina
• Metemoglobinemia.
Dispneia
Na literatura médica, a definição de dispneia tem variado entre diferentes autores, mas, geralmente,
o termo diz respeito à experiência subjetiva de sensações respiratórias desconfortáveis. De acordo com
um painel de especialistas reunidos pela American Thoracic Society para discutir o tema, dispneia
passou a ser definida como “um termo usado para caracterizar a experiência subjetiva de desconforto
respiratório que consiste de sensações qualitativamente distintas, variáveis em sua intensidade”.
Para a maioria das pessoas, na maior parte do tempo, respirar é um fenômeno inconsciente.
Algumas vezes, entretanto, o referido ato torna-se uma ação consciente, associada a desconforto. Os
mecanismos que envolvem o último fenômeno ainda não são completamente conhecidos, muito
embora acumulem-se evidências de que estejam envolvidos processos neurológicos variados. Contudo,
ao contrário do que acontece, por exemplo, com a dor, cujos estímulos originam-se em terminações
nervosas livres, até o momento, não foram descritos receptores especializados de dispneia.

Avaliação Clínica da Dispneia


A investigação da queixa de dispneia envolve uma adequada caracterização do sintoma através da
história clínica. Alguns elementos a serem investigados são:

• Início: época e hora de aparecimento


• Modo de instalação: dispneia de instalação súbita é comum em processos de instalação
aguda, como pneumotórax espontâneo ou embolia pulmonar; dispneia de instalação
progressiva é característica de processos evolutivos, como DPOC e fibrose pulmonar

• Duração: desde o início dos sintomas e duração das crises


• Fatores desencadeantes: tipos de esforços, exposições ambientais e ocupacionais, alterações
climáticas, estresse, etc.

• Sensação: de cansaço, esforço, sufocação, aperto no peito etc.


• Número de crises e periodicidade: ao longo do dia, semanas e meses
• Intensidade: avaliada com emprego de escalas apropriadas e medidas de repercussão sobre a
qualidade de vida. Além de fatores que acompanham: tosse, chiado, edema, palpitações, etc.

• Fatores relacionados à melhora: tipo de medicamentos, repouso, posições assumidas e


relação com o decúbito.
A avaliação da intensidade da dispneia é um elemento importante tanto em condições clínicas como
em experimentais. Ao longo dos últimos anos, inúmeras escalas têm sido desenvolvidas e propostas
com essa finalidade. Mais frequentemente, na prática clínica, há o interesse em medir a dispneia usual.
Essa medida traduz não apenas o tipo e a intensidade da atividade que desencadeia a dispneia, como
também costuma refletir os efeitos do sintoma na qualidade de vida dos pacientes.
A avaliação da intensidade da dispneia é um elemento importante tanto em condições clínicas como
em experimentais. Ao longo dos últimos anos, inúmeras escalas têm sido desenvolvidas e propostas
com essa finalidade, conforme exemplificado abaixo (Tabela 4). Mais frequentemente, na prática
clínica, há o interesse em medir a dispneia usual. Essa medida traduz não apenas o tipo e a intensidade
da atividade que desencadeia a dispneia, como também costuma refletir os efeitos do sintoma na
qualidade de vida dos pacientes.

Tabela 4: Escala de Dispneia do Medical Research Council (MRC) Modificada

0 Tenho falta de ar ao realizar exercício intenso.

Tenho falta de ar quando apresso o meu passo ou quando subo escadas e/ou
1
ladeira.

Preciso parar algumas vezes quando ando no meu passo ou ando mais devagar que
2
outras pessoas da minha idade.

Preciso parar muitas vezes devido a falta de ar quando ando em torno de 100 metros,
3
ou poucos minutos de caminhada no plano.

Sinto tanta falta de ar que não saio de casa ou preciso de ajuda para me vestir ou
4
tomar banho sozinho.

Fonte: Celli BR. N Engl J Med. 2004 Mar 4; 350 (10):1005-12. PubMed.

Dispneia: Denominações Especiais

• Dispneia de esforço: é o nome dado ao surgimento ou agravamento da sensação de dispneia


em virtude de atividades físicas. É uma queixa bastante comum e inespecífica entre portadores
de pneumo e cardiopatias.

• Ortopneia: é a denominação dada ao surgimento ou agravamento da sensação de dispneia


pela adoção da posição horizontal. O sintoma tende a ser aliviado, parcial ou totalmente, com a
elevação da porção superior do tórax pelo uso de um número maior de travesseiros ou pela
elevação da cabeceira da cama. Classicamente, surge em pacientes portadores de
insuficiência cardíaca esquerda e associa-se à congestão pulmonar. Nessas condições, a
congestão pulmonar induz rápidas alterações da complacência pulmonar, promovendo
aumento do trabalho dos músculos respiratórios, com consequente surgimento de dispneia. A
queda da complacência pulmonar é atribuída a elevações da pressão hidrostática intravascular
(coluna de sangue situada abaixo do nível cardíaco) nas regiões dependentes do pulmão, que
acabam por ocupar áreas mais extensas, quando a posição deitada é assumida. Embora mais
frequente em cardíacos, a ortopneia também pode ser observada em pacientes com asma ou
DPOC. Ela também é uma queixa característica de indivíduos com fraqueza da musculatura
diafragmática como, por exemplo, pacientes com doenças neuromusculares. Nessa situação,
o decúbito dorsal provoca elevação das vísceras abdominais, que acabam por se opor às
incursões inspiratórias diafragmáticas.

• Dispneia paroxística noturna: situação na qual o paciente tem seu sono interrompido por uma
dramática sensação de falta de ar, levando-o a sentar-se no leito ou mesmo levantar-se e
procurar uma área da casa mais ventilada, visando obter alívio da súbita sensação de
sufocação. Pode estar presente ainda sudorese profusa. É uma condição comum em
pacientes portadores de insuficiência cardíaca esquerda. Nesses casos, admite-se que,
durante o sono, a reabsorção do edema periférico leve à hipervolemia sistêmica e pulmonar,
com consequente agravamento da congestão pulmonar. As sobrecargas hemodinâmicas, que
ocorrem em uma fase particular do sono (fase dos movimentos rápidos dos olhos [REM]),
podem contribuir para o agravamento da congestão pulmonar e facilitar o surgimento desse
tipo de dispneia. No sono REM, documenta-se grande estimulação dos nervos simpáticos no
sistema cardiovascular.

• Asma cardíaca: termo inapropriado, usado para designar a queixa de chiado no peito e sibilos
em pacientes com insuficiência cardíaca esquerda e sintomas de dispneia. Habitualmente, tais
achados são encontrados em indivíduos com ortopneia e dispneia paroxística noturna. Admite-
se que o estreitamento das pequenas vias aéreas por edema da mucosa e reflexos gerados a
partir de receptores nervosos, localizados no interstício pulmonar, com consequente
broncospasmo, estejam envolvidos na gênese de tais fenômenos.

• Platipneia: sensação de dispneia que surge ou se agrava com a adoção da posição ortostática,
particularmente em pé. Classicamente, esse fenômeno ocorre em pacientes com quadros de
pericardite ou shunts direita-esquerda. Nesta situação, pode vir acompanhada de ortodeoxia,
ou seja, queda acentuada da saturação arterial de oxigênio com a posição em pé. Platipneia e
ortodeoxia são achados clássicos da síndrome hepatopulmonar, que se estabelece
secundariamente a dilatações vasculares intrapulmonares.

• Trepopneia: sensação de dispneia que surge ou piora em uma posição lateral e desaparece ou
melhora com o decúbito lateral oposto. É uma queixa não específica que pode surgir em
qualquer doença, comprometendo um pulmão mais intensamente do que o outro. Exemplos
dessa condição seriam a ocorrência de derrame pleural unilateral ou paralisia diafragmática
unilateral.
As causas mais comuns de dispneia são listadas na Tabela 5.

Tabela 5. Principais causas de dispneia.

Asma

Doença pulmonar obstrutiva crônica


Embolia pulmonar

Insuficiência cardíaca

Anemia

Doenças neuromusculares

Doenças pulmonares intersticiais

Pneumotórax espontâneo

Dispneia psicogênica

Hipertireoidismo

Hipocratismo Digital
O hipocratismo digital (HD), também denominado baqueteamento digital, consiste no aumento focal
do tecido conjuntivo vascularizado da porção terminal das falanges distais, sobretudo na face palmar.
Estas alterações empurram a base da unha para cima, a chamada unha em vidro de relógio, com
consequente alteração do ângulo de implantação da unha e hipertrofia da extremidade dos dedos, que
adquire o aspecto de uma “baqueta de tambor”. Pode acometer os dedos das mãos e dos pés de forma
simétrica, o HD bilateral, entretanto, pode ocorrer o HD unilateral, onde apenas um membro está
envolvido. Pode ser hereditário ou surgir em decorrência de doença crônica já diagnosticada, sendo,
neste caso, um sinal clínico secundário.
A teoria mais aceita para o desenvolvimento do HD envolve microtrombos plaquetários e
megacariócitos na circulação periférica, com libertação de fatores de crescimento vascular.
O diagnóstico do HD é clínico, pode ser simples e direto, como nos casos cuja presença é
clinicamente óbvia, com alterações grosseiras nas extremidades dos dedos, mesmo que se usem
diferentes critérios clínicos para a sua detecção e variada sinonímia para sua designação.

• À medida que o HD progride, pode ser classificado em quatro estágios:


• Aumento e flutuação do leito ungueal, cujo sinal de flutuação pode ser reconhecido
pressionando-se levemente a base da unha

• Perda do ângulo natural de 160º entre a unha e o eponíquio (cutícula)


• Acentuação da convexidade do leito ungueal
• Aumento da extremidade com espessamento da falange distal e estrias longitudinais na unha.
• As principais patologias associadas ao HD são:
• Pulmonares: neoplasias (carcinoma broncogênico, mesotelioma, metástase), abscesso
pulmonar, pneumopatia intersticial, fibrose pulmonar idiopática, fibrose quística, tuberculose e
malformação arteriovenosa

• Cardíacas: cardiopatia congênita cianótica, endocardite bacteriana subaguda, neoplasia (tumor


cardíaco, timoma)

• Gastrintestinais: cirrose hepática, cirrose biliar primária, doença inflamatória intestinal, doença
celíaca, neoplasias (adenocarcinoma do esófago/cólon, linfoma do sistema digestório)

• Outras: doença de Hodgkin, infecção por vírus da imunodeficiência humana (HIV), talassemia,
udo abusivo de laxantes e gravidez.
Não há tratamento específico para o HD, o tratamento deve ser direcionado para a doença primária.

Anamnese
A anamnese é parte fundamental da observação clínica, pois as informações coletadas direcionam
o exame físico, os recursos subsidiários e a urgência para a investigação diagnóstica, além de ser um
momento precioso para estabelecer a relação de confiança médico-paciente. Por ela devem ser obtidas
as informações a seguir.
Identificação: deve conter nome, idade, sexo, cor, estado civil, profissão e ocupação, naturalidade e
procedência do paciente.
Queixa e Duração: registro objetivo e simples dos sintomas que fizeram o paciente procurar o
médico que caracteriza a queixa em aguda ou crônica. A partir desse registro, desenvolve-se a
cronologia desses sintomas. Devem-se destacar os seguintes questionamentos: Qual o motivo? Quanto
tempo? Qual a sensação?
História Pregressa da Moléstia Atual: essa fase é fundamental na observação clínica. Os sintomas
devem ser obtidos nos detalhes, incluindo sua sede, local, seu caráter, intensidade (leve, moderada ou
intensa), extensão (superficial ou profunda), irradiação, fatores desencadeantes e fatores de melhora ou
piora do sintoma, fenômenos concomitantes, horário de aparecimento (contínuo ou intermitente) e
medidas terapêuticas já efetuadas com referência aos seus resultados.
Nas doenças do sistema respiratório, cinco sintomas são fundamentais para compor o cenário da
maioria das doenças:

• Tosse: avaliar caráter, intensidade, fatores desencadeantes e fatores que melhora ou piora do
sintoma, fenômenos concomitantes, duração

• Expectoração: avaliar aspecto, quantidade, odor, horário de aparecimento ou preferencial,


fatores desencadeantes

• Chiado: som musical semelhante a um miado de gato, também conhecido como sibilância, que
é ouvido durante a respiração e ocorre nas obstruções das vias aéreas de diversas causas.
Esta informação deverá ser automaticamente interrogada, quando o paciente queixar-se
dispneia, com ou sem tosse, ou em qualquer situação de desconforto respiratório. Deve-se
questionar sobre sua intensidade, fatores desencadeantes e fatores de melhora ou piora,
fenômenos concomitantes, duração e horário de aparecimento

• Dispneia: avaliar caráter, intensidade, fatores desencadeantes e fatores de melhora ou piora,


fenômenos concomitantes, duração
• Dor torácica: o parênquima pulmonar e a pleura visceral não transmitem sensações dolorosas
ao cérebro, mas a pleura parietal sim. Avaliar se o surgimento da dor foi súbito, como em
quadros vasculares e pneumotórax, ou insidioso, seu caráter (pontada, peso, aperto,
queimação), sua irradiação, fatores de melhora e piora, e sintomas associados. A dor torácica
pode ainda ocorrer por comprometimento de diversas estruturas da parede torácica (muscular,
ósseas, nevrálgica) e do mediastino (miocárdio, pericárdio, esôfago, raízes nervosas). Pode ser
irradiada a partir de estruturas digestivas (úlceras, colecistite, pancreatite) e pode ser
psicogênica. Nas doenças pleuropulmonares, a dor geralmente tem caráter de pontada, é
profunda e mal delimitada, desencadeada ou agravada por tosse e inspiração profunda e pode
irradiar-se para o ombro. Há alívio com o decúbito sobre o lado afetado e pode ser
acompanhada de dispneia, tosse e febre, nas infecções.

Interrogatório Sobre os Diversos sistemas: integra um conjunto de sintomas que não foram
descritos na história principal e que requerem uma investigação sistemática, muitas vezes não fazendo
parte da fisiopatologia da doença principal ou que motivou a consulta, mas que permite novas
hipóteses diagnósticas.
Neste item deverão ser avaliados sintomas gripais, segmentos cefálico, cardiovascular, digestório e
outros como: geniturinários, neuromusculares, osteoarticulares, metabólicos e psiquiátricos.
Antecedentes Pessoais: um roteiro sistematizado facilita a investigação de eventos passados que
possam ajudar no diagnóstico clínico do processo mórbido atual. Deve-se questionar sobre os
seguintes aspectos:

• Moléstias prévias
• Hábitos e vícios
• Antecedentes ocupacionais
• Procedência
• Exposições ambiental e intradomiciliar
• Uso de medicamentos
• Lazer
Antecedentes Familiares: nos antecedentes familiares, cabe ao médico a investigação de alterações
sistêmicas e cirúrgicas, destacando, ainda, causas genéticas ou por hábitos comuns. Devem ser
avaliadas as diferentes doenças prévias como, por exemplo, doenças cardiovasculares,
endócrinas/metabólicas e câncer, e seu tratamento. Atenção especial deve ser dada a doenças
transmissíveis, por serem os familiares os principais comunicantes.

Exame Físico
A propedêutica física pulmonar possibilita avaliar o paciente de modo eficiente. O exame físico será
dividido em geral e especial, mas, antes de abordar diretamente o assunto, vale relembrar alguns dados
anatômicos do tórax que irão ajudar no exame físico (Figuras 2 a 5).

Figura 2. Anatomia do tórax: vista anterior/superfície.


Fonte: Sobotta, 2019.

Figura 3. Estruturas palpáveis do tórax.A. Vista anterior. B. Vista lateral/perfil.


Fonte: Sobotta, 2019.
Figura 4. Esqueleto torácico.

Fonte: Sobotta, 2019.

Figura 5. Regiões do dorso.


Fonte: Sobotta, 2019.

Exame do Sistema Respiratório


Inclui os aspectos do exame físico geral pertinentes ao aparelho respiratório, como alterações da
coloração da pele e mucosas, baqueteamento digital, formato do tórax, tipo de respiração, ritmo e
amplitude da respiração, tiragem e utilização de musculatura acessória, expansibilidade, palpação,
percussão e ausculta do tórax.

Inspeção e Palpação
Ectoscopia: observar coloração das mucosas, baqueteamento digital, forma do tórax.
Padrão respiratório: observar tipo, ritmo e amplitude da respiração.
Sinais de esforço e utilização de musculatura acessória: batimento de aletas nasais, musculatura
cervical, tiragem intercostal, musculatura abdominal.
Posições: em decúbitos dorsal, laterais, sentado e em ortostatismo.
Observar:

• Abaulamentos
• Impulsões de borda esternal
• Retrações
• Malformações torácicas
• Batimentos ou movimentos
• Frêmitos
• Pontos dolorosos
• Enfisema subcutâneo.
Avaliação da Expansibilidade Torácica
Conceitos: a parede torácica inclui a pele, o tecido subcutâneo, os músculos, as cartilagens e os
ossos.
Procedimento: antes e depois de examinar um paciente, lave as mãos. O examinador deve
posicionar-se atrás do paciente. Iniciar o exame pelos ápices e ir deslocando as mãos em direção às
bases. Pousar as mãos espalmadas sobre as regiões a serem examinadas, de tal modo que os
polegares toquem-se levemente, em ângulo quase reto. Os demais dedos encostam levemente no tórax,
levemente fletidos. Nas bases, aderir bem os dedos e o examinador deve se postar assentado, de
preferência. Solicitar ao paciente para respirar mais fundo e ir observando a movimentação de suas
mãos, particularmente o distanciamento dos polegares da linha médio-espinhal. A expansibilidade pode
ser normal ou diminuída (unilateral ou bilateralmente).
Registro do exame normal: expansibilidade normal e simétrica.

Avaliação do Frêmito Toracovocal (FTV)


Conceito: é o exame das vibrações percebidas pela mão do examinador, encostada na parede
torácica, quando o paciente emite algum som.
Procedimento: antes e depois de examinar um paciente, lave as mãos. O examinador deve
posicionar-se atrás do paciente. Iniciar o exame pelo alto e ir deslocando a mão em direção às bases,
em cada uma das faces torácicas. Pousar a mão espalmada, ora de um lado, ora do outro, com os
dedos levemente estendidos, sobre as regiões do tórax a serem examinadas, ao mesmo tempo em que
o paciente vai falando em voz alta “trinta e três”. Compara-se um lado com o outro e observam-se o
aumento, a diminuição e o desaparecimento do FTV (unilateral ou bilateralmente).
Registro do exame normal: FTV normal e simétrico.

Percussão Torácica
Procedimentos: Antes e depois de examinar um paciente, lave as mãos. Para a percussão das faces
anterior e laterais, o paciente pode estar deitado ou assentado. Na percussão das faces laterais, o
paciente deve colocar a mão na cabeça. Já a percussão da parede posterior deve ser feita com o
paciente na posição sentada. Utiliza-se a percussão digitodigital, indo de cima para baixo em cada face.
Ir golpeando os espaços intercostais ora de um lado, ora do outro, e ir comparando os sons obtidos.
Manter a força do golpe constante. Identificar os 3 sons pulmonares à percussão e as áreas em que
ocorrem. Comparar o exame com pessoas magras, musculosas e obesas.

Percussão do tórax – sons encontrados:

• Som normal: som claro pulmonar produzido pela vibração do ar contido nos alvéolos
pulmonares que é ampliado por ressonância pela caixa torácica

• Som patológico: som submaciço e maciço; aparece quando ocorre enchimento alveolar
(exsudatos, transudatos, fibrose pulmonar etc.), ou quando há entre o pulmão e a parede
torácica interposição de um meio líquido ou sólido (p. ex., derrame pleural)
• Som timpânico: produzido pela percussão de cavidades contendo ar, como por exemplo:
pneumotórax

• Hipersonoridade: quando há aumento da quantidade de ar do parênquima pulmonar como,


por exemplo, na hiperinsuflação pulmonar, na DPOC.
Registro do exame normal: sons pulmonares normais e sem sinais de cardiomegalia.

Ausculta Pulmonar
Conceitos: a ausculta é, por excelência, o método semiótico da exploração clínica do tórax para o
exame dos pulmões. Neste procedimento, deve-se percorrer todo o tórax anterior e posterior (Figura 6),
sempre comparando regiões homólogas.
Erro grosseiro: auscultar o tórax por cima de roupas.

Figura 6. Focos e sequência de ausculta pulmonar.

Fonte: https://guiamedicobrasileiro.com.br.

Avaliar a presença e a característica dos sons:

• Sons normais:
• Tipos: som traqueal, respiração brônquica, respiração broncovesicular, murmúrio vesicular.
Podem ser: fisiológicos, aumentados, diminuídos, abolidos. Acessar o endereço a seguir
para ouvir o som: https://www.youtube.com/watch?v=xnubmmeDWrw

• Sons anormais:
• Tipos:
Secos:
1. Cornagem, estridor (https://www.youtube.com/watch?v=ugqvHTAjXTU)
2. Roncos: secreção (https://www.youtube.com/watch?v=yT86-TXdS0s)
3. Sibilos: semelhantes a ruídos musicais ou sussurrantes
(https://www.youtube.com/watch?v=1-ushapZVlg)
Úmidos:
1. Estertores crepitantes: associados a líquido presente em vias aéreas de pequeno
calibre ou até mesmo intra-alveolares (p. ex., esfrega-se uma mecha de cabelos contra
os dedos; (https://www.youtube.com/watch?v=q65b1082xP8&t=6s)
2. Estertores subcrepitantes: vias aéreas de médio calibre
(https://www.youtube.com/watch?v=q65b1082xP8&t=6s):
Traqueal: audível sobre a traqueia; é um ruído intenso, como se assoprasse dentro de
um tubo (https://www.youtube.com/watch?v=IEmtZkh9wjk)
Brônquico: som traqueal audível na zona de projeção de brônquios de maior calibre –
face anterior do tórax, próximo ao esterno (https://www.youtube.com/watch?
v=mC7WeC_uMD8)
Vesicular ou murmúrio vesicular: produzido pela turbulência do ar ao chocar-se contra
saliências das bifurcações brônquicas (https://www.youtube.com/watch?
v=uKUfNT0x4FM)
Roncos: vibrações das paredes brônquicas e conteúdo gasoso. Sons graves de baixa
frequência, contínuos, escutados nas vias aéreas maiores
(https://www.youtube.com/watch?v=yT86-TXdS0s)
Sibilos: vibrações das paredes bronquiolares e conteúdo gasoso. Sons agudos como,
por exemplo, bronquite, crises asmáticas (https://www.youtube.com/watch?
v=IEmtZkh9wjk)
Estridor: som produzido pela semiobstrução da laringe ou traqueia
(https://www.youtube.com/watch?v=IEmtZkh9wjk)
3. Estertores finos ou crepitantes: auscultados no final da fase inspiratória
não se alteram com a tosse; p. ex., pneumonia, edema agudo (fase inicial)
(https://www.youtube.com/watch?v=IEmtZkh9wjk)
Ruído semelhante: friccionar feixe de cabelos, destruição de folhas secas
4. Subcrepitantes ou bolhosos: auscultados no início da inspiração e em toda a
expiração; alteram-se pela tosse; p. ex., bronquites, bronquiectasias
(https://www.youtube.com/watch?v=irWSIh2ic6Y)

ATENÇÃO!!!

Os sons pulmonares podem ser: presentes ou ausentes, inspiratórios ou expiratórios (proto, meso,
tele, holo). Além disso podem ser raros, poucos ou leves, moderados, graves, móveis ou não com
o estímulo da tosse. Podem estar difusos ou localizados em uma determinada região do pulmão,
podem evoluir – os sons podem aumentar, diminuir, ou permanecerem inalterados –, e cursar ou
não com esforço respiratório.

Material: estestocópio.
Procedimentos: antes e depois de examinar um paciente, lave as mãos. Colocar o paciente em
posição assentada. Posicionar corretamente as olivas do estetoscópio nas orelhas. Solicitar ao
paciente que respire lenta e profundamente com a boca aberta. Iniciar o exame pelos ápices e ir
deslocando o estetoscópio em direção às bases. Compara-se um lado com o outro, observando-se os
sons pulmonares fisiológicos e os ruídos adventícios (extras, anormais). Observam-se também as
fases de inspiração ou de expiração e se há prolongamentos dela.
Registro do exame normal: murmúrio vesicular fisiológico sem ruídos adventícios.

Sopros Pulmonares
Ruídos laringotraqueais que, em função de alterações de transmissibilidade do parênquima, poderão
ser auscultados na superfície do tórax como, por exemplo, nas condensações e na cavidade do
parênquima. Podem ser divididos em: sopro brônquico, sopro tubário, sopro cavernoso ou cavitário,
sopro anfórico, sopro pleurítico.
Atrito pleural: ruído desenvolvido pelo roçar das folhas pleurais alteradas, geralmente é localizado,
som musical, não se altera com a tosse ou com a respiração, aumenta com a pressão do estetoscópio,
aparece no fim da inspiração e no começo da expiração; pode ser acompanhado de dor
(https://www.youtube.com/watch?v=98TIpprcVA4&list=PLLlAaCXMwTi1DV78aifxBzySY-
je7TpkO&index=12).
Ausculta da voz: escutar a ressonância do numeral “33”. Pode ser dividida em:

• Broncofonia:
• Aumentada: condensações ou cavidades ligadas a brônquios desobstruídos, de pelo menos
3 mm de diâmetro

• Diminuída ou abolida: sempre que houver dificuldade na transmissão do som


• Pectorilóquia: “33” nítido – condensações ou cavidades com condensação pericavitárias,
superficiais e ligadas a brônquios com mais de 6 mm de diâmetro

• Egofonia: voz anasalada; aparece no limite superior do derrame pleural.


Inspeção Estática
Avaliar:

• Nível de consciência
• Expressão facial
• Postura adotada pelo paciente
• Pele/mucosas e suas alterações: presença de cicatrizes, incisões, manchas, coloração,
escoriações; hidratação

• Presença e localização de fístulas


• Sistema venoso visível normalmente e circulação venosa colateral; presença de edema
• Tônus, trofismo
• Partes ósseas (deformidades, fraturas)
• Articulações (deformidades, edema)
• Baqueteamento digital
• Presença de sondas, drenos, acesso venoso (periférico, central)
• Presença de monitores (cardíaco, pressão arterial, oximetria, capnometria, pressão
intracraniana)

• Em uso de oxigenoterapia, ventilação mecânica invasiva ou não invasiva;


• Avaliar a presença de hipertrofia muscular – uso de musculatura acessória, cianose, cicatriz
cirúrgica, oximetria de pulso.

Formas Patológicas do Tórax


Pectus carinatum: deformidade que decorre do deslocamento do esterno para a frente. Pode ser
simétrico ou assimétrico e superior médio ou inferior. Também denominado: tórax em quilha,
cariniforme, peito de pomba (Figura 7).

Figura 7. Pectus carinatum.

Fonte: https://pedsurg.ucsf.edu.

Pectus escavatum: deformidade que decorre do deslocamento do esterno para trás, de tal maneira
que os arcos costais anteriores se projetam mais anteriormente do que o esterno. Pode ser simétrico
ou assimétrico e superior médio ou inferior. Também denominado: tórax escavado, infundibuliforme,
tórax em funil, tórax de sapateiro (Figura 8).

Figura 8. Pectus escavatum.


Fonte: https://pedsurg.ucsf.edu.

Tórax em tonel: aumento do diâmetro anteroposterior e transverso do tórax. Muito comum em


pacientes portadores de DPOC. Também denominado: tórax do enfisematoso, tórax em barril, tórax
hiperinsulflado (Figura 9).

Figura 9. Tórax em tonel.

Fonte: Atlas of Human Anatomy, 2014.

Tórax paralítico: pode ser congênito ou adquirido (Figura 10).

Figura 10. Tórax paralítico.


Fonte: https://br.images.search.yahoo.com.

Tórax cifoescoliótico: decorrente de anormalidade das curvaturas da coluna torácica. Pode ser
predominantemente lateral (escoliose), posterior (cifose) ou combinado (cifoescoliose) (Figura 11).

Figura 11. Tórax cifoescoliótico.

Fonte: https://br.images.search.yahoo.com.

Inspeção Dinâmica
Avaliação do tórax/abdome através dos movimentos respiratórios.
Frequência Respiratória (FR)
Recomenda-se verificar a FR do paciente em repouso, de preferência em decúbito dorsal, da forma
mais discreta possível. O método usado é a contagem dos movimentos respiratórios, enquanto se
calcula a frequência do pulso. A FR deve ser avaliada durante, pelo menos, 30 segundos.

• Considerar os seguintes parâmetros:


• Recém-nascido: 40 a 45 irpm
• Lactentes: 25 a 35 irpm
• Pré-escolares: 20 a 35 irpm
• Escolares: 18 a 22 irpm
• Homens: 16 a 20 irpm
• Mulheres: 18 a 24 irpm
• Taquipneia: FR > 20 irpm
• Eupneia: FR entre 16 e 20 irpm
• Bradipneia: FR < 16 irpm
• Apneia: ausência de movimento respiratório, consequentemente, ausência de FR
• Dispneia: dificuldade respiratória

Inspeção Dinâmica Versus Ritmo Respiratório


No ritmo respiratório normal, os movimentos são regulares e não existe pausa entre eles; a relação
inspiração/expiração é de 1:2 (Figura 12).

Figura12. Ritmo normal.

Fonte: Vidotto et al., 2019.

Entre as anormalidades do ritmo respiratório, incluem-se:


• Ritmo de Cheynes-Stokes: consiste na alternância de períodos respiratórios e de apneia, com
periodicidade de 15 a 30 segundos. A amplitude dos movimentos respiratórios aumenta e
diminui gradualmente (modelo “em crescendo” e “decrescendo”). O ritmo de Cheyne-Stokes é
observado na insuficiência circulatória e em doenças vasculares cerebrais (Figura 13)

Figura 13. Ritmo de Cheyne-Stokes.

Fonte: https://pt.wikipedia.org.

• Ritmo de Kussmaul: movimentos respiratórios rápidos, profundos e regulares; ocorre, por


exemplo, na acidose metabólica (Figura 14)

Figura 14. Ritmo de Kussmaul.

Fonte: https://pt.wikipedia.org.

• Ritmo de Biot: movimentos respiratórios irregulares em frequência e amplitude, podendo haver


períodos de apneia. Ocorre quando há grave sofrimento cerebral (Figura 15).

Figura 15. Ritmo de Biot.

Fonte: https://aia1317.fandom.com/.

Tabela 5. Resumo do exame físico nas síndromes propedêuticas.


DERRAME PNEUMONITE
CONSOLIDAÇÃO CAVIDADE ATELECTASIA PNEUMOTÓRAX ASMA/DPOC
PLEURAL INTERSTICIAL

Inspeção
Normal Normal Retração Abaulamento Abaulamento Abaulamento Retração
estática

Redução da
Redução da expansão, Redução da
Inspeção Redução da Redução da Redução da Redução da
expansão, sinal de expansão,
dinâmica expansão expansão expansão expansão
tiragem Lemos FTV abolido
Torres

Redução da
Redução da Redução da Redução da Redução da Redução da Redução da
expansão,
Palpação expansão, FTV expansão, expansão, expansão, expansão, FTV expansão, FTV
FTV
aumentado FTV abolido FTV abolido FTV abolido diminuído diminuído
aumentado

Macicez,
Submacicez ou Submacicez Submacicez
Percussão sinal de Timpanismo Hipersonoridade Normal
macicez ou macicez ou macicez
Signorelli**

Diminuição do
Estertores
Estertores finos Ausência do murmúrio
finos ou
ou grossos, Ausência do murmúrio Ausência do fisiológico,
grossos,
sopro murmúrio fisiológico, murmúrio estertores no Estertores pan-
sopro
Ausculta brônquico, fisiológico, redução da fisiológico, início da ou
cavernoso,
broncofonia redução da broncofonia, redução da inspiração, teleinspiratórios
broncofonia
aumentada, broncofonia atrito pleural, broncofonia roncos e sibilos,
aumentada,
pectorilóquia*** egofonia expiração
pectorilóquia
prolongada

* Sinal de Lemos Torres: abaulamento expiratório intercostal localizado nas bases pulmonares, na face lateral do hemitórax. **Sinal
o o
de Signorelli: som maciço devido a derrame pleural, durante a percussão do 7 ao 11 espaço intervertebral. ***Pectorilóquia:
percepção superficial da voz do paciente no local em que é auscultada e ao mesmo tempo perfeitamente articulada. DPOC: doença
pulmonar obstrutiva crônica; FTV: frêmito toracovocal.

CONCLUSÃO
Em Pneumologia, os sintomas específicos relatados pelos pacientes são em número reduzido,
variando quanto à ordem sequencial de aparecimento, à intensidade e à duração. A dispneia, a dor
torácica, a tosse com ou sem expectoração, a hemoptise, a cianose são elementos semiológicos
observados normalmente à anamnese dos pacientes. Como exemplo, sabe-se que a tosse,
predominantemente seca, é mais comum nas enfermidades do interstício pulmonar, e aquela
acompanhada de secreção costuma ser mais comum nas doenças broncoalveolares. Se a dor torácica
relatada pelo paciente é do tipo ventilatório-dependente, isso pressupõe agressão pleural,
diferentemente da dor causada pelo herpes-zóster intercostal que não costuma se relacionar com os
movimentos respiratórios.
O médico deve obter uma boa história clínica e realizar detalhado exame físico. Os exames
complementares são de inegável valor no auxílio à elaboração do diagnóstico, mas de modo algum
podem substituir a anamnese e o exame físico minuciosos. A ausculta pode não evidenciar uma
pequena caverna no âmago do parênquima pulmonar, mas os mais modernos exames de imagem não
conseguem detectar, por exemplo, o sibilo localizado de uma situação de embolia pulmonar em um
vaso segmentar.
Neste capítulo, objetivou-sei realizar uma revisão da semiologia respiratória, sem a pretensão de
esgotar o assunto, mas enriquecendo a exposição com um caso clínico, por meio de um enfoque
prático e direto.

BIBLIOGRAFIA
1. Bohadana A, Izbicki G, Kraman SS. Fundamentals of lung auscultation. The New England of Journal Medicine. 2014; 370(8):744-
51.
2. Faresin SM et al. Guias de Medicina Ambulatorial e Hospitalar da EPM-UNIFESP. 2. ed. São Paulo: Manole; 2014.
3. Goldman L, Schafer AI. Goldman´s Cecil Medicine. 24. ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2014.
4. Lopez M, Medeiros JDL. Semiologia Médica - As Bases do Diagnóstico Clínico. 5. ed. Rio de Janeiro: Revinter; 2004.
5. Maciel R, Aidé MA. Prática Pneumológica. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2017.
. Netter FH. Atlas de Anatomia Humana. 7. ed. [s.l.] Elsevier; 2018.
7. Pereira CAD, Holanda MA. Medicina Respiratória. São Paulo: Atheneu; 2014.
. Silva LCC et al. Pneumologia - Princípios e Prática. Porto Alegre: Artmed; 2012.
9. Vidotto LS, Ricardo C, Carvalho F. Difunção respiratória: o que sabemos? J Bras Pneumol. 2019; 45(1):1-9.
10. Waschke FPJ. Sobotta - Atlas Prático de Anatomia Humana. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2019.
Capítulo 11

Semiologia do Coração (Auscultas


Fisiológica e Patológica)
Autor(a): Otávio Augusto Oliveira de Carvalho

ANAMNESE
Paciente R.S.M., 68 anos de idade, sexo masculino, internado
com quadro de precordialgia e dispneia em repouso iniciado há 7
horas da admissão hospitalar.
Queixa Principal: Dor no peito e falta de ar.
História da Moléstia Atual: Paciente iniciou quadro de
precordialgia em repouso em regiãoretroesternal, com irradiação
para mandíbula e membros superiores, de caráter opressivo e com
piora aos esforços, e duração aproximada de 5 minutos, aliviado
com uso de nitrato sublingual. Queixa-se que essa foi a dor mais
intensa que já sentiu e que ela cursa com dispneia intensa,
sensação de morte, sudorese fria e náuseas. Relata ainda períodos
de borramento visual no trajeto para o pronto-socorro.
Desenvolvimento Neuropsicomotor: Sem alterações
Precedentes Médicos: Hipertensão arterial; diabetes mellitus;
doença arterial obstrutiva periférica; tabagismo ativo.
História Familiar: Doença aterosclerótica precoce; hipertensão
arterial; diabetes mellitus.

EXAME FÍSICO
Paciente em mau estado geral, descorado 3+, edema de
membros inferiores, anictérico, acianótico, afebril, taquipneico
moderado, sudoreico.
Sinais Vitais: Pressão arterial (PA) – 90 × 60 mmHg nos 4
membros; frequência cardíaca (FC) – 58 bpm; tempo de perfusão: 4
segundos.
Pele: Dermatite ocre nos membros inferiores.
Cabeça e Pescoço: Turgência jugular de 5 cm a 45°de decúbito.
Sistema Respiratório: Tórax atípico, expansão pulmonar bilateral
e simétrica; ausência de frêmitos nos campos pulmonares;
murmúrio vesicular diminuído nas bases e estertores crepitantes até
terço médio, bilateralmente.
Sistema Cardiovascular: Ausência de impulsos precordiais
visíveis; frêmito sistólico, palpável na região esternal esquerda baixa;
ritmo cardíaco irregular, bulhas normofonéticas em 3 tempos com
ritmo de galope em B3 e sopro holossistólico na borda esternal
inferior direita.
Abdome: Padrão abdominal em avental, sem lesões cutâneas;
ausência de visceromegalias; timpanismo discreto difuso; ruídos
hidroaéreos reduzidos.
Sistema Nervoso: Vígil, ansioso, colaborativo, orientado no tempo
e no espaço; força motora, sensibilidade e coordenação
preservadas.
Suspeita Diagnóstica: Infarto agudo do miocárdio (IAM).

CONDUTA
Paciente com quadro de síndrome coronariana aguda apresenta
precordialgia tipo A. São necessários realização de
eletrocardiograma para confirmar a suspeita diagnóstica de IAM e
coleta de marcadores de necrose miocárdica (troponina,
creatinofosfoquinase – MB). Ao eletrocardiograma, constata-se
supradesnivelamento do segmento ST.
Após a confirmação do diagnóstico, a conduta para IAM consiste
na administração de antiplaquetários (ácido acetilsalicílico,
inibidores da P2Y12), anticoagulantes (heparina de baixo peso
molecular), hipolipemiantes e, dependendo do quadro clínico do
paciente, betabloqueadores e inibidores da enzima conversora da
angiotensina ou bloqueadores do sistema renina-angiotensina-
aldosterona.
Ainda devem ser tomadas medidas baseadas no arsenal
disponível em cada unidade de saúde. Em serviço de hemodinâmica,
procede-se à cineangiocoronariografia diagnóstica e à angioplastia
primária. Na ausência desse serviço, deve ser realizada trombólise
endovenosa, caso não haja contraindicações absolutas ou exista a
opção de transferência para um serviço especializado.

QUESTÕES PARA DISCUSSÃO


1. Identifique os tipos de ritmo de galope possíveis e
discorra sobre seus componentes.
Galope de B3: acontece por limitação da distensão
ventricular, denotando situações patológicas como
redução da complacência ventricular; indica pior
prognóstico, com maior risco de progressão para
insuficiência cardíaca
Galope de B4: corresponde à contração atrial, também
audível em situações de redução da complacência
ventricular
Galope de soma: ocorre especialmente em portadores
de insuficiência mitral grave, ainda em ritmo sinusal e que
se encontram taquicárdicos; galope assim denominado
em virtude da soma das bulhas B3 e B4.
2. Qual a complicação relacionada à hipótese diagnóstica
descrita neste caso?
O sopro descrito relaciona-se com a possibilidade de
comunicação interventricular, uma complicação
mecânica grave associada à isquemia do septo
interventricular. Outras complicações possíveis,
decorrentes de IAM, são: perfuração da parede livre
ventricular e tamponamento pericárdico, ruptura de
músculo papilar e insuficiência mitral grave.
3. Quando da admissão no pronto-socorro, o paciente
mantinha a mão fechada sobre o tórax, indicando qual
sinal semiológico?
O sinal de Levine coincide com as características
descrita acima; ele é sensível (80%) para síndromes
coronarianas agudas, apesar de pouco específico (51%).

DISCUSSÃO
Ausculta Fisiológica
Para se compreender melhor a ausculta, deve-se conhecer o
instrumento utilizado para realizá-la: o estetoscópio. Criado por
René Laennec, em Paris, para evitar posicionar diretamente o ouvido
sobre o tórax das pacientes. Atualemnte é parte fundamental do
arsenal de qualquer clínico. O estetoscópio pode ser analógico ou
digital e é composto pelas aurículas, um tubo flexível e o tambor, que
comporta o diafragma e a campânula; em alguns modelos, há
apenas um diafragma que funciona como ambos, a depender da
pressão utilizada pelo examinador ou caso este seja digital.

Bulhas Cardíacas
Bulha significa som confuso ou de múltiplas origens e a palavra
não poderia ser mais adequada para descrever os sons provenientes
da ausculta cardíaca.
As bulhas são definidas em relação ao ciclo cardíaco, à posição
em que os componentes de cada bulha são mais bem audíveise
também em relação ao comportamento delas com várias alterações
fisio ou patológicas.
De forma simples, há as 2 bulhas principais: B1 e B2. A origem
dos sons pode ser comparada ao barulho de uma porta se
fechando. Pode-se fazer o teste: usualmente, as portas não fazem
barulho ao abrir, mas sim quando são fechadas.
A primeira bulha, ou B1, é proveniente do fechamento das
maiores válvulas cardíacas (mitral e tricúspide) e a onomatopeia
mais utilizada para descrevê-la é TUM. Já B2, relacionada às
válvulas semilunares (aórtica e pulmonar), é caracterizada pelo som
TÁ.
Cada bulha, portanto, tem 2 componentes – assim são definidas
as consagradas áreas auscultatórias, cada uma priorizando o som
de uma das 4 válvulas. No Brasil, pela imensa prevalência de lesões
reumáticas, prioriza-se a ausculta na ordem em que as válvulas são
mais afetadas pela febre reumática – mitral, aórtica, pulmonar e
tricúspide.
Vale ainda comentar sobre uma alteração em relação à
percepção das bulhas, o denominado “desdobramento” nada mais é
do que um som mais prolongado, percebido como TLUM ou TLÁ,
relacionado ao atraso de algum dos componentes de cada bulha.

B1
Conforme descrito, tem relação com o fechamento das válvulas
mitral e tricúspide – componentes M1 e T1 respectivamente.
Coincide com a fase ascendentes do pulso carotídeo. É mais intensa
na região do ictus cordis do que B2. Pode ser hiperfonética por
taquicardia e situações de alto débito cardíaco; hipofonética com
insuficiência mitral, miocardiopatia dilatada, doença pulmonar
obstrutiva crônica (DPOC), obesidade ou derrame pericárdico ou
ainda variar entre hipo e hiperfonese por extrassistolia frequente,
fibrilação atrial ou bloqueio atrioventricular total.

B2
Resultante do fechamento das válvulas semilunares aórtica e
pulmonar, A2 e P2, respectivamente. A2 corresponde ao nó dicrótico
do pulso carotídeo e B2 ocorre logo após o pico do pulso carotídeo.
Hiperfonese de B2 deriva de hipertensão arterial, coarctação da
aorta e outras situações com anteriorização da raiz aórtica, como na
Tetralogia de Fallot. Já a hipofonese advém de hipotensão arterial,
lesões graves da válvula aórtica.

B3
Sem origem determinada como as demais bulhas e similarmente
à B4, está relacionada com a baixa complacência ventricular –
acredita-se que o som seja proveniente do turbilhonamento
sanguíneo ao entrar no ventrículo. Há ainda a possibilidade de B3 de
origem ventricular direita. Ocorre com o término do enchimento
rápido diastólico.

B4
Corresponde à contração atrial, na fase do enchimento
ventricular rápido e também se relaciona com baixa complacência
do ventrículo esquerdo.

Desdobramentos
• B1: Relacionado ao atraso do fechamento de alguma das
válvulas, principalmente por bloqueios de ramo direito ou
esquerdo

• Amplo: anomalia de Ebstein, com bloqueio de ramo


direito

• B2: pode apresentar vários tipos:


• Fisiológico: pela inspiração profunda – atraso de P2
• Paradoxal: resolução do desdobramento durante
inspiração, em que P2 ocorre antes de A2 e, pela
inspiração profunda, o desdobramento desaparece por
atrasar P2

• Amplo: componente P2 já atrasado, com demora mais


prolongada pela inspiração profunda, como nos defeitos
amplos do septo atrioventricular.

Galopes
As bulhas B3 e/ou B4 geram um ritmo denominado galope;
dependendo do componente presente. São os galopes de B3, de B4
ou de soma.

Galope de B3
Principal sinal diagnóstico de insuficiência cardíaca acessível
para a ausculta, tem característica também diagnóstica, com
elevada mortalidade nos pacientes portadores de doença arterial
coronariana.
Como exceção, pode ocorrer em pessoas saudáveis, entre 20 e
40 anos de idade, e em mulheres grávidas antes da vigésima
semana de gestação.
B3 pode ser inibida por estenose mitral grave.

Galope de B4
Este galope representa pressões diastólicas finais elevadas no
ventrículo esquerdo em 46% dos casos, além de maior rrelação com
doença arterial coronariana. Pode acontecer de forma intermitente
no bloqueio atrioventricular total e, raramente, durante episódios de
fibrilação atrial.
Geralmente é confundida com desdobramento de B1; o truque
para evitar esta confusão é atentar para alterações respiratórias,
pois B4 não se altera.
Ausculta Patológica
Sopros
Antes determinantes de doença estrutural cardíaca, atualmente
os sopros têm sido utilizados como marcadores diagnósticos e
prognósticos apenas por cardiologistas experientes, por dificuldades
no ensino e pelo advento de exames complementares não invasivos
como o ecocardiograma.
Sua ausculta ainda é considerada fundamental e pode mudar
drasticamente a condução de um caso, como no caso clínico
descrito.
Os sopros devem ser corretamente descritos e isto envolve:

• Tempo no ciclo cardíaco


• Formato (relacionado ao fonocardiograma)
• Localização
• Irradiação
• Tom
• Timbre
• Intensidade
• Relação com manobras.
Tempo
Podem ser sistólicos ou diastólicos. Poucos sopros diastólicos
não têm importância patológica, enquanto alguns sistólicos são
classificados como inocentes. São eles:
• Protossistólico: engloba B1, mas não chega até B2
• Mesossistólico: início após B1, termina antes de B2
• Holossistólico: persiste de B1 até B2
• Telessistólico: início após B1, até B2
• Protodiastólico: começa com B2 e termina muito antes de
B1

• Mesodiastólico: começa após B2, termina antes de B1


• Telediastólico ou pré-sistólico: começa após B2 e estende-
se até B1.

Formato
• Sistólicos: podem ser em diamante ou holossistólicos. Em
diamante ou crescendo-decrescendo são chamados sopros
de fluxo, pela característica de turbilhonamento, na
tentativa de passagem do volume sanguíneo por uma
estenose, verdadeira ou relativa

• Holossistólicos: mantém a mesma amplitude e timbre


durante toda a sístole

• Diastólicos: podem ser decrescentes ou com reforço pré-


sistólico [decrescendo-crescendo].

Localização
Sopros de válvulas específicas são mais audíveis em locais de
ausculta tradicionais da válvula acometida. Sempre relate o local em
que o sopro é mais intenso, mesmo fora das áreas usuais.

Irradiação
Para regiões cervicais e claviculares, geralmente se trata de lesão
da base [pulmonar, aórtica], enquanto lesões com irradiação axilar
são relacionadas com acometimento mitral.

Tom
• Agudo: como o vento passando por frestas – envolve
principalmente sopros de gradientes elevados, como
insuficiência mitral ou aórtica

• Grave: gradientes menores, como estenose mitral ou


tricúspide.

Timbre
Os sopros podem ter característica musical – geralmente
relacionada com a vibração de alguma estrutura, como parte de uma
válvula, ou não ter característica musical – como nos casos de
sopros rudes.

Intensidade
Nesta ora, é utilizada a classificação de Levine & Harvey (1949),
em 6 graus:

• Grau 1: quase inaudível, auscultador experiente e ambiente


calmo e tranquilo

• Grau 2: sopro pouco intenso, mas identificável com certo


cuidado

• Grau 3: sopro facilmente audível, sem frêmito associado


• Grau 4: sopro facilmente audível, com frêmito associado
• Grau 5: sopro audível com o estetoscópio pouco encostado
na parede torácica

• Grau 6: sopro audível sem encostar o estetoscópio no


paciente
Dica: sopros inocentes raramente alcançam grau 3.

Sopros Inocentes e Funcionais


Cerca de 99% destes sopros são sistólicos, de baixa intensidade,
descritos como curtos e de aspecto vibrante, ou naqueles pacientes
em estado hiperdinâmico (febre, anemia, gestantes,
hipertireoidismo); são denominados funcionais. São eles:

• Sopro de Still: sistólico, audível sobre o hemitórax direito,


relacionado com a vibração dos folhetos da válvula
pulmonar

• Do tronco pulmonar
• Dos ramos pulmonares
• Supraclavicular ou braquiocefálico.
Manobras
• Posição: sentado, inclinado para frente, segurando o fôlego
durante a expiração, decúbito lateral esquerdo, em
ortostase e de cócoras

• Inclinado para frente e durante a expiração: facilita a


ausculta de insuficiência aórtica
• Decúbito lateral esquerdo e estenose mitral: manobras
taquicardizantes auxiliam na ausculta do sopro

• Ortostatismo: redução da pré-carga – aumenta os sons


relacionados ao prolapso mitral e à miocardiopatia
hipertrófica

• Cócoras: aumenta a pós-carga, inverso do ortostatismo.


Pode também facilitar a ausculta do sopro das
insuficiências aórtica e mitra

• Inspiração (ou manobra de Rivero Carvallo)


• Aumenta o retorno venoso para o coração direito
• Aumenta os sopros provenientes de lesões do coração
direito, como insuficiência tricúspide

• Reduz a intensidade de B3 e B4
• Exercício isométrico (aperto de mão: aumenta a pós-carga
por aumento da resistência vascular sistêmica

• Manobra de Valsalva: possui 4 fases, cada uma com uma


resposta hemodinâmica distinta

• Fase 1: aumento no débito cardíaco


• Fase 2: redução do retorno venoso, do volume sistólico,
da pressão arterial média; gera taquicardia

• Fase 3: fase de liberação do esforço, tem curta duração,


com maior redução do volume ventricular esquerdo
• Fase 4: aumento do volume sistólico e da pressão
arterial média; gera bradicardia.

Ruídos
• Knock pericárdico: achado típico da pericardite constritiva,
pode ocorrer até mesmo na ausência de calcificação
pericárdica; é mais facilmente encontrado durante a
inspiração e na borda esternal direita inferior

• Click mesossistólico: primariamente causado pelo


prolapso da válvula mitral e geralmente confundido com
desdobramento de B1, coincide com a entrada do prolapso
mitral no átrio esquerdo. O tempo até o click pode ser
diminuído, quando o paciente é posicionado em ortostase
ou durante a manobra de Valsalva, ou aumentado, quando
realiza exercício isométrico ou fica de cócoras

• Estalido de abertura: relacionado com limitações a


abertura das válvulas mitral ou tricúspide, como nas
estenoses – exceto nos casos já com calcificação
importante e imobilidade da válvula

• Plop tumoral ou de vegetação: som relacionado à queda


tumoral ou de vegetação para o ventrículo esquerdo; mais
comum nos casos de mixoma atrial

• Atrito pericárdico: relacionado à inflamação pericárdica, é


mais audível com paciente inclinado para frente,
especialmente durante a sístole. Som grosseiro, de caráter
raspante.
Epônimos e Fenômenos*
*Todos os sopros foram descritos por apenas um médico e o
epônimo inclui nome e sobrenome.

• Sopro de Austin Flint: sopro diastólico e similar ao ruflar da


estenose mitral, mas é causado por insuficiência aórtica

• Sopro de Carey Coombs: sopro diastólico da estenose


mitral relacionado com episódio de febre reumática aguda

• Sopro de Graham Steell: sopro muito similar ao da


insuficiência aórtica, causado pelo hiperfluxo pulmonar,
encontrado preferencialmente no segundo espaço
intercostal direito

• Fenômeno de Gallavardin: mudança no timbre de um sopro


de estenose aórtica, quando auscultado sobre o íctus,
imitando insuficiência mitral.

Síntese
• Insuficiência aórtica: mais audível do segundo ao quarto
espaço intercostal esquerdo, som agudo e soprante em
decrescendo, similar a ruído inspiratório pulmonar; manter
o paciente sentado e inclinado para frente, segurando o
fôlego durante a expiração

• Estenose aórtica: mais audível no segundo ou terceiro


espaço intercostal direito, com irradiação cervical e
carotídea, o som pode ser rude e é geralmente em
crescendo-decrescendo
• Insuficiência mitral: mais audível no íctus, com irradiação
axilar, geralmente acompanhado de frêmito

• Estenose mitral: geralmente limitado ao íctus, com pouca


ou nenhuma irradiação, em decrescendo com reforço pré-
sistólico; usar a campânula e solicitar ao paciente que deite
em decúbito lateral esquerdo ou realize exercício
isométrico com ele

• Estenose pulmonar: mais audível no segundo ou terceiro


espaço intercostal esquerdo, com irradiação para o ombro
esquerdo e pescoço, sopro rude e em diamante

• Insuficiência tricúspide: borda esternal esquerda baixa,


caráter soprante e holossistólico, aumenta de intensidade
com inspiração.

BIBLIOGRAFIA
1. Lok CE, Morgan CD, Ranganathan N. The accuracy and interobserver agreement in
detecting the ‘gallop sounds’ by cardiac auscultation. Chest. 1998; 114:1283.
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Capítulo 12

Semiologia vascular (Arterial e


Venosa)
Autor(a): Harue Santiago Kumakura

ANAMNESE
Paciente do sexo masculino, 65 anos de idade, com úlcera na
perna há 1 mês.
HMA: Paciente com queixa de úlcera em face lateral da perna
esquerda há 1 mês, após trauma local, com aumento progressivo do
tamanho da lesão, associado a dor de forte intensidade. Relata dor
para deambular há 6 meses, parando a caminhada após 60 metros
por queimação na panturrilha. É hipertenso, diabético e tabagista (40
maços/ano). Faz acompanhamento médico irregular para suas
comorbidades.

EXAME FÍSICO
Sinais Vitais:
Frequência respiratória (FR): 18 irpm; frequência cardíaca (FC): 80
bpm; temperatura: 36,5°C.
Geral: Paciente em bom estado geral, emagrecido, corado,
hidratado, anictérico e acianótico, orientado no tempo e espaço.
Aparelho Pulmonar: Murmúrios vesiculares presentes, simétricos.
Aparelho Cardiovascular: Ritmo cardíaco regular em 2 tempos
sem sopros.
Abdome: Plano, flácido, indolor, sem visceromegalia, ruídos
hidroaéreos presentes e sem alterações.
Membros Inferiores: Apenas pulsos femorais e poplíteos
bilaterais. Pulsos tibiais posteriores e anteriores ausentes. Úlcera na
face lateral da perna esquerda medindo 4 × 3 cm, superficial,
coloração rosa nacarada, com pouca fibrina (Figura 1). Sem odor
fétido ou secreção purulenta. Tempo de Enchimento Capilar 4
segundos, com nível térmico no antepé, sem cianose. Redução da
pilificação nas pernas.
Figura 1. Lesão trófica na face lateral da perna esquerda.

Fonte: autoria própria.

Suspeita Diagnóstica: Obstrução arterial crônica (OAC)


descompensada, com lesão trófica (LT).
Conduta: Iniciadas analgesia e heparinização plena, realizado
curativo seco e aquecido no membro inferior esquerdo.
EXAMES COMPLEMENTARES

Exames laboratoriais normais.


Angiotomografia: analisadas as artérias dos segmentos
aortoilíaco e femoropoplíteo com diâmetros e trajetos habituais. As
artérias infrapatelares: artéria tibial anterior (TA) e tronco tibiofibular
(TTF) apresentam estenose > 70% (Figuras 2 e 3).
Figura 2. Tomografia computadorizada com cortes axiais do membro
inferior esquerdo. 1. Artéria Femoral comum; 2. Artérias femorais
superficial e profunda; 3. Artéria femoral superficial; 4. Artéria poplítea.
Todas pérvias, sem estenose significativa. 5. Estenose do tronco tibiofibular
e da origem da artéria tibial anterior; 6. Artéria de perna nos terços médio e
distal sem alterações.
Fonte: autoria própria.

Figura 3. Tomografia computadorizada com reconstrução em três dimensões


(3D): 1. Artérias ilíacas comum, externa, femoral comum, superficial e
profunda pérvias; 2. Artéria poplítea pérvia, estenose > 70% da origem da
artéria tibial anterior e do tronco tibioficular; 3 e 4. Artérias de perna nos
terços médio e distal sem alterações.
Fonte: autoria própria.

QUESTÕES PARA DISCUSSÃO


1. Qual o diagnóstico mais provável?
2. Quais as manobras semiológicas devem ser realizadas
para se chegar ao diagnóstico?
3. O diagnóstico de obstrução arterial crônica pode ser feito
somente pela clínica?
4. Qual o tratamento adequado?
5. A tomografia era essencial para o planejamento do
tratamento?

DISCUSSÃO
Com adequada anamnese e exame físico completo, pode-se
chegar ao diagnóstico de 95% das doenças artérias periféricas. Após
anamnese minuciosa, devem-se iniciar inspeção, palpação e ausculta
dos membros inferiores.

Palpação dos pulsos


Ao se avaliar um paciente com doença vascular, devem-se palpar
todos os pulsos superficiais do corpo. Para tanto, deve-se comprimir
a artéria contra uma superfície rígida (de preferência osso) com a
ponta de 3 dedos (indicador, médio e anular). Com foco nos
membros inferiores (neste caso clínico), verificam-se a existência, a
intensidade e a simetria dos seguintes pulsos:

1. Pulso Femoral: Encontrado no terço médio de uma linha


imaginária que liga a espinha ilíaca anterossuperior à sínfise
púbica, no trígono femoral, logo abaixo do ligamento
inguinal;
2. Pulso Poplíteo: Com o paciente deitado em decúbito dorsal
com discreta flexão do joelho, colocar as duas mãos em
torno da perna, com os polegares sobre a tuberosidade da
tíbia e palpar a artéria contra a face posterior desse osso;
3. Pulso Pedioso: Palpar o dorso do pé entre o primeiro e o
segundo metatarsos. De acordo com Moore e Hoppenfeld, o
pulso pode estar ausente em 12 a 15% dos casos.
4. Pulso Tibial Posterior: Palpável logo abaixo do maléolo
medial e um pouco posterior ao mesmo.

Avaliação da temperatura dos membros


Através da palpação gentil, avaliar a temperatura de todo o
membro. A redução ou a ausência de fluxo sanguíneo pela obstrução
arterial crônica provocam esfriamento da extremidade. Isso também
pode ocorrer em alterações funcionais (vasospasmo) ou doença
neurológica.
Coloração da pele
A coloração da pele resulta da presença de pigmentos na
epiderme e da circulação sanguínea na derme e no subcutâneo.

• Palidez: Ocorre pela redução ou ausência de circulação


periférica. Na OAC, ao elevar os membros entre 45 e 50°
essa palidez intensifica-se no membro acometido;

• Hiperemia reativa: Rubor intenso por vasodilatação local.


Na OAC, após elevar-se o membro, há isquemia dos tecidos
com liberação de substâncias vasoativas; ao abaixá-lo,
ocorre vermelhidão da extremidade por maior aporte de
sangue nas arteríolas capilares que estarão mais dilatados
(Prova de Buerger, Samuels, Moszkowicz). Na eritermalgia
ou na eritromelalgia também há rubor, acompanhado de
calor e dor, mas por cininas ou prostaglandina;

• Cianose: Em virtude da menor concentração de


hemoglobina nas obstruções arteriais crônicas ou agudas, a
pele pode adquirir uma coloração azul-arroxeada. Na
acrocianose (em que há aumento do tônus das arteríolas),
pode ocorrer o mesmo;

• Fenômeno de Raynaud: Pode ter alteração de coloração,


passando pelas 3 fases. Pode ser secundário a vasculites,
doenças neurológicas, neoplasias ou sem causa conhecida
(quando passa a ser denominado doença de Raynaud).

Alterações tróficas
Com uma inspeção cuidadosa, devem-se observar:

• Atrofia do membro – por atrofia muscular em razão de


isquemia ou desuso, secundária à dor;
• Úlceras:
• Isquêmicas: São extremamente dolorosas, surgem após
trauma local ou pressão contínua, secundárias a infarto
isquêmico da derme. Geralmente são unilaterais – em
dedos, dorso do pé, calcanhar ou lateral de perna. Tendem
a ser superficiais, irregulares, e com coloração rosa
nacarada.

• Venosas (Figura 4): Geralmente no terço distal da perna,


acima do maléolo medial. Com frequência associadas a
dermatoesclerose (fibrose progressiva da pele e
subcutâneo no terço distal da perna, principalmente na
face interna);
Figura 4. Úlcera venosa.
Fonte: autoria própria.

• Necrose/gangrena (Figura 5): escurecimento do tecido,


progredindo para mumificação se não tratada a causa.
Geralmente ocorre em extremidades, inicia-se no dedo
podendo evoluir para o pé ou o membro completo. Mais
frequente nas obstruções arteriais e vasculites
(principalmente tromboangite). Nos diabéticos, geralmente
está associada a infecção, com sinais flogísticos locais e
linfangite;
Figura 5. Necrose em hálux.
Fonte: autoria própria.

• Edema:
• Venoso: observar varizes associadas; piora com a
ortostase; mais intenso no final do dia. Avaliar cacifo ou
circunferência da perna diariamente;

• Arterial: pode ter edema secundário a posição pendente


do membro ou infecção associada.

Ausculta arterial
Deve-se auscultar todo o trajeto arterial. Quando houver quebra do
fluxo laminar, com transformação em fluxo turbilhonar, ouvem-se
sopros. Na palpação, isso se traduz em frêmitos. Nas estenoses e
aneurismas, pode-se ter sopro sistólico, e nas fístulas arteriovenosas,
sopros sistólico e diastólico.

Avaliação da dor
Para se avaliar a dor no exame físico, pode-se solicitar a
deambulação, acompanhando o paciente, ou fazer o teste em esteira.

• Claudicação intermitente: Dor ao deambular uma


determinada distância, melhorando com o repouso e
recomeçando após andar novamente a mesma distância.
Ocorre pela redução relativa do aporte de fluxo sanguíneo
aos músculos durante o exercício, sendo os nutrientes
fornecidos insuficientes, gerando, assim, alteração
metabólica do músculo;

• Dor em repouso: Na obstrução arterial crônica, há


aparecimento lento, geralmente inicia-se à noite, nas
porções mais distais do membro, de forte intensidade,
agrava com o frio, alivia com o aquecimento ou com o
membro pendente (paciente sentado ou em pé).

Índice Tornozelo-Braquial (ITB)


A aferição do ITB é um método não invasivo simples de
documentar a OAC. Deve fazer parte da propedêutica vascular. Este
índice é capaz de estabelecer a gravidade das doenças vasculares
arteriais periféricas e prever o risco de doenças cardíacas e
cerebrovasculares.
Este índice é calculado pela divisão da maior pressão arterial
sistólica (PAS) das artérias pediosa e tibial posterior pela maior PAS
das artérias braquiais.
Para uma medida acurada, o paciente deve permanecer em
repouso de 15 a 30 minutos. O estudo deve ser iniciado pela medida
da pressão no tornozelo com o sonar Doppler (5 a 10 MHz). O
manguito deve ser colocado na perna com sua borda distal logo
acima do maléolo medial. Deve ser aferida a PAS nas artérias
pediosa (no dorso do pé) e tibial posterior (posterior ao maléolo
medial). A seguir, deve-se proceder à aferição da PAS nas duas
artérias braquiais normalmente.
Como interpretar?

• > 1,3: sugere artérias calcificadas; avaliar outros testes


(índice hálux- braquial);

• 0,9 a 1,3: normal;


• 0,9 a 0,41: diagnóstico de OAC, geralmente associada à
claudicação;

• ≤ 0,4: OAC importante, geralmente associada à dor em


repouso ou à lesão trófica – necrose).
Para o diagnóstico de OAC, deve ser realizado o ITB de cada
perna. Para a estratificação de risco cardiovascular, deve-se escolher
o menor ITB entre as duas pernas.

EXAME FÍSICO BASEADO EM


EVIDÊNCIAS

A Realização do ITB ajuda no diagnóstico


de OAC?
Resposta: Sim! Um ITB ≤ 0,9 é diagnóstico para OAC em pacientes
com sintoma de claudicação ou outros sinais de isquemia (dor em
repouso ou lesão trófica) com sensibilidade de 95% e 100% de
especificidade para detecção de estenoses arteriais ≥ 50% em um ou
mais vasos.
Classe de
Recomendações Nível de evidência
recomendação

Mensuração do ITB é indicado como teste não


invasivo de primeira linha no screening e diagnóstico I C
de OAC.

BIBLIOGRAFIA
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Capítulo 13

Semiologia do Sistema Linfático


Autores: Priscila Correia de Farias, Madson Correia de Farias

CASO CLÍNICO
Identificação: Paciente do sexo feminino, 38 anos de idade, casada, enfermeira, natural
de Mogi das Cruzes ( SP) e procedente de São Paulo (SP) há 20 anos, católica, parda.
Queixa principal: “Cansaço e dores articulares há dois meses”.
História da moléstia atual: Paciente afirma que, há cerca de dois meses, passou a
apresentar fadiga e artralgia simétrica de pequenas e grandes articulações (mãos, punhos,
ombros, joelhos e tornozelos) de caráter inflamatório (sem relação com esforço e com
rigidez matinal de duração aproximada de 60 minutos). Há um mês, a paciente informa que
passou a apresentar febre diária (vespertina e na madrugada) associada à sudorese. Neste
mesmo período, também passou a observar um abaulamento indolor na região cervical
posterior direita.
A paciente nega hiporexia, perda ponderal, prurido, alterações cutâneas, em orelha ou
trato aerodigestivo, tosse, dispneia, aumento do volume abdominal, mudanças do hábito
intestinal, queixas urinárias, corrimento ou lesões genitais, ou alterações em extremidades.
A paciente usa levotiroxina 75 mcg/dia.

Antecedentes:
Tireoidectomia em virtude de carcinoma papilífero em 2011, sendo submetida à
iodoterapia adjuvante. Nega cirurgias prévias e alergia à dipirona. Etilista social. Nega
tabagismo ou uso de drogas ilícitas. Contracepção: dispositivo intrauterino de
progesterona. Tem parceiro sexual único nos últimos 15 anos. Nega tatuagens ou
acidentes perfurocortantes nos últimos 12 meses, assim como transfusões sanguíneas
prévias. Não viajou recentemente.
Paciente vive em apartamento com o esposo, em região com saneamento adequado,
consome água mineral e não cria animais domésticos.

História familiar:
Sua prima faleceu por evolução de esclerose múltipla aos 32 anos de idade e sua tia por
câncer de mama.
Exame físico:
Paciente com bom estado geral, alerta, orientada em tempo e espaço, cooperativa,
hidratada, normocorada, eupneica, anictérica, acianótica e afebril.
Apresenta linfonodomegalias em cadeia cervical posterior direita, suboccipital e
retroauricular, sendo as duas maiores de aproximadamente 2 a 2,5 cm, fibroelásticas,
pouco dolorosas, não aderidas a planos profundos; sem calor ou rubor.
Sem demais linfadenomegalias superficiais palpáveis.
À inspeção do couro cabeludo, não há lesões.
Cavidade oral e orofaringe: sem alterações.
Otoscopia: sem alterações.
Pele e fâneros: sem alterações.
Ausculta cadiopulmonar: sem alterações.
Abdome semigloboso, ruídos hidroaéreos (RHA) normoativos, espaço semilunar de
Traube livre, indolor à palpação, sem massas ou visceromegalias.
Extremidades bem perfundidas, sem edema.
Avaliação complementar: Hemograma completo com neutropenia moderada (997
cels./mm³) sem outras anormalidades. Resultados dos seguintes testes: monospot test
negativo; sorologia para vírus da imunodeficiência humana (HIV) negativa; sorologias para
citomegalovírus (CMV), vírus Epstein-Barr (EBV), rubéola e toxoplasmose com IgG+ e IgM-.
Resultados de outros testes: fator antinuclear negativo, anti-DNA negativo,
complemento normal, fator reumatoide negativo, velocidade de Hemossedimentação – 27
mm/h.
Radiografia de tórax: sem alargamento do mediastino.
Interpretação e conduta: A paciente apresenta quadro subagudo de linfadenopatia
cervical direita associada a sinais e sintomas sistêmicos que podem sugerir linfoma,
infecção (p. ex., linfadenite tuberculosa) ou doença autoimune. Considerando os
diferenciais descritos e a falta de elucidação diagnóstica com a propedêutica inicial, a
paciente foi encaminhada para a biópsia excisional. Neste meio tempo, foram
administrados paracetamol e anti-inflamatórios não esteroidais (AINE) para manejo e alívio
dos sintomas. Corticosteroides devem ser evitados nesta fase, pois podem mascarar o
quadro clínico e retardar possível diagnóstico histológico de doença linfoproliferativa.
Biópsia excisional: Proliferação linfoide atípica exibindo focos de necrose não
neutrofílica; laudo imuno-histoquímico – o perfil imuno-histoquímico associado aos
achados morfológicos corrobora o diagnóstico de linfadenite histiocítica necrosante
(doença de Kikuchi-Fujimoto), em estágio celular.

Evolução:
Após uma semana da biópsia, ainda em uso dos antitérmicos e anti-inflamatórios, a
paciente passou a apresentar progressiva resolução das linfadenopatias. Em três semanas,
após suspensão das medicações sintomáticas, a paciente manteve-se sem febre, sem
artralgia, relatando somente leve fadiga.

• Doença de Kikuchi-Fujimoto: enfermidade rara, idiopática, que acomete mais


comumente mulheres jovens e é usualmente caracterizada por linfadenopatia
cervical (em alguns casos pode ser generalizada) e febre, com ou sem outros
sinais e sintomas sistêmicos. A doença apresenta, em sua grande maioria, um
curso benigno e autolimitado ao longo de semanas a meses. O diagnóstico só
pode ser confirmado através da análise histológica.

QUESTÕES PARA DISCUSSÃO

1. Qual o papel do sistema linfático e como ele é organizado?


2. Como entendimento do padrão de drenagem dos vasos linfáticos e linfonodos
pode auxiliar no diagnóstico das linfadenopatias?
3. Quais dados da anamnese e do exame físico são essenciais para a correta
identificação de possíveis diagnósticos diferenciais e da confirmação
etiológica?
4. Como podemos classificar as linfadenopatias?
5. Quais são os sinais de alarme que podem alertar para possível neoplasia
maligna?
6. Quando é preciso solicitar um exame de imagem e qual método de escolha na
abordagem das linfadenopatias?
7. Quando indicar uma análise histológica para confirmação diagnóstica? Qual o
melhor método: punção aspirativa por agulha fina (PAAF), biópsia excisional ou
biópsia incisional?

DISCUSSÃO

ENTENDENDO O SISTEMA LINFÁTICO


O sistema linfático, composto por tecidos linfoides e vasos linfáticos, e as inúmeras
células hematopoéticas que se deslocam por ele são parte integrante do sistema
imunológico. Suas estruturas são estrategicamente posicionadas por todo o organismo
humano para rapidamente identificar e apresentar uma resposta específica contra
antígenos externos (p. ex., patógenos) e células próprias que desenvolvam possíveis
anomalias (p. ex., câncer).
Os tecidos linfoides são classificados em primários e secundários. Tecido linfoide
primário é aquele em que há desenvolvimento e maturação de linfócitos.

Tecidos linfoides primários:

• Medula óssea: tecido linfoide primário em que, através da hematopoese, todos os


linfócitos são desenvolvidos e ocorre a maturação dos linfócitos B

• Timo: tecido linfoide primário em que ocorre a maturação dos linfócitos T.


Os tecidos linfoides secundários são aqueles cujos linfócitos maduros se posicionam
de maneira vigilante para reconhecer potenciais antígenos e, em seguida, sofrerem
ativação, seleção clonal, proliferação e diferenciação entre células efetoras e de memória.

Tecidos linfoides secundários:

• Baço
• Linfonodos
• Tecido linfoide associado à mucosa (MALT – mucosa-associated lymphoid tissue)
• Tecido linfoide associado à pele (SALT – skin-associated lymphoid tissue).
Os tecidos linfoides secundários têm a função de identificar e reter antígenos que
entraram em contato e estão se deslocando pelo corpo através da circulação sanguínea
(baço), dos vasos linfáticos (linfonodos), das membranas mucosas (MALT) e da pele
(SALT).
O plasma sanguíneo, sob efeito da pressão circulatória, extravasa dos capilares para a
matriz extracelular dos tecidos e cerca de 90% deste fluido retorna para a circulação
sanguínea através das vênulas. Os 10% restantes são lentamente filtrados através dos
tecidos até atingir uma rede de pequenos canais de fundo cego denominados capilares
linfáticos, onde passam a formar a linfa.
Todos os canais linfáticos possuem válvulas para garantir um fluxo unidirecional até os
vasos linfáticos coletores. Os vasos linfáticos levam a linfa até os linfonodos regionais e,
finalmente, até os ductos torácico e linfático direito que devolvem a linfa à circulação
sanguínea.
Os linfonodos são estruturas encapsuladas que possuem forma de “caroço de feijão” e
têm diâmetro que varia entre 2 e 10 mm. Neles estão presentes linfócitos, macrófagos e
outras células acessórias necessárias para lidar com antígenos estranhos ao organismo. A
presença de um antígeno leva à migração de leucócitos (células inflamatórias) para dentro
do linfonodo, ativação e proliferação de linfócitos, assim como prejuízo do efluxo celular,
provocando o aumento do volume do linfonodo. Este aumento patológico do tamanho do
linfonodo é denominado linfonodomegalia, linfadenomegalia ou linfadenopatia.

AVALIAÇÃO CLÍNICA DAS


LINFADENOPATIAS PERIFÉRICAS
Os linfonodos estão dispostos por toda a extensão do sistema linfático e também
formam aglomerados em regiões-chaves. Para compreensão e avaliação clínica adequadas
de um paciente com linfadenopatia, é necessário entender a disposição e o padrão de
drenagem desses linfonodos (Tabela 1).

Tabela 1. Cdeias linfáticas e respectivas regiões drenadas


LOCALIZAÇÃO
DRENAGEM LINFÁTICA
(REGIÃO)

Lábio inferior, assoalho da boca, ponta da língua e pele das


Submentoniana
bochechas

Submandibular Língua, glândula submandibular, lábios e boca, conjuntiva

Cervical anterior Língua, tonsilas, parótidas, orelha

Cervical posterior Escalpo e pescoço, linfonodos cervicais e axilares

Suboccipital Região posterior do escalpo

Pré-auricular Pálpebras, conjuntiva, região temporal e orelha

Retroauricular Meato auditivo externo, orelha e escalpo

Supraclavicular direita Mediastino, pulmões e esôfago

Supraclavicular esquerda Tórax, abdome (ducto torácico)

Axilar Braço, parede torácica, mamas

Epitroclear Antebraço e mão

Perna, genitália, períneo, canal anal inferior e parede abdominal


Inguinal
inferior

Linfadenopatias representam linfonodos com alteração de tamanho e/ou consistência.


Habitualmente, são considerados alterados tamanhos maiores que 1 cm. Entretanto, em
alguns sítios menos usuais, como supraclavicular, epitroclear e poplíteo, a linfadenopatia
caracteriza-se a linfadenopatia com tamanhos acima de 0,5 cm.
Na atenção primária, a incidência anual de pacientes que procuram o serviço por
linfadenopatia é de 0,6%. Aproximadamente 1,1% destes pacientes apresentará etiologia
relacionada a neoplasias malignas, e este risco aumenta de acordo com a idade. Em
indivíduos acima de 40 anos de idade, 4% das linfadenopatias a esclarecer são
relacionadas a câncer.
Os diferentes grupos etiológicos para linfadenopatias podem ser memorizados
utilizando-se o mnemônico MIAMI (Tabela 2). Na maioria dos casos, uma anamnese e um
exame físico minuciosos serão suficientes para identificar a causa.
Tabela 2. Mnemônico MIAMI para linfadenopatia.

CAUSAS EXEMPLOS

Malignidade Linfomas, leucemias, metástases, sarcoma de Kaposi

Bacterianas:
Localizadas: faringite estreptocócica; infecções cutâneas; doença da
arranhadura do gato; Difteria; cancroide; febre da mordida do rato
Generalizadas: brucelose; leptospirose; febre tifoide; linfogranuloma venéreo;
síifilis; doença de Lyme

Viral: HIV; vírus Epstein-Barr; herpes-vírus simples; citomegalovírus; sarampo;


caxumba; rubéola; hepatite B; dengue
Infecções

Micobactéria: Mycobacterium tuberculosis; micobactérias atípicas

Fungos: histoplasmose; paracoccidioidomicose; coccidioidomicose;


criptococose

Protozoários: toxoplasmose; leishmaniose

Lúpus eritematoso sistêmico; artrite reumatoide; síndrome de Sjögren;


Autoimune
doença de Still; dermatomiosite

Doença de Kikuchi-Fujimoto; histiocitoses; doença de Castleman; doença de


Miscelânea
Kawasaki; sarcoidose; doença de Kimura; doença da IgG4

Iatrogênica Medicações; doença do soro

HIV: vírus da imunodeficiência humana. Anamnese: A história clínica de um paciente


com linfadenopatia deve focar no seguintes aspectos:

• Idade: cerca de metade das crianças saudáveis vai apresentar linfonodos


palpáveis em algum momento da infância. Em sua maioria, de etiologia benigna ou
infecciosa

• Localização: linfadenopatia localizada sugere causas locais. Portanto, deve-se


questionar a respeito de sinais ou sintomas envolvendo a área de drenagem (p.
ex., trato aerodigestivo, pele, genitália etc.)

• Sinais ou sintomas constitucionais: febre, sudorese noturna ou perda ponderal


sugerem os diferenciais de linfomas e outras malignidades, assim como algumas
etiologias infecciosas, especialmente tuberculose

• Tempo de evolução: este dado pode nos auxiliar a estreitar os diagnósticos


diferenciais, entretanto, não é incomum que os pacientes não se recordem do
início do crescimento dos linfonodos. Linfadenopatias que duram menos de duas
semanas ou permanecem estáveis por mais de 12 meses têm baixa probabilidade
de serem neoplásicas. Linfoma não Hodgkin indolente pode ser uma exceção a
esta regra, mas, usualmente, também apresenta alguns sintomas sistêmicos

• Exposições: deve-se perguntar sobre exposições potencialmente associadas com


infecções como arranhadura de gato (doença da arranhadura do gato – provocada
pela Bartonella henselae), consumo de alimentos malcozidos (toxoplasmose),
viagens para áreas com altas taxas de infecções endêmicas (leishmaniose
visceral, doença de Chagas), encarceramento (tuberculose), comportamentos
sexuais de risco (HIV, sífilis, linfogranuloma venéreo, cancroide) e uso de drogas
endovenosas (infecção estafilocócica ou estreptocócica, HIV). O tabagismo e a
exposição à irradiação aumentam a suspeita de malignidade. Algumas ocupações
(p. ex., mineração, construção civil e metalurgia) podem direcionar para
linfadenopatias ocupacionais, como as ocasionadas por silicose ou beriliose

• Medicações associadas à linfadenopatia: alopurinol, atenolol, captopril,


carbamazepina, sais de ouro, hidralazida, imatinibe, lamotrigina, penicilinas,
fenitoína, primidona, pirimetamina, quinidina, sulfametoxazol + trimetoprima e
sulindaco.

Exame físico:
A atenção cuidadosa com a simetria entre os lados direito e esquerdo enquanto estiver
inspecionando e palpando as diferentes cadeias linfonodais é crucial para a identificação
de linfonodos aumentados. Uma vez que se identifica um linfonodo anormal em um
determinado local, é imperativo que todas as demais cadeias linfonodais superficiais sejam
examinadas. Um exame físico completo também deve ser realizado para buscar sinais
associados a doenças sistêmicas. A esplenomegalia associada, por exemplo, pode sugerir
o diagnóstico de linfoma, leucemia linfocítica crônica, leucemia aguda, mononucleose
infecciosa ou sarcoidose.
Quando se inspecionam e palpam as diferentes áreas nodais, devem-se analisar e
interpretar as seguintes características:

• Localização: linfadenopatia localizada sugere busca por patologias envolvendo os


sítios de drenagem (p. ex., pele, trato aerodigestivo, genitália etc). Algumas
doenças sistêmicas, como linfomas, peste (Yersinia pestis) e tularemia, podem
apresentar linfadenopatia localizada. Linfadenopatia generalizada pode estar
associada a diversas doenças sistêmicas, que podem ser reconhecidas pela
identificação de outros achados clínicos discutidos adiante

• Tamanho e características dos linfonodos: linfonodos anormais têm geralmente


mais do que 1 cm de diâmetro. Quanto maior o tamanho, maior a probabilidade de
uma etiologia maligna, especialmente para linfonodos acima de 2,25 cm².
Linfadenopatia endurecida, indolor, irregular e aderida a planos profundos (fáscias
e tecidos adjacentes) sugere malignidade. Linfonodos dolorosos, móveis e
fibroelásticos sugerem mais etiologia infecciosa ou inflamatória. Entretanto, tais
características qualitativas não são específicas. Linfadenopatias malignas podem
apresentar-se dolorosas, quando associadas a hemorragia ou necrose. A
linfadenite tuberculosa pode ocasionar linfonodos aderidos uns aos outros e a
planos profundos.

Linfadenopatia localizada:
• Cervical:
Linfonodos cervicais anteriores estão localizados superficial e profundamente em
relação ao músculo esternocleidomastóideo. Os cervicais posteriores localizam-se
posteriormente entre o esternocleidomastóideo e o trapézio. Infecções evolvendo a cabeça
e o pescoço e algumas infecções sistêmicas (p. ex., mononucleose infecciosa – EBV –
citomegalovirose e toxoplasmose) podem ocasionar linfadenopatia cervical anterior.
Linfadenopatia cervical posterior pode estar associada à infecção por EBV, tuberculose,
toxoplasmose, linfoma ou outras malignidades envolvendo a cabeça e o pescoço (p. ex.,
carcinoma espinocelular).
A infecção pelo Mycobacterium tuberculosis ou outras micobactérias atípicas pode
ocasionar linfodonomegalias cervicais que se desenvolvem ao longo de semanas a meses.
Habitualmente, eles tornam-se flutuantes e coalescidos (linfadenite tuberculosa ou
escrófula). Por vezes, pode haver processo inflamatório mais exuberante e progressão da
infecção para a pele sobrejacente (escrofuloderma). Os sinais e sintomas costumam ser
regionais, mas a febre é um sinal comum.
A doença da arranhadura do gato também pode apresentar-se com múltiplas
linfadenopatias cervicais.
Linfadenopatias com sinais de alarme (endurecidas, indolores e aderidas a planos
profundos) em indivíduos idosos, tabagistas e etilistas sugerem a possibilidade de
acometimento metastático de tumores de nasofaringe, orofaringe, laringe, tireoide ou
esôfago.

• Pré-auricular:
Os linfonodos pré-auriculares drenam a região anterior e temporal do escalpo, o canal
auditivo externo e a conjuntiva. Infecções dessas regiões podem ocasionar o aumento
reacional. Quando a doença da arranhadura do gato acomete esta região, é descrita como
síndrome de Parinaud, uma conjuntivite granulomatosa unilateral envolvendo as
conjuntivas bulbar e palpebral.

• Retroauricular e suboccipital:
Linfadenopatia retroauricular e suboccipital dolorosa é um achado clínico precoce na
rubéola, precedendo o rash. Infecções bacterianas e fúngicas do escalpo parietotemporal e
posterior também podem justificar o aumento destes linfonodos

• Supraclavicular:
Linfadenopatia supraclavicuar associa-se a alto risco de malignidade, podendo chegar a
50% dos casos e com maior risco nos indivíduos acima de 40 anos de idade.
Linfadenopatia supraclavicular direita pode estar associada a câncer envolvendo o
mediastino, pulmão e esôfago. Linfadenopatia supraclavicular esquerda, também
conhecida como “nódulo de Virchow” está associada a metástases de neoplasias malignas
abdominais (p. ex., estômago, vesícula biliar, pâncreas, rins, testículos, ovários e próstata) e
à infiltração linfomatosa.

• Axilar:
Os linfonodos axilares drenam a parede torácica, os braços e as mamas. Lesões e
infecções dos membros superiores são causas comuns de linfadenopatia axilar. A doença
da arranhadura do gato e a esporotricose (infecção fúngica causada pelo Sporothrix
schenckii, por vezes associada ao trabalho de jardinagem) são causas bem descritas de
linfadenopatia axilar por inoculação e drenagem linfática.
Na ausência de infecção ou lesões traumáticas, principalmente em indivíduos mais
velhos, linfomas e metástases de tumores de mama, melanoma e de demais sítios devem
ser suspeitados.
Os implantes mamários de silicones também podem gerar linfadenopatia axilar e
supraclavicular por reação inflamatória de corpo estranho contra partículas de silicone.

• Epitroclear:
Linfadenopatia epitroclear (linfonodos acima de 0,5 cm) é sempre patológica. Linfoma e
melanoma são os diagnósticos diferenciais mais importantes. Outras causas incluem
infecções envolvendo o antebraço, sífilis secundária e sarcoidose.

• Inguinal:
Linfonodos inguinais palpáveis de até 2 cm são comumente encontrados em indivíduos
saudáveis. Este achado ainda é mais comum em regiões tropicais, onde mais indivíduos
têm o hábito de caminhar descalços. Infecções sexualmente transmissíveis (p. ex., herpes-
vírus simples, linfogranuloma venéreo, cancroide e sífilis) e infecções envolvendo a pele
dos membros inferiores são etiologias comuns. Melanomas e carcinomas espinocelulares
envolvendo a vulva e o pênis podem causar linfadenopatia inguinal maligna. O
acometimento por linfomas não é tão frequente nesta região.

Linfadenopatia generalizada:
Linfadenopatia generalizada é caracterizada pelo aumento de linfonodos em duas ou
mais cadeias linfonodais não contíguas.
Doenças sistêmicas de etiologia infecciosa, autoimune e malignidades disseminadas
são comumente associadas à linfadenopatia generalizada e necessitam de propedêutica
específica para serem corretamente diagnosticadas. Abaixo seguem alguns exemplos:

• Mononucleose infecciosa e síndrome mono-like:


Doença causada em virtude de primoinfecção pelo EBV, sendo caracterizada pela tríade
de faringoamigdalite, febre e linfadenopatia. O envolvimento linfonodal é tipicamente
simétrico com predileção para acometer as cadeias cervicais posteriores, axilares e
inguinais, o que auxilia na diferenciação de outras causas de faringite. Os pacientes
costumam queixar-se de fadiga e mal-estar prolongados. Alguns pacientes podem
apresentar esplenomegalia e dor em hipocôndrio esquerdo. A ruptura esplênica é uma
complicação rara. O diagnóstico é confirmado pela pesquisa de anticorpos heterófilos
(monospot test) no soro do paciente.
Outros agentes podem ocasionar quadro clínico semelhante denominado síndrome
mono-like, como a infecção primária por HIV, CMV, herpes-vírus humano 6 (HHV-6),
adenovírus, Streptococcus pyogenes e Toxoplasma gondii.

• Infecção pelo HIV:


Linfadenopatia generalizada é um achado comum na infecção aguda pelo HIV, sendo
caracterizada por linfadenopatia não dolorosa envolvendo as cadeias cervicais, axilares e
occipital, desenvolvendo-se principalmente durante a segunda semana após a infecção,
correspondendo ao surgimento da resposta imune específica contra o HIV.

• Infecção micobacteriana:
Infecções por micobactérias podem cursar com linfadenite localizada, como já
discutido anteriormente. Entretanto, alguns indivíduos com maior imunossupressão podem
apresentar tuberculose miliar, uma forma disseminada da doença que é uma importante
causa de linfadenopatia generalizada e faz diagnóstico diferencial com malignidade.

• Lúpus eritematoso sistêmico (LES):


Linfonodomegalias estão presentes em cerca de 50% dos pacientes com LES. A
linfadenopatia é mais frequentemente percebida ao diagnóstico e nos períodos de
exacerbação da doença. Os linfonodos costumam ser indolores, macios e discretos,
acometendo principalmente as cadeias cervical, axilar e inguinal. A presença de rash malar,
artrite, artralgias, derrame cavitários, síndrome nefrótica ou anemia hemolítica sugerem
este diagnóstico diferencial, assim como outras doenças sistêmicas autoimunes.

• Linfomas e leucemias:
Pacientes com linfomas de Hodgkin e não Hodgkin apresentam linfadenomegalias não
dolorosas e firmes que podem acometer diversas cadeias linfonodais supra e
infradiafragmáticas. O linfoma de Hodgkin apresenta-se mais frequentemente como
linfadenomegalia cervical e/ou mediastinal e a sua progressão respeita áreas linfonodais
contíguas. Um sintoma raro, mas muito específico do linfoma de Hodgkin é o relato de forte
dor no linfonodo acometido após ingesta de bebida alcoólica. Leucemias, especialmente
de diferenciação linfocítica (leucemia linfocítica crônica e leucemia linfoblástica aguda),
também podem cursar com linfadenomegalia disseminada.

Abordagem diagnóstica:
A causa da linfadenopatia será evidente na maioria dos casos submetidos a anamnese
e exame físico completos conforme descritos nas seções anteriores. Alguns casos não
necessitarão de nenhuma investigação adicional (p. ex., linfadenopatia cervical em
indivíduo com infecção de via aérea superior).
Se a história e o exame físico sugerirem um processo benigno e autolimitado, o paciente
pode ser tranquilizado e um retorno agendado em até quatro semanas para avaliar se a
linfadenopatia persistirá após resolução/tratamento do processo patológico subjacente. A
persistência da linfadenopatia poderá desencadear investigação adicional, como exames
de imagem e biópsia.
Pacientes com linfadenopatias que apresentem achados sugestivos de etiologias
infecciosas ou autoimunes podem necessitar de testes diagnósticos mais específicos para
confirmação diagnóstica (p. ex., monospot test, culturas, sorologias e/ou testes
moleculares para identificação de patógenos, fator antinuclear, anti-DNA, complementemia
etc.).
Pacientes com linfadenopatias com características suspeitas para malignidade (p. ex.,
nódulos endurecidos, de crescimento rápido, indolores, coalescidos, aderidos a planos
profundos, localizados em região supraclavicular, presença de febre, sudorese noturna e/ou
perda ponderal) devem ser submetidos a exames de imagem para maior caracterização e
encaminhados para realização de biópsia.

• Métodos de imagem:
A ultrassonografia pode ser utilizada como método inicial para melhor caracterização
de linfadenopatia localizada, especialmente em crianças e adolescentes. Frente à suspeita
de malignidade, a tomografia computadorizada (TC) será mais informativa. A TC torna
possível o estadiamento da doença de base e auxilia na identificação do sítio primário,
quando a linfadenopatia for ocasionada por acometimento metastático.

• Biópsia linfonodal:
A biópsia linfonodal pode ser realizada de maneira excisional (aberta) ou incisional
(biópsia por agulha). A biópsia excisional é mais informativa, pois avalia toda a arquitetura
linfonodal e é o método preferido na suspeita de linfoma. Entretanto, devido a uma menor
morbidade, menor custo e facilidade de acesso a linfonodos mais profundos, a biópsia
incisional tem sido cada vez mais utilizada.
O linfonodo mais alterado deve ser selecionado para a biópsia. Em situações de
linfadenopatia generalizada sem haver linfonodo com alterações que se destaquem, deve-
se continuar com a seguinte ordem: regiões supraclavicular, cervical, axilar e inguinal. As
chances de resultado falso-negativo e de complicações pós-operatórias são maiores nos
sítios axilares e inguinais.
A PAAF é um método citológico mais utilizado para a pesquisa de recorrência de
algumas neoplasias. Esta técnica, entretanto, não fornece informações quanto à
arquitetura do linfonodo e tem taxa significativa de resultados falso-negativos, devendo ser
evitada na avaliação diagnóstica inicial de linfadenopatias.

EXAME FÍSICO BASEADO EM EVIDÊNCIAS:


Há um único achado clínico na história ou no exame físico que possa, de maneira
confiável, diagnosticar uma etiologia maligna para uma linfadenopatia?

Resposta: NÃO!
Vassilakopoulos et al., estudando mais de 300 pacientes, identificaram a combinação
de seis fatores independentes preditores de doença subjacente grave que necessita de
biópsia para sua confirmação diagnóstica. Através deste estudo, eles desenvolveram o
Lymph node score (Tabelas 3 e 4). De acordo com esse escore, um valor menor ou igual a
−3 descarta uma etiologia grave, valor entre −2 e −1 fala contra, valor de 5 a 6 fala a favor e,
finalmente, valor igual ou maior que 7 é praticamente diagnóstico, devendo esses dois
últimos subgrupos serem encaminhados para biópsia diagnóstica.

Tabela 3. Lymph Node Score.

Achados Pontos

Idade > 40 anos +5

Linfonodo doloroso −5

Tamanho do linfonodo
< 1 cm² 0
1 a 3,99 cm² +4
4 a 8,99 cm² +8
≥ 9cm² +12

Prurido generalizado +4

Linfonodo supraclavicular +3

Linfonodo endurecido +2

Fator de correção (aplicado a todos os pacientes) −6


Tabela 4. Especificidade e sensibilidade do Lymph Node Score.

Lymph Node Score Sensibilidade (%) Especificidade (%) RV+

−3 ou menos 1a3 42 a 72% 0,04

−2 ou −1 1a3 − 0,1

0a4 23 − NS

5a6 17 a 26 − 5,1

7 ou mais 49 a 56 94 a 99% 21,9

Fonte: Vassilakopoulos et al., 2000.

BIBLIOGRAFIA
1. Chau I, Kelleher MT, Cunningham D et al. Rapid access multidisciplinary lymph node diagnostic clinic: analysis
of 550 patients. Br J Cancer. 2003; 88:354.
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3. Ferrer RL. Evaluation of peripheral lymphadenopathy in adults. UpToDate Inc. Disponível em:
https://www.uptodate.com. Acesso em 05 de novembro de 2019.
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7. Mak T, Saunders ME. The Immune Response: Basic and Clinical Principles. Academic Press; 2006.
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9. Vassilakopoulos TP, Pangalis GA. Application of a prediction rule to select which patients presenting with
lymphadenopathy should undergo a lymph node biopsy. Medicine. 2000; 79:338-47.
Capítulo 14

Semiologia do Abdome (principais


achados fisiológicos e patológicos)
Autor(a): Rafael Lopes Gurgel

ANAMNESE
Identificação: R.W.G., sexo masculino, 52 anos de idade, comerciante, solteiro, natural
do Ceará (CE) e procedente de Ribeirão Preto (SP), católico.
Queixa Principal: “Barriga crescida há 2 meses e desorientação”.
História da Moléstia Atual: Paciente etilista de longa data apresentou, há dois meses,
um aumento do volume abdominal com edema em membros inferiores. Quadro
progressivo acompanhado de piora do padrão sono/vigília e desconforto respiratório a
moderados esforços. Na última semana, manifestou 5a 6 episódios de diarreia líquida/dia
com muco catarral, sem sangue e sem tenesmo. Há 3 dias evoluiu com queda do estado
geral, rebaixamento do nível de consciência, flapping, vômitos e febre, sendo admitido no
Hospital Regional Norte.
IS: Nega hipertensão arterial sistêmica (HAS), dislipidemia, alergia, internamentos ou
cirurgia prévia. É portador de diabetes mellitus tipo 2 há 7 anos.
Medicações em uso domiciliar: Metformina 1,5 g/dia
História Fisiológica: Parto eutócico e a termo no hospital, desenvolvimento psicomotor
normal, calendário vacinal desatualizado.
Hábitos: Sedentário, tabagista (20 anos/maço), etilista atual (> 10 doses de
destilado/dia, por 20 anos), ex-usuário de maconha (parou há 20 anos).
História Familiar: pai com HAS, mãe e irmão com diabetes mellitus. Nega história de
hepatopatia crônica na família.

EXAME FÍSICO
Medidas Antropométricas
P: 60 kg; altura: 1,70; índice de massa corporal (IMC): 20,8.
Dados Vitais:
Pressão arterial (PA): 90 × 50 mmHg; frequência respiratória (FR): 28 irpm; frequência
cardíaca (FC): 95 bpm; temperatura: 36,0°C.
Geral: Paciente mostra-se em estado geral regular, acianótico, afebril, hipocorado,
(+/+4), desidratado, fácies atípica, um pouco desorientado no tempo e no espaço.
Pele: ictérica (+++/+4), com presença de telangiectasias em maior distribuição em
membros superiores e tórax.
Cabeça e Pescoço: Normocefálico, sem alterações ao exame. Pescoço cilíndrico,
simétrico; laringe e traqueia móveis, medianas; pulso carotídeo simétrico; sem
adenomegalias.
Sistema Respiratório: Tórax simétrico, sem deformidade, boa expansibilidade,
taquipneico, murmúrio vesicular com crepitações em terço distal bilateralmente.
Sistema Cardiovascular: Precórdio calmo, pulsos simétricos, regulares; paciente
taquicárdico. BN2T com sopro pansistólico (+3/+6).
Abdome: Globoso, tenso, doloroso à palpação profunda, ruídos hidroaéreos (RHA)
presentes. Presença de circulação colateral. Hepatimetria prejudicada pela tensão
abdominal. Espaço semilunar de Traube ocupado.
Extremidades: Pulsos periféricos palpáveis, simétricos e finos, edema de membros
inferiores simétricos até altura dos joelhos com cacifo (+3/+4).
Suspeita Diagnóstica: Cirrose hepática por álcool/ascite/encefalopatia hepática.
Conduta: Internamento hospitalar; solicitados exames laboratoriais (hemograma
completo, albumina, TAP/INR, bilirrubina total e fracionada, sumário de urina, urinocultura,
hemoculturas, creatinina, ureia, sódio e potássio, alfafetoproteína: 2 mg/dL. Exame de
imagem – ultrassonografia de abdome total com Doppler. Realizada paracentese
diagnóstica (proteínas totais e fracionadas, bilirrubina, cultura do líquido ascítico, pH,
celularidade) e terapêutica. Medidas para encefalopatia hepática.

EXAMES COMPLEMENTARES
Paracentese diagnóstica: Líquido amarelo-citrino com mínimo de grumos. Celularidade:
1.050/mm3. Polimorfonucleares: 350/mm3. Hemácias: 1.500/mm3. Proteína total: 3.
Albumina: 1,1 mg/dL. Cultura: negativo. Bilirrubina ascítica: 2 mg/dL. Citologia oncótica:
resultado negativo.

Exames laboratoriais:
Hemograma: hemoglobina – 9,6 mg/dL; glóbulos brancos – 4.500; plaquetas –
120.000/mm3); albumina: 3 mg/dL; TAP/IRN: 1,7; bilirrubina total/direta: 5,4/3,9 mg/dL;
creatinina: 1,4 mg/dL; ureia: 57 mg/dL; sódio: 132 mg/dL; potássio: 3,2 mg/dL.
Endoscopia digestiva alta: Varizes esofágicas de médio calibre com “manchas
vermelhas”. Gastropatia hipertensiva grave. Gastrite de antro erosiva intensa.
Ultrassonografia de abdome total: Hepatopatia crônica sem nódulos hepáticos, ascite
de grande volume e esplenomegalia homogênea.

QUESTÕES PARA DISCUSSÃO

1. Quais as manobras semiológicas devem ser realizadas para se chegar ao


diagnóstico de ascite? Como realizá-las?
2. Todos os pacientes com ascite terão tais manobras positivas? É necessário
complementação com exames complementares?
3. O diagnóstico de encefalopatia hepática pode ser realizado somente pela
clínica?
4. Quando pensar em peritonite bacteriana primária (espontânea) ou secundária?
Existe diferença no exame físico?

DISCUSSÃO
Ascite é o acumulo de líquido livre na cavidade peritoneal de origem patológica. A
avaliação de ascite ou aumento do volume abdominal é amplamente realizada em
pacientes com hepatopatia crônica ou outras doenças, como hipertensão portal, síndrome
nefrótica, neoplasias, entre outras.

Semicírculos de Skoda
Com o paciente em decúbito dorsal, o líquido ascítico tende a se depositar nas regiões
de flanco e hipogastro; assim, uma percussão realizada desde o epigastro em direção aos
flancos e ao andar inferior do abdome revelará uma transição do som timpânico para o
maciço ou o submaciço, formando uma linha semicircular com concavidade voltada para a
região epigástrica.

Sinal do piparote
A face palmar de uma das mãos é posicionada em um dos flancos do paciente e com a
outra mão o examinador dispara “piparotes” no outro flanco do paciente. O abalo produzido
pelos piparotes é transmitido ao líquido ascítico e percebido pela palma da mão
posicionada no flanco oposto. Para que as ondas não sejam transmitidas ao lado oposto
pela parede abdominal, o paciente ou um assistente posiciona a borda cubital da sua mão
na linha mediana do abdome. Esse sinal é característico de grandes ascites, não sendo
efetivo em ascites de médio ou pequeno volume.
A encefalopatia hepática é um conjunto de manifestações neuropsiquiátricas
associadas com hepatopatia e clearance de amônia, ocorrendo alteração do sistema
gabaérgico (GABA) com aumento da ação inibitória pela passagem da barreira
hematencefálica, com elevação da concentração de glutamina, edema cerebral e alteração
da atividade de elétrica neuronal. Utiliza-se a classificação de West-Haven para sua
avaliação clínica (Tabela 1).

Tabela 1. Classificação de West-Haven para encefalopatia hepática (EH).

Grau Sinais e sintomas


Sem alterações Sem história de EH

Alterações psicomotoras ou neuropsicológicas em testes de


EH mínima velocidade psicomotora/funções executoras ou alterações
neurofisiológicas sem evidência clínica de doença mental

Queda no nível de consciência,


euforia ou ansiedade,
Grau I déficit de atenção,
dificuldade na execução de adição ou subtração e alterações do ciclo
do sono

Letargia ou apatia, desorientação no tempo, mudança de


Grau II personalidade, comportamento inadequado, dispraxia e
asterix

Sonolência ou semiestupor, responde aos estímulos, confusão,


Grau III
desorientação grosseira e comportamento bizarro

Grau IV Coma

O diagnóstico é feito essencialmente com a avaliação clínica, podendo ser necessários:


dosagem sérica de amônia, perfil hepático e exames de imagem (tomografia
computadorizada ou ressonância magnética de crânio) – não sendo utilizado em rotina
clínica.

Peritonite bacteriana espontânea (PBE)


Constitui infecção de líquido ascítico previamente estéril, na ausência de foco
abdominal intra-abdominal, resultando em bacteremia espontânea. A peritonite bacteriana
secundária necessita de um foco intra-abdominal, como a apendicite supurada. Manifesta-
se clinicamente por irritação peritoneal, febre, alterações da motilidade associadas a
náuseas, vômitos, diarreia ou íleo paralítico. Clinicamente, as peritonites possuem
semelhanças nas fases iniciais, porém com prognóstico e mortalidade mais graves. O
diagnóstico laboratorial é realizado pela contagem de polimorfonucleares maiores do que
250/mm2.

EXAME FÍSICO BASEADO EM EVIDÊNCIAS


A manobras de avaliação da ascite possuem uma boa razão de probabilidade nos
pacientes com doença hepática?
Resposta: sim. Observa-se grande probabilidade, quando o paciente apresenta na
história clínica: aumento da circunferência abdominal, hepatite, ganho de peso e
edema de membros inferiores e sinal de piparote (Tabela 2).

Tabela 2. Razão de probabilidade de ascite de acordo com as manifestações clínicas.

Presente Ausente

Aumento da circunferência abdominal 4,6 0,17

Ganho de peso recente 3,2 0,42

Hepatite 3,2 0,1

Sinal de Piparote 6,0 0,4

Fonte: Guyatt G et al., 2002.

O diagnóstico laboratorial de PBE possui uma boa relação com o exame físico?
E a analise do líquido é uma boa ferramenta?
Resposta: Não. Existem estudos que confirmam que até 50% dos pacientes
cirróticos submetidos à paracentese terapêutica possuem PBE sem ter sinais
clínicos. Os principais sintomas são dor abdominal, febre, alteração da
motilidade gastrintestinal e, em alguns casos, somente sinais de insuficiência
hepática, como encefalopatia hepática ou alteração da função renal.

BIBLIOGRAFIA
1. Andrade Jr. DA, Galvão FHF, Andrade D.A. Ascite – estado da arte baseado em evidências. Rev Assoc Med Bras.
2009; 55(4):489-96.
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7. Zaterka S, Eisig JN. Tratado de Gastroenterologia: da Graduação à Pós-graduação. 2 ed. São Paulo: Atheneu;
2016.
Capítulo 15

Semiologia do Reto e Ânus


Autores: Adriano Tito Souza Vieira, João Henrique Fonseca do Nascimento, Luciano Coni
Costa, Benjamim Messias de Souza Filho, Ana Luzia Oliveira Boccanera, André Gusmão
Cunha e André Bouzas de Andrade

ANAMNESE
Identificação: B.S.S., 63 anos de idade, sexo masculino, negro, casado, católico,
aposentado, nível médio completo, natural e residente de região metropolitana do estado.
Queixa Principal: Sangue nas fezes há 20 dias.
História da Moléstia Atual: Paciente relatou que, há 20 dias, apresenta hematoquezia, a
qual inicialmente acreditou ser doença hemorroidária corriqueira, mas com a persistência
do sintoma resolveu procurar ajuda médica. Apresentou sangue vivo, em pequenas
quantidades (rajas) nas fezes. Contou ainda que, nas últimas 3 semanas, vem
apresentando tenesmo e sensação de evacuação incompleta, além de alterações do hábito
evacuatório, o qual anteriormente consistia em uma evacuação diária, mas passou a uma a
cada dois dias, em média). Relatou que as fezes estão com a cor mais escurecida, apesar
de cheiro e consistência normais, mas em quantidade diminuída e aspecto em fita. Nega
fatores de melhora, piora ou associados, e quadro anterior similar. Não apresenta dor
abdominal, náuseas e vômitos, sensação de plenitude gástrica, distensão abdominal,
flatulências e prurido anal. O paciente contou que evacuou hoje, 2 horas antes da consulta,
quando os sinais e sintomas descritos se repetiram.
Interrogatório Sistemático: Relatou perda ponderal de 4 kg sem intenção. Nega febre,
calafrios, sudorese excessiva, alterações de pele, olhos, orelhas, nariz, pescoço, sistemas
respiratório, cardiovascular, geniturinário, locomotor e nervoso.
Antecedentes Fisiológicos: Nega sintomas de andropausa ou outras queixas.
Precedentes Médicos: Apresenta hipertensão arterial controlada por medicação
prescrita por médico (losartana potássica, 50 mg/dia). Nega diabetes mellitus (DM), assim
como internamentos prévios, cirurgias, traumas e acidentes, alergias ou transfusões
sanguíneas.
História Familiar: Pai faleceu aos 72 anos de idade em decorrência de complicações de
câncer colorretal e era portador de DM e hipertensão arterial sistêmica (HAS); mãe faleceu
por causas naturais aos 67 anos de idade. Não possui irmãos.
Hábitos de Vida e história Psicossocial: Alimentação rica em carnes vermelhas e
gorduras, com baixa ingesta de vegetais. Informa etilismo social (1 lata de cerveja aos fins
de semana). Nega tabagismo e uso de drogas ilícitas. É sedentário. Relata ser
heterossexual e manter relações sexuais unicamente com a esposa, sem uso de
preservativo. Nega realização de sexo anal durante toda a vida ou ter infecção sexualmente
transmissível (IST)/síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS). Tem boa relação com
familiares e amigos, sem sintomas depressivos e com bom estado anímico.

EXAME FÍSICO

Dados Vitais e Antropométricos


Frequência cardíaca (FC): 98 bpm; frequência respiratória (FR): 20 irpm; pressão arterial
(PA): 110 × 80 mmHg; temperatura axilar: 37,2ºC; altura: 1,70 m; peso: 71 kg; circunferência
abdominal: 84 cm; índice de massa corporal (IMC): 24,6.
Ectoscopia Geral: Paciente em bom estado geral, lúcido e orientado no tempo e no
espaço, vígil, hidratado, bem nutrido, sem movimentos involuntários, fácies atípica, atitude
ativa no leito e normolíneo.
Pele e Fâneros: Ausência de alterações de cor, integridade, umidade, textura, espessura,
turgência, elasticidade, mobilidade e sensibilidade.
Cabeça e Pescoço: Ausência de alterações em crânio, olhos, nariz, boca e orelhas.
Linfonodos não palpáveis, ausência de pulsações anormais ou massas ou de restrição de
movimentação em pescoço. Traqueia e tireoide bem posicionadas e sem alterações.
Sistema Respiratório: Tórax de conformação normal, ritmo respiratório normal,
expansibilidade preservada, ausência de áreas dolorosas à palpação, FTV preservado, som
pulmonar claro à percussão e murmúrios vesiculares bem distribuídos sem ruídos
adventícios.
Sistema Cardiovascular: Precórdio calmo, íctus palpável em 5o espaço intercostal
esquerdo na linha hemiclavicular, sem impulsividade, medindo 1,5 cm. Bulhas rítmicas e
normofonéticas em dois tempos, sem sopros.
Abdome: Abdome semigloboso à custa de panículo adiposo, simétrico, sem cicatrizes,
abaulamentos, ondas peristálticas visíveis, circulação colateral. Ruídos hidroaéreos nos
quatro quadrantes, timpanismo e macicez bem distribuídos à percussão. Espaço semilunar
de Traube livre. Lobo hepático direito com 9 cm e esquerdo com 6 cm. Ausência de
visceromegalias, resistências ou áreas dolorosas à palpação superficial ou profunda. Baço
não palpável à manobra de Schuster. Fígado palpável 1 cm abaixo do rebordo costal direito,
borda lisa, não doloroso e de consistência normal. Ausência de dor à descompressão
brusca do ponto de McBurney e à inspiração durante compressão do ponto cístico.
Ausência de dor à punho-percussão das lojas renais.
Exame Proctológico: Ânus com aspecto preservado, ausência de lesões e reflexo anal
íntegro. Ao toque, identificou-se lesão vegetante, de aproximadamente 3 cm de diâmetro, a
9 cm da borda anal fixa na parede anterior do reto, ocupando 30% da sua circunferência.
Próstata de tamanho normal ao toque. Foi observado sangue em dedo de luva após exame
de toque. Não visualizadas alterações à anuscopia.
Sistema Nervoso: Paciente lúcido e orientado no tempo e no espaço, ausência de
alterações em equilíbrio estático ou marcha, tônus, motricidade, coordenação,
sensibilidade preservados, sem alterações nos nervos cranianos ou presença de sinais
irritativos meningorradiculares.
SUSPEITA DIAGNÓSTICA:
Câncer colorretal.
Conduta: Realizadas colonoscopia e biópsia para avaliação histopatológica.
Laudo da Colonoscopia: Exame realizado em boas condições de preparo até o íleo
terminal. Íleo, ceco, cólon ascendente, transverso, descendente e sigmoide sem alterações.
Identificado no reto médio lesão vegetante com ulceração central ocupando 1/3 do lúmen
do intestino, a 7 cm do ânus, localizado na sua parede anterior.

AVALIAÇÃO HISTOPATOLÓGICA
Adenocarcinoma de reto

QUESTÕES PARA A DISCUSSÃO

1. Quais as etapas do exame proctológico?


2. Qual a importância do exame de toque retal para pacientes como o do caso?

DISCUSSÃO:
Considerações especiais relacionadas ao exame proctológico: O exame proctológico,
por envolver uma região íntima, é considerado tabu em muitos meios sociais. Pode causar
grande desconforto ao paciente, e, por esse motivo, cada etapa de sua realização deve ser
precedida de diálogo com o paciente, sendo explicado, de forma sucinta, o que será feito,
como será feito e a razão da realização do exame, além de necessitar da autorização do
paciente para prosseguimento. Durante o toque retal é importante tranquilizar o paciente
sobre o exame, informando-o de que este não provocará dor, mas pode desencadear o
desejo de defecar, porém isso não ocorrerá. Caso o paciente “resista ao exame”,
contorcendo-se ou contraindo muito o esfíncter anal, deve-se fazer uma pausa e acalmar o
paciente antes de retomar o exame.
O exame semiológico proctológico pode ser dividido em 4 etapas, sendo elas: inspeção,
palpação, anuscopia e retossigmoidoscopia, contudo é importante lembrar que esse último
relaciona-se com ferramentas da propedêutica armada.
Inspeção: Deve ser feita em uma posição que possibilite a visualização das regiões
perianal e sacrococcígea pelo médico, sendo, assim, possível realizar o exame com o
paciente em posição ortostática (de pé) e com o corpo inclinado para a frente, apoiado na
mesa de exame. No entanto, o decúbito lateral é preferível, já que, além de expor as
mesmas áreas, possibilita maior conforto ao paciente.
Durante o decúbito lateral esquerdo, o paciente deve ficar com as nádegas próximas da
borda do lado da mesa do exame em que se encontra o examinador e com a cabeça
afastada dele, além de fletir o quadril e os joelhos; pode ser mais fácil orientar o paciente
para que ele “puxe os joelhos na direção do peito”. Ademais, convém informá-lo para que
permaneça encarando a parede oposta ao examinador durante toda a duração do exame, já
que os pacientes tendem a sair da posição ideal de decúbito, aproximando-se da posição
de decúbito dorsal, à medida que tentam conversar com o examinador. Para facilitar a
visualização da área, pode-se utilizar um fotóforo, mais comum, e uma lupa, não
obrigatório. Esses itens são de grande ajuda para visualizar alterações mais discretas, que
poderiam passar despercebidas em uma análise a olho nu.
Durante a inspeção das regiões sacrococcígea e perianal, deve-se procurar por
nodulações, ulcerações, inflamações e/ou escoriações. Nodulação é o crescimento
anormal de tecido. Pode ser um pólipo benigno ou uma neoplasia maligna. Mesmo pólipos
benignos merecem atenção do médico, já que muitas neoplasias malignas originam-se
dessas estruturas.
Palpação: Após criteriosa inspeção, que já pode ser suficiente para definir alguns
diagnósticos como, por exemplo, o de fissura anal ou de cancro sifilítico, o médico deve
seguir para a palpação. Primeiramente o examinador deve palpar as regiões anal, perianal e
perineal, procurando por fístulas, abscessos e nodulações. Em seguida, para realizar o
toque retal, deve-se lubrificar a parte da luva que recobre o dedo indicador, podendo-se
também lubrificar a região perianal que foi exposta com o afastamento manual das
nádegas do paciente. Após solicitar ao paciente que faça força “para baixo”, como se fosse
defecar, o médico pressiona suavemente o ânus do paciente e, enquanto o esfíncter relaxa,
insere a ponta do dedo no canal anal, na direção do umbigo do paciente, e, com suaves
movimentos rotatórios, alterna entre os diversos sentidos do canal anal, palpando-o em sua
totalidade. Durante o exame, é importante notar o tônus do esfíncter anal que, em
condições normais, pressiona firmemente o dedo do examinador, além disso, ao parar de
aplicar força no esfíncter anal, ele normalmente se fecha, evento que se chama de reflexo
anal. Em alguns casos, no entanto, o reflexo pode estar invertido, algo que pode sugerir
prolapso retal, inflamação do canal anal e prurido anal. Convém tocar primeiro na parte
anterior do canal anal, local da loja prostática no homem, possibilitando uma palpação
indireta da próstata, sendo então possível verificar tamanho, mobilidade, formato e a
consistência desta.1,2
O epitélio do reto até a linha pectinada é simples e cilíndrico e apresenta paredes lisas,
sem nenhuma rugosidade, e de consistência macia em condições fisiológicas. A detecção
de qualquer massa pelo examinador torna necessária uma anuscopia para investigar sua
origem. Indurações e endurecimentos também devem ser investigados, por poderem ser
causados por inflamação, fibrose ou neoplasia maligna. Em situações com clínica
sugestiva e que não seja identificada alteração alguma na anuscopia, é importante frisar
que a retossigmoidoscopia é necessária. No que diz respeito ao caso, fezes em fita com
diâmetro diminuído sugerem estreitamento de alguma parte do intestino. Esse
estreitamento pode ser causado principalmente por estenose em reto e ânus ou câncer
colorretal.
Tendo em mente a multiplicidade de origens desse sintoma, é necessário fazer um
diagnóstico diferencial. Nesse contexto, o toque retal serve para confirmar ou descartar a
sugestão de estenose de reto e ânus, por vezes, corroborando suspeita diagnóstica, além
de poder evidenciar pólipos, que podem ser parte de um quadro de câncer.
Anuscopia: Importante exame e, em muitos casos, é o de escolha para análise inicial de
lesões suspeitas localizadas mais distalmente no trato gastrintestinal, especialmente nas
porções finais do canal anal, possibilitando uma visualização direta das mesmas. A doença
hemorroidária é normalmente a causa mais comum, no entanto, não podem ser
descartadas outras causas, como papilas hipertróficas, criptites ou pólipos localizados
nesse segmento. Para a realização da anuscopia, será utilizado um instrumento
denominado anuscópio, em forma de espéculo, metálico ou descartável (acrílico), para
visualização do ânus e da porção distal do reto. Este aparelho apresenta como
características: comprimento de 6 a 10 cm, diâmetro de 3 a 5 cm (infantil) e 5 a 7 cm
(adulto), um mandril (que é retirado após introdução no canal anal) e uma alça que permite
que o examinador segure o instrumento durante o exame. Alguns anuscópios contêm uma
chanfradura, que vai de sua extremidade até perto da parte média do aparelho, o que
possibilita o exame das estruturas laterais do canal sem necessidade de movimentar o
instrumento.
O examinador definirá a posição do paciente de acordo com suas preferências e com as
condições clínicas do examinado e, então, será realizado o exame em que há inicialmente a
lubrificação do anuscópio com vaselina ou lidocaína e sua introdução suavemente no canal
anal. Ao ultrapassar o esfíncter, o mandril deve ser removido. Diante de lesões suspeitas,
como neoplasia, como referido no caso, processos inflamatórios da mucosa colorretal e na
pesquisa de ovos de Schistosoma mansoni, indica-se a retirada de fragmentos por
intermédio de uma pinça de biópsia, para exame histopatológico. O endoscopista deve
fazer uma descrição macroscópica detalhada da lesão, junto ao pedido do exame, visto que
o patologista apenas receberá fragmentos em substância fixadora (formol a 10%),
facilitando seu diagnóstico histopatológico.
O paciente apresenta diversos indicativos para investigação de câncer colorretal por
meio semiologia clínica, como idade acima de 50 anos (faixa etária em que há necessidade
de investigação de câncer) e antecedentes familiares (pai acometido por câncer colorretal,
implicando, dessa forma, maior risco de câncer colorretal, bem como necessidade de mais
exames e vigilância). O paciente também relatava tenesmo, que é a sensação de dor retal e
em períneo, acompanhada de desejo de defecar, além de fezes em fita, que geralmente é
um quadro de estreitamento do lúmen do cólon ou do segmento anorretal, também
indicativos de neoplasias na região colorretal. Ademais, a existência de sangue nas fezes
pode ser decorrente de pólipos ou câncer, bem como hemorragia gastrintestinal ou
hemorroidas locais e a detecção de sangue no reto também sugere câncer no reto ou no
cólon. Por fim, massas detectadas durante o exame proctológico obrigam o médico a
aprofundar a avaliação clínica, por meio de técnicas semiológicas e exames
complementares. Ao detectar endurecimentos na região, como observado no exame do
paciente em questão, deve-se sempre desconfiar de massa tumoral e proceder à
anuscopia, e, caso essa última não seja conclusiva, a exemplo dos casos de tumores mais
altos, é necessária a avaliação com retossigmoidoscopia, buscando-se, assim, minimizar
possíveis erros diagnósticos e melhores desfechos.

SEMIOLOGIA BASEADA EM EVIDÊNCIAS


1. O exame retal digital realmente oferece benefício para o diagnóstico precoce de
neoplasias anorretais?
2. Com o incremento do exame de dosagem do antígeno prostático específico (PSA),
há necessidade do toque retal para o rastreamento de câncer de próstata?
1. Configurando-se como um exame prático, rápido e corriqueiro na prática
médica, o exame retal digital, consagrado como “toque retal”, é um grande
aliado ao diagnóstico inicial de neoplasias anorretais. Dois estudos foram
realizados para avaliar a acurácia dos médicos na determinação do sítio de
neoplasias e, nestes, ficou evidenciado que o nível de experiência dos
profissionais não representou diferença no que tangia a localização dos
tumores. Visto que 99% (p < 0,05) destes localizaram corretamente as lesões
situadas nos cinco centímetros iniciais do reto e que 93% (p < 0,05) fizeram o
diagnóstico correto nos cinco centímetros posteriores, tendo o comprimento do
dedo como único limitador para lesões mais superiores. Ademais, o exame
digital retal fornece informações indispensáveis acerca do nível de invasão dos
tumores e da área circunscrita da lesão.
2. Segundo o Parecer do Conselho Federal de Medicina (CFM) no 35/11, o exame
de dosagem do PSA apresenta sensibilidade e especificidade de 82% e 52%,
respectivamente. Ademais, o exame retal digital configura-se com 62% para
sensibilidade e 93% para especificidade. Embora apresente alto valor preditivo
positivo, o PSA unicamente não é um teste de confiança para rastreamento de
neoplasia prostática devido à possibilidade de apresentar níveis normais em
pacientes afetados. Por conseguinte, a utilização conjunta de ambas as
técnicas, semiológica e laboratorial, conseguem demonstrar altos valores de
sensibilidade e especificidade, além de valores preditivos positivo e negativo
elevados, sendo referência ideal para exames de rastreamento.

Bibliografia
1. Bickley LS. Bates. Propedêutica Médica. 11. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2015.
2. Brasil. Conselho Federal de Medicina. Processo-Consulta CFM no 192/11 – Parecer CFM no 35/11. Acesso em:
01/01/2020.
3. Gartner LP. Tratado de Histologia. 4. ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2017.
4. Porto CC. Semiologia Médica. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2013.
5. Tanaka A, Sadahiro S, Suzuki T, Okada K, Saito G. Comparisons of rigid proctoscopy, flexible colonoscopy, and
digital rectal examination for determining the localization of rectal cancers. Diseases of the Colon & Rectum.
2018; 61(2):202-6.
. Thumbe V, Iqbal M, Bhalerao S. Accuracy of digital rectal examination in the estimation of height of rectal
lesions. Techniques in Coloproctology. 2017; 11(2):111-3.
Capítulo 16

Semiologia das Vias Urinárias


Autores: Robson Eugênio da Silva, Rodolfo Pereira Espindola

ANAMNESE
Paciente do sexo feminino, 28 anos de idade, apresentando febre e dor lombar à
esquerda há mais de 48 horas.
História da Moléstia Atual: Há sete dias paciente vem apresentando dor lombar à
esquerda, do tipo cólica, em região inguinal e grande lábio vaginal, e náuseas sem vômito,
com melhora da dor com o uso de antiespasmódico associado a analgésicos. Há dois dias
iniciou quadro de febre de 38ºC, mudando o padrão da dor, que se tornou contínua, em
posição antálgica lateralizada comprimindo flanco esquerdo. Relatou que sua urina está
com aspecto turvo/avermelhado e com cheiro fétido. Apresenta calafrios, sudorese
importante e hiporexia desde o agravo dos sintomas.
IS: Nega alterações gastrintestinais e nas articulações, sem dores lombares crônicas,
alterações neurológicas e em extremidades.
Precedentes Médicos: Nega patologias crônicas prévias, internamentos e cirurgias, e
relata quadro de cistites de repetição sem acompanhamento médico. Não apresenta
alergias medicamentosas, alimentares e ambientais.
História Familiar: Mãe hipertensa, diabética, dislipidêmica, hipotireóidea e portadora de
nefrolitíase; pai hipertenso, portador de gota e nefrolitíase. Tem um irmão hígido.

EXAME FÍSICO
Dados Vitais:
Frequência respiratória (FR): 28 irpm; frequência cardíaca (FC): 115 bpm; temperatura:
38,8°C; pressão arterial (PA): 98 × 65 mmHg.
Geral: Paciente corada, hidratada, anictérica, acianótica, com palidez cutânea,
diaforética e com taquisfigmia. Sem adenomegalias e edemas de extremidades.
Sistema Respiratório: Murmúrio vesicular fisiológico, ausência de ruídos adventícios.
Sistema Cardiovascular: Bulhas rítmicas em 2 tempos, ausência de sopros, cliques e
estalidos.
Abdome: Ausência de abaulamentos, retrações e cicatrizes, pontos ureterais superiores
dolorosos à palpação, ausência de visceromegalias, ruídos hidroaéreos normais. Sinal de
Giordano presente em região lombar esquerda.
Suspeitas Diagnósticas:
Pielonefrite aguda complicada de rim esquerdo.

Conduta
Solicitados tomografia de abdome (vias urinárias) sem contraste, hemograma e função
renal, urina I e urocultura. Iniciada antibioticoterapia empírica associada Á expansão
volêmica com Soro Fisiológico a 0,96%, devido a quadro séptico. Terapia guiada após
culturas e avaliação da urologia para conduta intervencionista adequada.

EXAMES COMPLEMENTARES
Tomografia de abdome (vias urinárias) sem contraste: cálculo na junção ureteropélvica
esquerda, com hidronefrose moderada à esquerda. Líquido na loja perirrenal esquerda com
sinais de nefrite intersticial de parênquima renal esquerdo.
Hemograma: Leucocitose acentuada à custa de neutrofilia, com desvio até
metamielócitos. Granulações tóxicas nos neutrófilos.
Função Renal: Ureia e creatinina sem alterações.
Urina I: Densidade aumentada, hematúria e hemoglobinúria, nitrito positivo, leucocitúria,
cilindros leucocitários.
Urocultura: Crescimento de Escherichia coli (100.000.000 UFC/mL). Antibiograma
sensível à ceftriaxona e meropeném.

QUESTÕES PARA DISCUSSÃO

1. Qual manobra semiológica deve ser realizada para se chegar ao diagnóstico


provável de pielonefrite e como realizá-la?
2. Qual a importância da caracterização semiológica da dor e dos sintomas para o
diagnóstico diferencial desta e de outras patologias do trato urinário?
3. É necessária a realização de exames complementares?

DISCUSSÃO
Existem pontos que delimitam a região da loja renal, na região lombar, cuja palpação e
percussão podem despertar dor, na vigência de afecções renais e ureterais. São dois os
pontos: o lombar costovertebral (no vértice do ângulo formado pela última costela e pela
coluna vertebral) e o lombar costomuscular (no vértice do ângulo formado pela massa
muscular sacrolombar e pela última costela).
Manobra de Giordano
Golpes secos com a borda cubital de uma das mãos podem despertar uma intensa dor
aguda. Aconselha-se que a referida manobra seja realizada em diferentes alturas das
regiões lombares, direita e esquerda. A percussão deve iniciar-se com manobras leves,
aumentando-se gradualmente, porque não se pode prever a intensidade da dor que elas
poderão desencadear. Quando a manobra de Giordano produz dor aguda e intensa, diz-se,
habitualmente, que o paciente apresenta o sinal de Giordano positivo, entretanto, nos livros
de semiologia consultados, não se encontra tal definição. Deve-se sempre anotar se a
positividade da manobra (produção da dor) foi direita, esquerda ou em ambas as regiões.

Semiologia da Dor
As dores de origem renal localizam-se nos ângulos costovertebrais, abaixo da décima
segunda costela; são contínuas e refletem-se ocasionalmente nos hipocôndrios. Resultam
da distensão aguda da cápsula renal (pielonefrite aguda, obstrução ureteral aguda) ou de
processos inflamatórios perinefréticos. Os quadros expansivos renais como hidronefrose,
tumores ou cistos produzem distensão lenta e gradual da cápsula e costumam ser
assintomáticos.
Dores lombares relacionadas com movimentos do tronco são frequentemente
interpretadas como dores renais, mas decorrem, em geral, de lesões osteoarticulares da
coluna ou de vícios posturais.
A dor ureteral é classicamente em cólica e origina-se na região lombar, com irradiação
para o flanco e a fossa ilíaca. Estas dores quase sempre são secundárias à passagem de
pequenos cálculos ou coágulos sanguíneos e são produzidas pelo intenso movimento
peristáltico que se instala a montante do local obstruído. Geralmente os pacientes
apresentam aumento do volume renal, que produz dor contínua na região costovertebral.
A localização topográfica de cálculos ureterais pode ser definida pelas características
da cólica ureteral, como:

• Os cálculos de terço superior do ureter produzem dores que irradiam para o


testículo (ou vulva), já que todas estas estruturas são inervadas pela mesma raiz
sensitiva (T11 – T12)

• As cólicas de flanco, sem irradiação, resultam de cálculos situados no terço médio


do ureter e, quando o cálculo aproxima-se da bexiga, as dores localizam-se na
fossa ilíaca, irradiam para a região inguinal, na projeção do cordão espermático, e
acompanham-se de disúria e polaciúria

• Em geral, as dores vesicais decorrem de corpos estranhos (cálculos, sondas) ou


inflamação da mucosa vesical (infecções e radioterapia) e manifestam-se de
forma aguda e intensa, “em espasmo” na região hipogástrica, acompanhadas do
desejo persistente de urinar.
EXAME FÍSICO BASEADO EM EVIDÊNCIAS
A manobra de Giordano é decisiva para o diagnóstico de pielonefrite e/ou obstrução
do trato urinário?
Resposta: Não. A positividade da manobra de Giordano não indica, de forma decisiva,
uma afecção renal ou pielocalicial. O abalo produzido pelo golpe feito com a borda
cubital da mão na região lombar pode despertar dor em qualquer região ou
estrutura subjacente, se estiver com algum processo inflamatório (apendicite,
hepatite aguda, lesões osteomusculares). São os dados coletados na anamnese,
junto a outros achados do exame físico, que levantarão a hipótese diagnóstica
mais plausível, além de exames laboratoriais e de imagem que serão indicados de
acordo com cada caso, mediante observação clínica, se necessários.

Sintomas e sinais menos específicos ou não urinários também podem ocorrer, o que
pode causar confusão clínica. A manifestação clínica é específica e clássica na maioria
dos casos, consistindo em início rápido de febre alta e dor e sensibilidade no flanco.
Os estudos de imagem que podem ser usados na avaliação da pielonefrite aguda
incluem:

• Ultrassonografia: usada como ferramenta de diagnóstico de primeira linha para


avaliar o trato urinário em pacientes com sintomas de pielonefrite. Infelizmente, a
nefrite intersticial não é bem caracterizada em adultos em imagens rotineiras em
escala de cinza. Portanto, a maioria dos pacientes com suspeita de pielonefrite
clinicamente apresenta resultados negativos nos EUA. Sinais como cicatrizes do
parênquima, pedras ou hidronefrose geralmente implicam no diagnóstico

• Tomografia computadorizada (TC): fornece informações anatômicas e fisiológicas


abrangentes que caracterizam com precisão as condições patológicas intra e
extrarrenais. A TC é excelente para identificar gases no trato urinário, cálculos,
hemorragia, aumento renal, massas inflamatórias e obstrução. As regiões
envolvidas ocasionalmente aparecem com menor atenuação relacionada ao
edema. Com menos frequência, eles têm bolsas de atenuação mais alta que,
acredita-se, representam hemorragia. A TC também é a melhor modalidade para
avaliar completamente os sinais secundários da doença inflamatória renal e suas
complicações, como aumento focal ou global do rim, cordão perinéfrico,
espessamento da fáscia de Gerota e formação de abscesso

• Ressonância magnética: raramente é indicada, embora seja útil em pacientes para


os quais a exposição à radiação deve ser evitada ou para quem o uso de contraste
iodado é contraindicado. Os achados de ressonância magnética são semelhantes
aos da TC e incluem demonstração de edema renal, hemorragia, aumento renal,
abscessos e coleções de líquido perinéfrico.

BIBLIOGRAFIA
1. Craig WD, Wagner BJ, Travis MD. Pyelonephritis: radiologic-pathologic review. Radiographics. 2008; 28(1):255-
77.
2. Demertzis J, Menias CO. State of the art: imaging of renal infections. Emerg Radiol. 2007; 14(1):13-22.
3. Gerber GS, Brendler CB. Evalution of the urologic patient: history, physical examination, and urinalysis. In: Wein
AJ. Campbell-Walsh Urology. Philadelphia: Saunders Elsevier; 2007.
4. Johnson PT, Horton KM, Fishman EK. Optimizing detectability of renal pathology with MDCT: protocols, pearls,
and pitfalls. AJR. 2010; 194:1001-12.
5. Meneghelli UG, Martinelli ALC. Princípios de semiotécnica e de interpretação do exame clínico do abdômen.
Medicina, Ribeirão Preto. 2004; 37:267-85.
. Setola SV, Catalano O, Sandomenico F et al. Contrast-enhanced sonography of the kidney. Abdom Imaging.
2007; 32:21-8.
7. Simões FA. Exame de vias urinárias e genitais masculinos. Semiologia Clínica. São Paulo: Sarvier; 2002.
. Stunell H, Buckley O, Feeney J et al. Imaging of acute pyelonephritis in the adult. Eur Radiol. 2007; 17(7):1820-8.
Capítulo 17

Semiologia do Genital Masculino


Autor(a): Matheus Resende Marciano Rosa

ANAMNESE
Paciente do sexo masculino, 16 anos de idade, apresentando dor
no testículo direito.
História da Moléstia Atual: Paciente apresentava-se
assintomático. Há cerca de 36 horas apresentou dor intensa em
testículo direito que o despertou do sono noturno. Não teve febre ou
inapetência. Decidiu usar anti-inflamatórios e analgésicos que tinha
em sua residência. Houve melhora apenas parcial, porém, suportava
a dor com o uso dos medicamentos citados. Como houve
persistência do quadro, decidiu procurar auxílio médico. A hipótese
de trauma local foi descartada após ser indagado pelo médico
plantonista. O paciente não iniciou vida sexual.
IS: Nega alterações gastrintestinais, no sistema urinário e em
outros sistemas.
Precedentes Médicos: Nega comorbidades, cirurgias, alergias e
internações prévias. Testículos localizados em escroto desde o
nascimento.
História Familiar: Pai hipertenso, mãe com diabetes mellitus. Nega
cardiopatias e neoplasias.

EXAME FÍSICO
Dados Vitais:
Frequência respiratória (FR): 18 irpm; Frequência cardíaca (FC): 85
bpm; temperatura: 36,8°C.
Geral: Paciente calmo, eutrófico, hidratado, anictérico e
acianótico, mucosas normocrômicas, orientado no tempo e no
espaço.
Abdome: Plano, flácido, indolor, sem visceromegalia, com ruídos
hidroaéreos sem alterações. Punho-percussão lombar indolor.
Genital:
Pênis: Pilificação pubiana característica para a idade. Necessária
retração manual do prepúcio para correta inspeção do pênis devido
ao excesso de pele, comum nos homens não circuncidados. Não
foram visualizados sinais de balanopostite ou qualquer lesão. Glande
de aspecto habitual e cor rósea brilhante; glândulas de Tyson
(pequenas protuberâncias em sulco balanoprepucial)
caracteristicamente normais. Realizada leve manobra manual para
abertura de meato e visualizada mucosa uretral sem anormalidades.
Escroto: Pele elástica. Eritema discreto à direita. Rafe em
localização mediana. Reflexo cremastérico ausente.
Testículo esquerdo: Formato oval, liso, de consistência firme, sem
áreas de endurecimento; indolor. Epidídimo palpável justatesticular
posterior; ducto deferente anexo com consistência habitual de fio
denso.
Testículo direito: dor à palpação, levemente edemaciado, mais
alto e horizontalizado em relação ao esquerdo. Epidídimo de difícil
caracterização em virtude de edema e intolerância à palpação devido
à dor. Não foi possível palpar ducto deferente pela dificuldade em
isolar os elementos do cordão. Não houve alívio da dor na elevação
do testículo.
Demais órgãos e sistemas sem alterações significativas.
Suspeita Diagnóstica: Torção de testículo direito.
Conduta: Solicitada ultrassonografia com Doppler de escroto e
testículos. Exame não mostrou fluxo arterial em testículo direito
(Figura 1). Testículo esquerdo normal, bem perfundido.
Figura 1. Testículo direito sem fluxo.
Fonte: Própria

Para comprovação diagnóstica, foi indicada exploração cirúrgica.


Durante o ato operatório, constataram-se necrose e inviabilidade do
testículo direito, devido ao tempo transcorrido da torção. Realizou-se,
então, a orquiectomia (Figura 2). Como a causa de torção testicular é
uma fixação anormal do testículo na túnica vaginal congênita e
bilateral, o testículo esquerdo também foi explorado e devidamente
fixado através de pontos nas camadas internas do escroto para evitar
novo episódio de torção no testículo restante.
Figura 2. Imagem de testículo direito retirado.
Fonte: Própria

QUESTÕES PARA DISCUSSÃO


1. O que sugere na história clínica o diagnóstico em
questão?
2. Quais diagnósticos diferenciais?
3. Quais as manobras realizadas para excluir diagnósticos
diferenciais?
4. É necessário complementação com exames
complementares?

DISCUSSÃO
A torção de testículo tem sua maior incidência nos homens entre
12 e 16 anos de idade. Manifesta-se por dor de início súbito e recente
(com o tempo, a dor pode diminuir de intensidade devido à necrose
do testículo). O tempo do diagnóstico/tratamento é o principal fator
de preservação da função testicular, sendo o ideal menos de 6 horas.
Episódios anteriores de dor podem constar na história clínica devido
a torções prévias intermitentes, porém não são obrigatórios.
Diferente de outras patologias testiculares infecciosas, sintomas
como febre e mau estado geral não estão presentes.
O principal diagnóstico diferencial é a orquiepididimite aguda.
Nesta condição, a dor é inicialmente branda, com piora progressiva,
associada a intensos sinais flogísticos (edema importante testicular,
hiperemia); pode ainda ter relação com sinais sistêmicos (febre,
inapetência, queda de estado geral).
Outras patologias escrotais e testiculares são mais facilmente
distinguíveis: neoplasias cursam com nodulações pétreas e
geralmente não causam dor. Hidrocele provoca abaulamento
escrotal, geralmente indolor, e pode ser diferenciada das hérnias
inguinoscrotais através de exame de transiluminação (transparência
do líquido acumulado dentro do escroto após ser iluminada por uma
lanterna).
Torção de apêndice testicular (tecido de resquício embrionário
aderido ao testículo) também pode cursar com episódios de dor,
geralmente sem tanta intensidade.
Cálculos impactados no ureter podem cursar com dor para
testículos e escroto, porém, geralmente acompanhados de dor
lombar ipsilateral.
O reflexo cremastérico é realizado ao estimular a região medial da
coxa e o escroto com objeto firme (p. ex., pinça, haste de um
cotonete ou até mesmo a unha). Quando presente, o reflexo
cremastérico retrai o escroto com consequente elevação do
testículo. Ele estará quase sempre ausente na torção de testículo e
inalterado nos casos de orquiepididimite e torção de apêndice
testicular.
Por motivos óbvios, devido ao enrolamento do cordão, haverá
elevação do testículo torcido, podendo horizontalizar o mesmo,
dificultando a separação dos elementos estruturais, como o ducto
deferente.
O sinal de Prehn é o alívio do quadro doloroso ao elevar a bolsa
testicular afetada. Não é patognomônico, porém pode estar presente
nos quadros de orquiepididimites.
A ultrassonografia com Doppler é o exame padrão-ouro para o
diagnóstico. Apresentará fluxo ausente na patologia em questão,
aumentado nos casos infecciosos/inflamatórios e inalterados nos
demais. É importante enfatizar que na falta de exame
ultrassonográfico e em alta suspeita diagnóstica a conduta cirúrgica
é indicada.

UTILIZAÇÃO DA
ULTRASSONOGRAFIA COM DOPPLER
BASEADA EM EVIDÊNCIAS
Fonte: Eyer de Jesus, 2000

BIBLIOGRAFIA
1. Eyre RC. Evaluation of the acute scrotum in adults. [Database on internet]. Jun 2016
[updated 07 Apr 2016; cited 2016 Jul 14]. In: UpTodate.
2. Fregonesi A, Reis LO. Urgências urológicas: escroto agudo e priapismo. In: Júnior
AN, Filho MZ, Reis RB (Eds.). Urologia Fundamental. São Paulo: Planmark; 2010.
3. Jesus LE. Acute scrotum. Rev Col Bras Cir. 2000; 27(4):271-8.
4. Wein AJ, Kavoussi LR, Partin AW et al. Campbell-Walsh Urology. 11th ed.
Philadelphia, PA: Elsevier; 2016.
Capítulo 18

Semiologia do Trato Genital


Feminino
Autores: Carla Roberta Macedo de Sousa, Gefferson Dias Teixeira e Nathaniel dos Santos
Sousa

A semiologia do trato genital inferior é elemento fundamental para o esclarecimento


diagnóstico em patologias ginecológicas. Para isso, é necessário construir uma relação
médico-paciente sólida para a abordagem de questões íntimas valorizando sempre as
questões éticas e individuais das pacientes, como também os aspectos peculiares na
abordagem das principais queixas ginecológicas.
Para a discussão da semiologia ginecológica, serão apresentados três casos clínicos de
queixas comuns em ginecologia, como sangramento uterino anormal (SUA), dor pélvica e
infertilidade. A partir desses casos, serão discutidos os aspectos fundamentais da
abordagem semiológica para esclarecimento diagnóstico diante de situações comuns.

CASO CLÍNICO 1

ANAMNESE
Identificação: M.F.S, 42 anos de idade, casada, G3P3, professora, católica, natural e
procedente de Sobral – Ceará (CE).
Queixa Principal: “Muita menstruação”.
História da Moléstia Atual: Paciente relata que há cerca de 18 meses iniciou quadro de
sangramento menstrual excessivo, chegando a trocar aproximadamente oito absorventes
diários e desmotivando-a a sair de casa nos dias de maior fluxo. O ciclo era regular (30 a 32
dias), e o sangramento durava entre 8 e 10 dias. Informa ainda que nos primeiros 3 dias de
menstruação apresentava dor pélvica em cólica de moderada intensidade que cedia com o
uso de anti-inflamatórios não esteroidais (AINE). Nega sangramento fora do período
menstrual ou sinusorragia. Procurou atendimento ginecológico há 6 meses, sendo
realizada citologia oncótica do colo do útero que não mostrou alterações. Iniciou
anticoncepcional oral combinado de uso regular e diário, conforme orientação médica, para
a diminuição do fluxo, sem melhora.
Antecedentes Pessoais: Apendicectomia aos 17 anos de idade. Fez uso de
anticoncepcional oral combinado por cerca de 5 anos. Nega hipertensão ou diabetes,
tabagismo e etilismo. Nunca realizou cirurgias. Faz atividade física (caminhada) três vezes
por semana.
História Gineco-obstétrica: Menarca aos 12 anos de idade, sexarca aos 16 anos de
idade; tem apenas um parceiro sexual. Nega infecções sexualmente transmissíveis (IST).
Apresenta ciclo regulares e sem alteração do fluxo prévia. Teve três partos normais no
hospital e sem intercorrências. O último preventivo ginecológico foi realizado há 6 meses e
estava normal. Nega patologias cervicais em exames anteriores ou procedimentos prévios
no colo do útero. Não usa contracepção, porque o parceiro realizou vasectomia há 3 anos.
A data da última menstruação foi há 5 dias, estando menstruada no momento da avaliação.
História Familiar: Mãe hipertensa e pai diabético e coronariopata. Irmã mais velha
precisou remover o útero aos 47 anos de idade por problema semelhante, mas não sabe
precisar o diagnóstico.
Interrogatório de Órgãos e Sistemas
Geral: Relata episódios de tonturas e astenia. Nega perda ponderal.
Cardiovascular: Nega queixas.
Respiratório: Nega dispneia ou tosse.
Digestório: Apresenta constipação desde a infância.
Geniturinário: Nega leucorreia, dispareunia, sinusorragia, disúria, incontinência ou
urgência urinária.
Exame Físico
Paciente orientada, hidratada, hipocorada (1+/4+), anictérica, acianótica.
Cardiovascular: Bulhas normofonéticas em dois tempos e sem sopros.
Respiratório: Sem ruídos adventícios.
Pélvico e Abdominal: Sem massas palpáveis ou visceromegalias.
Exame das Mamas: Sem alterações às inspeções dinâmica ou estática. Sem nódulos ou
linfadenomegalias palpáveis.
Geniturinário: Vulva normotrófica, com distribuição de pelos normais e sem lesões.
Períneo e Região Anal: íntegro sem sinais de lesões.
Exame Especular: Colo do útero sem lesões e com sangramento vermelho vivo
originado do orifício externo do canal endocervical.
Toque Bimanual: Útero móvel, indolor e aumentado de volume, sendo palpável acima da
sínfise púbica.
Exames Complementares
Beta gonadotrofina coriônica (ß-HCG): resultado negativo.
Eritrograma: Hemoglobina – 8,3; hematócrito – 24,1.
Ultrassonografia via transvaginal: Útero anteversoflertido, volume 335 cm3, miométrio de
textura homogênea e nodulações hipoecogências de localização intramurais e componente
submucoso medindo, respectivamente, 5,2 × 4,3 cm e 4,9 × 4,1 cm. Endométrio homogêneo
de espessura 8 mm e ovários de forma e volume normais.

DISCUSSÃO
História Clínica
Na identificação da paciente, a idade é o pontapé inicial para o raciocínio clínico, pois
dependendo da faixa etária, algumas etiologias são mais comuns para justificar a causa do
sangramento (Tabela 1). A religião também é um dado que não pode ser ignorado, uma vez
que, em algumas situações em que seja indicada a utilização de hemoderivados na
abordagem terapêutica, o fato poderá ser um problema em determinadas crenças
religiosas.

Tabela 1. Principais causas de sangramento uterino anormal na vida da mulher.

FAIXA ETÁRIA CAUSAS

Período neonatal Privação de estrogênio materno

Corpo estranho
Trauma
Infecção
Infância
Tumor ovariano
Sarcoma botrioide
Abuso sexual

Pólipo endometrial
Adenomiose
Miomatose uterina
Contracepção hormonal
Anovulação
Menacme
Coagulopatias
Infecções
Causas obstétricas
Hiperplasia e câncer endometrial
Causas cervicais (ectopia, pólipo, câncer)

Atrofia de endométrio
Uso de terapia hormonal
Menopausa
Câncer de endométrio
Câncer de colo do útero

Adaptada de Passos et al., 2017.

A queixa principal (“muita menstruação”) deve ser relatada como o principal motivo que
levou a paciente a buscar auxílio profissional e serve como guia para descrever a história
da moléstia atual.
Nessa história, a queixa de sangramento deverá ser descrita de forma temporal (início
da alteração), pois, tão importante quanto os aspectos quantitativos e qualitativos para
descrever a queixa atual é a valorização da mudança de padrão do ciclo menstrual.
Sabe-se que muitas alterações fisiológicas, como alteração do conteúdo vaginal,
sangramento, mastalgia ou dor pélvica, podem acompanhar a mulher de forma cíclica,
dependendo do período do ciclo menstrual, então, é importante caracterizar com o máximo
de precisão se a queixa tem relação cíclica. É fundamental que seja definido se o
sangramento acontece no período menstrual ou fora do período esperado para a
ocorrência de sangramento. No período menstrual, causas como miomatose uterina,
adenomiose ou causas não estruturais são mais comuns para a ocorrência do
sangramento. Causas não estruturais podem acontecer no caso de um estímulo hormonal
inadequado do endométrio. Em caso de sangramento fora do período menstrual, causas
anatômicas, como lesões no colo do útero, trauma, fissuras ou causas neoplásicas são
mais prevalentes. A Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO)
estabeleceu uma técnica mneumônico para facilitar a investigação das possíveis causas
de SUA (Tabela 2). A nomenclatura referente ao sistema de classificação para as causas de
SUA foi revisada pela FIGO, no início de 2011, e apresenta nove categorias dispostas de
acordo com a sigla PALM-COEIN: pólipo, adenomiose, leiomioma, malignidade e hiperplasia
do endométrio, coagulopatia, disfunção ovulatória, endometrial, iatrogênica e causas não
classificadas.

Tabela 2. Classificação PALM-COEIN estabelecida pela FIGO (2011).

ANOMALIAS ESTRUTURAIS ANOMALIAS NÃO ESTRUTURAIS

Coagulopatias
Pólipos
Ovulatórias
Adenomioses
Endometriais
Leiomiomas
Iatrogênicas
Malignidade e hiperplasias
Não classificadas

Adaptada de Benetti-Pinto et al., 2017.

Outro aspecto importante é caracterizar se o sangramento é precipitado pela atividade


sexual (sinusorragia) ou por algum esforço físico, o que reforça a possibilidade de lesões
sangrantes em vulva, vagina ou colo do útero. Vale ressaltar que, em muitas situações de
SUA, a paciente tem dificuldade de delimitar o padrão do ciclo menstrual, e, principalmente,
se o sangramento corresponde ao período correspondente à menstruação. Portanto, é
geralmente um desafio para o avaliador estabelecer o diagnóstico correto pela história
clínica. O sangramento relatado como de origem transvaginal também pode ser originado
de fontes não ginecológicas, como uretral ou retal, o que deverá fazer parte da avaliação
física para esclarecimento.
Quanto às características do fluxo, é necessário definir a periodicidade do sangramento,
considerando o primeiro dia do início do sangramento até o primeiro dia do sangramento
do ciclo seguinte. Deve ser descrito também o número de dias de sangramento e
mensurado o fluxo menstrual. A intensidade do fluxo considerada normal é a perda
menstrual de 5 a 80 mL por período menstrual, o que certamente a mulher terá dificuldade
de quantificar. Uma das formas de quantificar é também avaliar o número de trocas de
absorventes ao dia, o que ainda poderá ser bastante subjetivo.
Para a FIGO, o sangramento menstrual excessivo é caracterizado como qualquer perda
menstrual abundante que interfira na qualidade de vida nos âmbitos físico, emocional,
social ou material, podendo ocorrer isoladamente ou em combinação com outros
sintomas. Portanto, a queixa referida pela mulher como sangramento excessivo poderá ser
suficiente e valorizado.
A ocorrência de sintomas associados à queixa principal deve ser notificada. No caso em
questão, a paciente relatou dor pélvica em cólica associada ao período menstrual
(dismenorreia), que costuma estar relacionada a causas estruturais como adenomiose ou
miomatose uterina.
É importante apresentar os tratamentos realizados, a forma de administração, bem
como a resposta clínica observada. Em especial no caso de utilização de medicações
hormonais, é fundamental esclarecer o tipo e o modo de utilização pela paciente, pois
estas medicações comumente têm SUA como efeito colateral.
Na história gineco-obstétrica, é importante estabelecer idade da menarca, sexarca e
determinar o período da menopausa, se houver, já que algumas etiologias devem ser
consideradas em cada faixa etária do período reprodutivo da mulher. O uso de método
contraceptivo, a regularidade do ciclo e a data da última menstruação devem ser
registrados, principalmente para se considerar as causas obstétricas como possíveis
causadoras do sangramento, como ameaça de abortamento, abortamento em curso,
gestação ectópica ou gestação molar. Deve-se questionar sobre a realização rotineira de
exames preventivos do câncer ginecológico na consideração de causas cervicais, como o
câncer de colo do útero.
Nos antecedentes pessoais, devem-se documentar tratamentos previamente realizados,
cirurgias e comorbidades. No caso de sangramento pós-menopausa, comorbidades como
obesidade, diabetes e hipertensão arterial são consideradas fator de risco para câncer de
endométrio. Na história familiar, é importante esclarecer a ocorrência de comorbidades
familiares, em especial a ocorrência de miomatose uterina, adenomiose ou câncer
ginecológico, como câncer de ovário ou endométrio que podem ter influência familiar.
Ao final da história clínica, já há condição de estabelecer as principais hipóteses
diagnósticas. No caso em questão, considerando-se a faixa etária com queixa de SUA
cíclico associado à dismenorreia, sem sinusorragia e sem melhora com tratamento
hormonal, as principais hipóteses são miomatose uterina e a adenomiose.

Exame Físico
Para o diagnóstico de SUA, é necessário história clara do sangramento, anamnese
detalhada e avaliação inicial com exames físicos geral, abdominal e pélvico. No exame
físico geral, deve-se avaliar o estado da paciente como um todo, e dar especial atenção aos
parâmetros hemodinâmicos em caso de quadros de hemorragia aguda e abundante em
busca de sinais de choque hipovolêmico.
Os exames pélvico e abdominal devem ser realizados em busca de massas palpáveis ou
sinais de irritação peritoneal. O exame geniturinário e em região perineal é fundamental
para a confirmação da origem do sangramento. Devem ser pesquisadas lesões sangrentas
em vulva, períneo, regiões perianal e uretral. A realização do exame especular para
visualização do canal vaginal e do colo do útero é obrigatória em todas as pacientes que já
tiveram atividade sexual. Na paciente do caso relatado, o exame especular não evidenciou
lesões, mas confirmou que o sangramento era de origem uterina, uma vez que foi
visualizado sangramento originado do orifício externo do canal endocervical.
O toque bimanual é realizado introduzindo-se os dedos indicador e médio no canal
vaginal, fazendo pressão uniforme para trás enquanto os pequenos lábios são afastados.
Palpam-se paredes vaginais, fundo de saco e colo do útero. Com a mão espalmada na
região pélvica, o colo do útero é ligeiramente elevado para a palpação uterina, podendo-se
perceber aumento do volume local ou assimetria em seu contorno. No caso em questão, a
paciente apresentou aumento do volume uterino na palpação bimanual, bem como
ausência de lesões à inspeção de vulva, vagina e colo do útero, reforçando as hipóteses
diagnósticas sugeridas na história clínica.

Exames Complementares
Quanto aos exames complementares, sua utilização deve ser realizada de forma
racional, sempre considerando-se o esclarecimento diagnóstico e/ou o estabelecimento de
alguma conduta com base em seu resultado. Devem-se buscar, além de métodos sensíveis
e específicos para o esclarecimento diagnóstico, opções de mais fácil acesso, menos
invasivas e preferencialmente de menor custo. Na Tabela 3, são apresentados o grau de
recomendação e a força de evidência (GRFE) para os métodos diagnósticos em paciente
com SUA, recomendados pela FIGO.
A paciente realizou exame ß-HCG, que resultou negativo e descartou a possibilidade de
causas obstétricas com causadoras do SUA, e hematimetria, que evidenciou um quadro de
anemia. Este quadro não estabelece a etiologia da SUA, mas pode sinalizar para a
repercussão hematimétrica da queixa de sangramento e o bem-estar da paciente, bem
como servir de monitoramento para a resposta ao tratamento estabelecido.
A ultrassonografia endovaginal, quando possível de ser realizada, geralmente é
preferível em relação à ultrassonografia pélvica em pacientes que já tiveram atividade
sexual, por fornecer imagem mais nítida sem a interferência direta do panículo adiposo, da
bexiga e das alças intestinais que dificultam o exame pela via pélvica. A ultrassonografia da
paciente evidenciou útero de volume aumentado e imagens sugestivas de miomatose
uterina, corroborando a hipótese diagnóstica.

Tabela 3. Grau de recomendação e força de evidência (GRFE) para os métodos diagnósticos no


sangramento uterino anormal.

MÉTODO RECOMENDADO GRFE

Anamnese e exame físico Sim B


Teste de gravidez Sim A

Ultrassonografia endovaginal Sim (1a linha) A

Histeroscopia Sim (2a linha) A

Histerossonografia Sim (3a linha) B

Ressonância nuclear magnética Sim (em casos especiais) B

Biópsia endometrial Sim (> 45 anos de idade - 1a linha) B

Curetagem uterina Sim (> 45 anos de idade - 2a linha) B

Avaliação sérica de esteroides


Não B
sexuais

Investigação de coagulopatias Sim (história familiar) C

Eritrograma e dosagem de ferritina Não (dependência do bem-estar) C

Avaliação da função tireoidiana Não C

Fonte: Manual da Febrasgo, 2014.

CASO CLÍNICO 2

ANAMNESE
Identificação: P.F.L., sexo feminino, 17 anos de idade, natural e procedente de Sobral –
Ceará (CE), desempregada, solteira.
Queixa Principal: “Dor forte no pé da barriga há dois dias”.
História da Moléstia Atual: Paciente é admitida na emergência clínica queixando-se de
dor em hipogástrio, que iniciou há 48 horas e piorou nas últimas 24 horas, de forte
intensidade e irradiação para fosse ilíaca direita. Não soube informar fatores
desencadeantes de melhora ou piora. Ao quadro, associam-se náuseas, vômitos, queda do
estado geral, adinamia e febre.
Ao ser questionada, nega alterações urinárias (disúria, poliúria, polaciúria, urgência
miccional), mas relata corrimento vaginal esbranquiçado, fétido, de aspecto leitoso, sem
prurido, de início há 72 horas.
Antecedentes Pessoais: Nega comorbidades, alergias e cirurgias prévias. Não faz uso
contínuo de nenhuma medicação.
Hábitos: Ingere bebidas alcoólicas socialmente aos fins de semana. Nega tabagismo e
uso de outras substâncias.
História Gineco-obstétrica: Menarca aos 13 anos de idade, sexarca aos 15 anos de
idade. Teve um parceiro sexual fixo durante um ano (dos 15 aos 16 anos de idade). Após
este período, relata vários relacionamentos sexuais casuais, alguns sem proteção. Nega
uso de contraceptivos orais, gravidez e abortamentos. Ciclo menstrual regular.
História Familiar: Mãe hipertensa controlada com medicações. Nega história familiar de
câncer ginecológico.

Exames físico:
Hemograma: ver Tabela 4.
Ectoscopia: Estado geral ruim, hipocorada 2+/4+, desidratada 2+/4+, anictérica,
acianótica, febril (38 °C). Sistema neurológico: Escala de coma de Glasgow 14 pontos
(abertura ocular – 3; resposta verbal – 5; resposta motora – 6), pupilas isocóricas e
fotorreativas, sem déficit motor focal.
Sistema Respiratório: Murmúrio vesicular universalmente presente, sem ruídos
adventícios. Paciente taquipneica, com frequência respiratória (FR) de 24 irpm.
Sistema Cardiovascular: Ritmo cardíaco regular, bulhas normofonéticas, em dois tempos,
sem sopros. Pressão arterial (PA) de 100 × 60 mmHg; frequência cardíaca (FC) de 110
bpm.

Tabela 4. Hemograma da paciente.

Hemograma Completo/PCR (Proteína c-


reativa) VHS (velocidade de
hemossedimentação)

Valores Referência

Eritrócitos 3,2 4,5 a 5,9 milhões

Hemoglobina 9 12 a 17

Hematócrito 36 40 a 52%

vcm 88 80 a 100

hcm 23,08 26 a 34 pg
chcm 26,09 31 a 36%

rdw 13 11,4 a 14,5

Leucócitos 19.000 4.500 a 11.000

Neutrófilos 71% 45 a 75%

Bastonetes 12% 0 a 4%

Segmentados 59% 36 a 66%

Eosinófilos 3% 0 a 1%

Basófilos 0% 0 a 1%

Linfócitos 24% 20 a 40%

Monócitos 2% 2 a 8%

Plaquetas 250.000 150.000 a-450000

VHS 100 MM/H 20 MM/H

PCR +++ 0

Abdominal: Abdome semigloboso, aparentemente distendido, com ruídos hidroaéreos


diminuídos, timpânico, com dor à percussão em fosse ilíaca direita e dor intensa à
palpação superficial e profunda de hipogástrio. Dor à descompressão brusca de fossa
ilíaca direita (sinal de Blumberg positivo). Massa palpável em flanco direito com tamanho
de 2 cm em seu maior diâmetro.
Extremidades: simétricas, sem edemas ou cianose, bem perfundidas, com tempo de
enchimento capilar (TEC) menor que 3 segundos.
Geniturinário: Vulva normotrófica, com distribuição de pelos normais e sem lesões.
Períneo e região anal: Íntegros sem sinais de lesões.
Exame Especular: Corrimento mucopurulento proveniente do orifício externo do colo do
útero, que se mostrou friável à manipulação, edemaciado, com petequeias e hiperemia
(sinais de colpite).
Toque Bimanual: Dor intensa à mobilização do colo, dor à mobilização dos anexos,
especialmente à direita; dor importante em hipogástrio. O colo do útero tinha posição
central, livre à movimentação; útero em anteversoflexão. Massa constatada à direita.
Exames Complementares
Ultrassonografia Abdominal: Líquido livre em cavidade abdominal preenchendo tuba
ovariana direita, associado a abscesso túbulo-ovariano direito, medindo 12 cm no seu
maior diâmetro.
Diagnóstico: Abscesso túbulo-ovariano direito promovido por doença inflamatória
pélvica aguda (DIP).
Conduta: Iniciados ceftriaxona 1 g, por via endovenosa, por 14 dias; doxiciclina 100 mg,
por via oral, a cada 12 horas, por 14 dias; e metronidazol 250 mg, por via oral, a cada 12
horas, por 14 dias.
Abordagem em Centro Cirúrgico: Laparotomia exploratória, lavagem abundante da
cavidade peritoneal, associada à retirada de abscesso túbulo-ovariano com salpingectomia
direita.

DISCUSSÃO
O caso clínico em questão apresenta uma paciente com DIP, patologia que se configura
como uma emergência ginecológica, com grande morbidade, de repercussões agudas e
crônicas. A DIP revela sinais, sintomas e alterações no exame físico tão características que,
quando reunidas, conseguem configurar seus critérios diagnósticos. Isso corrobora a
importância do domínio da semiologia ginecológica na formação do médico generalista, o
qual pode se deparar com quadro semelhante ao descrito em qualquer âmbito de sua
atuação, desde a atenção primária a emergências.
A correta abordagem de qualquer ginecopatia sempre será pautada no conhecimento da
fisiologia e anatomia fisiológicas, reconhecendo-se suas alterações, bem como em uma
história clínica minuciosa. Uma anamnese e exame físico bem realizados promovem maior
acurácia no diagnóstico e uso racional dos exames complementares.

História Clínica
A correta anamnese promove a triagem de fatores de risco, perfis epidemiológicos e
sintomas que direcionam ao correto diagnóstico. É o primeiro contato entre o médico e o
paciente, momento oportuno para se estabelecer confiança mútua entre ambos os
envolvidos na consulta.
Identificação: A identificação deve ser a mais precisa possível, não podendo haver erros
ortográficos ou abreviaturas que possam ocasionar dúvidas em atendimentos posteriores.
Nesse momento, informações como idade e procedência da paciente já podem indicar
determinadas hipóteses diagnósticas.
No caso, a paciente é jovem, 17 anos de idade, e apenas com esse dado já se sabe que
ela está no grupo de risco para DIP, visto que 70% das pacientes acometidas pela doença
têm menos de 25 anos de idade. Adolescentes apresentam risco 3 vezes maior para o
acometimento de DIP. Há referências que autorizam, inclusive, o tratamento empírico de
pacientes jovens com vida sexual ativa e com dor pélvica.
A DIP apresenta maior incidência em pacientes com maior vulnerabilidade
socioeconômica, apesar de haver crescimento entre as classes com melhor qualidade de
vida.
A determinação da procedência também colabora com o traçado epidemiológico de
determinadas patologias, já que algumas doenças são mais prevalentes que outras, de
acordo com a região analisada. Sabe-se que a DIP origina-se primariamente de bactérias
sexualmente transmissíveis, como Chlamydia trachomatis, Neisseria gonorrhoeae, em 90%
dos casos, ao longo do trato genital feminino, acima do orifício interno do colo. Logo,
determinar se a paciente é proveniente de área com alta prevalência de infecção
sexualmente transmissível (IST) é de fundamental importância.
Queixa Principal: de modo fiel, devem ser descritas as expressões usadas pela paciente
para informar o que motivou a procura ao atendimento. A descrição correta da queixa e o
tempo do surgimento dos sintomas já direcionam a um diagnóstico assertivo em um
grande número de atendimentos. A paciente do caso apresenta dor intensa em baixo ventre
– “dor forte no pé da barriga”. Neste tópico da anamnese, o uso de coloquialismo e
expressões informais devem ser transcritas literalmente.
A queixa relatada pela paciente é bem comum em quadros agudos de DIP, visto que a
doença inicia-se após quadro de endometrite, que promove dor em região de hipogástrico e
à mobilização do colo do útero.
História da Moléstia Atual: Deve-se registrar a história da evolução clínica da paciente,
determinando a sequência cronológica dos sintomas e os fatores desencadeantes, de piora
ou melhora do quadro. Deve-se interrogá-la se já foi submetida a alguma intervenção e o
resultado desta.
A paciente do caso apresenta os sintomas característicos da DIP, como corrimento
vaginal purulento, comprometimento do estado geral, febre, dor em baixo ventre, o que a
enquadra no perfil clínico-epidemiológico da doença. Mais de 50% das pacientes com DIP
apresentam descarga vaginal de aspecto purulento, associada à dor infraumbilical. A febre
pode estar presente em torno de 30 a 40% dos casos. Pode haver sintomas atípicos em até
20% dos casos, como metrorragia (sangramento fora do período menstrual) e alteração do
fluxo menstrual. A progressão da doença é marcada por sintomas sistêmicos,
comprometimento do estado geral, adinamia, náuseas e vômitos. Isso nos faz manter
alerta sobre a progressão do quadro da paciente. Além disso, a piora da dor abdominal,
associada a alterações como rigidez abdominal, sugere quadro de abdome agudo, o que
constitui uma emergência cirúrgica. Apenas esses dados já norteiam a abordagem clínica
otimizada.
História Patológica Pregressa: Determinar se a paciente apresenta alguma patologia
prévia que implique evolução da atual é determinante na abordagem e no prognóstico da
doença. Por exemplo, sabe-se que a infecção gonocócica facilita a contaminação pelo vírus
da imunodeficiência humana (HIV). Pacientes com algum tipo de imunossupressão
apresentam evolução mais grave da DIP, HIV-positivos, maior chance de formação de
abscesso túbulo-ovariano. Logo, é fundamental o registro patológico pregresso.
Antecedentes Ginecológicos: Deve-se deixar registrada a data da primeira menstruação
(menarca) e a data da primeira relação sexual (sexarca). Quanto mais precoce a sexarca,
maior a vulnerabilidade à IST. Além disso, informações sobre número de parceiros sexuais
e uso de métodos contraceptivos também são imprescindíveis. No caso apresentado, a
informação de múltiplos parceiros e falha no uso de preservativo casualmente corrobora
fator de risco para IST e, consequentemente, maior vulnerabilidade para DIP.
Também devem-se registrar número de gestações, vias de parto, abortamentos e as
informações sobre o ciclo menstrual, sua regularidade, duração, fluxo. Lembrar-se de
interrogar sobre sinusorragia (sangramento durante relação sexual), sinal de lesão em colo
do útero.
História Familiar: Muitas doenças são influenciadas e até definidas geneticamente
como, por exemplo, o câncer de mama. Logo, deve-se sempre questionar a história familiar
da paciente.
Medicações em uso: Sempre interrogar sobre uso crônico ou recente de medicações,
visto que estas podem interferir no ciclo menstrual, produzir efeito imunossupressor ou
interagir com os medicamentos a serem prescritos para tratamento do quadro clínico.

Exame físico
O exame físico minucioso é fundamental para avaliação de qualquer doença do trato
genital feminino. Nos casos de DIP, ele é imprescindível, visto que os critérios diagnósticos
da doença são essencialmente clínicos, como demonstrados na Tabela 5. A presença de
um critério elaborado ou dos 3 critérios maiores + 1 critério menor determina o diagnóstico
de DIP.

Tabela 5. Critérios diagnósticos de doença inflamatória pélvica (DIP). PCR: proteína C reativa; VHS:
velocidade de hemossedimentação.

CRITÉRIOS
CRITÉRIOS MAIORES CRITÉRIOS MENORES
ELABORADOS OU
OU MÍNIMOS OU ADICIONAIS
DEFINITIVOS

Temperatura axilar > 38,3°C


Conteúdo vaginal ou secreção
Evidência histopatológica de
endocervical anormal
endometrite
Massa pélvica
Dor abdominal infraumbilical
Leucocitose
ou dor pélvica Abscesso túbulo- ovariano ou de
PCR ou VHS elevadas
Dor à palpação dos anexos fundo de saco de Douglas visto
Mais de 5 leucócitos por campo
Dor à mobilização do colo do em exame de imagem
de imersão em secreção de
útero
endocérvice
Evidências videolaparoscópicas
Comprovação laboratorial de
de DIP
infecção cervical por gonococo,
clamídia ou micoplasma

DIP = 3 critérios maiores + 1 critério menor ou pelo menos 1 critério elaborado.

Exame Físico Geral: Todo exame físico ginecológico deve ser precedido de um exame
geral amplo, abordando todos os sistemas. Observa-se que o caso clínico apresenta
paciente em estado de emergência, necessitando de uma conduta rápida, assertiva e
eficaz. Logo, a percepção de todo o exame físico é fundamental para uma abordagem
exitosa.
Estado Geral: Paciente é admitida com estado geral ruim, desidratada 2+/4+, com febre
e sinais de toxemia. Isto já sugere um quadro geral de gravidade que exige uma conduta
mais enérgica.
Sistema Cardiovascular: Apresenta ritmo cardíaco regular, mas com leve hipotensão e
taquicardia (FC > 100 bpm), sinais que sugerem sepse.
Sistema Respiratório: O que marca a gravidade do quadro é a taquipneia (FR > 20 irpm).
Abdominal: O caso aponta para sinais de emergência cirúrgica. A paciente apresenta
distensão abdominal, associada à rigidez, e dor à descompressão em fossa ilíaca direita –
sinais claros de irritação peritoneal. Em contexto de DIP, deve-se sempre aventar a
possibilidade de ruptura de abscesso túbulo-ovariano, uma emergência cirúrgica.
Extremidades: A paciente não apresenta alterações nas extremidades, no entanto, em
casos mais graves encontram-se sinais de hipoperfusão periférica, marcadas por aumento
no TEC > 2,5 segundos.

Exame Ginecológico

Inspeção
O exame físico ginecológico inicia-se com a inspeção estática da vulva. Nesse
momento, devem-se observar monte de Vênus, grandes lábios, glândulas de Bartholin,
pequenos lábios, hímen, fúrcula vaginal e, posteriormente, o períneo. Na DIP, não se espera
alteração nessas estruturas. Elas podem ser suscetíveis a doenças dermatológicas,
neoplasias, reparos de rafias pós-parto, por isso, essa fase do exame físico não pode ser
suprimida, apesar de não haver alterações típicas no caso clínico em questão.

Exames dos genitais internos


Inicia-se o exame dos genitais internos com a inspeção da vagina, para tanto, deve-se
utilizar o espéculo bivalvar. Devem-se observar tanto a coloração, que deve ser rósea, a
elasticidade, o fundo de saco posterior e as paredes vaginais. Nesse ponto, pode-se
observar abaulamento do fundo de saco posterior, nos casos de abscessos de fundo de
saco ou de acúmulo de material mucopurulento proveniente da ruptura de abscesso túbulo-
ovariano.
Antigamente, usava-se de modo habitual a culdocentese para obtenção de material para
bacterioscopia na dúvida diagnóstica de abdome agudo em ginecologia. Por exemplo,
secreção hemática obtida através da culdocentese, associada a um exame de β-HCG com
resultado positivo e sangramento transvaginal, poderia corroborar hipótese de gravidez
ectópica rota.
Atualmente, o advento da laparoscopia para tratar cirurgicamente e coletar material
para culturas, e exames de imagem como a ultrassonografia favorecem um diagnóstico de
maior acurácia e menos invasivo, o que tornou a culdocentese algo excepcional.
Deve-se observar se há ou não corrimento, caracterizando-se sua cor, odor e origem. A
DIP é marcada por corrimento de aspecto purulento, proveniente do orifício interno do colo
do útero em direção à vagina. Ele é relatado em mais de 50% dos casos.
O outro ponto é a observação da coloração do colo do útero. Atentar para sinais de
hiperemia, edema e petéquias. O formato do orifício externo, puntiforme nas nulíparas, em
fenda nas multíparas. Deve-se reparar a situação do colo do útero quanto ao eixo vaginal,
indicativo de ectopia. Todos esses fatores são imprescindíveis na avaliação ginecológica
de uma paciente com DIP.
Após o exame especular, deve-se proceder ao toque vaginal, que objetiva constatar a
posição do colo do útero, sentir abaulamento no fundo de saco, a presença de dor à
palpação do colo, determinar o tamanho aparente.
Para finalizar, deve-se realizar o toque bimanual abdominovaginal, fundamental no
exame dos casos de DIP. Para realizá-lo deve-se, com uma das mãos, afastar os grandes e
pequenos lábios, introduzir os dedos médio e indicador no canal vaginal, ir em direção
posterior, a fim de se alcançar o fundo de saco de Douglas; com a outra mão, palpar o
abdome da paciente, em hipogástrio, na linha média, buscando delimitar o útero, sua forma
– que deve ser piriforme –, orientação – se anteversofletido ou retrofletido –, tamanho,
posicionamento e mobilidade. O volume é variável, entre 30 e 90 cm³ em média, com
extensão de 7 cm no sentido craniocaudal. Normalmente, trompas e ovários não são
palpáveis.
Ademais, deve-se perceber a sensibilidade durante o exame. Esse fator é crucial na
determinação diagnóstica da DIP. Normalmente, não se promove dor. Se esta estiver
presente, especialmente à mobilização do colo do útero, deve-se pensar em infecção. Se,
além disso, a paciente apresentar dor à palpação dos anexos, ela já preenche dois critérios
maiores para DIP.
No caso em questão, percebeu-se uma massa em fossa ilíaca direita que sugere
abscesso túbulo-ovariano de importante tamanho. Um abscesso maior que 10 cm em DIP é
indicativo de abordagem cirúrgica.

EXAMES COMPLEMENTARES
Após anamnese detalhada e bem estruturada e um exame físico sistemático, podem ser
solicitados, de modo racional, exames complementares, para corroborar as hipóteses
diagnósticas aventadas e guiar a conduta do profissional.
Vale ressaltar que, em casos de abdome agudo (dor intensa, rigidez, defesa involuntária
durante palpação) com instabilidade hemodinâmica (hipotensão, taquicardia, perfusão
prejudicada), esses exames não devem retardar a abordagem cirúrgica.

Exames Laboratoriais
Em doenças infecciosas, sempre é prudente solicitar hemograma completo, que pode
evidenciar sinais de anemia aguda, leucocitose com desvio à esquerda (aumento do
número total de leucócitos e de células brancas jovens, como bastões, indícios de alta
resposta inflamatória na tentativa de combater a infecção), que é um critério menor de DIP.
Podem-se solicitar também provas inflamatórias, como proteína C reativa (PCR) e
velocidade de hemossedimentação (VHS), outros critérios menores para DIP.
A paciente do caso apresenta alterações no hemograma, elevação de PCR e VHS, o que
corrobora ainda mais o diagnóstico.

Exames de Imagem
Vários exames de imagem podem ser elencados para definir o diagnóstico de DIP, no
entanto, deve-se sempre pensar na disponibilidade técnica, no custo-benefício e nas
condições da paciente para submeter-se ao exame.
Nessas variáveis, a ultrassonografia, seja ela abdominal ou transvaginal, ganha
importante destaque, tanto pela acurácia como pelo custo. Com ela, determinam-se
massas pélvicas, visualizam-se e dimensionam-se os órgãos genitais internos, bem como
identificam-se alterações nos mesmos e avalia-se a presença de líquido na cavidade
abdominal.
No caso em questão, apesar da paciente já apresentar uma clínica bem característica
da DIP, a ultrassonografia corroborou para identificar a presença de líquido livre na
cavidade, associada a um abscesso > 10 cm, já sendo indicação de abordagem cirúrgica.
Conclui-se, portanto, após a apreciação desse caso clínico ilustrativo, a importância de
uma avaliação sistemática e pormenorizada de qualquer patologia. Lembrando-se sempre
que existe uma sequência racional no interrogatório e na avaliação física das pacientes.
Isso garantirá mais acertos nos diagnósticos e o uso mais racional dos exames
complementares.

CASO CLÍNICO 3

ANAMNESE
Identificação: F.M.T.S, 36 anos de idade, branca, casada há 8 anos, professora, católica,
natural de Sobral (CE).
Queixa Principal: Dor pélvica de forte intensidade há 4 anos.
História da Moléstia Atual: Paciente relata quadro de dor pélvica em cólicas,
intermitente, de moderada intensidade, que piora no período menstrual, iniciada desde a
menarca, mas com piora há cerca de 4 anos, o que a faz procurar a emergência diversas
vezes, apesar do uso de anti-inflamatórios não esteroides (AINE) como naproxeno ou
cetoprofeno com melhora parcial do quadro. Relaciona a piora da dor ao período de dois ou
três dias antes do período menstrual, de caráter progressivo, apesar de queixar-se em
outros períodos do ciclo, que a faz ter limitações na qualidade de vida, perda de dias de
trabalho e ansiedade. Apresenta quadro de constipação e tenesmo durante o período
menstrual, além de dispareunia de profundidade, que a faz evitar relações sexuais.
Procurou diversos médicos nesse período, sendo orientada com o uso de sintomáticos,
tranquilizada quanto ao caráter benigno das dores e encaminhada para acompanhamento
psicológico devido à desproporção entre as queixas e os achados nos exames solicitados.
Fez uso de anticoncepcional combinado oral durante dois anos, tendo melhora parcial dos
sintomas, porém suspendeu seu uso há dois anos por desejo de gestação. Devido ao
insucesso na tentativa de engravidar, foi encaminhada ao ginecologista para investigação
de infertilidade.
Antecedentes ginecológicos:

• Menstruais: Menarca aos 09 anos de idade, ciclo menstrual curto, com fluxo
aumentado, associado à dismenorreia (dor pélvica durante o período menstrual)
progressiva

• Sexuais: Sexarca aos 17 anos de idade, dois parceiros sexuais, vida sexual ativa,
porém com frequência reduzida devido à dispareunia de profundidade (dor no
fundo da vagina durante o ato sexual) nos últimos anos, que a faz evitar relações
sexuais. Fez uso de anticoncepcional oral combinado prescrito na Unidade Básica
de Saúde durante dois anos, porém suspendeu seu uso também há cerca de dois
anos pelo desejo de gestação. Nega uso de outros contraceptivos

• Exames: citologia oncótica e ultrassonografia transvaginal (realizados há menos


de um ano por investigação na atenção básica de dispareunia) normais.
Antecedentes Obstétricos: Nulípara (G0P0A0).
Antecedentes Pessoais: Nega doenças, cirurgias ou traumas prévios. Imunizações
atualizadas. Usa paroxetina (antidepressivo inibidor da recaptação da serotonina) há dois
anos por quadro ansioso relacionado a dor pélvica e frustação em virtude do desejo de
engravidar. Relata constipação e tenesmo durante período menstrual.
História Familiar: Pais hipertensos. Informa que mãe tinha as mesmas queixas durante
o menacme (período fértil entre a primeira e a última menstruação). Desconhece outras
patologias na família.
Hábitos de Vida: Nega etilismo, tabagismo e uso de drogas ilícitas. Sedentária.
Exame físico:

• Ectoscopia: Estado geral regular, hipocorada (+/4+), eupneica, hidratada, afebril


• Sinais Vitais: Pressão arterial (PA) – 110 × 70 mmHg, frequência cardíaca (FC) –
88 irpm, frequência respiratória (FR) – 14 irpm, SPO2 95% em ar ambiente

• Exame Físico Especial:


• Mamas: Sem alterações
• Abdome:
Inspeção: Plano, ausência de cicatriz, abaulamento ou circulação colateral;
Palpação: Dor à palpação profunda em região de hipogástrio, sem sinais
peritonite;
• Exame Genital: Realizado em posição ginecológica (litotomia); a paciente fica em
decúbito dorsal, com as nádegas na borda da mesa, as pernas fletidas sobre as
coxas e estas sobre o abdome, apoiando os pés sobre a mesa. Antes do início, o
examinador deve explicar cada passo do exame e sanar possíveis dúvidas

• Órgãos Genitais Externos:


• Inspeção estática da vulva: Sem alterações de trofismo e pilificação. Simetria
entre pequenos e grandes lábios. Clitóris, meato uretral, hímen, fúrcula vulvar e
glândulas de Skene e de Bartholin visualizadas sob tração suave

• Inspeção dinâmica da vulva: Sem evidências de prolapsos ou perda urinária à


manobra de Valsava

• Órgão Genital Interno:


Exame especular: lesões azuladas observadas em fórnice posterior da
vagina;
Toque Vaginal: Presença de nódulo palpável em região de septo retovaginal;
Toque Bimanual: Útero retrovertido, fixo, sensível ao toque em fundo de saco
posterior.

EXAMES COMPLEMENTARES
Ultrassonografia com preparo intestinal para mapeamento de endometriose: lesão
sugestiva de foco de endometriose em fórnice vaginal de 2 cm, ligamentos uterossacros
espessados bilateralmente, lesão única de menos de 2 cm em parede de reto com invasão
de camada muscular a 12 cm da borda anal.
Hemograma: ver Tabela 6.

Tabela 6. Hemograma.

VALORES VALORES DE
ERITROGRAMA
ENCONTRADOS REFERÊNCIA

Hemácias 5,89 milhões/mm³ 4,5 a 5,9 milhões/mm³

Hemoglobina 13,96 g/dL 12,0 a 17,5 g/dL

Hematócrito 41,20% 38% a 57%

VCM 79,41 fl 78 a 100 fl


HCM 29,43 pg 25 a 37 pg

CHCM 33,74 g/dL 31 a 37g/dL

RDW 14,8% 10 a 15%

CA125: 65 UI/mL (referência até 35 U/mL)


Sumário de Urina: Sem alterações.
Diagnóstico: Endometriose Profunda.

DISCUSSÃO
A endometriose é uma patologia ginecológica benigna que consiste na presença de
tecido endometrial (glândulas endometriais e estroma) fora de sua localização habitual no
endométrio, induzindo uma reação de inflamação crônica. A incidência dessa doença vai de
10 a 15% em mulheres em fase fértil, podendo chegar a 70% e 48% em pacientes com dor
pélvica crônica e infertilidade, respectivamente. Os números da endometriose podem ser
subestimados, pois a maioria das pacientes são assintomáticas, podendo corresponder a
um problema de saúde pública ainda maior. Dependendo do local dos implantes
endometriais, três tipos clínico-patológicos de endometriose podem ser distinguidos:
endometriose peritoneal superficial, endometriose de ovário (lesões císticas denominadas
endometriomas) e endometriose profunda.
O diagnóstico de endometriose é cirúrgico e histopatológico, porém a suspeita e o
diagnóstico clínico são importantes para a diminuição do tempo entre o início dos
sintomas e o diagnóstico, contribuindo para uma melhor qualidade de vida dessas
pacientes. Os principais fatores associados a esta doença são dor pélvica crônica,
infertilidade e presença de massa pélvica em mulheres durante a vida reprodutiva, de forma
isolada ou associada. O diagnóstico muitas vezes é difícil, devendo-se excluir outras
patologias que cursam com quadro clínico semelhante, como síndrome do intestino
irritável, DIP, aderências, neoplasias e outras doenças.
Confirmado o diagnóstico de endometriose, existem duas possibilidades de tratamento:
clínico e cirúrgico. Porém, a escolha entre essas duas opções é complexa e controversa,
visto a heterogeneidade das condições clínicas, idade, condição hormonal, bem como seu
desejo ou não de engravidar, decorrentes da enorme associação entre esta doença e
infertilidade. A eficácia do tratamento pode ser mensurada por avaliação da melhora da dor,
qualidade de vida e taxas de fertilidade.

História Clínica
No caso em questão, a paciente está em idade fértil e queixa-se de dor pélvica crônica,
muito comum em emergências e muitas vezes subestimadas com prescrições
medicamentosas para os sintomas, sem a devida investigação e melhor conduta. Dor
pélvica crônica é definida como dor pélvica não menstrual ou não cíclica, com duração de
pelo menos seis meses, suficientemente intensa para interferir em atividades habituais e
que necessita de tratamento clínico ou cirúrgico. Pacientes com endometriose costumam
procurar diversos níveis de atenção à saúde sem o diagnóstico, às vezes sendo essa sua
dor associada a possíveis alterações de humor, muito comum em quem precisa conviver
com uma dor crônica e incapacitante. Por esses motivos, através da semiologia
ginecológica, pode-se suspeitar da consição clínica e solicitar os exames adequados para o
diagnóstico e a definição da terapêutica.
Anamnese: Endometriose é uma doença comum em mulheres durante a idade fértil,
devendo-se suspeitar dessa condição em pacientes com dor pélvica crônica nessa faixa
etária. O pico de incidência da endometriose varia entre 30 e 45 anos de idade. Além disso,
as mulheres de raça branca e asiática apresentam maior fator de risco, quando as
comparadas às de outras raças.
História da Moléstia Atual: É importante questionar a paciente sobre seus sintomas,
valorizando as queixas que ela julgar importante. A paciente em questão apresenta dor
pélvica intermitente e progressiva, associada a piora durante o período menstrual, de
intensidade forte o suficiente para limitar sua qualidade de vida e causar isolamento, além
de dispareunia de profundidade, que a faz recusar a atividade sexual, tenesmo (sensação
de desejo de defecar mesmo estando com o reto vazio) e constipação. Com a finalidade de
quantificar esses sintomas, pode-se usar a escala visual de dor. Pacientes com
endometriose normalmente apresentam dor em grau maior que sete na escala visual
analógica.
Indagações sobre a qualidade de vida são importantes, como: se há necessidade de
faltar trabalho ou evento social na vigência da dor, se há necessidade de uso corriqueiro de
medicações analgésicas e necessidade de ir ao pronto-atendimento. Isso é importante para
evitar o atraso diagnóstico e a progressão da doença.
História Ginecológica: Observa-se um maior número de casos de endometriose em
pacientes nulíparas, devendo ser causada pelo maior tempo de exposição estrogênica na
paciente nuligesta, sem a proteção progestacional da gestação. Na avaliação da
esterilidade, estima-se que em 30 a 50% dos casos exista associação à endometriose, sem
no entanto estar estabelecida a causa desta relação. Percebe-se que a endometriose é
mais frequente em pacientes com menarca precoce e com ciclos menstruais curtos.
História Familiar: Uma história familiar positiva está associada à endometriose, mas
não está claro se esta associação pode ser explicada por mecanismos genéticos,
elementos ambientais ou apenas uma maior consciência global. A paciente em questão
relata quadro clínico semelhante ao da sua mãe.

Exame Físico
Em geral, o exame físico da endometriose é muito variável, dependendo basicamente do
local de implantação do tecido endometrial. Na maioria das vezes, o exame pélvico, da
vagina e do colo do útero não apresentam sinais da doença. Preferencialmente, o exame
físico deve ser realizado durante o período menstrual, quando a sensibilidade do exame é
aumentada. Na paciente em questão, podem-se observar ao exame especular lesões
azuladas em região de fórnice posterior da vagina, que podem ser sensíveis e sangrarem à
manipulação do espéculo. Na avaliação da endometriose, o toque bimanual é importante,
pois com ele podem-se perceber alterações que, junto à história clínica, aumentam a
suspeita de endometriose. O útero pode estar retrovertido, fixo, com dor à mobilização do
colo uterino, aumento da sensibilidade, com massas ou nódulos em fórnice posterior e em
região anexial. O toque retal é de extrema importância para avaliar massas ou
acometimento retal, além da melhor definição dos uterossacros. Contudo, deve-se lembrar
que o exame físico pode ser impreciso, principalmente em pacientescom lesões
extragenitais.

Exames complementares
Adicional ao exame físico e à anamnese, pode-se proceder à ultrassonografia com
preparo intestinal para mapeamento de endometriose como exame de eleição no
diagnóstico, devido a seu baixo custo, facilidade de acesso e alta acurácia, apesar de ser
operador-dependente. A ultrassonografia possibilita a detecção de lesões ovarianas,
subperitoneais anteriores (parede da bexiga e inserção dos ligamentos redondos) e
subperitoneais posteriores (ligamento uterossacro, fórnice vaginal, fundo de saco de
Douglas, reto e junção retossigmoide). O diagnóstico da endometriose profunda é variável
conforme os grupos, variando entre sensibilidades de 71 a 97% e especificidades entre 85 e
100% com a ultrassonografia. Para endometriomas, a sensibilidade varia entre 64 e 89% e a
especificidade entre 89 e 100%. Porém, este exame não permite a confirmação de
implantes peritoneais superficiais. O exame também possibilita averiguar aderências,
avaliando dinamicamente tanto a mobilidade quanto a fixação dos órgãos envolvidos.
A videolaparoscopia diagnóstica é capaz de avaliar a região pélvica e possibilita, além
da coleta de material para biópsia confirmatória, o tratamento das lesões existentes.
Porém, a videolaparoscopia é um procedimento invasivo e de alto custo, devendo ser
realizado em ambiente cirúrgico sob anestesia geral. Portanto, existem critérios durante a
abordagem das pacientes com suspeita clínica de endometriose e, apesar de sua alta
sensibilidade e especificidade, não é um exame a ser indicado na abordagem inicial.
Exames como colonoscopia, ressonância magnética de pelve, ultrassonografia endorretal e
urografia excretora devem ser selecionados caso a caso, dependendo do quadro clínico, e
não indicados de rotina.
Quanto a exames laboratoriais, muitos estudos foram realizados para descobrir quais
são úteis no diagnóstico da endometriose, porém sua sensibilidade e especificidade não
são suficientes para usá-los de forma isolada, sendo na maioria das vezes importantes
para exclusão de outras causas de dor pélvica. O marcador sérico mais estudado na
endometriose foi o CA125, uma glicoproteína identificada em vários tecidos na vida adulta,
com endométrio, endocérvice, epitélio das tubas uterinas, pleura e peritônio; dessa forma
não é um marcador exclusivo da endometriose, podendo estar elevado em várias situações
como observado na Tabela 7. Seu uso é mais importante como indicador de progressão de
doença após tratamento do que no diagnóstico.

Tabela 7. Afecções ginecológicas benignas, malignas e doenças sistêmicas que apresentam aumento
do CA125.

AFECÇÕES GINECOLÓGICAS Adenomiose


BENIGNAS
Tumores benignos de ovário

Endometriose

Cistos funcionais benignos de ovário

Leiomiomas

Síndrome de Meigs

Menstruação

Gravidez

DIP

Cirrose hepática

Diabetes

Insuficiência cardíaca congestiva

AFECÇÕES SISTÊMICAS Tuberculose

Derrame pleural

Irradiação prévia

Lúpus eritematoso sistêmico

Derrame pleural

MALIGNIDADE GINECOLÓGICA Câncer de endométrio

Adenocarcinoma de cérvice

DIP: doença inflamatória pélvica. Adaptada de Gullup et al., 1991.


Outros exames laboratoriais podem ser solicitados para avaliação de outras causas de
dor pélvica crônica, como hemograma completo, sumário de urina e cultura vaginal de
prevenção ginecológica.
No caso da endometriose, desde o início das manifestações clínicas até o diagnóstico
geralmente decorrem, em média, sete anos, o que comprova a importância de uma história
clínica detalhada com relevância das queixas clínicas da paciente para se estabelecer um
diagnóstico preciso mais precoce, acarretando menor sofrimento para a vida dessas
pacientes e melhor resposta clínica às terapêuticas estabelecidas.

BIBLIOGRAFIA
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Capítulo 19

Anamnese Neurológica
Autores: Josué da Silva Brito, Nícollas Nunes Rabelo

ANAMNESE
Identificação: Paciente do sexo feminino, 42 anos de idade,
negra, casada, natural de Paracatu (MG), balconista, com ensino
médio completo.
Queixa Principal: Queixa-se de “apagão” e perda de movimento e
sensibilidade.
História da Moléstia Atual: Paciente relata perda transitória da
consciência (PTC) há 5 dias, ocorrida no período noturno, de
maneira súbita, precedida por náuseas e palpitação. Nega vômitos,
tontura, distúrbios visuais e auditivos prévios. Desconhece o que
ocorreu durante o evento. Acompanhante não observou
movimentação incomum e refere que o evento durou 7 minutos.
Após o acontecido, procurou o serviço de Emergência, apresentando
hemiplegia e hemiparesia nos membros superior e inferior do lado
esquerdo. Recebeu tratamento de suporte, sendo realizada
tomografia computadorizada que evidenciou microangiopatia
isquêmica, hipodensidade e apagamento dos sulcos corticais em
região parietal.
Revisão de Sistemas: Nega dispneia, edema, confusão, fadiga,
alterações gastrintestinais e urinárias. Revelou alteração do humor e
incapacidade para realizar funções inerentes a sua profissão desde
o evento.
Antecedentes Pessoais: Paciente relata que crescimento e
desenvolvimento neurológicos se deram de forma adequada à faixa
etária. Nega cirurgias prévias. Há 20 anos foi diagnosticada com
cardiopatia chagásica e hipertensão arterial sistêmica (HAS). Nega
diabetes mellitus, neoplasias, doenças hematológicas e
neurológicas. Aos 38 anos de idade, apresentou acidente vascular
cerebral isquêmico (AVCI), sendo internada por 4 dias, sem sequelas
motoras ou sensitivas. Faz uso de losartana 40 mg (1-0-0), atenolol
25 mg (1-0-0), sinvastatina 40 mg (0-0-1) e ácido acetilsalicílico
(AAS) 100 mg (0-1-0). Nega alergia a medicamentos, alimentos e
agressores ambientais. Está com o cartão vacinal atualizado.
História Familiar: Mãe apresenta HAS há 10 anos. Pai faleceu há
30 anos, aos 55 anos de idade, por causa desconhecida. Era
chagásico.
Suspeita diagnóstica: AVCI.
Conduta: Solicitados angiorressonância magnética do crânio e
eletrocardiograma. Paciente conduzida para cardiologia e
hematologia para avaliação etiológica. Encaminhada para
psicologia, fisioterapia e terapia ocupacional.

QUESTÕES PARA DISCUSSÃO


1. Quais os componentes da anamnese neurológica e qual
a finalidade de cada um?
2. Como caracterizar sintomas e sinais neurológicos?
3. Como deve ser feita a investigação de cefaleias?
4. Quais os elementos devem ser investigados na queixa de
transtorno do sono?

DISCUSSÃO

Anamnese neurológica
A anamnese neurológica é a parte mais importante da consulta,
superando o exame físico e as investigações complementares, visto
que possibilita a coleta de dados epidemiológicos e de informações
sobre a doença e o paciente. A anamnese é composta de
identificação, queixa principal e história da moléstia atual,
interrogatório sintomatológico, antecedentes pessoais e história
familiar3.

Identificação
A identificação do paciente é composta por nome, idade, estado
civil, sexo, cor, etnia, profissão, procedência e escolaridade, fator de
extrema importância que define pontes de corte de exames
neuropsicomotores, como o Miniexame do Estado Mental. Esses
dados caracterizam fatores epidemiológicos relacionados a
moléstias, facilitando a interpretação do quadro.

Queixa Principal e História da Moléstia Atual


A queixa principal é a descrição do principal sintoma ou sinal
referido pelo paciente. A investigação é ampliada na história da
moléstia atual (Tabela 1), que consiste na caracterização detalhada
da queixa, incluindo a descrição de localização, duração, intensidade
do sintoma, frequência, evolução, tipo, fatores desencadeantes,
agravantes e atenuantes e manifestações associadas.
Tabela 1. História da moléstia atual.
ITEM INVESTIGAÇÃO

Localização Região na qual o paciente sente incômodo

Duração Tempo entre a consulta e a data de surgimento da queixa

Intensidade Quantificação do sintoma em escalas

Caracterização dos sintomas e sinais no tempo: (1) intermitentes –,


sintomas que desaparecem e reaparecem; (2) recorrentes – sintomas
Frequência
que desaparecem e reaparecem como nova moléstia; (3) remitentes –
diminuem sem desaparecer

A ordem de aparecimento dos sintomas, a mudança de frequência


Evolução
e/ou de intensidade deles

Tipo Aspecto único ou qualidade da manifestação

Fator desencadeante Fator que provoca o sintoma


Fator agravante Fator que agrava o sintoma

Fator atenuante Fator que melhora o sintoma

Manifestações associadas Outros sinais e sintomas que acompanham a queixa principal

A evolução é um dos quesitos mais importantes na avaliação do


sintoma, podendo ser monofásica, progressiva ou recorrente. Na
evolução monofásica, há piora inicial e posterior estabilização,
sendo comum em acidente vascular cerebral (AVC), ou melhora
inicial. A evolução progressiva consiste na constante piora do
quadro e ocorre tipicamente em tumores e doenças degenerativas.
A evolução recorrente não deixa, normalmente, sinal ou sintoma
após sua ocorrência e inclui epilepsia, ataque isquêmico transitório,
enxaqueca com aura etc. De acordo com o tempo de início, a
moléstia pode ser classificada como hiperaguda, quando a
manifestação iniciou-se em segundos; aguda, quando se iniciou há
alguns minutos; subaguda, quando se iniciou há mais de 72 horas, e
crônica. A Tabela 2 sintetiza as etiologias prováveis de acordo com
o tempo de início.
Tabela 2. Evolução das moléstias neurológicas.

EVOLUÇÃO TEMPO DE INÍCIO ETIOLOGIA PROVÁVEL

AVC
Hiperaguda Segundos
Ataque epiléptico

Síncope vasovagal
Lesões compressivas
Aguda Minutos
Doenças vasculares
Doenças tóxico-metabólicas

Doenças tóxico-metabólicas
Doenças infecciosas ou imunomediadas
Subaguda Mais de 72 horas Neoplasias
Miastenia grave
Hemorragia subdural
Crônica Progressão em meses ou dias Síndrome de Guillain-Barré
Malignidade
Doenças degenerativas
Doenças do neurônio motore

Em neurologia, é mais comum o paciente relatar cefaleia, dor,


parestesia, hipoestesia, paresia, quedas, convulsões, alterações
visuais ou auditivas, alterações da consciência, alterações da
linguagem, vertigens, PTC e alterações cognitivas.

Interrogatório Sintomatológico
Em neurologia, deve incluir a investigação sobre vertigem,
cefaleia, dor, distúrbio sensitivo, distúrbio motor, alteração de
memória, transtorno do sono, alteração de intelecto e distúrbios do
controle esfincteriano.

Antecedentes Pessoais
A investigação de antecedentes pessoais busca elucidar
aspectos funcionais e patológicos do paciente desde o pré-natal até
o momento da consulta. Nesta etapa, deve-se caracterizar a
gestação (duração e intercorrências médicas) e o parto (tipo e
condição ao nascer), o desenvolvimento neuropsicomotor, avaliar a
história de traumas, cirurgias, alergias, infecções e intoxicações,
doenças que podem comprometer o sistema nervoso (como
diabetes mellitus, hipertensão arterial, doença de Chagas, sífilis,
tuberculose, meningite e encefalite), história vacinal, uso abusivo de
álcool e drogas ilícitas, uso de medicação.

História Familiar
Objetiva identificar condições genéticas (como doença de
Huntington, doença de Charcot-Marie-Tooth, atrofia muscular
espinhal infantil e juvenil, ataxia de Friedreich, doença de Wilson,
síndrome de Rett, síndrome do X frágil etc.) e congênitas, e
influências ambientais e socioeconômicas nas manifestações
clínicas. Ela é composta pela indagação de doenças familiares,
condições de moradia, relações familiares e aspectos econômicos
da família do paciente.

Anamneses Especiais
Cefaleia
Responsável por 25% das queixas em neurologia. A investigação
desse sintoma envolve a caracterização de tempo de dor e sua
evolução (definindo os sintomas não só no momento do relato, mas
também no período antecedente), local da dor, se uni ou bilateral,
irradiação, frequência (diária, semanal ou mensal), duração do
ataque, intensidade da dor, fatores que servem de gatilho ou alívio
da dor, sintomas associados (como náuseas e vômitos, fotofobia,
fonofobia), uso de medicações, traumas ou procedimentos recentes
na região. É necessário também se avaliar a ocorrência de mais de
um tipo de dor.
A história auxilia na diferenciação de cefaleias primárias (como a
enxaqueca com ou sem aura, cefaleia em salvas e em tensão) das
secundárias (como dores associadas a traumas, distúrbios
metabólicos, alterações vasculares e ao uso e retirada de
substâncias), para tanto é necessário se atentar a bandeiras
vermelhas (um conjunto de dados epidemiológicos, sinais e
sintomas que servem de alerta para cefaleias secundárias e são
fundamentos para uma investigação por neuroimagem). A Tabela 3
retrata as bandeiras vermelhas e diagnósticos diferenciais.
Tabela 3. Bandeiras vermelhas na cefaleia.
BANDEIRA VERMELHA DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

Cefaleia manifesta em > 50 anos de idade Arterite temporal, lesão em massa

Hemorragia subaracnóidea, lesão em massa,


Início súbito
malformação vascular

Lesão em massa, hematoma subdural, uso abusivo


Intensidade e frequência crescentes
de medicamentos
Sinais de doença sistêmica (febre, rigidez nucal, Meningite, encefalite, doença de Lyme
mialgia ou erupção cutânea)

Malformação vascular, lesão em massa, acidente


Sinais e sintomas neurológicos focais
vascular cerebral

História de neoplasias Neoplasia cerebral ou metástase

Cefaleia posicional Hipotensão ou hipertensão intracraniana

Malformações na fossa posterior e malformação de


Precipitada por espirros, tosse e exercício
Chiari

Lesão em massa, pseudotumor cerebral, meningite,


Papiledema
neoplasia

Patologias de fossa posterior, fossa hipofisária ou


Sintomas autonômicos
dos seios cavernosos, síndrome de Tolosa-Hunt

Imunossupressão Infecção oportunista

Surgimento durante puerpério Pré-eclâmpsia, trombose dos seios cerebrais

Hemorragia intracraniana, hematomas subdural e


Trauma craniano anterior
epidural

Mediante a suspeita de enxaqueca, três perguntas podem auxiliar


na confirmação:

1. A dor de cabeça é recorrente e interfere no trabalho, na


interação familiar ou social?
2. A duração da cefaleia é superior a 4 horas?
3. Houve cefaleias novas ou diferentes nos 6 meses
anteriores?
4. A resposta positiva para as questões 1 e 2 e negativa para
a questão 3 reforça o diagnóstico de enxaqueca.

Perda Transitória de Consciência


A PTC é uma queixa comum em neurologia. O paciente queixa-se
de um “apagão”, “um branco”. O quadro, normalmente, é ocasionado
por síncope e convulsões epilépticas e não epilépticas, sendo, por
isso, necessário ouvir também relato de ao menos uma testemunha.
O episódio de síncope apresenta início rápido, duração curta e
resolução completa espontânea, precedida por tontura, náuseas,
diaforese, palpitação, diminuição da acuidade visual e da audição.
Destaca-se por pouca confusão ou fadiga após o episódio,
diferenciando, dessa forma, do estado pós-ictal da convulsão. A
investigação, portanto, deve ser fundamentada nos sintomas
prévios, como se iniciou, duração do episódio e sintomas
posteriores ao episódio.
Nas convulsões, devem-se investigar pródromos (medo, angústia,
indisposição, cefaleia), fatores sensoriais, tóxicos, metabólicos
precipitantes, aura (sinal ou sintoma que antecipa a ocorrência da
crise), descrição do início ao término da crise (movimentos
apresentados e mudança deles, local de apresentação, duração da
crise, incontinência fecal ou urinária), sintomas pós-ictais (como
cefaleia, vômitos, dores e paralisia), frequência de crises e
medicamentos utilizados.
Achados e referências a língua cortada, estresse emocional
associado à perda consciência, referência de terceiro à
movimentação incomum, a não lembrança do paciente do
acontecido e confusão após PTC são achados sugestivos de
convulsões.
A Tabela 4 sintetiza o que investigar no paciente convulsivo e a
interpretação da anamnese.
Tabela 4. Anamnese no paciente convulsivo.
PERGUNTA COMO INTERPRETAR

Convulsões neonatais – secundárias a insultos


perinatais, associadas a distúrbio metabólico e
malformação congênita
Quantos anos tinha na primeira convulsão?
Convulsões após 70 anos de idade – secundárias a
dano estrutural, como acidente vascular cerebral ou
tumor

Há algum tipo de sensação ou sintoma antes da A aura ocorre na convulsão focal e auxilia na
convulsão? identificação do local da convulsão
Epilepsia do lobo temporal – paciente apresenta déjà
vu e epigastralgia
Epilepsia do lobo parietal – tem como aura a
parestesia
Epilepsia do lobo occipital – cegueira transitória,
distorções visuais

A resposta dessa pergunta indica crise parcial com


O que aconteceu durante a convulsão?
consciência preservada

Sono, desorientação e hemiparesia são alguns dos


O que aconteceu após o episódio?
sintomas após a confusão

Convulsões generalizadas são mais comuns pela


Qual o horário da convulsão?
manhã e ao acordar

Privação de sono, luzes piscando, consumo de álcool,


Há algum fator desencadeante? uso irregular de medicamento, estresse, febre e
exercícios podem ser fatores desencadeantes

Esse é um dos parâmetros para avaliação da resposta


Qual a frequência da crise?
ao tratamento

Qual o período máximo sem convulsões? Qual o Essas questões servem como guia para escolha da
medicamento utilizado no período? medicação

Existe mais de um tipo de convulsão? Define quais as possíveis crises apresentadas

Questão que possibilita definir plano de abordagem de


Houve lesão durante a convulsão?
prevenção a quedas

Qual a frequência de procura ao departamento de Outra questão que permite aferir de forma objetiva o
emergência? sucesso do tratamento

Para o paciente com epilepsia secundária, a história médica e


social apresenta grande importância na investigação da etiologia e
do controle da patologia. É necessário se indagar sobre: alterações
da gestação, parto, dificuldade respiratória ao nascimento, evolução
dos marcos do desenvolvimento, história de convulsões prévias,
infecções do sistema nervoso, história de traumas cranianos,
tumores cerebrais e AVC. Pela história social, que inclui a indagação
do nível educacional, profissional e suas e características, é possível
obter informações relacionadas à capacidade de gerenciamento da
doença. Pacientes com melhor nível educacional apresentam maior
controle. Já trabalhos em construção civil ou que utilizem
equipamentos mecânicos pesados podem oferecer risco ao
paciente.

Vertigem
O paciente que se queixa de vertigem, frequentemente, utiliza o
termo “tontura”, porém esse é um termo impreciso que precisa ser
melhor investigado. Tontura pode significar atordoamento, cefaleia,
confusão mental, visão turva, em suma, um grande número de
sensações subjetivas. A vertigem, sim, consiste na sensação de
movimento do próprio corpo ou do ambiente em volta, com a
sensação de eminente queda. A história da vertigem deve ser
focada em identificar fatores de risco para doenças
tromboembólicas ou vasculares, doenças neurológicas associadas,
história de sintomas semelhantes, sintomas associados (como
auditivos), duração do episódio, fatores associados à lesão central
isquêmica, como hipertensão arterial, diabetes mellitus, idade
avançada e tabagismo. Doenças tromboembólicas e vasculares
estão associadas a vertigens centrais, as quais apresentam duração
maior e não se associam, normalmente a sintomas auditivos.

Transtornos do Sono
Estima-se que apresentam incidência de 25 a 30% em adultos em
geral. A investigação de transtorno do sono deve incluir a
caracterização de todo o sono, o que inclui o horário em que se
deita, tempo que se demora para dormir, duração do sono, presença
de despertares noturnos, tempo que se gasta para se levantar. É
preciso caracterizar o sintoma, investigando seu início, duração,
frequência, fatores de melhora e piora no padrão do sono, impacto
na vigília (sonolência diurna, perturbações do humor,
comprometimento do desempenho escolar ou profissional,
diminuição de atenção, concentração ou memória,
comprometimento de relações interpessoais, alucinações,
movimentos espontâneos), sintomas associados, o que inclui
ortopneia, ronco, apneia, cefaleia matinal, refluxo, noctúria,
cataplexia, congestão nasal, disfunção erétil, dispneia paroxística
noturna, sonambulismo, movimento de pernas, bruxismo,
despertares noturnos (sua duração, precipitantes, frequência), uso
de fitoterápicos e medicamentos para indução do sono,
investigando-se também efeitos de tratamentos anteriores, e
consumo de bebidas energéticas e cafeína. Deve-se também
entrevistar o parceiro do paciente, visto que muitas manifestações
não são percebidas ou recordadas.

PRÁTICAS BASEADAS EM
EVIDÊNCIAS
A anamnese é verdadeiramente útil para o diagnóstico de
doenças?
Em 1975, Hampton et al. demonstraram que a anamnese pode
definir 83% dos diagnósticos em ambulatórios. Após essa avaliação,
houve grande evolução das tecnologias complementares, contudo, a
anamnese continua tendo papel fundamental. Conforme avaliaram
Dijk et al., a acurácia diagnóstica do conjunto de história clínica,
exame físico e eletrencefalograma é superior a 85% para PTC.
Portanto a anamnese persiste como ferramenta essencial para
realização do diagnóstico médico.

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Capítulo 20

Semiologia dos Nervos Cranianos


Autores: Lucas Silvestre Mendes, Flávia de Paiva Santos Rolim

CASO CLÍNICO 1: NERVO OLFATÓTIO


(NERVO CRANIANO I)

ANAMNESE
Identificação: Paciente do sexo masculino, 45 anos de idade,
motorista.
Queixa Principal: “Dificuldade para sentir cheiro e sabor”.
História da Moléstia Atual: O paciente sofreu um acidente
automobilístico grave há aproximadamente 30 dias. Relata que
estava utilizando cinto de segurança e no momento do acidente
perdeu a consciência. Ficou internado por poucos dias sob
observação clínica, não sendo necessário nenhum tipo de tratamento
cirúrgico. Queixa-se de perda do olfato e do paladar progressiva
desde então.
HPP: Previamente hígido. Nega comorbidades e uso de
substâncias ilícitas.

EXAME FÍSICO
Geral: nenhuma informação significativa.
Exame Neurológico: Observa-se anosmia nas duas narinas. O
paciente não conseguiu identificar o odor de café e de canela em pó.
O restante do exame neurológico estava completamente normal,
inclusive as funções mentais superiores.
Suspeita: Anosmia desencadeada após traumatismo
cranioencefálico (TCE) por lesão dos nervos olfatórios na lâmina
cribiforme.
Conduta: Solicitada tomografia computadorizada (TC) do crânio
para descartar outras lesões traumáticas associadas ao TCE, como
fraturas ou hematomas.

EXAMES COMPLEMENTARES
TC do crânio sem alterações.

QUESTÕES PARA DISCUSSÃO


1. Qual a forma correta para se realizar o teste do nervo
olfatório?
2. Por que o paciente do caso clínico também queixava-se
de perda do paladar?
3. É muito importante testar o nervo olfatório na prática
clínica diária?

DISCUSSÃO
O teste do nervo olfatório deve ser feito em uma narina de cada
vez, com o paciente de olhos fechados (Figura 1).
Figura 1. Teste do nervo olfatório.
Fonte: https://site.medicina.ufmg.br/neuroexame/imagePage.php?
imageLocation=/images/.

O examinador deve aproximar alguma substância com odor


característico como café ou canela em pó (Figura 2) e pedir ao
paciente que identifique a substância em questão.
Na beira do leito, além de café ou canela, pode ser utilizado, por
exemplo, creme dental ou enxaguante bucal.
Não devem ser utilizadas substâncias irritativas para a mucosa
nasal, pois dessa forma o nervo trigêmeo seria testado (responsável
pela sensibilidade da mucosa nasal) em vez do olfatório.
Figura 2. Café em pó para teste olfatório.

Fonte: arquivo próprio.

Os pacientes com anosmia verdadeira também queixam-se de


perda do paladar, já que grande parte do que é interpretado como
paladar conta com a participação do olfato. Em alguns casos, essa
perda do paladar é a queixa principal desses pacientes.
O nervo olfatório é um dos nervos cranianos menos testados na
prática diária do neurologista. Usualmente deve ser testado somente
em casos direcionados como o exposto.
É válido lembrar que a anosmia costuma ser um sintoma precoce
em pacientes portadores de doença de Parkinson idiopática.
Portanto, pode ser um dado a mais que ajuda a diferenciar doença de
Parkinson idiopática das outras causas de parkinsonismo, como
paralisia supranuclear progressiva ou atrofia de múltiplos sistemas.

CASO CLÍNICO 2: NERVO ÓPTICO


(NERVO CRANIANO II)

ANAMNESE
Identificação: Paciente do sexo feminino, 45 anos de idade,
empresária.
Queixa Principal: “Mancha no olho direito”.
História da Moléstia Atual: A paciente é sabidamente portadora
de esclerose múltipla em tratamento regular com medicação de uso
contínuo, porém refere que há 3 dias apresenta mancha e
borramento visual no olho direito, associados a dor retro-ocular
ipsolateral. Relata ainda que essa dor atrás do olho direito piora,
quando mexe ou fecha as pálpebras com força.
HPP: Portadora de esclerose múltipla desde os 35 anos de idade.
Medicação: utiliza apenas dimetilfumarato para tratar a doença
neurológica.

EXAME FÍSICO
Geral: nenhuma informação significativa.
Exame Neurológico: Acuidade visual – 20/20 em olho esquerdo
(OE) e 20/70 em olho direito (OD); pupilas isocóricas e fotorreagentes
(PIFR), porém observa-se um defeito pupilar aferente relativo (DPAR)
em OD (Vídeo 1 e Figura 3). Campimetria visual de confrontação:
resultado sem informação significativa. O restante do exame
neurológico estava normal.
Vídeo 1. Defeito pupilar aferente relativo apresentado pela paciente do caso.

Fonte: arquivo próprio. Link: https://youtu.be/k6vrwycATqY

Figura 3. Papilite causada por neurite óptica à direita. Papila normal à


esquerda. Fundo de olho: Borramento do contorno da papila do nervo óptico
à direita.
Fonte: arquivo próprio.

Suspeita: Neurite óptica à direita por esclerose múltipla.


Conduta: Solicitada ressonância magnética (RM) de encéfalo e
órbitas para confirmar o surgimento de novas lesões no sistema
nervoso central (SNC).
Prescreveu-se pulsoterapia com metilprednisolona 1 g
intravenosa por 5 dias como tratamento da neurite.

EXAMES COMPLEMENTARES
RM do encéfalo demonstrou nova lesão inflamatória em nervo
óptico direito, confirmando a hipótese de neurite óptica, além de
revelar outras lesões desmielinizantes em SNC compatível com
esclerose múltipla.

QUESTÕES PARA DISCUSSÃO


1. Como realizar anamnese de um paciente com perda de
acuidade visual?
2. Por que o paciente do caso clínico queixava-se de dor à
movimentação ocular?
3. Como se realiza o exame do nervo óptico?
4. Qual a relevância de testar o DPAR?

DISCUSSÃO
Na anamnese de um paciente com queixa de perda visual ou
suspeita de neurite óptica, deve-se sempre caracterizar a forma de
apresentação do sintoma e arguir se há dor associada.
O sintoma visual normalmente pode se iniciar de forma súbita,
aguda ou progressiva.
Na forma súbita, o paciente relata o que estava fazendo, quando
ocorreu o evento, ou queixa-se de que já acordara com o déficit.
Quadros súbitos normalmente sugerem patologias vasculares,
sendo, neste caso, a neuropatia óptica isquêmica aguda (NOIA) a
forma mais comum. Ocorre isquemia na papila do nervo óptico e por
isso há queixa de perda visual abrupta. A NOIA não arterítica
(relacionada a idade, hipertensão arterial sistêmica [HAS] ou diabetes
mellitus [DM]) habitualmente cursa sem dor, e a forma arterítica
(relacionada principalmente à arterite de células gigantes) causa
bastante dor associada ao quadro visual.
No caso dessa paciente, os sintomas evoluíram ao longo de 3
dias, ou seja, há um quadro de redução de acuidade visual com
apresentação aguda (não deve ser NOIA).
É importante pontuar que o sintoma de dor ao movimentar os
olhos sugere bastante o diagnóstico de neurite óptica. Muitas vezes,
o paciente não relata isso espontaneamente, portanto, o médico deve
sempre perguntar ativamente durante a anamnese. Em alguns casos,
pode haver inclusive dor à compressão do globo ocular.
Ao movimentar os olhos naturalmente ocorre tração do nervo
óptico, porém, no caso dessa paciente, há uma lesão inflamatória, o
que causa a dor característica.
O exame do nervo óptico pode ser subdividido em quatro partes:

• Pupilas: deve-se primeiramente observar se as pupilas do


paciente são isocóricas (do mesmo tamanho) ou
anisocóricas (pupilas de tamanho diferente).
Figura 4. Exemplo de anisocoria.

Fonte: Pashaei-Marandiet al., 2019.

Ainda no exame das pupilas, deve-se testar o reflexo fotomotor.


Quando coloca-se fonte luminosa (lanterna) em um olho, ocorre
miose deste lado (fotomotor direto) e também ocorre miose
simultânea do outro olho não iluminado (fotomotor consensual).
Trata-se de um arco reflexo em que a aferência (luz) é realizada pelo
nervo óptico e a eferência (contração pupilar) é pelo nervo
oculomotor.
Por último, no exame das pupilas, realiza-se o teste do estímulo
luminoso alternante (Swinging flashlight test). Trata-se de um teste
rápido, simples de ser realizado à beira do leito e extremamente
importante nos quadros de perda visual aguda. Quando alterado, este
teste ajuda bastante a topografar o acometimento no nervo óptico.
Raramente outras doenças fora do nervo óptico alteram esse exame.
O examinador deve realizar estímulo luminoso alternado de um
olho ao outro. No olho normal, ao ser iluminado, ocorre contração
pupilar completa bilateral. Ao iluminar o olho doente (lesão do nervo
óptico), ocorre leve dilatação pupilar bilateral – DPAR ou pupila de
Marcus-Gunn – isso ocorre pois ao incidir a luz no olho doente
somente parte da aferência luminosa chega ao SNC (Figura 5)
Figura 5. Esquema ilustrativo do estímulo luminoso alternante demonstrando
o defeito pupilar aferente relativo.
Fonte: Broadway, 2012.
• Acuidade visual: no exame neurológico deve-se testar a
acuidade visual de um olho por vez, sempre com a melhor
correção (paciente usando seus óculos).

• O cartão de Rosembaum costuma ser o mais utilizado pelos


neurologistas para esta finalidade por ser portátil (pocket) e
prático (Figura 6)
Figura 6. Cartão de Rosembaum para testar acuidade visual.
Fonte: arquivo próprio.

Solicita-se ao paciente que segure o cartão com as próprias mãos


na distância aproximada de um braço semiestendido (36 cm) e,
então, faça a leitura em voz alta dos números maiores (de cima) aos
números menores (de baixo).
A última linha que conseguir ler corretamente representa a
acuidade visual correta do indivíduo, no caso representada por uma
fração ao lado da linha (20/70 na paciente do caso, que leu até a
linha do 8-7-4-5)

• Campimetria de confrontação: deve ser realizada de frente


para o paciente, a uma distância mínima de um braço
estendido, testando-se um olho de cada vez. Durante o
exame, deve-se ter em mente os quatro quadrantes da visão:
temporal superior, temporal inferior, nasal superior e nasal
inferior (Figura 7)
Figura 7. Divisão dos quadrantes no teste da campimetria.
Fonte: Corbett, 2002.

Ao testar o olho direito, por exemplo, solicita-se ao paciente que


oclua seu olho esquerdo, enquanto o examinador oclui o próprio olho
direito (Figura 8).
Figura 8. Campimetria de confrontação.
Fonte: Rucker et al., 2011.

Devemos ordenar que o paciente mantenha o olhar fixo na ponta


do nariz do examinador (o objetivo é testar a visão periférica).
Testa-se, então, em cada quadrante se o paciente está vendo
corretamente os dedos do examinador. Dessa forma, pode-se flagrar
se existe algum defeito de campo visual. Quando alterado, na neurite
óptica habitualmente encontra-se um padrão de defeito no centro do
campo visual (escotoma central)

• Fundo de olho: é o exame em que se visualizam as


estruturas do fundo de olho, dando atenção ao nervo óptico,
os vasos retinianos, e a retina propriamente dita,
especialmente sua região central denominada mácula.
CASO CLÍNICO 3: NERVO TROCLEAR
(NERVO CRANIANO IV)

ANAMNESE
Identificação: Paciente do sexo masculino, 65 anos de idade,
aposentado.
Queixa Principal: “Visão dupla”.
História da Moléstia Atual: O paciente relata que há 2 dias
acordou pela manhã e percebeu que estava enxergando dobrado. As
imagens sobrepunham-se na vertical e o quadro melhorava
completamente, quando ocluía um olho (diplopia binocular).
Apresentava dificuldade para ler (tinha que fechar um dos olhos),
pois as letras do livro estavam desalinhadas. Nega outros sintomas
neurológicos como desequilíbrio ou alteração da fala.
HPP: Previamente hipertenso e diabético. Nega uso de
substâncias ilícitas.

EXAME FÍSICO
Geral: não há informação significativa.
Exame Neurológico: Pupilas isocóricas e fotoreagentes. Observa-
se discreto estrabismo vertical durante a inspeção (Figura 9).
Motricidade ocular extrínseca (MOE) aparentemente normal. Teste
da cobertura ocular alternada – confirmada hipertropia em OE (Vídeo
2).
Figura 9. Estrabismo vertical ao olhar primário.
Fonte: arquivo próprio.

Vídeo 2. Teste da cobertura ocular alternada evidenciando hipertropia


(desvio para cima) em OE.
Fonte: arquivo próprio. Link: https://youtu.be/LdBtehC28EY
Piora do estrabismo/diplopia ao olhar para direita e melhora ao
olhar para esquerda (Figuras 10 e 11).
Figura 10. Observa-se piora do estrabismo ao olhar para direita.

Fonte: arquivo próprio.

Piora do estrabismo/diplopia ao inclinar lateralmente a cabeça


para esquerda (Bielschowsky positivo) e melhora ao inclinar a cabeça
para direita (Figuras 12 e 13) .
Figura 11. Melhora do estrabismo ao olhar para esquerda.

Fonte: arquivo próprio.

Figura 12. Piora do estrabismo e da visão dupla ao inclinar cabeça para o


lado da lesão (esquerda).
Fonte: arquivo próprio.

Figura 13. Melhora do estrabismo e da diplopia ao inclinar a cabeça para


direita.

Fonte: arquivo próprio.

O restante do exame neurológico estava completamente normal,


inclusive as funções mentais superiores.
Suspeita: Mononeuropatia craniana (nervo troclear) em virtude de
doença microvascular (isquemia de vasa nervorum).
Conduta: Solicitada RM do encefálo com gadolínio para descartar
lesões de tronco cerebral e neoplasias do SNC.

EXAMES COMPLEMENTARES
RM do encéfalo sem alterações.
QUESTÕES PARA DISCUSSÃO
1. O que deve ser questionado na anamnese de um paciente
com diplopia?
2. Como realizar o exame neurológico direcionado nesse
contexto?
3. Em quadro de diplopia vertical, como diferenciar lesão
central de lesão periférica?
4. Quais as principais causas de diplopia/estrabismo
vertical?

DISCUSSÃO
A diplopia pode ser ocasionada por doenças neurológicas
(maioria) ou oftalmológicas.
Dentre as causas neurológicas, há as lesões centrais ou
periféricas.
Centrais (lesões de núcleos ou vias): acidente vascular cerebral
(AVC) de tronco encefálico, placas desmielinizantes, cavernomas,
neoplasias de SNC.
Periféricas (afecções de MOE ou lesões de nervos III, IV ou VI):
doença ocular tireoidiana, pseudotumor orbitário, mononeuropatia
microvascular, lesões traumáticas.
O primeiro passo na anamnese desses casos é determinar se a
diplopia é monocular ou binocular. Se a visão dupla melhorar ao
ocluir um dos olhos (binocular), há causas neurológicas; se a visão
dupla continuar ao ocluir um olho (monocular), causas
oftalmológicas.
O segundo passo seria observar se as imagens sobrepõem-se na
horizontal ou vertical:

• Diplopia horizontal: músculos reto medial (nnervo


oculomotor) ou reto lateral (nervo abducente)
• Diplopia vertical: músculos oblíquo superior (nervo troclear)
ou reto superior/reto inferior/oblíquo inferior (nervo
oculomotor).
Obviamente também deve-se questionar nesses casos se o
indivíduo apresentou algum outro sintoma neurológico relacionado
ao tronco encefálico como, por exemplo, desequilíbrio, tontura,
disartria, paralisia facial, parestesias ou dormências. Se existir algum
desses sintomas associado ao quadro, há maior chance de se tratar
de patologia central.
Ainda na anamnese pode ser válido perguntar ao paciente em que
situação ocorre piora ou melhora da diplopia:

• Na lesão de nervo abducente: ocorre piora ao olhar para


longe (dificuldade para divergir)

• Na lesão de nervo oculomotor: ocorre piora ao olhar para


perto (ler livro, por exemplo)

• Na lesão de nervo troclear: ocorre piora ao entortar a


cabeça para o lado da lesão (head tilt)

• No skew deviation (estrabismo vertical por lesão central):


melhora ao decúbito dorsal.
No exame físico, há dados adicionais que podem ajudam a
topografar se a lesão é central ou periférica.
No primeiro passo do exame, durante a inspeção, observar se há
algum desalinhamento ocular horizontal ou vertical (estrabismo).
Em seguida, realiza-se o teste da motricidade ocular extrínseca:
pede-se ao paciente que, com a cabeça parada, siga o dedo do
examinador apenas com o olhar ao longo das nove posições básicas.
Por último, pode-se confirmar a alteração através do teste da
cobertura ocular alternada (cover eye test) (Figura 14).
Alternadamente oclui-se um dos olhos e observa-se se o outro (não
ocluído) realiza alguma sácade corretiva.
Figura 14. Teste da cobertura ocular alternada.
Fonte: arquivo próprio.

Devem-se seguir os três passos de Parks-Bielschowsky somente


se houver conclusão de que se trata de diplopia/estrabismo vertical.
Eles servem para diferenciar se o quadro em questão é por uma
paralisia de nervo troclear ou por lesão de sistema nervoso central
(skew deviation). São eles:
• Primeiro passo: determinar qual é o olho hipertrópico
utilizando-se o cover eye test em casos difíceis (a paralisia
do nervo troclear faz o olho desviar para cima comparado ao
outro) (Figura 15)
Figura 15. Olho esquerdo hipertrópico por lesão de IV nervo craniano
ipsolateral..

Fonte: Rucker et al., 2011.

Segundo passo: pedir ao paciente que olhar para os lados e


observar qual lado melhora e qual lado piora (melhorar o olhar para o
mesmo lado da lesão sugere causa periférica – nervo troclear)
(Figura 16)
Figura 16. Paralisia de nervo troclear à esquerda.

Fonte: Morillon et al., 2017.

Terceiro passo: o paciente deve inclinar a cabeça para um lado de


cada vez e observar piora/melhora (piora da visão dupla ao inclinar a
cabeça para o mesmo lado da lesão sugere doença do troclear)
(Figura 17).
Figura 17. Paciente com lesão de nervo troclear à direita: observa-se piora ao
inclinar a cabeça para direita e melhora ao inclinar para esquerda
(Bielschowsky positivo).

Fonte: Gräf et al., 2005.

As principais causas de paralisia do quarto nervo craniano são:

• Trauma: é o nervo mais longo e fino, originando-se por trás


do tronco encefálico, portanto, bastante suscetível a lesões
traumáticas

• Doença microvascular do nervo: apresenta-se subitamente,


em pacientes de mais idade, hipertensos, diabéticos ou
tabagistas

• Causa congênita: manifesta habitualmente em crianças,


muitas vezes com inclinação do segmento cefálico (head
tilt)

• Neoplasias: causas mais raras que podem ter evolução


mais arrastada.
As lesões de tronco encefálico também podem cursar com
estrabismo/diplopia vertical, conhecido como skew deviation, porém
não obedecem às regras dos três passos de Parks-Bielschowsky.
Nesses casos, é mandatório realizar RM do encéfalo para excluir, por
exemplo, AVC ou doença desmielinizante.
Portanto, no caso desse paciente muito provavelmente tratava-se
de lesão do nervo troclear esquerdo por doença microvascular
(isquemia de vasa nervorum).
CASO CLÍNICO 4: NERVO TRIGÊMEO
(NERVO CRANIANO V)

ANAMNESE
Identificação: Paciente do sexo feminino, 25 anos de idade,
caucasiana, estudante universitária.
Queixa Principal: “Dormência no rosto”.
História da Moléstia Atual: A paciente relata que há
aproximadamente 3 dias vem percebendo dormência no lado
esquerdo do rosto. Sente que a sensação é mais perceptível em
região perioral ipsolateral, tendendo a poupar a testa. Procurou
atendimento médico hoje, porque o quadro não está melhorando; na
verdade a sensação de dormência intensificou-se. Atualmente nega
qualquer outro sintoma neurológico associado.
Informou ainda que há 6 meses apresentou formigamento em
membro superior direito que durou ininterruptamente por 05 dias.
Procurou ortopedista na época, porém evoluiu com melhora
espontânea.
HPP: Previamente hígida. Refere tabagismo e etilismo social.
Interrogatório por Órgão e Aparelhos: Ao ser questionada sobre
sintomas esfincterianos, lembrou-se de que há aproximadamente 01
ano teve quadro autolimitado de urgência urinária que melhorou ao
longo de uma semana.

EXAME FÍSICO
Exame neurológico: Sensibilidade tátil preservada em face.
Hipoestesia dolorosa em hemiface esquerda percebida ao exame
físico, principalmente em região perioral. Trofismo e força do
masseter parecia preservada bilateralmente. O restante do exame
neurológico estava completamente normal.
Suspeita: Lesão de núcleo do nervo trigêmeo em região de
hemiponte esquerda. Pelo histórico de outros sintomas neurológicos
prévios em diversas topografias, pode-se suspeitar de esclerose
múltipla.
Conduta: Solicitada RM do encéfalo para confirmar se há lesão
pontina recente e ou lesões desmielinizantes em outras topografias.

EXAMES COMPLEMENTARES
RM do encéfalo com achados compatíveis com doença
desmielinizante, incluindo uma pequena lesão em hemiponte
esquerda com discreto realce ao contraste (gadolínio) (Figuras 18 e
19).

Figura 18. Ressonância magnética do encéfalo na sequência FLAIR


demonstra pequenas lesões em substância branca periventricular com
distribuição perivenular (perpendicular ao corpo caloso) compatíveis com
esclerose múltipla.

Fonte: arquivo próprio.

Figura 19 Ressonância magnética do encéfalo na sequência T2


demonstrando a pequena lesão em hemiponte esquerda responsável pelo
sintoma de dormência perioral à esquerda apresentada pela paciente.
Fonte: Arquivo próprio.

QUESTÕES PARA DISCUSSÃO


1. Quais informações importantes devem ser perguntadas
ao paciente com queixa de dormência no rosto?
2. Como deve ser realizado o exame físico nesse contexto?
3. Como diferenciar lesão central de periférica em casos de
dormência na face?

DISCUSSÃO
No exame do nervo trigêmeo, testa-se a sensibilidade tátil e a
sensibilidade dolorosa da face e de parte do couro cabeludo:

• Tato: usar algodão para esfregar a pele por exemplo


• Dor: usar algo pontiagudo – pode-se inclusive quebrar um
abaixador de língua ao meio e utilizar as farpas para espetar.
O examinador deve testar em si mesmo antes de examinar o
paciente (o objeto utilizado deve espetar mesmo – caso
contrário você estaria testando o tato).
Realiza-se o exame na face do paciente, habitualmente
comparando um lado ao outro e testando as três subdivisões
periféricas do nervo trigêmeo (figura 21):

• Ramo oftálmico (V1): região da ponta do nariz, órbita e testa


até o terço anterior do couro cabeludo

• Ramo maxilar (V2): região da maxila (entre os ramos


oftálmico e mandibular)

• Ramo mandibular (V3): região da mandíbula com tendência


a poupar seu ângulo.
Nas lesões periféricas, pode-se flagrar o acometimento dos
territórios V1, V2 ou V3 como, por exemplo, em alguns casos de
herpes-zóster (Figura 20).
Figura 20. Zóster oftálmico demonstrando território de V1 (observe o
envolvimento da porção anterior do couro cabeludo).
Fonte: Campbell et al., 2005.

Entretanto nas lesões centrais envolvendo o núcleo do nervo


trigêmeo, pode-se observar um padrão clínico diferente, descrito
como acometimento em camadas ou casca de cebola.
Isso ocorre pois existe uma distribuição somatotópica no núcleo,
onde a porção mais rostral (pontina) corresponde à sensibilidade
perioral e a porção mais caudal (bulbar) corresponde à sensibilidade
da periferia da face.
Portanto, nas lesões da porção pontina (mais alta – como na
esclerose múltipla) do núcleo, observa-se dormência ipsolateral em
região perioral, e nas lesões da porção bulbar (mais baixa – como na
siringomielia/siringobulbia), observa-se dormência em região
periférica da face (padrão em balaclava) (figura 22).
Figura 21. Na letra A, observam-se as subdivisões periféricas do nervo
trigêmeo em três grandes ramos. Na letra B, podem-se evidenciar os padrões
de acometimento central (lesões do núcleo) do trigêmeo manifestando-se
com o padrão clássico em camadas.
Fonte: Campbell et al., 2005.

Figura 22. Representação esquemática do núcleo do nervo trigêmeo e seu


trajeto no sistema nervoso central. Observe que se trata de um núcleo afilado
e comprido que percorre em altura praticamente toda a ponte e o bulbo.
Fonte: Campbell et al., 2005.

Na anamnese/no exame físico, é muito importante determinar se


a dormência envolve também a porção anterior do couro cabeludo ou
se simplesmente afeta a testa até o limite do início do couro
cabeludo. Na primeira situação, apresenta-se uma doença
orgânica/neurológica; na segunda situação, é mais provável se estar
diante de uma doença não orgânica, como transtorno conversivo ou
somatoforme.
Outra informação relevante é determinar se o acometimento
sensitivo de V3 poupa o ângulo da mandíbula. Nesse cenário, o mais
provável é que se trate de uma doença orgânica neurológica, e nos
casos contrários (acometimento sensitivo envolvendo o ângulo
mandibular), doença não orgânica.
CASO CLÍNICO 5: NERVO FACIAL
(NERVO CRANIANO VII)

ANAMNESE
Identificação: Paciente do sexo feminino, 30 anos de idade,
médica.
Queixa Principal: “Boca torta”.
História da Moléstia Atual: Relata que desde ontem vem
percebendo que a boca está ficando torta, porém hoje o quadro
intensificou-se. Notou que o lado esquerdo do rosto está nitidamente
mais fraco, inclusive para fechar os olhos. Nega alteração do paladar
e outros sintomas neurológicos.
HPP: Previamente hígida. Utiliza apenas anticoncepcional oral.
Nega uso de substâncias ilícitas.
Interrogatório por Órgão e Aparelhos: Ao ser questionada
ativamente, lembrou-se de que há aproximadamente 1 mês teve uma
suposta crise de labirintite (sic) com vertigem que durou uma
semana.

EXAME FÍSICO
Geral: Não há informação significativa.
Exame Neurológico: Paralisia facial padrão periférica à esquerda
com lagoftalmo e fenômeno de Bell. Sinais de Bergara-Wartenberg e
do platisma de Babinski presentes. Restante do exame neurológico
sem alterações.
Suspeita: Paralisia facial periférica (PFP) de etiologia a esclarecer:
Bell versus causa secundária.
Conduta: Pelo histórico de sintoma neurológico prévio (vertigem
contínua por dias), pode ser lesão de tronco encefálico. Solicitou-se
RM do encéfalo para descartar causas secundárias de paralisia.

EXAMES COMPLEMENTARES
RM do encéfalo demonstrou lesões compatíveis com diagnóstico
de esclerose múltipla, inclusive uma lesão pontina à esquerda em
topografia de trajeto do nervo facial (Figura 23).
Figura 23. Lesão pontina à esquerda justificando a paralisia facial periférica
da paciente.

Fonte: Di Stadio et al., 2020.

QUESTÕES PARA DISCUSSÃO


1. Em pacientes com paralisia facial, o que não pode deixar
de ser questionado?
2. Como realizar o exame físico do nervo facial?
3. Como diferenciar a paralisia facial central da periférica?

DISCUSSÃO
Nesse cenário não se pode esquecer de perguntar ao paciente
três informações:

1. Como foi a forma de apresentação dos sintomas? Em


Pacientes com paralisia facial crônica e progressiva, ou seja,
insidiosa e piorando ao longo de semanas a meses, atenta-
se para a possibilidade de lesão neoplásica compressiva ou
infiltrativa ao longo do trajeto do nervo (p. ex., neoplasia de
parótida)
2. Além da paralisia facial, há algum outro sintoma
neurológico associado? Se houver algum outro sintoma
neurológico atual (p. ex., disartria, vertigem, diplopia), deve-
se suspeitar causas secundárias até que se prove o
contrário. Nesse contexto as principais etiologias são
causas vasculares (AVC) e desmielinizantes (esclerose
múltipla)
3. Existe algum sintoma neurológico prévio no histórico do
paciente? Essencial perguntar ativamente ao paciente se
nos últimos anos houve algum outro sintoma neurológico
que tenha durado pelo menos 24 h. Se sim, deve-se
suspeitar de causas secundárias possíveis e realizar
neuroimagem para excluí-las.
O exame físico deste nervo deve ser realizado testando-se
basicamente a mímica facial.
Primeiramente à inspeção e depois realizando-se manobras.
Deve-se observar se há sinais de fraqueza facial na metade superior
e/ou inferior.
Na paralisia facial central (acima do núcleo do nervo, p. ex., AVC),
normalmente há fraqueza apenas do andar inferior da hemiface
acometida (contralateral à lesão) e o paciente pode queixar-se
apenas de “boca torta”. Na paralisia periférica (acometimento do
núcleo ou do próprio nervo, p. ex., lesão de ponte ou paralisia de Bell),
habitualmente observa-se fraqueza de toda a hemiface ipsolateral à
lesão (andar superior e inferior) (figuras 24 e 25).
Figura 24. Ilustração de paciente com paralisia facial periférica em hemiface
direita. Na imagem à esquerda, em repouso, observa-se na letra “a”
assimetria do frontalis, na letra “b”, apagamento do sulco nasolabial, e na
letra “c”, queda do canto da rima labial. Na imagem à direita, ao tentar
fechar os olhos, observa-se na letra “d” o lagoftalmo (o paciente não
consegue fechar o olho à direita) com o famoso fenômeno de Bell (desvio do
globo ocular para cima).

Fonte: Heckmann et al., 2019.

Solicita-se ao paciente que enrugue a testa, feche os olhos


sutilmente, cerre os olhos com força, sorria, cerre os lábios ou que
encha as bochechas de ar.
Figura 25. Paciente com paralisia facial periférica à direita. A. Em em
repouso, observa-se discreta assimetria no tamanho da fenda palpebral
(direita > esquerda). B. Ao sorriso forçado, há nítida assimetria na rima
labial e no sulco nasolabial (desvio da rima para esquerda). C. Ao fechar os
olhos, as pálpebras à direita não se tocam com a mesma firmeza do olho
esquerdo. D. Ao franzir a testa, observa-se evidente assimetria do frontalis,
além da queda da sobrancelha à direita.

Fonte: Reich, 2017.

Podem-se ainda utilizar algumas manobras em casos mais


duvidosos, como a busca do sinal de Bergara-Wartenberg. Ocorre
perda das vibrações finas palpáveis, quando se apoiam as pontas
dos dedos levemente sobre as pálpebras e o paciente tenta fechar os
olhos com a maior força possível, indicando fraqueza da parte
superior da hemiface e, portanto, sugerindo paralisia periférica.
Outra manobra interessante e presente em casos de PFP é o sinal
do platisma de Babinski ilustrado na Figura 26.
Figura 26. Sinal do platisma de Babinski. Solicita-se ao paciente abrir a boca
ou protrair o queixo de forma forçada para se visualizar a contração do
platisma bilateral. Em paciente com paralisia facial periférica, pode-se
flagrar a perda de contração do lado afetado.

Fonte: Campbell et al., 2005.


CASO CLÍNICO 6: NERVO
VESTIBULOCOCLEAR (NERVO
CRANIANO VIII)

ANAMNESE
Identificação: Paciente do sexo masculino, 72 anos de idade,
aposentado.
Queixa Principal: “Tudo rodando”.
História da Moléstia Atual: Paciente relata que está desde ontem
sentindo tontura vertiginosa, como se o mundo estivesse se
mexendo, além de náuseas, vômitos e desequilíbrio. Procurou
atendimento médico hoje, pois os sintomas pioraram. Não tem
conseguido alimentar-se corretamente. Necessita de algum familiar
ao seu lado, pois só consegue deambular com apoio ou ajuda. A
vertigem tem duração contínua, independente da posição que fique.
Nega disartria, diplopia, disfagia e disfonia.
HPP: Portador de HAS e DM. Utiliza anti-hipertensivos e
hipoglicemiantes orais de uso contínuo há alguns anos. Não houve
nenhuma mudança recente nas medicações.

EXAME FÍSICO
Geral: desidratação (+2/+4). Ausculta cardiopulmonar fisiológica.
Paciente eupneico em ar ambiente.
Exame neurológico: No head impulse test para pesquisa do reflexo
oculovestibular (ROV) observa-se que o mesmo está abolido à
esquerda. No exame da motricidade ocular extrínseca, flagra-se
nistagmo horizontal com fase rápida para direita, que piora ao olhar
para direita e melhora ao olhar para esquerda.
No teste da cobertura ocular alternada (cover eye test), não se
evidenciam estrabismo ou desalinhamento dos olhos. Provas
cerebelares estavam normais: eumetria e eudiadococinesia.
Desequilíbrio com tendência à queda para esquerda. Marcha de
Fukuda com desvio para esquerda.
Suspeita: Neurite vestibular – causa periférica.
Conduta: Solicitada RM do encéfalo para descartar evento central
(AVC) por se tratar de paciente idoso com fatores de risco
cardiovascular, porém exame físico compatível com causa periférica.
Internação hospitalar, sintomáticos realizados via endovenosa e
hidratação venosa.

EXAMES COMPLEMENTARES
RM do encéfalo sem alterações.

QUESTÕES PARA DISCUSSÃO


1. Em paciente com queixa de tontura, o que não pode
deixar de ser questionado na anamnese?
2. Como realizar o exame físico relacionado ao VIII nervo?
3. Como diferenciar lesão central de lesão periférica?

DISCUSSÃO
Em medicina, a tontura é um tema que a maioria dos médicos não
gostam ou simplesmente evitam.
Talvez isso ocorra, porque nesse cenário a anamnese e o exame
físico são essenciais (mais importantes que os exames
complementares), além disso, rotineiramente os pacientes com
tontura têm má percepção dos sintomas ou têm dificuldade em
relatá-los, tornando o diagnóstico difícil.
O primeiro passo no atendimento desses pacientes é determinar
se a tontura é vertiginosa (“mundo rodando ou se movendo”) ou não.
Sendo vertiginosa, tem-se: AVC de tronco encefálico, neurite
vestibular, vertigem postural paroxística benigna (VPPB), doença de
Ménière, enxaqueca.
Sendo não vertiginosa tem-se: hipotensão postural, tontura
associada a transtornos psiquiátricos, causas medicamentosas.
O segundo passo é determinar o tempo de duração da
tontura/vertigem:

• Vertigem episódica (segundos a minutos): VPPB,


enxaqueca, Ataque Isquêmico Transitório, Méniere

• Vertigem contínua (horas a dias): neurite vestibular, AVC de


tronco encefálico, causa medicamentosa.
O terceiro passo seria observar se a tontura é posicional
(precipitada por mudança na postura ou posição da cabeça) ou não.
Vertigem posicional: VPPB ou raramente VPP Central.
Dessa forma, ao se determinar essas três características da
tontura na anamnese, restringe-se o leque de possibilidades
diagnósticas e realiza-se o exame físico já direcionado.
Se a tontura for vertiginosa, paroxística, precipitada por mudança
de postura, a principal hipótese diagnóstica seria a VPPB e o teste a
ser realizado no exame físico seria o Dix-Hallpike e, em seguida, a
manobra de Epley, por exemplo.
No caso desse paciente com tontura vertiginosa
contínua/persistente (denominada síndrome vestibular aguda), as
principais hipóteses diagnósticas são neurite vestibular (periférica) e
AVC de tronco (central). Nesse cenário, os testes a serem realizados
no exame neurológico são a tríade conhecida como HINTS: head
impulse test, nistagmus, skew deviation. Dessa forma, é possível
diferenciar causas centrais de periféricas com acurácia superior à de
uma RM na fase aguda.

HIT
No exame neurológico do coma, ao se testar o ROV, realiza-se a
manobra oculocefálica (olhos de boneca), girando-se a cabeça do
paciente de um lado para o outro e observando-se o movimento
ocular no sentido oposto. Contudo, a melhor forma de se testar o
ROV em pacientes conscientes é através do HIT, realizando um giro
rápido e vigoroso da cabeça do paciente para cada lado, observando-
se se o mesmo consegue manter o olhar fixo no nariz do examinador
(Figuras 27 e 28).
Figura 27. Head impulse test para esquerda (testando sistema vestibular
esquerdo) aparentemente normal, pois o paciente consegue manter o olhar
fixo no examinador mesmo após o giro súbito.

Fonte: Kattah et al., 2009.

Figura 28. Head impulse test para direita (testando sistema vestibular à
direita) abolido/hipoativo, pois o paciente não foi capaz de manter o olhar
fixo no examinador no momento da manobra. Nesse contexto, logo em
seguida, rapidamente o paciente realiza uma sácade corretiva e passa a olhar
o alvo novamente.
Fonte: Kattah et al., 2009.

Em causas periféricas como a neurite/neuronite vestibular, o HIT


está alterado (abolido) ipsolateralmente ao vestíbulo doente.
Em causas centrais como o AVC ou a esclerose múltipla, o HIT
geralmente está normal bilateralmente.
Portanto, no cenário de vertigem contínua, o HIT normal dos dois
lados é um sinal ruim, pois deve se tratar de doenças com maior
potencial de gravidade.
Vídeo 3. Paciente com neurite vestibular e HIT alterado à esquerda.
Fonte: arquivo próprio. Link: https://youtu.be/0TITy8loHWk

Nistagmo
A pesquisa do nistagmo deve ser feita inicialmente à inspeção do
olhar primário. Em seguida, solicita-se ao paciente para, com a
cabeça parada, seguir o movimento do dedo do examinador somente
com o olhar, na horizontal de um lado para o outro e depois na
vertical para cima e para baixo.
Há apenas um padrão de nistagmo descrito como possivelmente
periférico: bate com fase rápida no sentido oposto ao lado do
labirinto lesado, intensifica-se ao olhar para o lado da fase rápida,
reduz ou até some ao olhar para o outro lado (lei de Alexander).
Qualquer outro padrão de nistagmo encaixa-se como causa
central como, por exemplo, nistagmo que piora ao olhar para
esquerda e piora ao olhar para direita; e nistagmo vertical para cima
(upbeat) ou para baixo (downbeat).
Nesse caso clínico, tem-se um paciente idoso com HIT abolido à
esquerda, portanto o sistema vestibular do lado esquerdo deve estar
hipofuncionante. Observa-se nistagmo com padrão periférico
(benigno), já que bate com fase rápida para direita, piora ao olhar
para direita e melhora ao olhar para esquerda.

Skew deviation
Este termo significa desvio/estrabismo/desalinhamento do olhar
na vertical ocasionado geralmente por lesões em SNC,
principalmente em topografia de tronco encefálico.
Algumas vezes, esse achado é sutil e difícil de perceber à
inspeção do olhar primário.
Por este motivo, utiliza-se a manobra da cobertura ocular
alternada para tentar flagrar algum desalinhamento vertical leve
(figura 29).

Figura 29. Olho direito mais baixo (hipotrópico) quando comparado ao


esquerdo em paciente com vertigem persistente por AVCi pontino.
Fonte: Kattah et al., 2009.

No cenário desse caso clínico (vertigem persistente), deve-se,


então, juntar esses três testes principais para diferenciar causas
centrais de periféricas com acurácia superior à de uma RM do
encéfalo na fase aguda.
A única combinação possível para se confirmar uma causa
periférica é: HIT alterado de um lado, nistagmo padrão periférico
batendo para o outro lado e ausência de skew deviation. Em qualquer
outra combinação de resultado desses três testes, deve-se investigar
uma causa central com neuroimagem.
O paciente é idoso, 72 anos de idade, com fatores de risco
cardiovascular (HAS e DM) e quando foi atendido na emergência, o
médico plantonista decidiu realizar RM do encéfalo para excluir AVC.
No exame físico descrito no caso, há VOR abolido à esquerda,
nistagmo batendo para direita (padrão periférico) e ausência de skew
deviation. Portanto, provavelmente, o diagnóstico é neurite vestibular.
Avalia-se o exame complementar apenas para confirmar a hipótese
diagnóstica e excluir causa central. Não estaria errado nesse caso
não ter sido solicitada neuroimagem.
Para complementar, diante de um quadro periférico, pode-se
realizar a manobra da marcha de Fukuda, em que o paciente com
labirintopatia tende a desviar-se para o lado lesionado (Figura 30).
Figura 30. Marcha de Fukuda – solicita-se ao paciente que marche no
mesmo lugar, de olhos fechados, com os braços estendidos. Na
labirintopatia, geralmente observa-se que o paciente desvia-se
gradativamente (de forma involuntária) ao longo dos passos (acima de 30º).
Fonte: Moffat et al., 1989.

CASO CLÍNICO 7: NERVOS


GLOSSOFARÍNGEO, VAGO E
HIPOGLOSSO (NERVOS CRANIANOS IX
– X - XII)

ANAMNESE
Identificação: Paciente do sexo feminino, 54 anos de idade, dona
de casa.
Queixa Principal: “Fala embolada”.
História da Moléstia Atual: Paciente é levado para atendimento
médico por familiar (filha) com queixa de que há 6 meses sua fala
está progressivamente pior, mais embolada e cada vez mais
ininteligível. Associado ao quadro, refere ainda dificuldade para
engolir com frequente tosse e engasgo, principalmente ao ingerir
líquidos. Houve perda de peso importante no período,
aproximadamente 10 kg desde o início dos sintomas.
HPP: Previamente hígida. Nega comorbidades e uso de
medicações.

EXAME FÍSICO
Geral: Nenhuma informação significativa.
Exame neurológico: Glasgow 15, paciente orientada em tempo e
espaço, compreende e obedece aos comandos.
Discurso: disartria moderada com tendência à voz anasalada por
fraqueza de palato/faringe (Vídeo 4).
Oroscopia: Fasciculações em língua. Elevação simétrica do
palato.
Atrofia em musculatura distal de membros superiores (atrofia
tenar/hipotenar).
Fasciculações em musculatura induzidas após percussão com
martelo de reflexos.
Reflexo cutâneo-plantar em extensão bilateral.
Vídeo 4. Disartria apresentada pela paciente do caso.

Fonte: arquivo próprio. Link: https://youtu.be/m3ljO82EsWs

Suspeita: Doença do neurônio motor – esclerose lateral


amiotrófica.
Conduta: Solicitados alguns exames complementares, incluindo
eletroneuromiografia (ENMG) dos quatro membros, com estudo de
musculatura paravertebral.

EXAMES COMPLEMENTARES
ENMG com sinais evidentes de doença do neurônio motor em
vários segmentos.
QUESTÕES PARA DISCUSSÃO
1. Como realizar o exame dos nervos IX, X e XII?
2. Por que a paciente do caso clínico apresentava disartria
anasalada?
3. Qual a importância de documentar as fasciculações?

DISCUSSÃO
O exame dos nervos IX, X e XII envolve basicamente testes na
cavidade oral.
Glossofaríngeo e vago são examinados juntos (não é possível
testar os dois separadamente). Solicita-se ao paciente que abra a
boca e, então, ilumina-se com a lanterna para visualizar a orofaringe
e o palato em repouso. Em seguida, o paciente deve vocalizar a letra
“A” por alguns segundos e, exatamente neste momento, deve-se
observar a elevação simétrica do palato (Figura 31).
Figura 31. Paralisia de nervo IX/X à esquerda com queda do palato
ipsolateral durante vocalização.
Fonte: Campbell et al., 2005.

Nesse caso clínico, a disartria da paciente tinha um componente


anasalado por perda de competência velofaríngea, ou seja, no
momento de falar provavelmente está ocorrendo vedação
insatisfatória entre a orofaringe e a nasofaringe, ocasionada pela
fraqueza do palato.
Casos de lesão de nervo glossofaríngeo ou nervo vago
habitualmente podem cursar também com disfagia, que se manifesta
clinicamente com sintomas de tosse e engasgo após deglutição,
sendo pior com alimentos de consistência líquida, principalmente
água.
No exame do nervo hipoglosso, deve-se observar a posição da
língua dentro e fora da boca e registrar se há algum desvio de língua
ou principalmente sinais de atrofia ou fasciculações de língua (Figura
32).
Figura 32. Exame da língua. O primeiro passo é examinar a língua em
repouso dentro da cavidade oral e observar se há sinais de atrofia, desvio ou
fasciculações. Em seguida, solicita-se que a paciente ponha a língua para
fora e constatam-se os mesmos quesitos.

Fonte: arquivo próprio.


Lesão de nervo hipoglosso pode causar atrofia de hemilíngua
ipsolateral, desvio de língua para o lado oposto em repouso dentro da
boca e desvio da língua para o mesmo lado da lesão ao posicioná-la
para fora da boca.
Fasciculações são um sinal de lesão de segundo neurônio motor
(Vídeo 5).
Vídeo 5. Fasciculações de língua no caso clínico 7.
Fonte: arquivo próprio. Link: https://youtu.be/b8W-e2BmgVQ

BIBLIOGRAFIA
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4. Di Stadio A et al. Clinical and radiological findings of facial paralysis in multiple
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5. Gräf M, Krzizok T, Kaufmann H. Das Kopfneigephänomen bei einseitigen und
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. Heckmann JG et al. The diagnosis and treatment of idiopathic facial paresis (Bell’s
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7. Kattah JC et al. HINTS to diagnose stroke in the acute vestibular syndrome: three-
step bedside oculomotor examination more sensitive than early MRI diffusion-
weighted imaging. Stroke. 2009; 40(11):3504-10.
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Laryngology & Otology. 1989; 103(9):840-1.
9. Morillon P, Fion B. Trochlear nerve palsy. British Journal of Hospital Medicine. 2017;
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10. Pashaei-Marandi A et al. Reversible anisocoria due to inadvertent ocular exposure
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11. Reich SG. Bell’s palsy. Continuum: Lifelong Learning in Neurology. 2017; 23(2):447-
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Handbook of Clinical Neurology. Elsevier; 2011. Vol. 102. p. 71-94.
13. Wilhelm H. Disorders of the pupil. In: Handbook of Clinical Neurology. Elsevier;
2011. Vol. 102. p. 427-66.
Capítulo 21

Síndromes Topográficas (Plexo


Braquial)
Autores: Antonio Gilvan Teixeira Júnior, Nícollas Nunes Rabelo

CASO CLÍNICO
C.R.M., 18 anos de idade, sexo feminino, natural de Barbalha (CE),
sofreu acidente de bicicleta há 30 dias. Chegou à emergência
queixando-se de diminuição da força muscular e dormência no braço
e nos dedos polegar e indicador do membro superior direito. No
momento relata dor intensa.
Ao exame neurológico do membro superior direito, constatou-se:

• Motilidade: Paralisia e atrofia dos músculos supraespinhal,


infraespinhal, deltoide, bíceps braquial, braquiorradial,
serrátil anterior e romboide

• Sensibilidade: Dor em faixa sobre a face lateral de braço e


antebraço, irradiando-se até os dedos polegar e indicador

• Reflexos: Ausência de reflexo do bíceps e do tríceps.


O restante do exame físico foi normal.
Qual a topografia da lesão? Que estratégias do exame neurológico
mostram isso?

QUESTÕES PARA DISCUSSÃO


Quando se discute diagnóstico de patologias do sistema
nervoso, é sempre importante estar atento a quatro perguntas:
1. Estamos diante de uma possível patologia neurológica?
2. Qual a topografia da lesão?
3. Qual o possível diagnóstico sindrômico?
4. Quais patologias poderiam causar esses problemas?

DISCUSSÃO
A semiologia das síndromes topográficas deve originar-se da
região lesionada correlacionando-a com as consequências clínicas.
Ela depende da localização da lesão, e não de sua natureza, que pode
ser a mais variada. A síndrome observada para cada região depende
de diversos fatores. Qualquer lesão focal pode determinar síndrome
topográfica, sendo bastante variadas as possíveis causas:
traumáticas, vasculares, neoplásicas, infecciosas ou apenas
inflamatórias, degenerativas e tóxico-metabólicas. 1,2,3,4,5,6
Neste capítulo serão abordadas as síndromes topográficas
relacionadas ao plexo braquial (PB).
A lesão dos nervos periféricos determina vários sintomas e sinais
na região correspondente à distribuição de cada nervo em particular.
Para fazer o diagnóstico topográfico da lesão dos nervos periféricos,
é necessário conhecer o território sensitivo, os músculos e os
reflexos inervados por cada nervo. 5,6,7,8,9

Anatomia e Função do Plexo Braquial


Deve-se saber em que local do plexo está o problema, qual a
região específica da lesão, qual(is) estrutura(s) e/ou função(ões)
está(ão) comprometida(s) (neuroanatomia e neurofisiologia locais)
para que se possa escolher o tratamento mais adequado. Um pouco
de neuroanatomia e função dosnervos do plexo braquial serão
relembrados, a fim de se entender melhor as patologias dessa região.
O PB é uma estrutura nervosa na região de pescoço, axila e
ombro, formada pela junção dos vários nervos que saem da medula e
dirigem-se ao membro superior. Tem localização lateral à coluna
cervical e situa-se entre os músculos escalenos anterior e médio,
posterior e lateralmente ao músculo esternocleidomastóideo
(Figuras 1 e 2). 2,3,9,10,11,12,13,14
Figura 1. Anatomia cirúrgica do plexo braquial supraclavicular direito. O
lado esquerdo do campo é cefálico; o centro, caudal O aspecto superior do
campo é medial; o inferior, lateral. As raízes C5 e C6 se combinam para
formar o tronco superior (UT). A raiz C7 continua como tronco médio (MT),
e as raízes C8 e T1 combinam-se para formar o tronco inferior (LT).
Observa-se que o tronco superior divide-se ainda mais anteriormente (AD) e
posteriormente (PD), com o nervo supraescapular (SSN) surgindo próximo à
bifurcação, formando um “tridente”. A trajetória do nervo torácico longo
(LTN) também é visível após a ressecção do músculo escaleno medial.

Fonte: Quiñones-Hinojosa, A. (2012). (11)

Figura 2. Representação esquemática do plexo braquial e suas relações com


o feixe vascular adjacente, os músculos e as estruturas ósseas.
Fonte: Netter et al., 2000.

O PB é responsável pela inervação sensitiva e motora do membro


superior. Ele é formado pela união dos ramos ventrais das raízes da
coluna cervical e torácica, entre C5 e T1. Em algumas variações
anatômicas, há também ramos provenientes de C4 (plexo pré-fixado)
e/ou de T2 (plexo pós-fixado) (Figura 3). 2,3,9,10,11,12,13,14
Figura 3. Representação esquemática da anatomia do plexo braquial, desde
raízes, troncos, divisões, fascículos e nervos originados.
Fonte: Moore et al., 2014.

O plexo é dividido em troncos superior, médio e inferior. O tronco


superior é formado pelas raízes de C5 e C6; o tronco médio
exclusivamente pela raiz C7 e o tronco inferior pelas raízes C8 e T1.
Resumidamente, o tronco superior faz a movimentação do ombro e a
flexão do cotovelo; o tronco médio é responsável pela extensão de
cotovelo, punho e polegar e dedos; e o tronco inferior comanda os
flexores extrínsecos e intrínsecos de mãos/dedos, ou seja,
basicamente controla as funções motoras e preensoras da mão (
Figura 4). 2,3,9,10,11,12,13,14
Figura 4. Esquema da inervação do membro superior e a função de cada
nervo.
Fonte: Gusmão SS, 2007

Os troncos dividem-se, ainda, emitindo ramos anteriores e


posteriores, e, ao longo do trajeto, essas divisões unem-se e formam
os fascículos lateral, posterior e medial. As porções anteriores dos
troncos superior e médio originam o fascículo lateral. As junções das
divisões posteriores dos três troncos formam o fascículo posterior, e
a divisão anterior do tronco inferior constitui o fascículo medial.
Estes fascículos são envolvidos, então, por uma fáscia e correm
paralelamente ao feixe vascular formado pela artéria e veia axilares, e
seguem em direção à axila, passando entre a primeira costela e a
clavícula (ver Figuras 1, 2 e 3).
Como diversas raízes nervosas inter-relacionam-se dentro do
plexo, o padrão de sintoma não segue a distribuição de raízes ou
nervos individualmente. As doenças do PB afetam ombro, braços e
mãos (Figura 5). 2,3,4,5
Figura 5. Representação esquemática da contribuição de cada uma das raízes
que formam o plexo braquial na formação dos nervos.

Fonte: Gray’s Anatomia: a base anatômica da prática clínica. 40. ed.


Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.

Lesão do Plexo Braquial


A lesão do PB provoca paralisias, alterações de sensibilidade e
dores que podem incapacitar o paciente. As patologias que causam
essas lesões em nervos periféricos podem apresentar-se com um
quadro clínico muito variável, já que os nervos têm funções aferentes
e eferentes. Logo, o paciente pode manifestar paresia ou paralisia no
território coberto por aquele nervo (Figuras 6 e 7). 4
Figura 6. Dermátomos do membro superior mostrando o território de cada
uma das raízes medulares anteriores.
Fonte: Netter et al., , 2000.

Como mencionado, uma região muscular é inervada por um


mesmo nervo, que pode ter recebido fibras de várias partes do plexo,
tornando a topografia variada. Quando um nervo é completamente
lesionado, toda a região sofrerá as consequências, como diminuição
ou arreflexia (cutânea e miotática) devido à perda do arco-reflexo,
paralisia flácida, perda do trofismo (amiotrofia) e de todos os tipos de
sensibilidade. 4,6
E por que alguns pacientes ainda mantêm certo grau de
sensibilidade mesmo após a lesão total ou parcial de algum nervo?
Porque uma mesma região muscular pode receber inervação de mais
de um nervo ou de mais de uma raiz motora ou sensitiva, mantendo,
então, a sensibilidade nesse local (ver Figuras 5 e 7). Além disso,
muitos arcos de movimentos são realizados com a sinergia de
grupamentos musculares diferentes, inervados raízes de origem
medulares diferentes. Por exemplo, o músculo bíceps braquial tem
inervação feita pelo nervo músculo cutâneo (C5-C6). Logo, se um dos
segmentos medulares for lesionado, mas o outro se mantiver íntegro,
o músculo ainda terá certo grau de atividade. Logo, mesmo após a
lesão total de um nervo, pode-se manter algum grau de movimento
(Figura 8). 5,6,7,8
Figura 7. Inervação do membro superior e sua representação cutânea.

Fonte: Netter et al., , 2000.


Em adultos, as lesões de plexo ocorrem geralmente por causa
traumática (acidentes de carros ou motocicletas), mas também
podem ser secundárias a tumores ou surgirem após tratamentos de
outras doenças (radioterapias e retiradas de tumores não originários
do sistema nervoso, por exemplo). Nas crianças, a causa mais
frequente é por trauma, durante um parto complicado, principalmente
em bebês de peso elevado. 3,4,7,10

Lesões do Plexo Braquial Superior (C5 e


C6) ou de Erb-Duchenne
A forma mais comum dessa lesão de raízes superiores do PB (C5
e C6) é também denominada paralisia de Erb-Duchenne, muito
comum em traumas obstétricos, nos quais há tração da cabeça e
dos ombros. Nesse tipo de patologia, há envolvimento motor dos
músculos inervados por aquelas raízes e, consequentemente, dos
nervos que elas geram, como os nervos axilar, musculocutâneo,
supraescapular e fibras do radial. 5,6,8,10
Um sinal de que essa lesão foi mais grave ainda é quando há
envolvimento de nervos que saem diretamente dessas raízes
nervosas, como o nervo escapular dorsal e o torácico longo. No
exame do membro superior, poderá ser notada hipoestesia
incompleta do membro superior na superfície mais externa do braço
e do antebraço, mas a mão é funcional. Há perda dos movimentos do
ombro, da flexão do cotovelo (C5, C6); e da extensão de cotovelo,
punho, polegar e movimentos finos dos dedos (C7). Há preservação
da musculatura intrínseca e parte da musculatura extrínseca da mão.
Ao tentar-se evocar o reflexo bicipital (C5-C6), o examinador notará
que há arreflexia total. O membro estará, então, hipotônico, aduzido e
solto ao junto ao corpo, em rotação medial, e o antebraço estará
pronado e estendido (Figura 8). 5,7
Figura 8. Membro superior direito com paralisia de Erb-Duchenne.
Fonte:Heise Carlos Otto, Martins Roberto, Siqueira Mário. Neonatal
brachial plexus palsy: a permanent challenge. Arq. Neuro-Psiquiatr.
2015.

Lesão do tronco médio ou tipo Remarck


(C7)
Quando lesionada a raiz C7 que forma o nervo radial, haverá
comprometimento das funções desempenhadas por esse nervo;
logo, na lesão do tipo Remarck ocorrerão déficits de extensão: do
antebraço, movimento realizado pelo tríceps; da mão, movimento
executado pelo extensor radial e ulnar do carpo; e dos dedos,
movimento realizado pelo extensor dos dedos, extensor do dedo
mínimo, extensor longo e curto do polegar, abdutor longo do polegar
e extensor do indicador. Como era de se esperar, haverá arreflexia
tricipital (C7). Além disso, haverá atrofia dos grupamentos
musculares citados. Haverá ainda parestesia na face posterior de
antebraço e mão (Figura 9). 2,3,9,10,11,12,13,14
Figura 9. Lesão esquemática no tronco médio (C7).

Fonte: Netter et al., , 2000.

Lesões do Plexo Braquial Inferior (C8 e


T1) de Klumpke
Diferentemente da paralisia de Erb-Duchenne, a paralisia das
raízes baixas (C8 e T1) ou paralisia de Klumpke é mais rara. Como as
raízes C8 e T1 formam os nervos mediano e ulnar, os grupamentos
musculares por eles inervados são os mais acometidos. Logo, haverá
paralisia dos músculos flexor ulnar do carpo, flexores dos dedos, e
intrínsecos da mão (interósseos e regiões tenar e hipotenar) (Figura
10). 5,6
Figura 10. Neonato com lesão de C8-T1 devido a trauma obstétrico no parto.
Fonte: Jon Edgington, Elaine Joughin. Obstetric Brachial Plexopathy
(Erb’s, Klumpke’s Palsy). 2019. Disponível em:
https://www.orthobullets.com/pediatrics/4117/obstetric-brachial-
plexopathy-erbs-klumpkes-palsy.

Portanto, haverá atrofia muscular local, perda das funções de


flexão de punho e dedos, além de incapacidade de realizar
movimentos finos das mãos. As regiões tenar e hipotenar das mãos
ficarão mais proeminentes. Os reflexos bicipital e radial
permanecerão íntegros, mas os reflexos tricipital e de prensa palmar
(presente em neonatos e lactentes) estarão ausentes. 5,6,8,9,10
A sensibilidade também será afetada, com presença de
parestesia da porção medial do antebraço, devido ao
comprometimento do nervo cutâneo nessa região. O restante da
motricidade do braço e do antebraço não é afetada. 5,6,7
O acometimento baixo do plexo também pode gerar um quadro
clínico conhecido como síndrome de Claude Bernard-Horner, em que
há ptose, anisocoria e anidrose hemifacial, devido à invasão de
tumores nas raízes de C7-C8 ou a algum processo expansivo local,
como aneurisma de arco de aorta (Figura 11). 5,6,7
Figura 11. Síndrome de Horner: paciente com quadro de miose e semiptose
no lado direito da face na.
Fonte: Pérez-Iñigo, Maria & González, I & Fernández, F.J. & Díaz, S &
Ferrer, C & Alias, E & Honrubia, Francisco. (2009). Usefulness of
apraclonidine in the diagnosis of Horner Syndrome. Archivos de la
Sociedad Española de Oftalmología. 84. 105-8.

As causas mais comuns da paralisia de Klumpke são tumores do


pulmão, fratura da clavícula, aneurisma do arco de aorta, traumas
obstétricos e outras lesões que causem fraqueza no braço.

Lesão do Plexo Total (C5 a T1) ou Paralisia de


Erb-Klumpke
Felizmente é uma lesão rara, difícil de acontecer, pois precisaria
lesar todas as raízes espinhais de C5 e T1 ou um segmento da
medula superior, o que nem sempre é tão fácil de topografar. Como é
de se esperar, o paciente terá uma paralisia total do braço, que ficará
atrofiado, flácido e sem reflexos (Figura 12). 5,6,7
Figura 12. Lesão de plexo total à direita. Note a diferença entre os dois
braços. O esquerdo encontra-se atrofiado .
Fonte: Merritt, Houston H. Tratado de Neurologia. 10.ed. Rio de
Janeiro: Guanabara Koogan, 2002.

Lesão do Cordão Lateral - Nervos Musculocutâneo


e Mediano
O cordão lateral é basicamente composto pelo nervo
musculocutâneo e parte lateral do mediano; logo, a lesão desse
cordão resultará em paralisia dos músculos inervados por esses dois
nervos. Portanto, os músculos bíceps e braquial (inervados pelo
musculocutâneo) e os músculos pronador redondo, flexor radial do
carpo, palmar longo (flexor do punho), flexor superficial dos dedos,
flexor longo do polegar, flexor profundo dos dedos I e II e pronador
quadrado (inervados pelo mediano) serão afetados, além das
alterações na sensibilidade, como mostram as Figuras 7 e 13. 5,6,7
Figura 13. Alteração da sensibilidade no território dos nervos
musculocutâneo e mediano.
Fonte: Moore et al., 2014.

Há ausência do reflexo bicipital e também déficit sensitivo, que


estará topografado na face lateral do antebraço (que é feita pelo
nervo cutâneo lateral, no antebraço – ramo do nervo
musculocutâneo). 5,6,7
Relativamente ao acometimento do nervo musculocutâneo, a
flexão do antebraço é perdida quase em sua totalidade, e a flexão do
braço fica comprometida.
Na lesão do nervo mediano, haverá perda motricidade na parte da
musculatura intrínseca lateral da mão e da sensibilidade da palma da
mão, na porção lateral do 4o dedo e de todos 3o e 2o dedos; perda da
força para pronação do antebraço, impossibilidade de fletir a
articulação interfalangiana do polegar e a interfalangiana distal do
indicador e atrofia da musculatura tenar, gerando quadros
conhecidos como “mão simiesca e achatada” e “mão em benção”
(Figura 14).5,6,8,9
Figura 14. Mão simiesca (primeira e segunda imagens) e mão em benção
(terceira imagem), típicas da lesão do nervo mediano.

Fonte: Opromolla, Diltor Vladimir Araujo, Ura, Somei. Atlas de


hanseníase. Instituto Lauro de Souza Lima, Bauru, 2002.80p.

As causas mais comuns de lesionar o nervo musculocutâneo são


os ferimentos cortantes na face anterior do braço. Já as lesões do
nervo mediano decorrem de compressão, traumas, ferimentos no
punho. No punho, geralmente ocorre a síndrome do túnel do carpo
(Figura 15), ocasionando impossibilidade de oponência e abdução do
polegar, parestesia, dor e atrofia da eminência tenar. Muito comum
encontrar os sinais de Tinel e Phalen (Figura 16). 5,6,7
Figura 15. Síndrome do túnel do carpo. Compreensão do nervo mediano
pelo ligamento transverso do carpo.XII
Fonte: : Netter et al., , 2000.

Figura 16. Sinais de Phalen e Tinel na síndrome do túnel do carpo.


Fonte: JIMENEZ, William Albeiro et al.Tenossinovites De Quervain:
uma nova proposta no tratamento cirúrgico. Rev. Bras. Cir. P., Rio de
Janeiro, v. 25, n. 3, p.465-469, 2010.

Lesão do Cordão Medial


Lesão do nervo ulnar e parte do mediano. Seus déficits serão a
paralisia dos músculos por eles inervados. Os músculos afetados
que são inervados pelo ulnar são: flexor ulnar do carpo, flexor
profundo dos dedos III e IV, abdutor, oponente e flexor do dedo
mínimo; lumbricais, interósseos, flexor curto e adutor do polegar; e os
inervados pela parte medial do nervo mediano são os músculos
intrínsecos da mão (abdutor curto, flexor curto e oponente do
polegar; primeiro e segundo lumbricais). O déficit sensitivo acomete
a face medial do braço e do antebraço.
O nervo ulnar tem ramos motores na musculatura do antebraço e
da mão, além de ramos sensitivos na face ventral da mão (porção
medial do 4o dedo e todo o 5o dedo. Na lesão desse nervo, há perda
da sensibilidade na região mencionada , e a mão adquire um aspecto
característico conhecida como “mão em garra” (Figura 17). 5,7,8,9
Figura 17. Mão em garra, característica da lesão do nervo ulnar .

Fonte: Merritt, Houston H. Tratado de Neurologia. 10.ed. Rio de


Janeiro: Guanabara Koogan, 2002.

É importante também mencionar duas condições clínicas


resultantes da compressão do nervo ulnar em duas regiões
diferentes. Na região denominada canal de Guyon (localizada na
região do punho), ocorrerá uma condição conhecida como síndrome
do canal de Guyon (Figura 18) e a compressão do nervo na região do
túnel cubital (no cotovelo) causará a síndrome do túnel cubital
(Figuras 19 e 20). 5,6,7
Figura 18. Compressão do nervo ulnar no túnel de Guyon e sua repercussão
clínica.
Fonte: Moore et al., 2014.

Figura 19. Compressão do nervo ulnar no túunel cubital e sua repercussão


clínica.

Fonte: Moore et al., 2014.


Lesão do Cordão Posterior
Nas lesões de cordão posterior, basicamente tem-se quadro
clínico de perda de força e sensibilidade nos territórios dos nervos
axilar e radial.
Na lesão do nervo radial, ocorrerá paralisia da extensão do
antebraço (tríceps), da mão (extensores radial e ulnar do carpo) e dos
dedos (extensor dos dedos, extensor do dedo mínimo, extensor
longo e curto do polegar, abdutor longo do polegar e extensor do
indicador). Será afetada ainda a musculatura extensora do punho e
da mão, bem como a musculatura de supinação. Como é de se
esperar, o reflexo tricipital será abolido e haverá paresia na face
posterior do antebraço e na mão.
Com o nervo radial lesionado, haverá perda da sensibilidade na
área por ele inervada e a mão adquirirá uma forma característica
conhecida como “mão caída” (Figura 21). As principais causas da
lesão desse nervo são os traumas no rádio e a compressão nervosa,
como na síndrome da compressão do nervo interrósseo posterior ou
síndrome do túnel radial (Figura 22), em que esse nervo é
comprimido pela arcada de fibrosa de Frohse, o que gera déficits
motores e dor ao paciente. 7,8,9,10
Figura 20. Síndrome do túnel do rádio (STR). Perda da extensão do punho e
do dedo. Acima, local de compressão dolorosa (a 4 cm do epicôndilo
medial); abaixo, manobras provocativas para se confirmar a STR.
Fonte: Merritt, Houston H. Tratado de Neurologia. 10.ed. Rio de
Janeiro: Guanabara Koogan, 2002.

Já na lesão do nervo axilar, há atrofia do músculo deltoide, perda


de sensibilidade da porção lateral superior do braço e diminuição do
poder de abdução do braço em até 90º. As causas mais comuns de
lesão desse nervo são trauma no úmero e por compressão. 15-20

Lesão do Nervo Torácico Longo (C5-C7)


Com manifestação clínica bem característico, a lesão desse nervo
que inerva o músculo serrátil anterior causa o quadro conhecido
como “escápula em asa” ou “escápula alada” (Figura 23). Devido a
essa lesão, há importante déficit no movimento de abdução do braço
acima de 90º, fazendo com que a aparência em asa da escápula seja
ainda mais importante. As principais causas da lesão desse nervo
são traumas diretos e iatrogênicos durante cirurgias na região de
pescoço e axila, como a mastectomia. 5,6,7,10,12
Figura 23. “Escápula alada”: lesão do nervo torácico longo.
Fonte: Merritt, Houston H. Tratado de Neurologia. 10.ed. Rio de
Janeiro: Guanabara Koogan, 2002.

FECHAMENTO DO CASO CLÍNICO


Dando continuidade ao caso clínico, sabe-se que o paciente
chegou à emergência com paresia e parestesia em braço e antebraço
e nos dedos polegar e indicador do membro superior direito. Quando
realizado o exame físico do paciente, notaram--se paralisia e atrofia
dos músculos supraespinhal, infraespinhal, deltoide, bíceps braquial,
braquiorradial, serrátil anterior e romboide, que são inervados por
nervos que têm fibras nas raízes de C5-C6-C7 (nervos
musculocutâneo, axilar e radial) e por nervos que são originados
diretamente de C5 (nervos escapular dorsal e supraescapular) e
diretamente de C5-C6-C7 (nervo torácico longo) (Figura 24). 15-20
Figura 24. Representação esquemática dos nervos acometidos na lesão do
caso clínico.
Fonte: Gray’s Anatomia: a base anatômica da prática clínica. 40. ed.
Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.Gray’s Anatomia: a base anatômica da
prática clínica. 40. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.

No exame, também observou-se que o paciente apresentava dor


em faixa sobre a face lateral do braço e do antebraço, irradiando-se
até os dedos polegar e indicador (territórios de C5-C6-C7) (Figura 25).
Figura 25. Representação esquemática da inervação na face anterior do braço
direito.
Fonte: Netter et al., , 2000.

Além disso, notou-se também que o reflexo bicipital (C5-C6) e


tricipital (C5-C8) estavam abolidos (Figura 26). Esse paciente terá
déficit importante na movimentação de ombro, braço, antebraço e
mão, além de paresia. Nesse quadro, ficou claro que houve lesão alta
das raízes de C5-C6-C7, visto que há nervos que se originam
diretamente dessas raízes que foram lesionadas e, como houve
também alteração da sensibilidade, muito provavelmente houve
trauma nos ramos dorsais da medula. Esse quadro clínico é
conhecido como síndrome de Erb-Duchenne Plus.
Figura 26. Reflexos bicipital e tricipital e ação esperada ao evocá-los.
Fonte: Merritt, Houston H. Tratado de Neurologia. 10.ed. Rio de
Janeiro: Guanabara Koogan, 2002.

CONCLUSÃO
Neste capítulo, discutiu-se a importância do PB, região que
contém um conjunto de nervos resposnável por toda a
movimentação dos membros superiores, possibilitando movimentos
finos e delicados, como realizar uma cirurgia cerebral, até
movimentos de força extrema, como erguer um peso de 100 kg. Os
quadros clínicos resultantes das lesões são muito variáveis, nem
sempre podendo ser topografados a um só nervo ou dermátomo. Os
acidentes automobilísticos e traumas obstétricos são as causas
mais comuns de lesão do plexo braquial, e o diagnóstico clínico é
totalmente possível com um bom exame neurológico e
conhecimento da anatomia humana, como visto ao longo do
capítulo.

BIBLIOGRAFIA
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Capítulo 22

Semiologia das Síndromes


Topográficas (plexo lombar)
Autores: Dan Zimelewicz Oberman, Nicollas Nunes Rabelo

ANAMNESE
Paciente do sexo masculino, 65 anos de idade, obeso, tabagista e
etilista social, procurou assistência médica referindo lombalgia baixa
de longa data que evoluiu com irradiação da dor e parestesia, desde
a região lombar direita para face anterior da coxa e face medial da
perna. Relata piora da dor ao movimentar-se. Realizou tratamento
com dipirona e fisioterapia, sem melhoras. Procurou o consultório
médico, devido à dificuldade da marcha, inclusive em repouso.

EXAME FÍSICO
Paciente está em regular estado geral, estável
hemodinamicamente, eupneico, eucárdico. Está vígil, orientado e
cooperativo. Apresenta linguagem fluente, nervos cranianos sem
alterações, força grau V nas extremidades, exceto para flexão da
coxa sobre o quadril e extensão do joelho, e adução da coxa. Exibe
hipoestesia em face anterior da coxa e face medial da perna direita.
Hiporreflexia patelar sem alteração do reflexo de Aquiles. Reflexo
cutaneoplantar presente.

Suspeita Diagnóstica:
Hérnia de disco lombar em L4-L5.
Conduta
Solicitada ressonância magnética (RM). Indicados repouso inicial
sem restrições quanto à posição do paciente e terapia analgésica.

EXAMES COMPLEMENTARES
Radiografia: Não foram evidenciadas fraturas lombares ou
sacrais.
RM: nos planos sagital e axial, em sequência T2, evidenciando
protrusão discal posterior e lateral no recesso lateral à direita entre
L4-L5, com ruptura do ânulo fibroso, comprimindo a face anterior do
saco dural e mantendo contato com a raiz de L4 no interior do canal
vertebral.
Figura 1. RMN ponderada em T2 da coluna vertebral de um paciente normal
(A) Vista parasagital ligeiramente à direita da linha média, mostrando uma
hérnia lombar L4-L5; (B) Corte axial ao nível do corpo vertebral L4
mostrando a hérnia lombar comprimindo raízes nervosas L4 e o recesso
lateral à direita.
Fonte: autoria própria.

Conduta: Após confirmação diagnóstica de hérnia lombar no nível


L4-L5 posterolateral direito, sendo compatível com os sintomas do
paciente, optou-se pela abordagem cirúrgica. O paciente foi
submetido a microdiscectomia, com remoção do material do disco
herniado. Apresentou resolução completa da dor e força na perna
direita.

QUESTÕES PARA DISCUSSÃO


1. Quais as características do plexo lombar?
2. Como começar a avaliação de um paciente com queixa
de dor lombar?
3. Quais são os achados característicos da história do
paciente para o diagnóstico?
4. Qual nível da medula espinhal é responsável pelo reflexo
patelar?
5. O paciente apresenta algum sinal de alarme?
6. Quais manobras semiológicas devem ser realizadas para
se chegar ao diagnóstico de hérnia discal? Como realizá-
las?
7. Quais os principais diagnósticos diferenciais?
8. O diagnóstico de síndrome meningorradicular pode ser
confirmado somente pela clínica?

DISCUSSÃO
O plexo lombar é formado no interior do músculo psoas maior a
partir dos quatro primeiros ramos ventrais lombares, com uma
contribuição do décimo segundo ramo torácico. Ele inclui os nervos
ílio-hipogástrico, ílio-inguinal, genitofemoral, cutâneo lateral da coxa,
obturador e femoral. Em cada nível vertebral, os nervos
emparelhados deixam a medula através do forame intervertebral da
coluna vertebral. Cada nervo, então, divide-se em fibras nervosas
anteriores e posteriores. Os nervos do plexo lombar organizam-se de
maneira que a raiz de L1 fica abaixo da vértebra de L1 no forame
intervertebral (L1-L2), L2 fica no forame intervertebral (L2-L3), e
assim por diante (Tabela 1).
Figura 2. RMN ponderada em T2 da coluna vertebral de um paciente
normal. (A) Vista sagital da linha média; (B) Vista parasagital, mais à direita
da linha média, mostrando os foramens neurais; (C) Corte axial ao nível do
corpo vertebral L5 mostrando raízes nervosas L5 e os recessos laterais.
Figura 2-capítulo 22 - cópia
Fonte: autoria própria.

(imagem não disponível no arquivo original da Sanar)

É crucial ter uma forte base de conhecimento e compreensão do


plexo lombar a fim de determinar com precisão a causa da dor ou da
disfunção para implementação do tratamento aos pacientes. A
análise de qual nível é afetado pode ajudar a selecionar as melhores
opções de intervenção e, consequentemente, obter os melhores
resultados. Muitas vezes, os pacientes apresentam apenas déficits
nas extremidades inferiores que, em boa parte, são originados por
lesão no plexo lombar, e não da extremidade.
Tabela 1. Raízes do plexo lombar.

A lombalgia representa um grupo de distúrbio frequente; cerca de


90% das pessoas sofrem com ela em algum momento da vida. É uma
das principais causas de incapacidade e de difícil manejo, devido à
grande variedade de etiologias.
O objetivo do diagnóstico na dor lombar é definir a causa
anatômica mais provável da dor, de maneira mais específica possível,
com o entendimento de que isso nem sempre será possível. É
necessário o conhecimento profundo da anatomia do plexo lombar,
das causas mais comuns de lombalgia e as abordagens diagnósticas
mais aceitas atualmente para gerenciar essas condições de maneira
eficaz. A coleta da história e o exame físico são os primeiros e mais
importantes procedimentos na avaliação da condição para restringir
o diagnóstico. A chave para isso é uma história clínica estruturada e
um mapeamento da localização da dor.
Uma história clínica completa e um exame físico estruturado são
realizados. O objetivo da história e do exame físico é identificar
características que possam sugerir uma hipótese diagnóstica, o que
é confirmado pelos testes subsequentes, conforme indicado
clinicamente. O exame neurológico da região lombar concentra-se
principalmente na análise sequencial das raízes nervosas. Para cada
raiz nervosa, o examinador testa força motora, sensibilidade e, se
houver, reflexo apropriado.
O paciente apresenta sinais característicos de paresia de
quadríceps, iliopsoas e adutor da coxa e dorsiflexão do pé à direita,
associada a hiporreflexia patelar direita e hipoestesia na face anterior
da coxa e face medial da perna direita. Um importante diagnóstico
diferencial nesses casos inclui radiculopatia de L4 ou neuropatia
femoral. As lesões do nervo femoral podem ser distinguidas da
radiculopatia por L4, testando-se a força da adução das coxas, que
está presente na radiculopatia de L4. Sendo assim, o diagnóstico
mais provável desse paciente é uma hérnia de disco posterolateral
direita entre os corpos vertebrais de L4-L5, comprimindo a raiz de
L4.
No exame físico, o objetivo das manobras semiológicas é elucidar
a dor. Se o resultado for positivo, essas manobras sugerem que o
nervo está sendo irritado por uma causa mecânica. A seguir, algumas
manobras que ajudaram elucidar o diagnóstico mais provável:

• Lasègue: realizada com o paciente em decúbito dorsal. O


médico faz a elevação da perna do paciente com o joelho
dele esticado para aumentar a tensão ao longo do nervo
ciático, especificamente nas raízes nervosas L5 e S1.
Geralmente pacientes com ciatalgia ou lombociatalgia
queixam-se de dor intensa e característica no trajeto do
nervo ciático, com um ângulo de elevação entre 30 e 70°
(pessoas normais podem apresentar dor a partir de 70° de
elevação). Dor com menos de 30° de elevação é pouco
sugestiva de hérnia lombar

• Lasègue contralateral: a elevação de uma perna


assintomática causa sintomas típicos na perna sintomática.
Essa manobra apresenta uma especificidade maior que 85%
para a compressão dos nervos das raízes lombossacras

• Teste de estiramento do nervo femoral: pode ser realizado


com o paciente na posição prona ou lateral, com o lado
afetado para cima. Esse teste aumenta a tensão ao longo do
nervo femoral, especificamente nas raízes nervosas L2, L3 e
L4. O teste é realizado estendendo-se o quadril e
flexionando-se o joelho. Isso é exatamente o oposto à
manobra padrão de Lasègue. O teste de estiramento do
nervo femoral é considerado positivo, se ocorrer dor
radicular na região anterior da coxa

• Teste de Patrick-Fabere: com o paciente em decúbito dorsal,


o joelho do lado afetado é flexionado e o pé colocado na
patela do joelho do lado oposto. O joelho flexionado é, então,
empurrado lateralmente para forçar a articulação
sacroilíaca, sugerindo uma sacroileíte

• Teste de compressão pélvica: com o paciente em decúbito


dorsal, as cristas ilíacas são empurradas em direção à linha
média, na tentativa de provocar dor na articulação
sacroilíaca

• Sinal de Trendelenburg: o examinador observa o paciente


desde atrás e solicita que ele levante uma perna, enquanto
fica em pé. Normalmente a pelve permanece horizontal. Um
sinal positivo ocorre, quando a pélvis inclina-se para baixo
na direção do lado da perna levantada, indicando fraqueza
dos adutores contralaterais da coxa, inervados
principalmente pela raiz de L5

• Sinal de Hoover: serve para distinguir a fraqueza funcional


unilateral do músculo iliopsoas da fraqueza orgânica usando
contração sinérgica do glúteo médio contralateral. Solicita-
se ao paciente em decúbito dorsal que levante uma perna,
enquanto o médico segura o calcanhar do pé oposto. Se o
paciente estiver realmente tentando elevar a perna, exercerá
pressão no calcanhar da perna contralateral, caso contrário
ele não estará fazendo força

• Teste de Milgram: o paciente em decúbito dorsal eleva


ambos os membros inferiores aproximadamente 7 cm
acima da mesa. Deverá manter-se nesta posição sem dor
durante 30 segundos. Em caso de dor ou de não conseguir
manter a posição, patologias compressivas são as
hipóteses possíveis

• Manobra de Valsalva: ao paciente sentado, solicita-se que


expire profundamente, segure a respiração e faca força, isso
aumenta a pressão intratecal, agravando os sintomas de
eventuais lesões radiculares, como lesão expansiva ou
protrusão discal

• Teste de Freiberg: realiza-se a rotação interna passiva do


quadril estendido em paciente em decúbito dorsal. Em caso
de dor, a hipótese mais provável é irritação do músculo
piriforme.
Os fatores que podem indicar patologia subjacente grave são
denominados sinais de alarme e incluem febre, perda inexplicável de
peso, disfunção intestinal ou urinária, histórico de câncer, trauma
significativo, osteoporose, idade superior a 50 anos de idade.
As raízes nervosas da coluna lombar saem do canal vertebral
abaixo do pedículo da vértebra suprajacente correspondente e acima
do disco intervertebral caudal. O local mais comum para uma hérnia
de disco lombar é posterolateral. Esse tipo de hérnia de disco
comprime a raiz nervosa que atravessa o segmento de movimento.
Por exemplo, uma hérnia de disco posterolateral no nível L4-L5
comprimiria a raiz nervosa de L4.
O diagnóstico de lombalgia requer uma história cuidadosa para
determinar se as causas são mecânicas ou secundárias. As causas
mecânicas da dor lombar agudam incluem disfunção das estruturas
musculoesqueléticas e ligamentares. A dor pode originar-se de disco,
anel, articulações fasciais e fibras musculares. A dor lombar
mecânica geralmente tem um resultado favorável, mas a dor lombar
com causa secundária requer tratamento para a condição
subjacente. Apesar de serem menos frequentes, as causas
secundárias devem ser investigadas e tratadas imediatamente.
Algumas das causas incluem: síndrome da cauda equina ou do cone
medular, câncer metastático, abscesso epidural da coluna vertebral,
osteomielites vertebral ou fratura por compressão vertebral.
Outros diagnósticos diferenciais de etiologias menos frequentes
de lombalgia devem ser investigadas, como síndrome piriforme ou
disfunção sacroilíaca.
O exame físico para o diagnóstico de localização da lombalgia é
realizado por teste muscular manual, teste sensorial; teste de
Lasègue e sinal cruzado de Lasègue, sendo recomendados para uso
no diagnóstico de hérnia de disco lombar com radiculopatia. Apesar
de a anamnese e o exame físico serem de extrema importância na
avaliação do paciente, a acurácia diagnóstica desses métodos é
ainda insuficiente para estabelecer o diagnóstico. O uso de imagens
para o diagnóstico de paciente com lombalgia ainda é necessário
para se observar disco herniado, estenose do canal lombar ou outra
síndrome de compressão lombar. Em 2000, Devillé et al. observaram
que a sensibilidade e a especificidade da manobra de Lasègue para o
diagnóstico de hérnia lombar era de 91% e 26%, respectivamente; e a
manobra de Lasègue contralateral era mais específica, chegando aos
88%, no entanto, pouco sensível (29%).
Além disso, o uso da imagem possibilita identificar o nível da
lesão para se realizar um bom planejamento cirúrgico. O diagnóstico
por imagem pode ser confirmado por RM, tomografia
computadorizada (TC), radiografia e mielografia. Atualmente, a RM é
a modalidade de imagem preferida, pois tem a vantagem de não usar
radiação ionizante e possui boas capacidades de visualização,
especialmente de tecidos moles. Como sempre, os achados
radiológicos devem sempre ser correlacionados com os sintomas
clínicos do paciente.

CONCLUSÃO
A abordagem ao paciente com lombalgia pode ser difícil, devido à
dissociação de uma correlação confiável entre os achados clínicos e
de imagem. Pelo fato de o segmento lombar ter grande inervação
difusa e entrelaçada, nem sempre é possível estabelecer com
precisão o local de origem. Assim, a caracterização etiológica da
lombalgia é um processo que requer uma abordagem propedêutica
que inclui avaliação clínica, exame físico e exames complementares.
Avaliam-se as possibilidades de existir doença sistêmica grave
subjacente, déficits neurológicos que possam necessitar de
abordagem urgente ou doenças com caráter mais benigno que
possam orientar as condutas sequenciais. O exame de imagem,
principalmente a ressonância magnética, é fundamental na avaliação
de pacientes com suspeita de lesão intrarraquiana e objetiva analisar
a doença e confirmar o diagnóstico suspeito, além de orientar na
conduta cirúrgica.

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Capítulo 23

Semiologia do Córtex Cerebral


Autores: Maycon Cristian Gomes de Paula, Fernanda Laraia Martins,
Nícollas Nunes Rabelo

CASO CLÍNICO
Paciente do sexo masculino, 70 anos de idade, atualmente
aposentado há 15 anos, trabalhava como advogado na cidade de
Pouso Alegre, onde nasceu, e reside com a esposa. Ele compareceu
à consulta, porque vinha apresentando “muitos esquecimentos”
(sic). A esposa, que o acompanhava, relatou que o paciente tem se
perdido nos cômodos da casa e não se lembra de coisas simples
como “ligar o chuveiro”, além de não se lembrar do nome das
pessoas esporadicamente. Ela refere que há cerca de 10 anos,
houve início insidioso de episódios amnésicos que evoluíram
progressivamente e tornaram-se cada vez mais frequentes, mas que
essa condição começou a interferir na vida dele há
aproximadamente 2 anos, quando ele começou a ficar ‘deprimido’.
Não havia procurado ajuda médica até o momento.
O paciente não tinha história de doenças psiquiátricas ou atrasos
de desenvolvimento, e usava apenas uma medicação: captopril para
hipertensão arterial sistêmica (HAS). Era filho único e possui história
familiar de hipertensão (pai) e doença de Alzheimer (mãe); seus pais
faleceram há muitos anos. Nega etilismo e tabagismo, e informa
que sempre residiu na zona urbana da sua cidade. Quando
questionado sobre outras alterações, relatou sentir-se indisposto e
com incontinência urinária há alguns meses. Apresenta calendário
vacinal em dia e nunca precisou ser internado no hospital.

À
Ao examiná-lo, nota-se bom estado geral. À ectoscopia, não é
percebido nenhum sinal de alerta. Os sistemas cardiovascular,
pulmonar e gastrintestinal não apresentam nenhuma alteração ao
exame. Sua pressão arterial está bem controlada, e ele não possui
febre. Ao exame neurológico, pode-se notar que suas pupilas estão
isofotorreagentes e todos os reflexos estão presentes e simétricos.
Foi submetido a alguns testes que mostraram que sua força está
preservada, apesar de sua marcha estar lenta e de apresentar
alguma dificuldade em escrever devido a tremores nas mãos.
Obteve 20 pontos na escala do miniexame do estado mental
(MEEM).
Com base no exame físico, combinado à anamnese, suspeitou-se
de alguma síndrome demencial, visto que o paciente cursa com
alterações motoras e sensoriais sistêmicas que indicavam
comprometimento cortical. Foram solicitados exames laboratoriais
(hemograma, vitamina B12, hormônio tireoestimulante [TSH] e T4
livre), além de exames de imagem (tomografia computadorizada) e
punção lombar para se confirmar o diagnóstico de doença de
Alzheimer.
Após algumas semanas, o paciente retornou com as mesmas
queixas trazendo os resultados de exames. O laboratorial solicitado
não apresentou nenhuma alteração, e os demais exames revelaram
o seguinte resultado:

• Tomografia: Atrofia cortical nas regiões parieto-occipital e


medial do lobo temporal, principalmente em região
hipocampal

• Punção Lombar: Redução de biomarcadores beta-amiloide


e elevação da proteína Tau

• Diagnóstico: Doença de Alzheimer.


Comentário
O diagnóstico da doença de Alzheimer é basicamente clínico. No
caso clínico, o paciente apresenta comprometimento
cognitivo/comportamental de início insidioso e com piora
progressiva dos sintomas. Estão sendo afetados domínios de
memória, funções executivas – perda da independência social – e
personalidade/comportamento, sinais e sintomas dessa doença
demencial. O comprometimento do estado mental é confirmado
pelo MEEM inferior a 23 pontos. A história familiar sinaliza também
para esse tipo de transtorno.
A prevalência da doença de Alzheimer quase dobra, a cada 5
anos, depois de 65 anos de idade. Sendo assim, em uma paciente
com 70 anos de idade que apresente os sinais e sintomas descritos,
deve-se sempre considerar a possibilidade desse transtorno.3,7
O comprometimento da memória associado a perda funcional
não é exclusivo dessa condição. O diagnóstico diferencial inclui a
exclusão de demência frontotemporal, demência vascular e
demência com corpos de Lewy, bem como todas doenças
sistêmicas e neurológicas que cursem com déficit cognitivo, por
exemplo, condições metabólicas que, no caso, foram descartadas
pelos exames laboratoriais.
Os exames de imagem, como tomografia computadorizada e
ressonância magnética, são usados para avaliar sinais típicos do
Alzheimer, como atrofia cortical nas regiões parieto-occipital e
medial do lobo temporal, principalmente em região hipocampal.
Além disso, pelos exames de imagem é possível descartar causas
vasculares que justifiquem o quadro do paciente.
Por fim, o exame liquórico pode ser usado para excluir causas
raras de comprometimento cognitivo. Em pacientes com Alzheimer,
o liquor apresenta níveis baixos de beta-amiloide e níveis elevados
da proteína Tau.

QUESTÕES PARA DISCUSSÃO


1. Qual o principal teste para avaliação do estado mental?
Quais os fatores que podem comprometer a
interpretação de seus resultados?
2. Quais pontos são avaliados no exame motor? Descreva
os principais exames para testar lesão no trato
corticoespinhal.
3. No exame sensorial, quais modalidades de sensibilidade
são avaliadas? O que são agnosias?
4. Descreva os pontos avaliados no exame do córtex visual
e os tipos de agnosia visual.
5. Que tipo de perda auditiva pode-se identificar com os
testes auditivos? Explique como identificá-las.
6. O paciente com lesão no córtex olfativo apresenta
anosmia? Por quê?
7. Como se aplica a escala de coma de Glasgow com
resposta pupilar (ECGP)? Quais os pontos da pesquisa
publicada não a tornam um dos critérios a serem
introduzidos nos guidelines?

Discussão
O córtex cerebral é uma fina camada de 4 mm de substância
cinzenta que constitui a região mais externa do cérebro. Ele é
responsável por processamento, associação e envio de informações
que comandam todo o sistema nervoso. Anatomicamente, o córtex
é dividido em 5 lobos: frontal, parietal, temporal, occipital e insular.
Enquanto isso, funcionalmente, pode-se dividi-lo em: frontal, motor,
sensorial, visual, auditivo e olfativo.
Para fins didáticos, sua semiologia será abordada de acordo com
a divisão funcional do córtex.

SEMIOLOGIA DO CÓRTEX FRONTAL


(EXECUTIVO)
As funções corticais superiores influenciam diretamente na
funcionalidade e qualidade de vida do indivíduo. O lobo frontal é
responsável por tomada de decisões e comportamento, e influencia
diretamente nas funções executivas do cérebro. Quando lesionado,
ele pode alterar funcionalidades como a de utilização (dificuldade de
inibir resposta automática relacionada ao uso de objetos) e de
imitação (quando imitam os gestos do examinador mesmo, quando
orientados a não fazê-lo), além da dificuldade de abandonar o
padrão inicial de respostas e tendência a perserverar.*
*A perseveração é a repetição imprópria e anormal de palavras
ou ações.
Para avaliar a ocorrência de lesões, são empregados alguns
testes que analisam fluência verbal, orientação temporoespacial,
atenção, memória operacional, evocação verbal, compreensão,
praxia e nominação. Exemplos desses testes são: o Teste de
Wisconsin de Classificação de Cartas, o teste de interferência de
cores e palavras de Stroop, que avalia a fluência verbal, e o teste
pequeno-grande.
Outra ferramenta importante, e a mais utilizada (resposta da
primeira parte da questão 1), é a tradução validada do MEEM, por
meio do qual se avaliam orientação temporoespacial, atenção,
memória operacional, evocação verbal, compreensão, praxia e
nominação. Esse exame é realizado da seguinte forma:

MEEM

I) Orientação Temporoespacial
Dá-se em duas sequências de perguntas e cada item vale 1
ponto. Na primeira sequência, pergunta-se ao paciente o ano, o mês,
o dia do mês e da semana e a hora aproximada do exame, sendo a
pontuação máxima de 5 pontos. Por outro lado, na segunda
sequência, o paciente deve ser questionado sobre o nome do país,
do estado, da cidade, do bairro e do local da consulta, sendo a
pontuação máxima novamente de 5 pontos.

II) Memória
Essa parte do exame envolve a realização de 3 testes:

• Primeiro – retenção de dados: diga ao paciente 3 palavras


e peça para que ele as repita logo depois. Cada uma
valendo 1 ponto, o que gera um total de 3 pontos

• Segundo – atenção e cálculo: peça ao paciente que realize


5 subtrações

• de 7 a partir do 100 (p. ex., 100-7 = 93, 93-7 = 86 etc.). Cada


resposta correta também receberá o valor de 1 ponto.

• Terceiro – memória: solicite ao paciente que repita as 3


palavras do primeiro teste. Caso, ele lembre-se de todas,
somará 3 pontos. 1,9,10,12

III) Linguagem
Essa é a parte mais complexa do exame e envolve 6 etapas:

• Primeira: apresente 2 objetos ao paciente e peça que ele


fale os nomes (1 ponto por resposta certa)

• Segunda: peça ao paciente que repita uma frase (1 ponto


se repeti-la corretamente)

• Terceira(prova dos 3 comandos): peça que o paciente


pegue uma folha de papel, dobre-a em 3 partes e coloque
em determinado lugar (1 ponto por etapa)

• Quarta: apresente um papel com um comando escrito (p.


ex., “feche os olhos”). Solicite ao paciente que leia
mentalmente e realize o comando (1 ponto)
• Quinta: peça que o paciente escreva uma frase própria (2
pontos)

• Sexta: peça que o paciente copie um desenho simples,


geralmente dois pentágonos (Valendo 1 ponto)
Os resultados são apresentados de acordo com a pontuação
(Tabela 1):
Tabela 1. Pontuação do miniexame do estado mental.

PONTUAÇÃO SIGNIFICADO

27 a 30 Estado mental normal

24 a 27 Tolerado como normal

Abaixo de 23 Comprometimento do estado mental

Observação: quanto menor a pontuação, maior o comprometimento.

Além disso, deve-se sempre considerar o nível de escolaridade


do paciente avaliado, além de idade, sexo e bagagem cultural, que
são fatores que podem afetar o resultado do exame. Além disso, o
MEEM deve ser usado somente como instrumento de rastreamento
diagnóstico, uma vez que não descarta quadros de demências em
casos de pontuação normal e não detecta comprometimento
cognitivo leve – resposta da segunda parte da questão 1.
Além do estado mental, funções específicas podem ser avaliadas
isoladamente, como descrito a seguir.

I) Orientação e Atenção
Os pacientes considerados orientados são aqueles que sabem
quem são, onde estão e a data. Se o paciente estiver desorientado
em relação ao tempo e ao espaço, deve-se informar o dia, o mês, o
ano e a cidade e pedir que ele lembre. A incapacidade de recordar
essas informações sugere déficit de memória grave. A atenção, a
concentração e a memória imediata são testadas pela repetição de
uma sequência de números em ordem direta (digit span forward).
Hemidesatenção ou heminegligência: paciente não presta
atenção a um lado do espaço. O hemisfério não dominante parece
manter a atenção tanto no hemiespaço direito quanto no esquerdo,
e o dominante mantém apenas no contralateral. Pacientes com
lesões parietais à direita costumam apresentar heminegligência em
relação ao lado esquerdo do espaço. Nas lesões dominantes, a
heminegligência não é característica dominante.

II) Memória
A memória pode ser classificada em imediata (operacional),
recente (de curto prazo), e remota (de longo prazo). A memorização
de uma sequência de números é um teste de atenção e memória
imediata. O acervo de informações do paciente, como fatos
escolares básicos e informações atuais e pessoais, reflete sua
memória remota. Perguntas sobre direções costumam ser úteis. A
memória recente é testada ao apresentar ao paciente informações
que ele deve memorizar; após cerca de 5 minutos o paciente deve
repetir o que memorizou.

III) Cálculo
A habilidade de contar e calcular pode ser avaliada solicitando-se
que o paciente conte em ordem direta ou inversa ou calcule o troco.
A discalculia é característica de lesões do lobo parietal dominante,
sobretudo do giro angular. O comprometimento da habilidade de
calcular pode ocorrer nas lesões posteriores do hemisfério
dominante, e esses pacientes apresentam distúrbio primário da
capacidade de calcular.

IV) Raciocínio Abstrato


A avaliação consiste em pedir que o paciente descreva
semelhanças e diferenças, encontre analogias e interprete
provérbios e aforismos.

V) Introvisão e Julgamento
Geralmente se pergunta o que o paciente faria se encontrasse
uma carta fechada, endereçada e com selo na calçada ou se
sentisse cheiro de fumaça em um cinema. As informações
oferecidas pelos parentes podem ser mais esclarecedoras.

VI) Transtorno da Fala e da Linguagem


O exame começa com a observação da fala espontânea. As
palavras “putuku” e “pataka” avaliam os sons labiais, linguais e
velares. Palavras e expressões usadas com frequência são “terceira
brigada de artilharia”, “metodista episcopal”, “retribuição voluntária”,
entre outras. Deve-se pedir que o paciente repita várias vezes uma
sílaba como “pu” o mais rápido possível, observando a lentidão ou
rapidez anormal da repetição, a regularidade e a uniformidade, a
intensidade ou a tremulação da voz.
A partir desse exame, podem-se encontrar distúrbios
denominados afasia, que podem ser classificados da seguinte
forma:

• Afasia de Broca: causada por lesão na área de broca –


também pode ser chamada de verbal/motora; o indivíduo
tem dificuldade de expressar-se verbalmente ou por escrito.
Geralmente está associada à hemiparesia direita

• Afasia de Wernicke: causada por lesão em região posterior


do giro temporal superior. Nessa condição, o paciente
possui dificuldade para compreender fala e escrita,
podendo apresentar ainda parafasia, frases construídas de
forma errônea: perseveração, repetição do mesmo
vocábulo; e jargonofasia, uso de palavras incompreensíveis

• Afasia de condução: causada por lesão nas fibras do


fascículo arqueado. Nesse caso, embora o paciente
consiga ler e falar normalmente, há dificuldade para repetir
palavras

• Afasia amnéstica: causada por lesão em região que une os


lobos parietal, occipital e temporal esquerdos. O paciente
consegue, por exemplo, dizer a função de um objeto, porém
não se lembra do seu nome

• Afasia transcortical: esse tipo de afasia divide-se em


sensorial, em que há alteração da compreensão; e motor,
com comprometimento da expressão verbal e mista. O
diferencial desse tipo de afasia é que, mesmo com
comprometimento de algumas funções, há conservação da
habilidade de repetição em todos os casos.
Lesões do córtex frontal e parietal dominantes e, em alguns
casos, no corpo caloso e lobos temporais podem provocar as
apraxias – perda da atividade gestual intencional sem ataxias,
paralisias e hipercinestesias. Elas são divididas nas seguintes
manifestações clínicas:

• Apraxia construtiva: perda de gestos organizados, como


desenhar e copiar modelos

• Apraxia ideomotora: dificuldade de realizar gestos simples,


apesar de entender a ideias do ato a ser realizado. Por
exemplo, pede-se que o paciente coloque a mão em seu
nariz e ele apresenta dificuldade ou não consegue realizar a
tarefa
• Apraxia ideatória: é a dificuldade de ordenar vários gestos
simples que são facilmente realizados isoladamente
Apraxia de vestir: paciente apresenta dificuldade para
realizar as manobras relacionadas ao processo de vestir e
despir. Ocorre em casos de lesões retrorrolândicas direita

• Apraxia da marcha: dificuldade de marcha causada por


lesão frontal de ambos os hemisférios, principalmente no
início da lesão

• Apraxia bucolinguofacial: dificuldade de reproduzir gestos


da mímica facial; movimentos automáticos são
preservados. Decorre de lesão no córtex frontal esquerdo.

SEMIOLOGIA DO CÓRTEX MOTOR


O exame da função motora busca analisar os componentes
relacionados à capacidade de movimentação do paciente, através
da observação de força e tônus muscular, além de possíveis
movimentos anormais e reflexos padrão que remetem a lesões
motoras – resposta da primeira parte da questão 2.

ESCALA DE FORÇA
No exame manual da força dos músculos, a força de cada
músculo é testada e classificada de acordo com a escala do Medical
Research Council (MRC), usada para acompanhar a evolução de
pacientes (Tabela 2). O teste de força confiável se dá pelo método
da alavanca longa. O paciente deve estar apropriadamente
posicionado, evitando movimentos indesejados. O teste em posição
sentada é suficiente na maioria das circunstâncias. É importante
imobilizar a parte proximal do membro ao se testar movimentos
distais. Por exemplo, para examinar o deltoide, deve-se estender o
cotovelo do paciente, pedir que ele abduza o membro e tentar
superar o movimento pegando seu punho.
Tabela 2 Escala de força do Medical Research Council.

NÍVEL DE
RESPOSTA ENCONTRADA
FORÇA
0 Ausência de contração

1 Tremor ou esboço de contração

2 Movimento ativo com eliminação da gravidade

3 Movimento ativo contra ação da gravidade

Movimento ativo contra gravidade e resistência leve do


4−
examinador

Movimento ativo contra gravidade e resistência


4
moderada do examinador

Movimento ativo contra gravidade e resistência forte do


4+
examinador

5 Força normal

AVALIAÇÃO DA FORÇA
• Pescoço: os principais movimentos do pescoço são flexão,
extensão, rotação e flexão lateral. Com exceção dos
músculos esternocleidomastóideo e trapézio, não é
possível examinar isoladamente os músculos dessa região.
Analisa-se, então, a avaliação de cada movimento

• Teste dos flexores: o paciente a tentar encostar o queixo


no tórax enquanto o examinador aplica força à fronte
(Figura 1)
Figura 1. Teste dos flexores

Fonte: Autoria própria.

• Teste de força dos flexores: com o paciente sentado ou


em decúbito dorsal faz-se a cronometragem do tempo
em que o paciente consegue manter a posição do queixo
no tórax. A maioria dos pacientes consegue manter 1
minuto em decúbito dorsal

• Teste dos extensores: deve-se instruir o paciente a


realizar a extensão do pescoço, enquanto o examinador
realiza força na região occipital (Figura 2)
Figura 2. Teste dos extensores
Fonte: Autoria própria.

Trapézio: as partes do músculo trapézio devem ser analisadas de


forma separada. Para examinar as fibras descendentes, pode-se
pedir para o paciente elevar os ombros ou tentar aproximar o ombro
da região occipital, ambos os métodos são contra resistência. As
fibras transversais podem ser testadas instruindo-se o paciente a
retrair a escápula contra a resistência ou manter o braço abduzido
em posição horizontal, com a palma da mão voltada para cima e
tentando esticar o braço para frente (Figura 3).
Figura 3. Teste de força do trapézio
Fonte: Autoria própria.

• Ombro: a avaliação bilateral do músculo deltoide auxilia o


paciente a manter equilíbrio e também a comparar a força
dos dois lados. Em fraqueza grau 3/5, o paciente é capaz
de abduzir o braço, porém não contra uma resistência
considerável. Na fraqueza mais intensa, o paciente pode
inclinar-se para o lado oposto na tentativa de facilitar o
movimento (artifício do movimento). Em grau 2/5, o
paciente abduz o braço apenas quando deitado. Na
paralisia completa, não é possível abduzir o braço (figura 4)
Figura 4. Teste de força do ombro
Fonte: Autoria própria.

Rotação lateral: o paciente deve tentar fazer a rotação lateral do


ombro por rotação lateral e posterior do antebraço contra
resistência, enquanto está fletido em 90°
Rotação medial: a avaliação passa por instruir o paciente a
mover o antebraço medialmente contra resistência com cotovelo
fletido
Bíceps braquial: paciente tenta fletir o antebraço contra
resistência(figura 5)
Figura 5. Teste de força do bíceps braquial
Fonte: Autoria própria.

• Tríceps braquial: paciente tenta estender o braço a partir de


posição intermediária entre flexão e extensão e contra
resistência (figura 6)
Figura 6. Teste de força do tríceps braquial
Fonte: Autoria própria.

• Supinação: paciente tenta fazer supinação contra


resistência do examinador (Figura 7)
Figura 7. Teste de supinação
Fonte: Autoria própria.

• Flexão do carpo: paciente tenta realizar o movimento


contra resistência (figura 8)
Figura 8. Teste de flexão do carpo

Fonte: Autoria própria.

• Extensão do carpo: paciente tenta realizar o movimento


contra resistência(figura 9)
Figura 9. Teste de extensão do carpo
Fonte: Autoria própria.

Coluna vertebral: para avaliá-la, deve-se instruir o paciente, em


decúbito dorsal, a se sentar sem utilizar ajuda das mãos. Também
pode realizar pedindo ao paciente que encoste os dedos da mão nos
pés e volte à posição ereta (figura 10)
Figura 10. Teste de avaliação da força da coluna vertebral

Fonte: Autoria própria.


• Membro inferior
• Extensores do quadril: paciente em decúbito ventral
elevando o joelho fletido, enquanto o examinador faz
resistência para baixo (figura 11)
Figura 11. Teste de força dos extensores do quadril

Fonte: Autoria própria.

Glúteo máximo: paciente sentado e tentando empurrar joelho


para baixo contra resistência do examinador (figura 12)
Figura 12. Teste de força do glúteo máximo
Fonte: Autoria própria.

• Rotação: paciente tenta realizar movimento de rotação


medial ou lateral, em pé, contra a resistência do examinador

• Flexores do joelho: paciente em decúbito dorsal ou ventral


com joelhos parcialmente fletidos resiste à tentativa do
examinador em estendê-los (figura 13)
Figura 13. Teste de força dos flexores do joelho
Fonte: Autoria própria.

• Quadríceps femoral: paciente sentado ou em decúbito


dorsal tenta estender o joelho contra resistência do
examinador. Outro exame consiste em ficar de lado para o
joelho, passando o braço na perna e agarrando o outro
braço. Faz-se um movimento vigoroso de flexão da perna,
enquanto eleva-se o cotovelo, enquanto o paciente tenta
resistir ao movimento (figura 14)
Figura 14. Teste de força do quadríceps femoral
Fonte: Autoria própria.

OUTROS EXAMES MOTORES


Para detectar lesão do trato corticoespinhal – resposta da
segunda parte da questão 2.

• Desvio do pronador: paciente deve ficar com braços


estendidos à frente, palmas voltadas para cima e olhos
fechados por no mínimo 20 a 30 segundos. As alterações
nesse tempo são normalmente semelhantes nos dois
lados. Pacientes com lesão do trato tendem a rotacionar
medialmente um dos membros contralateralmente à lesão
(figura 15)
Figura 15. Teste do desvio do pronador
Fonte: Autoria própria.

Sinal de Babinski: promove-se um estímulo tátil leve na planta do


pé, geralmente do calcanhar aos dedos. Em pacientes hígidos,
ocorre flexão dos dedos. A hiperextensão do hálux com abdução
dos dedos é resulta em sinal de Babinski positivo (figura 16)
Obs.: em crianças, é normal ocorrer esse sinal devido à
incompleta mielinização desse tracto.
Figura 16. Pesquisa do sinal de babinski

Fonte: Autoria própria.

AVALIAÇÃO DO TÔNUS MUSCULAR


O paciente deve estar relaxado e cooperativo. Deve-se avaliar o
tônus por movimentos lentos e rápidos e em amplitudes parcial e
total, registrando distribuição, tipo e intensidade da anormalidade
(Tabela 3). Algumas manobras ajudam a avaliar o tônus anormal,
como o seguinte passo a passo:

1. Os braços são abduzidos nos ombros e antebraços, e os


cotovelos são flexionados passivamente
2. O paciente é colocado em decúbito dorsal, sem travesseiro,
totalmente relaxado, com olhos fechados e atenção
desviada. O examinador levanta a cabeça e a deixa cair
subitamente. O natural é que a cabeça caia rapidamente no
apoio
3. O paciente senta-se na borda da mesa, relaxado e com as
pernas pendentes. O examinador estende as duas pernas
até a mesma altura horizontal e solta (teste do pêndulo ou
Wartenberg) ou empurra as duas pernas para trás de forma
brusca. Normalmente as pernas oscilam de 6 a 7 vezes até
que o movimento cesse
4. O examinador põe as mãos sobre os ombros do paciente e
balança-os vigorosamente para frente e para trás
5. O examinador eleva subitamente os braços do paciente até
a altura dos ombros e solta-os.
Tabela 3. Avaliação do tônus muscular.

COMO SE APRESENTA A CADA


CONDIÇÃO
EXAME

Aumento da flexibilidade
Balanço das pernas com maior amplitude e por
Hipotonia tempo prolongado
Balanço do braço maior que o normal
Queda do braço mais abrupta que o normal

Hipertonia Diminuição da flexibilidade

O tempo de oscilação pode diminuir ou não, mas os


movimentos são espasmódicos irregulares
Espasticidade
Atraso no movimento descendente do braço (sinal
de Bechterew)

Queda tardia, lenta e suave


Rigidez Tempo de oscilação diminuído
extrapiramidal Diminuição da amplitude de oscilação do braço
afetado

SEMIOLOGIA DO CÓRTEX
SENSORIAL
As funções sensoriais do córtex envolvem regiões primárias, que
recebem os estímulos, e regiões secundárias, que interpretam e
contextualizam os estímulos. Sendo assim, as funções corticais
sensoriais estão relacionadas à discriminação e à percepção de
estímulos, estando além da simples noção de estímulos gerados
nos receptores sensoriais periféricos.
A semiologia do córtex sensorial é realizada para verificar se
existem áreas de ausência, diminuição, exagero ou perversão da
sensibilidade e para determinar o tipo de sensibilidade afetada,
assim como o grau e a distribuição da anormalidade. Recomenda-se
realizar essa avaliação no início do exame neurológico, quando o
paciente está mais alerta e atento. A fadiga prejudica a acurácia e
os achados tornam-se menos confiáveis.
Os sintomas sensoriais são referidos pelo próprio paciente
como:

• Negativos (ausência de sensibilidade)


• Positivos
• Descargas sensoriais anormais (parestesias e disestesias).
Para que o paciente relate esses sintomas, pergunte se ele sentiu
dor, dormência ou perda da sensibilidade. Caso algum destes esteja
presente, é necessário verificar seu tipo, caráter, intensidade,
distribuição, duração e periodicidade, além de fatores de piora e
alívio.
Não é possível diferenciar, pelo exame, se o comprometimento se
deu em região cortical primária ou nas vias de condução dos
estímulos.
Descrição do exame
Após explicar o procedimento ao paciente, pede-se que feche
seus olhos e comece. O indivíduo deve ser instruído a dizer o tipo de
estímulo e sua localização.
Padrões de exame
De lado a lado (quando relacionada aos dermátomos)
• Distal para proximal (quando possuir relação com
neuropatias periféricas).
Todo achado deve ser confirmado pela repetição do exame.

SENSIBILIDADE EXTEROCEPTIVA

Dor
Geralmente usa-se um alfinete de segurança dobrado em
ângulos retos, descartável e capaz de causar dor, porém sem
sangramento.
O paciente deve manter os olhos fechados durante o exame,
sendo instruído a avaliar se o estímulo de um lado parece tão agudo
quanto o do outro. É comum pedir ao paciente que fale em
porcentagem ou valores monetários o quanto um estímulo vale em
relação ao outro para facilitar seu registro. Pode-se ainda pedir para
que o paciente diga se foi estimulado pela parte aguçada ou pela
romba, entretanto esse método não permite avaliar pequenas
alterações na sensibilidade (Tabela 4).
Tabela 4. Sentido de realização do exame de dor em pacientes com hipo ou
hiperalgesia

EM CASO DE SENTIDO DO EXAME

Da área de MENOR para MAIOR


Hipoalgesia
sensibilidade

Hiperalgesia Da área NORMAL para a ALTERADA

Os estímulos devem ser empregados sem rapidez (pois pode


haver soma temporal) e com certa distância (pode acontecer soma
espacial). Além disso, deve-se aplicá-los em espaços irregulares
para que não sejam previstos pelo paciente.

Sensibilidade Térmica
Pode ser realizada com tubos de ensaio contendo água quente
ou fria, ou por objetos com condutividade térmica diferente. O ideal
é que o frio seja de 5 a 10° e os quentes de 40 a 45°. Garanta que os
tubos estejam secos.
No exame geral, é suficiente verificar se o paciente sabe
distinguir esses estímulos.

Sensibilidade Tátil
O tato leve pode ser testado com um fiapo de algodão, um lenço
de papel, uma pena, uma escova macia, cabelos ou até mesmo com
toques leves com as pontas dos dedos. É suficiente verificar se o
paciente reconhece e localiza aproximadamente ao região do
estímulo e diferencia sua intensidade.
Peça para que o paciente diga “sim” quando sentir o estímulo e
aponte a área estimulada.

SENSIBILIDADE PROPRIOCEPTIVA

Propriocepção Consciente
O teste começa, no membro inferior, pela articulação
metatarsofalângica do hálux e, no membro superior, pelas
articulações interfalângicas distais. É realizado com o paciente de
olhos fechados, explicando-o antes como será realizado o teste.
Deve-se segurar o dedo, totalmente relaxado, do paciente pelas
laterais na posição dorsoventral, afastando-o dos dedos adjacentes.
O dedo é movido (com excursões de 1 a 2 segundos) para cima ou
para baixo, e o paciente deve dizer o sentido do movimento.
O sentido de posição também pode ser testado colocando-se os
dedos do paciente em posição de “OK”, enquanto seus olhos estão
fechados. Pede-se para que ele descreva a posição ou tente imitá-la
com a outra mão.
Um dos testes usados para distinguir comprometimento
proprioceptivo é o Teste de
Romberg, em que o paciente é capaz de ficar em pé de pés
juntos, quando com os olhos abertos, mas não com eles fechados.

Sensibilidade Vibratória
Avaliada pela capacidade de perceber vibração, quando um
diapasão oscilante é apoiado sobre determinadas proeminências
ósseas e por quanto tempo essa pessoa sente essa vibração. O
teste deve comparar ambos os lados e as partes distal e proximal.

Sensibilidade à pressão
Abrange a percepção da compressão de estruturas subcutâneas,
diferente do tato leve. É realizada por toque firme sobre a pele ou
compressão de estruturas profundas (massas musculares, tendões,
nervos) usando pressão digital ou um objeto contundente. O
paciente deve detectar e localizar a pressão.

Dor Profunda
Avaliada pela compressão de músculos, tendões ou testículos;
por compressão de nervos superficiais ou do bulbo do olho; ou por
hiperflexão extrema forçada da articulação interfalângica de um
dedo.
Agnosias
A perda de diferentes variedades de sensação ao mesmo tempo
caracteriza uma agnosia – resposta da segunda parte da questão 3,
que pode ser causada por lesão em áreas sensoriais secundárias,
principalmente no córtex parietal, geralmente decorrentes de
acidentes vasculares cerebrais, traumatismos cranioencefálicos
(TCE) e neoplasias, sendo necessário analisar criteriosamente cada
uma delas para garantir que a lesão não foi em região primária e, só
após isso, diagnosticar esse tipo de lesão. Para isso é necessário
conhecê-las:

• Estereognosia: é a percepção, a compreensão, o


reconhecimento e a identificação do formato e da natureza
de objetos pelo tato. A incapacidade de fazer isso é
ASTEREOGNOSIA. O seu diagnóstico só pode ser
confirmado, se as sensações cutâneas e proprioceptivas
estiverem intactas. A percepção do tamanho de um objeto
pode ser testada com uso de objetos que tenham formatos
iguais, mas tamanhos diferentes, pedindo que os diferencie
de olhos fechados. Quando há astereognosia, pode haver
atraso na identificação ou na diminuição dos movimentos
normais de exploração, enquanto o paciente manipula o
objeto. A incapacidade de reconhecer objetos pelo tato com
uma mão é denominada agnosia tátil

• *Grafestesia: capacidade de reconhecer letras ou números


traçados sobre a pele com um lápis, alfinete ou objeto
semelhante. O teste é feito em polpa dos dedos, palma da
mão ou dorso do pé. Devem-se usar números facilmente
identificáveis e que não sejam semelhantes. O
acometimento dessa capacidade é conhecido como
agrafestesia ou grafanestesia

• Discriminação de dois pontos: capacidade de diferenciar,


de olhos fechados, a estimulação cutânea de um ponto do
outro. O melhor instrumento de teste é um discriminador de
dois pontos específicos para esse fim. Geralmente usa-se
compasso de eletrocardiograma, compasso ou clipe de
papel em V, colocando-se suas pontas em distâncias
diferentes. Para testar a discriminação estática, o
instrumento de teste é mantido no lugar por alguns
segundos sobre o local a ser testado. Na discriminação
móvel, sobre a polpa de um dedo, o discriminador é levado
da prega interfalângica distal até a ponta do dedo.
Pergunta-se se o paciente está sentido uma ou duas pontas
a cada estímulo, e o resultado é registrado como a
distância mínima que possibilita a percepção constante
como dois pontos separados

• Extinção, desatenção ou negligência sensorial: perda da


capacidade de perceber dois estímulos sensoriais
simultâneos. Pode ocorrer isolada ou associada a outros
déficits da atenção no hemiespaço em lesões mais
extensas. O extremo é a desatenção a todo hemiespaço
contralateral: anosognosia. O teste usa estímulos duplos
simultâneos em locais homólogos nos dois lados do corpo.
Há extinção, se o paciente não percebe um dos estímulos

• Capacidade de localizar estímulos sensoriais: para testar,


toque o paciente de um lado e peça que ele aponte com o
indicador do lado oposto onde ele sentiu o estímulo. A
exatidão varia de acordo com a região tocada. Uma lesão
parietal direita interfere na localização tátil no lado
esquerdo, e uma lesão parietal esquerda causa déficits
bilaterais

• Autotopagnosia: incapacidade de identificar partes do


corpo, orientar o corpo ou compreender a relação entre
partes individuais (distúrbios do esquema corporal). O
paciente pode apresentar perda completa da identificação
pessoal de um membro ou de metade do corpo. Ele pode
deixar cair a mão sobre a mesa para o colo e acreditar que
algum outro objeto caiu ou mesmo que seja o braço de
outra pessoa. A falta de consciência de metade do corpo é
denomianda agnosia de hemicorpo. A agnosia de dedos é a
incapacidade de denominar ou reconhecer os dedos.
Anosognosia é a ausência de consciência ou negação da
existência da doença e é mais comum nas lesões no córtex
parietal direito. O termo somatotopagnosia remete a
pacientes que negam hemiplegia ou não reconhecem as
partes paradas como suas.

SEMIOLOGIA DO CÓRTEX VISUAL


O exame do córtex visual é realizado conjuntamente ao exame
do nervo óptico, e a partir da alteração encontrada na campimetria é
possível identificar se a lesão foi em nível de segundo par craniano
ou no córtex visual (em casos de hemianopsia homônima
contralateral à lesão).
Esse exame deve ser feito para avaliar 4 pontos – resposta da
primeira parte da questão 4.

Acuidade (capacidade) visual


O paciente deve, utilizando apenas um olho de cada vez, ler
palavras, números ou letras situadas a aproximados 6 m de
distância no “mapa de Snellen”. Podem ainda ser utilizados os
“mapas de Jaeger ou Rosenbaum”, esses, entretanto, a 35 cm do
globo ocular.
Figura 17 Exemplo do mapa de Snellen.
Fonte: Campbell WW. DeJong – O Exame Neurológico. Rio de
Janeiro: Guanabara-Koogan; 2007.

Campimetria
Avaliação do campo visual pelo método da confrontação: médico
e paciente ficam cerca de 1 m de distância de frente para o outro e
ocluem um de seus olhos (em lados opostos) e fixam o olhar no
nariz do outro. O neurologista deve, então, estender sua mão em
uma distância média entre os dois e mover seu dedo lentamente
nos extremos de cada quadrante, fazendo com que o paciente o
acompanhe. De acordo com o campo visual, é possível saber se há
algum comprometimento e a localização da lesão no nervo.

Reflexos
Em pacientes com confusão mental ou rebaixamento do nível de
consciência, deve-se aproximar o dedo ou algum objeto do globo
ocular para ver se o paciente pisca. Contudo, é preciso ser
cuidadoso para não produzir muito deslocamento de ar e estimular
um reflexo corneopalpebral (relacionado aos nervos trigêmeo e
facial).

Fundoscopia
O “exame de fundo de olho” é realizado para avaliar as papilas
ópticas (“cabeça do nervo óptico”), atentando-se para a presença de
edema ou atrofia nessa região, evidenciadas por uma mudança na
tonalidade usual, observada em exames normais.
Pode haver ainda lesões em áreas de associação visual. Nesse
caso, o paciente apresenta uma agnosia visual, perda ou diminuição
da capacidade de reconhecer visualmente, ainda que não possua
alterações visuais – reposta da segunda parte da questão 4.
Existem diversos tipos de agnosia visual. Quando o indivíduo
apresenta uma lesão em regiões parieto-occipitais bilaterais, é
possível que apresente agnosia visual aperceptiva. Ela é
manifestada, quando a percepção distorce a imagem do objeto,
tornando difícil reconhecê-lo. Há dificuldade de distinguir um
quadrado de um círculo.
Lesões em região occipitotemporal bilateral ou que desconectem
o córtex visual dos centros da linguagem podem fazer com que o
paciente apresente uma agnosia visual associativa. Nela, há a
incapacidade de identificar e associar objetos com experiências e
memórias. Essa condição ocorre na ausência de afasia, anomia e
deficiência visual. Dentro desse grupo existe a afasia óptica, na qual
o paciente não consegue identificar um objeto quando apresentado
visualmente, mas consegue quando apresentado por outra
modalidade, como o tato, o que a diferencia de quadros de anomia.
Além desses exemplos, lesões em áreas de associação visual
podem causar agnosia para cores, prosopagnosia (agnosia facial) e
simultagnosia, em que o paciente identifica um objeto ou detalhe de
cada vez, mas não consegue quando lhe é apresentada uma
imagem inteira (Figura 18).
Figura 18. Esquema de correlação entre lesões no trajeto e no córtex visual
com a sintomatologia.
Fonte: Autoria própria.

SEMIOLOGIA DO CÓRTEX AUDITIVO


É possível avaliar inicialmente a audição pela simples
observação da capacidade de entender sons de baixa e alta
intensidades. Em casos de história de déficit auditivo, realiza-se a
otoscopia, para garantir que haja integridade da membrana
timpânica e que não haja nenhuma estrutura obstruindo a condução
do som. Deve-se verificar a região mastóidea, certificando-se da
existência de tumefação ou dor à palpação.
A perda auditiva pode ser de condução, neurossensorial ou
central. Esta última é extremamente rara e não causa déficit
clinicamente significativo, sendo causada por doenças de vias
centrais (tabela 5).
A função auditiva é pesquisada interrogando-se o paciente sobre
surdez ou ocorrência de zumbidos. Com um diapasão, compara-se a
audição de ambos os ouvidos para verificar se há lateralização da
captação auditiva (teste de Weber). Em seguida, comparam-se as
audições aérea e óssea. Coloca-se o cabo do diapasão no processo
mastóideo, para examinar a condução óssea. Quando o paciente
informa que não está ouvindo mais, deve ser ainda capaz de ouvir
através da condução aérea, que é superior à óssea (teste de Rinne)
– resposta da questão 5.
Tabela 5. Tipos de perda auditivas e os respectivos resultados nos testes de
Rinne e Weber

TIPO DE TESTE DE TESTE DE


PERDA/RESULTADOS
DOS EXAMES RINNE WEBER

Perda auditiva de condução − Lateralização para o


(PAC) Condução óssea > aérea lado acometido

Perda auditiva + Lateralização para o


neurossensorial (PAN) Condução aérea > óssea lado normal

COMO REALIZAR OS TESTES DE


WEBER E RINNE (Figura 19)
Figura 19. Teste de Weber (à esquerda) e Teste de Rinne (ao centro e à
direita).
Fonte: Autoria própria.

SEMIOLOGIA DO CÓRTEX OLFATIVO


O exame neurológico da função olfativa é realizado, quando há
queixas de redução do olfato ou caso possa existir uma lesão na
base da fossa anterior do crânio. A anamnese deve abordar histórico
de TCE prévio, tabagismo, infecção do trato respiratório superior
(IRS) recente, crises epilépticas em região rinencefálica, exposição a
toxinas, entre outros. O exame se dá da seguinte forma:
Faz-se o exame separadamente de cada narina enquanto oclui a
outra. Com os olhos do paciente fechado, aproxime a substância de
teste da narina aberta. Peça ao paciente que aspire e identifique a
substância. Repita o exame na outra narina e compare os resultados
(Tabela 6). Deve-se examinar primeiro o lado com suspeita de
anosmia (ausência de olfato).
As substâncias utilizadas devem ter odor característisco e não
serem irritativas. Pode-se utilizar, por exemplo, café – substância
mais recomendada, canela, cravo-da-índia, álcool e muitas outras.
Tabela 6. Exame de odor e o respectivo significado

RESULTADO DO
SIGNIFICADO
EXAME
Continuidade das vias olfatórias; descarta
Percepção do odor
anosmia

Identificação do tipo do odor Preservação da função cortical

Além disso, como a inervação é bilateral, uma lesão ao nível da


decussação olfatória não causa perda de olfato, assim como uma
lesão cortical não causa anosmia – resposta da questão 6.

EXAME FÍSICO BASEADO EM


EVIDÊNCIAS
A Escala de Coma de Glasgow é um parâmetro para avaliação do
nível de consciência amplamente utilizado para análise inicial,
acompanhamento e prognóstico de pacientes com TCE. Os
aspectos analisados são abertura ocular e repostas verbal e motora.
Por meio de seus resultados, é possível, pela condição clínica, prever
eventuais sequelas e orientar o tratamento nessas condições.
Entretanto, sabe-se que, uma vez que a escala abrangesse outros
aspectos fisiológicos, esse seria um parâmetro ainda mais útil.
Dentre esses aspectos, o reflexo pupilar possui fácil avaliação e
pode aumentar informações preditivas do resultado.
Propondo uma forma de combinar os resultados da ECG com os
do reflexo pupilar, um estudo multicêntrico envolvendo 21.997
pacientes foi realizado. As informações foram obtidas de duas
fontes de dados cujos pacientes enquadravam-se em dois grupos.
Em uma, os pacientes haviam tido ferimento na cabeça; em outra,
haviam sofrido lesão cerebral traumática. Foram identificados
pacientes com informações sobre o Glasgow e resposta pupilar
disponíveis. Esses pacientes foram avaliados novamente 6 meses
depois do trauma.
O método desenvolvido para integrar Glasgow e resposta pupilar
foi reduzir do Glasgow total a resposta pupilar (0 para resposta
pupilar presente, 1 para ausente unilateralmente e 2 se ausente
bilateralmente) – ECG – resposta pupilar = ECG-P.
Dos 21.997 pacientes, 15.900 tiveram suas informações
completadas conforme método proposto. Como esperado, foi
possível inferir que a mortalidade aumenta conforme o Glasgow
diminui. Além disso, observou-se que a mortalidade aumentava
também conforme a resposta pupilar diminuía, constatando-se a
associação. Entretanto, o resultado de mais significativo foi que, em
comparação com a escala antiga, indivíduos que são gradeados no
mesmo escore na escala criada possuem maior mortalidade, o que
indica que essa atualização é mais fidedigna com o prognóstico do
paciente. Por exemplo, enquanto pacientes com 3 na ECG
apresentaram 51% de mortalidade, pacientes com 3 na ECG-P
apresentaram 71%. Na avaliação final, portanto, esse mesmo
paciente é encarado de forma mais grave com o uso da escala
atualizada – resposta da primeira parte da questão 7.
Entretanto, em uma carta ao editor, Rabelo et al. apontaram
alguns fatores que podem ter enviesado os resultados. Segundo
eles, o tipo de resposta pupilar pode comprometer o método de
avaliação, por exemplo, no paciente sedado. Além disso, a presença
de um estudo retrospectivo com base em dois ensaios grandes e
heterogêneos pode ser um fator que indica viés. Os autores afirmam
ainda que a perda de reatividade pupilar é mais comum em Glasgow
inferior a 8 que em grupos superiores a 13, e este último é o grupo
em que ainda requer mais informações sobre a mortalidade. Por fim,
alguns dados estatísticos chamam atenção. A porcentagem de
mortalidade e resultados adversos do ECG-P 4 é maior que a do
ECG-P 3 e os resultados adversos do ECG-P 1 e 2 estão ligeiramente
subestimados.
Por isso, para os autores, apesar da ECG-P parecer útil, são
necessárias mais investigações para se comparar com escalas já
existentes, melhorando sua aplicabilidade na prática clínica como
forma de prever a mortalidade em casos de lesão cerebral –
resposta da segunda parte da questão 7.
CONCLUSÃO
Uma vez que ainda não há um tratamento definitivo para a
doença de Alzheimer, deve-se realizar uma abordagem
individualizada ao paciente do caso clínico. A multidisciplinaridade
entre médicos, enfermeiros, família e cuidadores e os serviços
sociais deve ser realizada em conjunto para auxiliar o paciente a se
adaptar em sua condição, enquanto a doença progride. Apesar
disso, é sempre importante envolver o paciente nas tomadas de
decisões, mesmos nos casos em que haja comprometimento
cognitivo.
O exame do córtex cerebral pode ser organizado de acordo com
uma divisão funcional. No exame do córtex frontal, apesar dos
fatores que podem comprometer a avaliação, o teste mais utilizado
é o MEEM, que avalia orientação espacial, memória e linguagem. As
funções específicas também são avaliadas e podem-se diagnosticar
quadros de afasias e apraxias. O córtex motor é avaliado por meio
de manobras para testar movimento, tônus e força dos músculos e
do comando neural. O córtex sensitivo avalia sensibilidade
proprioceptiva, exteroceptiva, além de ser possível diagnosticar
agnosias. O exame do córtex visual enquadra-se na avaliação
oftalmológica comum, principalmente pela campimetria. Lesões em
áreas visuais secundárias causam agnosias visuais. Lesões do
córtex raramente são diagnosticadas pela sua bilateralidade. A
avaliação da via auditiva se dá pelos testes de Rinne e Weber. Por
fim, o córtex olfativo é testado avaliando-se a capacidade de
perceber e identificar odores.
A ECG associada à resposta pupilar (ECG-P) é um ponto de
partida fundamental para associar informações importantes ao
exame neurológico. Entretanto é necessário que sejam feitos mais
testes e melhorias ao sistema criado para torná-lo, assim, mais
aplicável.
Dominar o exame neurológico é fundamental para qualquer
médico em sua prática. Sendo assim, é necessário que os
estudantes de medicina e médicos mantenham-se aprendendo,
revendo os conteúdos e, sobretudo, atualizando-se quanto aos
conhecimentos da área, ainda que de forma resumida, como na
presente obra.

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de outubro de 2019.
Capítulo 24

Avaliação do Estado Mental


Autores: Júlian Reis da Silva, Nícollas Nunes Rabelo

CASO CLÍNICO
J.D.F, sexo masculino, 80 anos de idade, branco, viúvo,
engenheiro aposentado, comparece ao consultório médico
acompanhado do filho, queixando-se de esquecimento há 10 meses.
Inicialmente, teve dificuldades de se lembrar de acontecimentos
recentes, esquecendo-se de conversas que acabou de ter, fazendo
as mesmas perguntas várias vezes. Esquecia nomes e repetia as
mesmas frases com frequência. O filho relatou que o paciente não
percebia o esquecimento. Nega alterações em fala, percepção,
comportamento e humor. Evoluiu com piora, sendo incapaz de
realizar atividades cotidianas como fazer chá, usar o telefone e
tomar remédio, necessitando da ajuda do filho. Hipertenso há 10
anos, faz uso de losartana e hidroclorotiazida. Passado de câncer
prostático, diagnossticado precocemente e tratado com
quimioterapia. Nega tabagismo e etilismo. Faz caminhada diária de
30 minutos acompanhado do filho. Nega antecedentes familiares de
doença neurodegenerativa.
Ao exame, o paciente apresentava pressão arterial (PA) de 120 ×
80 mmHg, frequência respiratória (FR) de 15 irpm, frequência
cardíaca (FC) de 85 bpm e temperatura axilar de 37°C. Bulhas
normorrítmicas e normofonéticas em 2 tempos, sem sopros.
Murmúrio vesicular fisiológico presente bilateralmente no tórax, sem
ruídos adventícios. Percussão sem alterações. Indolor à palpação.
Ausência de frêmitos. Ruídos hidroaéreos presentes em abdome
plano, flácido, indolor à palpação, ausência de visceromegalia. O
miniexame do estado mental (MEEM) revelou alterações em
orientação, memória de evocação, atenção e cálculo (18/30 pontos).
A avaliação funcional das atividades de vida diária mostrou
comprometimento.
Hipótese Diagnóstica: Síndrome Demencial.
Conduta: Hemograma completo, ureia, creatinina, tiroxina (T4)
livre, hormônio tireoestimulante (TSH), albumina, TGO/AST, TGP/ALT,
Gama-GT, vitamina B12, cálcio, VDRL. Tomografia computadorizada
de crânio.

Conclusões clínicas
Ao suspeitar de síndrome demencial, diversos exames podem
ser solicitados para confirmar ou descartar tal hipótese diagnóstica.
O consenso americano afirma que apenas dosagens do TSH e
vitamina B12 seriam suficientes para o diagnóstico, porém, no Brasil,
deve-se solicitar uma gama superior de exames, pois há diferença
no perfil populacional (se comparado aos americanos). Nesse caso
clínico, considera-se a conduta tomada na investigação de uma
síndrome demencial correta. A análise do líquido cefalorraquidiano
não se encaixa com o caso, pois o paciente não tem curso atípico
da doença e não possui qualquer suspeita de evidência de
infecção/inflamação do sistema nervoso central. A tomografia
computadorizada/ressonância magnética de crânio é crucial no
diagnóstico por descartar outras causas de demência e excluir
outras lesões estruturais não detectáveis. A escolha do método de
imagem considera seu custo, o protocolo de determinado serviço
médico e as eventuais contraindicações para um ou outro exame.
O MEEM é uma forma rápida e prática na rotina médica de
avaliar o nível de comprometimento que o paciente pode vir a ter.
Pode ser aplicado nos retornos do paciente para comparar se houve
melhora ou piora de nível cognitivo, permitindo ao médico a
reavaliação de condutas. O teste de fluência verbal, o teste do
desenho do relógio e as atividades da vida diária podem ser
utilizados em conjunto com o MEEM para melhores resultados.
QUESTÕES PARA DISCUSSÃO
1. Quais exames de rastreamento além do miniexame do
estado mental podem ser utilizados?
2. Quais diagnósticos diferenciais podem ser considerados
para definição da síndrome demencial?
3. Quando pensar em uma síndrome demencial apenas
com a anamnese e o exame físico?

DISCUSSÃO
A avaliação do estado mental demonstra importância
significativa no diagnóstico clínico das demências e dos transtornos
mentais orgânicos. Grande parte do exame é feito através da
observação, de como o paciente fornece informação sobre si
mesmo e as situações que lhe acontecem.
Para a avaliação do estado mental, é importante observar os
seguintes itens (tabela 3):

Aparência Geral e Comportamento


Observa-se se a aparência está bem cuidada ou desgrenhada,
vestimentas, comportamento durante a entrevista, nível de contato
visual. O indivíduo tem características de hostilidade e
agressividade? Familiaridade excessiva? (paciente toca no
entrevistador de forma excessiva e inadequada).
Para uma boa anamnese, é necessário ser um bom observador.
Assim, obtêm-se muitos detalhes sobre o paciente, sendo todos
relevantes para a compreensão do estado mental. Ocasionalmente
poderá ser necessária a cooperação de outras pessoas próximas do
paciente, pois nem sempre ele saberá se expressar.

Estado de Consciência
A consciência é a manifestação de contato psíquico com o
ambiente, ou seja, a capacidade do cérebro de responder a
estímulos externos. O paciente pode estar:

• Orientado: paciente sabe quem é, onde está e quando


será/foi

• Letárgico: paciente tem dificuldade em manter-se alerta e


parece querer adormecer, mas pode ser despertado.
Dificuldade de concentração na entrevista e incapacidade
de manter uma linha coerente de pensamento

• Obnubilado: difícil despertar o paciente e este precisa de


estímulos constantes para manter-se acordado. Confusão e
incapacidade de participar da entrevista

• Em estupor: paciente semicomatoso, necessário


estimulação vigorosa para despertá-lo. Não há interação
durante a entrevista

• Em coma: não há interação durante a entrevista; paciente


não desperta e não responde a nenhum estímulo.
Para avaliar este quesito, utiliza-se a Escala de Coma de Glasgow
(Tabela 1), com variabilidade de 3 a 15 pontos.
Tabela 1 Escala de Coma de Glasgow.

RESPOSTA RESPOSTA ABERTURA


MOTORA VERBAL OCULAR

Obedece a comandos Orientada Espontânea


6 5 4

Localiza estímulos Confusa Ao comando


5 4 3

Retirada inespecífica Palavras inapropriadas À dor


4 3 2

Flexão anormal
Sons incompreensíveis Nula
(decorticação)
2 1
3

Extensão
Nula
(descerebração)
1
2

Nula
1

Fonte: Rev Bras Clin Med. São Paulo, 2011 jan-fev;9(1):74-82

Atenção
Capacidade psíquica de focalizar, notar, selecionar e realçar
objetos e movimentos, entre vários percebidos. Com a atenção
prejudicada, o indivíduo é menos capaz de estar atento ao mundo
circulante.
Observar a capacidade do paciente de prestar atenção e se
parece facilmente distraído. Ele consegue focar na entrevista? É
possível testar este quesito através do MEEM, no subitem “atenção
e cálculo”.

Orientação
Capacidade de orientar-se quanto a tempo, espaço e pessoa. A
orientação autopsíquica mede a capacidade de o indivíduo situar-se
em relação a si mesmo, enquanto a orientação alopsíquica define-se
como a capacidade de o indivíduo situar-se com relação ao
ambiente. A desorientação é frequente nos casos psicorgânicos
(confusão mental ou delirium), mas pode ocorrer em pacientes
psicóticos.
O MEEM é um instrumento muito empregado. Investiga, na
prática clínica, funções cognitivas.

MEEM
O MEEM foi desenvolvido por Folsteim et al (1975). Tem o
objetivo de avaliar a função cognitiva global, sendo um teste de
rastreamento que auxilia o médico a estimar quantitativamente o
prejuízo cognitivo do paciente, além de ser aplicado para
acompanhar a evolução dos que já têm o diagnóstico de demência
estabelecido.
Divide-se em categorias, tendo a finalidade de avaliar
isoladamente cada “função cognitiva específica” como: orientação
temporal (5 pontos), orientação espacial (5 pontos), registro de três
palavras (3 pontos), atenção e cálculo (5 pontos), recordação das
três palavras (3 pontos), linguagem (8 pontos) e capacidade
construtiva visual (1 ponto), totalizando 30 pontos. Quanto menor a
pontuação, maior é o grau de acometimento cognitivo do paciente
(Tabela 2).
Tabela 2. Miniexame do estado mental.

Qual a hora aproximada?

Em que dia da semana estamos?

Orientação temporal (5 Que dia do mês é hoje?


pontos)
Em que mês estamos?

Em que ano estamos? (Por exemplo,


hospital, clínica)

Orientação espacial (5 Em que local


pontos)
Que local é este aqui? (por exemplo,
consultório, sala)
Em que bairro estamos ou qual é o
endereço daqui?

Em que cidade estamos?

Em que estado estamos?

Registro (3 pontos) Repetir: CARRO, VASO, TIJOLO

Subtrair: 100−7 = 93−7 = 86−7 = 79−7 =


Atenção e cálculo (5 pontos)
72−7 = 65

Memória de evocação (3 Quais os 3 objetos perguntados


pontos) anteriormente?

Nomear 2 objetos (2 pontos) Relógio e caneta

Repetir (1 ponto) “nem aqui, nem ali, nem lá”

Apanhe esta folha de papel com a mão


Comando de estágios (3
direita, dobre-a ao meio e coloque-a no
pontos)
chão

Escrever uma frase completa


Escrever uma frase que tenha sentido
(1 ponto)

Ler e executar (1 ponto) Feche seus olhos

Copiar diagrama (1 ponto)

Copiar os dois pentágonos com


intersecção

Fonte: Arq Neuropsiquiatr 2003;61(3-B):777-781

É
É importante salientar que vários subitens do MEEM sofrem
influência da escolaridade, tais como: orientações temporal e
espacial, escrita, cópia dos pentágonos, leitura, atenção. A fim de
minimizar o viés da escolaridade, são utilizados pontos de corte
distintos de acordo com a quantidade de anos estudados pelo
paciente. Adotam-se 20 pontos para analfabetos; 25 pontos com
escolaridade de 1 a 4 anos; 26 pontos de 5 a 8 anos; 28 pontos de 9
a 11 anos e 29 pontos para mais de 11 anos. Porém existem
discrepâncias entre os diversos autores quanto aos valores de corte.
Além do MEEM, existem outros testes de rastreamento para a
avaliação do estado mental do paciente, como será apresentado a
seguir.

Teste do Desenho do Relógio (TDR)


Criado em 1953 por Critchley, é frequentemente utilizado no
rastreamento do comprometimento cognitivo, como funções
visuoconstrutivas e visuoespaciais, representação simbólica e
gramofomotora, linguagem auditiva, memória semântica e funções
executivas. Possivelmente, o déficit dessas habilidades está
relacionado ao comprometimento dos córtices temporoparietal e
frontal.
O TDR consiste em pedir para o paciente desenhar um relógio de
ponteiros mostrando 11 horas e 10 minutos, em que é necessário o
pensamento abstrato para a execução da tarefa. Sinais de declínio
cognitivo são evidenciados quando ocorre a apresentação errada do
horário.
Com relação à pontuação, foram desenvolvidas muitas escalas
ao longo dos anos. Existindo uma variação considerável entre
sensibilidade (de 42 a 97%) e especificidade (de 48 a 94%). As
escalas de Shulman são as mais utilizadas. Em versão inicial, o
autor atribui 5 pontos ao paciente que não foi capaz de expressar a
ideia de um relógio, com visuoconstrucionais importantes, e 1 ponto
a erros mínimos no desenho. Em publicação posterior (1993), há a
inversão da ordem do escore, recebendo 5 pontos um relógio
perfeito; um escore de 4 é dado para erros visuoespaciais mínimos;
3 para a representação inadequada do horário 11 h 10min, sem
grande alteração visuoespacial; 2 para um erro visuoespacial
moderado, impossibilitando a indicação com os ponteiros; 1 nos
relógios com grande desorganização visuoespacial e 0 para aqueles
que sejam incapazes de representarem qualquer imagem que
lembre um relógio.

Teste de Fluência Verbal (FV)


Teste de categoria semântica e fonêmica. Consiste em solicitar
ao indivíduo que fale o maior número de palavras possíveis em
determinada categoria exigida no tempo de 1 minuto, com
pontuação definida pelo número de itens nomeados. Por exemplo:
animais, frutas e palavras com a letra M. Pontuam-se respostas,
desconsiderando as repetições.
Mensura declínio cognitivo mesmo em fases iniciais, avaliando-
se domínios como memória operacional, linguagem, capacidade de
organização e sequenciamento. Avalia o componente semântico, ao
solicitar que o paciente fale palavras de determinada categoria, e o
componente fonológico, quando se pede ao indivíduo que fale
palavras com a letra M.
O ponto de corte varia de acordo com a escolaridade: 9 pontos
para indivíduos analfabetos; 12 pontos para aqueles que estudaram
entre 1 e 8 anos e 13 pontos para indivíduos que têm 9 ou mais anos
de estudo.

Sensopercepção
Definida por estímulos que atingem a consciência e geram
sensação, e esta determina a percepção.
A sensação consiste em fenômenos de estímulo ambiental que
causam efeitos no sistema sensorial. São exemplos de alterações: a
anestesia (ausência de sensibilidade tátil e dolorosa); a hipoestesia
(diminuição da sensibilidade); hiperestesia (aumento da
sensibilidade); cegueira; surdez; anosmia. Lesões periféricas e
centrais podem cursar com essas alterações.
As ilusões e alucinações são exemplos de alteração da
percepção. As ilusões são definidas como deturpações perceptivas
de objetos reais. As alucinações são percepções de objetos não
existentes.
É preciso definir se é uma verdadeira alucinação (se ocorre no
espaço externo e não é sujeita ao controle do indivíduo). Se o
paciente apresenta alucinação auditiva, investigar se é no espaço
externo, se há controle pelo indivíduo e se as vozes ordenam que
façam algo... tem grande importância na avaliação de risco.

Pensamento
Inclui a atividade psíquica completa, a formulação de ideias ou
ideação. Alterações do pensamento são divididas em: alterações do
curso e da forma do pensamento; alterações de juízo da realidade
(delírios).
As principais alterações do curso do pensamento são:
bradipsiquismo e taquipsiquismo. O bradipsiquismo é a lentificação
do curso do pensamento, e o taquipsiquismo é sua aceleração.
Nas alterações na forma de pensamento, destacam-se a fuga de
ideias e os diversos graus de afrouxamento das associações. Na
fuga de palavras, o paciente faz associações inapropriadas entre as
ideias, deixando de seguir uma lógica narrativa, que passam a
ocorrer por assonância, ou seja, pelo som das palavras (amor, calor,
dor, ardor etc.). O afrouxamento das associações lógicas revela a
falta de lógica entre as ideias, configurando uma “salada de
palavras”, com fragmentos de ideias incompreensíveis.

Humor/Afeto
Define-se como o estado emocional basal do indivíduo. O
indivíduo pode-se encontrar deprimido, triste, eutímico, culpado, sem
esperança, exaltado ou ansioso. É importante determinar o humor
dominante da pessoa.
O afeto define-se como componente emocional de uma
determinada ideia e varia durante o discurso ou a narrativa do
paciente de acordo com a reatividade do paciente com o que está
sendo discutido e com o fluxo subjacente dos estados de espírito. O
examinador consegue perceber na forma que seus pacientes usam
e posicionam seus corpos e em seu tom e maneira de falar. Pode
apresentar-se constrangido, apropriado, lábil, anedônico, entre
outros.

Memória
Capacidade de acumular e reter informações percebidas. Pode
ter acometimento da memória de curto prazo, longo prazo, amnésia,
amnésias anterógrada e retrógrada. Se há suspeita de
acometimento da memória, é importante perguntar a outros
indivíduos sobre suas percepções do funcionamento da memória do
paciente.
Para testar a memória imediata, o entrevistador pode falar dígitos
aleatórios, cerca de um por segundo e pedir para o paciente repetir.
Se ele falhar em cinco ou mais dígitos, há motivo para preocupação.
Para testar a memória recente, basta perguntar para o paciente
sobre fatos ocorridos nos dias que antecederam a consulta. Com
relação à memória remota, pergunta-se ao paciente sobre eventos
pessoais em anos passados que ocorreram na sua vida. O nível de
escolaridade é um fator que influencia no resultado do exame.
Também é possível fazer o teste através do MEEM, quando pedir
para o paciente repetir uma palavra ou fazê-lo praticar a memória de
evocação.

Risco
Importante parte na anamnese da prática clínica, pois uma
pessoa que é impulsiva ou tem pensamentos de suicídio ou
homicídio precisa de observação especial. Avaliar se há
possibilidade de autolesão/suicídio, distinguindo entre
pensamentos, planejamento e intenções.
Se a pessoa tem a intenção de cometer suicídio, incluir na
investigação os meios, o horário e o plano que ela tem para torná-lo
realidade. O paciente consegue controlar seus impulsos? Como
tolerou situações estressantes no passado? Existe história de
agressividade descontrolada, comportamento sexual inadequado ou
hostilidade? Ele consegue tolerar situações frustrantes?

Julgamento e Insight
Insight: o indivíduo entende que está passando por um problema
e que tem algo de errado acometendo seu estado emocional. Ele
também pode negar completamente qualquer problema que
obviamente afete as pessoas ao seu redor. Questionar a respeito
dos problemas e o que está os causando, se o paciente entende
seus problemas e se consegue enxergá-los.
Julgamento: se o indivíduo é capaz de avaliar criticamente sua
situação e tomar boas decisões sobre o curso de uma ação. Avaliar
se o paciente tem capacidade de entender as possíveis
consequências de seu comportamento; o entrevistador pode propor
medidas preventivas.
Tabela 3. Avaliação do estado mental.

APARÊNCIA Bem cuidado, desgrenhado, vestimentas,


GERAL E comportamento durante a entrevista, contato
COMPORTAMENTO visual

ESTADO DE Orientado, letárgico, obnubilado, em estupor,


CONSCIÊNCIA em coma

Participação na anamnese, distraído,


ATENÇÃO concentrado

Orientado, desorientado
ORIENTAÇÃO MEEM

Hipoestesia, anestesia, hiperestesia, ilusões e


SENSOPERCEPÇÃO alucinações
PENSAMENTO Bradipsiquismo, taquipsiquismo, fuga de
ideias, “salada de palavras”

Deprimido, triste, eutímico, culpado, ansioso,


HUMOR/AFETO constrangido, anedônico, lábil, apropriado

MEMÓRIA De curto e longo prazo, amnésia

Possibilidade de suicídio, autolesão,


RISCO impulsividade

JULGAMENTO E Capacidade de autocrítica, decisão,


INSIGHT reconhecimento do atual problema

Fonte: próprio autor.

AVALIAÇÃO FUNCIONAL PARA


ATIVIDADES DE VIDA DIÁRIA
Tem o objetivo de verificar em que nível as doenças ou os
agravos impedem o desempenho das atividades cotidianas sem que
sejam necessários adaptações ou auxílio de outras pessoas. Assim,
são verificadas as habilidades funcionais do indivíduo, por meio das
atividades básicas da vida diária (ABVD) ou das atividades
instrumentais da vida diária (AIVD).
Encaixam-se nas ABVD: alimentar-se, banhar-se, vestir-se,
controle dos esfíncteres. As atividades instrumentais da vida diária
incluem: preparar refeições, cuidar da casa, utilizar o telefone, entre
outras.
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DAS
DEMÊNCIAS

AGUDAS

Tumores
Podem ocorrer em qualquer região anatômica cerebral e
acometem todas as faixas etárias, existindo mais de 120 tipos
diferentes. Sintomas como cefaleias, convulsões, alterações visuais,
hemiparesia, paralisia focal, astenia, febre e alterações cognitivas
são os mais aparentes. O déficit mais comum é a perda cognitiva,
seguida por fraqueza e alterações visuais. Náuseas e vômitos
associados a resultado de exame de imagem anormal ou alteração
cognitiva significativa podem ser consequências de um tumor.

Meningite
Processo infeccioso e/ou inflamatório agudo que acomete por
contiguidade ou via hematogênica as meninges e o espaço
subaracnóideo. Pode ser causada por bactérias, vírus ou fungos e as
crianças menores de 5 anos têm maior suscetibilidade a tal afecção.
Cursa com alteração intensa do estado geral, síndrome febril,
confusão mental com delírio, hipertensão intracraniana e irritação
meníngea. O sinal de Kernig (dor à flexão da articulação do joelho,
quando a coxa é colocada em certo grau de flexão) e o sinal de
Brudzinski (flexão involuntária da perna sobre a coxa e desta sobre a
bacia, ao fletir a cabeça do paciente) associam-se à irritação
meníngea.
As crianças de até 9 meses podem não apresentar os sinais
clássicos, tendo outros sinais e sintomas que permitem a suspeita
diagnóstica: febre, irritabilidade/agitação, choro persistente, grito
meníngeo (criança grita ao ser manipulada, principalmente quando
flete as pernas para troca de fraldas), recusa alimentar, convulsões e
abaulamento de fontanelas.

Traumatismo Cranioencefálico (TCE)


O TCE leve é subdividido em alto, médio e de baixo risco para
desenvolver lesões neurológicas e baseia-se em uma pontuação
entre 14 e 15 pontos na ECG. O TCE leve de baixo risco pode ser
assintomático sem alterações neurológicas, sendo importante a
orientação ao paciente quanto aos sinais de gravidade que indicam
que ele deve voltar ao pronto atendimento (confusão mental;
rebaixamento do nível de consciência; irritabilidade e ansiedade;
desmaio; fraqueza; perda de força muscular; parestesia; sonolência
excessiva; náuseas, vômitos ou tonturas; déficit auditivo ou visual).
O TCE leve de médio risco para desenvolver lesões neurológicas
engloba pacientes que têm história clínica e/ou que se envolvem em
acidentes graves ou com vítimas fatais. Apresentam cefaleia
progressiva, náuseas e vômitos, perda momentânea da consciência
ou desorientação têmporo-espacial. Os pacientes que cursam com
transtornos de memória, amnesia pós-traumática, síncope pós-
traumatismo e fratura de crânio sem lesão intracraniana devem ser
observados com mais cautela.
O TCE leve de alto risco inclui crianças, gestantes e pessoas com
distúrbios de coagulação. Sinais como síndrome de irritação
meníngea, piora do nível de consciência, distúrbios de funções
motoras superiores, ferimento por arma branca, déficit de acuidade
visual e lesão vascular traumática cervicocraniana são indicativos
de alto risco de lesão neurológica nos pacientes. Esses pacientes
devem ser internados e mantidos no hospital até estabilização do
quadro neurológico, mesmo com tomografia computadorizada de
crânio sem alterações.
O TCE moderado compreende 10% dos quadros atendidos nos
serviços de emergência e nível de consciência na ECG com
pontuação de 9 a 13. Esses pacientes têm o nível de consciência
rebaixado, apresentam-se confusos ou sonolentos e podem ter
déficits neurológicos focais. Deve-se realizar tomografia
computadorizada de crânio em todos os pacientes que tiverem
pontuação na ECG menor que 14, necessitando de avaliação e
conduta do neurocirurgião. Esses pacientes são internados em
unidade de terapia intensiva e necessitam de avaliação nas
primeiras 12 e 24 h após o trauma, a fim de descartar lesões
cerebrais secundárias.
O TCE grave apresenta o maior risco de morbimortalidade após o
trauma. Esses pacientes têm a pontuação na ECG entre 3 e 8. A via
aérea definitiva deve ser estabelecida e, portanto, realizada a
ventilação mecânica em todo paciente com pontuação menor ou
igual a 8. Geralmente esses pacientes apresentam hipotensão
associada em decorrência do mecanismo de trauma. Durante
avaliação inicial, realizar o protocolo ABCDE do Advanced Trauma
Life Support (ATLS) em busca de sinais de outras lesões, pois esse
paciente não se queixa de nada, já que tem nível de consciência
rebaixado.

Doenças Vasculares Cerebrais


Define-se acidente vascular cerebral (AVC) como déficit
neurológico focal súbito como consequência de uma lesão vascular.
Incluem-se lesões causadas por distúrbios hemodinâmicos e de
coagulação, mesmo que não haja alterações detectáveis nas veias
ou artérias.
Subdivide-se nos tipos hemorrágicos (ruptura de uma artéria) e
isquêmicos (bloqueio de uma artéria). Em 88% dos casos são AVC
isquêmicos enquanto 10% são hemorrágicos.
O AVC isquêmico geralmente apresenta déficit neurológico focal
e súbito que persiste por mais de 1 hora, confinado a área do
cérebro perfundida por uma artéria específica. Difere-se de ataque
isquêmico transitório (AIT), em que há um breve episódio de déficit
neurológico causado por isquemia, com duração de sintomas
menores que 1 hora, sem evidência de infarto agudo em exames de
imagem. Os sinais e sintomas clínicos mais frequentes são:
hemiparesia, déficit sensorial, hemiparestesia, disartria, afasia e
perda de consciência.
O AVC hemorrágico ocorre por hemorragias cerebrais
intraparenquimatosas e hemorragias subaracnóideas, que
normalmente resultam de aneurisma cerebral, malformação
arteriovenosa, traumatismos, tumores, distúrbios hemorrágicos ou
de coagulação, entre outros. Os aneurismas definem-se como
dilatações das paredes das artérias cerebrais como consequência
de múltiplas causas. Eles podem romper-se provocando hemorragia
meníngea ou subaracnóidea. A hemorragia subaracnóidea é um
evento clínico grave que se caracteriza por ruptura e sangramento
abrupto em que o sangue fica limitado ao espaço do líquido
cefalorraquidiano, provocando mudança brusca e maciça no meio
intracraniano em decorrência de hematoma, edema, vasospasmo
cerebral e hidrocefalia. Os sobreviventes podem ter déficit cognitivo
permanente, com reflexos na qualidade de vida. A clínica típica de
um paciente com hemorragia subaracnóidea é: início de cefaleia
súbita e grave (descrita como a pior da vida) desencadeada por um
esforço; associada a diminuição transitória da consciência ou
fraqueza nas pernas. Vômitos podem ocorrer em seguida. O exame
médico pode mostrar: rigidez de nuca, hemorragias retinianas,
agitação, diminuição do nível de consciência e sinais neurológicos
focais. Os achados clássicos pouco evidentes dificultam o
diagnóstico.

CRÔNICAS

Hidrocefalia de Pressão Normal


Descrita em 1964 por Salomón Hakim, a hidrocefalia de pressão
normal é uma afecção insidiosa que acomete idosos entre 60 e 80
anos de idade e representa cerca de 5% das causas de demência.
Tem causa desconhecida, porém suspeita-se de que esteja
relacionada a processos que ocasionam bloqueio do fluxo para o
espaço subaracnóideo e dificuldade em absorver o líquido
cefalorraquidiano por bloqueio das granulações meníngeas.
Caracteriza-se pela tríade: alteração da marcha, transtorno
mental-cognitivo e incontinência urinária associados a
ventriculomegalia e pressão liquórica normal. A tríade pode ser
atípica ou incompleta, podendo assemelhar-se a outras doenças, por
isso a necessidade de testes suplementares, como punção lombar e
tomografia computadorizada ou ressonância magnética de crânio.
Cerca de 50% dos casos têm causa conhecida (meningite,
hemorragia subaracnóidea ou trauma craniano) e os outros 50%,
causas idiopáticas.

Demência de Alzheimer
Representa mais de 50% dos casos de demência, embora tenha
possibilidade de estar associada a outra demência. Geralmente, a
memória recente é a primeira a ser acometida, e lembranças
remotas são preservadas até certo estágio da doença. Apresenta-se
com início insidioso e deterioração progressiva.
Inicialmente, ocorre a perda de memória episódica e dificuldades
na aquisição de novas habilidades, com evolução gradual de outras
funções cognitivas como julgamento, cálculo, raciocínio abstrato e
habilidades visuoespaciais. Na fase intermediária, destacam-se
dificuldade de nomear objetos ou escolher palavra adequada na
intenção de expressar alguma ideia e também apraxia. Nos estágios
terminais, ocorrem alterações comportamentais (como irritabilidade
e agressividade), alterações no ciclo sono-vigília, sintomas
psicóticos, incapacidade de deambular, realizar cuidados pessoais e
falar.
O diagnóstico definitivo apenas se dá mediante análise
histopatológica do tecido cerebral post-mortem.

Demência Vascular
Sua manifestação clínica depende da causa e da localização do
infarto cerebral. Em geral, acometimento de grandes vasos resulta
em múltiplos infartos corticais (com síndrome demencial cortical
multifocal), e doença de pequenos vasos, tendo como causa a
hipertensão arterial sistêmica e o diabetes mellitus, resulta em
isquemia da substância branca periventricular e infartos lacunares
(com demência subcortical, disfunção executiva, comprometimento
de memória, alterações frontais, lentificação motora, sintomas
parkinsonianos, distúrbios urinários e paralisia pseudobulbar).

Demência Mista
Caracterizada pela ocorrência simultânea de eventos
característicos de demência de Alzheimer e demência vascular. A
clínica mais comum é de um paciente com sintomas e
características típicos de demência de Alzheimer que sofre piora
súbita e abrupta, acompanhados com sinais clínicos de AVC. Tem
mais comprometimento da função frontal executiva.
Demência por Corpúsculos de Lewy
Acomete cerca de 20% dos pacientes com demência. O
diagnóstico é suspeitado, quando o declínio cognitivo é flutuante e
associa-se com alucinações visuais e sintomas extrapiramidais.
Início rápido e declínio progressivo, hipomimia, bradicinesia e tremor
de repouso (menos comum), com déficits proeminentes na função
executiva, resolução de problemas, fluência verbal, performance
audiovisual.
Patologicamente, é marcada por corpúsculos de Lewy (inclusões
intracitoplasmáticas eosinofílicas hialinas) encontrados no cóortex
cerebral e no tronco encefálico.

Demência Frontotemporal
Síndrome neuropsicológica marcada por disfunção e atrofia dos
lobos frontais e temporais com relativa preservação das regiões
cerebrais posteriores.
Nos estágios iniciais da doença, os pacientes mostram discreto
comprometimento da memória episódica com importante alteração
nos padrões comportamentais. É comum usar a expressão
“paciente frontalizado”. Tais alterações incluem: comportamento
estereotipado e perseverante, mudanças precoces na conduta
social, desinibição, rigidez e inflexibilidade mentais, hiperoralidade,
exploração incontida de objetos no ambiente, distraibilidade,
impulsividade, falta de persistência e perda precoce da crítica.

Doença de Creutzfeldt-Jakob
Causada por infecção, invariavelmente fatal, atinge sistema
nervoso central, caracterizando-se por demência rapidamente
progressiva e envolvimento focal variável do córtex cerebral,
glânglios da base, tronco cerebral, cerebelo e medula espinhal.

Demência por Deficiência de Vitamina B12,


Hipotireoidismo e Depressão
A demência por deficiência de vitamina B12 é uma causa de
demência reversível e é rara. Ocorre disfunção cognitiva global,
perda de memória, dificuldade de concentração e lentificação
mental. Pode cursar com depressão, mania e quadros psicóticos
com alucinações visuais e auditivas.
O hipotireoidismo também é uma causa de demência reversível e
de psicose crônica, com manifestações psiquiátricas incluindo
depressão, paranoia, alucinações visuais e auditivas,
comportamento suicida e mania. Geralmente, apresenta-se com
lentificação mental, perda de memória e irritabilidade.
A depressão é o quadro que mais gera confusão diagnóstica com
a demência. Déficit cognitivo associado à depressão torna-se um
fator de risco para os pacientes estabelecerem um diagnóstico de
demência.34 Ambas causam lentificação psíquica, irritabilidade,
apatia, descuido pessoal, dificuldade de concentração e memória,
mudanças no comportamento e na personalidade. Além do mais, a
depressão pode ser um sintoma de demência podendo, inclusive,
coexistirem. O rastreamento da depressão deve ser realizado com
instrumentos como: Geriatric Depression Scale, Escala de Depressão
de Hamilton ou Centers for Epidemiologic Studies Depression Scale.
Delirium
Alteração cognitiva com início agudo (horas a dias) manifestada
por transtornos de consciência, memória, atenção, pensamento,
percepção e comportamento, desencadeados por doença cerebral
ou sistêmica. Tem caráter flutuante e está associado a aumento da
morbimortalidade.

EXAMES COMPLEMENTARES
Os exames recomendados são: hemograma completo,
concentrações séricas de ureia, creatinina, T4 livre, TSH, albumina,
enzimas hepáticas (TGO, TGP, Gama-GT), vitamina B12 e cálcio, e
reações sorológicas para sífilis.
Em pacientes com idade inferior a 60 anos de idade, deve-se
solicitar sorologia para vírus da imunodeficiência humana (HIV). A
punção de liquor cefalorraquidiano para análise não é rotina, sendo
indicada apenas na investigação de demência antes dos 65 anos de
idade (demência pré-senil), com apresentação e curso clínico
atípicos, hidrocefalia comunicante ou qualquer suspeita de infecção
ou doença inflamatória no sistema nervoso central.
A tomografia computadorizada deve ser realizada sempre, com a
finalidade principal de diagnóstico diferencial (caso o aceso à
ressonância magnética seja fácil, deve-se optar pela realização
desta em detrimento da tomografia computadorizada).

CONCLUSÃO
Utilizar exames de rastreamento como MEEM, TDR, fluência
verbal e atividades de vida diária podem contribuir na identificação
do paciente com declínio cognitivo, permitindo, assim, uma
investigação mais detalhada. Um paciente com história clínica de
esquecimento, impossibilidade na realização de tarefas que antes
realizava e testes para rastreamento cognitivo alterados sugerem
patologias que acometem o sistema neurológico. É importante
esclarecer que nem todo declínio cognitivo é demência de
Alzheimer, havendo uma gama de diagnósticos diferenciais que o
profissional da saúde deve atentar-se.

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Capítulo 25

Semiologia do Paciente Em Coma


Autores: Gustavo Henrique Pedroso, Nícollas Nunes Rabelo

CASO CLÍNICO
L.C.G., sexo masculino, 33 anos de idade, chegou à unidade de
emergência em coma (Escala de Coma de Glasgow [ECG]: ausência
de respostas ocular, verbal e motora, totalizando 3 pontos), trazido
pelo pai e sem evidência de trauma. O pai relata que o seu filho não
consome bebidas alcoólicas e nem substâncias ilícitas, mas é
portador de diabetes mellitus tipo II desde os 27 anos de idade e que,
recentemente, foi diagnosticado com depressão após o óbito da
mãe. O paciente faz uso de metformina e de amitriptilina. O pai
informa, ainda, que encontrou o seu filho inconsciente no quarto com
uma cartela de remédios vazia ao lado. Pressão arterial (PA): 100 ×
70 mmHg; frequência cardíaca (FC): 170 bpm; frequência respiratória
(FR): 9 irpm; e SatO2: 93%. Glasgow 3, pupilas fotorreagentes,
midriáticas, bradipneico em ar ambiente, ausência de resposta
motora. Paciente submetido à intubação orotraqueal (IOT). Paciente
normocefálico, com pescoço cilíndrico, simétrico; laringe e traqueia
móveis, medianas; pulso carotídeo simétrico; não apresenta rigidez
de nuca. Tórax simétrico, sem deformidade, boa expansibilidade,
bradipneico, murmúrio vesicular presente e bem distribuído sem
ruídos adventícios. Paciente encontra-se taquicárdico, com ritmo
cardíaco regular em 2 tempos, bulhas normofonéticas, sem sopros.
Abdome globoso. A suspeita diagnóstica foi coma tóxico (induzido
por antidepressivo tricíclico), e a conduta, lavagem gástrica com
carvão ativado e suporte. Foram solicitados exames laboratoriais e
de imagem, em que foram constatados normalidade nos níveis
glicêmicos, acidose metabólica, tomografia computadorizada (TC) de
crânio sem alterações e eletrocardiograma com aumento do intervalo
QRS.

QUESTÕES PARA DISCUSSÃO


1. Qual a importância do exame neurológico na condução do
paciente em coma?
2. Em que consistem os reflexos oculocefálico e
oculovestibular?
3. O que pode ocorrer com o padrão respiratório de um
paciente em coma?
4. As posturas de decorticação e descerebração só ocorrem
mediante o estímulo álgico?

DISCUSSÃO

CONCEITOS: CONSCIÊNCIA, COMA E


DELIRIUM
Muito se discute sobre o significado efetivo para a palavra
consciência. Para os neurologistas, uma pessoa consciente é aquela
que se encontra acordada, ou seja, está orientada consigo e com o
ambiente externo. Para isso, existem dois componentes da
consciência que ganham destaque: o nível de consciência, que se
refere ao estado de alerta comportamental do indivíduo, e o
conteúdo da consciência, que está atrelado às funções cognitivas e
afetivas do indivíduo, tais como memória, linguagem e humor.
Coma é o estado de rebaixamento de consciência, comumente
estendido, em que o indivíduo não consegue ter a percepção de si e
nem do meio em que está inserido. Trata-se de uma condição clínica
de extrema urgência, uma vez que submete às funções encefálicas a
um profundo grau de sofrimento e vulnerabilidade. Cabe ressaltar,
todavia, que o paciente também pode encontrar-se em coma vígil,
que se caracteriza pela alternância do ciclo sono-vigília, ou seja, ele
acorda e dorme em tempos alternados, mas não reage a estímulos e
nem interage de maneira adequada com o ambiente externo. Nesse
tipo de coma, o paciente não apresenta conteúdo cognitivo em sua
consciência.
Ademais, outro transtorno da consciência que deve ser analisado
com cuidado e cautela é o delirium. Também conhecido como estado
confusional agudo, diz respeito a uma alteração da consciência em
que o indivíduo perde a noção do ambiente em que está inserido, não
consegue sustentar ou alterar o foco de atenção e apresenta
alterações cognitivas (desorientação, memória deficitária e
alterações na linguagem) e perceptivas, desde que todas essas
alterações não estejam atreladas a um quadro de demência. O
delirium não possui um tempo prolongado e tende a flutuar,
ocorrendo habitualmente de horas a dias. Trata-se de uma das
síndromes mais comuns na prática clínica diária.

FISIOPATOLOGIA DO COMA
Para que o ser humano consiga reconhecer o ambiente e a si, ele
precisa que os dois componentes da consciência (conteúdo e nível)
estejam em perfeita integridade.
O conteúdo de consciência relaciona-se à funcionalidade do
córtex cerebral. Dessa maneira, acometimentos no córtex podem
ocasionar disfunções como afasia, apraxia e agnosia, todas elas
relacionadas ao conteúdo de consciência. Já o nível de consciência
depende da comunicação entre o córtex cerebral e a substância
reticular ativadora ascendente (SRAA). Esta substância (Figura 1)
situa-se entre a ponte e o diencéfalo e possui como principal área
anatômica a formação reticular mesencefálica. Sua localização é de
extrema importância, uma vez que está próxima aos núcleos dos
nervos cranianos responsáveis pela motricidade ocular, próxima ao
trato piramidal e no interior da formação reticular, que exerce o
controle respiratório e o controle postural dos membros e dos olhos.
Trata-se de uma região com diversas vias ascendentes e
descendentes que se comunicam com o córtex cerebral. Vários
mecanismos podem alterar a funcionalidade dessa área, como
lesões anatômicas (acidente vascular encefálico [AVC], tumor) no
tronco encefálico ou nos hemisférios cerebrais que,
consequentemente, acabam interrompendo as múltiplas conexões
existentes. Ademais, quadros de hipóxia e de hipoglicemia, em
função de um distúrbio metabólico, podem modificar o
funcionamento da SRAA, haja vista que o sistema nervoso necessita
de oxigênio e glicose para o seu metabolismo.

Figura 1. Substância reticular ativadora ascendente (SRAA).

Fonte: Gusmão SS, Campos GB, Teixeira AL. Exame Neurológico –


Bases Anatomofuncionais. 2. ed. Rio de Janeiro: Revinter; 2007.
p.211.

Em virtude dessas alterações de funcionamento, o coma é


ocasionado pela interrupção dos estímulos à região cortical,
mediante lesão na formação reticular ou por lesão cerebral difusa.
PRINCIPAIS ETIOLOGIAS DO COMA
São diversos os mecanismos que podem levar ao coma, entre os
quais se destacam alguns tipos:

• Coma Estrutural: Pode atingir o compartimento


supratentorial (diencéfalo e telencéfalo) ou o compartimento
infratentorial (tronco encefálico e cerebelo). Tais regiões são
separadas pela tenda do cerebelo (Figura 2). Tais comas
podem ser originados por meio de: AVC, traumatismo
cranioencefálico (TCE), meningites, neoplasias, entre outros.
Figura 2. Massa supratentorial e lesão infratentorial.

Fonte: Nitrini R, Bacheschi LA, A neurologia que todo médico deve


saber. 2.ed. São Paulo: Atheneu; 2003. p.146.
• Coma Metabólico: Decorrente de distúrbios metabólicos
(diabetes mellitus, hipoglicemia, alterações no equilíbrio
hidreletrolítico e acidobásico, entre outros).

• Coma Tóxico: Desencadeado por meio de intoxicações


exógenas.

• Coma Toxêmico: Originado a partir de processos


infecciosos sistêmicos.
Obs.: Comas psicogênicos apresentam exame neurológico
normal e são de origem psiquiátrica (pseudocomas).
O coma também pode ser classificado clinicamente quanto ao
seu grau de profundidade em:

• Coma Leve (Grau I): O paciente segue ordens verbais, há


verbalização ao estímulo álgico e, mediante perguntas, há
uma resposta verbal simples.

• Coma Moderado (Grau II): Estímulos álgicos provocam


movimentos faciais, piscamento ou abertura das pálpebras.

• Coma Profundo (Grau III): O paciente encontra-se


inconsciente, incapaz de responder a comandos verbais, não
reage a estímulos álgicos, exceto quando em postura de
descerebração.

• Coma Dépassé ou Morte Cerebral (Grau IV): O paciente não


responde a estímulos álgicos e não possui, de maneira
espontânea, a manutenção de suas funções vegetativas (p.
ex., respiração).

ANAMNESE
A avaliação do paciente em coma exige uma investigação
sistematizada e necessita de um tempo maior. Torna-se relevante o
diálogo com testemunhas que presenciaram o quadro de coma do
paciente, uma vez que a maneira como iniciou, o fator
desencadeante, o tempo de instalação, a aparência prévia, sintomas
e sinais neurológicos precedentes (cefaleias, convulsões, êmeses),
uso de drogas, antecedentes de afecções sistêmicas (hepatopatias,
cardiopatias, nefropatias) e de distúrbios psiquiátricos, a história de
TCE e, inclusive, o lugar em que o paciente foi encontrado são
elementos de fundamental importância para o diagnóstico. Dessa
forma, embora muitos pacientes em estado comatoso sejam levados
à emergência por pessoas desconhecidas, não se deve liberar os
acompanhantes até que seja obtido o máximo de informações
possíveis.

EXAME GERAL
Antes da realização do exame neurológico no paciente em coma,
o médico, em primeiro contato com esse paciente, deve atentar-se
para o protocolo ABC (vias respiratórias, ventilação e circulação),
certificando, respectivamente:

a. Vias aéreas com proteção da coluna cervical: Em


situações de vias aéreas obstruídas, torna-se necessária a
intubação o mais rápido possível. Ademais, é preciso
estabilizar a coluna cervical do paciente a fim de não
comprometer as estruturas nervosas dessa região.
b. Respiração e ventilação: O examinador deve verificar a
coloração da pele e a função respiratória do paciente. Na
avaliação da ventilação, é necessário observar se o tórax
está expandindo, se está simétrico e se, na ausculta, há
murmúrio vesicular fisiológico e crepitações. A saturação e
a frequência respiratória também são determinadas. A
apneia pode originar-se em vigência de hipertensão
intracraniana (HIC); a bradipneia, devido a opioides e à
alcalose metabólica; e a taquipneia, em virtude de
acometimentos na parte superior do tronco encefálico e da
acidose metabólica.
c. Circulação com controle de hemorragia: caso haja
sangramento, principalmente em politraumatizados, é
preciso contê-lo. Cabe avaliar se o paciente encontra-se
hipovolêmico e checar seu pulso (regularidade, amplitude,
tensão e frequência) e pressão arterial sistêmica. Em
situações de hemorragia ou de hipotensão, deve-se iniciar
hidratação venosa. Pulso filiforme pode ser encontrado em
comas grau IV (coma dépassé). A hipertensão arterial
sistêmica pode ocorrer em hemorragias cerebrais e em
encefalopatias hipertensivas; e a hipotensão arterial, em
coma alcoólico, em uso de barbitúricos, em infartos agudos
do miocárdio, em septicemias e em hemorragias internas.
Além da função respiratória e do pulso, outra função autonômica
que deve ser avaliada é a regulação térmica, que deve ser verificada
por registro de temperatura central (retal, vaginal, bucal). A
hipertermia pode ocorrer na TCE, afecções sistêmicas e hemorragias
cerebrais graves; e a hipotermia, em comas hepáticos e diabéticos,
intoxicações alcoólicas e por barbitúricos, hipoglicemias e
mixedema.

EXAME NEUROLÓGICO
O exame neurológico é de extrema relevância para o
esclarecimento da etiologia do coma. Cabe ao médico, por meio
desse exame, estabelecer se a causa do coma foi orgânica
(estrutural ou metabólica) ou psíquica, acompanhar se a evolução
apresenta sinais de melhora ou de piora e determinar o prognóstico
do paciente, identificando se é um processo reversível ou uma
situação de morte cerebral (resposta da questão 1 da Discussão).
Para isso, a realização do exame neurológico no paciente em coma
consiste na avaliação de quatro fatores: nível de consciência (I),
exame ocular (II), ritmo respiratório (III) e resposta motora (IV).

I) Nível de consciência
Demonstra a capacidade de resposta do paciente frente a
estímulos apresentados a ele. Situações simples, como abertura
ocular e respostas verbal e motora tornam-se ausentes em pacientes
em coma. Tais critérios correspondem à ECG (Tabela 1) que, no caso
do coma, apresenta um valor menor ou igual a 8 pontos. Os extremos
dessa escala variam de 3 a 15 pontos (sempre usar a melhor
resposta e do melhor lado); a pontuação de 13 a 15 refere-se a
traumas leves, de 9 a 12 a traumas moderados, e de 3 a 8 a traumas
graves.
Tabela 1. Escala de Coma de Glasgow.

Fonte: Bickley LS, Peter GS. Bates – Propedêutica Médica. 11.ed. Rio
de Janeiro, RJ: Guanabara Koogan; 2015. p.989.

II) Exame ocular


Exerce fundamental valor para o diagnóstico e para o prognóstico
do paciente em coma, consistindo na avaliação sistematizada da
motricidade ocular extrínseca e intrínseca (ou pupilar), do reflexo
corneano e do fundo de olho.
Motricidade ocular extrínseca: A motilidade extrínseca dos olhos
é realizada por músculos que são inervados por três pares de nervos
cranianos: oculomotor (III), troclear (IV) e abducente (VI), localizados
no tronco encefálico. Dessa forma, a avaliação dos movimentos
oculares torna-se extremamente útil para a investigação de lesão no
tronco encefálico, em especial, nas regiões do mesencéfalo (núcleos
do III e IV pares) e da ponte (núcleo do VI par). Tal avaliação consiste
na análise de três critérios, descritos a seguir:

1. Posição primária do globo ocular (desvios do olhar e


movimentos espontâneos): Em pacientes em coma, os
olhos geralmente encontram-se fechados, com exceção de
alguns tipos de comas prolongados. Com a abertura
palpebral, podem-se observar estrabismos e desvios
oculares desconjugados e conjugados. O estrabismo,
convergente ou divergente, sugere acometimento na porção
periférica dos nervos oculomotores. Lesões difusas
supratentoriais ou no verme cerebelar podem fazer com que
os olhos oscilem horizontalmente (movimentos em “pingue-
pongue”), e acometimentos destrutivos na ponte,
hemorragias em região cerebelar e hidrocefalias podem
fazer com que os olhos se movimentem para baixo com
lento retorno para a posição normal (bobbing ocular). Os
desvios oculares desconjugados marcam as lesões nos
troncos encefálicos, e os desvios oculares conjugados estão
presentes em comas desencadeados por AVC, atingindo
habitualmente um hemisfério cerebral, o que faz com que o
paciente “olhe para a lesão”.
2. Reflexo Oculocefálico (“Olhos de Boneca”): O examinador
deve segurar as pálpebras superiores dos olhos do paciente
com as mãos de modo que o globo ocular permaneça bem
visível. Em seguida, deve-se rotacionar rapidamente a
cabeça do paciente para o lado direito e para o lado
esquerdo e, posteriormente, para cima e para baixo. Em
situações normais (Figura 3), o olhar desvia para o lado
oposto ao movimento (p. ex., ao rotacionar a cabeça para a
direita, o olhar desvia para a esquerda; ao rotacionar a
cabeça para cima, o olhar desvia para baixo). A ausência
desse reflexo pode estar presente em comas profundos e
ser sugestiva de acometimentos no tronco encefálico ou de
intoxicação barbitúrica (resposta da questão 2 da
Discussão).
Figura 3. Reflexo oculocefálico (“olhos de boneca”) normal.

Fonte: Mendes PD, Maciel MS, Brandão MVT, Fernandes PCR, Antonio
VE, Kodaira SK, et al. Distúrbios da Consciência Humana – Parte 2 de
3: A Abordagem dos Enfermos em Coma. Rev Neurocienc 2012 out;
20(4):576-83.

Reflexo Oculovestibular (Prova Calórica): Inicialmente é preciso


realizar a otoscopia com o intuito de certificar se as membranas
timpânicas estão íntegras e que não há obstrução nos meatos
acústicos. Em seguida, eleva-se a cabeça do paciente a 30º e
inserem-se, por meio de uma seringa, cerca de 50 a 200 mL de água
gelada em um dos condutos auditivos externos do paciente, de
forma lenta. Em pacientes conscientes, o estímulo com a água fria
promove nistagmo horizontal do lado oposto ao lado estimulado. Em
pacientes em coma, com tronco encefálico íntegro, os olhos desviam
para o lado da orelha irrigada (Figura 4). Uma resposta desconjugada
sugere lesão no fascículo longitudinal medial, no nervo oculomotor
ou no nervo abducente. A ausência de resposta à estimulação indica
acometimento do tronco encefálico. Vale ressaltar que o teste deve
ser realizado em ambas as orelhas, esperando-se um tempo de 3 a 5
min para se passar para a outra e, em geral, não deve ser realizado
com água quente em pacientes em coma (resposta da questão 2 da
Discussão).
Figura 4. Reflexo Oculovestibular.

Fonte: Mendes PD, Maciel MS, Brandão MVT, Fernandes PCR, Antonio
VE, Kodaira SK, et al. Distúrbios da Consciência Humana – Parte 2 de
3: A Abordagem dos Enfermos em Coma. Rev Neurocienc 2012 out;
20(4):576-83.

Motricidade Ocular Intrínseca ou Pupilar: O diâmetro (2 a 4 mm é


o normal), o aspecto e a simetria da pupila devem ser avaliados logo
no primeiro contato com o paciente e, nas horas subsequentes,
torna-se necessária uma reavaliação com o intuito de detectar
possíveis alterações, como midríase (dilatação pupilar), miose
(contração pupilar) ou anisocoria (alterações no tamanho pupilar).
Também devem ser realizados os testes de fotorreagência direta
(contração pupilar do mesmo olho estimulado com a luz) e
consensual (contração pupilar simultânea do olho contralateral não
estimulado pela luz). Reação pupilar à luz ou sua ausência é de
extrema importância na semiologia do coma, uma vez que tal reação,
habitualmente, mantém-se no coma metabólico, mas não no coma
estrutural. O sistema nervoso autônomo (SNA) é o grande
responsável pela contração (sistema nervoso parassimpático) e pela
dilatação pupilar (sistema nervoso simpático). Dessa forma, como as
vias do SNA possuem um vasto percurso ao longo do sistema
nervoso central e do sistema nervoso periférico, o paciente em coma,
com acometimentos em diversas regiões, pode apresentar diferentes
tipos de pupilas (Figura 5), dentre as quais se destacam:

• Pupilas Talâmicas: Pupilas mióticas com reflexo fotomotor.


Ocorrem em lesões no diencéfalo e são comuns em
hidrocefalia e em hemorragias talâmicas.

• Pupilas de Claude Bernard-Horner: Caracterizam-se pela


anisocoria em função de miose ipsolateral ao acometimento
da via simpática. O reflexo fotomotor é preservado. Podem
estar presentes em cefaleias vasculares, neoplasias e
infecções.

• Pupilas Médias e Fixas: diâmetro de 4 a 5 mm e não


respondem à luz. São provenientes de lesões na porção
ventral mesencefálica.

• Pupilas de Hippus (Tectal): diâmetro de 5 a 8 mm, com


reflexo fotomotor negativo e dilatação aos estímulos
dolorosos (reflexo cilioespinhal). Ocorrem devido às lesões
na região tectal mesencefálica.

• Pupilas Pontinas: extremamente mióticas (1 a 1,5 mm de


diâmetro), contudo, reativas à luz. São provenientes de
lesões pontinas, geralmente por hemorragia.
• Pupila Uncal ou do III Nervo Craniano: extremamente
dilatada (maior que 7 mm de diâmetro), fixa e ipsolateral à
lesão. Causada por herniação do úncus, que leva à
compressão de estruturas como o nervo oculomotor (III
par).

Figura 5. Alterações pupilares no coma.

Fonte: Martins CRJ, França MCJ, Martinez ARM, Faber I, Nucci A. Semiologia Neurológica.
1.ed. Rio de Janeiro: Revinter; 2017. p.399.

Reflexo Corneano (Corneopalpebral): Consiste no piscar de olhos


ao se tocar na córnea com a ponta de um algodão. Sua ausência
reflete coma profundo.
Fundo de Olho: Exame fundamental para o diagnóstico etiológico
do coma, uma vez que evidencia alterações significativas, como
retinopatias diabética e hipertensiva, hemorragias e edemas de
papila.

III) Ritmo Respiratório


O ritmo respiratório é controlado pela formação reticular do bulbo,
região em que se encontra o centro respiratório. Em pacientes em
coma, geralmente o ritmo respiratório está alterado (resposta da
questão 3 da Discussão), originando uma série de padrões
respiratórios anormais (Figura 6), como:

• Respiração de Cheyne-Stokes: Caracteriza-se pela


alternância de períodos regulares de apneia com períodos
de hiperventilação cada vez mais amplos. Apesar de poder
ocorrer na insuficiência cardíaca congestiva, na doença
pulmonar obstrutiva crônica e na apneia do sono, indica
acometimentos nos dois hemisférios cerebrais, na ponte e
na região do diencéfalo.

• Respiração Neurogênica Central: Caracteriza-se pela


manutenção do quadro de hiperventilação, sendo observada
em lesões pontinas e mesencefálicas.

• Respiração Apnêustica: Caracteriza-se por uma pausa


inspiratória prolongada ao término da inspiração. Ocorre em
lesões pontinas inferiores.

• Respiração Atáxica (Respiração de Biot): Caracteriza-se


pela irregularidade entre apneia, respiração superficial e
respiração profunda. Ocorre em lesões que comprometem a
região bulbar.
Figura 6. Padrões anormais de respiração nas lesões encefálicas.
Fonte: Martins CRJ, França MCJ, Martinez ARM, Faber I, Nucci A.
Semiologia Neurológica. 1.ed. Rio de Janeiro: Revinter; 2017. p.408.

IV) Resposta Motora


Inicialmente, o exame motor do paciente em coma inicia-se pela
inspeção, com o intuito de observar a postura do paciente em
repouso e de detectar algum tipo de movimento espontâneo.
Posteriormente, realiza-se o estímulo álgico (p. ex., beliscão) com o
objetivo de induzir o paciente ao movimento. Vale ressaltar que esse
exame deve ser realizado em ambos os lados para comparar seus
resultados e deve haver o estímulo simétrico tanto em membros
superiores quanto em membros inferiores. Caso haja assimetria ou
ausência de qualquer tipo de resposta em um dos lados, pode-se
estar diante de um quadro de hemiplegia ou, ainda, se houver
diminuição ou nenhum tipo de resposta em membros superiores e
inferiores, pode-se tratar de tetraplegia. Em geral, a hemiplegia cursa
com redução do tônus muscular, diminuição ou ausência dos
reflexos profundos e sinal de Babinski positivo, além do fato dos
reflexos cutaneoabdominais estarem habitualmente abolidos no lado
hemiplégico.
O paciente pode responder ao estímulo álgico de maneira
apropriada ou inapropriada, sendo esta última correspondente às
posturas de decorticação e descerebração (Figura 7). Na
decorticação, ocorre a flexão de membros superiores e a extensão
de membros inferiores, condição presente nos acometimentos
funcionais dos hemisférios cerebrais e na região diencefálica. Na
descerebração, há extensão dos membros superiores e inferiores,
comum em lesões mesencefálicas. Cabe destacar que ambas as
posturas, além de poderem surgir com o estímulo doloroso, também
podem estar presentes de maneira espontânea (resposta da questão
4 da Discussão).
Figura 7. A. Postura em decorticação. B. Postura em descerebração.

Fonte: Mendes PD, Maciel MS, Brandão MVT, Fernandes PCR, Antonio
VE, Kodaira SK, et al. Distúrbios da Consciência Humana – Parte 2 de
3: A Abordagem dos Enfermos em Coma. Rev Neurocienc 2012 out;
20(4):576-83.

Outros movimentos importantes que também podem estar


presentes em pacientes em coma são as mioclonias, o asterixis e os
abalos tônico-clônicos. A mioclonia, uma espécie de contração mais
ou menos abrupta e rápida, de caráter clônico, é frequentemente
encontrada em encefalopatias pós-anóxia e outros comas
metabólicos. O asterixis, também denominado flapping tremor,
consiste em um tremor nas mãos que lembra o bater das asas de um
pássaro, sendo um achado comum nos quadros de coma hepático
iminente. Os abalos tônico-clônicos ocorrem nas crises epiléticas,
podendo estar presentes de maneira focal ou generalizada.

EXAMES ADICIONAIS
A fim de um melhor atendimento ao paciente comatoso, é
imprescindível um exame físico geral minucioso e eficaz, atentando-
se para qualquer tipo de anormalidade nas seguintes regiões: pele,
crânio, face, ouvidos, boca, olhos, pescoço, tórax, abdome, coração e
pulmão. Ademais, deve-se analisar se há sinais de irritação
meníngea, exceto nos quadros de politraumatizados, em virtude do
risco de lesões raquimedulares.
No que tange aos aspectos laboratoriais, torna-se fundamental
para os comas tóxicos, infecciosos e metabólicos a solicitação de
hemograma, exame de urina e a determinação da glicosúria, da
glicemia, da ureia, das provas de função hepática e a análise de
substâncias tóxicas no sangue e na urina. Nos comas primitivamente
neurológicos, conforme a gravidade de cada situação, devem ser
solicitados os exames: radiográfico craniano, de análise do liquor,
eletroencefalograma (extremamente útil na classificação do grau de
intensidade do coma), TC e ressonância magnética de crânio.

FECHAMENTO DO CASO CLÍNICO


O paciente do caso clínico deste capítulo foi diagnosticado com
coma tóxico induzido por antidepressivo tricíclico, condição clínica
potencialmente grave que se caracteriza pela possibilidade de
acometimentos cardíacos e neurológicos importantes, como
arritmias cardíacas e convulsões. A maioria dos pacientes possui
recuperação rápida mediante cuidados de suporte, todavia alguns
deles podem estar sujeitos ao risco de óbito, uma vez que
apresentam rápida alteração clínica.
O abuso de antidepressivos tricíclicos de primeira geração, como
a amitriptilina utilizada pelo paciente, configura o quadro tóxico mais
preocupante dessa classe medicamentosa. Tais fármacos deprimem
a fibra do miocárdio e reduzem a resistência vascular periférica,
situação que resulta em hipotensão. Ademais, dada à intensificação
do efeito anticolinérgico, ocorrem midríase e aumento da frequência
cardíaca, predispondo taquiarritmias. A avaliação eletrocardiográfica
é de suma relevância na condução desses pacientes, uma vez que
auxilia no diagnóstico de coma induzido por tricíclicos. As principais
alterações eletrocardiográficas observadas nesse tipo de intoxicação
são: prolongamento dos intervalos PR e QT e aumento do complexo
QRS. Os efeitos neurológicos caracterizam-se por convulsões
precoces e de curto tempo e, casos graves, podem levar o paciente
ao estado de coma. Tremores, mioclonias, parestesias, ataxia,
letargia e diversos outros efeitos podem ocorrer.
O paciente do caso clínico em questão, portanto, foi intoxicado de
maneira grave pelo uso abusivo da amitriptilina, apresentando estado
comatoso, aumento do complexo QRS no eletrocardiograma,
insuficiência respiratória e hipotensão. Como forma de tratamento,
foram realizadas medidas de suporte, como monitoramento
eletrocardiográfico e dos sinais vitais, obtenção de acesso venoso
calibroso, coleta de amostras biológicas para exames de rotina e
toxicológicos, IOT, hidratação adequada, avaliação do estado mental
e neurológico, correção de distúrbios hidreletrolíticos e observação
durante 72 h ou até o momento em que o paciente apresente
alterações no eletrocardiograma. Para a descontaminação, foi
realizada a lavagem gástrica precoce com solução fisiológica a 0,9%
e administrado carvão ativado.
CONCLUSÃO
É indubitável que a condução de um paciente em coma exige
cuidado e, sobretudo, segurança por parte do profissional que está
realizando o atendimento. Para tal, o acompanhamento desse
paciente só será efetivo se perpassar por uma análise clínica
sistematizada, orientada e fundamentada na anamnese e no exame
neurológico de qualidade. A primeira, quando possível, por meio de
história minuciosa, com o importante auxílio dos acompanhantes
dos pacientes, torna-se de extrema relevância para o fornecimento de
elementos com vistas ao diagnóstico. O segundo, sob avaliação
criteriosa do nível de consciência, do exame ocular, do ritmo
respiratório e da resposta motora, também torna possível ao
profissional detectar e esclarecer a etiologia do coma. São dois
elementos que constituem, portanto, os fundamentos para adequada
investigação diagnóstica e condução terapêutica do paciente em
coma.
O estudo da consciência, que inclui o coma, no que diz respeito às
suas disfunções, ainda é uma área que desafia neurocientistas e
demais profissionais da saúde de todos os continentes. Cabe aos
profissionais da área, dessa forma, procurar aprender o melhor
caminho de articular, conduzir e realizar, de fato, a semiologia do
paciente em coma. Com isso, além de estarem preparados para
solicitação de exames complementares, estarão aptos para nortear a
implementação de medidas terapêuticas mais eficazes.

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Capítulo 26

Semiologia de Morte Encefálica


Autores: Mateus Gonçalves de Sena Barbosa, Nícollas Nunes Rabelo

CASO CLÍNICO
Anamnese e História da Moléstia Atual
M.S., 43 anos de idade, sexo masculino, morador de rua, foi vítima
de atropelamento, sofrendo traumatismo cranioencefálico (TCE)
grave. Foi atendido pelo serviço de urgência e emergência, sedado e
colocado em ventilação mecânica. Seu filho compareceu ao Hospital
Regional onde estava internado.
E devido ao fato ocorrido, o filho de M.S. transmitiu as
informações necessárias aos dois neurologistas de plantão do dia.
Após 48 h na unidade de terapia intensiva (UTI), observou-se que o
paciente não possuía os reflexos de tronco. Foram registrados os
dados vitais constantes na Tabela 1.
Tabela 1. Dados vitais do paciente M.S.

TEMPERATURA CORPORAL 37,3°C


(ESOFAGIANA, VISCERAL OU RETAL)

SATURAÇÃO DE OXIGÊNIO 96%

105 × 65
PRESSÃO ARTERIAL mmHg

FREQUÊNCIA RESPIRATÓRIA 0 irpm

Pressão parcial de gás carbônico 45 mmHg


Interrogatório dos Sistemas: Alterações nos diversos sistemas,
destaque para os sistemas nervoso e respiratório, de modo que
nesses a interrupção acarreta alterações nos demais sistemas.
Desenvolvimento Neuropsicomotor: Paciente com crescimento e
desenvolvimento adequado para a idade.
Procedentes Médicos: O filho nega que seu pai possua doenças,
alergias medicamentosas, alimentares ou ambientais. Além disso,
nega internamentos e cirurgias. E ainda afirma que o cartão vacinal
de seu pai está atualizado.
Histórico Familiar: O filho afirma por seu pai que não há casos de
hipertensão arterial, diabetes mellitus, câncer e infecções
sexualmente transmissíveis nos antecedentes familiares.
Exames complementares: foi realizada Tomografia
Computadorizada de crânio, evidenciada pela Figura 1.
Figura 1. Exame de imagem do paciente M.S. comprovando seu traumatismo
cranioencefálico.
Fonte: Adaptada pelo autor com base no caso clínico ilustrativo.

QUESTÕES PARA DISCUSSÃO


1. Quais as considerações indispensáveis para a abertura do
protocolo de ME?
2. Quais são os exames realizados para determinação de
ME?
3. O que o exame clínico neurológico avalia?
4. O exame clínico neurológico é fragmentado em quantas
etapas e quais são elas?
5. Discorra sobre o segundo exame neurológico em
comparação ao primeiro.
6. Quais são as principais opções para o exame
complementar comprobatório?

Conceito de Morte Encefálica(ME):


É caracterizada pela perda total e irreversível das funções
encefálicas, isto é, interrupção irremediável de todas as atividades de
nível cortical e de tronco encefálico. Além disso, o conceito de tal
morte independe da presença de atividade cardíaca ou reflexos
primitivos.1,4,6,8
A Resolução CFM nº 2.173/17 estabelece que os procedimentos
para a determinação da morte encefálica devem ser iniciados em
todos os pacientes que apresentem coma não perceptivo, ausência
de reatividade supra-espinhal e apnéia persistente.1,4,6
Tabela 2. Principais causas de morte encefálica.

• Traumatismo cranioencefálico
• Acidente vascular cerebral (hemorrágico ou isquêmico)
• Tumores cerebrais primários
• Anóxia cerebral (afogamentos, pós-parada cardiorrespiratória)
• Intoxicação exógena

Na Figura 2, apresenta-se uma síntese para compreensão


fisiopatologia da ME.
Figura 2. Esquema da fisiopatologia de morte encefálica. ADH: hormônio
antidiurético; T3: tiroxina.
(Adaptada de Tannous et al., 2016.)

É importante destacar que a morte encefálica ocorre em virtude


de uma lesão cerebral, a qual provoca um quadro de hipóxia cerebral,
isto é, a lesão provoca um comprometimento do fluxo sanguíneo no
cérebro, órgão que recebe o maior aporte sanguíneo no organismo.
Em virtude dessa interrupção, o cérebro não recebe oxigênio, o que o
impossibilita de continuar com suas atividades cerebrais, culminando
em ME.
Além disso, somando-se os fatores como ME, liberação do
ativador de plasminogênio e respostas simpáticas de forma
exarcerbada, desencadeia-se uma espécie de cascatas de reações,
as quais provocam diversas alterações e resultam em falências no
organismo, uma vez que a homeostase e o metabolismo basal não
mais existem nesse contexto.
A abertura do protocolo de ME do M.S. pelos médicos
plantonistas do dia só foi iniciada a partir da confirmação dos
critérios apresentados nas Tabelas 3 e 4 e Figura 3. Assim como na
tabela 5 demonstra os exames necessários durante a realização do
protocolo de ME. E na tabela 6 mostra as avaliações neurológicas
que devem ser realizadas durante o protocolo de ME
Tabela 3. Requisitos para abertura do protocolo de ME

É indispensável que o paciente esteja em Glasgow 3


Sem freqüência respiratória voluntária
Sem condições confundidoras para o coma, como uso de sedação e
bloqueadores neuromusculares, hipotermia ou distúrbios metabólicos
graves
Mínimo de 6 h de tratamento intensivo/observação hospitalar após a
lesão
Os pacientes com suspeita de ME deve passar por exame de imagem
(tomografia ou ressonância magnética de crânio), a fim de comprovar
lesão estrutural encefálica suficientemente grave para justificar o exame
neurológico.

Figura 3. Esquema dos requisitos para abertura do protocolo de morte


encefálica (ME). PAM: pressão arterial média; SatO: saturação de oxigênio;
T: temperatura.
(Adaptada pelo autor com base na Resolução CFM no 2.173/2017.)

Tabela 4. Valores hemodinâmicos e metabólicos recomendados para o


início do protocolo de morte encefálica:

PAS > 90 mmHg

PAM > 65 mmHg

SAT O2 > 90%

PACO2 20 a 45 mmHg

PAO2/ FIO2 > 100

UREIA < 300

SÓDIO PLASMÁTICO 120 a 160 mEq/L

GLICEMIA 80 a 300 mg/dL

HEMOGLOBINA >9

TEMPERATURA > 32,5°C


Tabela 5. Exames necessários para determinação de ME.

• Dois exames clínicos


• Um teste de apneia
• Um exame complementar comprobatório.

Fonte: Adaptado pelo autor com base na Resolução CFM no 2.173/2017.

Tabela 6. Avaliações realizadas durante o protocolo de ME

• Coma não perceptível


• Pupilas fixas e sem reações
• Ausência de reflexos oculocefálicos
• Ausência de resposta aos testes calóricos
• Ausência de reflexo de tosse
• Apneia.

O primeiro exame clínico é fragmentado em duas etapas: confirmação


do coma com Glasgow equivalente a 3 e avaliação dos reflexos do
tronco encefálico

Primeiro exame clínico neurológico


1. Ratificação do coma com Glasgow em escala equivalente A
3, com exame bilateral:

• Estímulo retromandibular (Pares cranianos V e VII)


• Estímulo axial (esternal ou supraorbitário) e apendicular
(ungueal)
2. Examinar os reflexos do Tronco Encefálico:

• Ausência de reflexo pupilar fotomotor (II par é aferente e o


III par é eferente) bilateral (Figura 4)
Figura 4. Reflexo de olhos de “boneca”.
Fonte: Adaptada de Pallis et al., 1983

Ausência de resposta à luz nos dois olhos, geralmente com


pupilas fixas de tamanho médio ou dilatadas. É importante frisar que
o exame pode ser interferido caso haja alterações preexistentes na
pupila ou cirurgia prévia.

• Ausência de reflexo corneopalpebral (V par é aferente e o


VII par é eferente) bilateral (Figura 5)
Figura 5. Verificação da ausência de reflexo corneopalpebral.
Fonte: Adaptada pelo autor com base na Resolução CFM no
2.173/2017.

Ausência de fechamento das pálpebras ao toque das córneas, por


meio de dispositivo não traumático (gota de salina a 0,9% ou
algodão).

• Ausência de reflexo oculoencefálico bilateral (VIII par é


aferente e o III/IV/VI são pares eferentes) (Figura 6)
Figura 6. Reflexo de olhos de “boneca”.
Fonte: Adaptada dePallis et al., 1983.

Certificar-se previamente da integridade da coluna cervical. Além


disso, deve-se manter os olhos do paciente abertos, enquanto gira-se
a posição da cabeça para os dois lados. Este reflexo estará ausente,
quando os olhos não se movimentarem dentro da órbita (seguem de
maneira fixa para o mesmo lado da cabeça).

• Rotação da cabeça em 90 , para cada lado e no plano


o

vertical, com movimentos rápidos de báscula. Atenção para


presença de trauma raquimedular cervical (Figura 7)
Figura 7. Exame de rotação de cabeça em 90o.

Adaptada pelo autor com base na Resolução CFM no 2.173/2017.

• Ausência de reflexo oculovestibular (VIII par é aferente, III e


VI pares são eferentes) bilateral (Figura 8)
Figura 8. Reflexo oculovestibular.
Fonte: Adaptada pelo autor com base na Resolução CFM no
2.173/2017.

Confirmar previamente se o conduto auditivo está pérvio. Deve-se


manter a cabeça em posição neutra e elevada a 30°. Introduzir em
cada conduto auditivo 50 mL de líquido gelado e observar por
aproximadamente 1 minuto para certificar-se da ausência de
movimentos dos olhos. Aplicar em um conduto auditivo de cada vez,
com intervalo de 5 minutos. Cabe ao médico atentar-se ao uso de
volumes menores em crianças com menos de 2 anos de idade.

• Otoscopia (para verificação de obstrução ou perfuração)


inicial, seguida da prova calorimétrica: Com a cabeceira a
30o, instilar 50 mL de solução fisiológica a 0,9% gelada
(próximo a 0oC) ao longo de um minuto. Observar por até 1
minuto depois. Aguardar 5 minutos antes de testar o outro
lado
• Ausência de reflexo de tosse (IX par é aferente e X par é
eferente) (Figura 9)
Figura 9. Reflexo de tosse.

Fonte: Adaptada pelo autor com base na Resolução CFM no


2.173/2017.

Testar com espátula na faringe posterior bilateral e sonda de


aspiração pelo tubo endotraqueal. Confirmar a ausência de tosse
durante a estimulação delicada da carina traqueal, por meio da
introdução de cânula de aspiração pelo tubo orotraqueal.
Teste de apneia (Figura 10)
Figura 10. Teste de apneia.
Fonte: Adaptada pelo autor com base na Resolução CFM no
2.173/2017.

• Pré-requisitos: Temperatura ≥ 36,5°C; PA sistêmica ≥ 90


mmHg; balanço hídrico positivo durante 6 h

• Ventilar o paciente (± 10 minutos com FiO de 100%), para


2

PaO2 alvo ≥ 200 mmHg)

• Desconectar o circuito do respirador, mantendo cânula de


O2 na topografia da carina com fluxo 6 L/min).

Observação relevante:
• Observar movimentos respiratórios (se possível, com
ventilômetro acoplado) por até 10 minutos ou até pCO2 ≥ 55
mmHg

• O teste deverá ser interrompido se houver hipotensão,


arritmia ou queda da satO2

• Para pacientes cujo pCO basal já é ≥ 55 mmHg, aguardar


2

elevação acima de 20 mmHg do pCO2 basal para teste


confirmatório.5,12
As três diferentes interpretações de resultado no teste de apneia
são apresentadas na tabela 7.

TABELA 7. RESULTADOS POSSÍVEIS PARA TESTE DE


APNEIA

INCONCLUSIVO NEGATIVO POSITIVO

Movimentos pCO2 > 55 mmHg


Instabilidade hemodinâmica
respiratórios Aumento da pCO2
durante o teste
Resultados de pCO2 na em 20 mmHg
SatO2 < 90%
gasometria inferior aos comparada com a
Arritmias cardíacas
resultados anteriores gasometria inicial

Segundo exame clínico neurológico


Realizam-se os mesmos exames do primeiro exame neurológico,
com exceção do teste de apneia, o qual é realizado somente uma
vez. Os exames devem ser executados por profissionais diferentes, o
segundo exame neurológico deve ter, no mínimo, 6 h de intervalo
entre o primeiro (o intervalo varia conforme a idade do paciente).
Cabe ressaltar também que os médicos que farão os procedimentos
não poderão ser integrantes da equipe de remoção e transplante.
Além disso, é importante destacar que pelo menos um dos exames
realizados deve ser realizado por neurologista ou neurocirurgião.
Observação: o intervalo mínimo exigível entre os exames depende
da faixa etária do paciente, conforme consta na Tabela 8.
Tabela 8. Os intervalos mínimos entre os exames neurológicos de acordo
com a faixa etária.

7 dias a 2 meses 24 h

2 meses a 2 anos incompletos 12 h


> 2 anos 1h

Exame Complementar Confirmatório


Opta-se por um exame dentre os disponíveis: de atividade elétrica,
metabolismo ou fluxo (Tabela 9).
Tabela 9. Principais opções para exame comprobatório

É o único exame possível para pacientes


menores de 1 ano de idade. Deve mostrar
ausência de atividade bioelétrica cerebral
EEG
(silêncio elétrico cerebral é caracterizado
como a falta de atividade elétrica maior que
2 microV, por no mínimo 30 minutos

Evidencia a ausência de insonação dos


vasos cerebrais, em pacientes previamente
Doppler transcraniano insonados; falta de fluxo diastólico ou
reverberante; pequenos picos sistólicos
isolados

Afluxo sanguíneo na entrada do cérebro dos


quatro vasos em 20 segundos; parada
circulatória no polígono de Willis;
Arteriografia cerebral
enchimento vagaroso superior a quinze
segundos do seio longitudinal superior
cerebral

Ausência de perfusão cerebral pelo


Cintilografia cerebral radioisótopo ratifica o diagnóstico de morte
encefálica
MEDICINA BASEADA EM
EVIDÊNCIAS:
Recentemente, no Journal Of Neurosurgery foi publicado o artigo
Computed tomography angiography accuracy in brain death diagnosis,
sobre pesquisa de parada circulatória cerebral por meio de
angiografia por tomografia computadorizada (CTA) associada a
critérios de VS (escore venoso, 4 pontos). Dessa forma, percebe-se
que há possibilidade de a CTA fazer parte do protocolo de
diagnóstico de ME, mais especificamente na etapa do exame
comprobatório.
O Código do CFM de 1917 sofreu algumas alterações em 2017 e
foi atualizado o protocolo de diagnóstico de ME. As atualizações
foram: modificações dos parâmetros clínicos para o início do
diagnóstico – atualmente, considera-se como não perceptivo
ausência de reatividade supraespinhal, apneia persistente, lesão
encefálica de causa conhecida e irreversível, temperatura corporal
acima de 35°C, SatO2 de 94% e pressão arterial sistólica maior que
100 mmHg). Hodiernamente o tempo de observação para que seja
iniciado o diagnóstico deve ser de mínimo de 6 h, o intervalo mínimo
entre as duas avaliações clínicas também diminuiu e para a
confirmação do diagnóstico de ME aumentou-se mais uma etapa – o
teste de apneia. Houve também especificidades quanto à formação
dos médicos examinadores –um dos médicos deverá ser
especialista em uma dessas áreas: medicina intensiva, medicina
intensiva pediátrica, neurologia, neurologia pediátrica, neurocirugia
ou medicina de urgência, e nenhum desses médicos poderá fazer
parte da equipe de transplante.
Observação relevante: Para pacientes abaixo de 2 anos de idade,
segue como na Tabela 10.
Tabela 10. Dados relevantes de exames conforme cada faixa etária.

Qualquer dos exames, mas, se forem


De 1 ano a 2 anos incompletos 2 eletroencefalogramas, devem ter
intervalo de 12 h
De 2 meses de idade a 1 ano 2 eletroencefalogramas com
incompleto intervalo de 24 h

De 7 dias a 2 meses de idade 2 eletroencefalogramas com


(incompletos) intervalo de 48 h

FECHAMENTO DO CASO CLÍNICO DO


PACIENTE
M.S., vítima de atropelamento, sofreu TCE grave. Apesar de ele ter
sido internado imediatamente, não foi possível proporcionar um
prognóstico ao paciente, uma vez que sua pressão intracraniana se
elevou e, em consonância com outros fatores, provoucou um quadro
de hipóxia, o qual favoreceu para a ocorrência de lesão em nível
cortical e tronco encefálico.
A partir disso, M.S. começou a apresentar alterações em seus
dados vitais e Glasgow equivalente a três, o que possibilitou a
abertura do protocolo de diagnóstico de ME. Sendo assim, os
médicos plantonistas realizaram as três etapas: dois exames clínicos
e o teste de apneia, estabelecidoss pelo protocolo brasileiro para ME.
Diante dos resultados obtidos pelos exames, os médicos
observaram apneia e ausência dos reflexos: oculoencefálico,
oculovestibular, corneopalpebral, fotomotor e de tosse. Logo,
constaram-se que M.S. foi vítima de ME.

CONCLUSÃO
O protocolo para diagnóstico de ME é um processo sistematizado,
comprovado cientificamente, eficiente, complexo, ético e
indispensável. Além disso, cabe ressaltar que ele é de extrema
importância, pois possibilita um diagnóstico seguro de ME. Dessa
forma, indubitavelmente, quando realizado da maneira correta, desde
a avaliação dos critérios para abertura desse protocolo até a última
etapa de exames, garante-se um diagnóstico confiável. E, ainda,
dependendo da situação e da legalidade, é possível serem
aproveitados determinados órgãos para transplantes que podem
salvar vidas de outros pacientes.
Destarte, o protocolo para diagnóstico de ME assegura o princípio
moral da “não maleficência”, o qual faz parte da frase de Hipócrates
“antes de tudo, não cause dano”. Nesse contexto, tal relação é
aplicada, porque na ausência de tal protocolo podem-se causar
danos a familiares e amigos caso o diagnóstico de ME seja incorreto,
e a pacientes, os quais poderiam ter utilizado de determinados
recursos hospitalares que garantiriam seu bom prognóstico.

BIBLIOGRAFIA
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14. Tannous LA, Yazbek VMDC, Giugni JR . Manual para notificação, diagnóstico de
morte encefálica e manutenção do potencial doador de órgãos e tecidos. 2. ed.
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15. Tannous LA, Yazbek VMDC, Giugni JR . Manual para notificação, diagnóstico de
morte encefálica e manutenção do potencial doador de órgãos e tecidos. 3. ed.
Secretaria De Estado da Saúde do Paraná; 2018. 68 p.
1 . Weber MF. Morte Encefálica e Doação de Órgãos. Conselho Regional de Medicina
do Estado do Rio Grande do Sul. 2018. 98 p.
Capítulo 27

Semiologia do Liquor
Autores: Pedro Henrique Silveira Chaves, Nícollas Nunes Rabelo

ANAMNESE
Paciente do sexo masculino, 70 anos de idade, procurou
atendimento com queixa de fraqueza em membros inferiores,
incontinência urinária e perda de memória.
Relatou paresia de membros inferiores com início há seis meses,
alegou piora no quadro desde seu início. Afirmou ter tido dificuldade
de manter a postura do tronco nos últimos dois meses e
incapacidade de conter a micção. Além disso, notou episódios de
perda de memória em relação a fatos ocorridos recentemente e
desorientação quanto ao tempo e espaço. Informou não ter se
medicado ou procurado ajuda médica prévia.
No decorrer da investigação de sistemas, negou astenia, febre e
perda ponderal. À investigação neurológica, confirmou-se parestesia
em membros inferiores. Não apresentou alterações nos demais
sistemas.
Relatou ser hipertenso, utilizar losartana 50 mg e
hidroclorotiazida 25 mg. Negou demais doenças de base, bem como
cirurgias e internações prévias.
Tem pai hipertenso e mãe diabética, sem casos de cardiopatias,
câncer e depressão na família.
Ao exame físico do sistema nervoso, mostrou-se lúcido e
orientado quanto ao tempo e espaço, sem afasia ou alterações de
memória imediata e remota, porém com alteração da memória
recente. Apresentou marcha apráxica em pequenos passos,
resultado de teste de Romberg negativo, tônus e massa muscular
preservados, força muscular 3/5 em flexão de membros inferiores
na altura do quadril e 4/5 em extensão na altura do joelho.

EXAMES COMPLEMENTARES

Pressão de Abertura do Liquor


Pressão normal (15 mmHg)

Tap-test
Após retirada de 50 mL de liquor por punção lombar, notou-se
melhora nos quadros de apraxia e incontinência urinária, que voltou
a acontecer dois dias depois.

Ressonância Magnética e Tomografia


Computadorizada
Imagens evidenciaram aumento no diâmetro dos ventrículos
laterais sem ampliação dos sulcos corticais.

QUESTÕES PARA DISCUSSÃO


1. Qual é a fisiologia relacionada ao liquor e a sua
importância para a semiologia?
2. O que deve ser avaliado em um possível quadro de
hidrocefalia?
3. Quais exames complementares podem ser úteis para a
confirmação da hidrocefalia e as possíveis alterações?
4. Quais os exames físicos e suas alterações sugerem
síndrome meníngea?
DISCUSSÃO

Fisiologia do liquor
Compreender os mecanismos de produção, circulação e
drenagem do liquor é fundamental para o entendimento da prática
semiológica. Esses processos participam ativamente das
manifestações clínicas de algumas patologias, como na
hidrocefalia, e dos sinais apresentados nos exames
complementares como a tomografia e a ressonância magnética que
serão discutidos adiante.
O liquor ou líquido cefalorraquidiano (LCR) é um líquido incolor,
de viscosidade e densidade semelhantes às da água. No adulto, a
quantidade de LCR é cerca de 100 a 160 mL e é composto
principalmente por água (99%), além de uma pequena quantidade de
eletrólitos, proteínas, glicose, aminoácidos, neurotransmissores,
entre outros. Detém a função de dar suporte físico ao cérebro,
atenuar choques mecânicos, manter a homeostase neuronal e
promover o aporte nutricional, além de possuir leucócitos que
auxiliam na resposta imune contra agentes patológicos no sistema
nervoso. Sua produção é mediada pelos plexos coroides e pela
camada celular ependimária, principalmente nos ventrículos laterais,
porém também ocorre no terceiro e no quarto ventrículos.
A circulação liquórica acontece por meio de forames e canais
que interligam os ventrículos e o espaço subaracnóideo. Portanto,
considerando como ponto inicial da circulação os ventrículos
laterais, o LCR chega ao terceiro ventrículo pelos forames de Monro
e segue para o quarto ventrículo pelo aqueduto de Sylvius. No quarto
ventrículo, o LCR segue dois caminhos:

1. Espaço subaracnóideo por meio do forame de Magendie


(medial) e pelos forames de Luschka (laterais)
2. Canal central da medula.
Por fim, após preencher as cisternas do espaço subaracnóideo,
pequenas dilatações da aracnoide chamadas granulações
aracnóideas transpassam a dura-máter dos seios venosos e drenam
o liquor para a corrente sanguínea.
Quadros patológicos que acarretem alterações na produção,
circulação ou drenagem do liquor que resultem em seu acúmulo
anormal no sistema nervoso central causam hidrocefalia.

Hipertensão intracraniana (HIC)


O quadro de HIC constitui uma emergência médica e pode ser
decorrente de diversas complicações que afetam o sistema
nervoso. Dentre os principais causadores de HIC, estão: traumas,
lesões vasculares, tóxicas, inflamatórias, infecciosas e neoplásicas.
Ocorre principalmente em ocasiões de traumas que envolvem
processos de edema e hematomas.
As manifestações clinicas frequentes são:

• Cefaleia: pode ser holocraniana ou bifrontal de caráter


progressivo que se manifesta mais intensamente pela
manhã e melhora após o vômito. Isso ocorre, pois durante o
período do sono a pressão intracraniana eleva-se devido ao
aumento da concentração de dióxido de carbono que causa
dilatação vascular e, por conseguinte, o elevação na
pressão intracraniana (PIC). A êmese pode melhorar a
cefaleia por provocar hiperventilação no ato de vomitar e,
assim, diminuir os efeitos vasodilatadores do dióxido de
carbono. A cefaleia é causada pela distensão da dura-
máter, dos vasos e nervos cranianos, estruturas ricas em
terminações nervosas sensitivas

• Êmese: apresenta-se precedida de náusea ou não. Quando


não é precedida de náusea, suspeita-se de origem
neurológica e acontece por compressão da área do
assoalho do quarto ventrículo, próximo ao trígono do nervo
vago. Nesse caso é denominada vômito em jato
• Papiledema:sinal mais característico da HIC (Figura 1). É
detectado no exame de fundoscopia revelando ingurgitação
das veias e ausência de pulso venoso, podendo ocorrer
hemorragias. Isso acontece, pois o aumento da pressão no
espaço subaracnóideo ao redor do nervo óptico dificulta a
drenagem pela veia oftálmica, que tem uma parte de seu
trajeto no interior do nervo

• Alterações no nível de consciência:em geral e inicialmente


manifestam-se por sonolência, que pode evoluir até o coma
profundo em raros casos. Podem ocorrer, com menos
frequência, crises epiléticas e tonturas não giratórias no
decorrer da doença
Figura 1. Fundoscopia evidenciando aumento no calibre venoso devido à
ingurgitação nos olhos direito (OD) e esquerdo (OE).

Fonte: Ventura , 2016.

Nas crianças cujas suturas ainda não foram soldadas, a HIC


manifesta-se principalmente pela macrocefalia, que acontece como
meio compensatório para o aumento da PIC. Em recém-nascidos e
lactentes, abaulamento da fontanela, irritabilidade, choro fácil,
anorexia e macrocrania são as manifestações clínicas mais
frequentes.
Durante a evolução da HIC, podem acontecer herniações do
tecido nervoso. Essas herniações são diagnosticadas por meio dos
sinais clínicos atribuídos à compressão das estruturas próximas.
A hérnia de uncus causa compressão do nervo oculomotor, o que
leva à midríase homolateral. Em casos mais extremos, a artéria
cerebral posterior também pode ser comprimida, causando
hemianopsia por isquemia do lobo occipital. Além disso, a
compressão do mesencéfalo compromete a formação reticular e
resulta na perda progressiva do nível de consciência.
Na hérnia tonsilar, ocorre parada cardiorrespiratória súbita
acompanhada de miose bilateral por compressão das estruturas do
bulbo pelo cerebelo que se expande através do forame magno.

Hidrocefalia
No adulto, o principal distúrbio liquórico remete à hidrocefalia de
pressão normal (HPN) que se manifesta pela tríade de Hakim e
Adams, ou seja, marcha apráxica, incontinência urinária e demência.
Nesses casos, são realizados a mensuração da PIC, exames
radiológicos e o tap-test.

1. Exames radiológicos: podem ser realizados tanto a


tomografia computadorizada quanto a ressonância
magnética de encéfalo, evidenciando ventriculomegalia.
2. PIC: Na HPN, a pressão intracraniana mostra-se normal.
Isso ocorre, pois a dilatação ventricular resulta em um
equilíbrio relativo da pressão. Porém, dessa forma, a força
exercida nas paredes ventriculares é mais elevada, o que
explica as manifestações clínicas da doença.
3. Tap-est: o principal objetivo do tap-test é avaliar os
resultados de um possível procedimento de derivação
ventriculoperitoneal, em que o liquor é drenado dos
ventrículos até a cavidade peritoneal por meio de um
cateter. Nesse teste, são retirados por punção lombar 15 a
50 mL de liquor, e espera-se que o paciente apresente
melhoras no quadro de apraxia nas horas decorrentes.
Além da HPN, a hidrocefalia ainda pode ser classificada em dois
tipos: comunicante e não comunicante.
A hidrocefalia comunicante é causada pela reabsorção liquórica
prejudicada e, portanto, não há achados de imagem que indiquem
obstrução em estruturas relacionadas à circulação do liquor. Esta
hidrocefalia está fortemente relacionada a processos inflamatórios,
infecciosos ou hemorrágicos que atingem o sistema venoso
responsável pela reabsorção do liquor, causando dilatação
ventricular difusa .
A hidrocefalia não comunicante é a mais frequente e advém de
obstruções no trajeto liquórico dos ventrículos até o espaço
subaracnóideo. Os achados radiológicos dependem dos locais
obstruídos, que podem ser:

1. Forames de Monro, que causam dilatação do ventrículo


lateral correspondente
2. Aqueduto de Sylvius, que provoca dilatação do terceiro
ventrículo e dos ventrículos laterais
3. Forames de Luschka e Magendie e na incisura da tenda do
cerebelo, que provocam a dilatação de todo sistema
ventricular.
Os sinais comuns presentes na hidrocefalia são (Tabela 1):

• Sinais sugestivos de HIC, ou seja: êmese, cefaleia,


alterações no nível de consciência e, principalmente, o
papiledema

• Tríade de Hakim e Adams, caracterizada por apraxia,


incontinência urinária e demência

• Sinal do sol poente


• Sinal de Collier
• Sinais exclusivos aos lactentes como o crescimento
anormal da calota craniana, desproporção craniofacial,
abaulamento da fontanela, congestão venosa superficial no
couro cabeludo e na face, pele do crânio fina – o sinal do
“pote rachado” pelo afastamento das suturas cranianas.
Tabela 1. Principais sinais na hidrocefalia em lactentes e não lactentes.

Papiledema, sinal do sol poente, sinal de


Lactentes e não Collier, tríade de Hakim e Adams, êmese,
lactentes cefaleia e alterações no nível de
consciência

Macrocefalia, sinal do pote rachado,


desproporção craniofacial, abaulamento da
Somente em lactentes
fontanela, congestão venosa superficial e
afinamento da pele do crânio

O sinal do sol poente aparece como uma incapacidade de olhar


para cima e acontece por compressão da placa quadrigeminal
superior contra a borda livre da tenda do cerebelo (Figura 2).
Figura 2. Sinal do sol poente em paciente diagnosticado com hidrocefalia
congênita.

Fonte: Pereira et al., 2012.

O quadro de hidrocefalia, especialmente quando relacionado à


obstrução do aqueduto de Sylvius, pode ocasionar compressão das
fibras responsáveis pela inibição do músculo levantador da pálpebra
superior que passam pela comissura posterior. Assim, o paciente
manifesta o sinal de Collier (Figura 3), que consiste na retração
palpebral bilateral aparentando protrusão ocular sendo, portanto,
necessário fazer o diagnóstico semiológico diferencial com a
exoftalmia.
Figura 3. Paciente apresentando retração palpebral, característica do sinal
de Collier.

Fonte: Costa et al., 1999.

Alguns sinais são característicos nos lactentes, pois sua


estrutura óssea craniana ainda não está completamente suturada.
Assim, o crescimento anormal da calota craniana, desproporção
craniofacial, abaulamento da fontanela independentemente da
posição do paciente, congestão venosa superficial no couro
cabeludo na face e na pele fina do crânio podem aparecer no
paciente até o segundo ano de vida. Também é comum o sinal do
“pote rachado”, que acontece devido ao afastamento das suturas
cranianas.

Síndrome meníngea
A associação entre os sinais de HIC, os achados humorais do
liquor e as manifestações provenientes da inflamação meníngea é
denominada síndrome meníngea. Essa condição é causada
principalmente por hemorragias subaracnóideas decorrentes de
rupturas de aneurismas cerebrais e pela meningite advinda de
processos exsudativos desencadeados por diversos patógenos.
Os principais sintomas são:

• Cefaleia: intensa e difusa associada a contraturas


musculares; piora com movimentos, exposição à luz e a
ruídos

• Vômitos
• Fotofobia
• Contraturas: afetam os músculos da nuca e dos membros
inferiores.
Na síndrome meníngea, o liquor apresenta algumas alterações
notáveis. A quantidade apresenta-se aumentada juntamente com a
pressão e ultrapassa 20 mmHg. O aspecto do liquor varia de acordo
com a quantidade de células presentes, oscilando de cristalino a
opaco, de turvo a purulento e, em quadros hemorrágicos, pode
assumir aspecto xantocrômico ou hemorrágico. Em sua
composição pode haver aumento de albumina
(hiperalbuminorraquia), além de diminuição de cloretos e glicose
(hipoglicorraquia). Pode ainda haver crescimento no número de
células de defesa como neutrófilos, eosinófilos, bem como de
células mononucleares, assim como podem surgir microrganismos.
Alguns exames físicos são cruciais para o diagnóstico da
síndrome meníngea:

• Rigidez de nuca: nota-se grande resistência, acompanhada


de dor, ao realizar o movimento de flexão passiva na cabeça
do paciente em decúbito dorsal

• Sinal de Kernig: o paciente, em decúbito dorsal, flete a coxa


sobre o quadril e, nesta posição, o examinador realiza o
movimento passivo de extensão da perna. Em caso de
síndrome meníngea, esse movimento vai ser dificultado
• Sinal de Brudzinski: movimento de fletir os quadris e elevar
coxas e joelhos durante a flexão passiva da cabeça no
exame de rigidez de nuca.

EXAME FÍSICO BASEADO EM


EVIDÊNCIAS
Os sintomas como cefaleia, náuseas, êmese, crescimento da
calota craniana e alterações de consciência são muito usuais no
diagnóstico de hidrocefalia. Porém, esses sinais são indicativos
pouco sensíveis ou inespecíficos, visto que em alguns casos eles
podem até mesmo estar ausentes, especialmente quando o
aumento da PIC acontece de forma lenta. Portanto, o papiledema é
considerado o achado mais importante no diagnóstico da
hidrocefalia.
Um estudo retrospectivo realizado com 46 pacientes
diagnosticados com hidrocefalia e tratados por meio de derivação
ventriculoperitoneal com idade média entre 6,3 e 4,7 anos mostrou
que 27 (59%) dos pacientes apresentaram papiledema e que os
pacientes sem papiledema (19 – 41%) eram mais jovens. Dentre os
pacientes que apresentaram o sinal, a idade média foi entre 8,8 e 4,2
anos, e entre os que não apresentaram, foi de 2,7 anos de idade.
Essa diferença de idade pode ser explicada pelas fontanelas não
suturadas em crianças mais jovens. Portanto, o papiledema deve ser
interpretado como um sinal de aumento da PIC, porém, em
pacientes mais jovens, sua ausência não descarta a possibilidade de
hidrocefalia.
Suspeita Diagnóstica do Caso: HPN.

Conduta
Solicitado verificação da pressão de abertura do liquor, tap-test,
exames de imagem (tomografia computadorizada e ressonância
magnética). Repouso em inclinação de 30º.
CONCLUSÃO
O paciente foi encaminhado à neurocirurgia e submetido ao
procedimento de derivação ventriculoperitoneal. Após a cirurgia, o
paciente evoluiu com melhora no quadro de HPN sem eventuais
complicações.

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Lisboa, Lisboa, 2016.
Capítulo 28

Semiologia da Sensibilidade de
Tronco e Membros
Autores: Lucca Vinícius Maia Marques, Nícollas Nunes Rabelo

CASO CLÍNICO

ANAMNESE
Paciente do sexo masculino, 40 anos de idade, relata perda de
função motora, da propriocepção e da sensibilidade epicrítica em
membros do lado esquerdo, e concomitantemente perda de
sensibilidade protopática nos membros do lado direito.
História da Moléstia Atual: Paciente admitido em Unidade Básica
de Saúde (UBS) refere quadro de cervicalgia associado a parestesia
em membro inferior esquerdo há cerca de duas semanas, foi tratado
com anti-inflamatórios e corticosteroides. No mesmo dia, o paciente
foi liberado para retornar a sua residência. Retornou à UBS
sinalizando piora do quadro com perda da sensibilidade térmica e
dolorosa proprioceptiva e epicrítica no hemicorpo esquerdo
associada a privação de sensibilidade protopática no hemicorpo
direito. Foram realizados os exames físicos neurológicos de
sensibilidade que confirmaram os relatos do paciente. O paciente foi
encaminhado para o Hospital Municipal de Paracatu (MG) para uma
melhor investigação do caso. Nele foram solicitados exames de
imagem, ressonância magnética (RM) e tomografia
computadorizada (TC), com Hipótese Diagnóstica de compressão
medular confirmada em C4-C5 e C5-C6 configurando, pelos sinais
clínicos apresentados, síndrome de Brown-Séquard em virtude de
hérnia de disco cervical. No tratamento, utilizou-se abordagem
cervical anterior standard, na qual se realizou a descompressão das
estruturas neurológica se depois procedeu-se à artrodese
intersomática em dois níveis com cage PEEK contendo matriz óssea
desmineralizada. O paciente manteve-se imobilizado com colar
cervical por 12 semanas. O pós-operatório evoluiu sem
intercorrências com progressiva melhora do quadro.
Desenvolvimento Neuropsicomotor: Paciente com crescimento e
desenvolvimento adequados para idade.
Precedentes Médicos: Paciente apresenta diabetes mellitus tipo
2 controlada com medicamentos hipoglicêmicos. Relata
internamento por acidente automobilístico na adolescência no qual
não foi necessária intervenção cirúrgica. Nega cirurgias e alergias
medicamentosas, alimentares e ambientais. Refere cartão vacinal
completo (sic).
História Familiar: Nega casos de hipertensão arterial, diabetes
mellitus, cardiopatias, síndromes e câncer.

EXAME FÍSICO:
Dados Vitais: frequência respiratória (FR): 19 irpm; frequência
cardíaca (FC): 90 bpm; temperatura: 36°C.
Geral: Paciente alega astenia; nega febre e calafrios.
Pele: Perda de sensibilidade tátil e térmica, íntegra; nega lesões e
prurido.
Cabeça e Pescoço: Normocefálica, sem alterações ao exame,
ausência de turgência jugular patológica e pulsos carotídeos
simétricos.
Abdome: Plano, flácido, indolor.
Sistema Nervoso: Paciente lúcido e orientado, responsivo. Sinais
de irritações meníngeas negativos: Kernig, Brudzinski e Lasègue.
Perda de sensibilidade proprioceptiva e exteroceptiva; alterações na
força muscular no hemicorpo esquerdo.
Suspeita Diagnóstica: Compressão nervosa.
Conduta: Solicitados exames de imagem – RM e TC. Repouso
sem restrições quanto à posição do paciente.

EXAMES COMPLEMENTARES
TC: Compressão da raiz nervosa em C4-C5 e C5-C6.
RM: Confirmação da compressão da raiz nervosa em C4-C5 e C5-
C6.

QUESTÕES PARA DISCUSSÃO


1. Quais exames avaliam a sensibilidade exteroceptiva?
2. Como saber qual lado da medula está sob efeito
compressivo?
3. Neste caso, quais manobras serão realizadas para testar
a sensibilidade do paciente?

DISCUSSÃO:

SENSIBILIDADE EXTEROCEPTIVA:
1. São as que se originam nos receptores periféricos de
mucosa ou pele, decorrentes dos estímulos vindos do
ambiente. Esse tipo de sensibilidade é dividido em três;
quando a perda dessa sensibilidade é dada por
compressão medular, ocorre sempre no lado contralateral
da compressão.

1.1 Sensibilidade Térmica: Usualmente utilizam-se tubos com


água fria ou quente. Solicita-se ao paciente que responda se o
estímulo aplicado na sua pele é quente ou frio. Normalmente,
para melhor condução do calor usa-se objeto metálico, além
disso, deve-se atentar para a temperatura do objeto, pois se
muito extrema pode estimular a sensibilidade dolorosa, e não
térmica como objetivado, para isso as temperaturas devem
variar entre 5° a 10°C em estímulos frios e entre 40° e 45°C
para estímulos quentes. De acordo com o relato do paciente,
deve-se descrever como termoanestesia a ausência de
sensibilidade à temperatura, termo-hipoestesia, a
sensibilidade diminuída, e termo-hiperestesia,. O exame deve
ser realizado para confirmar a sensibilidade (Figura 1).
Figura 1. Exame de sensibilidade térmica

Fonte: Gusmão 2007, et al Campos, Teixeira.

1.2 Sensibilidade Nociceptiva: Esse exame testa a dor


superficial. Para realizá-lo, recomenda-se o uso de um objeto
com ponta romba e outro de ponta fina, mas não tanto a
ponto de penetrar na pele do paciente. Deve-se pedir para que
o paciente feche os olhos; inicialmente estimula-se uma área
que supostamente não tem alterações para que o paciente
conheça o estímulo exercido pelo objeto e depois devem-se
pressionar as áreas do corpo, perguntando ao paciente se o
estímulo aplicado é de “pressão” ou de “fincada”. O objetivo
do exame é avaliar se há perdas dolorosas no local, para isso
usa-se o efeito de comparação com outras partes do corpo.
Após a realização do exame, deve-se relatar se há perda total
da sensibilidade dolorosa na área, referindo-a como analgesia
ou se há perda parcial denominada hipoalgesia (o exame se
dá a partir da área afetada em direção a área normal), ou uma
sensibilidade exacerbada, denominada hiperalgesia (o exame
é realizado partindo-se da área normal para a área alterada).
1.3 Sensibilidade tátil: Deve ser testada realizando-se um
estímulo suave, com um papel ou algodão, sem exercer
pressão sobre o tecido. O paciente deve apontar o local em
que sentiu o estímulo. Usam-se os seguintes termos na
descrição:
Topoanestesia: perda de sensação localizatória do
tato
Tigmanestesia: perda de tato leve
Sinestesia: a percepção do tato é percebida em um
local diferente do estímulo
Aloquíria: percepção do lado oposto do corpo
Parestesia: alteração anormal percebida pelo paciente
na ausência de estímulos externos
Disestesia: sensação oposta ou contrária a da
aplicada; por exemplo, faz-se um estímulo tátil e após
isso o paciente relata sensação de formigamento ou de
dor.
2. SENSIBILIDADE PROPRIOCEPTIVA: Essa sensibilidade,
quando reduzida ou ausente, se por efeito compressivo
indica uma lesão do lado ipsolateral da lesão.
2.1 Sensibilidade Vibratória: Utiliza-se o diapasão de 128 Hz. De
início, estimulam-se as áreas que não apresentam
anormalidades para posteriormente testar as patológicas. Em
geral, essa sensibilidade é testada em processo espinhoso
vertebral, no primeiro artelho, no sacro, nos maléolos medial e
lateral do tornozelo, na crista tibial, na crista ilíaca
anterossuperior, no processo estiloide de rádio e ulna, na
extremidade dos dedos, nas articulações
metacarpofalangianas, no esterno e, por fim, na clavícula. A
capacidade de perceber essa sensibilidade é denominada
palestesia e a perda dela é referida como palanestesia (Figura
2).
Figura 2. Teste de sensibilidade vibratória
Fonte: Gusmão 2007, et al Campos, Teixeira.

2.2 Sensação de Pressão: Normalmente não se utilizam objetos


específicos já que são testes realizados através da pressão
exercida pelo próprio dedo do examinador em músculos,
tendões e nervos do paciente ou em outras áreas
subcutâneas. O termo utilizado para referir esta sensibilidade
é a barestesia, que pode estar ausente, aumentada ou
reduzida. Deve-se atentar para a força aplicada no estímulo, já
que esta pode provocar a sensibilidade dolorosa profunda,
quando muito intensa.
2.3 Propriocepção Consciente: É a percepção da localização
dos membros corporais; para testar essa sensibilidade, é de
fundamental importância solicitar que o paciente feche os
olhos e não realize movimentos ativos para não burlar o teste.
A priori, o examinador deve começar movimentando as
extremidades do paciente, como os dedos das mãos e dos
pés, pois estes são os primeiros a serem afetados em casos
de perda cinético-postural. Em casos de positiva perda nas
extremidades, devem-se examinar os membros maiores como
braço e pernas. Ao executar os movimentos, é importante que
o examinador segure o membro na sua face lateral e solicite
que o paciente descreva sua direção como “lado direito” ou
“lado esquerdo” ou pode-se pedir também que o paciente
imite a posição colocada pelo examinador no membro
contralateral (Figura 3).
Figura 3. Teste de propriocepção consciente

Fonte: Gusmão 2007, et al Campos, Teixeira.

2.4 Esterognosia: é a percepção de reconhecer objetos apenas


com o tato. O examinador deve pedir para que o paciente
feche os olhos e logo depois coloque em suas mãos um
objeto de fácil discriminação como, por exemplo, uma caneta.
O paciente sem anormalidades é capaz de reconhecer o
objeto sem olhá-lo (Figura 4B).
2.5 Extinção, Desatenção ou Negligência Sensorial: O
examinador deve realizar dois estímulos em partes
homólogas do corpo e de forma simultânea; o paciente deve
sentir ambos os estímulos. A extrema desatenção com o lado
contralateral define-se como anosognosia (Figura 4A).
2.6 Grafestesia: Capacidade de perceber e reconhecer números
ou letras escritas na pele. Antes de realizar o exame, deve-se
solicitar que o paciente feche os olhos e, utilizando o próprio
dedo ou um objeto rombo, o examinador deve simular a
escrita de número ou letras. Na ausência de patologias, o
paciente deve ser capaz de reconhecê-las (Figura 4C).
Figura 4. Teste de extinção, desantenção ou negligência sensorial (A),
esterognosia (B) e grafestesia (C).
Fonte: Gusmão 2007, et al Campos, Teixeira.

2.7 Dor Profunda: Para avaliar a sensibilidade dolorosa


profunda, utilizam-se várias manobras, como as de
estiramento da raiz que consiste em Lasègue, dorsiflexão e
sinal de Wassermann, além disso há os sinais de dor profunda
que podem indicar irritação meníngea, como os sinais de
rigidez de nuca e Kernig.
Lasègue: consiste na elevação do membro inferior do paciente
pelo examinador por volta de 70°; realizada em decúbito
dorsal. Quando o paciente sente dor tanto no membro inferior
como na coluna, quando a elevação ainda estiver por volta
dos 30°, atesta-se Lasègue positivo. Essa manobra auxilia na
hipótese diagnóstica de compressão reticular (Figura 5A)
Dorsiflexão do pé: normalmente é realizado com Lasègue e o
paciente refere dor ao realizar a dorsiflexão do pé (Figura 5B)
Sinal de Wassermann: consiste na extensão da coxa com o
paciente em decúbito ventral
Sinal de Kernig: é positivo, quando se evidencia rigidez intensa
no tendão da perna provocando uma incapacidade de
estendê-la quando o quadril está flexionado a 90°; esse teste
pode indicar irritação das meninges.
Figura 5. Teste de lasègue

Fonte: Gusmão 2007, et al Campos, Teixeira.

CONCLUSÃO
De acordo com o discutido, verifica-se a importância dos testes
de sensibilidade para chegar a uma hipótese diagnóstica eficiente e
precisa para o caso clínico, explicitado no início do capítulo, visto
que a partir destes testes há a capacidade do avaliador de definir o
lado da compressão medular, confirmando-o através dos exames de
imagem. Essas manifestações clínicas ocorrem pelo fato de que na
Brown-Séquard há uma interrupção do fascículo de Goll e de
Burdack, o que ocasiona perda de sensibilidade profunda no lado
ipsolateral. Além disso ocorre perda de sensibilidade termodolorosa
no lado contrário à lesão pela interrupção do trato espinotalâmico
lateral e anterior. Ocorre a hemiplegia do lado homolateral da lesão.
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Capítulo 29

Semiologia de Equilíbrio,
Coordenação e Marcha
Autores: Flávia de Paiva Santos Rolim, Lucas Silvestre Mendes

ANAMNESE
Identificação: M.S.A., 68 anos de idade, sexo masculino,
aposentado.
Queixa Principal: “Quedas frequentes nos últimos 6 meses”.
História da Moléstia Atual: Paciente de 68 anos de idade, do
sexo masculino, é encaminhado para avaliação no ambulatório de
neurologia de um hospital terciário por apresentar episódios
recorrentes de quedas nos últimos 6 meses. Ele relata que os
sintomas iniciaram-se em membros inferiores, com sensação de
desequilíbrio e “travamento” nas pernas (sic). Percebia maior
lentidão e dificuldade para realizar tarefas diárias por fadiga e dor
nas pernas. Lembra-se de ter sofrido uma a duas quedas por mês,
nos últimos 6 meses e que, em geral, elas acontecem quando
permanece em pé por muito tempo ou quando está sentado por
muito tempo e tenta levantar, ou ainda quando está andando e se
distrai com algo. Algumas vezes, tem sensação de tontura antes da
queda.
Queixa-se de apatia e humor deprimido, estando em tratamento
para depressão há cerca de 2 anos, quando deixou de trabalhar.
Antecedentes Médicos: Hipertenso, faz acompanhamento com
urologista há cerca de 5 anos por motivo de incontinência urinária,
atribuída à hiperplasia prostática benigna (HPB); foi submetido à
ressecção transuretral da próstata há 4 anos, sem melhora dos
sintomas.
Faz tratamento para depressão há 2 anos.
História Familiar: Pai hipertenso, falecido aos 58 anos de idade
por infarto agudo do miocárdio (IAM); mãe falecida aos 70 anos de
idade por complicações de pneumonia. Nega comorbidades e
história de neoplasias, demência ou doenças psiquiátricas na
família.
Medicações em Uso: Losartana 50 mg a cada 12 h; fluoxetina 20
mg/dia; tansulosina 0,4 mg/dia.

EXAME FÍSICO
Sinais Vitais: Pressão arterial (PA) em decúbito dorsal – 160 × 70
mmHg e PA em ortostase – 130 × 70 mmHg em ortostase;
frequência cardíaca (FC) –
78 bpm; frequência respiratória (FR): 16 irpm; temperatura: 36°C.
Geral: Paciente em bom estado geral, afebril, acianótico,
anictérico, corado, eupneico, hidratado, orientado, cooperativo.
Pele: Sem alterações.
Cabeça e Pescoço: Sem adenomegalias palpáveis.
Sistema Respiratório: com Murmúrio vesicular, mas sem ruídos
adventícios.
Sistema Cardiovascular: Ritmo cardíaco regular, bulhas
normofonéticas e sem sopros.
Abdome: globoso por adiposidade, flácido, indolor, sem
visceromegalias, com ruídos hidroaéreos.

Sistema Nervoso:
• Funções mentais superiores: orientado, cooperativo,
Miniexame do Estado Mental – 28/30 (errou cálculo)

• Funções corticais: sem alterações


• Fala: sem alterações
• Força muscular: preservada – grau 5 (global); bradicinesia
(2+ em membros superiores (MMSS) e 2+ em membros
inferiores (MMII), rigidez em roda denteada em MMSS (1+)
e em MMII (2+). Sem tremor

• Reflexos normoativos, simétricos, cutâneo-plantar em


flexão bilateralmente

• Sensibilidades tátil, térmica e vibratória: sem alterações


• Coordenação: eumetria
• Equilíbrio e marcha: ataxia axial com instabilidade postural
(pull test – 4+).
Hipótese Diagnóstica: Síndrome parkinsoniana (parkinsonismo
atípico).

Condutas:
1. Solicitada ressonância magnética
2. Solicitados exames laboratoriais (hemograma, eletrólitos,
funções renal e hepática, hormônio tireoestimulante [TSH],
tiroxina [T4] livre, estudo do ferro, cobre sérico, dosagem de
cobre em urina 24 h, ceruloplasmina, glicemia de jejum e
perfil lipídico, dosagem das vitaminas B12 e D, pesquisa de
acantócitos no sangue periférico e sorologias)
3. Orientadas medidas para controle de hipotensão
ortostática.

Exames complementares:
• Exames laboratoriais normais
• Ressonância magnética encefálica: imagem linear de
hipersinal na ponte em T2 tanto longitudinal quanto
verticalmente (“sinal da cruz”), compatível com gliose de
fibras pontocerebelares, sugerindo o diagnóstico de atrofia
de múltiplos sistemas (AMS) (Figura 1).
Figura 1. Sinal da cruz ou hot cross bun sign compatível com diagnóstico de
atrofia de múltiplos sistemas.

Fonte: Fanciulli et al., 2019.

QUESTÕES PARA DISCUSSÃO


1. Quais funções neurológicas aferentes estão envolvidas
no controle do equilíbrio?
2. Como o exame da marcha pode contribuir para a
elaboração de hipóteses diagnósticas? Que manobras
semiológicas devem ser realizadas para se avaliar um
paciente com alteração do equilíbrio?
3. Como diferenciar os tipos de ataxia?
4. Quais variações do exame físico de um paciente com
síndrome parkinsoniana estão mais associadas com
alteração de equilíbrio e risco de quedas?

DISCUSSÃO
1. Se forem consideradas apenas as aferências, o equilíbrio
depende principalmente da propriocepção, da visão e da
função vestibular. Em indivíduos normais, a manutenção do
equilíbrio estático em uma superfície firme está sob a
responsabilidade compartilhada dos sistemas:
proprioceptivo (70%), vestibular (20%) e visual (10%).
2. O exame da marcha é o melhor teste individual da função
neurológica. A caminhada reflete a integração das
capacidades motora, sensorial, vestibular e cerebelar,
incluindo a atitude adotada em relação às disfunções e às
estratégias compensatórias para possíveis disfunções do
movimento.
Para se manter uma caminhada regular, é necessário integrar
duas habilidades: equilíbrio e mobilidade. Para o equilíbrio,
são necessários controle postural estático, reação de suporte,
reflexos posturais antecipatórios, recuperação e reação
protetora. Para a mobilidade, são necessários o comando
para início da marcha e a mudança do centro de gravidade
com consequentes deslocamentos posturais no espaço,
através de ações que determinam contração e relaxamento da
musculatura esquelética envolvida no ato motor da
deambulação por meio da programação de circuitaria motora
piramidal e extrapiramidal para controle do movimento.

Como avaliar a marcha?


• Peça ao paciente para ficar em pé na sua frente, de
preferência com os pés descalços. Analise sua postura e os
contornos musculares do paciente. Procure sinais de
hipertrofia ou atrofia. Observe se existem movimentos
involuntários (tremores, distonias, movimentos coreicos ou
atetóticos, fasciculações etc.)

• Peça ao paciente para atrAVCssar a sala ou o corredor


caminhando algumas vezes. Avalie a velocidade e a
cadência da marcha, o comprimento dos passos e a
oscilação dos braçosPeça ao paciente para caminhar
colocando um pé na frente do outro na técnica “calcanhar-
dedo do pé” (marcha em tandem)

• Peça ao paciente para andar sobre os calcanhares e depois


na ponta dos dedos

• Em avaliações mais específicas, é possível variar as


restrições de informação sensorial, solicitando que o
paciente ande com os olhos fechados ou em superfícies
instáveis.
Nos distúrbios vestibulares, há tendência de desvio para o lado
da lesão, e apredisposição à queda é afetada pela posição da
cabeça, e nas manifestações de uma doença cerebelar, há variações
de acordo com a localização da anatômica da lesão (Tabela 1).
Tabela 1. Diagnóstico topográfico e manifestações clínicas de disfunções
cerebelares.

TOPOGRAFIA MANIFESTAÇÕES HIPÓTESES


CLÍNICAS DIAGNÓSTICAS

Ataxia apendicular
AVC
Hemisférios (membro ipsolateral)
Neoplasias
cerebelares Queda preferencial para o
Desmielinização
lado da lesão

Doenças
neurodegenerativas
Ataxia axial
Vérmis cerebelar Toxicidade (álcool)
Disartria
Neoplasias (astrocitoma
pilocítico)

Nistagmo AVC
Lóbulo flóculo-
Distúrbios da motricidade Neoplasias
nodular
ocular extrínseca (meduloblastoma)

Paraneoplasia
Intoxicação exógena
Combinações das Causa medicamentosa
Pancerebelar manifestações clínicas (fenitoína)
descritas Doenças genéticas
(ataxias
espinocerebelares)

AVC: acidente vascular cerebral.

Sinal de Romberg
Ao pesquisar o sinal de Romberg, o examinador observa o
equilíbrio postural do paciente em uma superfície plana, estando
este inicialmente de pé, com os pés juntos e de olhos abertos (30
segundos), para logo a seguir examiná-lo nesta mesma posição com
os olhos fechados (30 segundos). O teste deve durar 1 minuto e é
considerado positivo, quando o paciente mostra-se apto a manter-se
de pé na primeira parte do exame, mas perde o equilíbrio ou cai,
quando com os olhos fechados (Figura 2).
Quando positivo, este teste indica lesão de vias proprioceptivas.
É válido lembrar que pacientes com lesão vestibular aguda também
podem cair para o lado lesionado ao tentar realizar o Romberg,
porém demonstram outros sinais.
Figura 2. Pesquisa do sinal de Romberg.
Fonte: Maranhão-Filhoet al., 2011.

3. Muitas vezes, as alterações de coordenação e equilíbrio


podem não ser decorrentes de disfunção cerebelar. Outras
manifestações clínicas, como bradicinesia, rigidez,
fraqueza, espasticidade e movimentos anormais
hipercinéticos (tremor, coreias ou coreoatetose) podem
prejudicar o equilíbrio e a coordenação sem que haja
qualquer mudança estrutural no cerebelo ou suas vias. O
contexto global do paciente é fundamental para o
diagnóstico topográfico adequado. As ataxias podem ser:

• Cerebelar: causada por perda da função do cerebelo ou das


vias condutoras que interligam o cerebelo e a medula. O
paciente pode apresentar disartria, incoordenação da
marcha, reflexos pendulares, nistagmo e outras alterações
da motricidade ocular, dismetria, disdiadococinesia,
decomposição do movimento ou fenômeno de rebote

• Sensitiva: decorrente da perda de aferências


proprioceptivas dos membros e do tronco. A lesão pode
estar em qualquer nível, desde nervos periféricos, raízes
nervosas, funículo posterior da medula, tronco cerebral,
substância branca ou córtex parietal. As manifestações
clínicas tendem a se assemelhar à disfunção cerebelar,
mas, ao examinar o paciente, os testes de coordenação
pioram quando o paciente fecha os olhos
• Do lobo frontal: decorre da interrupção do trajeto de fibras
frontopontocerebelares em seu caminho do córtex frontal
aos seus núcleos pontinos. Pode associar-se a sinais de
liberação frontal, como reflexo palmomentoniano, grasping
e reflexos axiais de face exaltados

• Vestibular: decorrente de vestibulopatia bilateral, na qual o


paciente cursa com desequilíbrio sem lado preferencial,
pode ter história de vertigem e no exame físico observa-se
reflexo oculovestibular reduzido bilateralmente (através da
manobra head impulse test).
4. A fisiopatologia das alterações posturais nas síndromes
parkinsonianas é multifatorial: o aumento do tônus
muscular (rigidez em roda denteada), principalmente na
musculatura flexora, é um fator que contribui de maneira
significativa o equilíbrio e a marcha por determinar uma
mudança do centro de massa corporal em relação à base
de suporte, alterando a postura do paciente.
A rigidez em membros inferiores, a redução da velocidade e da
cadência da marcha e a limitação do tamanho dos passos
estão entre as principais alterações específicas da marcha
associadas à ocorrência de quedas. A associação com
movimentos distônicos, deformidades posturais ou
movimentos hipercinéticos contribui de maneira significativa
para mudanças do equilíbrio e risco de quedas.
O pull test (teste de retropulsão ou teste do puxão) é a
ferramenta clínica mais utilizada para classificar os diferentes
graus de estabilidade postural nas síndromes parkinsonianas
e para se estabelecer uma estimativa de risco de queda nesta
população. O examinador deverá ficar atrás do paciente e
instrui-lo sobre o teste, explicando que ele poderá dar alguns
passos para trás para evitar a queda. Deve hAVCr uma parede
atrás do examinador, ao menos 1 a 2 metros de espaço, para
possibilitar a observação dos passos do paciente para trás.
O primeiro puxão propositalmente mais fraco é apenas
demonstrativo e não deve ser pontuado. Na segunda vez, os
ombros são puxados brusca e fortemente em direção ao
examinador com força suficiente para deslocar o centro de
gravidade do paciente de tal forma que ele deve dar no
mínimo um passo para trás. Deve-se observar o número de
passos para trás ou a tendência à queda. Até dois passos
para trás é considerado normal, e a pontuação anormal
começa a partir de três passos. A resposta postural é
considerada grAVC, quando o paciente tende a perder o
equilíbrio espontaneamente ou após um leve puxão nos
ombros.

BIBLIOGRAFIA
1. Campbell WW, DeJong rn. DeJong’s - The Neurologic Examination. Lippincott
Williams & Wilkins; 2005.
2. Fanciulli A, Stankovic I, Krismer F, Seppi K, Levin J, Wenning GK. Multiple system
atrophy. Int Rev Neurobiol. 2019; 149:137-92.
3. Goetz CG et al. Movement Disorder Society-Sponsored Revision of the Unified
Parkinson’s Disease Rating Scale (MDS-UPDRS): Scale Presentation and Clinimetric
Testing Results. Movement Disorders. 2008; 23(15):2129-70.
4. Maranhão-Filho PA, Maranhão ET. O toque final no sinal de Romberg. Rev Bras
Neurol. 2013; 49(4):137-40.
5. Maranhão-Filho PA, Maranhão ET, Silva MM, Lima MA. Rethinking the neurological
examination I: static balance assessment. Arq Neuro-Psiquiatr. 2011; 69:954-8.
Capítulo 30

Semiologia da motricidade e dos reflexos


Autores: Fernanda Filetti Ferreira, Michel Yahn Vago Muradi, Jovana Gobbi Marchesi
Ciríaco

CASO CLÍNICO 1

ANAMNESE
Paciente do sexo feminino, 58 anos de idade, reside em Vitória (ES). Trabalha como
engenheira civil majoritariamente em escritório, ocasionalmente realizando vistorias
técnicas nas obras que coordena. Durante uma dessas visitas de campo, os
trabalhadores que a acompanhavam a socorreram em virtude de uma queda súbita e
ligaram imediatamente para o atendimento móvel de emergência, alegando que ela
não conseguia levantar-se, pois não mexia um dos lados do corpo.
Da ligação à chegada ao hospital, passaram-se 50 minutos. À admissão no serviço
de emergência, a paciente apresentava hemiplegia completa à direita, associada à fala
disártrica. O marido, que chegara com a esposa, informou à equipe médica que ela era
hipertensa e diabética, e que fazia uso irregular de losartana, metformina e
sinvastatina. Relatou também que sua esposa consome álcool ocasionalmente,
quando em eventos sociais, e não é tabagista.
Ao exame físico, a paciente apresenta mau estado geral. Aparentemente
compreendia as perguntas da equipe médica, no entanto, sua fala não era
inteligível. Demonstrava fácies atípica, estava bem nutrida, hidratada, afebril,
anictérica, sem edemas, eupneica (frequência respiratória [FR] = 16 irpm),
normocárdica (frequência cardíaca [FC] = 88 bpm), porém hipertensa (pressão arterial
[PA] = 160 x 120 mmHg). À ausculta, seu sistema respiratório apresentava murmúrios
vesiculares fisiológicos, sem ruídos adventícios, e seu sistema cardiovascular, com
ritmo regular, bulhas normofonéticas em 2 tempos, sem sopros. Abdome atípico,
flácido, timpânico, indolor à palpação, sem massas ou visceromegalias. Membros
inferiores sem edema.
Ao exame neurológico, sensibilidade, equilíbrio e marcha não foram avaliados em
face da notável disartria e do encaminhamento emergencial para o exame de imagem
(Figura 1), cuja equipe já estava pronta para recebê-la. O exame de cognição
evidenciava uma potencial afasia de expressão combinada a disartria. As pupilas
encontravam-se fotorreagentes e isocóricas. Motricidade e reflexos estavam abolidos
no hemicorpo direito (com força grau 0 em membros superior e inferior direitos), mas
no esquerdo estavam preservados (força grau 5 em membros inferior e superior
esquerdos). Não apresentava movimentos involuntários. National Institutes of Health
Stroke Scale (NIHSS) = 13.
Figura 1. Tomografia computadorizada de crânio. A. Aumento na densidade do segmento M1
da artéria cerebral média esquerda devido à trombose, indicada pela seta, um dos sinais
precoces de infarto cerebral. B. Hipodensidade e perda da diferenciação entre substância branca
e cinzenta, reforçando os efeitos da isquemia por ocasião da trombose demonstrada no sinal da
artéria densa em A.

Gonçalves et al., 2011

Descartada a possibilidade de acidente vascular cerebral hemorrágico, a paciente


foi encaminhada ao cirurgião endovascular para execução de trombectomia mecânica,
procedimento disponível no serviço. Na Figura 2, pode-se observar a artéria cerebral
média ocluída em angiografia antes do procedimento.
Figura 2. Angiografia montrando sinais de embolia no segmento M1 da artéria cerebral média
esquerda, com oclusão parcial deste vaso.
Fonte: https://marciomedeiros-al.com.br/2015/08/tratamento-do-acidente-vascular-
encefalico-isquemico-agudo-por-trombectomia-com-stent-solitaire/

Após estabilização e tratamento emergencial da paciente, o material aspirado


revelou a placa aterotrombótica. A paciente foi orientada sobre a importância da
regularidade dos exercícios físicos e do uso contínuo dos medicamentos prescritos
para controle de suas comorbidades e manejo do estresse.

QUESTÕES PARA DISCUSSÃO


1. O que é motricidade? Qual base neuroanatômica subsidia seus processos?
2. Diante de um paciente com apresentação de sinais e sintomas motores,
como deve ser esquematizado o raciocínio do médico?
3. Qual o significado de uma “força grau 0”? Quais são os critérios de
avaliação da força e como ela é graduada?
4. O que são manobras de contraposição e como executar as principais?
5. Em quais critérios um médico fundamenta-se para afirmar que um
paciente não apresenta reflexos? O que são os reflexos? Quais são os
tipos de reflexos e como pesquisar os principais?
6. Qual o diagnóstico sindrômico neste caso? Quais as características dessa
síndrome?
7. Sem olhar os exames de imagem, quais achados clínicos sugerem a
topografia da lesão?
8. Sem olhar os exames de imagem, qual o diagnóstico nosológico mais
provável neste caso? Qual a principal observação clínica que o justifica?
9. Se o exame da sensibilidade tivesse sido executado, qual seria o resultado
mais provável: preservada ou prejudicada? Justifique.

DISCUSSÃO

O Eixo Motor: Bases Neuroanatômicas da Motricidade


No corpo humano, a motricidade pode ser definida como a capacidade de gerar
movimentos em resposta aos estímulos do ambiente, intermediando nossa interação
com a realidade. Esses movimentos podem ser ativos ou passivos (gerando ou
sofrendo deslocamento) e voluntários ou automáticos (com consciência ou não da
sua ação).
A complexa circuitaria neuroanatômica que dá suporte aos movimentos começa na
seleção das melhores respostas ao ambiente, a qual ocorre em áreas corticais de
associação terciárias. Essas áreas fornecem informações como a memória, o
aprendizado e a integração das informações do ambiente para a construção do
planejamento motor, realizado por áreas secundárias, as quais, por sua vez, recebem
múltiplas aferências de outras partes do cérebro. O planejamento motor é, então,
finalmente enviado à zona de córtex primário da motricidade: o giro pré-central, grande
responsável pela deflagração do movimento. Tal região é organizada de maneira
somatotópica e a representação cortical da musculatura voluntária é bem ilustrada
pelo modelo do homúnculo de Penfield, contemplado na Figura 3. A organização
somatotópica, característica persistente no sistema nervoso, é responsável pela
estreita relação entre topografia das lesões e apresentação clínica lógica, da qual o
bom médico deve fazer proveito durante seu raciocínio.
Figura 3. Representação do giro pré-central (motor) e da zona de comprometimento observada
na paciente do Caso Clínico 1.

Fonte: retirada do 10º slide deste arquivo


(https://www1.ibb.unesp.br/Home/Departamentos/Fisiologia/profa.Silvia/Telencefalo
_parte01.pdf

Fonte: Autoria própria

Os grandes neurônios que se originam da terceira camada do córtex do giro pré-


central (as células piramidais de Betz) denominam-se “neurônios motores superiores”
e também podem ser referenciados como “ motoneurônio superior” ou “primeiro
neurônio motor”. Seus axônios são formados por longos prolongamentos que descem
pela coroa radiada em direção ao bulbo. Nele, grande parte das fibras cruzam para o
lado contralateral na estrutura denominada “decussação das pirâmides”, formando os
tratos corticoespinhais laterais, localizados nos funículos laterais da medula espinal.
Uma minoria das fibras não cruza e desce ipsilateralmente no funículo anterior da
medula, formando o trato corticoespinhal anterior. Esse último pequeno grupo, embora
não cruze na decussação das pirâmides, o faz na comissura branca da medula
espinhal, enquanto as fibras do trato corticoespinhal lateral permanecem exibindo
caminho ipsolateral em nível medular.
Ambos os tratos têm seus botões sinápticos terminando em comunicações diretas
ou indiretas com os “neurônios motores inferiores”, localizados no corno anterior da
medula. Tais células emitem prolongamentos axonais que se estendem para a
musculatura estriada esquelética através da raiz anterior medular, a qual se une com a
raiz posterior para formar os nervos periféricos. Os axônios dos motoneurônios
inferiores finalizam na placa motora, também chamada de junção neuromuscular,
estrutura de interface entre o sistema nervoso e o músculo. Finalmente, o músculo é o
órgão composto por células denominadas miócitos, as quais funcionam como
unidades contráteis e, em conjunto, produzem movimento. A razão
“miócitos/neurônio” é menor quanto mais finos são os movimentos realizados por
cada grupo muscular, situação que se torna evidente na disparidade entre o tamanho
da grande zona de representação cortical das mãos (que pode possuir 1 miócito por
neurônio para determinados grupos musculares), quando comparada à pequena zona
destinada à coxa, a qual possui muito mais miócitos por neurônio, por exemplo.
Todo este “percurso neural” da motricidade, relatado nos últimos parágrafos,
constitui o eixo motor principal. Ele também é influenciado pelos neurônios do
cerebelo, que participam sobretudo no aspecto da coordenação, e pelos neurônios do
sistema de núcleos da base, os quais deliberam sobre os automatismos do
movimento. Enquanto a coordenação está associada à precisão do movimento e ao
aprendizado motor, realizando ajustes de postura, força e distância, os automatismos
estão associados à não necessidade de se pensar em cada componente do
movimento, muito embora eles sejam voluntários. Exemplo disso é o fato de que se
anda para onde e quando quiser, mas não se pensa em cada componente da marcha
como “agora vou levantar a perna direita, enquanto levemente mantenho a postura
inclinada anteriormente e propulsiono o pé esquerdo...”, o movimento simplesmente
flui. O cerebelo e o sistema de núcleos da base constituem porções de suporte ao eixo
motor principal, o qual possui papel elementar na regulação da motricidade. Os
distúrbios do cerebelo são mais bem trabalhados no capítulo 29 sobre equilíbrio,
coordenação e marcha, e aqueles que envolvem os gânglios da base serão explicados
nos Casos Clínicos 6 e 7, sobre síndromes extrapiramidais.

Esquema prático do raciocínio neurológico


O complexo neuroanatômico que fomenta o movimento, para fins didáticos, pode
ser simplificado nos esquemas do eixo motor principal e do eixo motor de suporte
(Figura 4). Cada um dos pontos-chave dos eixos motores, representados nos
retângulos em azul escuro, está relacionado aos diagnósticos sindrômicos
específicos, que, neste capítulo, são associados à motricidade.
Após descobrir o diagnóstico sindrômico de uma afecção neurológica, o médico
deverá explorar os possíveis diagnósticos topográficos que explicariam os sinais e
sintomas apresentados. Numa apresentação clínica exuberante com hemicorpo
paralisado, como no Caso Clínico 1, é rápido o raciocínio de que a lesão mais provável
encontra-se em nível encefálico, única topografia em que as vias para todas essas
partes do corpo encontram-se próximas. Entretanto, apresentações clínicas mais
simples podem ser resultado de lesões em topografias menos óbvias, cabendo ao
médico o raciocínio sobre o esquema do eixo motor apresentado. Um paciente que
apresenta redução de força na flexão do hálux direito pode ter lesões em qualquer um
dos pontos-chave do eixo motor principal, muito embora a propedêutica e os exames
complementares conduzam em direção à topografia mais provável.
Realizado o diagnóstico topográfico, recomenda-se a pergunta “o que nesta
topografia pode estar causando a manifestação clínica observada?”. A partir da
análise sistemática dos componentes que cercam a topografia potencialmente
acometida e a história, o médico segue para a busca do diagnóstico nosológico, que
pode ser explorado com auxílio do acrônimo VITAMINDEC.
Esses passos são pontos cruciais em direção ao diagnóstico neurológico e a sua
aplicação cobre uma ampla gama de doenças, excluindo as improváveis e reforçando
as potenciais causas. Quando se trata da avaliação de tantos fatores, aconselha-se
uma investigação sistemática e prática, com base nas seguintes perguntas:

• Qual a queixa do paciente?


• Quais são as alterações observadas no exame físico?
• Qual o diagnóstico sindrômico? O conjunto de sinais e sintomas encaixa-se
em alguma síndrome específica? Acomete motricidade voluntária,
involuntária ou automática?

• Qual o diagnóstico topográfico? A fim de justificar o diagnóstico sindrômico,


qual local do sistema nervoso central pode estar sendo acometido?

• Nessa topografia, o que pode ser acometido? (aconselha-se seguir


metodicamente a estratimeria das camadas superficiais em direção às mais
profundas, para não deixar nenhuma estrutura passar em branco)

• Quais entidades nosológicas podem acometer essa topografia? Qual delas


justificaria os diagnósticos sindrômico e topográfico?
Por fim, restrito a um número limitado de possíveis diagnósticos nosológicos que
justifiquem o diagnóstico sindrômico, é composta a lista dos possíveis diagnósticos
diferenciais que confrontam a hipótese principal. A partir deles, são selecionados os
exames complementares pertinentes, que devem ser sempre solicitados com muita
cautela, visto que, em neurologia, podem ser especialmente onerosos ao paciente. O
esquema básico do raciocínio neurológico sobre a motricidade está simplificado na
Figura 4.
Figura 4. Esquema básico de raciocínio do exame da motricidade. CA: córtex de associação;
NC: nervos cranianos; HIC: hipertensão intracraniana.
Fonte: Autoria própria.

Avaliação da Força
No momento de avaliação da força, a principal queixa do paciente é acerca de seu
déficit: a fraqueza. No entanto, o médico deve atentar-se ao fato de que, na maioria
das vezes, o paciente pode estar confundindo a diminuição da potência muscular
(fraqueza) com outros sintomas que direcionam ao sentimento de indisposição, como
incoordenação, astenia, torpor, entre outros (Tabela 1). Para esclarecer o que o
paciente refere como fraqueza, a história é muito útil e deve ser explorada, sobretudo
questionando-o sobre as diferenças que vem percebendo nas ações do seu cotidiano.
Algumas perguntas-chave são e seus significados são:

• “Tem alguma atividade que o senhor/senhora passou a ter dificuldade de


cumprir?”

• Dificuldade para subir escadas e levantar-se de cadeiras sugerem fraqueza


proximal em membros inferiores

• Dificuldade para calçar os sapatos nos pés e tropeçar com frequência


podem ser sugestivos de fraqueza distal em membros inferiores

• Dificuldade para pentear os cabelos ou pegar objetos em prateleiras acima


do tórax podem ser sugestivos de fraqueza proximal em membros
superiores

• Dificuldade para segurar sacolas com as mãos, digitar e escrever podem


ser sugestivos de fraqueza distal em membros superiores

• Dificuldade na deglutição e mastigação também devem ser investigadas,


bem como instabilidade postural, e sugerem alteração de motricidade
automática

• Essa dificuldade é igual dos dois lados do corpo?


• Ajuda a definir se a topografia da lesão é simétrica ou assimétrica
• Essa fraqueza vem acompanhada de dor durante a execução do movimento?
• Essa pergunta pode sugerir se a fraqueza é de origem neurológica ou se
está associada a alguma lesão osteoarticular.
Tabela 1. Diferenciação de fadiga, fraqueza, astenia, sonolência e dispneia
Incapacidade de sustentar o desempenho progressivo de
Fadiga uma atividade

Fraqueza Redução da força de um ou mais músculos

Excesso de cansaço e perda de energia, com tendência a


Astenia evitar atividades físicas; sonolência diurna, dificuldade para
se concentrar

Sonolência Aumento de intensidade e quantidade do sono


Dispneia Sensação desconfortável ao respirar

Fonte: Martins et al., 2016.

Apenas com a história, o médico já pode ter boa noção do que esperar ao exame
físico, o qual deve ser cautelosamente realizado. O momento da anamnese é crucial
para o raciocínio acerca dos potenciais diagnósticos nosológicos, e o exame físico
ajuda a estabelecer a topografia da lesão. Os déficits de força devem ser
caracterizados quanto a sua topografia e intensidade. Essa caracterização pode ser
confirmada por algumas técnicas: (1) observação dos movimentos e anamnese, (2)
manobras de contraposição e (3) provas deficitárias; estas últimas serão abordadas
ao longo do capítulo. Após a execução da semiotécnica, o médico poderá classificar a
força por meio do sistema de graduação apresentado na Tabela 2.
Tabela 2. Sistema de graduação da força muscular, de acordo com o Medical Research Council.

Grau Significado

0 Ausência de contração muscular visível

Contração muscular visível, porém incapaz de gerar


1
movimentação de um segmento corporal

Contração muscular capaz de gerar movimentação de


2 segmento avaliado apenas na horizontal, porém incapaz de
vencer a gravidade

Contração muscular que possibilita ao segmento avaliado


3
vencer a gravidade, mas não a resistência mínima imposta

4− O segmento avaliado vence a gravidade e resistência mínima

4 O segmento avaliado vence a gravidade e resistência moderada

4+ O segmento avaliado vence a gravidade e resistência notável

5 Força normal

Além dessa classificação, confirmado algum déficit de função da força, o médico


deverá realizar registro em prontuário usando os termos “paresia” para déficits parciais
e “plegia” para os de perda completa de função. Tais terminologias devem ser
combinados ao uso de radicais que ajudem a estabelecer a topografia do
comprometimento motor, conforme os exemplos a seguir:

• Monoplegia ou monoparesia de membro Y: para comprometimento de


apenas um membro
• Hemiplegia ou hemiparesia à (direita ou esquerda): para comprometimento
de ambos os membros de um lado do corpo

• Paraplegia ou paraparesia (braquial ou crural): para comprometimento


simétrico de membros superiores ou inferiores

• Tetraplegia ou tetraparesia: para comprometimento dos quatro membros


• Diplegia ou diparesia: para dois hemicorpos comprometidos em virtude de
duas lesões que justifiquem cada hemiplegia/hemiparesia.

Manobras de Contraposição
Nas manobras de contraposição, a força pode ser avaliada de duas formas:

• Testando-se a força do paciente contra a resistência imposta pelo


examinador

• Solicitando ao paciente que resista à tentativa do examinador de movimentar


um de seus segmentos corporais.
Buscando-se uma ordem lógica no exame, é habitual iniciar pela avaliação dos
grandes grupos musculares (listados abaixo) até, quando necessária, a investigação
individual dos músculos que compõem o grupo afetado. Essa lógica possibilita a
observação sistemática do padrão da fraqueza, que pode ser proximal, distal, global ou
em alguma topografia mais específica. Outra recomendação é a da comparação entre
os grandes grupos musculares dos lados direito e esquerdo, notando a simetria ou
assimetria do quadro. Diferentes padrões são observados em etiologias distintas.
Grandes grupos musculares sujeitos à avaliação da força:

• Flexores e extensores do pescoço


• Adutores, abdutores e rotadores do braço
• Flexores e extensores de antebraço, punho e dedos
• Músculos da preensão manual
• Músculos abdominais
• Extensores da coluna
• Flexores e extensores da coxa e da perna
• Dorsiflexores e flexores plantares
• Flexores e extensores dos dedos do pé, sobretudo do hálux.
Cabe ao resgate do conhecimento anatômico a noção de quais manobras serão
selecionadas para os grandes grupos musculares e os individuais. Se o grande grupo
muscular a ser avaliado é o dos extensores da perna, pede-se para que o paciente,
sentado na maca, tente fazer a extensão da perna contra a resistência do examinador,
que segura sua perna, por exemplo.
É essencial garantir que o paciente esteja em posição adequada para avaliação. As
posições ortostática, sentado e em decúbitos dorsal, ventral e lateral, são as mais
comuns nos consultórios e extrapolá-las pode ser um exagero. Para pacientes com
locomoção restrita, como no caso dos acamados, é imprescindível a adequação da
semiotécnica, garantindo sua sensibilidade.
Além disso, é recomendada observação atenta dos movimentos do paciente que,
em situação de fraqueza, pode tentar realizar o movimento com grupos musculares
auxiliares, fazendo compensações indevidas. Tal situação deve ser neutralizada,
explicando-se ao paciente a realização da manobra ou orientando-se a adoção de uma
posição melhor. As principais manobras são demonstradas nas Figuras 5 a 26.
Para realização dos testes, é importante lembrar que o consentimento e o respeito
ao paciente é essencial, pedindo licença com cordialidade para a execução do exame
e preservando seu pudor. Além disso, a força deverá ser aplicada de maneira uniforme
e contínua, sem ficar “indo e vindo” (Figuras 5 a 26).
Figura 5. Inclinação lateral da cabeça: com o paciente sentado, o examinador deverá, com uma
das mãos, fazer força contra a parte lateral da cabeça do paciente, com a outra deverá estar
segurando a lateral do ombro do paciente para evitar instabilidades, e solicitar que ele tente
levar a cabeça até o ombro homolateral à aplicação da força. O procedimento deve ser realizado
para cada um dos lados.

Fonte: Autoria própria.

Figura 6. Rotação lateral da cabeça: de forma similar às posições das mãos para abdução, o
examinador solicitará ao paciente que rotacione a cabeça olhando para o lado da mão que está
forçando. Na imagem, observa-se também a palpação do músculo esternocleidomastóideo, que
fica evidente nesta manobra. O procedimento deve ser realizado para cada um dos lados.

Fonte: Autoria própria.

Figura 7. Flexão da cabeça: com o paciente em decúbito dorsal e seus braços rentes ao corpo, o
examinador deverá colocar a mão contra a fronte do paciente e solicitar que ele faça força de
modo a levar o queixo em direção ao esterno.

Fonte: Autoria própria.

Figura 8. Elevação do ombro: com o paciente sentado e sem forçar as mãos contra superfícies, o
examinador colocará ambas as mãos sobre os ombros do paciente, aplicando resistência, e
pedirá para que ele realize a elevação das escápulas.
Fonte: Autoria própria.

Figura 9. Abdução dos membros superiores: com o paciente sentado, o examinador posicionará
suas mãos lateral e superiormente aos cotovelos do paciente em adução (membros superiores
paralelos ao eixo axial do corpo), aplicará resistência no sentido medial e solicitará ao paciente
que tente abrir seus braços. Os primeiros 15 graus da abdução avaliarão o músculo
supraespinhal, (A) dos 15° até o intervalo de aproximadamente 90° a 120°, será avaliado o
músculo deltoide (B), e em diante será avaliado, também, o músculo trapézio (C).

A
Fonte: Autoria própria.
B
Fonte: Autoria própria.

C
Fonte: Autoria própria.

Figura 10. Adução dos membros superiores: com o paciente sentado, o examinador posicionará
suas mãos medial e superiormente aos cotovelos do paciente com membros superiores em
abdução (formando 90° com o corpo), aplicará resistência e solicitará ao paciente que tente
fechar seus braços.
Fonte: Autoria própria.

Figura 11. Flexão do cotovelo: o paciente deverá estar sentado. O examinador apoiará uma de
suas mãos anterior e superiormente à fossa cubital do paciente para estabilizá-lo.
Simultaneamente, deve aplicar resistência à flexão do cotovelo, segurando a face anterior do
terço distal anterior do antebraço do paciente. O teste deve ser aplicado bilateralmente.

Fonte: Autoria própria.

Figura 12. Extensão do cotovelo: com o paciente sentado, o examinador apoiará uma de suas
mãos posterior e superiormente à fossa cubital do paciente para estabilizar o movimento.
Simultaneamente, deve contrapor à força de extensão do cotovelo do paciente, posicionando sua
mão contra o terço distal posterior do antebraço do paciente. O teste deve ser aplicado
bilateralmente.
Fonte: Autoria própria.

Figura 13. Rotação medial de membro superior: com o paciente sentado e o braço relaxado, o
antebraço horizontalizado e a palma da mão verticalizada com a face apontando medialmente, o
examinador apoiará uma das mãos lateralmente à fossa cubital para estabilização e forçará a
outra mão contra a palma do paciente, solicitando que este tente realizar a rotação medial do
braço.

Fonte: Autoria própria.

Figura 14. Rotação lateral de membro superior: com o paciente com o braço relaxado, o
antebraço horizontalizado e a palma da mão verticalizada com a face apontando medialmente, o
examinador apoiará uma das mãos medialmente à fossa cubital para estabilização e forçará a
outra mão contra o dorso da mão do paciente, solicitando que ele tente realizar rotação medial.
Fonte: Autoria própria.

Figura 15. Extensão do punho: com o paciente sentado, os antebraços repousando sobre os
membros inferiores, punhos fechados e o dorso da mão apontando superiormente, o examinador
forçará a palma de suas mãos contra o dorso das mãos do paciente e solicitará que ele realize a
extensão do punho.

Fonte: Autoria própria.

Figura 16. Flexão do punho: o paciente deve posicionar-se de forma parecida à extensão de
punho, exceto pelo fato de que o dorso da mão deverá estar apoiado sobre a coxa. O examinador
forçará a palma de suas mãos contra o ventre dos punhos fechados do paciente. Com a
contração, evidenciam-se os tendões do palmar longo.
Fonte: Autoria própria.

Figura 17. Oposição dos dedos: o paciente deve realizar o pinçamento do primeiro e segundo
dedos e mantê-los firmes, enquanto o examinador também realiza o mesmo pinçamento, de
forma que os dedos de ambos prendam-se, do mesmo jeito que ocorre na união dos aros de uma
corrente. O examinador tracionará os dedos em pinça do paciente, como se quisesse abrir o aro
formado pela união do primeiro e segundo dedos e pedirá para o paciente tentar mantê-lo
fechado (o aro). O teste deve ser aplicado bilateralmente. A manobra de oposição entre o
polegar e o indicador avalia os nervos ulnar e mediano. Já a oposição entre o polegar e o dedo
mínimo avalia os nervos radial e ulnar.
Fonte: Autoria própria.

Figura 18. Flexão dos dedos: o paciente deverá estar com a palma de suas mãos apontada para
cima, e o examinador tracionará a parte anterior dos dedos do paciente com suas mãos.

Fonte: Autoria própria.


Figura 19. Abdução e adução dos dedos: para abdução, o paciente deverá deixar 2 dedos de sua
mão próximos, enquanto o examinador posiciona 2 dedos dele ao redor, impedindo a abdução, e
solicita ao paciente que tente abrir esses dedos. Para adução, o examinador deverá segurar dois
dedos da mão do paciente e solicitar que ele tente fechá-los.

Fonte: Autoria própria.

Figura 20. Flexão do quadril: com o paciente em decúbito dorsal, o examinador deverá apoiar a
perna do paciente sobre um de seus antebraços (paralelamente) e mantê-la firme com sua mão,
enquanto a outra mão fará força contra o terço médio anterior da coxa do paciente e será
solicitado que este tente realizar a flexão do quadril. Há a possibilidade de realizar manobra
com o paciente sentado, mas, nessa posição, frequentes são as tentativas de compensar o
movimento com outros grupos musculares. O teste deve ser aplicado bilateralmente.
Fonte: Autoria própria.

Figura 21. Adução do quadril: com o paciente sentado e seus membros inferiores em uma
abertura de aproximadamente 60°, o examinador deverá posicionar a palma de suas mãos
medialmente aos joelhos do paciente e aplicará força em sentido lateral, solicitando ao paciente
que tente aduzir seus membros inferiores.
Fonte: Autoria própria.

Figura 22. Abdução do quadril: com o paciente sentado e seus membros inferiores formando um
ângulo de aproximadamente 60° entre eles, o examinador deverá posicionar a palma de suas
mãos lateralmente aos joelhos do paciente e aplicará força medialmente, solicitando ao paciente
que tente abduzir seus membros inferiores.

Fonte: Autoria própria.

Figura 23. Extensão do joelho: com o paciente sentado e seus pés livres, o examinador apoiará
uma de suas mãos sobre o joelho do paciente, enquanto resiste à extensão do joelho com a outra
mão. O paciente também pode realizar este teste em decúbito dorsal. O examinador colocará seu
antebraço direito abaixo do joelho esquerdo do paciente, a palma de sua mão direita apoiará
acima do joelho direito do paciente, sua mão esquerda forçará contra a parte anterior do terço
distal da perna e pedirá que o paciente tente realizar a extensão do joelho. O teste deve ser
aplicado bilateralmente.
Fonte: Autoria própria.

Figura 24. Flexão do joelho: com o paciente sentado e seus pés sem apoio, o examinador
apoiará uma de suas mãos sobre o joelho do paciente, forçará a outra contra o terço médio
posterior da perna e solicitará que o paciente tente realizar a flexão do joelho.
Fonte: Autoria própria.

Figura 25. Dorsiflexão do pé: com o paciente sentado e seus pés sem apoio, o examinador
deverá forçar a mão contra o dorso do pé do paciente e solicitar que ele realize a dorsiflexão. O
paciente também pode realizar este teste em decúbito dorsal, executando o mesmo
procedimento.

Fonte: Autoria própria.

Figura 26. Flexão plantar do pé: com o paciente sentado e seus pés sem apoio, com um papel, o
examinador deverá forçar a mão contra a planta do pé do paciente e solicitar que ele realize a
flexão plantar. O paciente também pode realizar este teste em decúbito dorsal, executando o
mesmo procedimento.
Fonte: Autoria própria.

As provas deficitárias são mais sensíveis e, por esse motivo, são usadas em
déficits de força discretos ou duvidosos. Serão exploradas mais adiante neste
capítulo.

Avaliação do Tônus
O tônus representa o grau de contração do músculo em repouso. Pode ser avaliado
de três formas:

• Inspeção: avalia-se visualmente a aparência do grupo muscular, verificando


se parece contraído ou relaxado;

• Palpação: avalia-se, por meio do tato, a consistência do grupo muscular,


verificando se está mais rígido ou mole
• Movimentação passiva do segmento corporal: avalia-se a passividade, a
extensibilidade e o balanço passivo dos segmentos distais

• A passividade mensura a resistência que o grupo muscular oferece à sua


movimentação passiva. É maior quanto mais fácil for a sua movimentação

• A extensibilidade avalia se há ou não exagero na extensão da fibra


muscular (p. ex., ao forçar a perna sobre a coxa do paciente, o calcanhar
facilmente toca o glúteo, oferecendo resistência mínima). É maior quanto
mais passível de “alongamento” for o ventre muscular

• O balanço passivo avalia o quanto um segmento distal é afetado com a


movimentação de sua porção proximal (p. ex., o avaliador segura com as
duas mãos o antebraço do paciente e o balança, orientando-o que deixe a
musculatura o mais relaxada possível; a quantidade de balanço
apresentada no segmento distal é inversamente proporcional ao tônus
muscular).
A avaliação do tônus apresenta três classificações do grupo muscular observado:
normal, hipotônico e hipertônico, seguindo as características constantes na Tabela 3.
Tabela 3. Classificação do tônus mediante seus aspectos avaliativos.

NORMAL HIPOTÔNICO HIPERTÔNICO

Músculo relaxado
(contração mínima Músculo relaxado,
Músculo contraído,
basal), com com achatamento
com contorno
Inspeção formato das massas
acentuado das
preservado das musculares no
massas musculares
massas plano do leito
musculares

Consistência Consistência Consistência


Palpação
média diminuída aumentada

Passividade Normal Aumentada Diminuída

Extensibilidade Normal Aumentada Diminuída

Balanço
Normal Aumentado Diminuído
positivo

A execução dos testes de tônus no exame físico é descrita como a seguir:


• Avaliação do tônus mediante movimentação passiva para membros
superiores proximais: com o paciente sentado, o examinador apoiará uma de
suas mãos anterior e superiormente à fossa cubital do paciente para
estabilização, com a outra deverá segurar ao redor e manipular o terço distal
do antebraço do paciente, realizando movimentos de flexão e extensão,
buscando espasticidade/rigidez, ou seja, resistências musculares

• Avaliação do tônus mediante movimentação passiva para membros


superiores distais: o examinador deverá, com ambas as mãos, segurar os
terços distais dos antebraços do paciente e realizar movimentos horizontais
mediais e laterais, de forma que as mãos realizem rotação em movimentos
semicirculares, como um pêndulo. A amplitude angular do movimento é
inversamente proporcional à espasticidade

• Avaliação do tônus mediante movimentação passiva para membros


inferiores proximais: com o paciente em decúbito dorsal, o examinador
deverá, com uma de suas mãos, segurar o terço distal da perna do paciente e,
com a outra mão, irá segurar a parte posterior do joelho do paciente. Em
seguida, deverá realizar flexão e extensão do quadril do paciente em busca de
espasticidade/rigidez

• Avaliação do tônus mediante movimentação passiva para membros


inferiores distais: com o paciente em decúbito dorsal, o examinador deverá
apoiar ambas as mãos sobre o terço distal anterior das pernas do paciente e
rolá-las contra a maca, produzindo movimentos semicirculares nos pés, como
um pêndulo. A amplitude angular do movimento é inversamente proporcional
à espasticidade (Tabela 4).
Tabela 4. Exemplificação patológica dos conceitos de espasticidade e rigidez na avaliação do
tônus.

Redução do
Aumento do Tônus
Tônus

Hipotonia Hipertonia

Síndrome piramidal Síndrome extrapiramidal


Síndrome do
neurônio motor Hipertonia elástica Hipertonia plástica
inferior, síndrome
da placa motora e Espasticidade Rigidez
miopatias
Sinal do canivete Sinal da roda denteada
Sinal do Canivete
Classicamente observado em lesões piramidais e em outras síndromes que
culminam em hipertonia muscular, esse sinal é investigado nos pacientes com
transtornos neurológicos. Nele, ao realizar a movimentação passiva do antebraço
sobre o braço, afastando-os, observa-se uma resistência inicial seguida por sua
diminuição, à medida que o ângulo de abertura do movimento aumenta (como ocorre
com um canivete se abrindo). Mesmo que a resistência seja inversamente
proporcional ao ângulo de abertura, o membro exibe uma permanente tendência a
voltar para a posição inicial. Trata-se de um sinal de hipertonia elástica, traduzida
como “espasticidade”.

Sinal de Roda Denteada


O sinal clínico clássico da doença de Parkinson (uma síndrome extrapiramidal
hipocinética). Sua pesquisa resulta na decomposição do movimento durante a
manipulação do membro do paciente. Exemplificando esse sinal na articulação do
cotovelo, afasta-se o antebraço do braço com força constante, resultando em um
movimento que ocorre de maneira fracionada, como se estivéssemos puxando uma
engrenagem ou uma catraca. Trata-se de um sinal de hipertonia plástica, traduzida
como “rigidez”.

Avaliação dos Reflexos


Os reflexos são reações involuntárias a um estímulo. Os reflexos motores têm por
base anatomofuncional o arco reflexo: uma resposta imediata, estereotipada e
inconsciente a um estímulo, cuja integração sensório-motora ocorre em nível medular.
O esquema básico do arco reflexo pode ser visualizado na Figura 27 e na Tabela 5 são
apresentadas suas graduações.
Figura 27. Esquematização da base anatômica do arco reflexo.

Fonte:
São inúmeros os reflexos testados no consultório, os quais são classificados em
dois tipos:

• Superficiais: nos quais há o estímulo da pele ou mucosa para uma resposta


motora

• Profundos ou miotáticos: nos quais há estiramento muscular ou percussão


de um tendão para uma resposta motora.
Tabela 5. Graduação dos reflexos.

Descritiva
Quantitativa Descrição
(qualitativa)

Mesmo com manobras facilitadoras, não é


Ausente 0
possível obter o reflexo

O reflexo é obtido com alguma dificuldade ou o


Diminuído + movimento da articulação é de pequena
intensidade

O reflexo é obtido com facilidade e intensidade


Normal ++
normais

O reflexo é obtido com facilidade aumentada,


Vivo +++
sendo amplo e brusco

O reflexo é obtido em uma área maior do que a


que se consegue habitualmente (aumento da
Exaltado ++++ área reflexógena), sendo policinético (com uma
percussão ocorrem várias contrações), amplo e
brusco

Neste capítulo, serão abordados os reflexos de pesquisa mais comum e alguns


sinais patológicos a eles relacionados.

Reflexos Superficiais
Foram pesquisados os mais comuns, referidos na Tabela 6, e a forma como
procedem (Figuras 28 a 30).
Tabela 6. Reflexos superficiais mais comumente pesquisados.

Centro
Reflexo Inervação Sede do estímulo Resposta
medular
Cutâneo- Nervo tibial L5 a S2 Região plantar, em Flexão dos
Plantar estímulo que se origina do dedos do pé
calcanhar em sentido
posteroanterior
margeando a porção
lateral plantar. Completa o
movimento dirigindo-se
medialmente através do
arco transverso do pé

Parte superior do abdome,


Ramos logo abaixo do rebordo
abdominais T6 a T9 costal, em estímulo que
superiores segue de lateral para
medial Contração do
músculo
Na parte média do
subjacente,
Ramos abdome, no nível do
Cutâneo- com desvio
abdominais T9 a T11 umbigo, em estímulo que
Abdominal da linha alba
médios segue de lateral para
e do umbigo
medial
em direção

Na parte inferior do ao estímulo

Ramos abdome, pouco acima da


abdominais T11 e T12 região inguinal, em
inferiores estímulo que segue de
lateral para medial

Reflexo Cutâneo-Plantar
Com o paciente em decúbito dorsal, pernas ligeiramente fletidas e coxa
rotacionada externamente, o examinador avisa ao paciente que irá aplicar um estímulo
não doloroso, mas que será firme e poderá gerar algum incômodo. Também o instrui
acerca da necessidade de manter os pés tão relaxados quanto possível. Em seguida,
imprime estímulo que parte do calcanhar em direção posteroanterior, aproximando-se
a borda lateral da superfície plantar até atingir o arco transverso do pé, quando
assume trajetória horizontal em direção medial. O estímulo é feito com haste de borda
romba (classicamente um abaixador de língua de madeira quebrado ao meio). O
reflexo normal consiste na flexão dos dedos do pé (Figuras 28 e 29).
Figura 28. Abaixador de língua quebrado ao meio. A ponta ao centro da partição é utilizada na
aplicação do estímulo.
Fonte: Autoria própria.

Figura 29. A. Pesquisa de reflexo cutâneo-plantar. B. Resposta com flexão dos dedos do pé.

A
Fonte: Autoria própria.

B
Fonte: Autoria própria.
Reflexo Cutâneo-Abdominal
Ainda com o paciente em decúbito dorsal, garante-se que a parede abdominal está
completamente relaxada para proceder ao estímulo. O examinador deve estimular o
abdome nas regiões superior, média e inferior, partindo da superfície lateral em direção
ao plano medial (Figura 30). De modo didático, pode-se dizer que a pesquisa é feita
desenhando os bigodes de um gato em direção ao umbigo, que seria o focinho do
gato. O reflexo normal é a contração da musculatura subjacente com desvio da linha
alba e do umbigo em direção ao estímulo. Algumas situações acerca desse reflexo
merecem ser pontuadas:

• A resposta exagerada não possui significado semiológico


• O reflexo torna-se diminuído ou ausente em lesões do neurônio motor
superior

• É difícil de ser percebido em pacientes com parede abdominal muito


distendida, obesos e naqueles com cicatrizes abdominais.
Figura 30. Reflexo cutâneo-abdominal: com o paciente em decúbito dorsal, o examinador irá
pressionar e deslizar um palito de madeira quebrado sobre o abdome do paciente, como se fosse
desenhar um bigode de gato de fora para dentro, apontando para a cicatriz umbilical (umbigo).
A resposta esperada é a contração dos músculos do abdome, movendo-se para a direção do
deslocamento do palito.

Fonte: Autoria própria.

Alguns sinais ocorrem, quando há perda da modulação do neurônio motor inferior


(íntegro) pelo neurônio motor superior (lesionado). Os mais pesquisados no nosso
serviço são: Babinski, Hoffmann e Tromner, os quais, quando positivos, sinalizam
situação de liberação piramidal, explicados no próximo caso.
Reflexos Profundos
Foram pesquisados os mais comuns, referidos na Tabela 7. A forma como
procedem são descritas nas Figuras 31 a 41.

Tabela 7. Reflexos profundos e respectivos músculos, centro medular, sede do estímulo e


resposta esperada.

Centro Sede do
Reflexo Músculo Resposta
medular estímulo

Tendão de Aquiles
Aquileu Tríceps sural L5 e S1 (tendão do Flexão do pé
calcâneo)

Extensão da
Patelar Quadríceps L2 a L4 Tendão rotuliano
perna

Flexor dos Flexor dos Face anterior do Flexão dos


C7 a T1
dedos dedos da mão punho dedos da mão

Flexão do
antebraço e, às
Apófise estiloide vezes, ligeiras
Supinador Supinadores C5 e C6
do rádio supinação e
flexão dos
dedos

Pronação da
Processo estiloide
Pronador Pronadores C6 a T1 mão e do
da ulna
antebraço

Tendão distal do Flexão do


Bicipital Bíceps C5 e C6
bíceps antebraço

Tendão distal do Extensão do


Tricipital Tríceps C6 a C8
tríceps antebraço

Figura 31. Reflexo glabelar: o examinador deverá posicionar um dedo em frente aos olhos do
paciente (20 cm de distância) para mantê-lo focado, enquanto a glabela é percutida. Espera-se
que o paciente pisque os olhos na primeira vez e não o faça nas próximas percussões. Se o
piscamento persistir, confirma-se o sinal de Myerson, associado à doença de Parkinson. O
martelo deve movimentar-se fora do campo de visão do paciente, que está focado no dedo do
examinador, a fim de evitar o reflexo de piscamento, o qual testa nervos diferentes do reflexo
glabelar. Enquanto o reflexo de piscamento testa o II (sensitivo) e VII (motor) pares cranianos,
o reflexo glabelar testa apenas o VII par craniano (em seus componentes sensitivo e motor).

Fonte: Autoria própria.

Figura 32. Reflexo orbicular da boca: o examinador deverá percutir região suprabucal, no centro
do filtro, normalmente com interposição do dedo. Espera-se resposta da mímica parecida com
assobio ou beijo. Na prática, este é um reflexo difícil de ser observado em adultos e é mais
comum em crianças ainda em amamentação.

Fonte: Autoria própria.

Figura 33. Reflexo massetérico ou mandibular: para essa manobra, o paciente deve estar com a
boca entreaberta. O examinador deverá percutir o mento do paciente, interpondo seu dedo entre
o alvo e o martelo. Espera-se a elevação da mandíbula em decorrência da contração do músculo
masseter.
Fonte: Autoria própria.

Figura 34. Reflexo bicipital: o examinador deverá palpar o tendão do músculo bíceps braquial e
apoiar o antebraço do paciente sobre o seu. Em seguida, irá interpor seu polegar entre o tendão e
o martelo, segurando o cotovelo do paciente com o restante dos dedos e realizar a percussão.
Espera-se a contração do bíceps.

Fonte: Autoria própria.

Figura 35. Reflexo tricipital: o examinado deverá palpar o tendão do músculo tríceps braquial e,
com uma mão, segurar a parte anterior da fossa cubital do paciente, deixando o braço deste
fazendo aproximadamente 90° com o eixo axial do corpo e seu antebraço sem apoio, ficando
verticalizado. Em seguida, deverá percutir o tendão do músculo tríceps braquial. Espera-se a
contração desse músculo.
Fonte: Autoria própria.

Figura 36. Reflexo estilorradial ou braquiorradial: o examinador deverá segurar a mão do


paciente como se fosse realizar um cumprimento e percutir próximo ao processo estiloide do
rádio do paciente. Espera-se a pronação discreta do antebraço.

Fonte: Autoria própria.

Figura 37. Reflexo estiloulnar: o examinador deve segurar a mão do paciente, de forma que esta
fique em supinação, e deverá percutir próximo ao processo estiloide da ulna. Espera-se
supinação discreta do antebraço.
Fonte: Autoria própria.

Figura 38. Reflexo dos flexores dos dedos: o examinador deve segurar a mão do paciente de
forma que esta fique em supinação, posicionar seus dedos contra a parte anterior das falanges
médias do paciente, interpondo-os, e percutir através do seu dedo. Espera-se a flexão dos dedos.

Fonte: Autoria própria.

Figura 39. Reflexo adutor da coxa: com o paciente sentado, o examinador deve percutir os
tendões no côndilo medial do fêmur, com interposição de seu dedo. Esse teste também pode ser
realizado com o paciente em decúbito dorsal com membros inferiores fletidos em ligeira
adução, com os pés apoiados na cama ou as pernas pendentes. Espera-se a adução discreta da
coxa ipsolateral ou bilateralmente.
Fonte: Autoria própria.

Figura 40. Reflexo patelar: com o paciente sentado e seus pés sem apoio, o examinador deverá
palpar o tendão patelar e percuti-lo. Espera-se a extensão do joelho.

Fonte: Autoria própria.

Figura 41. Reflexo aquileu: com o paciente em decúbito dorsal, o examinador deverá posicionar
o terço distal lateral da perna direita sobre o terço médio anterior da perna esquerda do paciente.
Em seguida, o examinador deverá percutir o tendão do calcâneo. Espera-se a flexão plantar
discreta. O paciente também consegue realizar essa manobra em decúbito ventral, mas deve
estar com os pés fora da maca, ou seja, sem apoio. O examinador deverá segurar o pé do
paciente para sentir a contração transmitida e percutir o tendão do calcâneo.
Fonte: Autoria própria.

DISCUSSÃO DO CASO 1

Quadro Agudo da Síndrome do Neurônio Motor


Superior / Síndrome Piramidal
As lesões do neurônio motor superior/trato piramidal podem acontecer em
qualquer ponto do seu trajeto, culminando em uma síndrome de características
conspícuas, as quais variam com o tempo transcorrido desde o acontecimento da
lesão.
No Caso 1, observa-se a síndrome do neurônio motor superior (ou síndrome
piramidal) em sua apresentação aguda, ou seja, originando-se de uma lesão súbita e
recente. Nesse contexto, além da fraqueza que persiste no quadro subagudo dessa
síndrome, são observados outros sinais deficitários característicos: a hiporreflexia ou
abolição de reflexos, hipotonia e redução da força no sítio de acometimento da lesão.
A hemiplegia completa do hemicorpo direito prontamente sugere lesão que
acomete a cápsula interna do hemisfério esquerdo, visto que esta zona compacta uma
série de feixes axonais que saem do córtex. Em contrapartida, hemiplegia ou
hemiparesia desproporcional (ou seja, com predomínio braquial ou crural), por outro
lado, sugere lesões corticais. Isso acontece porque, no córtex, os motoneurônios
estão espalhados por toda a área da superfície cortical, sendo pouco provável uma
lesão que acometa proporcionalmente todo o giro pré-central, resultando em uma
hemiplegia/hemiparesia desproporcional e cuja clínica observada respeita o
homúnculo de Penfield, referido neste capítulo. Já o acometimento do hemicorpo
contralateral é justificado pelo fato de que a lesão é superior à decussação das
pirâmides no bulbo, onde acontece o cruzamento das fibras do trato corticoespinhal
lateral (Figura 42).
Figura 42. Ilustração dos ramos da artéria cerebral média. É importante enfatizar a relação da
obstrução no segmento M1 com a isquemia e o quadro clínico observado, sobretudo por sua
relação com a estrutura da cápsula interna.

Fonte: http://aneste.org/a-necessidade-do-sistema-nervoso-central-pelo-aporte-de-
oxigni.html

A fala disártrica, contrastando com aparente entendimento das conversas pela


paciente, sugere um infarto que prejudicou, sobretudo, a porção dorsolateral do córtex
frontal, atingindo a região de Broca. Caso a paciente não entendesse nada do que
fosse falado com ela, seria confirmada a afasia de Wernicke, região da compreensão
da fala. Nesse cenário hipotético, seria mais provável o acometimento simultâneo da
sensibilidade, visto que a área de Wernicke localiza-se posteriormente ao giro pós-
central, uma importante área somatossensorial. Em contrapartida, nossa paciente
apresenta uma disartria decorrente do prejuízo à zona de Broca, a qual se localiza
anteriormente ao giro pré-central.
Para acometer o giro pós-central e a área de Wernicke, partindo do giro pré-central,
seria necessária uma área de infarto muito maior do que a observada, como pode ser
observada na Figura 43.
Figura 43. Áreas de Broca e Wernicke e suas relações com o giro pré-central (motor).

Fonte: https://samyysandra.com/broca-vs-wernicke

Na ponderação do diagnóstico nosológico, uma das considerações-chave é o


tempo de evolução do quadro clínico. No Caso 1, a rápida instalação (minutos) e a
progressão clínica sugerem fortemente diagnóstico nosológico vascular, a primeira
letra do acrônimo VITAMINDEC.

CASO CLÍNICO 2
A mesma paciente do caso anterior apresenta-se ao médico generalista na Unidade
Básica de Saúde 4 meses após o episódio de AVC isquêmico. O susto foi grande,
houve sequelas, e, desde então, a família a pressionou para que ela fizesse uso
adequado das medicações para tratamento de hipertensão, diabetes e
hipercolesterolemia. Ela está em consulta de rotina para renovação das medicações,
mas também anseia observar progresso dos seus esforços pelo acompanhamento do
fisioterapeuta e fonoaudiólogo. Chega à sua sala com auxílio de uma bengala e
prontamente pega, com dificuldade, alguns papéis de receitas médicas de bolsa,
colocando-os sobre a mesa.
Ao exame físico, a paciente apresenta-se em bom estado geral, cooperativa, lúcida
e orientada no tempo e no espaço. Fácies atípica, está bem nutrida, hidratada, afebril,
anictérica, sem edemas, eupneica (FR = 15 irpm), normocárdica (FC = 84 bpm) e
normotensa (PA = 118 × 79 mmHg). À ausculta, o sistema respiratório apresenta
murmúrios vesiculares fisiológicos, sem ruídos adventícios. O sistema cardiovascular
tem ritmo cardíaco regular, bulhas normofonéticas em 2 tempos, sem sopros. Abdome
atípico, flácido, timpânico, indolor à palpação, sem massas ou visceromegalias.
Membros inferiores sem edema.
Ao exame neurológico, a paciente não apresenta déficits cognitivos, melhorando
globalmente o quadro de afasia. Pupilas fotorreativas e isocóricas. O equilíbrio e a
coordenação estão preservados. Amplitude e velocidade de movimentos encontram-
se diminuídos no lado direito. A marcha ceifante é discreta, em virtude da
espasticidade no hemicorpo direito, associada à flexão do membro superior
ipsolateral, caracterizando a postura de Wernicke-Mann. Força grau 4 na musculatura
proximal do hemicorpo direito e 4- na musculatura distal desse mesmo lado. Além
disso, a paciente apresenta hipertonia espástica e hiperreflexia no hemicorpo direito,
com sinal do canivete positivo. Todas as modalidades de sensibilidade estão
preservadas.

QUESTÕES PARA DISCUSSÃO


1. O que são “sinais de liberação piramidal”? Quais são os principais? Você
espera encontra-los nesta paciente? Justifique.
2. Qual o diagnóstico sindrômico neste caso? Como diferenciar as possíveis
topografias das lesões abrangidas por essa síndrome?
3. Quais são as características da hipertonia associada a essa síndrome?

Sinais de Liberação Piramidal


Quando o paciente é acometido por uma síndrome piramidal (ou síndrome do
neurônio motor superior), ocorrem os sinais deficitários, mais comuns na fase aguda
da lesão, e os sinais de liberação, mais comuns na fase subaguda, a qual nossa
paciente se encontra. Os sinais de liberação ocorrem sobretudo pela
hiperexcitabilidade dos centros segmentares inferiores por desinibição, a qual é
sustentada pelo trato reticuloespinhal. Os principais sinais são descritos a seguir.

Sinal de Babinski
É um sinal patológico obtido na pesquisa do reflexo cutâneo-plantar. Quando
positivo, observa-se a extensão do hálux. É comumente acompanhado pelo
distanciamento dos demais dedos do pé, que se abrem em forma de leque, conforme
demonstrado na Figura 44.
Figura 44. Sinal de Babinski. A. Extensão do hálux. B. Abertura dos dedos do pé em leque.
Fonte: Autoria própria.

Existem outros sinais que são denominados sucedâneos ou equivalentes de


Babinski, e que, portanto, também funcionam como indicadores de lesão do neurônio
motor superior. Eles serão apenas mencionados, caso haja curiosidade por parte do
leitor: Chaddock, Gordon, Oppenheim, Schaefer e Austregésilo.
É importante citar que a extensão no reflexo cutâneo plantar é fisiológica em
crianças menores que 2 anos de idade que não possuam lesões piramidais. Isso
acontece sem levantar preocupação importante, pois é esperado dentro das condições
fisiológicas de desenvolvimento do sistema nervoso. Para lembrar deste fato, os
alunos usam o trocadilho “sinal de Babynski” sinalizando que no baby (do inglês bebê,
em referência às crianças pequenas) a extensão não é um sinal patológico. Reforça-
se, no entanto, que a apresentação fisiológica não pode ser considerada sinal de
Babinski, pois este termo é de uso restrito a uma condição anormal.

Sinal de Hoffmann
Recomenda-se que o paciente esteja sentado e distraído, com as mãos relaxadas e
articulação do cotovelo e antebraço apoiada sobre mão e antebraço do examinador.
Com a outra mão, o médico deve realizar o pinçamento da terceira falange distal,
exercendo pressão sobre a unha. A resposta positiva é obtida com a flexão da falange
distal do polegar da mesma mão. Considera-se um equivalente de Babinski nos
membros superiores (Figura 45). Embora seja um sinal de fácil e interessante
pesquisa, é menos constante e confiável do que as pesquisas em membros inferiores.
Figura 45. Sequência de fotos feitas na pesquisa do Sinal de Hoffman

Fonte: Autoria própria.

Sinal de Tromner
Com o paciente em posição confortável e com as mãos relaxadas, o examinador
segura sua mão pela articulação metacarpofalângica do dedo médio, enquanto, com a
outra mão, realiza um golpe de baixo para cima na extremidade distal do dedo do
paciente, conforme mostrado na Figura 46. Quando positivo, é obtida a mesma
resposta do sinal de Hoffmann.
Figura 46. Pesquisa do sinal de Tromner.
Fonte: Autoria própria.

Hiper-reflexia dos Reflexos Miotáticos


Além dos sinais supracitados acerca do prejuízo aos reflexos superficiais, a
“liberação piramidal” gera hiper-reflexia dos reflexos miotáticos, com sinais para além
de sua exaltação (visto que eles se tornam mais amplos e rápidos):
• Reflexos policinéticos: quando a pesquisa de um reflexo culmina em outras
movimentações extras, além da esperada

• Sincinesias: quando a pesquisa de reflexos no lado lesionado gera também


uma resposta no lado contralateral (que pode ser de menor intensidade,
quando comparada a do lado acometido);

• Aumento da área reflexógena e/ou pontos de exaltação: quando é possível


obter o reflexo em uma zona maior que a habitual ou até mesmo em um
ponto completamente atípico

• Exemplo de aumento da área reflexógena: reflexo bicipital com estímulo


em ponto na fossa cubital que não o tendão do bíceps braquial

• Exemplo de ponto de exaltação: reflexo bicipital com estímulo em ponto


localizado no ombro.

Clônus
Consiste em uma série de contrações musculares involuntárias secundárias ao
estiramento súbito de um músculo. Os mais comumente observados são os clônus
aquileu e patelar. A pesquisa de ambos é realizada em decúbito dorsal, conforme
demonstrado nas Figuras 47 e 48.
Figura 47. Demonstração da manobra para pesquisa do clônus patelar. Após o estiramento
brusco do músculo quadríceps femoral no paciente com lesão do neurônio motor superior,
espera-se uma série de contrações musculares, fazendo a patela subir e descer repetidas vezes.

Fonte: Autoria própria.

Figura 48. Demonstração da manobra para pesquisa do clônus aquileu. Após o estiramento
brusco do músculo tríceps sural no paciente com lesão do neurônio otor superior, espera-se uma
série de contrações musculares com flexão e dorsiflexão do pé repetidas vezes.
Fonte: Autoria própria.

Hipertonia
A hipertonia observada no quadro subagudo da síndrome do neurônio motor
superior é denominada «hipertonia elástica» ou espasticidade, como já esclarecido no
tópico «Avaliação de Tônus», no caso anterior. Sua fisiopatologia parece estar
relacionada à hiperexcitabilidade dos motoneurônios alfa e gama, dois tipos de
neurônios associados à unidade motora (músculo + nervo). A clínica da espasticidade
é marcada por duas características importantes:

• Ela é velocidade-dependente: quando realizada a movimentação passiva dos


segmentos corporais com espasticidade, a hipertonia é pior para movimentos
mais velozes e bruscos, e mais branda em movimentos mais lentos

• É mais acentuada no início do movimento, cessando repentinamente. Essa


característica é a essencial do «sinal do Canivete”, também descrito no item
“Avaliação do Tônus”, no Caso Clínico 1.

DISCUSSÃO DO CASO CLÍNICO 2

Quadro Subagudo da Síndrome do Neurônio Motor


Superior/Síndrome Piramidal
Neste caso, observa-se a mesma paciente do Caso Clínico 1 em um momento
distinto de sua apresentação clínica. Nota-se que no Caso Clínico 1 menciona-se
quadro “agudo” da síndrome do neurônio motor superior e neste caso intitula-se
“quadro subagudo”. Mas quais são as principais semelhanças e diferenças entre eles?
A principal semelhança é a fraqueza, presente nos dois momentos, muito embora
com intensidade bastante distinta. No quadro agudo, observa-se prejuízo abrupto à
força do hemicorpo direito da paciente, resultando inclusive em hemiplegia completa à
direita. No entanto, em sua ida ao consultório, 4 meses depois, a força evoluiu de 0
para 4 e 4− nas partes proximais e distais dos membros do lado direito. Essa evolução
pode acontecer ou não, a depender da gravidade da lesão neurológica, mas uma
característica da melhora é persistente: ela tende a ser maior e mais rápida na
musculatura axial e proximal do que na musculatura distal. Isso acontece por dois
grandes motivos: (1) os músculos axiais e proximais possuem, além do trato
corticoespinhal, outros importantes tratos em sua inervação: o reticuloespinhal e o
vestibuloespinhal (bilateral), que assumem funções importantes na recuperação
desses segmentos; (2) a representação cortical da musculatura distal é maior do que
a da proximal, o que significa que é necessária a recuperação de uma zona de lesão
muito maior para obter resultados significativos na musculatura distal.
Em relação ao tempo, as principais diferenças dessa doença estão associadas a
hipertonia e a hiper-reflexia. Quando chega ao hospital em um momento de
emergência, a paciente encontra-se irresponsiva: com reflexos abolidos e hipotonia
importante. No entanto, meses depois, o quadro é oposto: observa-se hipertonia e
hiper-reflexia, além dos reflexos patológicos em membros superiores e inferiores, os
quais constituem respostas de hiperexcitabilidade pela desinibição dos centros
superiores, que estão lesionados e, portanto, não exercem controle nos neurônios
motores inferiores. É interessante dizer que os grupos musculares mais acometidos
pela hipertonia diferem em membros superiores e inferiores, resultando, em quadros
mais acentuados, na postura de Wernicke-Mann, ilustrada na Figura 49.
Figura 49. Ilustração da postura de Wernicke-Mann. Em membros superiores, há predomínio da
hipertonia da musculatura flexora, ocasionando o “recolhimento” do membro superior afetado.
Já em membros inferiores, há predomínio da hipertonia da musculatura extensora, acarretando a
extensão do membro inferior afetado e dificultando a marcha, situação que culmina com a
marcha ceifante. Em caso de comprometimento bilateral do neurônio motor superior dos dois
membros inferiores (que não é o caso da paciente, pois ela não possui lesão compatível), pode-
se observar a marcha em tesoura. Para mais informações sobre as marchas normais e
patológicas, recomenda-se a consulta ao capítulo 29, que trata desse assunto.
Fonte: https://www.slideshare.net/pauaualambert/fora-17-exame-neurolgico (40 slide)

Diagnóstico Diferencial das Lesões do Neurônio Motor


Superior
Muito embora os exemplos extremamente graves costumem ser didáticos, e por
isso preferidos pelos alunos, a medicina do dia a dia é feita de casos mais brandos.
Por isso, sempre que pensar na topografia da lesão, é essencial considerar qual seria a
menor zona possível afetada no caso clínico observado. Isso não significa que os
quadros catastróficos não vão acontecer, afinal, como já diria o provérbio popular “na
medicina, assim como no amor, nem nunca, nem sempre”. No entanto, é preciso
ponderação para compreender a patogênese mais provável em cada caso. Nas lesões
do neurônio motor superior, a Tabela 8 relaciona a topografia a padrões de fraqueza,
possíveis distúrbios sensitivos e outras lesões. É especialmente útil.
Tabela 8. Diagnóstico topográfico de lesões do neurônio motor superior.
SINAL
CÓRTEX CÁPSULA TRONCO MEDULA
OU
CEREBRAL INTERNA CEREBRAL ESPINHAL
SINTOMA

Tetraparesia,
paraparesia
crural/braquial
incompleta
(sem
Hemiparesia acometimento
Desproporcional, Proporcional alterna, com de nervos
com predomínio completa. acometimento cranianos).
Fraqueza
braquial ou Raramente de hemicorpo A clínica
crural poupa a face contralateral e observada
face ipsolateral dependerá da
localização do
acometimento
medular e da
forma como ele
ocorreu

Presentes,
Reflexos quando a lesão
cutâneo- Abolidos ou diminuídos está em
abdominais segmentos
inferiores a T6

Ausente em
Sinal de
Presente lesões abaixo
Babinski
de L1

Perda das
sensibilidades
térmica e
Hemi-
Alteração dolorosa
Possíveis hipoestesia Sensibilidade
sensitiva vaga e contralateral ao
alterações contralateral pode estar
grafoestesia déficit motor
sensitivas ao tálamo preservada
alterada (por lesão do
acometido
trato
espinotalâmico
lateral)
SINAL
CÓRTEX CÁPSULA TRONCO MEDULA
OU
CEREBRAL INTERNA CEREBRAL ESPINHAL
SINTOMA

Hemisfério
esquerdo:
afasia (já que na
maioria dos
casos, esse
hemisfério é o
Oftalmoplegia
dominante para
internuclear
a linguagem),
(especialmente
que pode ou não
em lesões
ser
pontíneas)
Outras acompanhada
possíveis de depressão
Síndrome de
associações psíquica
Claude Bernard-
Horner, um
Hemisfério
transtorno
direito:
autonômico
anosognosia
simpático
(falta de
percepção da
doença) e
transtornos da
atenção à
esquerda

As lesões de medula podem ter clínica extremamente variável dependendo da zona


de acometimento, tanto transversal (interferindo na progressão do quadro) quanto
longitudinal (alterando os segmentos corporais acometidos), situação que merece
cuidado especial durante a avaliação:

• Transversalmente: o trato corticoespinhal possui clássica somatotopia, com


distribuição craniocaudal das fibras no plano medial-lateral em cada um dos
lados. Essa rígida organização auxilia na topografia de neoplasias intra e
extramedulares:

• As neoplasias intramedulares tendem a acometer primeiro as zonas mais


craniais e posteriormente as mais caudais, resultando em uma progressão
clínica descendente

• As neoplasias extramedulares tendem a fazer o sentido oposto, resultando


em progressão de déficit ascendente
• Longitudinalmente: a medula é distribuída em centros segmentares que
emitem prolongamentos periféricos em cada um dos níveis medulares. Nesse
sentido, o conhecimento da relação nível medular/músculos correspondentes
é importante na avaliação da motricidade das lesões medulares. Para
observá-la, prossiga para a tabela de relação entre músculo, grupo muscular,
raiz nervosa e nervo periférico na seção de discussão de caso do neurônio
motor inferior.

CASO CLÍNICO 3
Paciente do sexo masculino, 32 anos de idade, reside em Vila Velha (ES). Possui
ensino superior completo e trabalha como advogado em causas criminais. Procurou
atendimento médico uma semana após sintomas de fadiga e apresenta queixas
objetivas como não conseguir segurar as sacolas do supermercado e passar a sofrer
frequentes tropeços ao subir as escadas de casa, obrigando o uso do elevador mesmo
para subir um único andar de seu prédio. Mora sozinho e não possui casos similares
na família. Quando questionado sobre seus hábitos e cuidados com a saúde, nega
etilismo e assume tabagismo (132,5 maços-ano), além de relatar estar se curando de
um caso de resfriado comum (infecção de vias aéreas superiores) há 10 dias.
Ao exame físico, o paciente apresentava-se em bom estado geral, lúcido, orientado
no espaço e no tempo. Fácies atípica, estava bem nutrido, hidratado, afebril, anictérico,
sem edemas, eupneico (FR = 14 irpm), normocárdico (FC = 80 bpm) e normotenso (PA
= 121 × 85 mmHg). À ausculta, o sistema respiratório apresentava murmúrios
vesiculares fisiológicos, sem ruídos adventícios. O sistema cardiovascular tem ritmo
cardíaco regular com bulhas normofonéticas em 2 tempos, sem sopros. Abdome
atípico, flácido, timpânico, indolor à palpação, sem massas ou visceromegalias.
Membros inferiores sem edema.
Ao exame neurológico, apresentava cognição e comportamento normais. Postura e
equilíbrio conservados, apesar da marcha escarvante. Ao teste do pinçamento, os
dedos apresentavam baixa amplitude e velocidade diminuída bilateralmente. Foi
realizado o teste rítmico de dorsiflexão e flexão plantar contra o solo, mostrando
também amplitude e velocidade diminuídas bilateralmente. Força em membros
proximais grau 5, membros superiores distais com força grau 4+ e membros inferiores
distais grau 3, situação visível na flexão e extensão do punho e na dorsiflexão e flexão
plantares. Apresenta hipotonia discreta. Sem movimentos involuntários. Reflexos
profundos diminuídos, sendo testados bicipital, tricipital, patelar e aquileu.
Sensibilidades tátil e vibratória diminuídas distalmente e parestesia em membros
inferiores. Nervos cranianos sem alterações perceptíveis.
Com baseado nos dados clínicos e no exame semiológico, apresentava síndrome
de neurônio motor inferior, denotada pela fraqueza de predomínio distal, simétrica,
ascendente, em mais de um nervo, isto é, do tipo polineuropatia motora distal
ascendente pós-infecciosa. Suspeitou-se de síndrome de Guillain-Barré. Solicitou-se a
internação do paciente para melhor observação do quadro. Foram realizadas
eletroneuromiografia e punção lombar, que evidenciaram, respectivamente, velocidade
de condução nervosa diminuída, latências distais prolongadas e excesso de proteínas
totais no liquor, confirmando a hipótese diagnóstica (Figura 50).
O paciente iniciou tratamento com imunoglobulina endovenosa e começou a
apresentar melhora dos sintomas em 5 dias.
Figura 50. Eletroneuromiografia mostrando bloqueio de condução do antebraço, sendo denotado
pela queda de amplitude (80%) e área (76%) do potencial de ação muscular composto (AMP)
com a estimulação distal do punho (traçado superior) em comparação com a estimulação no
cotovelo (traçado inferior). Também observa-se a diminuição da velocidade de condução no
antebraço (18,9 m/s).

Fonte: https://link.springer.com/chapter/10.1007/978-1-4614-6567-6_28

QUESTÕES PARA DISCUSSÃO


1. Qual o objetivo dos testes do pinçamento e da dorsiflexão plantar contra o
solo nesse paciente? Como são realizados e o que ajudam a avaliar?
2. Qual o diagnóstico sindrômico neste caso? Como essa síndrome é
caracterizada? Como diferenciar as possíveis topografias das lesões
abrangidas nessa síndrome?
3. O que o examinador quer dizer ao classificar a apresentação clínica como
uma polineuropatia? Quais são as principais classificações plausíveis
quanto à topografia do acometimento nervoso periférico?

Avaliação de Velocidade e Amplitude dos Movimentos


No início da progressão de um déficit motor, a amplitude e a velocidade dos
movimentos finos são costumeiramente as primeiros a apresentar alguma alteração,
mesmo que mínima. Isso também acontece como um sinal residual na recuperação de
grandes acidentes, como o do Caso Clínico 2.
Em membros superiores, a avaliação é feita através do teste de pinçamento dos
dedos, solicitando-se ao paciente que o faça tão rápido quanto possível. Para
membros inferiores, por sua vez, a avaliação é feita através de sucessivos movimentos
de dorsiflexão e flexão plantares contra o solo (batendo os pés no chão). Esses testes
são ilustrados na Figura 51, em fotos de média exposição, as quais evidenciam o
rastro da trajetória proposta.
Figura 51. Avaliação de velocidade e amplitude dos movimentos.

Fonte: Autoria própria.

Classificação Topográfica de Lesões do Neurônio


Motor Inferior
Como já ressaltado neste capítulo, o diagnóstico topográfico de uma lesão
neurológica constitui etapa crucial do raciocínio clínico. Quando confrontado com
lesões do neurônio motor inferior, também denominado segundo neurônio motor ou
motoneurônio inferior, o médico deve estar atento à descrição da topografia
acometida, visto que cada padrão é clássico para determinadas entidades
nosológicas, restando ao examinador elencar os diagnósticos diferenciais mais
prováveis. A lista abaixo aborda as principais classificações para lesões do sistema
nervoso periférico, a fim de que essas sejam incorporadas pelo aluno em seu
vocabulário e nas descrições dos prontuários:
• Neuronopatias: denotam comprometimento do corpo celular do neurônio
motor (neuronopatias motoras) ou sensitivo (ganglionopatias sensitivas)

• Radiculopatias: acometimento das raízes sensitivas e/ou motoras de forma


isolada ou múltipla (multirradiculopatia); por exemplo, compressão radicular
por hérnia discal, radiculites inflamatórias infecciosas (citomegalovírus [CMV]
etc.), entre outras causas

• Plexopatias: plexites inflamatórias/infecciosas, lesões traumáticas etc.


• Mononeuropatia: acometimento isolado de um único nervo em todas as suas
funções; por exemplo, neuropatia dos nervos radial, ulnar do cotovelo,
mediano do punho, fibular da cabeça da fíbula etc.

• Mononeuropatias múltiplas: progressivo comprometimento de nervos de


forma isolada que se somam no tempo; por exemplo, vasculites.

• Polineuropatias: acometimento, normalmente, simétrico dos nervos,


inicialmente de predomínio distal com progressão ascendente e em gradiente
(distal–proximal)

• Polirradiculopatias: acometimento inicial proximal e distal dos nervos


periféricos e suas raízes.

DISCUSSÃO DO CASO CLÍNICO 3

Síndrome do Neurônio Motor Inferior


A Síndrome de Guillain-Barré é, no mundo, a maior causa de paralisia flácida
generalizada. Trata-se de uma doença autoimune que acomete principalmente as
porções proximais dos nervos periféricos (sensitivos e/ou motores) e é considerada
como doença potencialmente secundária a infecções bacterianas e virais, relacionada
à reação cruzada entre os anticorpos envolvidos no combate à infecção e os
anticorpos antimielina ou contra o axônio. Sua apresentação clássica tem como
principal sintoma fraqueza ascendente que pode progredir com prejuízo à mecânica
respiratória, ocasionando o óbito do paciente.
A síndrome do neurônio motor Inferior abrange um amplo grupo de entidades
nosológicas que acometem o trajeto do motoneurônio inferior, sendo seu principal
sinal a fraqueza. Elas podem assumir uma série de topografias distintas, que devem
ser devidamente localizadas a partir da associação da fraqueza com alguns outros
sinais e sintomas. Outro sinal persistente nessa síndrome é a redução ou a abolição
dos reflexos miotáticos, que passam a ser comprometidos pelo dano ao arco reflexo,
mais especificamente no nível do neurônio motor envolvido, que não consegue evocar
a resposta motora esperada.
Além disso, esse neurônio, em sinapse com a musculatura estriada esquelética,
quando lesionado, deixa de exercer sua função fisiológica na promoção do fluxo
anterógrado de substâncias tróficas envolvidas na manutenção do trofismo muscular.
Dessa maneira, as síndromes do motoneurônio inferior normalmente cursam com
atrofia muscular precoce, variando de leve a grave. Essa atrofia difere da que ocorre
nas síndromes piramidais, a qual é motivada pela subsolicitação do músculo e é mais
tardia e branda.
Com conhecimento da topografia acometida na síndrome de Guillain-Barré, os
nervos periféricos, deve-se estar ciente também de um dos sintomas que acometem
grande parte desses pacientes: as alterações de sensibilidade. Os desvios na
sensibilidade estão para a lesão dos nervos periféricos assim como outros sinais
estão para lesões de outros segmentos do neurônio motor inferior. Na Tabela 9, são
exploradas as principais topografias acometidas, relacionando-as aos sinais e
sintomas diferenciais.

Tabela 9. Diagnóstico topográfico das lesões do neurônio motor inferior.

CORNO RAIZ JUNÇÃO


DIAGNÓSTICO PLEXO/NERVO MÚSCULO
ANTERIOR NEUROMUSCULAR
ANTERIOR

Focal, em Focal, Difusa,


Fraqueza geral Focal geralmente Difusa proximal nos
assimétrica distal membros

Tônus Flácido Flácido Flácido Normal Flácido

Tardia
Presente
Presente (acentua-se
Atrofia (acentuada e Presente Ausente
(moderada) com o
precoce)
tempo)

Fasciculação Presente Ausente Ausente Ausente Ausente

Ausente ou
Diminuído ou Diminuído ou diminuído Diminuído ou
Reflexo Normal
ausente ausente (desproporcional normal
à fraqueza)

Deficitário:
Distúrbio de hipoestesia,
Ausente Dor irradiada Ausente Ausente
sensibilidade anestesia e/ou
parestesia
Além disso, até mais do que nas síndromes piramidais, as síndromes do
motoneurônio inferior possuem vínculo bastante direto com os sinais observados, em
especial ao considerar a natureza segmentar de origem desses a partir da medula
espinhal e dos forames intervertebrais. Com intuito de auxiliar na localização precisa
da topografia da lesão, disponibiliza-se também na Tabela 10, para consulta rápida, a
correspondência entre os ramos medulares e os grupos musculares por eles
inervados.
Tabela 10. Relação entre músculos e suas ações musculares, raízes nervosas e nervos
periféricos.

RAÍZES AÇÃO DO
MÚSCULO NERVO
NERVOSAS MÚSCULO

Deltoide C5 e C6 Axilar Abdução do braço

Coracobraquial C6 e C7 Musculocutâneo Flexão do braço

Bíceps braquial C5 e C6 Musculocutâneo Flexão do antebraço

Braquial C5 e C6 Musculocutâneo Flexão do antebraço

Extensor do carpo C5 a C8 Radial Extensão do punho

Extensão dos dedos da


Extensor dos dedos C6 a C8 Radial
mão

Extensão do antebraço
Tríceps braquial C6 a C8 (T1) Radial
(cotovelo)

Flexor superficial Flexão dos dedos da


C7 a T1 Mediano e ulnar
dos dedos mão

Flexor profundo dos Flexão dos dedos da


C7 a T1 Mediano e ulnar
dedos mão

Reto abdominal T5 a T12 Intercostal Flexão do tronco

Glúteo máximo L5 a S2 Glúteo inferior Extensão da coxa

Nervo para o
Psoas (L1) L2 a L4 Flexão da coxa
psoas maior

Ilíaco L2 a L4 Femoral Flexão da coxa

Quadríceps femoral L2 a L4 Femoral Extensão da perna

Adutores da coxa L2 a L4 Obturatório Adução da coxa

Grácil L2 a L4 Obturatório Adução da coxa

Obturador externo L2 a L4 Obturatório Rotação lateral da


coxa
Nervo para o
Rotação lateral da
Obturador interno L5 a S3 obturador
coxa
interno

Bíceps femoral Rotação lateral da


L5 a S1 Tibial
Cabeça longa coxa

Cabeça curta L5 a S2 Fibular Flexão da perna

Semitendíneo L5 a S2 Tibial Flexão da perna

Semimembranoso L4 a S1 Tibial Flexão da perna

Gastrocnêmio L5 a S2 Tibial Extensão do pé

Sóleo L5 a S2 Tibial Extensão do pé

Tibial posterior L5 a S1 Tibial Inversão do pé

Tibial anterior L4 a S1 Fibular Elevação do pé

Extensão dos dedos do


Extensor dos dedos L4 a S1 Fibular

Extensor do hálux L4 a S1 Fibular Extensão do hálux

CASO CLÍNICO 4
Paciente do sexo masculino, 79 anos de idade, caucasiano, proveniente da cidade
de Venda Nova do Imigrante (ES), é encaminhado ao ambulatório de neurologia para
investigação de queixa de fadiga muscular. Dois meses antes da consulta notou
dificuldade na deglutição e na mastigação de sólidos, a qual se agravava ao longo da
refeição e piorava no jantar, engasgando-se frequentemente. Desenvolveu ptose
palpebral, mais acentuada à esquerda, há três semanas, quando passou a sentir
dificuldades para manter o olho aberto ao assistir à televisão. Demorou a ir ao médico,
pois achou que era apenas cansaço proveniente dos exercícios físicos que havia
iniciado há 2 meses e meio atrás.
O paciente era hipertenso e estava medicado com ácido acetilsalicílico (100
mg/dia) e lisinopril (5 mg/dia). Nega etilismo e tabagismo e não possui casos
conhecidos de doenças neurológicas ou autoimunes na família.
Ao exame físico, o paciente apresentava-se em bom estado geral, lúcido e
orientado no espaço e no tempo. Fácies atípica, estava bem nutrido, hidratado, afebril,
anictérico, sem edemas, eupneico (FR = 14 irpm), normocárdico (FC = 80 bpm) e
hipertenso (PA = 150 × 100 mmHg). À ausculta, o sistema respiratório apresentava
murmúrios vesiculares fisiológicos, sem ruídos adventícios e o sistema cardiovascular
com ritmo cardíaco regular e bulhas normofonéticas em 2 tempos, sem sopros.
Abdome atípico, flácido, timpânico, indolor à palpação, sem massas ou
visceromegalias. Membros inferiores sem edema.
Ao exame neurológico, não apresentava alterações cognitivas ou em nervos
cranianos. Estava ligeiramente disártrico e com voz anasalada, características que se
acentuavam ao longo do discurso. Não tinha desvios na língua ou na úvula nem havia
evidência de xerostomia. Não apresentava déficits motores nos membros e não havia
alterações na sensibilidade ou nos reflexos tendinosos profundos.
Hemograma, ionograma e provas de funções renal, hepática e tireóidea estavam
normais, bem como a radiografia de tórax. A tomografia computadorizada (TC) de
crânio mostrou moderada atrofia corticossubcortical generalizada compatível com o
grupo etário, e a torácica não evidenciou nenhuma imagem com significado
patológico, como adenomegalias ou massas mediastínicas ou pulmonares. As provas
funcionais respiratórias mostraram um padrão restritivo moderado.
O teste com 2 mg de edrofônio endovenoso (anticolinesterásico) foi positivo,
verificando-se melhora acentuada, mas transitória (cerca de 5 minutos), da ptose
palpebral. O estudo eletroneuromiográfico mostrou disfunção da placa motora do tipo
pós-sináptico, com diminuição da resposta muscular à estimulação repetida (Figura
52). A pesquisa de anticorpos solúveis antirreceptor da acetilcolina (R-ACC) foi
positiva (8,99 nmol/L, com negativo < 0,4). Verificou-se negatividade para os outros
autoanticorpos pesquisados:e anti-DsDNA, antinucleares, fator reumatoide e anti-TPO.
Os marcadores tumorais (CA19.9, CA-125 e ACE) foram negativos. Conjugando-se os
dados clínicos e analíticos, confirmaram-se os diagnósticos de miastenia gravis e
hipertensão arterial.
Foi iniciado o tratamento com prednisolona 20 mg/dia por via oral, piridostigmina
60 mg por via oral, a cada 8 h, e lisinopril 10 mg/dia. Verificou-se melhora clínica
progressiva, o paciente recebeu alta hospitalar e orientação para acompanhamento
com neurologista para posterior reavaliação de melhor imunossupressão e retirada do
corticosteroide.
Figura 52. Eletroneuromiografia com agulha de fibra única. Mostra-se a mesma unidade motora
sendo estimulada diversas vezes, com evidente aumento da latência (em ms) e jitter (oscilações)
em decorrência da resposta muscular ineficiente.

Fonte: https://doi.org/10.1002/mus.22203

QUESTÕES PARA DISCUSSÃO


1. O que são provas deficitárias? Quais são as principais e como elas são
realizadas?
2. Qual o diagnóstico sindrômico neste caso? Quais as suas características?
3. Qual exame complementar é especialmente recomendado em síndromes
como essa? Qual o comportamento esperado no exame?

Provas Deficitárias
Consistem em movimentos de sustentação voltados para avaliação de fraqueza
progressiva durante um curto intervalo de tempo. São mais sensíveis que as manobras
de contraposição e normalmente são utilizadas para detectar déficits de força mais
discretos, localizados na sutil amplitude entre 4 e 5 da escala de graduação de força
do Research Medical Council. Essas provas auxiliam na localização da topografia da
fraqueza, que pode ser global, distal (característico de lesões piramidais ou de nervos
periféricos) ou proximal (característico de miopatias).
São essenciais para pacientes com síndromes de placa motora, já que a
estimulação contínua dos músculos provoca sua falha, e a força da contração passa a
ser vencida pela gravidade. Em pacientes sem alterações, espera-se que consigam
sustentar os membros durante todo o tempo da prova. As manobras mais comuns são
explicadas com as Figuras 53 a 58.
Figura 53. Prova do desvio pronador: os membros superiores devem estar estendidos, em
supinação ou com as palmas voltadas para o plano mediano, fazendo um ângulo de 90° com o
tronco. No paciente acometido, espera-se que ocorram oscilação, pronação e flexão do braço e
dos dedos. O teste dura entre 1 a 2 minutos.
Fonte: Autoria própria.

Figura 54. Prova dos braços estendidos ou Mingazzini para os membros superiores: é
semelhante à prova do desvio pronador, entretanto, os antebraços do paciente devem estar em
pronação durante o início do teste. No paciente acometido, espera-se que ocorram oscilação,
queda dos membros superiores, flexão das mãos e dos dedos.
Fonte: Autoria própria.

Figura 55. Prova de Raimiste: alguns pacientes têm fraqueza nos músculos flexores do ombro, o
que os impede de deixar os membros superiores estendidos e realizar as provas anteriores.
Nessa manobra, o paciente deve estar em decúbito dorsal, com os braços levemente afastados
do corpo, os cotovelos apoiados na maca e os antebraços verticalizados formando um ângulo de
90° com os braços. No pacientre acometido, eEsperam-se oscilação e queda da mão em direção
ao plano mediano.
Fonte: Autoria própria.

Figura 56. Prova de Mingazzini para os membros inferiores: assim como nos membros
superiores, a provas de membros inferiores também duram de 1 a 2 minutos. O paciente deve
estar em decúbito dorsal, com as coxas fletidas sobre a pelve (formando um ângulo de 90°) e as
pernas devem ser mantidas na posição horizontal. No paciente acometido, esperam-se oscilação
e queda dos membros inferiores. Essa prova pode ser observada nas três primeiras figuras.
Quando o paciente possui dificuldade em movimentar o quadril e fletir a coxa, como em casos
de artrose ou alterações abdominais como a ascite, o examinador pode lançar mão da Prova de
Wartenberg, ilustrada nas últimas três imagens. Nela, a realização do teste ocorre sem a
horizontalização das pernas, tomando os calcâneos como pontos de apoio. O pé deve estar em
dorsiflexão e, com o passar do tempo, espera-se que ocorra queda dos pés em pacientes
acometidos.
Fonte: Autoria própria.

Figura 57. Prova de Barré: o paciente deve posicionar-se em decúbito ventral, fazendo com que
as pernas fiquem verticalizadas em um ângulo próximo a 90°, pelo movimento de flexão do
joelho. Em uma situação patológica, nos pacientes acometidos espera-se queda das pernas
durante a prova.
Fonte: Autoria própria.

Figura 58. Prova de “Mingazzini palpebral”: assim como as provas anteriores, também é um
teste de sustentação, utilizado para o diagnóstico de miastenia gravis. Solicita-se ao paciente
que fique com a face a 90° do pescoço e que olhe para um ponto fixo acima dos olhos, podendo
ser indicado com uma caneta pelo examinador. Espera-se que ocorra ptose palpebral no paciente
acometido, ou seja, a queda da pálpebra.
Fonte: Autoria própria.

DISCUSSÃO DO CASO CLÍNICO 4

Síndrome da Placa Motora/Junção Neuromuscular


O Caso Clínico 4, de um paciente com miastenia gravis, aborda uma doença que é o
exemplo mais clássico das síndromes da junção neuromuscular, as quais
normalmente cursam com fraqueza de distribuição difusa. O tônus muscular costuma
ser normal, dado que não ocorre atrofia por desnervação e a ocupação de receptores
em repouso costuma ser suficiente para manutenção desse tônus.
A miastenia gravis é uma doença autoimune adquirida caracterizada por anticorpos
que atuam contra os receptores pós-sinápticos da acetilcolina, um dos principais
neurotransmissores envolvidos na placa motora em prol da contração muscular.
Clinicamente, os pacientes com essa doença apresentam fadiga insidiosa e fraqueza
flutuante dos músculos esqueléticos, evidenciadas por oscilações motoras ao longo
do dia e com piora à noite, que se agravam com esforço físico, agitação, infecções e
altas temperaturas. Mesmo com enfraquecimento difuso, alguns músculos são
preferencialmente acometidos: levantador da pálpebra (resultando em ptose), oculares
(resultando em diplopia), faciais e os envolvidos na deglutição (resultando em
disfagia). Apesar da força ficar comprometida nesse tipo de síndrome, normalmente o
tônus, os reflexos e a sensibilidade não são afetados. O repouso e o uso de
anticolinesterásicos ajudam na melhora dos sintomas.
Alguns exames são chaves no diagnóstico desse paciente e merecem ser
destacadosem ordem crescente de complexidade:

• Mingazzini palpebral: já descrito na seção de provas deficitárias, é um teste


extremamente simples, o que o torna um dos preferidos em termos de
praticidade. Na Figura 58, usa-se uma caneta como ponto fixo para
observação, mas o próprio dedo do examinador ou o comando de olhar para o
teto bastariam. No paciente acometido, progressivamente ocorre ptose
palpebral, mesmo que o paciente continue olhando para o alto

• Teste do gelo: também é simples e barato, mas envolve o gelo à disposição.


Nele, uma bolsa de gelo é repousada sobre os olhos do paciente por alguns
minutos. No paciente acometido, espera-se melhora da ptose com aumento
da fenda palpebral, especialmente quando comparada ao olho não testado
(Figura 59)
Figura 59. Teste do gelo em paciente com miastenia gravis. A. Antes do teste. B. Depois do
teste: observa-se melhora significativa na ptose palpebral.
Fonte: Lopes et al., 2010

Eletroneuromiografia: espera-se a diminuição da resposta muscular com a


estimulação repetida, já que há uma disfunção de placa motora de tipo pós-sináptico.

CASO CLÍNICO 5
Paciente do sexo feminino, 16 anos de idade, residente na Serra (ES), ensino médio
incompleto. Procurou atendimento com neurologista por motivo de dores musculares
e fadiga constantes, associadas à dificuldade para andar e subir escadas. Também
alegava que não conseguia mais correr. Em investigações posteriores, o tratamento da
depressão não havia sido resolutivo. Tem antecedente de doença esofágica que não
sabe relatar e não utiliza nenhum medicamento regular. Nega etilismo e tabagismo.
Ao exame físico, a paciente apresentava-se em regular estado geral, lúcida e
orientada no espaço e no tempo, fácies atípica, estava bem nutrida, corada, afebril,
anictérica, sem edemas, eupneica (FR = 17 irpm), normocárdica (FC = 88 bpm) e
normotensa (PA = 115 × 78 mmHg). O sistema respiratório apresentava murmúrios
vesiculares fisiológicos, sem ruídos adventícios e sistema cardiovascular com ritmo
cardíaco regular e bulhas normofonéticas em 2 tempos, sem sopros. Abdome atípico,
flácido, timpânico, indolor à palpação, sem massas ou visceromegalias. Membros
inferiores sem edema. Apresentava pele áspera, ressecada e dedos em gatilho (Figura
60).
Ao exame neurológico, mostrava cognição e comportamento normais, bem como
exames de sensibilidade e nervos cranianos sem alterações. Coordenação e equilíbrio
estavam conservados. A marcha era miopática (anserina), com base ligeiramente
alargada e movimentos acentuados do quadril. A amplitude e a velocidade dos
movimentos encontravam-se diminuídas. Havia diminuição da força proximal grau 4−
em membros inferiores, situação que era pior na musculatura proximal. Hipotonia era
observada bilateralmente em membros superiores e inferiores. Reflexos profundos
eram normais e não havia fasciculações.
Realizou dosagem de creatinoquinase total com elevação excessiva de 28.000 U/L
(valor de referência para mulheres: 22,0 a 199,0 U/L; homens: 22,0 a 334,0 U/L)
confirmando lesão muscular em atividade (Figura 61). Os demais exames laboratoriais
normais não apresentavam sinais infecciosos.
A partir dos sinais e sintomas clínicos, suspeitou-se de síndrome miopática, e com
as demais características clínicas (jovem, sexo feminino, com alteração esofágica e
xerodermia intensa associada), presumiu-se escleromiosite, uma doença de
superposição entre a esclerodermia e a dermatomiosite, ambas doenças autoimunes.
Iniciou-se terapia com o imunossupressor metilprednisolona 1 g/dia, por 5 dias, em
pulsoterapia, a qual a paciente foi responsiva. Posteriormente, associou-se a
imunossupressão por via oral com azatioprina e prednisona e realizou-se a dosagem
de anti-SCL, a qual foi positiva, confirmando o diagnóstico.
Figura 60. Mão da paciente com pele ressecada e ferimentos condizentes com esclerodermia.

Fonte: Autoria própria.

Figura 61. A. Necrose muscular e infiltrado inflamatório endomisial (hematoxilina e eosina). B.


Aumento da atividade lisossomal (fosfatase ácida). O diagnóstico foi confirmado pela sorologia,
mas, caso houvesse uma biópsia muscular, esse seria o padrão esperado.
Renata & Aris, 2015

QUESTÕES PARA DISCUSSÃO


1. Qual o diagnóstico sindrômico neste caso? Quais as suas características?
2. Quais exames complementares são especialmente recomendados em
síndromes como essa? Qual o comportamento esperado no exame?

DISCUSSÃO DO CASO CLÍNICO 5

Síndrome Muscular
A escleromiosite é uma doença autoimune sistêmica, com importante
comprometimento muscular e cutâneo. É um subtipo de dermatomiosite, no qual essa
doença se hibridiza com a esclerodermia, gerando um padrão combinado de sinais
dermatológicos e musculares. Neste caso, o diagnóstico foi majoritariamente clínico,
observados hipotonia, fraqueza e exuberantes sinais dermatológicos, associados aos
sintomas de dor e fraqueza que a paciente apresentava.
Após análise um pouco mais aprofundada acerca da motricidade, percebeu-se um
pequeno déficit de força difuso, bem avaliado em manobras de contraposição, provas
deficitárias e teste de amplitude dos movimentos. Assim como na maioria das
miopatias, a fraqueza era pior na musculatura proximal dos membros, situação que
justifica a marcha anserina e a dificuldade em subir os degraus do ônibus.
Nesse caso, é especialmente interessante a investigação prévia de possível
depressão. No acompanhamento progressivo da paciente, o diagnóstico de depressão
havia sido dado por conta da interferência da mãe, que chamava a filha de preguiçosa
por não conseguir correr ou subir as escadas, taxando a indisposição física da filha
como reflexo de “má vontade”. Reforça-se a importância de considerar a queixa da
paciente e observar seu contexto integralmente, antes de taxar seu distúrbio como
algo não orgânico. Essa situação torna-se ainda mais urgente ao se atentar para a
incapacitação gerada pelos inúmeros efeitos colaterais das medicações para essa
finalidade, crucial na etapa de desenvolvimento psicossocial, a qual essa adolescente
se encontrava.

CASO CLÍNICO 6
Paciente do sexo masculino, 75 anos de idade, caucasiano, residente em Baunilha
(ES), uma cidade no interior do estado. Possui ensino básico completo (até a 4a série)
e é aposentado, tendo anteriormente trabalhado no ramo da marcenaria. Procurou
atendimento médico com queixa de tremor não incapacitante na mão direita, com
início há 3 anos, que evoluiu para a mão contralateral. Considerava suas queixas algo
comum da velhice, justificando sua demora em buscar ajuda médica. Relata consumo
ocasional de “pinga” com os amigos e de cigarros de palha até os 52 anos de idade,
quando fez uma promessa para o nascimento da neta, que veio linda e saudável,
motivando o abandono desse hábito. Sem casos relatados na família. Foi à consulta
acompanhado da esposa.
Ao exame físico, o paciente apresentava-se em regular estado geral, lúcido e
orientado no espaço e no tempo, fácies parkinsoniana, estava bem nutrido, hidratado,
afebril, anictérico, sem edemas, eupneico (FR = 16 irpm), normocárdico (FC = 86 bpm)
e normotenso (PA = 117 × 83 mmHg).
Ao exame neurológico, apresentava cognição e comportamento normais. Exame de
sensibilidade e nervos cranianos normais. A marcha era tipicamente parkinsoniana,
com perda do balanço em membros superiores, pior à direita, e festinação. Durante o
teste de pinçamento dos dedos, a amplitude e a velocidade dos movimentos
diminuíram progressivamente, sendo piores à direita. O paciente apresentava força
grau 5 em todos os membros, rigidez (hipertonia plástica) em membros inferiores e
superiores, com sinal da roda denteada positivo, mais evidente no membro superior
direito. Mostrava hipocinesia e tremor em repouso intermitente em ambas as mãos
(com predominância da direita). Os reflexos bicipital, tricipital, patelar e aquileu
estavam normais, embora difíceis de visualizar em decorrência da rigidez. Havia
persistência do reflexo glabelar (sinal de Myerson). Apresentou micrografia, quando
solicitado a escrever o nome completo, além de bradimimia, com diminuição do
piscamento e pouca expressão facial (fácies parkinsoniana).
O diagnóstico de doença de Parkinson foi pautado na apresentação clínica, sendo
iniciada a levodopaterapia, com uso de levodopa em doses baixas em 3 tomadas
diárias e escalonamento lento, conforme resposta clínica (levodopa/benserazida
100/25 mg meio comprimido, 3 vezes ao dia).

QUESTÕES PARA DISCUSSÃO


1. Quais são os principais tipos de movimentos involuntários e suas
características?
2. Qual o diagnóstico sindrômico neste caso? Quais são os critérios
diagnósticos e suas principais características?

Distúrbios do Movimento
Da mesma forma que se necessita de um tônus basal para manter a musculatura
em repouso, precisa-se de respostas motoras “pré-ativadas” em prol de movimentos
comuns do dia a dia, como andar, respirar, deglutir saliva, piscar, entre outros; cenário
que incorpora agilidade nas respostas motoras essenciais. É neste papel de
“mantenedor do automatismo motor integro” que atuam os núcleos da base, os quais
orquestram, de maneira complexa, circuitos de inibição e/ou facilitação entre si,
induzindo maior ou menor estímulo dos movimentos em geral.
Os distúrbios do movimento abrangem as diversas afecções que possuem como
componente comum um ou mais movimentos involuntários. Seu diagnóstico é
confirmado pela inspeção visual e eles devem ser relacionados com os demais
achados semiológicos a fim de encontrar o diagnóstico nosológico. Dessa maneira, é
importante o rigor à observação e à descrição do movimento, analisando-se a
trajetória dos corpos de forma metódica. Para isso, é necessário basear-se no uso de
parâmetros como ritmo, frequência, amplitude, trajetória, porção do membro
acometida e voluntariedade, de modo a encontrar grupos típicos de movimentos
involuntários.
Não é de interesse deste capítulo estender-se demais sobre os diagnósticos
diferenciais para cada um dos distúrbios do movimento, mas ensinar a identificar o
padrão básico de cada um deles. Apesar disso, são apresentadas tabelas que podem
ser úteis nesse sentido. Os principais tipos de distúrbios do movimento são descritos
a seguir.

Tremor
Trata-se de uma hipercinesia rítmica, com contrações alternadas de grupos
musculares e seus antagonistas. Em geral, o movimento ocorre ao redor de um plano
e pode ser regular ou não quanto à frequência e à amplitude. A frequência pode ser
classificada como lenta (1 a 4 hZ), média (4,5 a 8 hZ) ou rápida (> 8 hZ); e sua
amplitude pode ser classificada como ampla, média ou fina.
Outro aspecto essencial na classificação dos tremores é se ele ocorre em
relaxamento, durante o movimento ou durante a manutenção de uma postura. Com
base nesse critério, o tremor pode ser classificado em três tipos essenciais:

• Tremor de repouso: observado com o segmento corporal em repouso


(relaxado)

• Tremor postural: observado quando o paciente assume uma postura e a


mantém (p. ex., braços estendidos formando um ângulo reto com o tronco)

• Tremor cinético ou de ação: observado quando o segmento corporal está em


movimento

• Tremor intencional: é um tipo bastante característico de tremor cinético


que ocorre ao final do movimento, quando se está próximo ao alvo a ser
atingido.

Provas para Tremores


• Prova dos Pinos
Realizada em uma bancada com 9 pinos e 9 furos de diâmetro ligeiramente maior,
trata-se de uma prova na qual o paciente deve, em tempo cronometrado, pegar os
pinos e colocar nos furos (Figura 62). O teste deve ser aplicado em ambas as mãos e a
redução do tempo de execução da tarefa é um indicador da efetividade terapêutica.
Figura 62. Teste dos 9 pinos em execução.
Fonte: Autoria própria.

• Prova da Espiral de Arquimedes


Solicita-se que o paciente desenhe uma trajetória circular, aumentando
gradativamente o raio do círculo, atingindo em torno de 7 cm de diâmetro final.
Também é possível cronometrar a prova para estabelecer a frequência do tremor do
paciente, contando o número de oscilações e dividindo o resultado pelo tempo gasto.
As oscilações são contadas a partir do número interno ou externo de projeções não
circulares, por exemplo, se houver uma linha como “VVVVV”, o número de oscilações é
igual a 5 (Figura 63).
Figura 63. Comparação de um teste normal (à esquerda) para espiral de Arquimedes com o de
uma pessoa com tremor (à direita).

Fonte: https://www.google.com/url?
sa=i&url=https%3A%2F%2Fwww.researchgate.net%2Ffigure%2FResultado-testes-
diagnostico-tremor-essenciala-Teste-de-desenho-da-espiral-
de_fig3_308900910&psig=AOvVaw2gd46ZRvCR06X0PD_z9f03&ust=15896636208520
00&source=images&cd=vfe&ved=0CAIQjRxqFwoTCKjl887ktukCFQAAAAAdAAAAABAI

Distonia
Trata-se de uma contração muscular sustentada, levando a movimentos repetitivos.
A característica principal desse movimento é a ocorrência de cocontração, ou seja, a
ação simultânea de músculos agonistas e antagonistas, de forma não harmoniosa. Os
movimentos tendem a ter preponderância direcional e, se sustentados por um longo
tempo, podem causar uma postura distônica. Distonia ocorre em membros isolada ou
generalizadamente.

Coreia, Balismo e Atetose


Movimentos involuntários aleatórios acometendo diferentes porções do corpo.
Podem superpor-se em um mesmo paciente, mas possuem características singulares.
A Tabela 11 compara suas principais características, fazendo uma breve descrição ao
final.
Tabela 11. Balismo, atetose e coreia e suas características.

CARACTERÍSTICA BALISMO ATETOSE COREIA

Sinuosa,
lembrando uma De caráter
Deslocamentos
contorção. migratório e
bruscos, semelhantes
Trajetória Normalmente errático, variando
a chutes e
ocorre em torno em intensidade e
arremessos
do longo eixo do topografia
membro afetado

Amplitude Ampla Moderada Variável

Rápida e violenta,
Velocidade e intensidade com início e fim Lenta e contínua Variável
abruptos

Segmentos proximais
dos membros,
normalmente
acometendo grandes Extremidades
Segmento corporal mais
massas musculares. distais dos Variável
comumente acometido
É comum o membros
hemibalismo, ou seja,
atingindo apenas um
dos hemicorpos

Outras - Em algumas Vem do grego


observações descrições, choreia, que
sobretudo no significa dança.
acometimento de Essa atribuição
membros lembra,
superiores, o paradoxalmente,
movimento é duas
comparado ao dos características
tentáculos de um essenciais: assim
polvo. Em geral, como a dança, o
são movimento é
acompanhados de errático e o
hiperextensão e paciente pode
flexão de dedos mexer mais de uma
parte do corpo. No
entanto, está
distante de ser um
movimento preciso
e de trajetória
calculada como o
das coreografias

Mioclonia
Contração rápida involuntária de um músculo ou grupo muscular, lembrando um
susto ou um solavanco que leva ao deslocamento. É abrupta e normalmente está
associada aos pacientes com epilepsia. Pode receber duas classificações: positiva,
quando há contração muscular abruta; e negativa, quando há a cessação súbita de
uma descarga muscular.

Tiques
Movimentos rápidos e súbitos, normalmente repetitivos e estereotipados. Além
disso, são classificados como “semivoluntários” pois, embora ocorram sem o
planejamento intencional do paciente, podem ser suprimidos pela vontade. Uma
característica marcante dos tiques consiste no fato de que eles são precedidos por
uma urgência premonitória e, quando suprimidos, normalmente causam desconforto
ao paciente.
Assemelham-se a movimentos propositais, como piscar ou elevar a asa do nariz,
dentre outros. Podem ser agravados em situações de estresse emocional ou diminuir,
quando o paciente se sente envergonhado e observado. Além disso, podem ser
simples ou complexos (mobilizando vários grupos musculares).

DISCUSSÃO DO CASO CLÍNICO 6

Síndrome Extrapiramidal Hipocinética/Síndrome


Parkinsoniana
As síndromes extrapiramidais são aquelas que acometem as vias não inclusas nos
sistemas piramidal e cerebelar. Assim, incluem lesões que interferem nas estruturas
que recebem o nome de gânglios da base, agrupados em cinco grandes núcleos
subcorticais: núcleo caudado, putâmen, globo pálido, núcleo subtalâmico de Luys e
substância negra, os quais interagem ativamente no processo de regulação do
movimento, sobretudo nos automatismos. A disfunção desses centros ocasiona
quatro grandes sintomas motores: (1) prejuízo aos movimentos voluntários, (2) tônus
anormal, (3) movimentos involuntários espontâneos anormais (referidos); e (4)
posturas e reflexos anormais. A combinação distinta desses sintomas gera dois tipos
de síndromes clínicas extrapiramidais distintas: uma hipercinética e outra hipocinética.
Na discussão deste caso, será abordada a síndrome extrapiramidal hipocinética,
também denominada síndrome parkinsoniana.
A síndrome parkinsoniana, também nomeada como parkinsonismo, condição
diferente da “doença de Parkinson”, conhecida por muitos alunos e que, na verdade, é
o subtipo mais comum de parkinsonismo (parkinsonismo primário ou idiopático), o
qual compõe aproximadamente 80% dos casos. É marcada por tremor de repouso,
rigidez, acinesia e instabilidade postural, sinais cuja predominância é variável entre os
pacientes e que serão mais bem explicados a seguir.
Já mencionada neste capítulo, a rigidez é o mesmo que hipertonia plástica,
caracterizada por um aumento uniforme da resistência à movimentação passiva.
Difere da hipertonia elástica (espasticidade) por duas grandes características: a
topografia, que é global, acometendo principalmente a musculatura direcionada aos
movimentos automáticos (axial e proximal) e a musculatura flexora, e a qualidade da
manifestação hipertônica, que independe da velocidade e da direção, que pode ser
contínua ou intermitente. Acerca da última característica, pode-se observar o sinal da
roda denteada, descrito no início deste capítulo e positivo na apresentação clínica
desse paciente. Um dos aspectos associados à hipertonia plástica é a exacerbação
dos reflexos segmentares (reflexo local de postura de Foix-Thévenard ou reação
paradoxal de Westphal), em que a movimentação passiva desencadeia uma contração
prolongada da musculatura envolvida, estabilizando aquela postura por algum tempo.
A acinesia pode ser definida como a “pobreza e lentidão da iniciação e execução de
movimentos voluntários e da dificuldade na mudança de um padrão motor para outro,
na ausência de paralisia”. Pode incluir a inabilidade em realizar atos motores
simultâneos e fatigabilidade rápida, bem como variar de espectros brandos, como a
hipocinesia, até a completa imobilidade. Cabe também mencionar o conceito de
bradicinesia, que consiste na redução da amplitude e da velocidade de execução dos
movimentos, constituindo um dos principais sinais presentes no diagnóstico da
doença de Parkinson. Na clínica, a acinesia pode ser observada em diversos sinais,
como a perda dos movimentos associados à marcha, à festinação, à micrografia e à
hipomimia (caracterizando a fácies parkinsoniana, inclusive com redução do número
de piscamentos).
Por fim, a instabilidade postural também é uma das características importantes da
síndrome extrapiramidal hipocinética, sendo frequentemente observada na clínica
tardia do parkinsonismo. Ela é uma consequência tanto da rigidez quanto da acinesia,
que modificam o padrão da postura normal e dificultam os reflexos de readaptação
postural e da trajetória da marcha, respectivamente.
Acerca do paciente em questão, é interessante reforçar que ele exibe três dos
quatro grandes componentes supracitados, estando ausente apenas a instabilidade
postural, um sinal mais tardio da doença de Parkinson. É importante reforçar a
assimetria da progressão dos sinais, que começaram à direita e permanecem piores
nesse lado, uma característica pertinente dessa enfermidade. Além disso, é
interessante informar o leitor de que o diagnóstico definitivo da doença de Parkinson é
confirmado apenas pela necrópsia, observada a despigmentação da substância negra
em clivagem de encéfalo. A observação dedicada do paciente possibilita um
diagnóstico clínico bastante acurado, motivando a adesão de medidas terapêuticas
que podem motivar drástica melhora na qualidade de vida.

CASO CLÍNICO 7
O mesmo paciente do caso anterior retorna ao seu consultório 1 ano após a
primeira consulta e, neste intervalo, havia feito 3 consultas de acompanhamento do
ajuste da dose medicamentosa, que estava sendo bem-sucedida. Nesta consulta, ele
aparece desacompanhado, relatando o falecimento da esposa após um infarto agudo
do miocárdio. Desassistido no interior, ele buscava formas de morar com a filha mais
velha, residente de Colatina (ES), uma cidade um pouco maior do que a qual ele
morava. Após alguma insistência, o paciente revela ter aumentado bruscamente as
doses de levodopa por conta própria, ingerindo dois comprimidos de
levodopa/benserazida 100/25 mg 3 vezes ao dia.
Ao exame físico, o paciente apresentava-se em regular estado geral, lúcido e
orientado no espaço e no tempo, fácies atípica, estava bem nutrido, hidratado, afebril,
anictérico, sem edemas, eupneico (FR = 16 irpm) e normocárdico (FC = 86 bpm). A
pressão arterial não foi medida em virtude da impossibilidade do paciente manter-se
em repouso.
Ao exame neurológico, apresentava cognição e comportamento normais. Exame de
sensibilidade e nervos cranianos normais. A marcha era desorientada e levemente
sinuosa, situação que tentava ser enfrentada com passos lentos cuidadosos, próximos
às paredes dos corredores. À inspeção visual, evidentes eram os movimentos
involuntários, visto que o paciente apresentava nítidos movimentos coreoatetósicos e
dificuldade de manutenção postural, movendo-se de um lado para o outro, enquanto
sentado na cadeira, e com quase nenhum controle dos membros superiores
(movimentos lentos, de média amplitude, assimétricos, não estereotipados e
ondulantes).
O paciente fora instruído acerca da importância de reduzir gradativamente as
doses da levodopa, a fim de que fossem controlados os sintomas hipercinéticos. Foi
reajustada a medicação para que, lentamente, ele voltasse à dosagem normal. Além
disso, solicitou-se que sua filha comparecesse no próximo atendimento, marcado para
o mês seguinte.

QUESTÕES PARA DISCUSSÃO


1. Qual o diagnóstico sindrômico neste caso? Quais são os critérios
diagnósticos e suas principais características?
2. Qual base neuroanatômica funcional justifica a situação na qual o paciente
se encontra?

DISCUSSÃO DO CASO CLÍNICO 7

Síndrome Extrapiramidal Hipercinética


Enquanto nas síndromes extrapiramidais hipocinéticas predominam a pobreza ou a
lentidão dos movimentos, nas hipercinéticas o componente predominante são os
movimentos involuntários, como os conceituados no tópico “Distúrbios do
Movimento”. No caso desse paciente, observa-se uma síndrome com clara prevalência
de movimentos coreicos e atetose-like, ou seja, hipercinesias ou discinesias
desencadeadas pelo uso irregular e excessivo da levodopa, provocando um estímulo
pulsátil e aumentado dos núcleos da base.
No cenário observado, é importante relembrar a função do corpo estriado na
regulação do movimento, através de suas vias direta e indireta, as quais facilitam ou
dificultam o movimento por meio da modulação final do tálamo, um dos grandes
centros em prol da excitabilidade cortical. A doença de Parkinson é resultado da
atrofia da substância negra, sítio associado à produção de dopamina e, portanto,
estratégico na regulação das vias dopaminérgicas. Nesse sentido, é essencial
estabelecer que esse neurotransmissor cumpre papel dual na intervenção sobre o
movimento, via receptores D1 (que, em última instância, facilitam o movimento, pela
via direta) e receptores D2 (que, em última instância, dificultam o movimento, pela via
indireta). Tal regulação depende de mecanismos finos e extremamente equilibrados,
os quais são complexos e resultam em movimentos adequados.
De maneira simplificada, as vias direta e indireta explicam por que o parkinsonismo
apresenta tanto sintomas hipercinéticos (como tremor) quanto hipocinéticos (como
rigidez), muito embora o componente da lentidão do movimento seja preponderante
no paciente com Parkinson não tratado. Por fim, sabendo que é principalmente sobre
essas circuitarias que atuam os agonistas dopaminérgicos utilizados no tratamento da
doença de Parkinson, que se explicam, de maneira simplificada, as duas vias. A
intenção é convidar o aluno a pensar sobre os mecanismos hiper e hipocinéticos nas
doenças que acometem os núcleos da base, região orquestrada por equilíbrio
bioquímico delicado, o qual deve ser zelado na boa terapêutica (Figuras 64 e 65).
Figura 64. Esquema da via direta do circuito motor do corpo estriado. Nele, observa-se a
atuação do globo pálido lateral e do putâmen na inibição do globo pálido medial. Esta estrutura
atua como uma grande inibidora do tálamo e, portanto, quando sua atividade é interrompida,
cessam os “freios” sobre a atividade talâmica, situação que resulta em facilitação da atividade
cortical e do movimento, componente importante das síndromes hipercinéticas. GABA.

Fonte: Autoria própria.


Figura 65. Esquema da via indireta do circuito motor do corpo estriado. Nele, observa-se a
atuação do globo pálido lateral em duas frentes de redução da atividade do globo pálido medial:
uma direta e outra pelo núcleo subtalâmico. Assim, quando o globo pálido lateral é inibido, ele
deixa de reduzir a função do globo pálido medial. Dessa forma, o globo pálido medial passa a
ter a “liberdade” de intervir no tálamo, reduzindo sua atividade e, portanto, minimizando a
ativação cortical motora. Esse cenário resulta na inibição da motricidade, componente
importante das síndromes hipocinéticas. GABA: Ácido Gama amino-butírico.

Fonte: Autoria própria.

CONCLUSÃO
Para finalizar, apresenta-se uma síntese dos conhecimentos abordados na Tabela
12, que combina as lesões em diferentes topografias da circuitaria de motricidade
com uma série de aspectos clínicos. É necessário, pontualmente, reforçar a
importância de aliar os conhecimentos básicos à prática clínica, motivando o leitor a
buscar uma propedêutica criteriosa e condizente com o saber científico. Vive-se em
um mundo de muitas informações e, como nunca, torna-se importante valorizar o
paciente, seu relato e boas fontes. Deseja-se bom proveito prático dos conhecimentos
aprendidos.
Tabela 12. Relação entre sítio anatômico da lesão e aspectos dos distúrbios motores

REFLEXOS
VOLUME E
NÍVEL FRAQUEZA TÔNUS FASCICULAÇÕES ATAXIA TENDINOSOS
CONTORNO
PROFUNDOS
REFLEXOS
VOLUME E
NÍVEL FRAQUEZA TÔNUS FASCICULAÇÕES ATAXIA TENDINOSOS
CONTORNO
PROFUNDOS

Mono, hemi,
para,
tetraparesia, Aumentados,
Lesão do trato muitas exceto se o
Espástico Normais Nenhuma Ausente
corticoespinhal vezes processo for
incompleta agudo
(distribuição
piramidal)

Focal ou
Neurônio Atrofia Focalmente
segmentar, Flácido Comuns Ausente
motor inferior comum diminuídos
bulbar

Raiz nervosa,
Focal ou Atrofia Diminuídos ou
plexo, nervo Flácido Ocasionais Ausente
segmentar comum ausentes
periférico

Às vezes,
presentes por
Difusa ou
Junção Geralmente causa do Geralmente
proximal, Ausente
neuromuscular inalterados tratamento normais
bulbar
anticolines-
terásico

Normais, Normais,
Difusa, atrofia, exceto se a
Normal ou
Músculo proximal ou hipertrofia Nenhuma Ausente fraqueza for
flácido
distal ou pseudo- muito
hipertrofia acentuada

Lesão Nenhuma
Rígido Normais Nenhuma Ausente Normais
extrapiramidal ou leve

Nenhuma. A
Lesão ataxia pode Pendulares ou
Hipotônico Normais Nenhuma Presente
cerebelar simular normais
fraqueza
REFLEXOS
VOLUME E
NÍVEL FRAQUEZA TÔNUS FASCICULAÇÕES ATAXIA TENDINOSOS
CONTORNO
PROFUNDOS

Bizarra,
Normais,
colapsante,
podendo
não há Normal
haver
perda real ou variável,
Distúrbio não deficiência do
de força, muitas vezes Normais Nenhuma Ausente
orgânico relaxamento e
pode aumentada
abalos
simular artificialmente
simulados
qualquer
irregularmente
tipo

Fonte: Campbell, 2014.

BIBLIOGRAFIA
1. Bates B, Bickley LS, Szilagyi PG. Bates Propedêutica Médica. 12. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan;
2018.
2. Campbell W. DeJong: O Exame Neurologico. 7th ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2014.
3. Fonseca Jr. NL, Lucci LMD, Rehder JRCL. Teste do gelo no diagnóstico de miastenia gravis. Arq Bras
Oftalmol. 2010; 73(2):161-4.
4. Gonçalves FG, Barra FR, Matos VL, Jovem CL, Amaral LF, delCarpio-O’Donovan R. Sinais em neurorradiologia
– parte 1. Radiologia Brasileira. 2011; 44(2):123-8.
5. Graça RC, Kouyoumdjian AJ. Expressão de antígenos MHC classe I e de células CD4 e CD8 na polimiosite e
dermatomiosite. Revista Brasileira de Reumatologia. 2015; 55(3):203-8.
. Machado ABM, Haertel LM. Neuroanatomia Funcional. 3. ed. São Paulo: Atheneu; 2006.
7. Martins MA, Carrilho FJ, Alves VAF, Castilho EA, Cerri GG. Clínica Médica - USP. 2. ed. São Paulo: Manole;
2016.
. Mutarelli EG. Propedêutica Neurológica do Sintoma ao Diagnóstico. 2. ed. São Paulo: Editora Sarvier; 2014.
9. Porto CC. Semiologia Médica. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2019.
10. Rodrigues MM, Bertolucci PHF. Neurologia para o Clínico Geral. São Paulo: Editora Manole; 2014.
Capítulo 31

Semiologia das funções corticais superiores


Autor(a): Mariana Lacerda Reis Grenfell

CASO CLÍNICO
História da Moléstia Atual: Paciente de 76 anos de idade, natural e residente
em São Paulo (SP), iniciou há cerca de 4 meses quadro de alteração de
memória, caracterizada por dificuldade de se lembrar de nomes de pessoas
conhecidas, além de ter se perdido em locais que faziam parte de seu itinerário
rotineiro. Sua esposa notou também que o paciente passou a se confundir com
dinheiro e parou de executar as tarefas rotineiras da semana, como ir ao
mercado. Há aproximadamente 1 semana, notou-se desequilíbrio com algumas
quedas da própria altura. Tais sintomas são descritos como de início insidioso e
com piora rapidamente progressiva. Nega perda ponderal e demais queixas.
Interrogatório Sintomatológico: Relata tontura discreta, ocasional, de longa
data.
História Patológica Pregressa: Hipertensão arterial em tratamento regular
com losartana 50 mg/dia.
História Familiar: Não há história familiar de doenças neurológicas.

EXAME FÍSICO
Dados Vitais: Pressão arterial (PA) – 120 × 70 mmHg; frequência cardíaca
(FC) – 74 bpm; frequência respiratória (FR) – 18 irpm; temperatura: 35,8°C.
Geral: Paciente apresenta-se em bom estado geral, corado, hidratado,
anictérico, acianótico, afebril.
Sistema Respiratório: tórax simétrico, sem deformidade, boa
expansibilidade. Murmúrio vesicular bem distribuído, sem ruídos adventícios;
paciente eupneico em ar ambiente.
Sistema Cardiovascular: Ritmo cardíaco regular, em 2 tempos, bulhas
normofonéticas, sem sopros. Pulsos simétricos, cheios.
Abdome: Plano, flácido, indolor, sem visceromegalia, com ruídos hidroaéreos
sem alterações.
Sistema Nervoso: Paciente vígil, desorientado em tempo e espaço, apatia
discreta. Exame do estado mental com uma pontuação de 15/30 com prejuízo
em orientação espacial e temporal, nomeação de objetos, memória, cálculo e
dificuldade em desenhar os polígonos. Pupilas isocóricas e fotorreagentes,
Motilidade ocular extrínseca sem anormalidades, discreto nistagmo horizontal
bilateral às miradas extremas, discreta disartria. Força muscular grau V
globalmente; reflexos osteotendinosos vivos globalmente. Dismetria discreta
bilateral; inúmeras mioclonias; nervos cranianos sem alterações. Ausência de
sinais meníngeos.

HIPÓTESE DIAGNÓSTICA
Trata-se de uma síndrome demencial rapidamente progressiva. Analisando-
se a história clínica juntamente com o exame físico, a hipótese diagnóstica
principal é doença de Creutzfeldt-Jakob (DCJ).

CONDUTA
Como em toda síndrome demencial, necessita-se afastar causas de
demências secundárias e tratáveis, sendo assim, é indicado realizar exames
laboratoriais, tais como: hemograma, função renal, hormônio tireoestimulante
(TSH), albumina, transaminases hepáticas, vitamina B12, ácido fólico, reações
sorológicas para sífilis, hepatites, e vírus da imunodeficiência humana (HIV).
Além da realização desses exames laboratoriais, no caso descrito, há
necessidade de exame de imagem, preferencialmente ressonância magnética
de crânio, punção lombar com análise do liquor e eletroencefalograma.
Resultado dos exames complementares:

• Exames laboratoriais sem alterações dignas de nota


• Liquor: límpido e incolor. Celularidade, proteína e glicose sem
anormalidades. A dosagem da proteína 14-3-3 mostrou-se aumentada

• Ressonância magnética de encéfalo: evidenciou hipersinal em FLAIR e


difusão na região do pulvinar do tálamo, conhecido como sinal do
pulvinar

• Eletroencefalograma: demonstrou alentecimento difuso da atividade


elétrica cerebral.
QUESTÕES PARA DISCUSSÃO
1. Quando desconfiar do diagnóstico de síndrome demencial?
2. Quais as alterações são perceptíveis através da semiologia?
3. O diagnóstico de síndrome demencial pode ser conformado apenas
pela semiologia?
4. Quais os instrumentos utilizados atualmente para tal diagnóstico?

DISCUSSÃO
Antes de se prosseguir com o estudo semiológico das funções corticais
superiores, é de grande valia uma breve revisão acerca destas funções, sua
correspondência cortical e das alterações potencialmente oriundas de seu
acometimento patológico.

Princípios da Neurofisiologia Cognitiva


A organização das funções cognitivas pode ser exemplificada como um
grande conjunto de redes (networks) neurofuncionais interconectadas, unindo
cada uma das diferentes regiões telencefálicas em um grande “centro de
processamento de dados”, que trabalha em sincronia constante. E o que se
pode concluir disso? Que o córtex cerebral pode ser entendido de duas
maneiras.
Primeiramente, há o conceito de uma superfície cerebral estratificada em
diferentes topografias funcionais, sendo interpretada como regiões incumbidas
de funções específicas. Esta visão é de compreensão mais ampla, tendo sido
bastante estudada no século passado por pesquisadores como Korbinian
Brodmann que, em seus estudos neurofisiológicos, definiu 52 áreas corticais
com suas respectivas funções, conhecidas até hoje como as “áreas de
Brodmann”; e Wilder G. Penfield que, juntamente com Theodore Rasmussen, em
1950, na sua obra intitulada The Cerebral Cortex of Man; a Clinical Study of
Localization of Function (O córtex cerebral do homem; um estudo clínico sobre a
localização das funções) segmentaram os córtices motor e sensitivo, tornando
possível a criação dos famosos “homúnculos de Penfield”. Esta forma de
compreensão cortical foi, certamente, a principal aprendida pela maioria dos
leitores deste livro, ainda nos primeiros períodos da faculdade, nas aulas de
neuroanatomia.
A segunda maneira pela qual pode-se compreender, não só o córtex, mas o
encéfalo como um todo, é por meio, não da estratificação, mas do somatório de
vários estratos corticais, subcorticais, truncais, cerebelares etc. em redes
menores e maiores. Estas redes são formadas, essencialmente, por: região
processadora, isto é, córtex e núcleos; região condutora (vias) do estímulo que
chega para ser processado (aferente), e do que sai para emitir uma resposta
decorrente do processamento (eferente); e pelas vias inter-redes que,
conectando uma rede à outra, viabiliza que a complexidade das funções
cognitivas humanas atue de maneira conjunta e harmônica, para que se possa
pegar uma xícara de chá, apreciar seu sabor e pelo cheiro definir se é de
camomila, incomodar-se pela alta temperatura da alça da xícara, enquanto se
fala ao telefone e resolve-se problemas do dia a dia.
Essa forma integrada de compreender as funções corticais superiores, que
ganhou expoência no início deste século e vem se desenvolvendo rapidamente,
veio para complementar aquela visão anterior de áreas corticais. Por meio das
novas tecnologias de neuroimagem e neurofisiologia, como a ressonância
magnética funcional (fMRI), tractografia, tomografia por emissão de pósitrons
(PET), magnetoencefalografia (MEG), dentre outras, foi possível perceber que,
tanto em repouso (default mode), quanto em atividade (tasks), o cérebro
humano apresenta ativação dinâmica de várias áreas cerebrais simultâneo e
sequencialmente. Tal fato permitiu determinar, por meio de padrões de ativação,
quais áreas compõem as redes responsáveis por funções complexas como
falar, pensar, mover um membro, gerar respostas emotivas em função de
contextos específicos etc.
Certo, mas por que é necessário saber de tudo isso? Porque a semiologia
atual das funções corticais superiores tem por base essas duas visões do
córtex. Ao examinar um paciente com comprometimento cognitivo de qualquer
espécie, o profisissional precisa estar apto a determinar qual (ou quais) região
encontra-se acometida e, ao receber um laudo de um exame complementar
afirmando não haver a alteração estrutural que se esperava encontrar naquele
encéfalo, deve-se compreender que a essência da patologia pode estar centrada
na disfunção de uma ou mais redes cerebrais. Além disso, muitas vezes
sintomas neurológicos e psiquiátricos sobrepõem-se, tornando-se um
verdadeiro desafio semiológico àqueles que se aventuram a explorar a
complexidade do cérebro humano. Outras vezes, a “pista” que o profissional
precisa para confirmar o diagnóstico estará no somatório final de todas essas
redes, afinal, o cérebro é um todo único e deve ser visto dessa forma ao avaliar
estes pacientes.

Conceitos de Neuroanatomia Funcional


Como foge ao escopo deste livro a abordagem anatômica propriamente dita,
apenas serão detalhados alguns aspectos cruciais de neuroanatomia para a
compreensão do exame físico.
O lobo frontal é formado em sua face lateral por quatro giros: pré-central,
frontal superior, médio e inferior; e na face medial pelo lóbulo paracentral,
importante no controle vesical. O giro pré-central representa o córtex motor. O
frontal superior contém as regiões suplementares: motora (face medial) e pré-
motora (face lateral). No frontal médio, encontram-se os campos oculares
frontais. E o frontal inferior, dividido nas partes orbital, triangular e opercular,
contém, no hemisfério dominante, a área motora da fala (de Broca).
Na porção mais anterior do lobo frontal, encontra-se o córtex pré-frontal. Este
não está restrito a marcações anatômicas como sulcos e giros, sendo uma
divisão funcional de suma importância aos seres humanos, pois ele é
responsável por funções únicas da nossa espécie, como atenção, controle de
impulsos, planejamento de tarefas (função executiva), memória de curto prazo
(working memory), circuito de recompensa e comportamentos como
agressividade e medo.
O lobo parietal é constituído por: giro pós-central, lóbulo parietal superior,
lóbulo parietal inferior, pré-cúneo e porção posterior do lóbulo paracentral. O giro
pós-central é o córtex sensorial primário, estando o córtex somatossensorial
secundário em sua parte inferior. O lóbulo superior é uma área de associação
somatossensorial, e o inferior (giros supramarginal e angular) é o córtex de
associação para as funções somatossensorial, visual e auditiva.
No lobo occipital, o sulco calcarino separa sua face medial em cúneo, acima,
e giro lingual (occipitotemporal medial), abaixo. Este lobo compõe o córtex
visual.
O lobo temporal apresenta três giros em sua face lateral: superior, médio e
inferior. Ocultos na fissura de Sílvio, na extremidade posterodorsal do giro
temporal superior, estão os giros temporais transversos (de Heschl), que
constituem o córtex auditivo primário. Adjacente a este, está o córtex de
associação auditivo que, no hemisfério dominante, constitui parte da área de
Wernicke. Na base do temporal, há outros três giros: occipitotemporal lateral
(continuação do temporal inferior), occipitotemporal medial (fusiforme) e para-
hipocampal (parte do lobo límbico).
O “lobo límbico” é considerado um lobo funcional. Seus componentes são:
hipocampo (situado na parte profunda do lobo temporal medial), contínuo com
o fórnix; corpos mamilares (parte do hipotálamo); núcleo anterior do tálamo;
giro do cíngulo; e giro para-hipocampal. As estruturas do lobo límbico são
conectadas pelo circuito de Papez (giro do cíngulo → giro para-hipocampal →
hipocampo → fórnix → corpo mamilar → núcleo anterior do tálamo → giro do
cíngulo) e têm íntima relação com diversas funções cognitivas, destacando-se
seu papel no controle de emoções, sentimentos e memória. O rinencéfalo, outra
porção límbica, é uma região primitiva associada ao olfato e à emoção. É
constituído por: bulbos e tratos olfatórios, estria olfatória, trígono olfatório
(tubérculo olfatório, substância perfurada anterior e faixa diagonal de Broca),
lobo piriforme (úncus, área entorrinal e límen da ínsula) e parte do corpo
amigdaloide, podendo conter a formação hipocampal (hipocampo, giro dentado
e subículo).
Além dessa divisão da superfície cortical, o cérebro também é dividido, em
sua profundidade, em seis camadas corticais. Tendo cada uma sua função
dentro de cada área supracitada. Ademais, ainda mais profundamente,
intimamente relacionadas a estas camadas há as fibras comissurais (inter-
hemisféricas), fibras de associação (fascículos) curtas de longas (interlobares)
e fibras de projeção aferentes e eferentes (cortico-subcortical). Estas estruturas,
formadas por grupamentos axonais, são as responsáveis pela interconexão
entre todas as áreas cerebrais, constituindo fisicamente as networks cerebrais.

Semiologia das Funções Corticais Superiores


Tendo por base todos esses conceitos, finalmente serão abordadas as
funções corticais superiores (FCS) e como examiná-las.
De uma forma mais ampla, o exame das FCS analisa a consciência. Esta
pode ser compreendida como a forma pela qual o ser humano é capaz de
reconhecer a si próprio, como um indivíduo, e de interagir com o meio que o
cerca. Pode-se dividir a consciência em dois componentes:

• Nível de consciência: compreendida como “quantidade” de


consciência, ou seja, reflete o grau de alerta do paciente, podendo
variar de vígil a comatoso

• Conteúdo de consciência: entendida como “qualidade” da consciência.


É o objeto central de estudo neste capítulo, pois reflete o somatório de
todas as FCS do indivíduo e sua capacidade de interagir com outras
pessoas por meio delas.
Para fins didáticos, as funções corticais superiores serão divididas em:

• Comportamento
• Julgamento e autocrítica
• Raciocínio abstrato
• Funções executivas
• Atenção
• Orientação
• Memória
• Cálculo
• Linguagem
• Inteligência.

Exame do Estado Mental (EEM)


Tem a função de determinar se o paciente possui doença neurocognitiva
e/ou psiquiátrica, e/ou tem potencial para patologias neurológicas (este exame
será intitulado EEM neurológico) ou transtornos psiquiátricos. Embora este
último não seja o foco da discussão, deve-se ter conhecimento de que os
pacientes podem ter doença psiquiátrica causadora de sintomas neurológicos
como, por exemplo, transtorno dissociativo, depressão ou transtorno conversivo,
entre outras; ou doença neurológica de base que curse com sintomas
psiquiátricos, como os casos de depressão após acidente vascular cerebral
(AVC).
O exame das funções corticais superiores começa ao primeiro contato visual
com o paciente e representa a chave para avaliação dessas funções. Ao ver o
paciente que adentra a porta do consultório, podem-se notar aspectos de seu
estado mental pela forma como se veste, se porta, se movimenta e fala.
Sempre será necessário realizar o EEM completo? Certamente não. O que se
deve sempre fazer é atentar para o comportamento do indivíduo durante a
consulta e, caso haja alguma anormalidade pela interação, aí sim indica-se o
EEM completo. Outra situação que exige a execução do exame formal é quando
o paciente ou a família queixam-se de alterações cognitivas, ou quando pela
história clínica não é possível afastá-las.
Como fazer este exame? A base do EEM é a própria anamnese que, somada
à inspeção e ao exame físico neurológico completo, pode indicar diversas
suspeitas diagnósticas. Munidos destas suspeitas, passa-se para a segunda
etapa do EEM: as ferramentas de questionários e escores elaborados e
validados para uso com diferentes populações de pacientes. A depender do
questionário empregado, pode-se avaliar de forma mais ou menos completa,
uma ou mais funções psíquicas do indivíduo; estes questionários serão
devidamente esmiuçados nos tópicos correspondentes a cada função. A
escolha de qual deles empregar será direcionada à suspeita diagnóstica
levantada pela anamnese.
Durante a anamnese, deve-se guiar o paciente por meio de perguntas e
busca ativa de sintomas que possam predizer transtornos neuropsiquiátricos
(Tabela 1).
Tabela 1 Perguntas relevantes para a avaliação neuropsiquiátrica.

COMPONENTE
PERGUNTAS SINTOMAS PERGUNTAS
AVALIADO

“Esquece fatos “Sente tristeza?”


do dia a dia?” “Chora sem motivo?”
“Tem dificuldade “Sente falta de
em memorizar Depressão ânimo/prazer?”
recados?” “Tem alteração de sono?”
“Repete “”Apresentou alteração de
perguntas?” “Tem peso?
MEMÓRIA
dificuldade para
lembrar-se de
“Preocupa-se em excesso?”
compromissos?”
“Tem dificuldade de iniciar o
“Esquece onde
Ansiedade sono?”
guardou objetos?”
“Angustia-se ao ficar
“Esquece itens de
sozinho?”
compra?”

FUNÇÕES “Tem dificuldade “Parece menos ativo que o


EXECUTIVAS em tomar habitual?”
decisões?” “Parece menos
Apatia
“Tem dificuldade espontâneo?”
em resolver Falta iniciativa para
problemas conversar?
cotidianos?”
“Apresenta
dificuldade em
lidar com
dinheiro?”
“Tem dificuldade
de atenção e/ou
concentração?”
“Notou perda de
iniciativa?”
“Tem dificuldade
em planejar
eventos?”
“Faz julgamento
inadequado de
situações?”
COMPONENTE
PERGUNTAS SINTOMAS PERGUNTAS
AVALIADO

“Faz comentários grosseiros


ou piadas que não fazia?”
“Tem Comportamento/faz
comentários sexuais
Desinibição inadequados?”
“Apresentou mudança de
comportamento alimentar?”
“Apresentou mudança da
personalidade?”

“Tem dificuldade
“Anda sem rumo?”
para se orientar
“Faz coisas repetidas como
em locais
Comportamento abrir/fechar gavetas e
familiares?”
motor anormal armários?”
“Apresenta
“Remexe em coisas à sua
dificuldade em
volta?”
reconhecer
rostos?”
GNOSIAS E “Tem dificuldade
PRAXIAS em dirigir
veículos?”
“Tem dificuldade
“Tem acessos de raiva?”
para se vestir?”
Irritabilidade “Está mais
“Tem dificuldade
teimoso/irritadiço?”
em pentear-se?”
“Tem dificuldade
para usar objetos
comuns?”

LINGUAGEM “Tem dificuldade “Acredita que os outros o


para encontrar estão perseguindo?”
Delírios¹
palavras?” “Tem ciúme imotivado e
“Tem dificuldade excessivo?”
com nomes de
pessoas e/ou
objetos?”
COMPONENTE
PERGUNTAS SINTOMAS PERGUNTAS
AVALIADO
“Apresenta
“Ouve vozes ou enxerga
dificuldade para
coisas que não existem?”
explicar as Alucinações²
“Conversa com pessoas que
coisas?”
não estão presentes?”
“É pouco
objetivo?”
“Tem dificuldade
de
compreensão?”
“Tem dificuldade
de pronúncia?”
“Apresenta
dificuldade para “Vê animais que não
Ilusões³
ler/escrever?” existem em um quadro?”
“Tem dificuldade
para repetir
frases?”
“Troca sílabas?”
“Apresenta
empobrecimento
do vocabulário?”

¹É a alteração do juízo da realidade com crenças falsas. ²É a percepção de um


objeto sem que ele esteja presente. ³É a percepção deformada de objeto real e
presente.

Outra ferramenta de grande importância para o EEM ainda mais utilizada e


conhecida que os questionários específicos são os instrumentos de
rastreamento. Estes são compostos por perguntas e atividades de fácil
execução, favorecendo, portanto, seu emprego por todos os médicos a despeito
de suas especialidades ou áreas de atuação. Como o nome prediz, são
questionários para rastreamento de populações suspeitas e suscetíveis ao
comprometimento cognitivo, cujo resultado não é suficiente para concluir nem
descartar o diagnóstico, mas sim para indicar a necessidade de uma
investigação mais minuciosa e detalhada acerca do estado mental do paciente.
Dentre as ferramentas de rastreamento mais empregadas está aquela que
certamente é conhecida pela maioria dos médicos ao final do seu curso, o
Miniexame do Estado Mental (MEEM; “minimental”) (Figura 1). Este questionário
foi elaborado por Foltein et al., em 1975, e leva cerca de 10 minutos para ser
aplicado, sendo constituído por uma série de perguntas com pontuações
específicas de acordo com o desempenho em cada item. A pontuação máxima
é 30, sendo o desempenho normal mínimo dependente da idade e do nível de
escolaridade. Apesar de divergências na literatura acerca do ponto de corte,
para fins práticos pode-se empregar de 24 a 27. As divergências são
apresentadas na Tabela 2.
Figura 1. Miniexame do Estado Mental

(Fonte: Lenardt et al., 2009.)

Deve-se lembrar que o MEEM é um instrumento de triagem para quadros de


suspeita de síndromes demenciais e que ele sozinho não confirma diagnóstico
dessas patologias. Esse instrumento serve para direcionar na investigação de
quadros suspeitos dessa síndrome e auxiliar na investigação de pacientes com
queixas cognitivas.
Como teste de rastreamento que é, o MEEM oferece apenas um panorama
da função cognitiva, não avaliando nenhuma função em detalhes. Conforme os
resultados alterados no MEEM, deve-se indicar prosseguimento na investigação
de um quadro suspeito de comprometimento cognitivo. Deve-se avaliar
minuciosamente a necessidade de exames de maior acurácia diagnóstica,
assim como alguns resultados aparentemente normais não são capazes de
descartar completamente a suspeita diagnóstica, também indicando uma
avaliação complementar.
Tabela 2. Pontos de corte do Miniexame do Estado Mental por idade versus escolaridade.

Idade (anos) 55 a 60 a 65 a 70 a 75 a 80 a
85
Escolaridade 59 -64 -69 -74 -79 -84

9 a 12 anos de idade ou 28 28 28 27 27 25 26
ensino médio completo (2,2) (2,2) (2,2) (1,6) (1,5) (2,3) (2,0)

Ensino superior completo ou 29 29 29 28 28 27 27


incompleto (1,5) (1,3) (1,0) (1,6) (1,6) (0,9) (1,3)

Adaptada de Crum RM et al., 1993.

Outro importante instrumento de rastreamento, bem menos famoso que o


MEEM, porém, de maior sensibilidade diagnóstica para transtorno cognitivo, é o
Montreal Cognitive Assessment (MoCA) (https://www.mocatest.org) (Figura 2).
Este possui a mesma pontuação máxima do MEEM (30 pontos) e seu limite
inferior de normalidade é de 26 pontos (para pacientes com escolaridade
inferior a 12 anos de idade, deve ser adicionado 1 ponto ao escore final). A sua
vantagem em relação ao MEEM é a de conseguir sugerir mais precocemente
diagnóstico de comprometimento cognitivo, aumentando, assim, sua
sensibilidade. Porém, este também não é um teste diagnóstico.
Figura 2. MoCA teste.
(Fonte: https://www.mocatest.org.)

Foram descritos aqui os testes de rastreamento mais amplamente


empregados na prática clínica, porém, cabe ressaltar que existem mais de uma
dezena destes instrumentos, cada um com vantagens e desvantagens em
relação aos demais. Vale a pena ter, ao menos, conhecimento da existência
deles.
Quando nem a anamnese, nem os testes de rastreamento ou os
questionários diagnósticos realizados no seu consultório são capazes de fechar
um diagnóstico, ou deixam dúvidas quanto aos seus resultados? Neste
momento, deve-se indicar a avaliação neuropsicológica, que é realizada por um
neuropsicólogo e consiste na aplicação de uma bateria de testes para cada
função cognitiva. Tal avaliação é de suma importância e auxílio na investigação
de casos com comprometimento cognitivo.

Comportamento
A análise comportamental é a conclusão da inspeção, associada às
informações obtidas na entrevista. De certa forma, o comportamento de uma
pessoa pode ser previsível, pois, apesar de ser algo bastante individual, deve
respeitar normas sociais e culturais nos meios em que ela se insere, além de
tender a uma continuidade relativamente estável, sem que haja mudanças
bruscas e/ou inexplicáveis em comportamentos previamente existentes.
Assim sendo, estas informações devem ser preferencialmente coletadas na
presença de um acompanhante que tenha contato direto e de longa data com o
paciente, para que possa relatar mudanças em seu padrão comportamental. Por
exemplo, para uma pessoa que era introspectiva e reservada, contar piadas e
fazer brincadeiras com desconhecidos é um comportamento aberrante, ao
passo que, para uma pessoa extrovertida e brincalhona, um comportamento
recluso é anormal. Se necessário, para melhor avaliação, deve-se solicitar que,
em consulta subsequente, o acompanhante do paciente seja uma pessoa de
mais próximo convívio.
Alguns comportamentos são, contudo, anômalos em quase qualquer
contexto e chamam a atenção do examinador independentemente do passado
comportamental do paciente. Como, por exemplo, assediar pessoas na rua,
retirar roupas em locais públicos, agredir outros indivíduos de forma imotivada
etc.

Julgamento e Autocrítica
A avaliação da autocrítica considera a relação do indivíduo com a sociedade
na qual ele vive, tendo em vista sua própria percepção de certo ou errado acerca
daquilo que ele faz dentro das regras sociais às quais está submetido. Isso
pressupõe que, ao efetuar tal avaliação, o médico deve estar ciente da condição
social, econômica e cultural do paciente.
A avaliação do julgamento perpassa a necessidade de propor uma situação
de conflito ao paciente a fim de que ele decida a melhor opção para sua
resolução. Por exemplo, cria-se um cenário catastrófico, com vítimas que
podem ser salvas pelo paciente, sem que isso lhe ofereça riscos, e pergunta-se
a ele qual seria sua atitude; naturalmente espera-se que ele vá ajudar; da mesma
maneira, apresenta-se uma situação em que ele se encontre em um cinema
fechado, no qual comece a sentir o cheiro de fumaça, perguntando-lhe sua
atitude. Outra forma de avaliar a autocrítica é perguntar ao paciente se ele está
ou não doente. A capacidade de reconhecer a própria doença já prediz que o
paciente possui insight.
Pacientes com diminuição da capacidade de julgamento podem apresentar
comportamento impulsivo ou impróprio. Lesões nas regiões orbitofrontais
podem comprometer o julgamento, e a ausência de consciência da doença, a
ponto de negar qualquer incapacidade, pode ocorrer nas lesões parietais não
dominantes.

Raciocínio Abstrato
A avaliação do raciocínio abstrato consiste em avaliar a capacidade do
paciente em encontrar semelhanças e diferenças entre objetos, construir
analogias e fazer interpretações (para isso, geralmente utilizam-se provérbios e
aforismos).
As semelhanças e diferenças são perguntas em relação a objetos da mesma
classe ou correlatos, por exemplo, “qual a semelhança entre uma maçã e uma
banana (ambas são frutas), um carro e um avião (ambos são meios de
transporte)” etc.; “qual a diferença entre mentira e erro (uma é voluntária e o
outro não)” etc. Para testar a capacidade de fazer analogias, pode-se perguntar:
“A mesa está para a perna assim como o carro está para quê?”. Além disso, o
paciente pode ser incapaz de interpretar um provérbio ou pode fazer uma
interpretação concreta ou literal. O comprometimento da abstração é mais
comum nos distúrbios frontais.

Funções Executivas
Atribuídas ao lobo frontal, sobretudo em sua porção mais anterior (córtex
pré-frontal), são uma das mais nobres funções corticais superiores, pelo seu
papel crucial na capacidade humana de ser “pensante”. Ela representa a
habilidade do nosso cérebro de selecionar todas as informações, mas apenas
as necessárias, de cada mínima subárea encefálica e interpretá-las, gerar um
contexto e uma resposta; com isso ela realiza uma organização de alto nível, e
executa pensamentos, comportamentos complexos, planejamento, memória
operacional, atenção, solução de problemas, raciocínio verbal, inibição,
flexibilidade mental, execução de multitarefas, início e monitoramento de ações.
A disfunção do lobo frontal pode ser sutil, tanto que os testes cognitivos
realizados podem ser incapazes de identificar grandes disfunções frontais. Por
isso, do ponto de vista comportamental, a melhor avaliação consiste em
comparar a personalidade e o comportamento anteriores do paciente com os
atuais. Alguns testes para função executiva usados com frequência são o Teste
Wisconsin de Classificação de Cartas (Wisconsin Card Sorting Test), Bateria de
Avaliação Frontal (FAB), a fluência verbal por geração de lista de palavras, testes
de inibição da resposta, como o teste de interferência de cores e palavras de
Stroop e o teste pequeno-grande.
O Teste Wisconsin de Classificação de Cartas é usado para verificar a
capacidade de alternância inter-tarefas. Nele, o paciente deve descobrir, à
medida que o realiza, qual é a série esperada de cartas por cor, formato ou
número e, logo após descobrir, o padrão é modificado e ele deve se adaptar à
nova categoria. Uma alternativa mais simples consiste em pedir que o paciente,
por meio do reconhecimento de um padrão lógico, diga em qual mão estará a
moeda na próxima jogada (p. ex., na primeira vez, a moeda está na mão direita,
na segunda, na esquerda, na terceira, na direita, onde estará na quarta?), em
seguida, o padrão é trocado e o paciente tem que ser capaz de mudar o seu
raciocínio quanto ao padrão.
A perseveração é a repetição inadequada de palavras e ações realizadas.
Este paciente tem dificuldade de abandonar o padrão inicial e tende a
perseverar, repetindo sempre a mesma resposta. Um dos instrumentos para
avaliação desta capacidade é o teste de trilhas, no qual o paciente é orientado a
ligar letras ou números sequenciais, espalhados em uma página (p. ex., A-B-C/1-
2-3) ou a alternar a ligação entre letras e números (p. ex., A-1-B-2-C-3). Outro
teste de habilidade de alternância consiste em pedir ao paciente para escrever
uma série de letras M e N unidas, sem errar a sequência. Tarefas de cópia que
envolvam figuras com várias voltas, como o teste da espiral de Arquimedes,
também podem acusar perseveração ao notar que o paciente se mantém
fazendo voltas além do necessário.
Outra característica marcante da “frontalização” (acometimento patológico
do lobo frontal) é a desinibição, ou seja, o paciente age de forma impulsiva, sem
controle sob sua resposta. No teste “pequeno-grande”, as palavras pequeno e
grande são escritas em letras maiúsculas e minúsculas; o paciente deve ler em
voz alta, quando a palavra estiver escrita em letras maiúsculas, mesmo que
esteja escrito “pequeno”, e vice-versa. Um teste semelhante consiste em
escrever nomes de cores em cores diferentes, por exemplo, escrever azul com
tinta vermelha, e depois pedir ao paciente que diga a cor da tinta, e não do nome
da cor escrita.

Atenção
Exerce um papel-chave para a cognição como um todo, isso porque o
paciente que não consegue prestar atenção ao que lhe é dito, pedido ou
mostrado fatalmente apresentará déficits de memória, orientação, funções
executivas etc. Por isso não é possível atribuir alterações identificadas em
testes cognitivos a uma disfunção cortical, caso o paciente esteja desatento.
Cuidado deve ser tomado quanto àquilo que se entende como atenção. O
paciente pode se apresentar vígil, alerta, falando fluentemente e relatando suas
queixas, mas estar profundamente desatento, distraído e incapaz de se
concentrar.
A base neuroanatômica da atenção é bastante complexa e está associada a
múltiplas estruturas encefálicas. Primeiramente, há a participação do sistema
ativador reticular ascendente (SARA), responsável pela manutenção do estado
de vigília; este ativa o córtex cerebral por meio das fibras da formação reticular
mesencefálica e dos núcleos intralaminares do tálamo. Lesões nessas regiões
podem resultar desde transtornos de atenção até o coma, sendo
frequentemente observadas nas encefalopatias tóxica e metabólica; estas
manifestam-se precocemente com desatenção, progredindo para acometimento
do nível de consciência e resultandor em coma.
Além do SARA, a região pré-frontal, responsável pelos planejamentos motor e
comportamental, tem papel importante na manutenção da atenção, além de
estar associada ao circuito de recompensa, fundamental na construção de
memórias e aprendizado. Lesões pré-frontais podem desencadear desde
dificuldade de concentração até alterações comportamentais importantíssimas.
Por fim, há o lóbulo parietal inferior direito, crucial para a percepção espacial
e para a atenção corporal. Mas por que o direito? Pois, assim como a linguagem,
a atenção é lateralizada, sobretudo no que tange às áreas de associação, nas
quais se enquadram segmentos das regiões frontotemporoparietais. O
hemisfério direito sofre maior influência dos estímulos visuoespaciais,
apresentando maior representatividade que o esquerdo na manutenção da
atenção espacial. As regiões frontoparietais esquerdas, por sua vez, são
responsáveis por direcionar a atenção ao hemisfério contralateral. Por conta
disso, o hemisfério direito assume o controle da percepção de ambos os lados.
Consequentemente, lesões à esquerda causam déficit parcial de atenção, já que
o hemisfério direito o compensará; e lesões em região parietal direita, junção
temporoparietal e córtex frontal inferior direito cursarão com heminegligência à
esquerda. Esta é considerada um déficit de atenção e pode acometer dois
domínios: o proprioceptivo, cursando com a negligência corporal, e o
visuoespacial, cursando com a negligência visuoespacial.
Na negligência corporal, o paciente não reconhece a metade esquerda de
seu corpo como sendo sua, por conta disso ele não terá asseio com seu dimídio
esquerdo, por exemplo, barbeando-se apenas à direita, ou não escovando os
dentes nem banhando em seu hemicorpo esquerdo.
Na negligência visuoespacial, por sua vez, o paciente não reconhece
componentes do espaço ao seu redor, que estejam posicionados à sua
esquerda, como pessoas ou objetos. Neste caso, o paciente pode deixar, por
exemplo, de comer a comida da metade esquerda de um prato, ou desenhar
apenas a metade direita de um desenho. Ao solicitar que ele leia um texto, irá
fazê-lo somente até a metade direita do papel.
A avaliação das negligências pode ser feita facilmente no consultório. Um
dos testes consiste em desenhar uma linha horizontal no papel e pedir ao
paciente para marcar o centro da mesma, aqueles com heminegligência
marcarão o meio da metade direita da linha. Pode também ser feito o teste de
cancelamento de alvos visuais, no qual é apresentado um papel com várias
letras de disposição randômica, e solicitado ao paciente para marcar apenas as
letras-alvo (p. ex., letras “A”); em caso de negligência, ele será incapaz de
detectar os alvos à esquerda. Por fim, o teste do desenho também é uma
alternativa interessante. Pede-se ao paciente para desenhar um objeto como
uma casa, ou uma flor, e o mesmo irá fazer apenas a sua metade direita.
Para testar os demais domínios da atenção, uma bateria de testes pode ser
aplicada. O Digit Span Test (DS), que pode ser direto (foward) ou inverso
(backward), é um bom teste de atenção, concentração e memória imediata.
Neste, o médico fala ao paciente uma sequência crescente de números, que não
podem seguir uma ordem lógica ou padrão (p. ex., 1-5-9 ou 4-6-8-9 são
sequências adequadas; 1-2-3 ou 2-4-6 são inadequadas); inicia-se com 3 ou 4
dígitos, aumentando-se progressivamente de acordo com o desempenho do
paciente; os números da sequência devem ser falados no ritmo de um por
segundo. O paciente deve repeti-los na ordem que foram ditos, no DS direto, ou
na sequência inversa à ordem falada no caso do DS inverso. O DS na ordem
inversa é substancialmente mais complexo que o direto, pois exige também
uma memória operacional preservada, além da capacidade de reter e processar
corretamente a sequência de números.
As sequências numéricas corretamente repetidas para um desempenho
satisfatório é de 5 a 9 dígitos (média de 7) na ordem direta e 4 a 6 (média de 5)
na ordem inversa; o desempenho na prova inversa não deve ser superior a 2
dígitos a menos que na ordem direta (p. ex., se na prova direta o resultado foi de
14 dígitos, na prova inversa ele deve ser de até 12).
Outro teste de atenção consiste na elaboração de uma tarefa em três etapas.
O médico deve solicitar ao paciente que execute ininterruptamente uma tarefa
sequencial composta por três etapas distintas e consecutivas. Por exemplo,
“Pegue esta folha com sua mão direita, dobre ela ao meio e coloque-a no chão”
(parte do MEEM), ou “corte este papel ao meio, corte a metade ao meio e repita
novamente, até que haja três tamanhos diferentes de papel”, podendo haver
variantes destes comandos, desde que seguindo a ordem de realizá-los em três
etapas.
A última dimensão da atenção é o controle mental e a concentração. Estes
domínios exigem do paciente não apenas a capacidade de realizar tarefas
complexas, mas também de agrupar diversos componentes intelectuais e
manipular cada um e todos eles da forma correta para obter sucesso na tarefa.
Nesta dimensão, não apenas a atenção está envolvida, mas também a memória
(que será discutida adiante), sobretudo a memória operacional. Os testes para
avaliação do controle mental e da memória operacional incluem: tarefas
sequenciais de três ou sete etapas, soletrar a palavra MUNDO de trás para frente
(parte do MEEM) e dizer os dias da semana ou meses do ano em ordem inversa
(sendo normal a conclusão em até 30 segundos para adultos).
Em casos mais complexos, ou de limitação quanto à avaliação ambulatorial,
pode ser necessário utilizar a avaliação neuropsicológica específica dos
subtipos de atenção.

Orientação
Relaciona-se à capacidade do indivíduo em reconhecer e compreender a
existência de si próprio, do meio que o cerca e da relação que ele estabelece
com este meio, além da capacidade de discernimento temporal. Ou seja, o
paciente tem que ser capaz de dizer quem ele é, onde está e em qual data se
encontra. Alguns autores trazem ainda o conceito de reconhecimento do self,
insight ou introvisão como quarto componente da orientação; neste caso o
paciente deve ser capaz de compreender a situação na qual se encontra, como
um todo.
A orientação habitualmente é avaliada no início do EEM; o MEEM, por
exemplo, inicia-se com a orientação temporoespacial. Ademais, é muito comum
que uma das primeiras queixas que leva o paciente ao consultório, juntamente
com o “esquecimento”, é a de que ele está desorientado, perdido, não reconhece
os lugares etc. Logo vê-se que orientação e memória caminham juntas,
frequentemente fazendo parte do mesmo continuum, quando acometidas.
Há situações, contudo, nas quais a orientação como um todo não está
acometida, mas apenas um de seus componentes, daí a importância de fazer
perguntas direcionadas a cada um deles, e até mesmo dentro de um
componente (p. ex., o tempo), fazer perguntas mais e menos difíceis para
avaliar a extensão do acometimento (Tabela 3). O paciente pode saber o dia da
semana, mas não o ano, assim como pode saber a estação do ano, mas não o
mês exato; por outro lado, apesar de temporalmente desorientado, ele pode
estar perfeitamente orientado quanto ao lugar. Na avaliação temporal, a
pergunta de maior detalhamento consiste em solicitar ao paciente que estime a
hora exata, a maioria deles é capaz de fazê-lo com uma margem de erro de até
meia hora. Em caso de acometimento patológico da orientação, o primeiro
domínio perdido é o temporal, seguido do espacial e, muito raramente da
desorientação em relação à própria pessoa.
Tabela 3. Perguntas para avaliar a orientação.

TEMPO LUGAR PESSOA


“Em que ano “Em que bairro nos “Qual é o seu nome?”
estamos?” encontramos?”

“Qual o mês atual?” “De qual cidade?” “Onde trabalha?”

“Qual é o dia do
“Em qual estado/país?” “O que gosta de fazer?”
mês?”

“Que lugar especificamente é


“Qual o dia da este que nós estamos “Do que você não
semana?” (consultório, hospital, pronto- gosta?”
socorro etc.)?”

“Que horas são “O que está sentindo


agora?” agora?”

“Em qual estação “Você tem algum


do ano nós sonho/ objetivo de
estamos?” vida?”

Memória
Esta função cortical é uma das mais complexas do organismo humano,
sendo a pedra angular do que chamamos de conhecimento e aprendizado. Por
ser uma função cerebral de altíssima complexidade, o conhecimento e o estudo
da memória têm muitas lacunas a serem preenchidas, motivando uma
crescente quantidade de estudos que tentam buscar respostas para essas
dúvidas. Por conseguinte, a visão que se tem atualmente da memória
certamente é diferente daquela que se terá daqui a cinquenta anos.
Tendo em vista a grande representatividade da memória para todas as
atividades cognitivas, ela invariavelmente precisou ser dividida de diversas
formas, classificações e sistemas, para possibilitar uma compreensão mais
palpável de cada uma de suas múltiplas dimensões (Tabela 4).
Tabela 4. Principais sistemas de memória clinicamente relevantes.

SUBTIPO DÉFICIT NOS PATOLOGIAS


QUEIXAS PRECOCES DO
DE TESTES NEUROANATOMIA COMUMENTE
PACIENTE/ACOMPANHANTE
MEMÓRIA COGNITIVOS ASSOCIADAS
SUBTIPO DÉFICIT NOS PATOLOGIAS
QUEIXAS PRECOCES DO
DE TESTES NEUROANATOMIA COMUMENTE
PACIENTE/ACOMPANHANTE
MEMÓRIA COGNITIVOS ASSOCIADAS

Verbal: não
Doença de
recordar da
Alzheimer,
narrativa oral,
Lobos temporais encefalite
Verbal: não consegue se não recordar
mediais, circuito de herpética,
recordar do café da manhã de da lista de
Papez deficiência de
hoje ou do destino da viagem palavras
Verbal: esquerda tiamina,
Episódica mais recente Visual: não
predomina sobre esclerose
(declarativa) Visual: não consegue recordar recordar da
direita hipocampal,
em qual armário ficam os cópia da
Visual: direita distúrbio
pratos ou o lado da rua ou o figura, não
predomina sobre hipóxico-
local da farmácia recordar da
esquerda isquêmico,
localização da
demência por
figura no
corpos de Lewy
espaço

Não consegue recordar o


número de semanas em um
ano ou identificar a raça do Base do
cachorro da família; identifica conhecimento Degeneração
Semântica a maioria dos itens geral, não Lobos temporais frontotemporal
(declarativa) domésticos como “coisa”; tem nomeação de anterior e inferior lobar, doença de
dificuldade para nomear figuras, Alzheimer
objetos; apresenta fluência
empobrecimento do
vocabulário
SUBTIPO DÉFICIT NOS PATOLOGIAS
QUEIXAS PRECOCES DO
DE TESTES NEUROANATOMIA COMUMENTE
PACIENTE/ACOMPANHANTE
MEMÓRIA COGNITIVOS ASSOCIADAS

Doença
cerebrovascular,
degeneração
Não consegue se lembrar de
lobar
números de telefone Estruturas
frontotemporal,
imediatamente após ouvi-los; Digit span, subcorticais do
Operacional demência por
não consegue realizar uma cálculo córtex pré-frontal,
(declarativa) corpos de Lewy,
série de pedidos simples após mental córtex de
demência por
transitar de um quarto para o associação parietal
doença de
outro
Parkinson,
traumatismo
cranioencefálico

Doença de
Não consegue se lembrar de
Núcleos da base, Parkinson,
Processual como abotoar suas camisas;
Não é testado cerebelo, área degeneração
(não não consegue dirigir um carro
rotineiramente motora cerebelar,
declarativa) como fazia antes (sem
suplementar doença de
déficits motores associados)
Huntington

Adaptada de Matthews, 2015.

A despeito de ser um tema extremamente controverso na literatura, será


adotada a seguinte classificação para as memórias: memória sensorial,
memória de trabalho e memória de longa duração.
A memória sensorial torna possível assimilar e absorver informações que
chegam através dos sentidos visuais, auditivos, gustativos, olfativos, táteis ou
proprioceptivos. Possui uma duração curtíssima (memória ultrarrápida) e é
capaz de registrar muito mais estímulos do que se consegue verdadeiramente
recuperar, pois para evocação da informação torna-se necessária a memória de
trabalho, cuja capacidade de registro é substancialmente reduzida em relação à
memória sensorial. Contudo, apesar da maior capacidade de reter informações,
apenas uma parte de todos estes dados que ficam retidos na memória sensorial
são conscientes para o indivíduo.
Outro aspecto marcante desta memória é sua natureza essencialmente
elétrica, ou seja, o estímulo desencadeia sinapses nas áreas de associação,
gerando uma memória superficial, porém, sem incorrer em mudanças
morfológicas na região. A consequência disso é a efemeridade da memória
sensitiva. A sensação percebida pelo estímulo somente permanece enquanto o
mesmo estiver presente; ao cessar os disparos elétricos, a informação esvai-se
e para-se de perceber aquela imagem, cheiro, som etc. É por isso que o cheiro
de um perfume, pode lembrar uma pessoa ou um momento, mas não é possível
sentir o cheiro novamente, a menos que se exponha ao perfume, ou seja, a
memória sensitiva do olfato, assim como dos demais órgãos, não existe sem
que o mesmo esteja ativo. A memória visual (icônica) é retida por até 500
milissegundos, enquanto a auditiva (ecoica) dura até 20 segundos, por fim,
todas as modalidades de memória sensorial esvaem-se por completo em
menos de 30 segundos, e por isso são classificadas como ultrarrápidas.
A memória de trabalho (memória operacional ou working memory) é um
subtipo especial de memória, pois vai ao encontro ao que se espera de uma
função mnésica, uma vez que ela não apenas armazena informações, como
também as processa, associa a outras funções cognitivas e gera uma resposta,
sendo componente-chave da função executiva. Ademais, ela apresenta
características semelhantes à memória sensitiva quanto à duração, sendo
também ultrarrápida (poucos segundos), e quanto à sua capacidade limitada de
armazenamento, ambas relacionadas à sua natureza também elétrica. Sua
duração ultrarrápida advém do fato dela viabilizar o armazenamento de
determinada informação apenas enquanto se faz uso da mesma, sendo
deletada logo em seguida. Exemplo clássico desta função é o armazenamento
temporário de números telefônicos; se você quer pedir comida para entrega,
primeiro olha o número do estabelecimento no catálogo, em seguida se dirige
ao telefone e digita-o, esquecendo antes ainda de te atenderem. Quando a
informação temporariamente armazenada deixa de ser útil ela é descartada e,
normalmente, esquecida. É claro que pode-se acabar não esquecendo, mas isso
dependerá da motivação em armazenar aquela informação. Portanto, caso seja
de interesse, pode-se transformar em memória duradoura.
Outra atribuição importantíssima desta memória é estabelecer comparações
entre informações novas que chegam pelas vias aferentes, com informações
antigas, armazenadas em nossa memória de longo prazo. Contudo, a
capacidade da memória operacional de evocar informações da memória
consolidada é consideravelmente limitada, pois a quantidade de dados
armazenados na memória antiga é muito superior à quantidade suportada pela
memória de trabalho. Portanto, ela gerencia as informações da memória de
longo prazo, trazendo à consciência, de maneira sequencial e ordenada, apenas
os dados necessários, criando, assim, um fluxo de pensamento coerente,
proporcionando a criação de ideias lógicas.
A memória de longa duração (ou remota), por sua vez, é aquilo que vem à
mente quando se pensa em memória. Ela é responsável por armazenar
informações por longos períodos de tempo, algumas pelo resto da vida. E sua
grande característica é exatamente armazenar informações por tempo
indeterminado. Porém, para que isso seja possível, é necessário que a
informação contida na memória seja continuamente reforçada ao longo do
tempo; por exemplo, se não repetirmos continuamente nosso número de
telefone, fatalmente ele será esquecido.
A memória de longa duração pode ainda ser dividida em dois subtipos:
memória declarativa ou explícita, que está prontamente acessível à consciência,
e que pode ser facilmente evocada, e a memória não declarativa ou implícita, que
corresponde às memórias presentes no subconsciente.
A memória declarativa é subdividida, de acordo com os seus conteúdos, em:
episódica, que diz respeito às experiências vividas no passado (uma viagem, um
encontro, o falecimento de um ente etc.), por isso diz-se que ela compõe a
“autobiografia”; e Semântica, responsável pelo registro de fatos e conceitos
teóricos (p. ex., significado das palavras, os conhecimentos sobre determinada
área, regras gramaticais etc.). Essa divisão está pautada na diferença anatômica
entre as duas, podendo ser afetadas distinta e individualmente; um paciente
pode ter prejuízo grave da memória episódica, a despeito de preservar a
memória semântica.
A consolidação de memórias ocorre no hipocampo, fato observado em
pacientes com lesão hipocampal bilateral, os quais são totalmente incapazes de
guardar qualquer informação nova, conseguindo se lembrar de tudo o que se
passou antes da lesão, mas nada depois dela. Esta é denominada amnésia
anterógrada. Como as memórias remotas, uma vez consolidadas, distribuem-se
difusamente pelo córtex cerebral e sua perda (demência) decorre de lesões
corticais extensas, como observado na doença de Alzheimer e na demência
causada pela doença de Parkinson.
Por fim, a memória não declarativa, representa um armazenamento
subconsciente de dados. Ela é dividida em condicionamento, memórias motoras
e priming. O condicionamento é uma etapa comportamental associada ao
aprendizado e às funções executivas, que permite que se saiba, mesmo sem se
ter consciência disso, que determinados atos resultarão em consequências
positivas (recompensa) ou negativas (punições). As memórias motoras são um
registro de movimentos sequenciais e organizados que resultam em
determinada habilidade motora, por exemplo, andar de bicicleta ou tocar um
instrumento. Seu aprendizado necessita de prática dos movimentos, até que
eles consolidem-se e tornem-se automáticos; neste momento, os atos são
realizados sem a consciência de como ou por que são feitos. Por fim, o priming
(ou pré-ativação) é uma memória induzida por pistas ou dicas. Elas servem
como “estopim” para ativar e recrutar memórias específicas; uma analogia seria
com o momento em que se tenta, mas não se consegue lembrar de uma
música, mas se alguém cantar o início dela, quase instantaneamente é possível
lembrar-se de todo o restante. É por meio do priming que as propagandas
subliminares funcionam, ao receber a informação inconsciente de determinada
marca, ela ficará armazenada como priming, ao ver o produto, imediatamente
teremos uma maior tendência a comprá-lo, uma vez que já foi previamente
“aprendido” sobre este produto.
Após explanadas as diversas dimensões da memória, segue-se à sua
análise. Cabe ressaltar, contudo, que a despeito de sua enorme
representatividade, abrangência e divisões, o seu exame em nível ambulatorial é
particularmente simples. Isso se deve ao fato de, na maioria das vezes, as
alterações estarem relacionadas ao acometimento da memória episódica
(remota, declarativa), cuja análise restringe-se aos componentes visual e verbal.
A memória semântica (remota declarativa), por sua vez, pode estar acometida
em patologias específicas (Tabela 4), sendo avaliada também quanto ao seu
componente verbal e visual em casos em que a queixa ou a anamnese
direcionam para tal suspeita diagnóstica. A memória operacional é avaliada em
conjunto com as funções executivas e/ou atencionais, como o já citado DS,
sobretudo o inverso. Por fim, a memória remota não declarativa não é
habitualmente testada, sendo seu acometimento de difícil determinação. A
Tabela 5 resume alguns dos principais testes direcionados para cada subtipo de
memória e seus domínios visuais e verbais, quando adequado.

Tabela 5. Testes neuropsicológicos para a memória.


TIPO DE
TESTES
MEMÓRIA

Quarta edição da escala de inteligência de Wechsler:


memória lógica (reconhecimento de narrativas orais)
Episódica
Segunda edição do (lista de aprendizado teste de
(verbal)
aprendizado verbal da California com cinco tentativas
de codificação)

Teste de memória visuoespacial abreviado, revisado


(reconhecimento de figuras simples; pontuado de
Episódica acordo com a acurácia de formato e localização)
(visual) Reconhecimento da figura complexa de Rey-Osterrieth
(reconhecimento imediato e tardio da cópia da figura
complexa)

Quarta edição da escala de inteligência de Wechsler:


Semântica teste de informação (avaliação de conhecimento geral)
(verbal) Teste de nomeação de Boston (nomeação de desenhos
alinhados)

Semântica Rostos famosos da Universidade Noroeste


(visual) (reconhecimento e identificação de faces famosas)
Quarta edição da escala de inteligência de Wechsler:
Digit span
Trabalho
Quarta edição da escala de inteligência de Wechsler:
Spatial span

Processual Não é avaliada de forma usual pelos testes

Adaptada de Matthews, 2015.

As alterações da memória episódica são identificadas, sobretudo, durante a


anamnese. É comum divergências entre a opinião do familiar e a do paciente
com amnésia, uma vez que este não acha que tenha problemas. Há diversos
testes para uma avaliação mais objetiva. Podem ser citados o teste de
aprendizagem auditivo-verbal de Rey, o item de memória da Bateria Breve de
Rastreio Cognitivo, a evocação tardia da Figura Complexa de Rey, entre outros.
A memória de curto prazo (operacional ou de trabalho) pode ser avaliada ao
se fornecer ao paciente informações breves, pedindo que ele as memorize para
posterior arguição; o teste é tão mais difícil, quanto maior e mais complexas
forem as informações fornecidas. Após assegurar que o paciente reteve a
informação (o que pode ser feito por múltiplas repetições, e pedido ao paciente
que repita até decorar, pois lhe será perguntado em breve), deve-se esperar que
passe um tempo, no qual o paciente deve exercer outra atividade cognitiva, por
exemplo, fazer outro teste antes de perguntá-lo novamente (esta também é uma
etapa do minimental). Após cerca de 5 minutos, pergunte quais eram as
palavras.
Pacientes com déficits de memória graves podem, além de não se lembrar
dos itens, não se recordar de terem sido instruídos a lembrar. Alguns pacientes
podem não se lembrar dos itens, mas podem ter melhor desempenho, quando
recebem pistas ou quando instruídos a encontrar os itens em uma lista. Há
diferença entre retenção e recuperação. Pacientes capazes de recordar itens
com pistas ou de encontrá-los em uma lista são capazes de reter as
informações, mas não de recuperá-las. Quando as pistas ou as listas não
melhoram seu desempenho, o problema está na retenção. Pacientes com
processos iniciais de demência podem ter apenas uma falha da recuperação.
Os testes de memória não verbal incluem esconder objetos no quarto do
paciente, enquanto ele observa e, depois, pedir que ele se lembre dos lugares
onde estão escondidos ou pedir que se lembre de formatos, cores ou figuras.

Cálculo
A discalculia, como o nome prediz, é a inabilidade para realização de
cálculos, e está intimamente relacionada a lesões do lobo parietal dominante,
com ênfase no giro angular. A anaritmetria, muito mais rara que a primeira, é a
inabilidade primária da capacidade de calcular, ou seja, o paciente nunca
adquire esta habilidade.
A avaliação simplista da capacidade de cálculo pode ser realizada ao pedir
que o paciente solucione cálculos corriqueiros como contar cédulas ou moedas.
A avaliação formal consiste em instruir o paciente a fazer contas mentalmente
ou no papel.
A capacidade de calcular depende de uma série de fatores inatos como a
própria inteligência do paciente, seu senso e habilidade matemática além, é
claro, do nível de escolaridade. Operações matemáticas muito simples como
1+1 ou 2+2 são tão intensamente aprendidas ao longo da vida, que sua
realização tem a capacidade de testar muito mais a memória remota descritiva,
que a habilidade de cálculo per se. Um adulto “normal” é capaz, em média, de
realizar operações com dois dígitos para adição, sendo um pouco menos hábil
para subtração.
Se o paciente é facilmente capaz de realizar cálculos simples, deve-se
passar para uma dificuldade intermediária, como 12 + 3, 13 + 7, 17 + 11 ou 26 +
14. Outros testes possíveis são: pedir ao paciente que multiplique
sucessivamente um número por 2, até que não seja mais capaz; apresentar uma
tabela com colunas de dois ou três algarismos, e pedir que some ou subtraia
uma da outra. A vantagem desta última é de avaliar, juntamente com o cálculo, a
habilidade visuoespacial que pode estar, assim como o primeiro, comprometida
nas lesões parietais, só que neste caso, no hemisfério não dominante.

Linguagem
A linguagem humana está párea à memória em termos de complexidade,
afinal, é por meio dela que os seres humanos, dotados de altíssima capacidade
comunicativa, conseguem se conectar a todo o mundo, falando, ouvindo,
entendendo, mostrando, tudo faz parte da linguagem, e para que esse sistema
de sinais, signos e símbolos visuais, auditivos e memorizados sejam
estruturados logicamente, muitas áreas cerebrais são necessárias. A despeito
desta larga distribuição da linguagem pelo encéfalo, as regiões de maior
representatividade estão localizadas nas áreas perissilvianas do hemisfério
dominante, quais sejam a área de Wernicke e de Broca.
Assim como para com a memória, alguns subitens devem ser observados
quanto à linguagem. São eles: capacidade de fala espontânea, na qual se
destacam as fluências; compreensão oral; nomeação; leitura; escrita; e
repetição. As alterações patológicas relacionadas a esta função são
denominadas afasias (ou disfasias); quando acometem apenas a parte “motora”
da fala é intitulada disartria. As afasias estão expostas na Tabela 6.
Para se confirmar a fluência verbal, é necessario que o paciente mantenha,
relativamente constantes, o volume, tom e extensão das frases. Pacientes com
redução da fluência da fala em geral são capazes de reconhecer esta limitação,
muitas vezes tendendo a reduzir seu contingente vocal, não falando mais que o
estritamente necessário; esta alteração é denominada laconismo.
A avaliação da fluência verbal fonêmica deve ser realizada solicitando-se ao
indivíduo que fale a maior quantidade de palavras iniciadas com as letras “F”,
“A”, ou “S”, durante um minuto, não sendo aceitos nomes próprios de pessoas ou
lugares e nem derivações de um mesmo substantivo (p. ex., pedra, pedreira,
pedregulho etc). Uma pessoa com segundo grau completo deve ser capaz de
falar pelo menos doze palavras neste período de tempo.
A fluência verbal semântica pode ser avaliada da seguinte forma: anota-se a
quantidade de animais que o paciente for capaz de falar em um minuto, não
sendo consideradas variações da mesma espécie (p. ex., boi, vaca e bezerro). O
valor da normalidade para o ensino médio completo é de pelo menos 13
animais (se o indivíduo tiver menos de 8 anos completos de escolaridade,
considerar 9 palavras).
Quanto à compreensão oral, deve-se observar durante a anamnese se há
alguma dificuldade para a compreensão de palavras ou frases, desde
gramaticalmente simples até as mais complexas. Para testar, solicite que o
paciente obedeça a comandos verbais como “abra a boca”. Se ele não obedecer,
verifique sua capacidade de concordar ou discordar com a cabeça, caso
positivo, faça uma pergunta sem nexo, como “um elefante pode voar?”. Se o
paciente não responder, ou responder de forma positiva, sua compreensão está
comprometida (deve-se excluir hipoacusia e outros transtornos cognitivos que
não permitam ao paciente perceber a lógica da frase).
A incapacidade de nomeação é denominada anomia e representa o achado
mais comum das afasias. Ela pode ser fonológica, quando o paciente sabe o
significado do objeto; semântica, quando ele não sabe o significado; ou se a
anomia é secundária a uma agnosia visual, na qual o paciente é incapaz de
reconhecer o objeto pela visão, identificando-o pelo tato. Quando a habilidade
para nomear está comprometida, mas não completamente perdida, o paciente
pode, ao tentar falar o nome de um objeto demonstrado, criar neologismos, ou
seja, criar palavras ou atribuir significados distintos a uma palavra já existente;
utilizar circunlocuções, isto é, utilizar outros termos para substituir ou tentar
“explicar” determinada palavra da qual ele não se lembra (p. ex., em vez de falar
martelo, ele fala “usado para bater o prego”); ou ainda apresentar parafasia, que
consiste na substituição de fonemas, sílabas ou palavras, podendo ser de dois
tipos: fonêmica, na qual o paciente comete um erro fonético formando uma
nova palavra, semelhante à original (p. ex., “láfis” em vez de “lápis”); ou
semântica, quando ele utiliza palavras da mesma categoria da qual quer se
referir, para descrevê-la (p. ex., falar “caneta” para se referir a um “lápis”, ou
“cachorro” no lugar de “lobo”).
O teste da nomeação é simplesmente solicitar ao paciente que nomeie
objetos presentes na sala, inclusive, faz parte de uma das tarefas do
minimental. Outros testes possíveis são a bateria breve de rastreio cognitivo, e o
teste de nomeação de Boston.
A leitura, obviamente, requer a utilização de textos e/ou frases para ser
avaliada. Deve-se pedir ao paciente que leia uma ordem escrita e realize o
comando, por exemplo, “feche os olhos” (também parte do MEEM); ou solicitar
que leia um texto em voz alta. Essa tarefa pode não parecer, mas é bastante
complexa, pois envolve informações visuais (córtex visual primário) para ler o
que se encontra escrito, áreas de associação visual para compreender que se
trata de um texto, memória de curto e longo prazo para compreender o
significado daquilo que está escrito, áreas da fala para processar (Wernicke) e
gerar uma resposta (Broca), ativa as áreas motoras e pré-motoras para gerar
uma resposta vocal, devendo ainda passar pelos núcleos da base e do cerebelo
para serem articuladas na forma, velocidade, entonação e frequência corretas e,
só então, o som de resposta é emitido, pelo uso dos nervos periféricos e da
musculatura laríngea. Lesões em qualquer uma ou todas essas estruturas
podem incorrer em incapacidade de leitura ou compreensão de palavras
escritas (alexia), além de outros distúrbios da linguagem como a própria afasia
e disartria. Na alexia “pura”, ou seja, sem agrafia (incapacidade de escrever –
tabela 6), a lesão ocorre no córtex occipital esquerdo e no esplênio do corpo
caloso; com frequência este paciente apresentará hemianopsia direita.
A escrita, por sua vez, é avaliada pela capacidade do paciente em escrever
uma frase completa, ou seja, com sujeito e predicado, e fazer sentido. Erros
gramaticais não devem ser considerados na avaliação. O centro de Exner,
localizado no giro frontal médio do hemisfério dominante, está associado à
escrita. A agrafia (disgrafia) é o déficit resultante de mazelas que comprometem
a capacidade de escrita. Ela pode ser linguística (incapacidade da escrita pela
inabilidade de processamento da simbologia adequada à frase), práxica (o
paciente não consegue realizar a sequência de gestos e movimentos
necessários para gerar uma escrita correta; em alguns casos o sintoma piora
quando é solicitado que ele escreva, podendo ser menos evidente na escrita
espontânea) e visuoespacial (o paciente não consegue, pela incapacidade de
reconhecimento espacial das letras, repetir a escrita de uma frase ou texto
apresentados). A síndrome de Gerstmann é um distúrbio linguístico grave no
qual o paciente apresenta agrafia, anaritmetria, agnosia digital e confusão
direita-esquerda; ela decorre de uma lesão no lobo parietal inferior dominante,
sobretudo no giro angular esquerdo.
A repetição é um dado importante para a diferenciação dos tipos de afasia.
Neste momento, o paciente deve repetir palavras e frases de complexidade
crescente. A repetição encontra-se alterada nas afasias perissilvianas (Broca,
Wernicke, de condução e global) e preservada nas demais (anômica,
transcortical e subcortical).
Distúrbios da repetição podem, além da perda de sua capacidade, resultar
em aumento de repetição, com reverberação daquilo que é dito, esta é
denominada ecolalia (p. ex., pede-se ao paciente para repetir a palavra “mamão”
e este o faz, mas permanece falando “mamão, mamão, mamão...”). Ademais, a
palilalia é outro distúrbio observado, nesta a repetição além de reverberar,
acelera progressivamente, levando o paciente a falar sílabas, palavras ou frases
cada vez mais curtas e rápidas.
Tabela 6. Principais afasias de importância clínica.

AFASIA NEUROANATOMIA CLÍNICA AVALIAÇÃO

Alteração da capacidade
Paciente
de expressão oral, escrita
compreende e
ou gestual, com fala não
executa ordens
fluente (pausas, esforço,
Broca (motora, Área de Broca: giro frontal como levantar e
anomia, agramatismos e
expressão, inferior esquerdo (áreas 44 apertar a mão,
perseverações)
eferente) e 45 de Brodmann) mas não responde
Apresenta consciência do
às perguntas ou o
déficit
faz com muita
Capacidade de repetição
dificuldade
alterada

Paciente costuma
manter a
capacidade de
Incapacidade para
obedecer a
compreensão da
comandos axiais,
linguagem oral, escrita ou
como fechar os
gestual
olhos, mas não
Área de Wernicke: região Fala fluente (logorreica¹,
responde a
Wernicke posterossuperior do lobo sem conteúdos, com
perguntas e
(sensitiva) temporal (área 22 de neologismos, parafasias e
comandos
Brodmann) circunlocuções)
apendiculares,
Paciente não percebe o
como “qual o seu
déficit (anosognosia)
nome ou levante
Capacidade de repetição
sua mão”.
alterada
Emite sons e
frases
compreensíveis
AFASIA NEUROANATOMIA CLÍNICA AVALIAÇÃO

Pede-se ao
Fascículo arqueado paciente para
Paciente incapaz de gerar
Condução (conecta a área de repetir uma frase
repetições da linguagem
Wernicke à de Broca) como “nem aqui,
nem ali, nem lá”.

Associação da afasia
motora com a sensitiva.
Global Áreas de Wernicke e Broca Porém, pode permanecer a Igual às anteriores
capacidade de repetição
com ecolalia

Anterior: motora
(semelhante a
Broca)/Posterior: sensitiva
Transcortical Áreas de Wernicke e Broca (semelhante a Wernicke); a Igual às anteriores
diferença consiste na
capacidade mantida de
repetição

Fala fluente, com


compreensão do
Lesão difusa (TCE²,
Anômica comando, porém, Igual às anteriores
encefalopatia, Alzheimer)
apresentando parafasias e
circunlocuções

Corpo estriado e tálamo Déficits combinados das


Subcortical Igual às anteriores
esquerdo afasias

¹Palavras rápidas e em excesso; ²Traumatismo cranioencefálico.

Por fim, outros distúrbios de linguagem relevantes para a prática clínica são:
estereotipia verbal, que consiste na repetição automática de um som, palavra ou
expressão sem sentido comunicativo; aprosodia, na qual há falta de melodia e
entonação, também denominada como fala monótona (comumente confundido
com sintoma depressivo); perseveração, que é a repetição da própria fala.

Inteligência
Do pontod e vista médico, a inteligência consiste na somatória de todas as
habilidades cognitivas de um indivíduo, e o índice empregado para a sua
aferição numérica padronizada como unidade de medida é o quociente de
inteligência (QI), que deve ser ajustado para a idade.
Sua avaliação, assim como das demais funções já estudadas, está pautada
em baterias de testes, sendo a Escala de Inteligência Wechsler para Adultos
(WAIS) a mais utilizada nesta população. Seus testes abrangem diferentes
funções como atenção, raciocínio, memória, linguagem, percepção e
construção, possibilitando ao examinador uma estimativa da habilidade
cognitiva, permitindo quantificar o QI verbal, QI de desempenho e QI total. Para
cada um a pontuação média é de 100 (+/-15). Tradicionalmente, pacientes com
QI −2 desvios padrão abaixo da média (<Z-2) são diagnosticados com retardo
mental.
Por ser uma padronização com regras específicas, recomenda-se que a
escala WAIS seja aplicada por profissionais treinados para tal, como os
neuropsicólogos, para que seu resultado seja acurado para fins diagnósticos.

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Capítulo 32

Semiologia Osteomioarticular dos


Membros Superiores
Autor(a): Germano Martins Coelho

ANAMNESE
Identificação: Paciente do sexo masculino, 49 anos de idade,
masculino, com história de queda de própria altura durante prática
esportiva há 2 meses e trauma direto em ombro esquerdo. No
serviço de emergência, realizou radiografia do ombro que não
detectou lesões ósseas.
História da Moléstia Atual: Desde a queda, o paciente apresenta
dor constante em face lateral de ombro, mais intensa em período
noturno e quando realiza determinados movimentos. Relata que
antes do trauma não sentia dor nem limitação funcional.
Iniciou tratamento medicamentoso com anti-inflamatório não
esteroidal (AINE) + analgésicos comuns, com melhora discreta, mas
sem resolução do quadro. Realizou algumas sessões de fisioterapia
com piora álgica.

EXAME FÍSICO
Inspeção Estática: Sem alterações de relevos ósseos, sem sinais
de atrofias musculares.
Inspeção Dinâmica: Flexão ativa 90°/abdução ativa 70º/Rotação
Interna ativa nível de L5.
Testes: Jobe + / Patte + / Gerber + / Impacto Neer − / Hawkins-
Kennedy −.
EXAMES COMPLEMENTARES
Após avaliação, solicitou-se ressonância magnética (RM).
RM: evidenciada ruptura transfixante de supraespinhoso com
retração de 1,8 cm; subluxação de tendão da cabeça longa do bíceps
(TCLB); fratura-avulsão de grande tuberosidade de úmero.

QUESTÕES PARA DISCUSSÃO


1. Quais são as principais queixas e síndromes relacionadas
ao sistema osteomioarticular dos membros superiores?
2. Quais são as particularidades da anamnese e do exame
físico do sistema osteomioarticular?
3. Quais os principais testes utilizados para diferenciar as
patologias?
4. Como interpretar os testes especiais?

DISCUSSÃO
A semiologia ortopédica engloba todos os passos técnicos
comuns à semiologia de outros sistemas e adiciona a avaliação de
movimentação articular, força muscular e alguns testes específicos.
O exame deve ser metódico e realizado sempre na mesma
sequência.
Preferencialmente, o indivíduo deve ser examinado com o mínimo
possível de roupa, principalmente quando as queixas incluem áreas
normalmente cobertas. O pudor e o recato do paciente devem ser
respeitados. Com crianças, obtém-se melhor colaboração se a roupa
for sendo retirada aos poucos, à medida que as regiões vão sendo
examinadas.
Considerando os membros superiores, devem-se sempre
investigar as lesões intrínsecas das articulações do ombro, cotovelo,
punho e mãos, além das queixas em braço e antebraço.
Neste capítulo em especial será abordado o estudo do ombro.
Ombro
A dor é a queixa mais comum relatada pelos pacientes com
patologias do ombro. Deve-se investigar se seu início foi insidioso,
como nas doenças inflamatórias e degenerativas, ou agudo, em
ombro anteriormente sem dor, como nas lesões traumáticas ou
doenças inflamatórias agudas. Quanto ao tipo, é importante
considerar se a dor é aguda, latejante ou em agulhada, ou tipo
queimação, constante ou não. Outro aspecto é sua sede, se local,
difusa ou se irradia para outra região, como cervical, escapular, face
lateral do braço ou cotovelo. É importante enfatizar que, quando o
paciente refere dor que se irradia até a mão, deve-se considerar
envolvimento da coluna cervical. Na história clínica, é necessário
procurar se há relação da dor com os movimentos e com a posição
do braço, com o período do dia (lesões do manguito rotador
frequentemente pioram à noite), com movimentos repetitivos ou
esforços mais intensos durante jornada de trabalho.
Outra queixa comum nas patologias do ombro é a instabilidade,
caracterizada pelo paciente como sensação de que o ombro sai do
lugar. Os aspectos mais importantes a serem levantados são:

• A idade em que ocorreu o primeiro episódio


• Se o mecanismo causador do primeiro episódio foi
traumático, microtraumático por repetição ou em
movimento banal

• A frequência, os movimentos e outros causadores das


recidivas

• Se as instabilidades são voluntárias ou involuntárias.


Não incomum, as lesões do ombro tendem a causar maior ou
menor limitação dos movimentos. Essas limitações devem ser
relacionadas à dor (bloqueio álgico), por diminuição da força ou por
bloqueios de causa mecânica, nos quais a movimentação passiva
também está limitada.
Para uma boa compreensão do exame físico no ombro, é
necessário entender sua anatomia. Ele é formado pelas articulações
esternoclavicular, acromioclavicular (AC) e glenoumeral, por um
complexo ligamentar e por grupos musculares, que promovem
estabilidade dinâmica ao ombro.
A clavícula é um osso superficial que pode ser visto e palpado em
toda sua extensão. Atua como suporte do ombro e é a única conexão
óssea entre o membro superior e o tronco. Conecta-se medialmente
com o esterno (articulação esternoclavicular) e lateralmente com o
acrômio (articulação AC). Na palpação da clavícula e da articulação
esternoclavicular, verifica-se se há dor, crepitação, edema e
mobilidade anormal. Na articulação AC, a mobilidade anormal é
chamada de sinal da tecla, quando a extremidade lateral da clavícula,
luxada, após ser reduzida pela compressão digital, retorna à posição
anterior de luxação, como se fosse tecla de piano.
Na face anterior do ombro, são referências anatômicas o
processo coracoide, a borda anterior do acrômio e a tuberosidade
menor do úmero. Anterolateralmente, palpam-se a tuberosidade
maior do úmero, a extremidade distal do acrômio e o sulco bicipital.
Posteriormente, devem-se palpar a espinha escapular, que serve de
referência para localização do processo espinhoso de T2, e o ângulo
inferior da escápula, que serve para localizar o processo espinhoso
de T7.
O contorno arredondado do ombro deve-se à massa muscular do
deltoide e à cabeça umeral, contida na cavidade glenoide. O deltóide
tem forma triangular, sendo composto por três porções que podem
atuar independentemente. A porção anterior, funcionalmente a mais
importante, faz flexão do braço; a porção lateral, mais volumosa,
realiza a abdução, e a porção posterior relaciona-se com a extensão
do ombro.
A articulação do ombro é a de maior mobilidade do corpo
humano. Apresenta movimentos de flexão, extensão, elevação
anterior, adução, abdução, rotação externa e rotação interna. Devem-
se avaliar a mobilidade ativa, aquela realizada pelo paciente, e a
passiva, realizada pelo examinador, sempre comparando-se com o
lado contralateral. A amplitude de todos os movimentos é registrada
em graus, com exceção da rotação interna que é pesquisada
solicitando-se ao paciente para colocar a mão nas costas. São elas:

• Flexão: realizada no plano sagital, anteriormente, vai de 0 a


180º

• Extensão: realizada no plano sagital, posterior ao plano


coronal, vai de 0 a 60º

• Elevação: realizada no plano da escápula, que está 45º


anteriormente ao plano coronal, e vai de 0 a 180º

• Adução: realizada com o ombro em 30º de flexão, no plano


coronal, em direção à linha mediana do corpo, vai de 0 a 75º

• Abdução: realizada no plano coronal, com o braço lateral ao


corpo, afastando-se da linha mediana do corpo, indo de 0 a
180°

• Rotação externa (RE): com o cotovelo em 90º de flexão,


roda-se o antebraço lateralmente afastando a mão da linha
mediana do corpo, 0 a 90º

• Rotação interna (RI): avaliada pela capacidade de apor o


dorso da mão às costas, cuja amplitude é classificada pela
posição que o polegar atinge, desde a região trocantérica
até os vários níveis da coluna dorsolombar.
Um detalhe importante sobre a função do ombro consiste no
movimento de abdução. Nos primeiros graus de movimento, a
principal ação é do deltoide, principalmente em sua porção média,
enquanto o supraespinhoso (SE) atua principalmente acima dos 60º.
Por isso, em lesões transfixantes do SE, o paciente geralmente
mantém o movimento de abdução, mas com baixas amplitudes.
Após a realização de anamnese, inspeção estática e dinâmica, e
palpação, o exame clínico é finalizado com os testes especiais, que
podem ser divididos em testes relacionados com a dor e a
mobilidade articular, e testes relacionados com a estabilidade
estática e dinâmica.
Testes relacionados com a dor e a mobilidade articular:

• Teste do impacto de Neer (Figura 1): o membro superior, em


extensão e rotação neutra, é elevado passiva e rapidamente
pelo examinador, sendo positivo se causar dor

• Teste do impacto de Hawkins-Kennedy (Figura 2): o


membro superior é colocado em 90º de elevação, com o
cotovelo fletido em 90º e rotação neutra, sendo realizada
rotação interna passiva pelo examinado. A queixa de dor é
considerada teste positivo

• Teste do impacto de Yokum (Figura 3): o paciente coloca a


mão no ombro oposto, realizando a flexão ativa do braço
elevando o cotovelo, sendo positivo se causar dor

• Teste da abdução dolorosa: realiza-se abdução sem


resistência no plano coronal, sendo positivo, quando
paciente relatar dor entre 60° e 100°.
Figura 1. Teste do impacto de Neer. A. Posição inicial. B. Posição final.
Fonte: Tarcísio et al., 2017

Figura 2. Teste do impacto de Hawkins-Kennedy.

Fonte: Tarcísio et al., 2017

Figura 3. Teste do impacto de Yocum.


Fonte: Tarcísio et al., 2017

Os testes, a seguir, em que são realizadas manobras contra


resistência, são interpretados de maneira semelhante. São
considerados positivos, se houver perda de força ou dor durante o
teste. São eles:

• Teste do supraespinhoso: realizada elevação ativa, com


cotovelo em extensão e rotação neutra, contra resistência
oposta pelo examinador

• Teste do supraespinhoso de Jobe (Figura 4): semelhante ao


anterior, mas com membro em rotação interna (polegar
apontando para baixo)

• Teste do infraespinhoso (IE) (Figura 5): membro superior ao


lado do corpo em posição neutra, cotovelo fletido em 90º,
realizada rotação externa ativa contra resistência oposta
pelo examinador

• Teste da RE não mantida ou “cancela”: o membro é


colocado na mesma posição do teste anterior, e examinador
realiza passivamente a rotação externa. A posição deve ser
mantida ativamente caso haja integridade do IE

• Teste do IE de Patte (Figura 6): o membro é colocado em


90º de abdução e o cotovelo fletido em 90º; o paciente deve
forçar a rotação externa contra resistência oposta do
examinador

• Teste da “queda de braço”: o membro é colocado na mesma


posição do teste anterior, sendo realizada a RE passiva pelo
examinador. A posição deve ser mantida ativamente caso
haja integridade do IE

• Teste do subescapular (SbE) de Gerber (Figura 7): o


paciente coloca o dorso da mão ao nível de L5 e tenta
afastá-la ativamente das costas. A impossibilidade de
realizar movimento sugere lesão do SbE

• Teste do subescapular (abdominal press test): o paciente


coloca a mão no abdome, mantendo o braço em
alinhamento no plano coronal. Ao forçar a mão contra o
abdome, o cotovelo mantém a posição se tendão íntegro

• Teste do abraço de urso (Figura 8): testa a parte superior do


subescapular. O paciente coloca a mão do ombro a ser
examinado no ombro oposto, com os dedos estendidos e
cotovelo à frente do corpo. Então solicita-se realizar
resistência em RI, e o examinador aplica força contra
resistência (tentando retirar a mão do ombro realizando RE)

• Teste do bíceps ou teste de Speed (Figura 9): o paciente


realiza flexão ativa do ombro contra resistência, com
cotovelo estendido. Impotência funcional ou dor no sulco
intertubercular sugere lesão do bíceps

• Teste de Yergason: o paciente com o cotovelo em 90° e


antebraço em pronação. O examinador, segurando o punho
do paciente, pede para ele realizar supinação contra
resistência. É positivo, se o paciente relatar dor na goteira
bicipital
• Teste da compressão ativa de O’Brien (Figura 10): em
primeiro tempo, em pé, o paciente posiciona o membro
superior, com cotovelo em extensão, o ombro em 90° de
flexão, 10° a 20° de adução e em rotação interna e pronação
máximas, apontando o polegar para o solo, e o examinador
força o MS do paciente para baixo solicitando-lhe que
oponha resistência; em sequência, em segundo tempo,
mantendo a mesma posição, o paciente faz ativamente
rotação externa e supinação máximas, colocando a palma
da mão para cima. O teste é positivo para lesão do
complexo bíceps-labioglenoidal (SLAP), se em um primeiro
momento houver dor que desaparece ou é aliviada no tempo
seguinte

• Teste da articulação AC: o paciente realiza flexão e adução


contra resistência oposta pelo examinador. Será positivo, se
dor na região da articulação AC.
Figura 4. Teste do supraespinhoso de Jobe.

Fonte: Tarcísio et al., 2017

Figura 5. Teste do infraespinhoso.


Fonte: Tarcísio et al., 2017

Figura 6. Teste do infraespinhoso de Patte.

Fonte: Tarcísio et al., 2017

Figura 7. Teste do subescapular de Gerber (lift of test).


Fonte: Tarcísio et al., 2017

Figura 8. Teste do abraço de urso (bear hug test)

Fonte: Tarcísio et al., 2017

Figura 9. Teste de Speed (palm up test) para o cabo longo do bíceps.


Fonte: Tarcísio et al., 2017

Figura 10. Teste de compressão ativa de O’Brien. A. Posição inicial. B.


Posição final.

Fonte: Tarcísio et al., 2017

Testes relacionados com a estabilidade:

• Teste da instabilidade anterior ou apreensão (Figura 11): o


examinador, colocando-se atrás do paciente, realiza com
uma das mãos abdução, RE e extensão forçada do braço do
paciente, enquanto o outro polegar pressiona a face
posterior da cabeça do úmero. Quando há instabilidade, o
movimento causa sensação de luxação e apreensão por
parte do paciente

• Teste da instabilidade posterior ou Fukuda (Figura 12): o


examinador faz flexão, adução e RI do braço do paciente,
tentado deslocar posteriormente o ombro
• Teste da gaveta anterior e posterior (Figura 13): colocando-
se atrás do paciente, o examinador fixa a escápula, e com a
outra mão, segura a cabeça do úmero tentando deslocá-la
anterior e posteriormente. Deslocamentos < 25% associados
à dor ou > 25% indicam instabilidade articular ou frouxidão
capsuloligamentar

• Teste do sulco (Figura 14): o braço do paciente, ao lado do


corpo, com cotovelo estendido ou fletido a 90º, é puxado
inferiormente pelo examinador. O aparecimento de um sulco
1 cm ou mais entre o acrômio e a cabeça do úmero indica
frouxidão capsuloligamentar

• Teste da recolocação (Figura 15): paciente em decúbito


dorsal, com o cotovelo em 90° e braço em RE e abdução de
90°. O examinador segura com uma das mãos o braço do
paciente e com a outra traciona para cima a cabeça do
úmero, tentando subluxá-la, podendo causar dor. A seguir,
empurra para baixo a cabeça, tentando reduzi-la, o que
melhora o sintoma de dor

• Release test: paciente em decúbito dorsal, realizando


abdução e rotação externa no braço, até que ocorra
apreensão ou dor. Após, faz-se estabilização anterior,
apoiando a cabeça do úmero e fazendo força posterior; o
paciente relatará melhora, conseguindo o examinador
aumentar a rotação externa

• Teste da surpresa: são realizadas abdução e rotação


externa máxima do braço, estabilizando a região anterior do
ombro, e após é retirada a mão da região anterior do ombro.
É positivo, quando o paciente sente apreensão ou dor

• Teste da dor na apreensão posterior: realizado da mesma


forma que o teste de Hawkins para impacto posterointerno,
a diferença é que nesse teste injeta-se anestésico no espaço
subacromial. Se a dor persistir no mesmo movimento, indica
instabilidade posterior e, se melhorar, significa impacto
posterior

• Jerk test: Com o paciente sentado e o membro superior em


flexão de 90° e rotação interna, realiza-se força axial sobre o
úmero na direção proximal, movendo o membro superior
horizontalmente. O teste é positivo para instabilidade
posterior, quando ocorre deslocamento ou subluxação da
cabeça umeral

• Teste de Feagin: ombro abduzido em 90°; com as mãos


sobre o ombro do examinador, realiza-se força sobre a
cabeça do úmero na direção inferior. O teste é positivo,
quando o paciente relata apreensão inferior ou forma-se um
sulco acima do processo coracoide.
Figura 11. Teste de apreensão para a instabilidade anterior.

Fonte: Tarcísio et al., 2017

Figura 12 Teste de Fukuda ou da instabilidade posterior.


Fonte: Tarcísio et al., 2017

Figura 13. A. Teste da gaveta anterior. B. Teste da gaveta posterior.

Fonte: Tarcísio et al., 2017

Figura 14. Teste do sulco. A. Visão anterior. B. Visão posterior.


Fonte: Tarcísio et al., 2017

Figura 15. Teste da recolocação.

Fonte: Tarcísio et al., 2017

Exame Físico Baseado em Evidências


Em 2004, Lo et al. realizaram um trabalho no qual demonstraram
que na associação dos testes de apreensão, recolocação e surpresa,
quando positivos, existe sensibilidade e especificidade de 98% e 99%,
respectivamente.

BIBLIOGRAFIA
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Cirurgia do Ombro. Cap. 4, vol. 1/1. Rio de Janeiro: Medsi; 2000.
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7. Volpon JB. Semiologia ortopédica. Medicina. 1996; 29:67-79.
Capítulo 33

Semiologia Osteomioarticular dos


Membros Inferiores
Autor(a): Sérgio Antunes Santos

ANAMNESE
Identificação: Paciente do sexo masculino, 12 anos de idade,
levado à consulta ortopédica para avaliação de queixa de dor e
deformidade no pé esquerdo. Relata sintomas álgicos ao jogar
futebol com início há 1 ano. Informa que não conseguia mais
permanecer em campo, quando iniciados os sintomas. A avó,
presente na consulta, disse que deveria utilizar botas para correção.
O paciente não se importava com o formato diferente do pé, mas sim
com a possibilidade de não poder retornar ao esporte.
Interrogatório Sintomatológico: Nega quaisquer outras alterações
em outros sistemas. Desenvolvimento neuropsicomotor normal para
a idade. Vacinas em dia.
História Pregressa: Nega patologias de base, cirurgias ou
internações prévias. Parto normal sem intercorrências.
História Familiar: Avós e único irmão com 6 anos de idade
saudáveis.

EXAME FÍSICO
Dados Vitais: Frequência cardíaca (FC) – 80 bpm; frequência
respiratória (FR) – 26 irpm, temperatura: 36,5oC.
Geral: Paciente eutrófico, em bom estado geral, ativo e reativo,
corado, hidratado, anictérico e acianótico. Sem lesões
dermatológicas.
Cabeça e Pescoço: Sem linfadenomegalias; oroscopia e
otoscopia normais.
Aparelhos Respiratório e Cardiovascular e Abdome: Sem
anormalidades.
Sistema Nervoso: Força muscular preservada nos membros
inferiores. Reflexos tendinosos calcâneo e patelar simétricos e
normointensos. Sensibilidade de membros inferiores preservada para
todos os dermátomos.

EXAME MUSCULOESQUELÉTICO
Inspeção Estática: Redução do arco longitudinal medial do pé
esquerdo e “sinal de muitos dedos”; ausência de calosidades,
edemas, tumorações ou alterações de pele bilateralmente. Paciente
longilíneo apresenta bom alinhamento de membros inferiores na
inspeção de frente e perfil. Ausência de outras deformidades,
desalinhamentos e tumorações.
Inspeção Dinâmica: Marcha sem características patológicas.
Amplitude de movimento passiva e ativa normais em quadris, joelhos
e tornozelos. Redução da liberdade de movimentos, sem relatos de
dor, em tentativa de mobilização da articulação talocalcânea.
Palpação: Ponto de sensibilidade localizado em face dorsolateral
do pé esquerdo; demais superfícies ósseas, trajetos tendinosos e
fáscia plantar indolores. Tônus muscular sem alterações. Ausência
de espasmos e contraturas em estruturas musculotendinosas de
membros inferiores.
Testes Especiais: Teste de Gowers negativo; teste de Jack
negativo do lado esquerdo. Teste da ponta dos pés apresentando
ausência de formação de arcoplantar, redução da varização de
calcâneo do lado esquerdo.

Suspeita Diagnóstica
Pé plano valgo rígido doloroso do lado esquerdo.
Propedêutica de Imagem
Radiografia de pés direito e esquerdo em incidência
anteroposterior, de perfil, oblíqua interna e externa e axial posterior de
Harris-Beath.
Resultado: A radiografia do pé esquerdo na incidência oblíqua
revelou uma barra óssea entre os ossos calcâneo e navicular (Figura
1).
Radiografia nas incidências AP e de perfil revelaram as seguintes
alterações do lado esquerdo: redução discreta do pitch do calcâneo,
variações mínimas nos ângulos de Kite, cobertura do navicular, do
tálus e do primeiro metatarso.
Figura 1. Imagem do pé esquerdo em incidência oblíqua interna.
Fonte: Arain et al.,2020.

Conduta
O paciente foi orientado a diminuir suas atividades físicas.
Prescreveu-se anti-inflamatório não esteroidal. O médico explicou
que uma palmilha não seria efetiva para corrigir a deformidade, mas
que poderia aliviar sua dor. Foi informado de que, caso não houvesse
melhora do quadro clínico, o mesmo iria ser imobilizado com bota
gessada suroplantar por 30 dias.
Não houve melhora do quadro clínico. Prescreveu-se bota
gessada por 4 semanas.
Houve melhora do quadro clínico, e o paciente foi orientado,
então, a reduzir as atividades esportivas sendo indicada palmilha
para apoio do arco plantar.

QUESTOES PARA DISCUSSÃO


1. Os exames de imagem são obrigatórios em todos os
casos?
2. O uso de palmilhas e órteses tem efeito para o pé plano
valgo?
3. Quando se preocupar ao se deparar com um paciente
com pé plano?
4. O pé plano pode ser considerado “normal” em alguns
casos?
5. Como desconfiar de um pé plano rígido?

DISCUSSÃO
O pé plano é uma condição muito frequente na pratica clínica,
sendo encontrado em adultos, crianças e adolescentes. Caracteriza-
se pela redução do arco longitudinal do pé, mas na realidade
compreende uma gama de alterações em graus variáveis que
incluem, excessiva flexão plantar do tálus, eversão da subtalar
durante descarga de peso, além de valgo, rotação externa e
dorsiflexão do calcâneo.
O pé plano que afeta crianças e adolescentes pode ser
classificado como pé planovalgo flexível, também categorizado
como fisiológico (com ou sem contratura do tendão de Aquiles) ou
pé planovalgo rígido (causado por coalisões tarsais, tálus vertical
congênito e pés neurogênicos, dentre outros).
O pé plano valgo flexível está associado com uso de calçados
fechados, é mais frequente em algumas raças, em situações de
frouxidão articular e tem uma predisposição familiar para sua
ocorrência. Em estudo clássico de 1948, Harris e Beath encontraram
14% de pés planos valgos em recrutas do exército.
O pé plano valgo flexível também está presente em todos os
bebês, mas espera-se que, com o avançar da idade, o arco
longitudinal se forme a ponto de que apenas 15 a 20% dos adultos
persistam com a deformidade. O sobrepeso e a obesidade são
fatores contribuintes para essa ocorrência.
A contratura do tendão de Aquiles está associada com 25% dos
casos de pé plano valgo flexível e este achado foi considerado causa
de dor e perda de função.
O pé plano valgo rígido, considerado patológico, caracteriza-se por
certa rigidez da subtalar e, em alguns casos, dor. Em estudo de 1974,
Richardson revelou que 76% dos pacientes com coalisão tarsal não
relatavam dor.
A coalisão tarsal pode ser compreendida como uma união entre
um ou mais ossos do tarso, que reduz a mobilidade do pé e pode
causar dor. As coalisões mais frequentes são a calcaneonavicular e a
talocalcânea. As coalisões, oriundas de uma possível falha na
segmentação desses ossos no período fetal também podem ser
ósseas, cartilaginosas ou fibrosas.
Os sintomas aparecem entre 12 e 16 anos de idade,
principalmente após atividades físicas. A retificação do arco
longitudinal medial do pé pode estar associada com hipertonia e
espasticidades dos tendões fibulares.
Importante categorizar separadamente o pé plano adquirido do
adulto, pois esse possui um perfil epidemiológico e história clínica
singular. Apresenta-se com rebaixamento progressivo do arco medial
do pé nessa faixa etária de forma gradual e tem a disfunção do
tendão tibial posterior como sua principal causa. A evolução do pé
plano valgo adquirido do adulto é um processo multifatorial que
muitas vezes está associado a pé plano já existente e à obesidade.
Diabetes mellitus, uso de corticosteroides e patologias
neuromusculares podem estar associadas. É mais frequente na
terceira idade, afetando 10% dos idosos ingleses. Muitas vezes está
associado à degeneração da massa muscular e da estrutura óssea.
Não existe evidência de que o pé plano flexível cause
incapacidade, porém não se pode afirmar o mesmo do pé plano
rígido.

História Clínica
A abordagem fundamental durante a história clínica inclui o
esclarecimento dos familiares a respeito de suas preocupações,
principalmente com relação ao uso de botas e palmilhas com
objetivo corretivo, como sugeriu a avó, e as perspectivas de melhoria
da dor com o tratamento cirúrgico.
Muitas crianças têm o pé plano valgo, porém, quando o mesmo
torna-se doloroso, uma luz de alerta se acende e o médico precisa
atentar para os possíveis diagnósticos através de boa anamnese e
exames físico e radiológico para implementação da conduta correta.
A tipologia da dor deve revelar sintomas álgicos próximos ao local
da coalisão. Adicionalmente, espera-se uma dor de caráter mecânico
com alívio ao repouso. Dores de características inflamatórias, como
as noturnas e em repouso, devem ser mais bem investigadas.
A possibilidade de trauma deve ser descartada. A investigação de
possíveis causas que possam sugerir patologia neuromuscular não
deve ser esquecida, bem como os de casos de frouxidão ligamentar
em família ou parentes próximos com pé plano.
Outras causas de dor no pé, como osteomielite, artrite séptica,
artrite reumatoide, osteocondroses, tendinites, apofisites, fasceítes,
osso navicular acessório, calosidades, compressões nervosas,
distrofia simpaticorreflexa e tumores devem ser sempre descartadas.

Exame Físico
É fundamental uma abordagem global durante o exame físico em
busca sinais de anormalidades do desenvolvimento. O pé deve ser
avaliado em uma superfície rígida, sem calçados, com e sem carga,
uma vez que pode ocorrer a formação do arco sem a descarga de
peso. Deve-se descartar marcha patológica, com assimetrias, ataxias
e claudicações.
O exame neurológico inclui análise da marcha na ponta dos pés e
com o apoio dos calcâneos, uma prova de função que comprova
capacidade muscular e neurológica, principalmente para flexão
plantar e dorsiflexão.
Devem ser analisados os membros inferiores quanto aos estados
de alinhamento, rotação e comprimento. Torção tibial externa e
genuvalgo aumentados podem maximizar a deformidade.
A palpação do pé plano flexível é geralmente indolor. A colisão
calcaneonavicular geralmente causa dor na face anterolateral do pé.
A coalisão talocalcânea inferior ao maléolo medial, ponto onde pode
haver uma proeminência, justamente na face de contato entre as
articulações acometidas.
O achado mais significativo é a redução da mobilidade
talocalcânea. A tentativa manual de varização dos calcanhares testa
a capacidade para se alcançar passivamente a inversão do pé.
Músculos fibulares hipertônicos podem estar associados (Figura
2).
Figura 2. Espasmo de fibulares com dorsiflexão e eversão do tornozelo
direito.

Fonte: Cass et al., 2010


Alguns testes especiais incluem:

• Teste de elevação da ponta dos pés: revela a formação do


arco plantar e mudança de valgo para varo da posição do
calcâneo. Avalia integridade de tendão calcâneo e tibial
posterior (Figura 3). Pés planos com maior gravidade
tendem a formar menos o arco plantar, manter maior grau
de varização do calcâneo e menor mobilidade da articulação
subtalar

• Teste de Gowers: importante para avaliação de patologias


neuromusculares como distrofias musculares e paralisia
cerebral. Achado positivo é observado, quando a criança
escala em si mesmo para alcançar a posição de
ortostatismo (Figura 4)
Figura 3. Teste de elevação da ponta dos pés. Note a formação do arco
plantar e a varização do calcâneo bilateral em caso de pé plano flexível
bilateral.

Fonte: Bruce, 2015.


Figura 4. Teste de Gowers.

Fonte: Barros Filho e Lech, 2002.

• Teste de Jack: realiza-se a extensão passiva do hálux.


Utilizado para determinar a liberdade de movimentos da
articulação subtalar. O teste será considerado, positivo se
forem percebidas varização do retropé, acentuação do arco
plantar e rotação externa da perna
• Sinal dos muitos dedos (too many toes): em visão posterior,
observam-se muitos dedos na face lateral do pé (Figura 5)
Figura 5. Sinal dos “muitos dedos” do lado direito.

Fonte: Harris et al.,2014.

Abordagem Imaginológica
O pé plano valgo flexível indolor não exige necessariamente a
realização de exames de imagem. Já no pé plano valgo flexível
doloroso ou no pé rígido são indicados inicialmente exames de
radiografia em quatro incidências.
Tomografia computadorizada e ressonância magnética são
raramente indicadas, prestam-se mais a esclarecer dúvidas de
achados radiográficos, determinar a localização e tamanho exatos da
coalisão, muitas vezes para avaliar indicação e resultado de
tratamentos.
Uma abordagem radiológica para avaliação do pé plano
possibilita principalmente fazer um diagnóstico diferencial,
quantificar as deformidades, medir ângulos específicos e avaliar
sinais direitos e indiretos de coalisões tarsais.
A radiografia em incidência oblíqua do pé do caso clínico
apresentado revelou uma imagem de coalisão tarsal, mais
precisamente entre os ossos calcâneo e navicular.
As imagens radiológicas evidenciaram redução discreta do pitch
do calcâneo, variações mínimas nos ângulos de Kite, cobertura do
navicular, do tálus e do primeiro metatarso, que são indícios de
planificação do pé com subluxação medial do tálus em relação à
articulação.
A barra óssea calcaneonavicular pode ser bem visualizada na
incidência oblíqua (Figura 6). Em casos de conexões fibrosas ou
cartilaginosas, a homogeneidade característica da ponte óssea não é
observada.
Figura 6. Barra óssea incompleta calcaneonavicular.
Fonte: acervo pessoal.

As incidências específicas e suas principais possibilidades são


mostradas na Tabela 1 e abordadas a seguir:
Tabela 1. Incidências radiográficas do pé e os respectivos achados.
INCIDÊNCIA ACHADOS

Descartar valgo do tornozelo


Anteroposterior do tornozelo
Deformidade em “bola e soquete”

Anteroposterior do pé com descarga de peso Ângulo talocalcâneo ou Kite anterior


(VR: 30 a 40°)
Ângulo de cobertura talonavicular
(VR: 60 a 80°)
Ângulo de cobertura do navicular
VR (< 7°)

Entre tálus e primeiro metatarso ou Meary: 0°


Entre tálus e calcâneo ou Kite posterior:
Pitch calcâneo – VR 35 a 40°
Perfil do pé com descarga de peso
Inclinação talar – VR 30°
Sinal da faceta medial
Talar breaking

Harris-Beath Visualização da coalisão talocalcânea

Oblíqua com rotação externa Visualização da coalisão calcaneonavicular

Oblíqua com rotação interna Osso navicular acessório

Lateral do pé com flexão plantar máxima Para diagnóstico do tálus vertical congênito

• Incidência anteroposterior de tornozelo (Figuras 7 a 9)


Figura 7: Medida do ângulo lateral distal da tíbia que deve ser em torno de
87 graus.

Fonte: Lee et al., 2014.


Figura 8. Ângulo lateral distal da tíbia medindo 60°, revelando tornozelo
valgo.

Fonte: https://emedicine.medscape.com/article/1358051-
overview#a4.

Figura 9. Deformidade “em bola e soquete” à esquerda, frequentemente


associada com causas não idiopáticas de coalisão tarsal. Lado contralateral
sem alterações.

Fonte: Morissy et al., 1994.

• Incidência anteroposterior do pé com descarga de peso:


pitch do calcâneo, ângulo talocalcâneo (VR: 20 a 40°),
cobertura talonavicular, ângulo tálus – primeiro metatarso,
ângulo talonavicular (Figuras 10 e 11)
Figura 10. Ângulo de cobertura talonavicular alterado em A. VR até 7°.
Fonte: http://uwmsk.org/footalignment/doku.php?id=pes_planus.

Figura 11. Ângulo talocalcâneo (ângulo de Kite) revelando alteração em B.


VR (15 a 30°).
Fonte: http://uwmsk.org/footalignment/doku.php?id=pes_planus.

• Incidência de perfil do pé com descarga de peso: pode


revelar o sinal do tamanduá (alongamento do processo
anterior do calcâneo), típico da coalisão calcaneonavicular
(Figuras 12 a 16)
Figura 12. Sinal do tamanduá (seta).
Fonte: Staheli, 1987.

Figura 13. Sinal do “C” em coalisão talocalcânea e esporão talar (seta).

Fonte: Ford et al., 2017.

Figura 14. Pitch do calcâneo VR 18 a 20°.


Fonte: http://uwmsk.org/footalignment/doku.php?id=pes_planus.

Figura 15. Anormalidade do ângulo talo – primeiro metatarso e pitch do


calcâneo

Fonte: http://uwmsk.org/footalignment/doku.php?id=pes_planus.

Figura 16. Ângulo talocalcâneo (VR: 25 a 45 °).


Fonte: http://uwmsk.org/footalignment/doku.php?id=pes_planus.

• Incidência oblíqua com rotação externa (Figura 17)


Figura 17. Ponte óssea incompleta calcaneonavicular.
Fonte: acervo pessoal.

• Incidência de Harris-Beath (Figura 18)


Figura 18. Visualização de coalisão talocalcânea.
Fonte: Cass et al., 2010

Tomografia Computadorizada do Pé (Figura 19)


Figura 19. Imagem tomográfica em corte coronal revelando coalisão
talocalcânea em A, do pé esquerdo, o mesmo não ocorrendo em B, no pé
contralateral.
Fonte: Cohen et al., 2007.)

Tratamento da Barra Óssea


O objetivo do tratamento das coalisões tarsais é aliviar sintomas
álgicos, melhorar a mobilidade e corrigir deformidades. A redução
das atividades que precipitem a dor, como esportes, deve ser
encorajada.
A fisioterapia atua no caso de contraturas e encurtamentos
musculares, principalmente fibulares. O uso de palmilhas e órteses
não altera o desenvolvimento do arco plantar, tanto no pé flexível
quanto no rígido, mas pode aliviar um pouco a dor. Inicialmente o
tratamento deve ser conservador, com imobilização gessada por 3 a
6 semanas. A cirurgia é reservada pra casos de dor persistente e não
responsivos às medidas implementadas, porém não é garantia de
alívio da dor. Alterações degenerativas associadas respondem mal
ao tratamento conservador, assim como sintomas de longa duração.
O tratamento cirúrgico primário envolve a ressecção da barra com
ou sem reconstrução do arco plantar (Figura 20), com ou sem
interposição de partes moles para evitar recidiva. A reconstrução
concomitante do arco plantar é uma opção para coalisões com pé
plano associado, porém a literatura não é farta sobre o resultado
desse procedimento. Coalisões que envolvam mais do que 50% da
articulação podem ter maior probabilidade de falha.
Em caso de múltiplas coalisões, falha de cirurgia de ressecção
prévia ou grande degeneração articular, opta-se pela fusão cirúrgica
com dupla ou tripla artrodese.
Figura 20. Pré e pós-operatório de ressecção de barra óssea incompleta.

Fonte: Cass et al., 2010.

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69:426-8.
Capítulo 34

Semiologia Osteomioarticular do
Eixo Corporal (Colunas Cervical,
Torácica e Lombar)
Autor(a): Farley Carvalho Araújo

CASO CLÍNICO
Identificação: Paciente do sexo masculino, 20 anos de idade, trabalha como assistente
de pedreiro.
História da Moléstia Atual: Paciente relata dor em topografia de coluna lombar há,
aproximadamente, 1 ano. Não há irradiação para membros inferiores. Informa que a dor é
pior pela manhã e, à medida em que se movimenta, a dor alivia um pouco. Também acorda
travado, fenômeno este que dura por, mais ou menos, 2 h. Não refere queixas em outros
sistemas. Nega uso atual de medicações (embora use dipirona quase diariamente, com
alívio pequeno da dor), cirurgias ou internações, tabagismo ou etilismo.

EXAME FÍSICO
Sinais Vitais: Pressão arterial (PA) – 120 × 60 mmHg; frequência cardíaca (FC) – 72;
frequência respiratória (FR) –13.
Geral: Paciente corado, hidratado, anictérico, acianótico, sem edemas, linfonodos não
palpáveis.
Sistema Cardiovascular: Bulhas normorítmicas e normofonéticas.
Sistema Respiratório: Murmúrio vesicular fisiológico.
Abdome: sem visceromegalias, com ruídos hidroaéreos.
Exame Físico Osteomuscular: Não há sinais de espessamento sinovial. A amplitude de
movimentos é preservada, exceto por leve redução da flexão anterior da coluna lombar,
ratificada, objetivamente, pela manobra de Schober (11 cm). Não se observam hipotrofias
musculares. As manobras de Kernig e Lasègue foram negativas. Reflexos de membros
inferiores estão presentes e simétricos. Curvaturas fisiológicas da coluna preservadas,
embora observe-se discreta redução da lordose lombar. Não há restrições à mobilidade da
coluna cervical.
Ao final da consulta, apresentou uma radiografia de articulações sacroilíacas, a qual
evidenciou sacroiliíte grau II bilateralmente.

QUESTÕES PARA DISCUSSÃO

1. O caso clínico sugere qual patologia?


2. Relacione etiologias de doenças da coluna com dor às flexões anterior ou
posterior da mesma.
3. Qual a importância dos sinais de alerta no contexto de doenças da coluna?
4. Como relacionar ritmo de dor com etiologias de doenças da coluna?

DISCUSSÃO

Semiologia da Coluna Vertebral


Afirma-se que até 90% das pessoas apresentarão dor na coluna em algum momento da
vida.
Existem, aproximadamente, 50 causas para dor na coluna e as mesmas podem se dever
a acometimento intrínseco da mesma ou secundário a doenças sistêmicas.
As afecções da coluna vertebral são responsáveis por altos custos aos sistemas de
saúde e previdenciários.
Ao avaliar a coluna vertebral, deve-se lembrar que, apesar de ser uma estrutura
individualizada, funciona como mais de um órgão, pois apresenta mais de uma função
específica.

Noções de anatomia funcional


Divide-se a coluna em cervical, torácica e lombar. Essa divisão relaciona-se, do ponto de
vista anatômico, a configurações diferentes do corpo vertebral, do canal medular e de
elementos posteriores (Figura 1).

Figura 1. Modelo anatômico da coluna inteira.


Fonte: Autoria própria.

Essa divisão também apresenta funções diferentes, no que tange à movimentação,


sendo a coluna cervical o segmento que apresenta maior diversidade de movimentos.
São sete vértebras cervicais, doze torácicas e cinco vértebras lombares, normalmente.
Alguns autores incluem o sacro como componente da coluna vertebral.
Além do componente ósseo em si (corpos vertebrais com seus arcos, lâminas e
processos), na coluna encontram-se discos intervertebrais, ligamentos (longitudinal
anterior, longitudinal posterior, flavum, interespinhoso), articulações (uncovertebrais,
interapofisárias) e sistema nervoso (medula espinhal e raízes) (Figuras 2 e 3).

Figura 2. Modelo anatômico da coluna lombar em visão frontal.


Fonte: Autoria própria.

Figura 3. Modelo anatômico da coluna lombar em visão sagital.


Fonte: Autoria própria.

Torna-se interessante, do ponto de vista funcional, dividir a coluna em três elementos:


elemento anterior, elemento posterior e elemento neural. Dessa divisão também se
depreendem as principais funções da coluna vertebral: sustentação, movimentação e
neuroproteção/transmissão nervosa (respectivamente).
A sustentação deve-se, anatomicamente, aos elementos anteriores (ou coluna anterior),
constituídos, principalmente, pelos corpos vertebrais e pelos discos intervertebrais. A
movimentação relaciona-se mais aos elementos posteriores, constituídos, sumariamente,
pelas articulações interapofisárias. Resta ao canal medular (ou canal vertebral) a função de
proteger a medula espinhal para garantir a transmissão neural do encéfalo aos demais
segmentos corporais através da medula espinhal e das raízes nervosas. Aquele (canal
vertebral) é constituído pela parede posterior do corpo vertebral e por pedículos e lâminas.
Acrescenta-se a musculatura paravertebral como componente motriz de toda essa
estrutura.

Manifestações Clínicas
A dor é o principal sintoma, quando o assunto é doenças da coluna. Deve-se estudá-la
através de dados como intensidade, irradiação, tempo de instalação, caráter da dor e,
principalmente, se é uma dor de ritmo inflamatório (dor ao repouso e alívio ao movimento)
ou de ritmo degenerativo-mecânico (dor ao movimento e alívio ao repouso).
Também pode-se encontrar rigidez matinal (travamento ao acordar que vai se aliviando
conforme o indivíduo inicia os movimentos do dia) como sintoma associado, além de
parestesias nos membros, perda de força nos membros ou perda de controle dos
esfíncteres.
É importante identificar os sinais de alerta (red flags) que remetem a etiologias mais
graves e de pior prognóstico de acordo com a etiologia das doenças da coluna. São eles:
febre (infecção, tumores), perda de peso (infecções crônicas, tumores), incontinências
urinária ou fecal (síndrome da cauda equina, mielopatia, hérnias discais volumosas), perda
motora (mielopatias, hérnias ciscais volumosas, tumores), dor noturna (doenças tumorais
ou autoimunes), dor de ritmo inflamatório (doenças autoimunes, como as
espondiloartropatias soronegativas), idade inferior a 18 anos e superior a 55 anos
(sugestivo de lesões tumorais ou doenças autoimunes da coluna). Tais sinais podem variar
um pouco conforme a literatura consultada.
Sensação de choque ou padrão de irradiação da dor para os membros podem sugerir
acometimento radicular (ou doença medular) e possibilitar previsão da topografia
segmentar neural acometida (p. ex., a raiz de S1 geralmente apresenta irradiação para a
face posterior da coxa; a raiz de L4 apresenta irradiação para a face anterior, e a raiz de L5
para a face lateral).
Uma outra queixa possível é a da claudicação intermitente (dor nos membros inferiores,
quando se caminha uma determinada distância). Embora seja caracteristicamente
relacionada à doença arterial obstrutiva periférica (claudicação vascular), também pode se
relacionar à estenose do canal vertebral, a qual decorre de etiologias multifatoriais
(hipertrofia do ligamento flavum, espondilodiscartrose, herniações discais, osteoartrite
zigoapofisária), caracterizando a claudicação neurogênica.
Ressalta-se que o contexto socioepidemiológico também é muito importante, quando se
avaliam doenças da coluna vertebral.
Na maioria das vezes, a etiologia da dor estará relacionada com a ocupação ou as
atividades desenvolvidas pelo paciente durante o dia.
A faixa etária também é importante. Sabe-se que, com o avançar da idade, tornam-se
mais prevalentes as etiologias degenerativas (espondiloartrose, osteoartrite
zigoapofisária). Também é de conhecimento que o contexto de hérnias discais
sintomáticas é menos comum em idosos, pois ocorre desidratação do disco com a idade,
reduzindo seu potencial de dano compressivo, quando o mesmo hernia. Do mesmo modo,
deve-se lembrar que as espondiloartropatias soronegativas são mais comuns nos jovens e
que, além disso, cursam com um padrão de dor diferente daquele da osteoartrite.
O sexo também ajuda a diferenciar etiologias, apesar de que há alguns confundidores
(p. ex., do ponto de vista anatômico, existiria uma maior facilidade para herniações discais
nas mulheres, mas as mesmas acontecem mais nos homens, muito provavelmente por
conta da ocupação desempenhada pelos mesmos). Sabe-se que a espondilite anquilosante
é muito mais comum nos homens do que nas mulheres e que síndromes de sensibilização
central (fibromialgia, por exemplo) ainda são mais comuns nas mulheres.

Exame Físico da Coluna Vertebral


O exame físico da coluna inicia-se pela observação do paciente assim que entra no
consultório, pois, nesse momento, já é possível identificar alguns padrões patológicos de
marcha ou postura.
O exame físico geral ajuda a identificar patologias sistêmicas que possam relacionar-se
à coluna vertebral. Exemplos:

• Se o paciente encontra-se hipocorado, relata dor óssea e é de meia-idade ou


idoso, a hipótese diagnóstica de mieloma múltiplo torna-se bastante provável,
embora ainda sejam possíveis outros diagnósticos

• Sopros à ausculta cardíaca podem ser sugestivos de causa infecciosa –


endocardite associada à espondilodiscite – ou de espondiloartropatia
soronegativa (espondilite anquilosante)

• O encontro de massa à palpação abdominal, principalmente quando à ectoscopia


se deduz consumpção, favorecendo a hipótese diagnóstica de tumor metastático
para a coluna

• O achado de crepitações à ausculta respiratória, principalmente em lobos


superiores, associado à história de emagrecimento, febre vespertina e sudorese
noturna, pode ser indício de mal de Pott

• O achado de esplenomegalia à palpação, associado a sinais/sintomas de


mielopatia, pode ser pista para o diagnóstico de neuroesquistossomose.
À ectoscopia, podem-se observar vícios e posturas, assim como atitudes antálgicas;
avaliar as curvaturas fisiológicas da coluna. A pele pode dar indícios de patologias, como
as manchas café com leite da neurofibromatose, os tufos pilares na espinha bífida ou as
lesões psoriasiformes na artrite psoriática de predomínio axial.
Nesse momento, é comum encontrar retificação da lordose lombar, hipercifose torácica
e escolioses. A cifose é mais bem observada no plano sagital, e a escoliose, por sua vez, no
plano frontal.
A escoliose pode ser classificada como estruturada (patologia intrínseca da coluna) ou
não estruturada (secundária à dismetria de membros inferiores, por exemplo). A
constatação de giba à flexão da coluna (manobra de Adams) favorece a hipótese de
escoliose estruturada.
Devem-se testar os movimentos da coluna, como flexão anterior,
hiperextensão/extensão, rotação, flexão lateral. A angulação à flexão anterior pode chegar
a 60° (na coluna lombar), 45° (tanto na flexão quanto na extensão da coluna torácica) até
próximo de 130° (flexoextensão na coluna cervical), enquanto a extensão da coluna lombar
é a menor entre os segmentos (30°).
Queixas manifestadas dependentes dos movimentos realizados podem favorecer
determinadas hipóteses diagnósticas. Por exemplo, se existe dor à flexão da coluna,
provavelmente os elementos acometidos são o corpo vertebral ou os discos intervertebrais
(espondiloartrose, hérnias discais etc.); dor à hiperextensão pode relacionar-se ao
elementos posteriores, como o canal medular, as articulações interapofisárias (estenose de
canal e osteoartrite zigoapofisária, respectivamente).
Se o paciente consegue vestir-se sem dificuldades, flexionar ao máximo a coluna (toca
os pés com as mãos à flexão, mantendo os joelhos em extensão), estender, e lateralizar a
coluna cervical, a probabilidade de acometimento da coluna naquele paciente é muito
pequena.
Ressalta-se a importância de avaliar a articulação do quadril, visto que patologias dessa
topografia podem apresentar padrão de dor irradiada para a coluna e vice-versa, assim
como o que acontece com as articulações sacroilíacas.
Também devem-se testar os reflexos, sendo que os mesmos se relacionam da seguinte
forma: bicipital (C5), estilorradial (C6), tricipital (C7), patelar (L4), aquileu (S1). Se existe
hiper-reflexia (reflexos exaltados, associados, muitas vezes, aos sinais de Babinski,
Oppenheim ou Hoffmann), infere-se provável mielopatia. Se os reflexos estão reduzidos (ou
abolidos), geralmente de forma assimétrica, sugerem radiculopatia.

Manobras Especiais
• Spurling: flexão lateral da cabeça com compressão craniocaudal; se positivo
(deflagra sintomas radiculares das extremidades), é sugestivo de herniação discal
cervical

• Kernig: extensão do joelho ipsolateral ao membro testado, a partir da posição em


flexão a 90° do quadril e do joelho. É positivo quando deflagra ciatalgia

• Lasègue: flexão máxima do membro inferior (leia-se articulação coxofemoral)


testado, partindo da posição neutra (0°), com o paciente em decúbito dorsal. Se há
sintoma radicular entre 30 e 70°, sugere-se ciatalgia/radiculopatia.

• Bragard: consiste na manobra de Lasègue realizada com dorsiflexão do pé. Isso


sensibiliza o teste e promove manifestação do sintoma em uma angulação inferior
à manobra de Lasègue realizada anteriormente

• Arco da corda: trata-se uma manobra para identificar simulação ou dor de origem
não axial. A partir do ponto em que a manobra de Lasègue foi positiva, flexionam-
se joelho e quadril. Se o paciente permanece referindo dor, provavelmente não se
trata de ciatalgia, visto que, nesse momento, o ciático se relaxa
• Sèze: consiste em caminhar nas pontas dos pés (raiz de S1) e, depois, sobre os
calcanhares (raiz de L5). Seu objetivo é testar déficit de força relacionado à
provável raiz acometida

• Cecin: consiste em realizar flexão anterior da coluna associada à manobra de


Valsalva. Isso aumenta a pressão intratecal, tornando esse teste o mais acurado
para identificação de hérnias discais com compressão radicular

• Schober: apresenta aplicabilidade na identificação de restrição de flexão anterior


da coluna lombar. A partir do ponto 0 marcado sobre a crista ilíaca
posterossuperior, marca-se 10 cm acima. Após flexão anterior máxima realizada
pelo paciente, mede-se, de novo, a distância entre os dois pontos. O teste é normal,
quando essa distância aumenta mais de 5 cm

• Brudzinski: avalia comprometimento da medula espinhal. Com o paciente em


decúbito dorsal, flexiona-se sua cabeça. Se houver flexão reflexa dos membros
inferiores, sugere-se doença medular (meningite, compressão medular por hérnias,
mielopatia autoimune)

• Volkman: trata-se de um dos testes possíveis de serem realizados para avaliação


da articulação sacroilíaca. Consiste em exercer pressão das mãos nas bordas
internas das cristas ilíacas, forçando abertura da pelve. Isso estressa as
articulações sacroilíacas, gerando dor em região lombar baixa, possibilitando
inferência de sacroileíte.

CONCLUSÃO
Neste capítulo, apresentou-se um caso clínico de espondiloartropatia soronegativa
(espondilite anquilosante), condição que poderia ser cogitada pelos dados da história e do
exame físico apresentados (paciente do sexo masculino, jovem, apresentando lombalgia
inflamatória crônica e limitação à flexão anterior da coluna). Embora não seja uma causa
tão comum de dor na coluna, é um bom exemplo de como se pode chegar a uma hipótese
diagnóstica de forma sólida antes mesmo de lançarmos mão da propedêutica armada.
Após breve introdução, foram abordadas as noções de anatomia aplicada. Essas
noções são úteis na prática clínica, seja para interpretar os achados de exame físico, seja
para formular hipóteses diagnósticas.
A partir daí, discutiram-se as manifestações clínicas e o exame físico da coluna,
propondo algumas etiologias, quando foi oportuno.
Acredito que, ao final deste capítulo, o leitor esteja apto para realizar o exame físico da
coluna vertebral e formular hipóteses diagnósticas.
Mas não se deve parar por aqui. Este foi o ponto de partida para o aprofundamento nas
principais patologias da coluna vertebral, para o estudo dos exames complementares e
formulação dos planos terapêuticos.
BIBLIOGRAFIA
1. Filho TEPB, Lech O. Exame Físico em Ortopedia. 2. ed. Sarvier; 2001.
2. Cecin HA, Ximenes AC. Tratado Brasileiro de Reumatologia. Atheneu; 2015.
3. Natour J et al. Coluna Vertebral: Conhecimentos Básicos. Etcetera; 2004.
4. Urits I, Burshtein A, Sharma M, Tesla L, Gold PA, Orhurhu V et al. Low back pain, a comprehensive review:
pathophysiology, diagnosis, and treatment. Current Pain and Headache Reports. 2019;23(3):23.
Capítulo 35

Semiologia Psiquiátrica
Autor(a): Rafael Góis Campos

CASO CLÍNICO:
Identificação: Mulher de 29 anos de idade, casada, 2 filhos (um de 4 anos e outro de 1
ano e 6 meses), ensino superior completo (Administração), trabalha em uma empresa de
cosméticos. Mora com o marido e os filhos.
Queixa Principal: “Tristeza há 2 meses”.
História da Moléstia Atual: Paciente relata que há cerca de 6 meses sente-se mais
desanimada, “meio sem vontade de fazer as coisas”. Há cerca de 2 meses os sintomas
intensificaram-se. Começou a sentir tristeza na maioria dos dias, fica angustiada sem
motivo aparente, chora “por qualquer coisinha”. Só tem motivação para cuidar dos filhos;
libido baixa. Dorme pouco e come demais. É sedentária. Nega ideação suicida, delírios e
alucinações. Não consegue perceber nenhum fator desencadeante específico, mas durante
a conversa conta que há 8 meses aconteceram algumas mudanças no emprego que a
desagradaram, há 6 meses sua mãe esteve doente e há 2 meses seu filho “vem dando
trabalho em casa”.
Exame Psíquico: Apresentação discretamente descuidada. Atitude passiva, faz pouco
contato visual e olha muito para baixo, mas tem bom contato. Consciente e orientada.
Atenção diminuída globalmente. Pensamento lentificado, mas organizado e sem delírios.
Psicomotricidade diminuída. Humor hipotímico, com afeto sintônico. Sensopercepção sem
alterações. Volição diminuída. Crítica e noção de doença preservadas.
Antecedentes Patológicos: Nega comorbidades, uso de medicações e drogas ilícitas.
Na época da faculdade, usou drogas (álcool, maconha e cigarro) em contexto recreacional
com amigos, mas parou completamente desde o nascimento do primeiro filho, há 4 anos.
Antecedentes Familiares: Mãe com história de depressões repetidas, com duas
internações por excesso de irritabilidade.
Hipótese Diagnóstica: Episódio depressivo moderado.
Conduta Inicial: Orientada a fazer mudanças em seu estilo de vida e a praticar
exercícios físicos. Encaminhada para terapia. Prescrito fluoxetina 20 mg pela manhã.
Evolução: três semanas depois, paciente retorna acompanhada do marido e do pai, com
quadro bem diferente. Mostra-se animada, falante, e revela que a vida está ótima – “fazia
muito tempo que não me sentia tão bem”. Tem ideias de grandeza (de que pode fazer
muita coisa e pode conquistar “as coisas que me faltam na vida”). Nega alucinações.
Apesar de inquieta e gesticulando muito, não estava agressiva ou agitada. Dorme muito
pouco, mas mantém-se disposta e “cheia de energia”. Quer fazer exercícios todos os dias
por tempos prolongados. Não fez gastos, porque marido retirou seus cartões de crédito.
O clínico resolve entender melhor a história. O marido, que a conhece há cerca de 10
anos, lembra de épocas na faculdade em que ela ficava “super empolgada” com as coisas,
saía mais do que o habitual, tinha muita libido e comprava exageradamente. Marido
estranhava, mas achava que era só um período mais empolgado. Nunca havia ficado do
jeito que está ou procurado ajuda por isso. Alguns desses períodos “empolgados” coincidia
com os períodos de uso de drogas ilícitas. O marido consegue identificar pelo menos três
episódios em que ela tenha ficado assim. No último deles, ao fim da faculdade (há 6 anos),
chegou a comprar 10 livros em um dia só e uma viagem, mesmo não estando com dinheiro
sobrando. Esses três episódios duraram cerca de 10 a 15 dias, com exceção deste último
que parece ter durado cerca de 2 meses, e por isso foi o mais marcante. Nunca havia
procurado ajuda médica por isso.
Parece ter tido dois episódios de ficar mais calada, mais “de cama”. Um desses
episódios foi logo após o nascimento do segundo filho, e o marido relacionou o fato à
própria maternidade. Ela ficava angustiada, insegura de cuidar do filho, achava que não era
capaz e sua mãe teve que passar algumas semanas ajudando-a a cuidar do filho.
O pai da paciente conta que a mãe dela tem história parecida: diversos episódios de
tristeza intensa e outros episódios de ficar acelerada, agitada e falante.
Exame Psíquico: Apresentação extravagante com roupas coloridas e bastante
maquiagem. Hipervígil e hipotenaz. Orientada em espaço, mas desorientada em tempo.
Pensamento de curso acelerado, com fuga de ideias e conteúdo com delírios de grandeza.
Psicomotricidade aumentada. Sensopercepção sem alterações. Humor exaltado com afeto
sintônico. Volição aumentada. Sem crítica e noção de doença.
Hipótese Diagnóstica: Transtorno bipolar em episódio maníaco.
Nova Conduta: O médico suspendeu a fluoxetina e prescreveu carbonato de lítio 600 mg
associado à quetiapina 25 mg para melhorar o sono. Solicitou exames gerais para
descartar causas orgânicas. Orientou cuidados e vigilância durante 24 h. Informou sobre
sinais de risco e locais de pronto atendimento. Pediu que retornassem em breve.

Introdução:
A semiologia psiquiátrica é um tema amplo, descrito em muitos artigos e livros. Para
fins didáticos, neste capítulo ela será dividida em três partes: anamnese psiquiátrica (a
parte da entrevista), exame psíquico ou exame do estado mental (o exame físico da
psiquiatria) e formulação diagnóstica (raciocínio clínico para o diagnóstico psiquiátrico).
Na prática, essas três partes ocorrem simultaneamente ao longo da consulta médica.
A semiologia psiquiátrica consiste em uma entrevista ou conversa estruturada (em
alguns momentos mais estruturada, em outros menos estruturada) na qual se tenta
entender padrões de comportamento do paciente e suas maneiras de pensar e interagir
com o mundo. Ela estará sempre associada a uma boa observação do paciente durante a
entrevista, de como interage com o interlocutor e com as demais pessoas presentes. Uma
boa semiologia psiquiátrica é uma combinação de arte e técnica.
Como em qualquer clínica, a avaliação psiquiátrica do paciente começa com a
anamnese: identificação, história da moléstia atual, antecedentes (pessoais e familiares).
Perpassa o exame psíquico (também chamado de exame do estado mental), os exames
físico e neurológico e pode ser importante para se descartarem causas orgânicas de
alteração de comportamento. Termina com a formulação de hipóteses diagnósticas
(sindrômicas ou etiológicas). Costuma-se dizer que a psiquiatria é a especialidade mais
clínica de todas, porque depende exclusivamente da história e dos exames físico/psíquico
para se formularem diagnósticos; os exames complementares são apenas para descartar
outras causas. Logo, deve-se entender a importância desse tema.

Anamnese

Conceitos básicos
Uma boa anamnese requer tempo, elemento que falta nos ambientes de prática atuais,
mas observando-se algumas questões básicas e conhecendo-se minimamente as grandes
síndromes psiquiátricas e seus diagnósticos diferenciais, é possível estabelecer os
diagnósticos corretos.
Na anamnese psiquiátrica, deve-se ouvir atentamente e ter muita paciência para
entender os meandros da outra pessoa. Porém sabe-se que, na maioria dos contextos de
práticas atuais, os atendimentos são rápidos e diretivos, logo, é importante direcionar um
pouco a anamnese do paciente evitando-se prolixidade, mas com cuidado para não perder
informações que sejam importantes para o entendimento do caso. Na maioria das vezes,
não é a quantidade de tempo oferecida ao indivíduo, mas a qualidade da atenção que
resulta em uma boa anamnese.
Com pacientes mais desorganizados, com transtornos psicóticos ou paranoides, nível
intelectual baixo ou “travados” por alto nível de ansiedade, podem-se usar entrevistas mais
estruturadas, com mais perguntas e direcionamento das conversas. Com pacientes mais
organizados e com inteligência normal, pode-se deixá-los falar mais livremente, apenas
conduzindo discretamente as respostas.
É importante destacar a necessidade da identificação detalhada do paciente, que é
sempre importante, mas em psiquiatria é mandatória! Nas perguntas iniciais, o médico já
consegue perceber várias alterações (como orientação, atenção, linguagem, memória, entre
outras). Especialmente nos pacientes muito ansiosos ou com transtornos paranoides, a
percepção do médico ajuda no questionamento inicial mais “neutro” para só depois se
introduzir as perguntas sobre o problema.
Na dúvida, usam-se perguntas mais genéricas no início (“está tudo bem com você?”,
“como anda a sua vida?”, “o que te trouxe aqui?” ou algo do tipo) e depois direcionam-se
mais as perguntas.
A essência da anamnese psiquiátrica não difere muito das demais clínicas: perguntar a
queixa principal, esmiuçar tal queixa, questionar sintomas associados, excluir outros
quadros que podem confundir com o quadro em questão.
Dica de um especialista: sempre perguntar sobre alterações de humor, descartar
sintomas psicóticos (alterações de pensamento e sensopercepção) e ideação suicida,
mesmo que o quadro não seja sugestivo ou o paciente “não aparente” ter alterações desse
tipo. Sempre lembrar-se de questionar sobre sono, apetite e outras funções biológicas que
comumente se alteram nos quadros psiquiátricos.
Mais para o fim da anamnese, perguntar sobre questões pessoais, tentando localizar a
pessoa em um contexto geral. Questionar o que está fazendo (trabalho, estudo etc.), como
está a rotina, como andam as relações pessoais, e outras perguntas mais genéricas sobre
a vida ajuda a entender vivências pessoais e perceber alguns outros sintomas. A história
psiquiátrica deve ir além dos simples sinais e sintomas e sua investigação. Deve incluir
certos contextos pessoais e ambientais, traumas atuais e pregressos, objetivos de vida,
entre diversas outras questões importantes além das técnicas.
Nos antecedentes, lembrar-se de perguntar sobre doenças prévias, uso de medicações e
de drogas ilícitas, e sobre antecedentes familiares, de preferência perguntar de contextos
familiares e da infância.
Há uma importante questão a ser lembrada: faça uma história objetiva com um familiar,
cônjuge, amigo próximo, ou qualquer pessoa que conheça bem o paciente. Se na primeira
consulta a pessoa veio desacompanhada, peça para trazer alguém na próxima. Na história
objetiva, podem ser obtidas mais informações que o paciente esqueceu ou omitiu
(propositadamente ou não), pode-se, inclusive, descobrir que tudo que o paciente contou na
realidade é delírio da cabeça dele (apesar de parecer convincente, às vezes). Muitas
doenças psiquiátricas cursam com falta de crítica da doença, e sem a história objetiva o
profissional não ficará sabendo dessas informações. Alguns alunos ficam em dúvida se a
história objetiva deve ser feita na frente do paciente ou sem a presença dele. Não há
resposta para isso, essa decisão vai depender do caso e tem que ser decidida no momento.

Questões subjetivas, vínculo e boa anamnese


psiquiátrica
Como pode-se perceber, muitas vezes na psiquiatria o profissional adentrará em
questões pessoais e muito íntimas do paciente. Nem sempre será necessário saber de
tudo da vida do paciente, mas possivelmente o psiquiatra esbarará em questões pessoais e
dependerá delas para um bom diagnóstico.
Nesses momentos, é essencial tentar criar um bom vínculo com o paciente, uma
atmosfera de confiança mútua e ter empatia, assim será mais fácil fazer perguntas que
podem parecer constrangedoras ou íntimas, e o paciente ficará mais à vontade para ser
sincero.
Não se deve ficar amigo ou íntimo do paciente, mas pode-se criar um ambiente de
confiança e fazer o paciente, que está provavelmente em sofrimento psíquico, se sentir
mais à vontade para falar das intimidades dele. Para a construção do vínculo, há o
encontro de duas pessoas, e não de dois robôs ou uma pessoa e um robô. E isso não é
ruim no caso da psiquiatria, ser mais humano (se é que é possível não ser) ajuda o clínico a
ter mais empatia com o caso e, com certeza, haverá mais benefícios.
O profissional deve lembrar-se de sua própria linguagem corporal. Na dúvida, deve
manter-se com uma postura mais neutra. Evitar ser rígido ou frio demais, mas também não
ser afetivo demais ou exageradamente emotivo. Deve evitar julgamentos durante a
entrevista. Responder com certa neutralidade, mas com empatia quando necessário. Deve
evitar reações de pena excessiva e de hostilidade ou agressividade.
Uma questão essencial nesse processo e que muitos médicos esquecem: o médico
DEVE identificar-se logo no início da entrevista (apresentar a si e a equipe presente). Isso
ajuda muito na formação de vínculo. Se necessário também sempre falar da questão ética
e do sigilo médico mostrando que o paciente e a família podem confiar nele.
Há duas questões muito importantes sobre a relação médico-paciente: a transferência e
a contratransferência. Ambas são questões inconscientes que surgem durante qualquer
conversa e anamnese, e podem ser positivas ou negativas. A transferência é a sensação
que o médico causa no paciente. A contratransferência é a sensação que o paciente causa
no profissional. Elas não devem ser evitadas e sim entendidas e elaboradas, e, quando
necessário, modificadas.
Outras especialidades orientam o médico a ser técnico. Muitos médicos pensam que
não devem se envolver ou que o paciente não deve causar nenhuma sensação, mas na
realidade isso é impossível. Sabe-se que o fator humano estará sempre presente nessa
relação e na psiquiatria ele deve ser usado a favor da relação, do paciente e da empatia do
clínico. Não se consegue (nem se deve) ser frio e distante o tempo todo; de alguma forma
o médico sempre causa alguma sensação no paciente e vice-versa. E mesmo quando essa
transferência é negativa (p. ex., o médico não teve empatia pelo sofrimento de um
paciente), isso não deve ser rechaçado, e sim entendido e até usado para se pensar em
alguns diagnósticos.
Questões subjetivas, que alguns podem intitular de opiniões instintivas ou intuição
pessoal, também podem ajudar a entender melhor o quadro do paciente. É dessa mistura
de questões objetivas e subjetivas que nasce o bom diagnóstico psiquiátrico.
Realizar uma boa anamnese psiquiátrica é bem difícil. Trata-se da complexidade da arte
que é juntar a objetividade de uma técnica científica com ter empatia e saber criar um
vínculo com o paciente.
A seguir é apresentado um resumo com 11 passos para fixar os principais elementos de
uma boa anamnese:

1. Comece identificando-se e identificando a equipe


2. Faça a identificação do paciente
3. Questione a queixa principal e vá direcionando a história principal
4. Comece de preferência com uma pergunta mais genérica e vá depois perguntando
o que interessa
5. Investigue e exclua outros quadros (psiquiátricos ou não)
6. Questione sintomas orgânicos como sono e apetite
7. Questione antecedentes pessoais e familiares
8. No fim faça perguntas mais genéricas sobre a vida atual do paciente e sua história
9. Ao longo de tudo isso, vá observando a linguagem verbal e não verbal do paciente
e já faça o exame psíquico
10. Faça história objetiva com familiar ou cônjuge
11. Lembre-se sempre de manter um bom vínculo, criar um ambiente que deixe o
paciente a vontade.

Psicopatologia:
O exame do estado mental ou exame psíquico costuma ser a parte mais importante da
semiologia psiquiátrica. São vivências, estados mentais e padrões comportamentais
descritos sob forma de sintomas, divididos em categorias e funções psíquicas.
Para fazer o exame psíquico há roteiros, guias, sugestões de perguntas, mas no fundo o
clínico faz o exame psiquiátrico ao longo de toda a conversa com o paciente. Desde o
momento em que o paciente se senta até quando ele vai embora, toda a linguagem (verbal
e não verbal) é avaliada. E esta última é tão importante quanto a primeira, afinal o que ele
não fala (mas demonstra) durante a conversa é tão importante quanto o que ele fala.
A psicopatologia é, como diz o Dr. Paulo Dalgalarrondo, uma linguagem, um idioma, uma
maneira de unificar as conversas entre os médicos. As pessoas tendem a ser peculiares e
inclassificáveis, mas uma ciência bem feita necessita de um idioma bem construído,
compreensível e honesto para que haja comunicação e entendimento mútuo. Ou seja, a
psicopatologia é apenas um jeito de sistematizar o conhecimento psiquiátrico em clusters
de sinais, sintomas e comportamentos. Mas obviamente, como afirma Karl Jaspers “não se
pode reduzir por completo o ser humano a conceitos psicopatológicos”, mas precisa-se
tentar.
De modo geral, não há sinais e sintomas psicopatológicos específicos (ou
patognomônicos) de determinado transtorno mental. O exame psíquico é momentâneo, é
uma descrição das observações do médico e das queixas feitas pelo paciente. Ele deve ser
somado à anamnese para se concluir o diagnóstico.
As principais funções psíquicas são: orientação, consciência, atenção, pensamento,
sensopercepção, psicomotricidade, volição, inteligência, linguagem, memória, humor e
afeto, crítica e noção de doença, mas existem outras, como atitude, contato, cognição
social, personalidade, que não serão abordadas.
Principais funções psíquicas:

• Consciência: estado de vigília, de clareza do sensório. Significa basicamente o


nível de consciência e vigilância. Se o paciente está acordado, vígil e desperto

• Principais alterações: o sono é uma alteração normal da consciência.


Alterações quantitativas: rebaixamento do nível de consciência (obnubilação,
torpor e coma) e síncope; alterações qualitativas: estados oníricos, estados
segundos, dissociação, transe, estado hipnótico

• Orientação: capacidade de se orientar quanto a si mesmo (autoorientação) e


quanto ao ambiente (tempo e espaço). Um paciente orientado envolve diversas
outras funções psíquicas como consciência, memória, inteligência, pensamento.
Um paciente pode estar desorientado por alteração em qualquer uma delas

• Principais alterações: basicamente o paciente pode estar orientado ou


desorientado tanto globalmente como apenas em relação a si, e em relação ao
tempo e ao espaço

• Atenção: direção da consciência, foco e concentração da atividade mental.


Capacidade de selecionar, filtrar e organizar as informações externas. Intimamente
relacionada à consciência
• Principais alterações: não há pleno consenso sobre as divisões da atenção.
Normalmente dividida em atenção mais focal e temporária (vigilância ou
atenção espontânea) e atenção de longo prazo (tenacidade ou atenção
sustentada). Ambas podem estar aumentadas ou diminuídas (hipervígil ou
hipovígil, e hipertenaz ou hipotenaz)

• Pensamento: consiste no fluxo e no conteúdo das ideias – o que o paciente pensa,


o que se passa na sua cabeça. Normalmente inclui juízos, conceitos e raciocínio.
Normalmente integram-se outras funções psíquicas, como a percepção, a
memória e a inteligência, e criam-se os atos volitivos e as ações motoras

• Costuma ser uma função psíquica complexa e, por isso, divide-se


didaticamente em curso, forma e conteúdo. O Primeiro é a velocidade de
pensamento, o ritmo, como ele flui. O segundo é como as ideias organizam-se,
como elas encadeiam-se, sua arquitetura. O conteúdo é sobre o que se pensa,
as ideias em si, a substância desse pensamento

• Principais alterações: por ser muito complexo, suas alterações também são. O
pensamento pode ser pueril, concreto (quando tem pouca flexibilidade), ser
tangencial ou circunstancial. Seguindo a divisão anterior, há:
Alterações de curso: o pensamento pode estar acelerado, lentificado, ser
bloqueado, ser roubado
Alterações de forma: o paciente pode ter um pensamento com ideias que
não se conectam, indo desde graus mais leves, como uma frouxidão dos
laços associativos ou com fuga de ideias, até quadros de desorganização
mais graves das ideias, como o descarrilamento de ideias ou desagregação
do pensamento
De conteúdo: a principal alteração é o delírio, quando o paciente tem uma
ideia fixa, irremovível, impossível e não passível de argumentação lógica.
Costuma-se dizer que o delírio é a certeza patológica. Podem ser de vários
tipos como: persecutórios, de ciúme, de ruína, de poder, místico e religiosos,
entre outros

• Sensopercepção: maneira como se captam sensações e se toma consciência


(percepção) do ambiente. Em palavras fáceis, a sensação são os sentidos
(audição, gustação, olfato, visão, tato, propriocepção). As alterações da
sensopercepção nada mais são do que as alterações desses sentidos, e as
alterações auditivas são as mais comuns nos quadros psiquiátricos. Na
sensopercepção, também estão incluídas a representação e a imaginação, que
não são patológicas

• Principais alterações: alucinações, ilusões, pseudoalucinações e alucinoses. As


duas primeiras são alterações qualitativas da sensopercepção. Nas
alucinações, não há um objeto real no ambiente; na ilusão há um objeto real,
mas percebido de maneira distorcida ou alterada pelo paciente. Ambas podem
ser de qualquer um dos sentidos (p. ex., alucinações auditivas e ilusões
auditivas). Há também as alterações quantitativas: hipoestesia e hiperestesias
(sentir de menos ou de mais, respectivamente) – mais comuns em doenças
neurológicas, mas podendo ocorrer em doenças psiquiátricas, como nas
somatizações

• Volição: é a vontade ou a motivação de uma pessoa; também tem uma


característica complexa e depende de questões afetivas, intelectuais, instintivas e
inconscientes

• Principais alterações: a vontade pode estar diminuída ou abolida (hipobulia ou


abulia) ou aumentada (hiperbulia). Os atos impulsivos e compulsivos também
têm relação com as questões volitivas

• Psicomotricidade: são as ações motoras ou o ato final motor, normalmente


secundárias às questões da vontade (volição) e do pensamento. Portanto, a
psicomotricidade costuma estar alterada quando os componentes da volição e do
pensamento estão

• Principais alterações: psicomotricidade muito diminuída (catatonia), um pouco


diminuída (lentificação psicomotora), normal, um pouco aumentada
(inquietação) e muito aumentada (agitação psicomotora e agressividade). Os
tiques e estereotipias também costumam ser alterações da psicomotricidade

• Inteligência: não é algo único, mas um constructo, um conjunto de habilidades


cognitivas que ajudam a perceber, sintetizar, organizar e resolver problemas

• Principais alterações: normalmente patológica, quando diminuída, podendo ser


por questões genéticas, de nascimento, do neurodesenvolvimento ou em
virtude de quadros neurodegenerativos

• Linguagem: é a principal forma de comunicação dos seres humanos,


especialmente na sua forma verbal. Pode ser escrita, gesticulada ou lida. É
essencial para organização e expressão do pensamento

• Principais alterações: podem ocorrer por questões neurológicas, motoras,


anatômicas ou psiquiátricas. Na psiquiatria, as principais alterações incluem a
velocidade dessa linguagem, podendo estar aumentada (loquacidade, pressão
para falar ou taquilalia), diminuída (bradifasia) ou abolida (mutismo). Os tiques
verbais, a mussitação, as pararrespostas e os neologismos são outras
alterações possíveis
• Memória: capacidade de perceber, sistematizar, armazenar e evocar as
informações e acontecimentos da vida

• Principais alterações: quantitativamente podem ocorrer tanto hipermnésias


como amnésias (ambas focais ou generalizadas); qualitativamente podem
ocorrer ilusões mnêmicas, alucinações mnêmicas e confabulações

• Humor e afeto: a vida afetiva (humor, afeto, sentimentos, emoções, paixões) é o


que dá cor, sabor e brilho à vivência humana. Humor seria o estado basal e difuso
dessa afetividade. O afeto seria a emoção e a sensação incluída em cada
momento e ideia

• Principais alterações: basicamente o humor oscila em dois polos: no meio há o


humor normal ou neutro (eutímico), um polo de humor para baixo (humor
hipotímico ou deprimido ou triste), e um polo de humor para cima (humor
hipertímico ou exaltado); a irritação ou disforia também é uma alteração de
humor (normalmente classificada no polo exaltado); medos, angústias e
ansiedades também são alterações de humor. O afeto pode estar lábil (quando
oscila rapidamente entre os polos) ou distante, frio ou indiferente (afeto
embotado ou apático)

• Crítica e noção de doença: é o grau de percepção do paciente quanto a sua


doença ou alteração de comportamento

• Principais alterações: quando presente é considerada normal, mas pode ser


parcial ou ausente em diversos quadros psiquiátricos, dificultando a adesão ao
tratamento e a percepção de suas alterações.
Toda vez que o médico iniciar uma anamnese psiquiátrica, deve observar, saber e
descrever tudo isso? Os professores de semiologia mais preciosistas diriam que: o ideal
seria que sim, como o exame físico deveria ser sempre completo. Mas em determinados
transtornos, algumas funções serão mais importantes, e em outros transtornos, não.
Atentando-se para humor, pensamento, sensopercepção, memória e inteligência, o
profissional conseguirá iniciar boa parte do raciocínio clínico. Isso não significa que deve
ignorar os outros. É fácil perceber todos esses elementos ao longo da entrevista, sem
precisar, necessariamente fazer perguntas específicas ou perder tempo com cada uma
dessas funções (mas na dúvida, pergunte diretamente).

O Raciocínio Diagnóstico
No fim, somando-se anamnese, história objetiva e o exame do estado mental vão se
interpretando os sinais e sintomas com habilidade para se pensar nas principais hipóteses
diagnósticas.
Nesse momento, vale muito usar o raciocínio clínico habitual de fazer uma hipótese
diagnóstica sindrômica inicial (tabela 1) e, em seguida, após excluir causas secundárias, se
chegar a principal hipótese.

Tabela 1. Principais síndromes psiquiátricas.

• Síndromes depressivas
• Síndromes maníacas ou manitiformes
• Síndromes ansiosas
• Síndromes psicóticas
• Síndromes psicomotoras (desde a catatonia até a agitação psicomotora)
• Síndromes neurocognitivas (síndromes mentais orgânicas, demências e delirium)
• Síndromes cognitivas do neurodesenvolvimento (retardo mental e transtornos afins)
• Síndromes relacionadas ao comportamento alimentar
• Síndromes relacionadas ao uso de substâncias e comportamentos aditivos
• Quadros relacionados ao sono
• Quadros relacionados a sexualidade, identidade de gênero, parafilias e questões
sexuais

É importante reiterar que o diagnóstico psiquiátrico é sempre de exclusão! Não há


biomarcadores nem exames específicos para diagnóstico de nenhuma doença psiquiátrica
atualmente (talvez os transtornos neurocognitivos, como as demências, estejam
aproximando-se disso, mas muitos não veem essas doenças como psiquiátricas). No
entanto, a solicitação de exames complementares serve para exclusão de outras causas de
alteração do comportamento (neurológicas ou orgânicas). Nesse sentido, a psiquiatria é a
especialidade mais clínica de todas, é aquela que depende exclusivamente do bom vínculo,
da boa anamnese, do bom exame físico/psíquico para se chegar ao diagnóstico. Em
psiquiatria, a clínica “é soberana”.
Um grande auxílio no diagnóstico psiquiátrico é a aplicação de escalas, testes
psicológicos e neuropsicológicos. São todas maneiras de tentar objetivar a avaliação
clínica psiquiátrica que para muitos soa subjetiva. Sempre que necessário, tais testes
podem ser aplicados pelo clínico em consulta ou solicitados por um profissional
especializado. Para cada síndrome ou doença, existem as escalas mais recomendadas.
Para se fazer diagnósticos, é importante conhecer os manuais de classificação e seus
critérios diagnósticos. Em psiquiatria, esse apego a critérios diagnósticos não é tão
importante quanto em outras áreas da medicina. É importante se ter uma noção,
especialmente das doenças mais prevalentes, mas não precisa levá-los “ao pé da letra”.
Existem dois principais manuais usados: a Classificação Internacional de Doenças e
Problemas Relacionados à Saúde (CID), atualmente em sua 10ª edição (caminhando para
11ª) e o Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM), manual
americano que teve sua 5ª edição lançada em 2013. O DSM lida apenas com doenças
psiquiátricas, alterações de sono e transtornos neurocognitivos e a CID-10 inclui todas as
doenças, incluindo um capítulo para as doenças do comportamento (Capítulo F). Neste
capítulo, não serão abordadas as questões de validade dos diagnósticos psiquiátricos e de
seus limites.
É importante lembrar que nem sempre será possível se chegar a um diagnóstico
definitivo na primeira consulta, que comumente é necessário acompanhar a evolução
clínica do caso para se chegar a diagnósticos mais fechados.
Para finalizar o capítulo, um segundo resumo:

1. Fazer anamnese
2. Durante a anamnese, observar o paciente e fazer o exame psíquico
3. Se necessário, fazer perguntas específicas para alguma parte do exame psíquico
(perguntas para testar orientação, por exemplo)
4. Pensar nas grandes síndromes psiquiátricas e descartar possíveis diagnósticos
5. Pensar em causas orgânicas e neurológicas e excluí-las
6. Pensar em questões relacionadas a uso de drogas ilícitas ou medicações e excluí-
las
7. Aplicar ou solicitar escalas e testes psicológicos, se necessário
8. Solicitar exames complementares, se necessário
9. Se possível chegar no diagnóstico definitivo: ótimo. Se não, fazer o diagnóstico
mais preciso que conseguir, iniciar tratamento e acompanhar o caso.

BIBLIOGRAFIA
1. American Psychiatric Association. DSM V. 2013.
2. Dalgalarrondo P. Psicopatologia e Semiologia dos Transtornos Mentais. 3. ed. Artmed; 2019.
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4. Kaplan, Sadock. Compêndio de Psiquiatria. 9. ed. Artmed; 2007.
5. Moreno R, Cordás T. Condutas em Psiquiatria: Consulta Rápida. 2. ed. Artmed; 2018.
Capítulo 36

Semiologia da Dor
Autor(a): Odon Tavares de Souza Neto

ANAMNESE
Identificação: Paciente do sexo feminino, 42 anos de idade,
empresária, divorciada, parda, natural e procedente de São Paulo
(SP).
Queixa Principal: “Dor em queimação em punho direito”.
História da Moléstia Atual: Paciente vítima de queda da própria
altura, evoluindo com dor e edema em punho direito. Procurou a
emergência médica de hospital terciário 2 h após o trauma, sendo
diagnosticada (através de radiografia de punho anteroposterior) com
fratura de rádio distal à direita pelo traumatologista. Prescreveu-se
imobilização com tala engessada e orientou-se retorno semanal e
observação por 6 semanas. Fora prescrito também no hospital
tramadol 100 mg endovenoso e, domiciliarmente, ibuprofeno 300 mg
a cada 8 h. Após 1 semana do primeiro atendimento, retorna ao
mesmo hospital com dor e edema em membro fraturado, relatando
que a analgesia prescrita era ineficaz. O médico traumatologista
plantonista optou por acrescentar codeína 30 mg a cada 6 h e manter
o planejamento terapêutico do primeiro colega. Após 4 semanas do
trauma e de constantes avaliações em emergências ortopédicas por
dor (sem resolução), resolve procurar, de forma eletiva, médico
ortopedista especialista em mão. O mesmo solicitou novos exames
de imagem (radiografia com incidência anteroposterior e de perfil, e
tomografia de punho) que evidenciaram: ausência de consolidação
eficaz e possível lesão articular do punho. Sugerida fixação cirúrgica
da fratura com realização de artroscopia do punho direito. O
procedimento cirúrgico realizado 5 semanas após o primeiro
atendimento não apresentou intercorrências. Em retornos semanais
ao médico que a operou, a paciente relata piora paulatina da dor e
surgimento gradual de: sensação de queimação, dor excruciante ao
toque, espasmo muscular, diminuição da força no punho, alteração
de fâneros e vermelhidão na região afetada. Após 2 meses de uso
intermitente de opioides, anti-inflamatórios e corticosteroides, não
houve melhora considerável do quadro e, por conseguinte, o cirurgião
optou por encaminhá-la ao médico especialista em dor.
Interrogatório Sintomatológico: Nega perda ponderal, nulípara.
História Patológica Pregressa: Nega alergias, etilismo, tabagismo
e cirurgias prévias. Relata intolerância à glicose e transtorno de
ansiedade.
Medicamentos: Metformina 500 mg 2 vezes/dia; escitalopram 10
mg 1 vez/dia.
História Familiar: Pai vivo e com história de doença arterial
coronariana, mãe com diabetes melittus e depressão. Possui uma
irmã hígida.
História Psicossocial: Paciente queixa-se de transtorno de
ansiedade desde a adolescência, porém só teve uma consulta com
psiquiatra há 3 anos, ocasião em que lhe fora prescrito escitalopram.

EXAME FÍSICO
Dados Vitais: Altura - 162 cm; peso – 85 kg; frequência
respiratória (FR) – 14 irpm; pressão arterial (PA) – 135 × 90
mmHg; frequência cardíaca (FC) – 82 bpm; temperatura axilar –
37°C.
Geral: Paciente cooperativa, queixosa, hipoativa, eutrófica,
hidratada, anictérica e acianótica, mucosas normocrômicas,
orientada no tempo e no espaço.
Sistema Cardiovascular: Ritmo cardíaco regular, bulhas
normofonéticas, sem sopros.
Sistema Respiratório: murmúrio vesicular universal, sem ruídos
adventícios.
Abdome: Plano, flácido, indolor, sem visceromegalias, com ruídos
hidroaéreos sem alterações.
Extremidades: Punho direito edemaciado, com pele fina e pálida,
alodínea em região de cicatriz operatória e dificuldade de extensão e
flexão da mão, bem como atrofia de região hipotênar.
Suspeita Diagnóstica: Dor crônica – distrofia simpaticorreflexa.
Conduta: Orientação; planejamento fisioterápico; interconsulta
com psiquiatra para ajuste de medicação para transtorno de
ansiedade prévio; realização de bloqueio simpático 1 a 2 vezes por
semana, até alívio dos sintomas.
Intervenção medicamentosa: Pregabalina 150 mg/dia +
prednisona 40 mg por 2 semanas + alendronato 10 mg/dia + dipirona
1 g de horário e celecoxibe 200 mg de resgate.
Reavaliação a cada 15 dias.

EXAMES COMPLEMENTARES
Não indicados.

QUESTÕES PARA DISCUSSÃO


1. Qual a definição de dor? Qual a sua epidemiologia?
2. Como pode ser classificada a dor temporalmente?
3. Como deve ser avaliada a dor e quais os instrumentos
disponíveis para sua avaliação?
4. Quais alterações fisiológicas e a sua repercussão em
órgãos e sistemas?
5. Quais os principais termos utilizados no manejo da dor?

DISCUSSÃO
1. A dor pode ser compreendida como uma experiência
sensorial e emocional desagradável, associada a um dano
real ou potencial dos tecidos ou descrita em termos deste
dano, ou seja, não é necessário um estímulo nóxico
(doloroso) específico tampouco caracterização verbal do
É
paciente. É essencialmente uma manifestação subjetiva,
variando sua apreciação de um indivíduo para o outro.
Estudos mostram maior prevalência de dor, de intensidade e
de maior consumo de medicamentos analgésicos entre
pessoas do sexo feminino. Outro aspecto importante é o
aumento dessa prevalência com o avançar da idade.
2. A dor pode ser classificada temporalmente em aguda e
crônica. A maioria das referências médicas definem como
dor crônica aquela que é persistente ou recorrente,
perdurando mais de 3 a 6 meses. Dessa forma, dor aguda é
aquela com duração inferior a esse período. Uma exceção é
a dor crônica pós-operatória, cujo tempo de definição
geralmente aceito é quando persiste por mais de 2 meses. É
importante salientar que a dor aguda é acompanhada de
manifestações neurovegetativas e que remite após a
retirada do fator causal, e na dor crônica, a avaliação e o
tratamento tornam-se dificultosos, pois, uma vez instalada,
sua perpetuação pode acorrer mesmo após a retirada do
fator causal (quando identificado).
3. A dor foi citada como quinto sinal vital pela primeira vez em
1996 por James Campbell (Presidente da Sociedade
Americana de Dor), por conseguinte, uma avaliação
apropriada torna-se de suma importância no tratamento do
paciente, pois proporciona uma terapia analgésica
adequada. Resumidamente, o médico deve atentar e, se
possível, documentar os seguintes aspectos:

• Avaliar a dor no momento da consulta


• Em qualquer alteração da condição clínica do paciente, a
dor deve ser reavaliada

• Utilizar ferramentas adequadas para grupos específicos de


pacientes, como por exemplo: neonatos, lactentes, crianças,
idosos com comprometimento cognitivo (demência
avançada), pacientes em estado grave ou inconscientes
(entubados, sedados) e pacientes oncológicos

• Investigar: a localização e a intensidade da dor; se há


irradiação; tempo de duração da dor; se tem caráter
intermitente ou contínuo; avaliar os descritores utilizados
pelos pacientes (formigamento; pontada; queimação etc.);
os fatores de piora e melhora – movimentação e repouso,
momentos do dia em que há piora e melhora; considerar o
tratamento atual e prévio, englobando os fatores
farmacológicos e não farmacológicos; adesão ao
tratamento; efeitos colaterais e reações adversas; impacto
na qualidade de vida diária – sono e repouso; trabalho;
apetite; humor; convívio social, entre outros.
São descritos inúmeros instrumentos (unidirecionais ou
multidirecionais) disponíveis para avaliação da dor. Os instrumentos
unidimensionais são ferramentas ágeis e de fácil aplicabilidade,
porém quantificam apenas o nível de intensidade da dor, sendo a
Escala Analógica Visual (EAV) e a Escala Numérica Visual (Figura 1)
e Verbal as mais utilizadas em nosso meio. Os instrumentos
multidimensionais são escalas utilizadas para avaliar e quantificar as
diferentes dimensões da dor. As principais dimensões avaliadas são
a sensorial, a afetiva e a avaliativa, e o questionário mais utilizado é o
de McGill.
Figura 1. Escala Numérica Visual.
Fonte: própria.

4. O processamento da dor inclui quatro mecanismos


principais: transdução, transmissão, modulação e
percepção. Classicamente, o estímulo nóxico (doloroso)
inicia-se com lesão tissular, cursando com liberação de íons
K+e H+, liberação de histamina, prostaglandinas e alguns
neurotransmissores (p. ex., serotonina), ativando, assim, os
nociceptores periféricos (transdução). Alguns desses
neurotransmissores (substância P, peptídeo ligado ao gene
da calcitonina) induzem vasodilatação periférica e
extravasamento plasmático, aumentando, por sua vez, o
processo inflamatório. Esse estímulo é transmitido pelos
nociceptores ao corno dorsal da medula através das fibras
axonais A-delta e C (transmissão), local responsável pela
modulação da dor. Vale lembrar que o corno dorsal da
medula é uma estrutura muito complexa, na qual há ação de
vários neurotransmissores (serotonina, norepinefrina,
encefalina, substância P etc.). Uma vez que o estímulo sofre
modulação na medula, ele é transmitido ao tálamo
(responsável pela localização, duração e intensidade da dor,
bem como pelas repercussões autonômicas e por parte das
respostas emocionais) pelo trato espinotalâmico. O tálamo
envia fibras a áreas corticais que são responsáveis pela
percepção e localização mais precisa da dor, e pelas
alterações emocionais (sofrimento) ligadas ao estímulo
nóxico (percepção). Essas alterações somáticas e
autonômicas citadas podem alterar o funcionamento de
vários órgãos e sistemas (Tabela 1), inclusive aumentando a
morbidade.
Tabela 1. Alterações fisiológicas da dor.

SISTEMA
↑ FC, ↑ PA, ↑ RVS, ↑ trabalho cardíaco
CARDIOVASCULAR

Hipóxia, retenção de CO2, atelectasia,


SISTEMA
dificuldade em tossir, ↓ VC, ↓ CRF, alteração
RESPIRATÓRIO
da ventilação/perfusão

SISTEMA
Náuseas, vômitos, íleo paralítico
GASTRINTESTINAL

SISTEMA RENAL Oligúria, retenção urinária

SISTEMA NERVOSO
Ansiedade, medo, fadiga, falta de sono
CENTRAL

Dor muscular, estase venosa,


EXTREMIDADES
tromboembolismo

FC: frequência cardíaca; PA: pressão arterial; RVS: resistência


vascular sistêmica; VC: volume corrente; CRF: capacidade residual
funcional. (Adaptada de Mattos et al., 2018.)

5. Alodínia – dor a um estímulo que normalmente não é causa


de dor. Exemplo: um leve toque na pele do paciente gera um
estímulo doloroso desproporcional.
Analgesia – ausência de percepção dolorosa.
Diestesia –sensação desagradável causada ou não por um
estímulo nóxico.
Hipoalgesia – diminuição da sensibilidade à dor.
Hiperalgesia – aumento da sensibilidade a um estímulo que
geralmente causa dor.
Hiperestesia – sensibilidade aumentada a um estímulo (a palavra
é usada para indicar um limiar diminuído para qualquer estímulo –
térmico, tátil etc. – e uma resposta aumentada aos estímulos
normalmente reconhecidos).
Hipoestesia – redução da sensibilidade cutânea (toque leve,
estímulo barométrico ou térmico).
Neuralgia – dor na distribuição anatômica de um nervo ou de um
grupo de nervos.
Parestesia – sensação anormal sem um estímulo aparente.
Radiculopatia – função anormal de uma ou mais raízes nervosas.
Dor somática – é aquela causada por um estímulo nóxico,
geralmente bem localizada, descrita como sendo sensação aguda de
picada, ou latejante ou, até mesmo, de queimação.
Dor visceral – geralmente é uma dor ligada a órgãos internos e a
suas estruturas envoltórias (pleura parietal, pericárdio e peritônio). De
descrição central e difusa, mal localizada, geralmente causando
náuseas, vômitos e sudorese devido a alterações no sistema nervoso
autônomo.

BIBLIOGRAFIA
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Anesthesiology. 5th ed. New York: McGraw-Hill; 2013. p. 1023-39.
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11. Merskey H, Bogduk N. Classification of Chronic Pain. 2nd ed. Seattle: IASP Press;
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14. Pimenta CA, Teixeira MJ. Questionário de dor McGill: proposta de adaptação para
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17. Wu CL, Raja SN. Treatment of acute postoperative pain. Lancet. 2011; 377:2215-25.
Capítulo 37

Semiologia da Criança
Autor(a): Vera Bain

ANAMNESE
Paciente do sexo masculino, 7 meses de idade, levado pela mãe
para consulta pediátrica.
Queixa e Duração: Há 2 dias com salivação intensa e diminuição
da aceitação alimentar.
História da Moléstia Atual: Paciente previamente hígido, em
acompanhamento pediátrico de rotina, sem intercorrências prévias.
Há 2 dias apresenta-se mais choroso e irritado, recusando todos os
alimentos sólidos e aceitando apenas leite materno. Não apresentou
náuseas ou vômitos. Mãe relata que criança leva as mãos à boca
com frequência e chora. Apresenta salivação intensa durante todo o
dia. Nega febre.
IS: Nega alterações de diurese e sintomas respiratórios. Relata
algumas evacuações mais pastosas ao longo dos últimos 3 dias.
Alimentação Pregressa e Atual: Foi amamentado com leite
materno exclusivo até os seis meses de idade, quando iniciou
alimentação complementar com papas de frutas e salgada. Boa
aceitação da alimentação orientada pelo pediatra até dois dias antes
da consulta atual.
Desenvolvimento Neuropsicomotor: Senta-se sem apoio, segura
objetos com a mão e consegue trocar os objetos de mão; balbucia e
reconhece estranhos.
Vacinas: Mãe afirma que a vacinação está atualizada, mas não
trouxe o cartão vacinal da criança.
Antecedentes Pessoais: Sem intercorrências na gestação,
realizou pré-natal adequado. Parto normal com 39 semanas, teste de
Apgar 9/10/10; recebeu alta com 3 dias de vida junto com a mãe.
Sem doenças agudas nem internações prévias.
Antecedentes Familiares: Pais saudáveis. Avós paternos com
hipertensão arterial, sem outras doenças conhecidas na família.
Ambiente: Mora em apartamento com os pais, dorme em berço
próprio. Mãe leva a criança para passear todas as manhãs para ter
exposição ao sol. Cuidados de higiene: banho uma vez ao dia ou
duas vezes em dias de muito calor; higiene oral com gaze úmida uma
vez ao dia.

EXAME FÍSICO
Sinais Vitais: Frequência cardíaca (FC) – 120 bpm; frequência
respiratória (FR) – 28 irpm; temperatura: 36,2°C.
Dados Antropométricos: Peso – 8.500 g; estatura – 69 cm;
perímetro cefálico – 44 cm.
Geral: Bom estado geral, ativo e reativo, corado, hidratado,
anictérico e acianótico.
Pele: Sem lesões de pele.
Cabeça e Pescoço: Fontanelas fechadas, sem linfonodos
palpáveis em região cervical, sem massas ou abaulamentos
Otoscopia: Normal bilateral.
Oroscopia: Discreta hiperemia em região gengival inferior, com
aparecimento de um dente.
Sistema Respiratório: Tórax simétrico, expansibilidade adequada,
ausculta com murmúrios vesiculares presentes, sem ruídos
adventícios nem sinais de desconforto respiratório.
Sistema Cardiovascular: íctus não visível e não palpável, ausculta
com bulhas rítmicas e normofonéticas, em dois tempos e sem
sopros. Pulsos periféricos cheios e simétricos, tempo de enchimento
capilar de 2 segundos.
Abdome: globoso, com ruídos hidroaéreos, flácido, percussão
timpânica, sem massas palpáveis, fígado a 2 cm do rebordo costal
direito e baço não palpável.
Sistema Nervoso: Paciente ativo, reagindo a estímulos, com
sorriso social, sem rigidez de nuca, não apresenta reflexos primitivos.
Períneo e genitália: Sem lesões de pele, genitália masculina
típica.

CONDUTA
Suspeita diagnóstica: surgimento dos primeiros dentes da
criança. No momento sem necessidade de exames complementares.
Optou-se por tranquilizar a família, orientar medidas para alívio dos
sintomas, como uso de mordedores e alimentos mais frios.
Contraindicado uso de medicações que contenham anestésicos
locais como lidocaína.
Em relação à consulta de puericultura de rotina, registrados
crescimento e estado nutricional adequados, alimentação adequada,
desenvolvimento neuropsicomotor adequado, ambiente adequado,
vacinas sem informação. Parabenizou-se a família pelo bom
desenvolvimento e ganho de peso da criança, reiterou-se a
necessidade de não esquecimento do o cartão vacinal na próxima
consulta e marcou-se retorno de rotina aos 9 meses de idade.

QUESTÕES PARA DISCUSSÃO


1. Quais são as particularidades da anamnese e do exame
físico das crianças?
2. Se a família não tem nenhuma queixa de saúde, é
necessário marcar consultas de rotina para a criança?
Com qual frequência?
3. Qual é o principal foco da consulta pediátrica? Quais são
os dados que não podem faltar em todas as consultas?
4. Quais são os diagnósticos de saúde da criança que
devem ser avaliados em todas as consultas de
puericultura?

DISCUSSÃO
A Consulta Pediátrica
A Puericultura é a área da saúde que se dedica a estudar o
desenvolvimento da criança, desde o nascimento até o final da
adolescência e o ingresso na vida adulta. Historicamente, seu maior
objetivo era o de diminuir a mortalidade em crianças através da
instituição de hábitos de higiene, aplicação de vacinas e orientações
em relação ao risco de doenças infecciosas. Ao longo do século XX,
houve importante aumento da expectativa de vida na sociedade e
queda da mortalidade infantil, o que levou a pediatria e a puericultura
a se voltarem para um novo foco, que é a possibilidade de a criança
chegar à vida adulta da maneira mais saudável possível, através de
alimentação adequada, atividade física e preparação para assumir
responsabilidades e orientação para o cuidado com a própria saúde.
Uma particularidade da consulta pediátrica é o fato de lidar com
crianças de idades muito variadas e com graus de desenvolvimento e
autonomia que são crescentes ao longo da vida. No início, depende-
se muito das informações de pais e cuidadores para se avaliar a
saúde da criança. Nos primeiros anos de vida, o desenvolvimento
físico e neurológico é muito rápido, e a criança muda e evolui a cada
consulta. Por isso as consultas são mais frequentes nos primeiros
meses de vida e mais espaçadas ao longo da infância.
Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria, a frequência das
consultas deve ser mensal nos primeiros 6 meses de vida, trimestral
dos 6 aos 18 meses, semestral até os 4 anos de idade e anual até o
final da adolescência.

ANAMNESE
A estrutura da anamnese pediátrica segue o mesmo modelo da
anamnese tradicional, com a particularidade de que o médico deve
tentar coletar informações com a família e, sempre que possível,
também com a criança.
Queixa e Duração, História da Moléstia
Atual e Interrogatório sobre os Diversos
Sistemas
Muitas consultas pediátricas podem acontecer sem nenhuma
queixa, como nas consultas de rotina. Algumas perguntas-chave no
momento da avaliação devem ser: aceitação alimentar, estado geral
atual e nível de atividade (ativo, prostrado, com pouca resposta a
estímulos) da criança e como se compara com o que os pais
entendem como o normal do seu filho, sono, alterações no padrão de
diurese e evacuação.
Deve-se ficar atento para o fato de que as famílias vão priorizar o
que acham mais importante ou o que chama a atenção delas, mas
que nem sempre é a informação principal que o médico deseja obter
naquela consulta. Assim, o pediatra deve dar atenção à queixa da
família, mas não deixar de fazer a avaliação completa da criança em
todas as consultas.

Antecedentes Pessoais
A história da saúde da criança pode ser dividida entre os eventos
da gestação e do parto e aqueles que aconteceram após seu
nascimento.
A história gestacional materna deve conter as seguintes
informações: idade materna, número de gestações e paridade,
intercorrências em gestações anteriores e doenças que aconteceram
nessa gestação, uso de medicações, álcool e drogas ilícitas durante
a gestação, número de consultas de pré-natal, exames coletados,
incluindo as sorologias para vírus da imunodeficiência adquirida
(HIV), sífilis, hepatite tipos B e C, toxoplasmose e idealmente também
rubéola e citomegalovírus. Em algumas regiões do Brasil, indica-se a
sorologia para detectar vírus T-linfotrópicos humanos (HTLV).
Em relação ao parto, deve-se indagar se foi realizado em
hospital/maternidade ou domicílio, se houve atenção por
parteira/doula, enfermeiro ou médico, e qual foi a via de parto, escore

É
de Apgar e se houve alguma intercorrência. É fundamental saber com
quantas semanas de gestação aconteceu o nascimento, uma vez que
o cuidado com recém-nascido prematuro é diferenciado e seus
riscos de saúde devem ser abordados nas consultas.
Os antecedentes mórbidos da própria criança incluem
hospitalizações, doenças crônicas, infecções recorrentes, uso de
antibiótico.

História Alimentar
A alimentação da criança é parte fundamental da consulta
pediátrica e uma das maiores fontes de preocupação da família.
O aleitamento materno exclusivo é recomendado até os 6 meses
de idade e, após isso, o pediatra orienta a introdução da alimentação
complementar. Os alimentos são oferecidos aos poucos, iniciando-se
com fruta e papa salgada uma vez ao dia. Ao longo dos meses, há
evolução da consistência dos alimentos, da frequência das refeições
de fruta e as salgadas e de suas quantidades. Com 1 ano de idade, a
criança deve estar pronta para receber a mesma alimentação da
família, desde que esta seja uma alimentação saudável.
Alguns detalhes para a oferta de alimentos para a criança: açúcar
só deve ser oferecido após os 2 anos de idade e o sal deve ser
evitado ou usado em mínima quantidade. O mel é contraindicado
antes de 1 ano de idade por risco de contaminação com toxina
botulínica. Alimentos ultraprocessados devem ser sempre evitados.
Sucos não devem fazer parte da alimentação das crianças. A água
pode ser oferecida a partir dos 6 meses de idade.
Na Figura 1 são apresentados os esquemas de alimentação
complementar a partir dos 6 meses de idade, recomendados pelo
Ministério da Saúde.
Figura 1. Alimentação da criança ao longo do dia em relação à idade
Fonte: Guia Alimentar para Crianças Brasileira Menores de Dois Anos
– Ministério da Saúde 2019.

Vacinação
As imunizações são consideradas um dos mais importantes
avanços na saúde populacional, uma vez que promoveram a
diminuição da incidência de doenças infecciosas graves. Para o
sucesso de um programa de imunizações, é imprescindível obter
altas coberturas vacinais.
A maioria das vacinas do calendário do Programa Nacional de
Imunizações é fornecida na infância. Assim, em todas as consultas
de rotina o médico deve checar o cartão vacinal da criança e verificar
se há indicação de vacinas antes da próxima consulta ou atraso
vacinal.
Também é importante perguntar sobre eventos adversos após as
vacinações e registrá-los.
O Programa Nacional de Imunizações do Ministério da Saúde é
bem completo e conta com um calendário abrangente de vacinas.
Além disso, também há um calendário um pouco diferente, indicado
pela Sociedade Brasileira de Pediatria e Sociedade Brasileira de
Imunizações, que conta com algumas vacinas disponíveis apenas na
rede particular. Na Figura 2, disponibiliza-se o calendário do SUS de
2020. Sempre será fundamental checar se houve atualizações no
esquema vacinal, que costumam ser feitas anualmente.
Figura 2. Calendário de Vacinação 2020 – Política Nacional de Imunizações.
Fonte: CGPNI-MS/SESA-ES.
Ambiente Físico e Emocional
A criança sofre influências do ambiente em que vive e do
comportamento de outras crianças e adultos ao seu redor. Por esse
motivo, faz parte da anamnese pediátrica entender o contexto
socioeconômico e o ambiente emocional em que aquele paciente
está inserido. Isso pode ser feito através de perguntas diretas, além
da observação da relação da criança com a família. Essa parte da
consulta é muito delicada e deve-se tomar o cuidado para não invadir
a intimidade da família e não ofender os pais. Diferenças culturais
também devem ser consideradas quando se avalia a relação de pais
e filhos.

Desenvolvimento Neuropsicomotor
Se o objetivo da puericultura é proporcionar uma vida saudável às
crianças, o desenvolvimento neuropsicomotor está no centro desse
cuidado.
Nas primeiras consultas, avaliam-se os marcos de
desenvolvimento, os reflexos primitivos, a interação da criança com o
ambiente e com os cuidadores. Ao longo da infância, o
desenvolvimento deve ser também explorado com perguntas sobre a
aptidão para atividades de motricidade fina, habilidades artísticas,
aptidão para esportes, comportamento adequado em sociedade e
desempenho escolar. A saúde mental da criança também pode ser
avaliada nesse momento da consulta.
Escalas de avaliação do desenvolvimento serão discutidas no
tópico “Exame Físico Baseado em Evidências”.

Antecedentes Familiares
Para concluir a anamnese, pergunta-se sobre a ocorrência de
doenças crônicas na família, incluindo-se pais e avós da criança.
Muitas vezes doenças crônicas e degenerativas não se manifestaram
nos pais do paciente, que ainda são adultos jovens, mas já são
identificadas nos avós.
EXAME FÍSICO
O exame físico completo deve ser feito em todas as consultas
pediátricas. Ele segue o mesmo roteiro de um exame físico de um
paciente adulto, mas há as peculiaridades pediátricas.
Os lactentes de 6 meses a 2 anos de idade geralmente não são
colaborativos ao exame. Assim, o ideal é que nessa idade o médico
comece a examinar a criança no colo dos pais e deixe por último as
manobras mais desconfortáveis, como a otoscopia e a oroscopia.

Exame Físico Geral


Para iniciar o exame, avalia-se o aspecto da criança, ou seja, se
ela está desperta e ativa, se reage aos estímulos dos pais e do
pediatra. A coloração da pele e das mucosas também faz parte da
avaliação inicial, assim como sua temperatura, FC e FR. A FC pode
ser avaliada através da pulsação ou da ausculta, assim como a FR
pode ser observada ou analisada no momento da ausculta pulmonar.

Medidas Antropométricas
Estatura: nos primeiros 2 anos de idade, o comprimento da
criança é medido com o paciente deitado e com o uso de um
antropômetro. O paciente é posicionado em decúbito dorsal e
usualmente o cuidador segura a cabeça encostada no ponto zero,
enquanto o médico estende os membros inferiores para fazer a
medida. As crianças maiores de 2 anos têm sua altura medida em pé
um uma régua fixada na parede.
Perímetro Cefálico: a medida deve ser feita com uma fita métrica
colocada no occipício e na glabela, medindo-se o maior perímetro da
cabeça da criança.
Peso: até os 2 anos de idade, deve ser aferido em balança de
pesagem de bebês. Em maiores de 16 kg ou 2 anos de idade, deve-se
usar a mesma balança do adulto.
Todas as medidas devem ser anotadas e plotadas em um gráfico
que avalia a adequação do ganho pôndero-estatural. São utilizados
gráficos da OMS que classificam em Z-escore as medidas
antropométricas para avaliar a estatura, o peso, o índice de massa
corporal (IMC) e o perímetro cefálico da criança. Na Figura 3 são
apresentados os gráficos para o paciente do caso clínico e nas
Tabelas 1 a 4 a interpretação dos valores.
Figura 3. Escore – Z de acordo com idade, estatura, peso e índice de massa
corporal

Fonte: Organização Mundial de Saúde

Tabela 1. Estatura de acordo com a faixa etária.

VALORES INTERPRETAÇÃO

Z-escore < -3 Muito baixa estatura para a idade

Z-escore entre -3 e -2 Baixa estatura para a idade


Z-escore > -2 Estatura adequada para a idade

Tabela 2. Peso de acordo com a idade (só deve ser usado até 10 anos; sempre
avaliar em conjunto com IMC).

VALORES INTERPRETAÇÃO

Z-escore < -3 Muito baixo peso para a idade

Z-escore entre -3 e -2 Baixo peso para a idade

Z-escore entre -2 e +2 Peso adequado para a idade

Z-escore > +2 Peso elevado para a idade

Tabela 3. Índice de massa corporal de acordo com a idade (menores de 5


anos).

VALORES INTERPRETAÇÃO

Z-escore < -3 Magreza acentuada

Z-escore entre -3 e -2 Magreza

Z-escore entre -2 e +1 Eutrofia

Z-escore entre +1 e +2 Risco de sobrepeso

Z-escore entre +2 e +3 Sobrepeso

Z-escore > +3 Obesidade

Tabela 4. Índice de massa corporal de acordo com a idade (maiores de 5


anos).
VALORES INTERPRETAÇÃO

Z-escore < -3 Magreza acentuada

Z-escore entre -3 e -2 Magreza

Z-escore entre -2 e +1 Eutrofia

Z-escore entre +1 e +2 Sobrepeso

Z-escore entre +2 e +3 Obesidade

Z-escore > +3 Obesidade grave

Pressão Arterial (PA)


A medida da PA deve ser feita anualmente nas crianças saudáveis
maiores de 3 anos de idade, ou antes, se houver algum fator de risco
para hipertensão, como doença renal crônica.
A escolha do esfigmomanômetro correto é o primeiro passo para
a avaliação adequada da PA. Com uma fita métrica, meça o
comprimento do acrômio ao olécrano e marque o ponto médio.
Nesse local, meça a circunferência do braço. A largura do manguito
deve corresponder a 40% da circunferência do braço e o
comprimento do manguito, a 80 a 100% da circunferência.
A medida da pressão obedece à mesma técnica que é realizada
em adultos, mas a interpretação do valor deve ser feita de acordo
com tabelas que consideram idade e altura do paciente. O valor
normal da PA é aquele abaixo do percentil 90. Pré-hipertensão é
definida, quando o percentil da PA está entre 90 e 95 em crianças, e
quando o valor é maior do que 120 × 80 mmHg em adolescentes. A
hipertensão é estabelecida quando a pressão é maior do que o
percentil 95 em três ocasiões separadas.
Exame Físico Especial
Cabeça e Pescoço
Inicia-se o exame da cabeça palpando-se as fontanelas e
identificando se há alguma irregularidade ou malformação no crânio.
Nesse momento, também identifica-se a face é típica de alguma
síndrome ou doença.
O exame oftalmológico realizado pelo médico geral é limitado.
Observam-se a presença do reflexo vermelho bilateralmente e a
simetria das pupilas no estado basal e na reação à luz, além de notar
alterações grosseiras como estrabismo ou nistagmo. Alterações
agudas como hiperemia de conjuntivas e edemas palpebrais também
são identificadas pelo médico generalista.
A otoscopia é realizada nas consultas para avaliar presença de
cerume e identificar se as estruturas da orelha média estão íntegras
e sem sinais de infecção ou perfurações da membrana timpânica.
A oroscopia deve ser realizada em todas as consultas, buscando-
se identificar lesões orais, cáries dentárias e alterações em
amígdalas e palato, conforme queixas.
O exame cervical é focado em assimetrias e contraturas
musculares, além da identificação das cadeias ganglionares. É
comum que os gânglios linfáticos sejam palpáveis em crianças.

Sistema Cardiovascular
Nessa parte do exame, devem-se avaliar os pulsos nos quatro
membros, observando-se há simetria e se a perfusão é adequada.
Na criança normal, o ictus cordis é palpável na linha
hemoclavicular esquerda. A ausculta deve ser realizada nos quatro
focos, avaliando-se ritmo cardíaco, sopros ou desdobramentos de
bulhas.
É comum encontrar arritmias respiratórias em crianças e
desdobramento fisiológico de B2, que se modifica de acordo com a
fase da respiração.
A FC normal é maior em crianças do que em adultos (Tabela 5).
Tabela 5. Valores normais de frequência cardíaca em crianças e adolescentes
(PALS, 2016).

BATIMENTOS POR BATIMENTOS POR


IDADE
MINUTO (VIGÍLIA) MINUTO (SONO)
Até 28 dias 100 a 205 90 a 160

1 mês a 1 ano 100 a 180 90 a 160

1 a 3 anos 98 a 140 80 a 120

Pré-escolar 80 a 120 65 a 100

Escolar 75 a 118 58 a 90

Adolescente 60 a 100 50 a 90

Sistema Respiratório
Realiza-se a inspeção do tórax para identificação de assimetrias e
de seu formato.
O ritmo e a FR são avaliados. As crianças têm FR que variam
conforme a idade e são mais elevadas do que a dos adultos (Tabela
6). A ausculta será realizada com o objetivo de identificar ruídos
adventícios. Sinais de dispneia nas crianças são: tiragens
subdiafragmática, intercostal e fúrcula, batimentos de asa nasal e
respiração em balancim.
Tabela 6. Valores normais de frequência respiratória em crianças e
adolescentes (PALS, 2016).

RESPIRAÇÕES POR
IDADE
MINUTO

< 1 ano 30 a 53

1 a 3 anos 22 a 37

Pré-escolar 20 a 28
Escolar 18 a 25

Adolescente 12 a 20

Abdome
Inspeciona-se o abdome, que é globoso em lactentes e apresenta
conformação semelhante ao do adulto a partir dos 2 anos de idade.
Os ruídos hidroaéreos não variam muito em relação ao do adulto.
A percussão é timpânica e durante essa parte do exame pode-se
procurar delimitar a localização do fígado, que é maciço à percussão,
e identificar se o espaço de Traube está livre.
Na palpação, deve-se ficar sempre ao lado direito do paciente e
procurar identificar sinais de dor ou desconforto, massas palpáveis e
tentar delimitar o fígado e o baço. Em lactentes, o fígado pode
ultrapassar em 2 a 3 cm o rebordo costal direito, ainda estando
dentro da normalidade. O baço normalmente não é palpável e as
lojas renais devem estar livres.

Sistema Urogenital
Em meninas, observam-se os grandes e pequenos lábios e a
presença de meato uretral, vagina e ânus, sem comunicação entre
eles.
Em meninos, deve-se observar o pênis e se a abertura uretral fica
na extremidade da glande. Podem-se testar a abertura do prepúcio e
a exposição da glande, tendo em mente que essa abertura pode ser
incompleta nos primeiros anos de vida. Palpam-se os testículos no
saco escrotal, e se não estiverem na sua posição normal, pode-se
procurá-los no trajeto, nas regiões inguinal e perineal.

DIAGNÓSTICOS DE PUERICULTURA
Ao final da consulta de puericultura, o médico deverá fazer no
mínimo os seguintes diagnósticos: crescimento, estado nutricional,
alimentação, vacinação, desenvolvimento neuropsicomotor e
ambiente.
Outros diagnósticos podem ser feitos de acordo com as queixas
de cada consulta.

GRUPOS ESPECIAIS: RECÉM-


NASCIDOS E ADOLESCENTES

Anamnese e Exame Físico do Recém-


Nascido
O período neonatal estende-se do nascimento ao 28º dia de vida
da criança. A primeira consulta do recém-nascido deve acontecer
após a alta da maternidade. A primeira semana de vida é uma
oportunidade importante para oferecer suporte emocional para a
família, uma vez que a chegada de um novo bebê pode provocar
dúvidas, mudança da rotina da família e a mãe pode ter dificuldades
na amamentação.
A orientação da amamentação e da pega correta devem ser feitas
na maternidade e também nas consultas de rotina, para aumentar as
chances de sucesso do aleitamento materno exclusivo. A rotina de
uma mãe com um recém-nascido pode ser exaustiva, uma vez que o
bebê exige cuidados quase o tempo todo. Ser compreensivo é
fundamental nesse momento.
O primeiro exame físico do bebê na maternidade deve ser um
exame completo para identificação de malformações, traços que
possam estar associados a alguma síndrome ou doença específica e
alterações que possam apresentar algum risco para a criança ainda
nas primeiras horas de vida.
Seguindo a sequência cefalocaudal, devem-se avaliar:

• Exame geral: cor, nível de consciência, postura e atividade


da criança, padrão respiratório, mímica facial
• Medidas antropométricas: peso ao nascimento e peso
diário na maternidade, comprimento, perímetro cefálico,
torácico e abdominal

• Cabeça: formação do crânio e deformidades, palpação de


suturas cranianas e fontanelas, presença de bossa
serossanguínea ou cefalo-hematoma, simetria da face,
faces típicas de alguma doença. Exame dos olhos, com
pesquisa de reflexo do olho vermelho, sinais de
sangramento ou alterações da conjuntiva. Exame da
cavidade oral, para verificar integridade de palato e úvula,
presença de frênulo lingual ou outras alterações. Avaliação
do pavilhão auditivo e conduto auditivo pérvio. Exame do
nariz para avaliar se há obstrução de coanas ou saída de
secreção sanguinolenta

• Pescoço: palpação do músculo esternocleidomastóideo e


pesquisa de integridade das clavículas

• Tórax: inspeção para avaliar simetria, íctus, tiragens,


glândulas mamárias e deformidades. Ausculta
cardiopulmonar realizada em 30 a 60 segundos para avaliar
frequências, ritmos, sopros ou ruídos adventícios

• Abdome: deve ser globoso à inspeção e com ruídos


hidroaéreos presentes. Avaliar integridade do coto umbilical
e sangramentos ou sinais de infecção. Palpação superficial
e profunda, procurando fígado, baço e lojas renais

• Dorso e coluna vertebral: palpar cada uma das vértebras


procurando deformidades e sinais de fechamento
inadequado do tubo neural

• Genitália: checar se há genitália feminina ou masculina


típicas. Sempre palpar para identificar se os testículos
encontram-se no saco escrotal. Avaliar perviedade do ânus
através da eliminação de mecônio e da uretra através de
eliminação de diurese

• Membros: devem ter algum grau de flexão, o que faz parte


do desenvolvimento neurológico do recém-nascido.
Pesquisar se há pé torto congênito. Palpar pulsos centrais e
periféricos nos quatro membros, realizar a manobra de
Ortolani para pesquisa de displasia de quadril

• Pele: avaliar se há manchas mongólicas (manchas


violáceas em região sacral, benignas), hemangiomas ou
outras lesões de pele.
O exame neurológico dos reflexos primitivos também é
fundamental na primeira avaliação. Esses são os reflexos
pesquisados no recém-nascido:

• Postura e tônus: o bebê de termo assume a postura de


flexão dos quatro membros, geralmente assimétrica, com
abertura intermitente das mãos

• Sono: bebês com menos de 1 mês dormem em


aproximadamente 2/3 do tempo do dia. Mesmo dormindo
devem ser reativos ao toque

• Preensão palmar e plantar ao toque


• Moro: elevar o tronco da criança poucos milímetros e aliviar
bruscamente sua sustentação. A criança reagirá com flexão
do pescoço, choro e abdução/extensão e depois adução dos
membros superiores, como em um abraço. Esse reflexo está
presente ao nascimento e desaparece até os 6 meses de
idade

• Marcha: ao apoiar os pés da criança em uma superfície, a


criança faz a flexão reflexa do joelho e a extensão da perna
oposta, em movimento que lembra o caminhar

• Reflexo de sucção ao tocar o lábio do recém-nascido


• Reflexo tônico-cervical assimétrico (Magnus-Kleijn ou
esgrimista): ao fazer a rotação da cabeça e estabilização do
tronco, há extensão do membro superior ipsolateral e flexão
do membro superior contralateral. Os membros inferiores
seguem o mesmo padrão, mas com menor intensidade.
Além dos exames físico e neurológico do recém-nascido, alguns
outros detalhes importantes da consulta são: avaliação das triagens
neonatais teste do pezinho, triagem auditiva, reflexo do olho
vermelho, triagem para cardiopatia congênita crítica ou teste do
coraçãozinho, teste da linguinha ou avaliação do frênulo lingual),
prevenção da doença hemorrágica do recém-nascido através da
oferta de vitamina K, vacinação do recém-nascido contra tuberculose
(BCG) e hepatite B.

A consulta do Adolescente
A faixa etária da adolescência é compreendida entre 10 e 19 anos
de idade. Nela acontecem mudanças físicas e psicológicas nos
pacientes, que passam da infância à vida adulta. A abordagem do
médico pediatra ou hebiatra deve ser direcionada tanto ao paciente
como à família, no intuito de fazer gradualmente uma transição do
cuidado dos pais para o adolescente.
A consulta deve abordar temas de interesse do paciente. O
ambiente familiar e a rede de amigos e de apoio ajudam o
adolescente a passar por essa transição. Na avaliação do
desempenho escolar, devem-se incluir perguntas sobre o
relacionamento com colegas e professores e sobre o projeto de vida
do adolescente. Hábitos alimentares e o incentivo a atividades
físicas continuam sendo parte fundamental dessa consulta.
Alguns temas sobre segurança do paciente envolvem questionar e
orientar sobre comportamentos de risco, como uso de tabaco, álcool
e outras substâncias psicoativas. Em todas as consultas também é
importante abordar a sexualidade e a saúde reprodutiva do paciente,
certificando-se de oferecer um ambiente seguro para discussão de
expectativas, dúvidas e preocupações. Dados sobre menarca, última
menstruação, atividade sexual e uso de medidas contraceptivas e de
prevenção de infecções sexualmente transmissíveis são
importantes.
O exame físico do adolescente deve incluir medidas
antropométricas, avaliação da pressão arterial e avaliação da
puberdade e do desenvolvimento das mamas e órgãos genitais. Para
que isso seja feito sem constrangimento para o paciente, é
necessário explicar o objetivo desse exame e quais serão os passos
realizados. No momento dessa avaliação, a presença de um
acompanhante na sala pode oferecer uma tranquilidade maior ao
paciente.

EXAME FÍSICO BASEADO EM


EVIDÊNCIAS
Como Avaliar o Desenvolvimento Neuropsicomotor em Crianças?
O desenvolvimento é a aquisição e a modificação de capacidades
físicas e intelectuais do ser humano ao longo da vida. É um processo
que se inicia desde a concepção da criança e é influenciado pelos
estímulos a que é submetida, pelo ambiente em que vive e pelas
diferenças culturais.
Se as crianças são diferentes umas das outras, como estabelecer
padrões de normalidade e como identificar comportamentos que
obviamente são desviantes da média? Pensando nessa questão,
foram criadas inúmeras escalas de desenvolvimento infantil e de
classificação de patologias psiquiátricas em crianças.
Uma das escalas mais utilizadas no Brasil é a escala de Denver II,
que avalia o desenvolvimento em quatro esferas diferentes: da
linguagem, psicossocial, que leva em conta o autocuidado e o
relacionamento com os outros, motor-adaptativa, que avalia a
motricidade fina e a coordenação, e motor-grosseira, avalia marcos
como sentar, andar, pular etc.
Ela deve ser utilizada como uma triagem para a identificação de
alterações no desenvolvimento e, uma vez que houver marcos que
não foram atingidos, a criança deve ser encaminhada para uma
avaliação mais especializada.
Na Figura 4 é apresentada a escala de Denver II (para usá-la,
basta traçar uma linha vertical na idade da criança e acompanhar os
marcos do desenvolvimento para essa idade). A Figura 5 mostra a
escala adaptada para mais fácil utilização.
Figura 4. Escala de Denver II.
Fonte: Saúde da Criança: Acompanhamento do crescimento e
desenvolvimento Infantil. Ministério da Saúde 2002.

Figura 5. Marcos do desenvolvimento neuropsicomotor


Fonte: Saúde da Criança: Acompanhamento do crescimento e
desenvolvimento Infantil. Ministério da Saúde 2002.

BIBLIOGRAFIA
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circumference: methods and development. Coordinating team: Mercedes de Onis et
al. World Health Organization 2009.
Capítulo 38

Semiologia Mamária
Autor(a): Renara de Pinho Caldeira Mourão

CASO CLÍNICO
Paciente do sexo feminino, 51 anos de idade, vai à consulta
médica com relato de percepção de nódulo em quadrante superior
lateral de mama esquerda há cerca de 3 meses. Não havia
descoberto nódulo anteriormente, pois não realizava autoexame das
mamas, temendo alterações. Refere que houve crescimento da
nodulação no período, acompanhado de dor discreta e edema
mamário. Nega descarga papilar perceptível.
Levou exame ultrassonográfico realizado após percepção de
nodulação que evidencia: mama esquerda às 2 h, imagem
Hipoecóica, nódulos com margens pouco definidas, irregulares,
paralela ao eixo da pele, com algumas áreas hhiperecóicas em seu
interior, com discreto fluxo ao estudo de Doppler, e sombra acústica
posterior, medindo 2,60 × 2,0 × 2,0 cm. Mama direita sem achados.
Conclusão: nódulo sólido em mama esquerda, categoria 4A BIRADS.
História Gineco-obstétrica: Menarca aos 12 anos de idade, uma
gestação aos 22 anos de idade, amamentou por 1 ano, menopausa
aos 49 anos de idade, sem uso de terapia de reposição hormonal.
História Pregressa: Nega comorbidades e cirurgias prévias.
História Social: Etilista crônica (3 doses/dia), sedentária.
História Familiar: Três irmãs com história de câncer de mama
(aos 35, 39 e 53 anos de idade), mãe com história de câncer
metastático, sem definição de sítio primário.
Exame Físico: Mamas de moderado volume, ptóticas, sem
abaulamentos ou retrações à inspeção estática. À inspeção
dinâmica, observa-se retração de pele às 2 h em mama esquerda,
localizada a 2 cm da borda areolar.
À palpação de fossas supra e infraclaviculares, ausência de
linfonodos palpáveis.
À palpação de axilas, observa-se um linfonodo com característica
pétrea em axila esquerda, móvel, medindo 2 cm. Axila direita livre.
Suspeita: Neoplasia maligna da mama.
Conduta: Solicitação de mamografia.
Paciente encaminhada para realização de biópsia de fragmentos
(core biopsy) de nódulo em mama esquerda.
Retorna após 20 dias, com resultado de mamografia e exame
anatomopatológico, descrito a seguir.
Mamografia bilateral: Nódulo irregular e espiculado em quadrante
superior lateral de mama esquerda, categoria 5 BIRADS.
Anatomopatológico: Carcinoma ductal invasor (SOE – sem outras
especificações), moderadamente diferenciado, Grau II.

QUESTÕES PARA DISCUSSÃO


1. Quais relatos durante a anamnese pode sugerir hipótese
de neoplasia maligna da mamas?
2. Ao exame físico, quais sinais sugerem neoplasia maligna
da mama?
3. De acordo com o exame físico, qual sinal pode sugerir
doença localmente avançada?

DISCUSSÃO
Anamnese deriva do grego, anamnesis, e significa parece
esquecido. É etapa fundamental do exame, em que são coletados
dados importantes, para se estabelecer uma provável hipótese
diagnóstica. Na anamnese de queixas mamárias, alguns pontos
devem ser minuciosamente questionados, para, então, realizar-se a
associação de sintomas, sinais e principais patologias a serem
investigadas.
Para uma anamnese perfeita, devem ser registrados os seguintes
dados:

• Identificação da paciente
• Queixa principal
• Alteração mamária percebida (nodulação, dor, descarga
papilar, alterações de cor, temperatura ou lesão em pele),
tempo de surgimento, progressão ou regressão do
sintoma, associação da queixa com o ciclo menstrual,
entre outras

• Alteração mamária detectada em exames de imagem e


não percebida pela paciente

• História da moléstia atual


• Neste momento, deve-se realizar a exploração completa
da queixa principal, com informações precisas e
detalhadas. Questiona-se se a alteração foi percebida pela
paciente ou por um profissional de saúde, qual o tempo de
percepção do sinal ou sintoma, se este encontra-se em
progressão (como, por exemplo, um nódulo que apresenta
crescimento), ou em regressão, associações das queixas
com o ciclo menstrual, com o uso de medicamentos,
questionamento sobre hábitos de vida, tipo de vestuário,
alimentação e vícios.
A dor mamária (mastalgia) é causa frequente de consulta ao
mastologista e pode interferir diretamente na vida emocional, social
e profissional da mulher. Aproximadamente 65 a 70% das mulheres
apresentarão quadro de mastalgia em alguma fase da vida, sendo
mais comum no início da adolescência, no menacme, diminuindo na
pré-menopausa e quase desaparecendo na pós-menopausa. Pode
ser dividida didaticamente em cíclica (relacionada com a fase
menstrual) e acíclica (sem interferência da fase menstrual).
A fisiopatologia da dor mamária não é completamente conhecida,
mas parece estar relacionada com os ciclos estroprogestativos. O
câncer de mama está pouco associado à mastalgia (0,8 a 2% dos
casos) e geralmente aparece como uma dor focal acíclica e
persistente em determinado ponto da mama.
Assim, frente à queixa de dor, deve-se interrogar sobre a forma de
aparecimento (aguda ou insidiosa), quanto a sua cronologia, se
contínua (com ou sem períodos de exacerbação) ou intermitente (de
forma cíclica ou não cíclica) e sua relação com o ciclo menstrual.
Deve-se questionar sobre sua intensidade (leve, moderada, severa),
interferência nas atividades diárias e medidas que atenuam ou
melhoram a dor. O tipo da dor deve ser bem caracterizado (pontada,
queimação, latejante ou em peso), se é unilateral (direita ou
esquerda) ou bilateral. Deve-se caracterizar, ainda, se a dor afeta a
mama toda, apenas um quadrante, um setor ou um ponto (definindo
uma “zona gatilho”, ou seja, um ponto que estimulado desencadeia a
dor). Verifica-se também a irradiação da dor, sendo mais comum a
irradiação para o braço, devendo-se atentar para as dores de origem
cardíaca, que podem simular ou confundir-se com a dor mamária.
A percepção de nódulo mamário é também uma queixa comum
em consultas ginecológicas ou mastológicas e causam angústia nas
pacientes, que muitas vezes fazem a associação do surgimento de
nódulo com risco de um câncer de mama. Nódulo de mama é toda
tumoração presente na glândula mamári, e pode apresentar
conteúdo cístico ou sólido. Inicialmente, a anamnese é de grande
valia no diagnóstico do nódulo de mama. Deve-se investigar
criteriosamente a queixa, definindo-se se é nódulo único ou são
múltiplos, se afeta(m) mama direita ou esquerda, qual o quadrante
afetado, se apresentou(aram) ou não evolução (crescimento),
velocidade de crescimento (lenta ou rápida), se sofre ou não
influência do ciclo menstrual, se é doloroso ou indolor, e se
associa(m)-se com alterações de pele, sintomas inflamatórios
mamários e descargas papilares. Após a identificação de um nódulo,
as principais características a serem observadas e descritas são:
consistência, limites, regularidade e localização. Em geral, os
tumores benignos apresentam-se como nódulos firmes, elásticos,
com bordas regulares e lisas, e são móveis, ou seja, não se aderem a
planos mais profundos. As neoplasias malignas apresentam-se mais
comumente como nódulos endurecidos, de limites mal definidos e
aderidos a planos adjacentes.
O derrame papilar, surgimento de algum tipo de secreção pela
papila fora do ciclo gravídico-puerperal, é responsável por cerca de 5
a 10% das queixas nos ambulatórios de mastologia. Pode ser
ocasionado por fatores próprios da glândula mamária (intra e
extraductais) ou por fatores extramamários (relacionados ao controle
da produção láctea). Portanto, durante a anamnese, devem-se
investigar tempo de descarga, se ocorre de forma espontânea ou à
expressão da papila, aspecto da secreção, lateralidade, número de
orifícios (único ou múltiplos), aspecto macroscópico (lácteo,
purulento, viscoso, seroso, hemorrágico) e uso de medicamentos que
se associam a esta queixa.
Além das queixas citadas, devem ser pesquisadas
minuciosamente as demais queixas relatadas pela paciente, lesões
de pele, alterações da papila, de temperatura da mama, percepção de
linfadenopatias, sinais inflamatórios, entre outras.
A história familiar, a história pregressa e os hábitos de vida fazem
parte da investigação. Mulheres que apresentam na sua história:
câncer de mama em mãe ou irmã, história pessoal de câncer de
mama invasivo ou in situ, história pessoal de radiação no tórax,
câncer de ovário em mãe ou irmã, portadoras de mutação dos genes
BRCA 1 ou 2, merecem investigação mais minuciosa de suas queixas
mamárias. Assim como àquelas que fazem ingestão de bebida
alcóolica em grande quantidade, sedentárias, com hábitos de vida
não saudáveis como, por exemplo, dieta rica em gorduras.

Exame físico das mamas


Importante para a caracterização de nódulos palpáveis, descargas
papilares, linfonodomegalias, sendo um grande aliado dos exames de
imagem. A mamografia e o exame clínico são componentes
importantes do programa de rastreamento de câncer de mama. A
ausência do exame físico frequente das mamas ocasiona risco de
atraso no diagnóstico em casos de lesão palpável e mamografia
“normal”.
Deve ser realizado em ambiente adequado, confortável para a
paciente e para o examinador, com critério e atenção, e sempre de
forma completa, abrangendo todos os diferentes tempos do exame.
A sequência dos tempos do exame físico deve ser seguida
metodicamente, e da mesma maneira, a ordem de palpação deve ser
bem estabelecida e observada. A paciente deverá se despir de blusa
e sutiã, e pode estar vestida apenas com avental de fácil remoção,
sendo o exame dividido em três etapas: inspeção (estática e
dinâmica), palpação (cadeias linfáticas, mamas e outras estruturas)
e expressão mamária (papilar).

Inspeção
Durante a inspeção estática, a paciente deverá posicionar-se em
ortostatismo ou sentada na mesa de exame, com braços pendentes
ao lado do corpo, de frente para o examinador (Figura 1). O
examinador observa o volume das mamas (diferenças de tamanho
devem ser questionadas sobre tempo de ocorrência ou se crônico),
formato das mamas, características da pele (hiperemias, sinais
inflamatórios, úlceras, edema, espessamentos, os quais podem estar
relacionados a doenças inflamatórias ou até a carcinoma
inflamatório), retrações de pele ou áreas de abaulamentos, presença
de mamilos acessórios ou mamas extranumerárias (é relativamente
comum encontrar paciente com mamas axilares, que correspondem
ao acúmulo de tecido mamário em regiões axilares), cicatrizes,
vascularização e distribuição dos vasos.
O complexo areolomamilar deve ser observado: orientação dos
mamilos, inversão, áreas de descamação e outras lesões devem ser
investigadas.
Para a inspeção dinâmica, a paciente deverá permanecer na
mesma posição descrita, na qual realizam-se duas manobras
distintas que visam mobilizar a glândula mamária sobre a parede
torácica. Primeiramente solicita-se que a paciente eleve
progressivamente os braços, que devem estar estendidos, com o
objetivo de tornar tensos a pele e os ligamentos de Cooper (Figura
2A). Na sequência, pede-se que a paciente coloque as mãos na
cintura e desloque os cotovelos para a frente e incline o tronco em
direção ao examinador, em seguida, cotovelos posteriormente e
tronco ainda inclinado (Figura 2B). O objetivo desta manobra é
contrair o músculo peitoral maior, o que pode realçar eventuais
nódulos mamários que estejam aderidos a esta estrutura. Toda e
qualquer alteração observada durante a realização dessa etapa deve
ser relatada detalhadamente, para que se possa chegar a uma
hipótese diagnóstica e definir condutas a serem tomadas.
Figura 1. Inspeção estática.

Fonte: Carrara et al., 1996

Figura 2. Inspeção dinâmica (A e B).


Fonte: Carrara et al., 1996

Palpação
A palpação das mamas inicia-se com a paciente ainda sentada ou
em ortostatismo, afim de se avaliarem as cadeias ganglionares.
Primeiramente palpam-se as cadeias ganglionares cervicais e depois
supra e infra –claviculares. Para a palpação destas cadeias, nosso
ideal é se posicionar de frente para a paciente (Figuras 3 e 4), porém
há quem prefira estar posicionado atrás da mesma. Em seguida, com
o braço da paciente apoiado sobre o braço do examinador,
examinam-se as cadeias axilares (Figura 5).
Durante o exame das cadeias ganglionares, deve-se observar a
presença ou ausência de linfonodos palpáveis, que, quando
percebidos, devem ser caracterizados quanto ao tamanho, à
consistência e à mobilidade. Linfonodos de aspecto habitual são
aqueles amolecidos ou fibroelásticos, móveis, com cerca de 1 cm de
diâmetro. Quando há suspeita de acometimento linfonodal por tumor
maligno, o linfonodo costuma apresentar-se com consistência
endurecida ou pétrea, aderida ao plano adjacente e com aumento de
sua dimensão.
Na palpação das mamas, deve-se atentar para o exame da região
que tem como limites a clavícula, o sulco inframamário, a linha axilar
posterior, a linha médio-esternal e o prolongamento axilar. Para a
palpação das mamas, a paciente deve estar em decúbito dorsal, de
modo que toda a mama distribua-se sobre a parede torácica, e os
braços elevados com as mãos atrás da nuca. Sugere-se iniciar a
palpação pela mama “sadia”, palpando a mama afetada depois, e
sempre comparando-se os achados.
A palpação deve ser sempre sistematizada, de forma suave e
deve abranger toda a extensão mamária. Devem-se utilizar a ponta e
a polpa digital dos dedos indicadores, médios, anulares e mínimos
(Figura 6). Movimentos de dedilhamento, massagem e deslizamento
das mãos podem aumentar a sensibilidade do examinador, como
também a pressão variável sobre as mamas. Neste momento, todo
achado, como nódulos, espessamento de pele, retração de pele, entre
outros, deve ser criteriosamente descrito.
Para melhor descrição da localização dos achados ao exame
físico, a mama é dividida em quadrantes, sendo os mediais aqueles
próximos ao esterno, e os quadrantes laterais próximos à região de
linha axilar. Estes subdividem-se em quadrante superior lateral (QSL),
quadrante inferior lateral (QIL), quadrante superior medial (QSM) e
quadrante inferior medial (QIM). Para descrever mais precisamente a
localização de um achado, pode-se descrever a lesão tomando-se
como referência um mostrador de relógio e a distância do complexo
areolopapilar onde está a lesão, definindo, então, a “hora” em que
esta se localiza (Figura 7).
Figura 3. Palpação de cadeias ganglionares supraclaviculares.
Fonte: Carrara et al., 1996

Figura 4. Palpação de cadeias ganglionares infraclaviculares.

Fonte: Carrara et al., 1996

Figura 5. Palpação de cadeias ganglionares axilares.


Fonte: Carrara et al., 1996

Figura 6. Palpação das mamas.

Fonte: Carrara et al., 1996


Figura 7. Definição dos quadrantes e descrição da localização de lesões
mamárias. QSLD: quadrante superior lateral direito; QSMD: quadrante
superior medial direito; QILD: quadrante inferior lateral direito; QIMD:
quadrante inferior medial direito.

Fonte: Carrara et al., 1996

Expressão mamilar
O último passo no exame físico das mamas é a avaliação da
descarga papilar, bilateralmente. Realiza-se com a paciente ainda em
decúbito dorsal, ordenhando-se a papila, firme, porém delicadamente,
abrangendo todo o complexo areolopapilar, estendendo-se da base
da mama até o mamilo. Na presença de descarga, deve-se
caracterizá-la (cor, viscosidade, uni ou multiductal, uni ou bilateral,
presença de ponto de gatilho), para então formular hipótese para a
possível etiologia.

BIBLIOGRAFIA
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2. Arias V, Logullo A. Mastologia de Consultório. Classificação Morfológica da Lesões
Mamárias e Risco de Câncer. São Paulo: Atheneu; 2012.
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Colo de Útero e Mama. Brasília: MS; 2013.
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Maternidade Escola Assis Chateaubriand; Unidade 4 Mastologia.
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9. Frasson A et al. Nódulo de mama. In: Doenças da Mama – Guia de Bolso Baseado
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11. Pereira MNR, Reis MAA. Anamnese e exame Físico das mamas. In: Manual
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12. Santen RJ, Mansel R. Benign breast disorders. N England J Med. 2005; 353(3):275-
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13. Santos AMR, Balabram D. Anatomia, fisiologia e desenvolvimento das mamas. In:
Manual Sogimig Mastologia. Rio de Janeiro: Medbook; 2018.
14. Souza GN, Fenile R. Fibroadenoma. In: Mastologia de Consultório. São Paulo:
Atheneu; 2012.
Capítulo 39

Semiologia do Idoso
Autor(a): Renata Fraga Costa

ANAMNESE
Paciente do sexo feminino, 87 anos de idade, apresentando
quadro de insônia há 5 dias, associado a alucinação e agitação
flutuante, evoluindo com sonolência importante nas últimas 24 h.

História da Moléstia Atual


Paciente de 87 anos de idade, moradora de instituição de longa
permanência há 1 semana, foi encaminhada para avaliação em
unidade de emergência devido a quadro de insônia e diminuição da
concentração, de início súbito e caráter flutuante nos últimos 5 dias,
associados a episódios de alucinação e psicoagitação. Evoluiu com
sonolência e prostração importante nas últimas 24 h. Nesse período,
reduziu ingestas hídrica e alimentar devido a hipoatividade e
anorexia. Encontra-se restrita ao leito.
Familiares e cuidadora relatam que paciente é portadora de
transtorno cognitivo maior, totalmente dependente para as atividades
instrumentais da vida diária (AIVD) e parcialmente dependente para
as atividades básicas (ABVD; necessita de auxílio para banho, troca
de roupa, transferência, uso do vaso sanitário; apresenta
incontinência urinária, com preservação de continência fecal,
alimenta-se com colher). Optou-se por institucionalização, após
perda do principal cuidador da paciente.
INTERROGATÓRIO SINTOMÁTICO
Negam quadro de doença psiquiátrica ou psicoagitação prévias.
Negam aumento de temperatura corporal (≥ 37,8°C), trauma
cranioencefálico (TCE), tosse, coriza ou alteração do padrão
respiratório, queixas de dor ou fácies álgica no período.
Desconhecem alteração do odor da diurese, apesar de urina mais
concentrada. Última evacuação há 5 dias, precedida de evacuação
mais líquida, sem produtos patológicos. Sem náuseas ou vômitos.
Emagrecida de base, familiares negam perda ponderal no período,
com peso e altura estáveis no último ano. Negam ajuste
medicamentoso recentemente.

PRECEDENTES MÉDICOS
A paciente é portadora de demência de Alzheimer, diabetes
mellitus insulino-dependente e hipotireoidismo pós-ressecção
cirúrgica. Tem presbiopia e presbiacusia – em uso de óculos e
aparelho auditivo. Seus responsáveis negam infarto agudo do
miocárdio ou acidente vascular cerebral (AVC), etilismo, tabagismo
ou alergia medicamentosa.

HISTÓRIA FAMILIAR
Desconhecem história de pais ou irmãos; nNegam história de
neoplasia.

MEDICAMENTOS DE USO CONTÍNUO


Levotiroxina 75 mcg em jejum, donepezila 10 mg/dia e insulina
Glargina 14 UI/dia.

EXAME FÍSICO
Dados Vitais: Frequência respiratória (FR) – 20 irpm; saturação de
oxigênio (SatO2) em ar ambiente – 97%; pressão arterial (PA) sentada
– 118 × 68 mmHg; frequência cardíaca (FC) – 92 bpm; temperatura –
36,8°C; escala visual analógica de dor (EVA) – não aplicável devido à
hipoatividade da paciente.
Geral: Paciente em regular estado geral, hipoativa, confortável em
ar ambiente, mucosa conjuntival com pouco brilho, cavidade oral
seca. Anictérica, acianótica, normocorada, afebril ao toque. Ptose
senil. Emagrecida; índice de massa corporal (IMC) aproximado de 19.
Pele: Pele enrugada, com pouca elasticidade, mobilidade e turgor
compatíveis com a idade, sem sinais de escoriação. Melanose e
púrpura senis em membros superiores e inferiores, poupa tronco e
abdome. Lesão por pressão grau I em trocânter E (Figura 1).
Cabeça e Pescoço: Couro cabeludo limpo, cabelos rarefeitos, sem
alteração do tamanho ou de configuração do crânio, nuca livre, face
atípica. Edêntula, com prótese dentária bem acoplada, sem alteração
de mucosa oral, salvo ressecamento. Língua sem sinais de
malignidade. Pescoço simétrico, sinais de enrijecimento e
calcificação das cartilagens traqueais, laringe e traqueia medianas;
pulso carotídeo simétrico, sem sopros audíveis; veias jugulares sem
estase a 45°; tireoide não palpável – cicatriz cervical com tecido
fibroso local.
Sistema Respiratório: Tórax com cifose torácica, anquilose das
articulações costocondrais, sem sinais de abaulamentos ou
equimoses. Expansibilidade simétrica, sem alteração à palpação,
murmúrio vesicular presente globalmente, sem ruídos adventícios.
Paciente eupneica em ar ambiente.
Sistema Cardiovascular: Ictus cordis palpável em 5° espaço
intercostal à esquerda, com extensão de 3 cm, de normal amplitude.
Ritmo cardíaco normal em 2 tempos, com sopro sistólico ejetivo em
foco aórtico 2+/6+. Paciente normocárdica. Pulsos centrais e
periféricos cheios e simétricos. Tempo de enchimento capilar menor
que 3 segundos.
Abdome: Plano, ruídos hidroaéreos presentes, sem sopros
audíveis, normotenso, indolor, algo timpânico difusamente. Não
observados equimose, telangiectasias ou herniação de parede.
Toque retal sem sangue ou muco em “dedo de luva”; fecaloma em
ampola retal.
Sistema Nervoso: No momento, paciente apresenta-se calma,
colaborativa, com déficit de atenção, confusa no tempo. Sem sinais
meníngeos. Fraqueza em membros inferiores e dificuldade de
manter-se em ortostase.

HIPÓTESES DIAGNÓSTICAS
Delirium de causa a esclarecer.

CONDUTA INICIAL
1. Solicitaram-se glicemia capilar, rastreamento
infectometabólico (hemograma, proteína C reativa, função
renal, eletrólitos – incluindo cálcio, magnésio e fósforo –
função hepática, exame de urina, radiografia de tórax.
2. Revisão de medicamentos de uso contínuo.
3. Hidratação parcimoniosa.

EXAMES COMPLEMENTARES
• Hemograma: leucocitose sem desvio, aumento de
marcadores de inflamação; hiponatremia leve – 132; ureia –
87; creatinina – 0,8; relação entre ureia e creatinina maior do
que 40, indicando desidratação

• Urina tipo 1: leucocitúria incontável, nitrito positivo,


hematúria discreta

• Radiografia X de tórax: sem infiltrados, condensação ou


obliteração de seios costofrênicos.
QUESTÕES PARA DISCUSSÃO
1. Quais alterações fisiológicas corroboraram o diagnóstico
de infecção urinária e sua apresentação atípica?
2. Deve-se solicitar algum exame complementar de imagem
nesse caso?
3. Quais fatores de risco/causas predisponentes para o
estado confusional agudo da paciente?
4. Quais condutas devem ser adotadas para minimizar risco
de delirium?

DISCUSSÃO
Devido à heterogeneidade da população geriátrica, é importante
ter conhecimento das funcionalidades prévias da paciente a fim de
se estruturar o plano de cuidado, individualizando condutas. A idade
cronológica da paciente não quantifica sua funcionalidade cognitiva
ou física. Estamos diante de uma paciente de 87 anos de idade que:
(1) mantém sua independência para o autocuidado associado à
capacidade intelectual preservada; (2) perdeu sua funcionalidade
para AIVD – necessárias para uma vida independente e ativa na
comunidade – porém mantém suas ABVD, ou, (3) totalmente
dependente para AIVD e ABVD, indicando seu alto grau de
complexidade no cuidado pessoal?
Antes de tudo, é importante que seja ressaltada a diferença
conceitual entre senescência e senilidade. A primeira é o
envelhecimento tido como fisiológico, englobando as alterações
orgânicas, funcionais e psicológicas, e a segunda é tida como
modificações estruturais e funcionais corroboradas por processos
patológicos que podem acometer o idoso. A Organização Mundial da
Saúde (OMS) considera idoso todo indivíduo com idade maior ou
igual a 65 anos de idade, tendo esse limite reduzido para 60 anos em
países com expectativa de vida mais baixa. No Brasil, para fins de
classificação, estudos e planejamento, idoso é tido como maior ou
igual a 60 anos de idade; os indivíduos maiores de 80 anos de idade
têm preferência especial frente aos demais, para atendimento de
saúde – salvo casos de emergência – e análise de processos, desde
2017.
Devido à modificação fisiológica do envelhecimento, é comum
haver apresentações atípicas de doenças, como infecção urinária
sem disúria, broncopneumonia sem febre ou tosse, isquemia
miocárdica sem dor. Por essa razão, é necessário realizar
rastreamento infectometabólico após exame físico minucioso da
paciente. Estamos diante de uma “grande idosa”, com dependência
total para as AIVD e parcialmente para ABVD, que possui alterações
consideradas fisiológicas do envelhecimento sobrepostas a
condições patológicas.

MODIFICAÇÕES FISIOLÓGICAS

Pele e Fâneros
Diante de sua exposição às intempéries do ambiente, a pele é o
órgão do corpo que mais evidencia o envelhecimento. Ocorre
redução do turgor, deterioração do colágeno e das fibras elásticas,
levando a perda de elasticidade e fragilização da pele e de seus
capilares, propiciando púrpura senil (Figura 1); surge também a
involução das glândulas sudoríparas e da epiderme, culminando em
afilamento da pele e seu ressecamento; redução da vascularização
da derme aumenta o tempo de cicatrização. Apesar da diminuição do
número dos melanócitos, existe tendência à hiperplasia epidérmica
pontual com deposição de melanina, ocasionando melanose senil
(Figura 2), que causa desconfortos estéticos para alguns pacientes.
Figura 1. Púrpura senil.
Fonte: Autoria própria.

Ocorre também a perda de pigmento no córtex dos cabelos,


tornando-os grisalhos. Nas mulheres, devido à queda dos níveis de
estrógeno, ocorre modificação na distribuição dos pelos, que
aumentam acima do lábio superior e no mento, e reduzem em axilas,
membros e região pubiana.
Figura 2. Melanose senil.
Fonte: Autoria própria.

Diante da alteração fisiológica decorrente da senescência, o


turgor da pele deixa de ser parâmetro para suspeição de
desidratação. Devido à involução do subcutâneo, há menor
isolamento térmico, predispondo à hipotermia; concomitante à
redução do tecido subcutâneo, há a diminuição do coxim sobre
superfícies ósseas, aumentando o risco de lesão por pressão (ver
Figuras 3 e 4).
Figura 3. Lesão por pressão: estágio 1. Note lesão conhecida como “eritema
branqueável”.
Fonte: Autoria própria.

Figura 4. Lesão por pressão: estágio 4. Note músculo e esfacelos.


Fonte: Autoria própria.

Olhos
Devido à redução de gordura da face, os olhos aparentam ser
mais fundos; diante da flacidez da pele, ocorre com frequência ptose
palpebral. Em alguns casos, naturalmente reduz-se a lubrificação do
globo ocular, predispondo à úlcera de córnea. O cristalino também
perde sua elasticidade e seu poder de acomodação normal, levando
ao que chamamos de presbiopia. Aumenta nessa faixa etária a
prevalência de retinopatias diabética e hipertensiva devido a
comorbidades, por vezes subdiagnosticadas.

Orelhas
Os ossículos da orelha média tendem à calcificação;
concomitante com a degeneração do órgão de Corti, existe a redução
da acurácia para sons com frequência aguda, denominada
presbiacusia.

Cavidade Oral e Nariz


Há involução das papilas gustativas e redução dos receptores
olfatórios, acarretando prejuízo do paladar dessa população. Na
literatura, é descrita a correlação entre a deficiência do zinco e a
alteração da percepção dos sabores na população idosa. Ocorre
redução na produção de muco e da lubrificação, aumentando a
chance de infecção secundária em vias aéreas altas. A perda
dentária por reabsorção óssea decorrente de periodontite e má
higiene é comum, assim como a retração gengival. A mucosa oral
perde a elasticidade e a lubrificação – podendo ser piorada devido a
uso de alguns medicamentos anticolinérgicos, propiciando
acentuação da boca seca, tornando-se mais propícia a infecções.

Sistema Respiratório
Ocorre calcificação dos anéis da traqueia e brônquios, associada
a perda de elasticidade e atrofia dos alvéolos. Ocorre fragilização dos
septos alveolares, culminando em ruptura e formação de cistos.
Concomitantemente, ocorre diminuição da elasticidade e da
complacência pulmonar, ocasionando aumento do volume residual,
reduzindo assim a capacidade vital e a difusão de oxigênio (a
capacidade pulmonar total mantém-se inalterada com o
envelhecimento). Os mecanismos de higiene/defesa brônquica
também sofrem alterações, como degeneração das glândulas
mucosas e modificação da funcionalidade dos batimentos ciliares,
aumentando o risco de infecções.

Sistema cardiovascular
O aumento da deposição de cálcio concomitante à redução de
fibras elásticas nos vasos estimula as artérias, principalmente aorta,
coronárias e carótidas, a se tornarem mais rígidas e tortuosas. Com o
envelhecimento, a redução da complacência das artérias periféricas
acarreta aumento da pressão sistólica em detrimento à queda da
pressão diastólica. Ocorre espessamento das valvas, concomitante a
fibrose e calcificação, levando ao aparecimento de sopros
decorrentes de estenose e/ou insuficiência – sem repercussão
hemodinâmica necessariamente. A degeneração ou a calcificação do
sistema de condução podem causar bloqueio cardíaco ou arritmias.
Diminuição na sensibilidade dos barorreceptores corrobora a
hipotensão ortostática. Em geral, ocorre redução de sua capacidade
funcional, tornando o idoso mais propenso a sinais de isquemia,
durante situações de maior demanda de oxigênio, como infecções e
exercício físico.

Sistema Gastrintestinal
Ocorre a diminuição do número das glândulas digestivas
(salivares, mucosa gástrica e pâncreas) ocasionando alteração na
absorção de nutrientes; a camada muscular do tubo atrofia-se e
enfraquece, comprometendo a motilidade e predispondo à formação
de divertículos. O número dos hepatócitos regride, o fluxo sanguíneo
hepático reduz, alterando a atividade enzimática e a farmacocinética
de medicamentos, predispondo aos idosos maior risco de efeito
adverso.

Sistema geniturinário
Com o envelhecimento, ocorre a redução do número de néfrons;
alguns glomérulos tornam-se fibrosados e associam-se à obliteração
de algumas arteríolas aferentes. O fluxo plasmático renal e a filtração
glomerular decrescem, reduzindo a depuração da creatinina para 8 a
10mL/min/1,73m2 por década, a partir dos 40 anos de idade. Os
túbulos renais e a cortical renal também diminuem de tamanho.
As musculaturas vesical e uretral atrofiam-se, reduzindo a
capacidade vesical; nos homens, associado com hiperplasia
prostática, corrobora o aumento do volume residual pós-miccional. A
produção de testosterona decai com a idade, e o pênis reduz de
tamanho. Na mulher, a queda dos estrógenos predispõe a uma
mucosa vaginal mais fina, seca e friável, propiciando vaginite
atrófica. Receptores de pressão também alteram-se, explicando o
surgimento de contrações intempestivas durante a fase de
enchimento vesical. A uretra, por sua vez, torna-se mais fibrosa,
menos flexível e com perda de sua densidade muscular, levando à
falha esfincteriana. Esse conjunto de fatores acarreta redução da
proteção local do epitélio, aumentando o risco de infecções
secundárias.

Sistema endócrino
Ocorre substituição de tecido glandular por tecido fibroso e
deposição de gordura nas glândulas tireoide, paratireoides, hipófise e
suprarrenais. Como forma de proteção contra o catabolismo, ocorre
redução da conversão da tiroxina (T4) em tri-iodotironina (T3). Nota-
se redução da resposta febril secundária à dificuldade
termorreguladora proveniente da ação dos hormônios tireoidianos e
do hipotálamo.
Ocorre deposição de cálcio na glândula pineal, acarretando
redução de produção de melatonina no idoso. Devido ao estresse das
células beta do pâncreas, aumentam-se a resistência à insulina e a
intolerância à glicose.
Reduz-se a secreção de hormônio do crescimento e do sulfato de
desidroepiandrosterona; o aumento na secreção dos hormônios
antidiurético e natriurético atrial corroboram a alteração do balanço
hídrico.
Sistema musculoesquelético
Tipicamente ocorre atrofia dos músculos, provocando diminuição
lenta e gradual da massa muscular e da força. A excitabilidade
muscular e da junção mioneural também sofre redução com o
envelhecimento. Surge uma prevalência da atividade osteoclástica
sobre a osteoblástica, provocando alteração da arquitetura óssea,
culminando em sua fragilização. A espessura dos discos
intervertebrais também diminui, acentuando-se as curvaturas da
coluna vertebral, principalmente da torácica, provocando cifose
(Figura 5) e perda da altura. Surgem alterações degenerativas em
articulações, ligamentos e tendões, reduzindo mobilidade e
amplitude de movimento.
Figura 5. Cifose torácica.
Fonte: Autoria própria.

Sistema Nervoso
O número de células nervosas reduz com o envelhecimento. Em
algumas topografias cerebrais, a perda celular é mínima, e em outras
a perda pode ser mais pronunciada (p. ex., hipocampo). Em geral, as
funções mentais permanecem preservadas, podendo haver redução
da capacidade de reter novas informações, não implicando por si,
perda de funcionalidade. O peso do cérebro frequentemente é
reduzido em 5 a 7% como resultado da atrofia de áreas seletivas.
Existe diminuição no fluxo sanguíneo para o cérebro de 10 a 15%.
Corroborando fatores genéticos e comportamentais, a população
idosa não apresenta envelhecimento cerebral de forma homogênea.
Em alguns pacientes, ocorre maior deposição de compostos beta-
amiloides formando emaranhados senis podendo levar à disfunção
mitocondrial, neuroinflamação, dano oxidativo e apoptose.
No grupo com maior exposição a fatores ateroscleróticos, é
comum notar isquemias concomitantes, com consequente redução
mais acelerada da reserva cognitiva. Os neurotransmissores
reduzem-se com a idade, não em velocidade que provoque disfunção,
salvo patologia associada. Existe diminuição da velocidade de
condução nervosa corroborando degeneração axônica e
desmielinização segmentar dos nervos periféricos e ocasionando
decréscimo dos reflexos tendinosos profundos.

Sistema Hematopoético
Ocorre a lipossubstituição da medula óssea, reduzindo a
quantidade de medula óssea ativa. Mesmo assim, a contagem global
das células sanguíneas não sofre muita alteração. A anemia
inexplicada no idoso pode ser causada pelo envelhecimento de
células-tronco com resistência progressiva dos progenitores
eritroides da medula óssea à eritropoetina, sugerindo a exaustão das
células-tronco.

Sistema Imunológico
O número e as funções dos linfócitos T diminuem concomitante
com a involução do timo; apesar da não redução dos linfócitos B,
existem indícios de prejuízo da qualidade de seus anticorpos; dessa
forma, a resposta às vacinas é mais lenta e mais baixa nos idosos.
Os monócitos/macrófagos aparentam aumento em número, porém
seu poder de diferenciação é reduzido.

AVALIAÇÃO CLÍNICA
O objetivo de uma avaliação geriátrica é manter a autonomia,
preservar a funcionalidade e maximizar a qualidade de vida do
paciente. Nesse contexto, torna-se importante conhecer ativamente
os domínios físico (médico), mental, social, funcional e ambiental do
paciente, incluindo a participação do familiar/cuidador, quando
pertinente, para estruturar plano de cuidados.
Muitas alterações que podem ser justificadas por patologias,
como esquecimento frequente, falta de apetite e perda de sono, são
encaradas como processo normal do envelhecimento, sendo muitas
vezes negligenciadas; também não é raro se deparar com familiares
que “podam” as atividades do paciente como forma de excesso de
cuidado (não permitem que coloquem a mesa do jantar, realizem
afazeres domésticos ou saiam para fazer compras) predispondo-os a
uma inabilidade, reforçando por vezes o sentimento de incapacidade,
invalidez e/ou inutilidade.
Incentive que o paciente comunique alterações e queixas -
questionando ativamente sintomas sobre os diversos sistemas – em
ambiente apropriado e com privacidade, introduzindo o familiar na
discussão se oportuno/necessário, nunca esquecendo que o
paciente é o centro da avaliação. Em se tratando de paciente com
reserva cognitiva preservada, o interesse em introduzir um familiar
durante o atendimento, deve ser concordado pelo idoso. Respeite sua
autonomia e sua privacidade.
Construa, com base em uma boa relação médico-
paciente/familiares, terreno propício para introdução de assuntos
referentes a diretrizes antecipadas, a fim de conhecer a opinião do
paciente e dos familiares quanto a desejos e percepções sobre
finitude, atualizando metas e preferências para o atendimento.
De antemão, a avaliação inicial do idoso não se difere daquela do
adulto jovem, sendo contempladas a queixa principal e a história da
moléstia atual com seus sintomas correlacionados, com o olhar
atento para incidência de sintomas atípicos nessa faixa etária, e a
sobreposição de doenças – podendo os sintomas serem explicados
por mais de uma causa. Alguns idosos se acham poliqueixosos e
evitam falar de seus problemas com receio de incomodar os outros,
como também têm vergonha em relatar início de perda urinária em
roupa ou queda do desempenho sexual, de forma espontânea.
Dentre as particularidades clínicas, ganham destaque as sete
principais síndromes geriátricas – também conhecidas como os “Is
da geriatria” – e seus fatores de risco, que são: insuficiência
cognitiva, incontinência urinária e/ou fecal, instabilidade postural e
quedas, imobilidade, iatrogenia, insuficiência comunicativa e
insuficiência social.
Ao iniciar a abordagem geriátrica, vale questionar os déficits
sensoriais, como diminuição da acuidade visual e auditiva, e as
queixas de memória, sono, apetite, hábito intestinal, hábitos sociais,
lista de medicamentos.
Não se surpreenda que o paciente negue queixas de memória
quando indagado, porém tenha um desempenho ruim nos testes de
rastreamento. Além das neuropatias que podem cursar com
diminuição da função intelectual, o transtorno cognitivo pode ser
precedido de alteração tireoidiana e distúrbios carenciais, como
também ser secundário a transtorno depressivo não tratado. Para
auxílio no rastreamento cognitivo, existem alguns testes como
Miniexame do Estado Mental (MEEM) e Montreal Cognitive
Assessment (MoCA). Para o rastreamento de quadro depressivo,
existe a Escala de Depressão Geriátrica de Yesavage (GDS), usada
em idosos sem síndrome cognitiva, ou Escala Cornell, quando o
paciente apresenta transtorno cognitivo maior. Sempre questionar
sobre eventos predisponentes ao quadro, como perda de cônjuge,
emprego, filho – lembrando que são ferramentas de rastreamento,
devendo-se, então, utilizar os critérios do Código Internacional de
Doenças (CID) e/ou do Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais (DSM) para confirmação do diagnóstico.
Com a sobreposição de comorbidades, aumenta-se a quantidade
de medicamentos prescritos e, consequentemente, de
interações e reações adversas. Não é rara a introdução de um novo
medicamento a fim de reduzir o efeito adverso de outro. Isso é mais
frequente em paciente acompanhados por múltiplas especialidades.
Devem ser revisados, em toda avaliação médica, os remédios que o
paciente está usando, incentivando o paciente ou a família a levá-los
(tanto os medicamentos com ou sem prescrição médica) para
confirmar real posologia e modo de uso. Questione ativamente sobre
uso de chás, fitoterápicos e/ou fórmulas, muitas vezes não
consideradas medicações, apesar de potencial efeito adverso, como
é o caso de tendência hemorrágica associada ao Panax ginseng e
Ginko biloba.
A fim de auxiliar o rastreamento de síndromes geriátricas na
população idosa, buscando energicamente os problemas em saúde
de forma sistematizada, foi empregado o instrumento chamado
Avaliação Geriátrica Ampla. Este engloba, além de situação vacinal,
atividade física e multimorbidades, análise de suporte social, estado
nutricional, equilíbrio e quedas, dentre outros. O modelo proposto
desta avaliação foi instituído no município de São Paulo, através da
Avaliação Multidimensional do Idoso na Atenção Básica (AMPI-AB),
com base no Caderno de Atenção Básica nº 19 do Ministério da
Saúde, auxiliando no planejamento e na gestão de cuidados, visando
à promoção em saúde, à prevenção de agravos, ao diagnóstico
precoce e à reabilitação.

EXAME FÍSICO
Uma boa semiotécnica consiste no emprego correto da inspeção,
palpação, percussão e ausculta de cada sistema/aparelho, sem
menosprezar a análise subjetiva do médico quanto à força de
preensão palmar ao aperto de mão, de como o paciente se levanta da
cadeira e deambula, da forma mais espontânea possível, reduzindo a
interferência de terceiros, não comprometendo a segurança do
paciente. Atentar-se para que, durante a avaliação ectoscópica
corporal, só seja exposta a região anatômica a ser avaliada. Em caso
de paciente com vulnerabilidade cognitiva, é ideal que o exame físico
seja realizado em companhia de um familiar/responsável. Deve-se ter
cuidado com os movimentos intempestivos do paciente, devido ao
risco de alteração pressórica com sintomas correlacionados e/ou
piora de labirintopatia prévia.
Deve-se lembrar da importância da aquisição correta dos sinais
vitais, incluindo a aferição da PA e da FC em pelo menos duas
posições (deitado e em pé), a fim de reconhecer hipotensão postural
(tão frequente na população idosa, devido à alteração fisiológica
e/ou secundária ao uso de alguns medicamentos) e iniciar as
recomendações cabíveis. O aumento da FC ortostática é reduzido ou
ausente em pacientes com hipotensão ortostática neurogênica, mas
aumenta em quadros de anemia ou hipovolemia. Deve-se estar
preparado para proteger o paciente de possíveis quedas.

Peso e Altura
É fundamental o acompanhamento de tais dados de forma
periódica. Espera-se que o idoso sofra redução de 1 cm por década a
partir dos 40 anos de idade, associada à tendência de ganho
ponderal até a 6ª década de vida. A perda involuntária de mais de 5 a
10% do peso normal de uma pessoa idosa durante 1 ano é um
importante sinal clínico associado ao aumento do risco de
mortalidade. O risco em pessoas acima de 70 anos de idade não é
afetado significativamente por um IMC elevado na faixa de 25 a 29,9.

Pele
É mais vulnerável a fatores estressores/traumas devido à
alteração da senescência. Além da avaliação basal, em busca de
lesões como micose ou lesão por pressão, é importante a análise
crítica em busca de sinais de maus-tatos ou lesões neoplásicas.

Cabeça e Pescoço
Devem-se avaliar as características da face, incluindo-se os
movimentos estereotipados ou assimétricos; observar lesões em
couro cabeludo ou sinais de dermatite, condição dentária, se há
sinais de monilíase oral ou desacoplamento de próteses
ortodônticas. Avaliar região temporal à procura de sinais indiretos de
arterite. Deve-se verificar acuidade visual e auditiva, assim como a
mobilidade de olhos – apesar de a habilidade de olhar para cima
declinar com o avanço da idade. Quando se observa abrandamento
das sacadas verticais associado a instabilidade
postural, comprometimento cognitivo ou mudança de personalidade,
deve-se suspeitar de paralisia supranuclear progressiva.
No exame cervical, procuram-se assimetrias ou abaulamentos,
pulso venoso e turgência jugular. Palpam-se cadeias linfonodais,
parótidas, tireoide e artérias, associadas à ausculta. Pode-se
encontrar uma limitação à mobilidade cervical decorrente de
osteoartrose associada.

Tórax e Abdome
Durante o exame físico, é comum verificar aumento das
curvaturas da coluna, como cifoescoliose. A depender dos hábitos
que o paciente tenha, pode-se encontrar aumento do diâmetro
anteroposterior, no caso dos portadores de doença pulmonar
obstrutiva crônica (DPOC); a expansibilidade torácica pode estar
reduzida, corroborando sinostose.
Devem ser avaliados uso de musculatura acessória, presença de
circulação colateral, telangiectasias, ginecomastia ou alteração na
arquitetura das mamas das mulheres. O ictus cordis normal pode
tornar-se mais difícil de ser palpado, sem comemorativo patológico
associado, devido à atrofia miocárdica; o espessamento dos folhetos
da valva aórtica pode ser responsável pelo aparecimento de sopro
sistólico ejetivo em foco aórtico como sopro sistólico regurgitativo
no foco mitral, não conferindo comemorativo hemodinâmico ou
patológico.
Decorrente à dificuldade em realizar inspiração profunda, existe
limite técnico no reconhecimento de determinados ruídos
adventícios, por vezes. Podem-se também verificar creptos em
bases, sem significado patológico.
O exame abdominal não difere do exame habitual de um adulto
jovem, com inspeção, ausculta, palpação e percussão devidas. Vale
ressaltar a importância em realizar o toque retal, principalmente nos
pacientes com constipação e/ou suspeita de diarreia paradoxal. É
comum encontrar fecaloma como justificativa.

Exame Musculoesquelético
Deve-se inspecionar em busca de assimetria ou deformidades.
Aumenta a incidência de doenças como Paget – suspeitada por
alteração tibial, arqueamento do membro e aumento do tamanho
craniano –, osteoartrose predispondo à limitação de amplitude de
movimento – podendo acarretar rigidez de nuca, transformando esse
sinal pouco específico para irritação meníngea. Atentar-se também
para sinais de atrofia muscular, corroborando as quedas.
Edema em membros inferiores pode ser justificado devido a
insuficiência venosa e redução de mobilidade. Os pulsos devem ser
ativamente examinados e questionados sinais de doença arterial
periférica. Os pés devem ser avaliados quanto a
deformidades/calosidades e a alterações ungueais e interdigitais –
locais potenciais para porta de entrada de infecções.

Exame Neurológico
É necessário avaliar a função mental do indivíduo e pesquisar
ativamente alteração de motricidade, rigidez, distúrbio do movimento,
mudança de sensibilidade tátil, dolorosa, vibratória e proprioceptiva.
O aumento de deficiência de vitamina B12 – que colabora para
transtorno cognitivo e alteração sensitiva vibratória – é corroborado
pelo uso de alguns medicamentos como metformina e inibidores de
bomba de prótons. Devem-se avaliar grau de atenção ou desatenção,
campos visuais, déficits motores, nervos cranianos, equilíbrio e
marcha do paciente, assim como reflexos; sinais de
comprometimento piramidal e extrapiramidal também devem ser
pesquisados, a fim de aventar algumas doenças neurodegenerativas.

EVOLUÇÃO CLÍNICA
Devido à frequente manifestação atípica de doenças na
população idosa, associada a paciente com limite cognitivo de
descrever sintomatologias correlacionadas de forma precisa, deve-se
solicitar tomografia computadorizada de abdome a fim de descartar
fatores de complicação da infecção de trato urinário. Descartaram-se
nefrolitíase, hidronefrose, ou sinais de abscesso, sendo evidenciados
borramento de gordura perirrenal à esquerda, raros óstios
diverticulares em cólon descendente, sem sinais de diverticulite; e
coproestase associada.
Como a paciente apresentava uma causa óbvia para justificar o
quadro de delirium, sem suspeita inicial de meningite ou abordagem
neurocirúrgica recente, optou-se por não realizar punção liquórica
precedida de tomografia de crânio (na ausência de uma causa óbvia
para delirium, são indicados testes adicionais para pesquisa causal).
Foram introduzidas antibioticoterapia precoce (preferencialmente
após coleta de culturas), hidratação parcimoniosa e medidas para a
constipação – não esquecida a necessidade de quebra e extração
digital do fecaloma.
O profissional orientou cuidados com a pele, a fim de evitar
progressão e/ou nova lesão por pressão, como: mudança de
decúbito a cada 2 h, hidratação da pele, uso de colchão apropriado,
estimulação da mobilidade do paciente, redução do excesso de
umidade da pele, garantia de aporte nutricional de forma
individualizada.
O paciente esteve com acompanhante familiar durante toda a
internação hospitalar; foram otimizadas medidas comportamentais
para controle de delirium como manutenção dos dispositivos de
auxílio sensorial (óculos e aparelhos auditivos), acomodação em
quarto silencioso com janela, utilização de calendário e relógio,
vigilância quanto a possível quadro álgico. Foram evitados contenção
mecânica e uso dispositivos invasivos.
Após 12 h de sua admissão, a paciente melhorou da sua
hipoatividade, ficando mais desperta e colaborativa com examinador.
Voltou a se alimentar melhor nas primeiras 24 h. A paciente evacuou
após medidas farmacológicas e dietéticas. Nível de marcadores
inflamatórios e ureia em queda progressiva nas primeiras 72 h.
Recebeu alta no 4º dia de internação hospitalar, após
descalonamento de antibioticoterapia venosa paraoral guiado por
resultados de culturas. Foram reforçadas medidas para controle de
constipação, cuidados com a pele e anti-delirium. A abordagem
terapêutica considerou diretrizes avançadas e foi criado o vínculo de
confiança com paciente e familiares.

DIAGNÓSTICO FINAL
Delirium de causa multifatorial (constipação, infecção, mudança
ambiental); pielonefrite.

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Capítulo 40

Semiologia de Emergência
Autores: Eugênio Santana Franco Filho, Yury Tavares de Lima e Samer Heluany Khoury

INTRODUÇÃO
Inicialmente descrito e estudado no Japão na década de 1970 e sendo assimilado na
rotina das Emergências norte-americanas em meados da década de 1990, Point-of-care
Ultrasonography (POCUS), ou ultrassom à beira do leito (tradução livre) é uma ferramenta
essencial para a prática diária do médico emergencista.
Extremamente versátil, possibilita ao médico conduzir diversos tipos de emergência,
sejam elas traumáticas ou não. Duas das principais funções do atendimento na Emergência
são classificar o risco que o paciente apresenta e tomar decisões rapidamente (o paciente
deve ser internado? Pode ser liberado de alta? Necessita de transferência para a unidade de
terapia intensiva [UTI]?) e o POCUS é um grande aliado na realização dessas tarefas.
A principal diferença do uso do POCUS na Emergência e no ambiente de terapia intensiva
(onde também é muito útil) é que, via de regra, o emergencista pode usar o POCUS tanto
para definir a conduta inicial como para liberar o paciente do hospital, tendo sido
descartadas patologias graves que implicariam uma chance aumentada de sequelas ou
óbito. Já o médico intensivista utiliza o POCUS como ferramenta decisiva na conduta inicial
e no acompanhamento do paciente internado, mas dificilmente o utiliza como dispositivo
determinante de alta hospitalar.
Trata-se de um exame de imagem de baixo custo (quando comparado à tomografia
computadorizada e à ressonância magnética, por exemplo), inócuo para o paciente (método
não invasivo, que não utiliza contraste e que não emite radiação), rápido, de fácil
treinamento e alta confiabilidade.
Pelo fato de ser realizado à beira do leito, pode ser feito em pacientes
hemodinamicamente instáveis, já que não há necessidade de transporte do paciente para
sua realização.
Além da versatilidade relacionada a diagnósticos e tomadas de decisão, o POCUS é útil
ainda para garantir maior taxa de sucesso e diminuição no número de complicações durante
realização de procedimentos, como pericardiocentese, bloqueio nervoso e punção de
acesso central.
A seguir serão apresentados alguns casos em que o uso do POCUS auxilia/beneficia o
atendimento de Emergência de pacientes críticos.
CASO CLÍNICO 1

ANAMNESE
Paciente do sexo masculino, 65 anos de idade, hipertenso, tabagista, procura
atendimento no departamento de emergência (DE) por desconforto respiratório.
História da Moléstia Atual:
Paciente apresenta-se ao DE dispneico e relata piora dos sintomas nos últimos 5 dias,
manifestando tosse seca e intolerância aos esforços e ao decúbito dorsal.

EXAME FÍSICO
Dados Vitais: Pressão arterial (PA) – 136 × 96 mmHg; frequência cardíaca (FC) – 104
bpm; frequência respiratória (FR) – 32 irpm; saturação de oxigênio (SatO2) – 89%; Glicemia
capilar – 120 mg/dL.

Ao exame físico, o paciente apresenta-se consciente e orientado (mas com discurso com
frases entrecortadas), sudoreico e pálido. Ausculta pulmonar com murmúrio vesicular em
ambos os hemitórax, diminuídos em bases, sem ruídos adventícios. Ausculta cardíaca com
ritmo cardíaco regular e em dois tempos, bulhas hipofonéticas e sem sopros. Abdome
globoso por adiposidade, flácido e indolor, com ruídos hidroaéreos. Extremidades sem
cianose e com discreto edema de membros inferiores, simétrico.
Suspeita diagnóstica:

• Edema agudo pulmonar


• Doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) agudizada
• Pneumonia.
Conduta: Paciente em acompanhamento no DE com monitoramento contínuo de
parâmetros vitais, punção de acesso venoso, oferta de oxigênio em máscara com
reservatório e válvula não reinalante. Mantido no leito com cabeceira elevada e
complementação da avaliação com uso do POCUS.

QUESTÕES PARA DISCUSSÃO

1. Quais acometimentos potencialmente fatais podem ser previstos neste caso e


que definiriam a conduta no DE?
2. Quais protocolos e avaliações guiados pelo POCUS podem ser úteis no manejo
desse caso?
3. Quais os achados do POCUS podem auxiliar na tomada de decisões?
DISCUSSÃO
Em uma abordagem mais ampla e inicial do paciente dispneico no DE, pode-se utilizar o
POCUS como uma ferramenta capaz de responder algumas perguntas. Há alguma alteração
no parênquima pulmonar ou em estruturas torácicas que comprometa a oxigenação ou a
ventilação? Há alguma alteração circulatória comprometendo a oxigenação ou a hematose
pulmonar? Para responder essas perguntas e auxiliar a tomada de decisão sobre paciente
dispneico, serão usados os protocolos Bedside Lung Ultrasound in Emergency (BLUE) e Focus
Assessed Transthoracic Echo (FATE).

PROTOCOLO BLUE
Esse protocolo inicia-se com a divisão ectoscópica do tórax em 3 zonas, como
esquematizado na Figura 1.

Figura 1. Protocolo BLUE. (Imagem gentilmente cedida por Dr. Breno Dantas.)

Essas zonas serão avaliadas com transdutor convexo posicionado perpendicularmente


ao gradil costal e será gerada uma janela onde se observa o sinal do morcego (Figura 2).

Figura 2. Sinal do morcego: as setas pretas representam os arcos costais; os asteriscos brancos
representam a sombra acústica dos arcos costais sobre o parênquima pulmonar; e as linhas brancas
tracejadas delimitam a área de interesse na janela pulmonar.
Fonte: Autoria própria.

Como discutido, a proposta do POCUS é responder perguntas específicas e auxiliar na


tomada de decisões. Dessa forma, serão observados achados de imagem que definirão o
perfil pulmonar do paciente em virtude de sua condição clínica.

• Deslizamento Pleural (Lung Sliding) (Figura 3)


Figura 3. Imagens sequenciais em que as setas pretas mostram o deslizamento horizontal da linha
pleural durante os movimentos ventilatórios.
Fonte: Autoria própria.

• Linhas A (Figura 4)
Figura 4. Perfil A: linhas horizontais, hiperecogênicas e equidistantes (linhas A), geradas pelo
deslizamento pleural fisiológico e que se repetem em um parênquima pulmonar aerado. A seta preta
representa a linha pleural e as setas brancas representam as linhas A, que se repetem de forma
equidistante.

Fonte: Autoria própria.

• Linhas B (Figura 5)
Figura 5. Perfil B: presença de pelo menos 3 linhas verticais em um espaço intercostal,
hiperecogênicas, que se estendem da linha pleural até o final da tela do aparelho (linhas B
verdadeiras). Os asteriscos brancos representam linhas B.

Fonte: Autoria própria.

• Linhas C (Figura 6)
Figura 6. Perfil C: parênquima pulmonar apresenta ecogenicidade próximo a tecidos mais densos, com
pontos de consolidação heterogêneos. A seta preta representa pontos hiperecoicos denominados linhas
C, correspondentes às consolidações no parênquima pulmonar.
Fonte: Autoria própria.

A partir da rápida identificação desses perfis pulmonares, pode-se organizar a


abordagem do paciente com dispneia conforme mostrado na Figura 7.

Figura 7. Fluxograma para identificação dos perfis pulmonares.


Fonte: adaptado de: Lichtenstein DA. BLUE-protocol and FALLS-protocol: two applications of
lung ultrasound in the critically ill. Chest. 2015; 147(6):1659-70.

Após a avaliação sistemática do POCUS no paciente em questão, observam-se


deslizamento pleural em todos os pontos do protocolo e um perfil B em ambos os
hemitórax, sugerindo quadro de edema pulmonar agudo. A partir desse momento, pode-se
direcionar a conduta para o tratamento adequado e procurar novas respostas com uso do
POCUS. Qual seria a etiologia desse edema? Cardiogênico ou não cardiogênico?
Para responder essa segunda pergunta, pode-se aplicar o protocolo FATE.

PROTOCOLO FATE
Esse protocolo busca respostas rápidas para tomada de decisão a partir da avaliação
dos seguintes pontos:

• Excluir patologias óbvias


• Avaliar espessura das paredes e dimensões das câmaras
• Avaliar contratilidade cardíaca
• Avaliar a pleura bilateralmente
• Correlacionar achados com dados clínicos.
No POCUS, essa avaliação ocorre de maneira qualitativa e não propriamente quantitativa.
Em Emergência buscam-se respostas rápidas capazes de auxiliar a tomada de decisão.
Dessa forma, os pontos elencados são avaliados a partir de 4 janelas torácicas com a
utilização dos transdutores setorial pata janelas cardíacas e convexo para janelas
pulmonares, como ilustrado na Figura 8:

Figura 8. Janelas visualizadas no protocolo FATE.

Fonte: adaptado de: Oveland NP, Bogale N, Waldron B, Bech K, Sloth E. Focus assessed
transthoracic echocardiography (FATE) to diagnose pleural effusions causing
haemodynamic compromise. Case Rep Clin Med. 2013;2:189–93.
• Janela subxifoide: marcador do transdutor direcionado para o ombro esquerdo do
paciente, aplicando-se uma leve pressão no espaço subxifoide. Nesta janela, pode-
se avaliar o coração sob visualização de quatro câmaras. As câmaras direitas (átrio
e ventrículo) ficam mais próximas ao transdutor e, por isso, serão as imagens mais
próximas ao marcador da tela. As câmaras esquerdas, por sua vez, localizar-se-ão
mais distais ao transdutor, estando, assim, mais distantes do marcador da tela.
Esta janela proporciona uma boa visualização de derrames pericárdicos, que, por
gravidade, localizar-se-iam entre o pericárdio, apoiado sob o diafragma, e as
câmaras direitas. Também pode-se ter uma visão das quatro câmaras cardíacas e
comparar seus tamanhos e funcionalidade

• Janela Apical: marcador do transdutor direcionado para o ombro direito do


paciente. Insonar um espaço intercostal que possibilite a visualização das quatro
câmaras, denominada janela apical quatro câmaras. A imagem gerada torna
possível comparar os tamanhos das câmaras direitas e esquerdas com maior
precisão, visto que estarão lado a lado. Também usada para avaliar as valvas
tricúspide e mitral, e as contratilidades global e segmentar

• Janela Paraesternal
• Eixo Longo: transdutor insonado a 90° na caixa torácica, com marcador voltado
para o ombro direito do paciente, no maior eixo cardíaco. Esta janela mostra o
coração em corte transversal do seu eixo longo. Assim, podem-se visualizar átrio
e ventrículo esquerdos, via de saída do ventrículo esquerdo (com valva aórtica e
parte proximal da aorta ascendente) e ventrículo direito. Usada para avaliar
valvas aórtica e mitral, possibilita cálculo para estimar fração de ejeção com
base na abertura da valva mitral, sendo possível analisar as alterações da aorta
proximal e sua valva

• Eixo Curto: transdutor posicionado a 90° com o maior eixo do coração, com
marcador direcionado para ombro esquerdo do paciente. Com esta disposição,
mostra-se o corte transversal do eixo longo do coração. Dependendo da altura
desse corte, podem-se visualizar ventrículos direito e esquerdo seccionados,
valva mitral e ápice do coração. É possível observar as contratilidades global e
segmentar, principalmente do ventrículo esquerdo, além da espessura de suas
paredes e a proporção entre os ventrículos. Também faz parte do protocolo FATE
o estudo da transição toracoabdominal, assim como no protocolo e-FAST (FAST
estendido).

• Espaços Pleurais: Esta janela permite avaliar as pleuras parietal e visceral e


conteúdos nesses espaços fisiologicamente virtual.
Conforme apresentado, podem-se aplicar os protocolos citados ao caso em questão. Ao
se realizar o protocolo BLUE, pôde-se observar que o paciente apresentava padrão B
bilateralmente, o que sugere congestão pulmonar, e, desta forma, a hipótese de insuficiência
cardíaca descompensada torna-se a mais provável. Ao se aplicar o protocolo FATE, pôe-se
evidenciar que a contratilidade cardíaca em algumas paredes estava comprometida,
apresentando acinesia de parede lateral esquerda e apical, por provável evento isquêmico
prévio. Trata-se, então, de um caso de insuficiência cardíaca descompensada de provável
etiologia isquêmica. O auxílio do POCUS, neste caso, seria tanto para corroborar prováveis
diagnósticos como para guiar terapias mais adequadas para o caso.

CASO CLÍNICO 2

ANAMNESE
Paciente do sexo feminino, 49 anos de idade, em pós-operatório de herniorrafia
abdominal incisional, em 4o dia de internamento hospitalar em leito de enfermaria, apresenta
quadro de dispneia súbita.
História da Moléstia Atual: Paciente avaliada pela equipe de resposta rápida do hospital,
encontra-se no leito, taquipneica, referindo queixa de dor torácica de início súbito associada
a desconforto respiratório. Observa-se tosse sem secreções respiratórias associadas.
Relata dor em membros inferiores e edema. Evolui sem queixas abdominais; ferida
operatória em bom processo cicatricial, sem sinais flogísticos.

EXAME FÍSICO
Dados Vitais: PA – 126 × 84 mmHg; FC – 120 bpm; FR – 28 irpm; SatO2 – 88%; Glicemia
capilar – 160 mg/dL.
Ao exame físico, a paciente apresenta-se consciente e agitada no leito. Ausculta
pulmonar com murmúrio vesicular em ambos os hemitórax, sem ruídos adventícios.
Ausculta cardíaca com ritmo cardíaco regular e em dois tempos, bulhas normofonéticas e
sem sopros. Abdome globoso por adiposidade, flácido e indolor, com ruídos hidroaéreos,
ferida operatória seca, sem flogose associada e sem secreções locais. Extremidades sem
cianose e com discreto edema de membros inferiores, assimétrico, pior à esquerda.
Apresenta dor à mobilização de membro inferior esquerdo que exibe sinais discretos de
rubor e calor local. Palpação do músculo gastrocnêmio dolorosa que piora com manobra de
dorsiflexão do pé esquerdo.

Suspeitas Diagnósticas:

• Tromboembolismo pulmonar (TEP)


• Insuficiência cardíaca descompensada
• Síndrome coronariana aguda
• DPOC agudizada.
Conduta: A abordagem inicial do paciente que apresenta sinais de instabilidade em leito
de enfermaria iniciou-se com monitoramento contínuo de parâmetros vitais e oferta de
oxigênio suplementar. Ainda à beira do leito, é possível avançar na avaliação do quadro
desse paciente com uso do POCUS com objetivo de responder questões pontuais da
condição clínica e direcionar condutas de forma objetiva.

QUESTÕES PARA DISCUSSÃO

1. Quais acometimentos potencialmente fatais podem ser previstos neste caso e


que definiriam a conduta no DE?
2. Quais protocolos e avaliações guiados pelo POCUS podem ser úteis no manejo
desse caso?
3. Quais os achados do POCUS podem auxiliar a tomada de decisões?

DISCUSSÃO
O paciente teve um episódio abrupto de dispneia após procedimento cirúrgico e restrição
ao leito durante o pós-operatório. Com anamnese, sinais vitais e exame físico, as principais
suspeitas diagnósticas seriam pneumonia hospitalar ou tromboembolismo venoso profundo
(TVP) e/ou TEP.
Durante o estudo do paciente dispneico, com o ultrassom à beira do leito, podem-se
avaliar as estruturas pulmonares a partir do protocolo BLUE. Como na Figura 1 apresentada
no caso anterior, os achados sugestivos de TEP são: deslizamento pleural (ver Figuras 6 e
7), pulmões com perfil A (ver Figura 8) e trombo em veias profundas (Figura 9). Seguindo
essa abordagem, nosso paciente apresenta:
Sinais de deslizamento pleural: as Figuras 6 e 7 mostram deslizamento fisiológico das
pleuras em todos os pontos estudados no protocolo BLUE.
Pulmões com perfil A: notam-se as linhas A, sugerindo pulmão aerado, sem alterações
parenquimatosas

• Sinais de TVP no estudo sequencial dos vasos (Figura 9)


Figura 9. Vasos profundos de membro inferior esquerdo ao nível de ligamento inguinal. A seta preta
representa artéria femoral e a seta branca representa veia femoral esquerda. Note que a veia femoral
apresenta-se não compressível pelo transdutor do aparelho de ultrassonografia, sugerindo trombo neste
vaso.
Fonte: Autoria própria.

Os sintomas mais comuns de TVP são dor à palpação, rubor e calor locais. Alguns sinais
semiológicos podem estar presentes, como o sinal de Homans (dor na panturrilha à
dorsiflexão do pé) ou o sinal da bandeira (menor mobilidade de uma panturrilha quando
comparada à outra).
Os sinais e sintomas mais comuns do TEP são taquicardia, taquipneia, dor torácica,
tosse e síncope, podendo, em casos mais graves, ter repercussão hemodinâmica e culminar
em choque obstrutivo.
Depois de considerar os fatores de risco para as hipóteses, dentre eles, a imobilização, o
pós-operatório e a predisposição a eventos trombóticos, pode-se usar o POCUS para
confirmar ou descartar algumas hipóteses.
Aproximadamente 50% dos pacientes com TEP apresentam TVP associada. Cerca de
90% das TVP causadoras de TEP estão localizadas nos membros inferiores, e em apenas
8% os trombos originam-se de TVP em membros superiores. Nos membros inferiores, os
trombos originados nas veias femoral comum, femoral superficial e nas poplíteas são os
principais causadores de TEP.
A ultrassonografia auxilia por vários motivos, inclusive por ser ferramenta barata, rápida e
à beira do leito. Tem sensibilidade e especificidade maiores que 95% para diagnóstico de
trombos em veias proximais dos membros inferiores.
Ao analisar as veias dos membros inferiores com o transdutor linear em posição
transversal aos vasos, deve-se buscar visualizar as duas principais veias profundas, que são
a femoral comum (a nível de raiz da coxa) e a veia poplítea (a nível de fossa poplítea). A falta
de compressibilidade dessas veias é o principal sinal indireto de trombo endovenoso. Um
teste adicional pode ser feito para corroborar o achado de trombo, que seria a compressão
de um segmento distal da perna e a observação de fluxo retrógrado de sangue no vaso
estudado (durante este teste, deve-se utilizar a função Doppler). Caso haja fluxo normal com
esta manobra, significa, então, que não há trombo impedindo o fluxo dentro da veia.
Existem alguns fluxogramas disponíveis para guiar a investigação de um TVP. A Figura 10
é uma tradução do fluxograma sugerido pelo American College of Emergency Physicians
(ACEP), para decisão de conduta frente à suspeita de TVP no DE.

Figura 10. Algoritmo para investigação de trombose venosa profunda sugerido pelo American College
of Emergency Physicians (ACEP).

Fonte: adaptado de: Rios M, Lewiss R, Saul T. Focus on: emergency ultrasound for deep vein
thrombosis. Disponível em: http://www.acep.org/, 2009.

Desta forma, estamos diante de um caso de dispneia súbita causada por TEP
diagnosticado em uma avaliação rápida à beira do leito.
CASO CLÍNICO 3

ANAMNESE
Paciente do sexo masculino, 23 anos de idade, vítima de politrauma por colisão moto-
carro há cerca de 30 minutos, levado ao DE por familiares.
História da Moléstia Atual: Paciente admitido no DE apresenta-se gemente, sudoreico,
pálido, após ter sido vítima de colisão moto-carro de alta energia, presenciada pelos
familiares. O paciente usava capacete e foi arremessado a aproximadamente 10 metros do
local da colisão. Ao ser socorrido estava gemente, próximo ao acostamento da pista, em via
bastante movimentada.

EXAME FÍSICO
Paciente em estado geral ruim, hipocorado, sudoreico, gemente. Avaliação neurológica:
pupilas isocóricas e fotorreagentes. Abertura ocular ao chamado, gemente, obedece a
comandos. Ausculta cardíaca apresenta ritmo regular em 2 tempos, bulhas normofonéticas,
sem sopros. Ausculta respiratória com murmúrio vesicular em ambos os hemitórax,
diminuído em base direita. À avaliação abdominal, identificou-se abdome plano, com ruídos
hidroaéreos diminuídos, difusamente doloroso à palpação, com escoriações em região de
flanco direito. Extremidades com pulsos filiformes e simétricos, frias, sem edema, sem
cianose, sem sinais de deformidades ósseas ou incongruências articulares. Escoriações em
face, braço esquerdo, flanco direito, coxa e perna esquerdos.
Dados Vitais: PA – 80 × 60 mmHg; FC – 134 bpm; FR – 35 irpm; SatO2 – 93%; Glicemia
capilar – 132 mg/dL.
Suspeita Diagnóstica:
Trauma abdominal fechado
Trauma torácico.
Conduta: Durante o atendimento do paciente, seguiu-se a abordagem preconizada pelo
Advanced Trauma Life Support (ATLS), com baseno ABCDE do trauma. Durante a avaliação
do abdome, percebe-se que o paciente tem importante desconforto abdominal à palpação.
Palpação do anel pélvico demonstra estabilidade. Não aparenta ter sangramento ativo
visível. A análise do dorso durante o rolamento em bloco evidencia apenas escoriações.
O paciente mantém instabilidade hemodinâmica e necessita de exame complementar
para elucidar quadro de choque, porém não tem estabilidade para ser transportado para o
centro de imagem.

QUESTÕES PARA DISCUSSÃO

1. Quais acometimentos potencialmente fatais podem ser previstos neste caso e


que definiriam a conduta no DE?
2. Quais protocolos e avaliações guiados pelo POCUS podem ser úteis no manejo
desse caso?
3. Quais os achados do POCUS podem auxiliar a tomada de decisões?

DISCUSSÃO
Durante o atendimento ao paciente politraumatizado, na avaliação preconizada pelo
ATLS, o POCUS é usado como ferramenta extremamente importante na identificação com
rapidez de condições ameaçadoras à vida como tamponamento pericárdico, pneumotórax
ou hemorragias ocultas.
Durante a avaliação desse paciente que se apresenta instável hemodinamicamente para
ser transportado ao centro de imagem, o protocolo e-FAST é uma ferramenta essencial para
avaliação e diagnóstico da causa do choque pós-trauma de alta energia.

PROTOCOLO e-FAST
No protocolo e-FAST utiliza-se o transdutor convexo para avaliação de tórax e abdome.
Esse protocolo é realizado com as seguintes janelas (Figura 11):

a. Espaço hepatorrenal
b. Transição fígado-diafragma-pulmão
c. Linha hemiclavicular anterior direita (3o e 5o espaços intercostais)
d. Espaço esplenorrenal
e. Transição baço-diafragma-pulmão
f. Linha hemiclavicular anterior esquerda (3o e 5o espaços intercostais)
g. Região suprapúbica
h. Janela pericárdica subxifoide.

Figura 11. Protolocolo e-FAST: janelas.


Fonte: adaptado de: Kirkpatrick AW, Sirois M, Laupland KB, Liu D, Rowan K, Ball CG et al.
Hand-held thoracic sonography for detecting post-traumatic pneumothoraces: The Extended
Focused Assessment with Sonography for Trauma (EFAST). J Trauma. 2004; 57(2):288-95.

Ao seguir essa sequência, podem-se visualizar os achados mostrados nas Figuras 12 e


13.

Figura 12. Janela Hepatorrenal (1) fígado; (2) delimitação do rim direito; (*) líquido livre no espaço
hepatorrenal.
Fonte: Autoria própria.

Figura 13. Janela ultrassonográfica demonstrando líquido livre abdominal e torácico. A seta branca
delimita o diafragma; o asterisco e o círculo sinalizam líquido livre em cavidade torácica e abdominal.
(1) fígado; (2) pulmão.
Fonte: Autoria própria.

Após essa avaliação, pode-se concluir que o paciente apresenta choque hipovolêmico
por trauma fechado com hemotórax e hemorragia intra-abdominal. Segue-se a condução do
caso com medidas para estabilização hemodinâmica, realização de drenagem de tórax e
indicação de laparotomia. Nas demais janelas do protocolo, não foram observadas
alterações.

POCUS BASEADO EM EVIDÊNCIAS


Existem muitos trabalhos com POCUS realizados com objetivos diversos, como para
descrever técnicas à beira do leito, achados de imagens, apresentar protocolos e relatar as
evidências dos seus achados para a validação do seu uso como ferramenta diagnóstica.

Ultrassonografia Pulmonar
A presença de ponto pulmonar (Lung point) apresenta 100% de especificidade para o
diagnóstico de pneumotórax. As linhas C com aspecto de consolidação pulmonar similar à
textura de órgãos sólidos apresentam especificidade de 98,5%. O uso da ultrassonografia
pulmonar apresentou acurácia de 90,5% no diagnóstico das causas de insuficiência
respiratória aguda em ambiente de UTI, em comparação com outras formas diagnósticas.
O diagnóstico do protocolo BLUE feito na admissão por médicos com habilidades
básicas em ultrassonografia apresentou concordância perfeita com o diagnóstico final em
84% dos pacientes. Lichtenstein et al. relataram sensibilidade e especificidade de 97% e
95%, respectivamente, para edema pulmonar cardiogênico e de 94% e 89%, respectivamente,
para pneumonia.

e-FAST
A acurácia do exame tem sido amplamente investigada a fim de determinar sua utilidade
como ferramenta de triagem. De modo geral, a literatura exibe alta especificidade e
sensibilidade muito variável (42 a 95%). A maior contribuição da avaliação ecográfica para
traumas abertos é a avaliação pericárdica, apresentando 100% de sensibilidade e 97% de
especificidade.

FATE
O estudo de validação do protocolo FATE, através da avaliação de 233 pacientes, obteve
imagens que contribuíram positivamente para tomada de decisão de pacientes críticos em
227 casos (97%). Dos pacientes avaliados, o protocolo FATE adquiriu ainda novas
informações em 37% dos casos e detectou 24% de informações que foram decisivas para a
conduta dos pacientes avaliados.

BIBLIOGRAFIA
1. Burnside PR, Brown MD, Kline JA. Systematic review of emergency physician-performed ultrasonography for
lower-extremity deep vein thrombosis. Academic Emergency Medicine. 2008; 15(6):493-8.
2. Chame C, Martins WP. Ultrassonografia no trauma agudo. Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives. 2011;
3(1):32-7.
3. Cogo A, Lensing AWA, Prandoni P, Hirsh J. Distribution of thrombosis in patients with symptomatic deep vein
thrombosis: implications for simplifying the diagnostic process with compression ultrasound. Archives of
Internal Medicine. 1993; 153(24):2777-80.
4. Hirsh J, Hoak J. Management of deep vein thrombosis and pulmonary embolism: a statement for healthcare
professionals from the Council on Thrombosis (in Consultation with the Council on Cardiovascular Radiology).
Circulation. 1996; 93(12):2212-45.
5. Jensen MB et al. Transthoracic echocardiography for cardiopulmonary monitoring in intensive care. European
Journal of Anesthesiology. 2004; 21:700-7.
. Kirkpatrick AW, Sirois M, Laupland KB, Liu D, Rowan K, Ball CG et al. Hand-held thoracic sonography for detecting
post-traumatic pneumothoraces: The Extended Focused Assessment with Sonography for Trauma (EFAST). J
Trauma. 2004; 57(2):288-95.
7. Lichtenstein DA. BLUE-protocol and FALLS-protocol: two applications of lung ultrasound in the critically ill. Chest.
2015; 147(6):1659-70.
. Neto et al. Acurácia diagnóstica do protocolo de ultrassom pulmonar à beira do leito em situações de
emergência para diagnóstico de insuficiência respiratória. J Bras Pneumol. 2015; 41(1):58-64.
9. Neto et al. Lung ultrasound in critically ill patients: a new diagnostic tool. J Bras Pneumol. 2012; 38(2):246-56.
10. Raskob GE, Silverstein R, Bratzler DW, Heit HA. White surveillance for deep vein thrombosis and pulmonary
embolism: recommendations from a national workshop. American Journal of Preventive Medicine. 2010;
38(4):S502-9.
11. Rios M, Lewiss R, Saul T. Focus on: emergency ultrasound for deep vein thrombosis. acep.org, 2009.
12. Whitson MR, Mayo PH. Ultrasonography in the emergency department. Critical Care. 2016; 20:227.
13. Oveland NP, Bogale N, Waldron B, Bech K, Sloth E. Focus assessed transthoracic echocardiography (FATE) to
diagnose pleural effusions causing haemodynamic compromise. Case Rep Clin Med. 2013;2:189–93.
Table of Contents
Capa
Créditos
Autores
Sumário
Prefácio
Seção 1 - Introdução
1. Bases do Diagnóstico/Raciocínio Clínico
Raciocínio Clínico, Qual Sua Importância?
Raciocínio Clínico, o Que É?
Raciocínio Clínico, Como os Médicos Pensam?
Seleção de Dados Elementares
Transdução Semiótica
Representação Problemática
Associação de Scripts Mentais
Hipótese-Dedução
Raciocínio Clínico, Como Aprender a Pensar Como
Médico?
Abordagem Sindrômica
Diferenciação Diagnóstica:
Autoprescrição Educacional
Raciocínio Clínico: Princípios Aplicados à Prática
Raciocínio Clínico: o Aprendizado Reflexivo na Prática
Bibliografia
2. Método Clínico Centrado na Pessoa
APRESENTAÇÃO CLÍNICA 1
APRESENTAÇÃO CLÍNICA 2
APRESENTAÇÃO CLÍNICA 3
DISCUSSÃO
Pilares do Método Clínico Centrado na Pessoa
1. Explorando a Saúde, a Doença e a Experiência
da Doença
2. Entendendo a Pessoa como um Todo
3. Elaborando um Plano Conjunto de Manejo dos
Problemas
4. Intensificando a Relação entre a Pessoa e o
Médico
Antigos pontos adicionais ao Método Clínico
Centrado na Pessoa
CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA
3. Exame Físico Geral
CASO CLÍNICO
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
EXAMES LABORATORIAIS
EXAMES COMPLEMENTARES
DISCUSSÃO
BIBLIOGRAFIA
4. Sinais Vitais
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
REAVALIAÇÃO/EVOLUÇÃO CLÍNICA
HIPÓTESES DIAGNÓSTICAS
DISCUSSÃO
SINAIS VITAIS
Pressão Arterial
TEMPERATURA
FREQUÊNCIA CARDÍACA
FREQUÊNCIA RESPIRATÓRIA
DOR
DISCUSSÃO DAS QUESTÕES DO CASO CLÍNICO
BIBLIOGRAFIA
Seção 2 - Cabeça e sistema tegumentar
5. Semiologia da Pele e Fâneros
ANAMNESE
HISTÓRIA PATOLÓGICA PRÉVIA
HISTÓRIA FAMILIAR:
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
QUESTÃO 1
QUESTÃO 2
QUESTÃO 3
6. Semiologia dos olhos
ANAMNESE
DISCUSSÃO
Anamnese Oftalmológica
Inspeção Ocular
Palpação Ocular
Avaliação da Acuidade Visual
Motilidade e Alinhamento extraoculares
Campimetria por Confrontação
Exame Pupilar
Oftalmoscopia Direta
PRÁTICAS BASEADAS EM EVIDÊNCIAS
BIBLIOGRAFIA
7. Semiologia do ouvido e do equilíbrio
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
CONDUTA
DISCUSSÃO
Divisão Anatômica
Sintomas Básicos na Semiologia do Ouvido
EXAME FÍSICO BASEADO EM EVIDÊNCIAS
BIBLIOGRAFIA
8. Semiologia do nariz e dos seios paranasais
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
DISCUSSÃO
Obstrução Nasal
EXAME FÍSICO BASEADO EM EVIDÊNCIAS
BIBLIOGRAFIA
9. Semiologia da Laringe
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
DISCUSSÃO
EXAME FÍSICO BASEADO EM EVIDÊNCIAS
BIBLIOGRAFIA
Seção 3 - Sistema Respiratório
10. Semiologia Respiratória
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
INTERPRETAÇÃO E CONDUTA
DISCUSSÃO
Entendendo o Sistema Respiratório
Manifestações Clínicas das Vias Aéreas
Diagnóstico clínico
Diagnóstico laboratorial
Diagnóstico
Dor Torácica
Hipocratismo Digital
Anamnese
Exame Físico
Exame do Sistema Respiratório
Inspeção Estática
Formas Patológicas do Tórax
Inspeção Dinâmica
Inspeção Dinâmica Versus Ritmo Respiratório
CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA
Seção 4 - Cardiovascular
11. Semiologia do Coração (Auscultas Fisiológica e Patológica)
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
CONDUTA
DISCUSSÃO
Ausculta Patológica
Epônimos e Fenômenos
BIBLIOGRAFIA
12. Semiologia vascular (Arterial e Venosa)
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
DISCUSSÃO
Índice Tornozelo-Braquial (ITB)
EXAME FÍSICO BASEADO EM EVIDÊNCIAS
BIBLIOGRAFIA
13. Semiologia do Sistema Linfático
CASO CLÍNICO
DISCUSSÃO
AVALIAÇÃO CLÍNICA DAS LINFADENOPATIAS
PERIFÉRICAS
EXAME FÍSICO BASEADO EM EVIDÊNCIAS:
BIBLIOGRAFIA
Seção 5 - Gastrointestinal
14. Semiologia do Abdome (principais achados fisiológicos e
patológicos)
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
DISCUSSÃO
EXAME FÍSICO BASEADO EM EVIDÊNCIAS
BIBLIOGRAFIA
15. Semiologia do Reto e Ânus
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
SUSPEITA DIAGNÓSTICA
AVALIAÇÃO HISTOPATOLÓGICA
DISCUSSÃO
SEMIOLOGIA BASEADA EM EVIDÊNCIAS
Bibliografia
Seção 6 - Urogenital
16. Semiologia das Vias Urinárias
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
DISCUSSÃO
EXAME FÍSICO BASEADO EM EVIDÊNCIAS
BIBLIOGRAFIA
17. Semiologia do Genital Masculino
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
DISCUSSÃO
UTILIZAÇÃO DA ULTRASSONOGRAFIA COM
DOPPLER BASEADA EM EVIDÊNCIAS
BIBLIOGRAFIA
18. Semiologia do Trato Genital Feminino
CASO CLÍNICO 1
ANAMNESE
DISCUSSÃO
Exame Físico
Exames Complementares
CASO CLÍNICO 2
ANAMNESE
Exames físico
Exames Complementares
DISCUSSÃO
História Clínica
Exame físico
Exame Ginecológico
EXAMES COMPLEMENTARES
CASO CLÍNICO 3
ANAMNESE
EXAMES COMPLEMENTARES
DISCUSSÃO
BIBLIOGRAFIA
Seção 7 - Sistema Nervoso e Osteomioarticular
19. Anamnese Neurológica
ANAMNESE
DISCUSSÃO
Anamneses Especiais
PRÁTICAS BASEADAS EM EVIDÊNCIAS
BIBLIOGRAFIA
20. Semiologia dos Nervos Cranianos
CASO CLÍNICO 1: NERVO OLFATÓTIO (NERVO
CRANIANO I)
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
DISCUSSÃO
CASO CLÍNICO 2: NERVO ÓPTICO (NERVO
CRANIANO II)
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
DISCUSSÃO
CASO CLÍNICO 3: NERVO TROCLEAR (NERVO
CRANIANO IV)
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
DISCUSSÃO
CASO CLÍNICO 4: NERVO TRIGÊMEO (NERVO
CRANIANO V)
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
DISCUSSÃO
CASO CLÍNICO 5: NERVO FACIAL (NERVO
CRANIANO VII)
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
DISCUSSÃO
CASO CLÍNICO 6: NERVO VESTIBULOCOCLEAR
(NERVO CRANIANO VIII)
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
DISCUSSÃO
CASO CLÍNICO 7: NERVOS GLOSSOFARÍNGEO,
VAGO E HIPOGLOSSO (NERVOS CRANIANOS IX – X -
XII)
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
DISCUSSÃO
BIBLIOGRAFIA
21. Síndromes Topográficas (Plexo Braquial)
CASO CLÍNICO
DISCUSSÃO
Anatomia e Função do Plexo Braquial
Lesão do Plexo Braquial
Lesões do Plexo Braquial Superior (C5 e C6) ou de
Erb-Duchenne
Lesão do tronco médio ou tipo Remarck (C7)
Lesões do Plexo Braquial Inferior (C8 e T1) de
Klumpke
Lesão do Cordão Medial
Lesão do Cordão Posterior
Lesão do Nervo Torácico Longo (C5-C7)
FECHAMENTO DO CASO CLÍNICO
CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA
22. Semiologia das Síndromes Topográficas (plexo lombar)
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
DISCUSSÃO
CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA
23. Semiologia do Córtex Cerebral
CASO CLÍNICO
SEMIOLOGIA DO CÓRTEX FRONTAL (EXECUTIVO)
SEMIOLOGIA DO CÓRTEX MOTOR
ESCALA DE FORÇA
AVALIAÇÃO DA FORÇA
OUTROS EXAMES MOTORES
AVALIAÇÃO DO TÔNUS MUSCULAR
SEMIOLOGIA DO CÓRTEX SENSORIAL
SENSIBILIDADE EXTEROCEPTIVA
SENSIBILIDADE PROPRIOCEPTIVA
SEMIOLOGIA DO CÓRTEX VISUAL
SEMIOLOGIA DO CÓRTEX AUDITIVO
SEMIOLOGIA DO CÓRTEX OLFATIVO
EXAME FÍSICO BASEADO EM EVIDÊNCIAS
CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA
24. Avaliação do Estado Mental
CASO CLÍNICO
DISCUSSÃO
Aparência Geral e Comportamento
Estado de Consciência
Atenção
Orientação
O MEEM foi desenvolvido por Folsteim et al (1975).
Tem o objetivo de avaliar a função cognitiva global,
sendo um teste de rastreamento que auxilia o médico a
estimar quantitativamente o prejuízo cognitivo do
paciente, além de ser aplicado para acompanhar a
evolução dos que já têm o diagnóstico de demência
estabelecido.
Teste do Desenho do Relógio (TDR)
Teste de Fluência Verbal (FV)
Sensopercepção
Pensamento
Humor/Afeto
Memória
Importante parte na anamnese da prática clínica, pois
uma pessoa que é impulsiva ou tem pensamentos de
suicídio ou homicídio precisa de observação especial.
Avaliar se há possibilidade de autolesão/suicídio,
distinguindo entre pensamentos, planejamento e
intenções.
Julgamento e Insight
AVALIAÇÃO FUNCIONAL PARA ATIVIDADES DE
VIDA DIÁRIA
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DAS DEMÊNCIAS
Tumores
CRÔNICAS
EXAMES COMPLEMENTARES
CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA
25. Semiologia do Paciente Em Coma
CASO CLÍNICO
DISCUSSÃO
CONCEITOS: CONSCIÊNCIA, COMA E DELIRIUM
FISIOPATOLOGIA DO COMA
PRINCIPAIS ETIOLOGIAS DO COMA
ANAMNESE
EXAME GERAL
EXAME NEUROLÓGICO
EXAMES ADICIONAIS
FECHAMENTO DO CASO CLÍNICO
CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA
26. Semiologia de Morte Encefálica
CASO CLÍNICO
Conceito de Morte Encefálica(ME):
Segundo exame clínico neurológico
Exame Complementar Confirmatório
MEDICINA BASEADA EM EVIDÊNCIAS:
CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA
27. Semiologia do Liquor
ANAMNESE
EXAMES COMPLEMENTARES
DISCUSSÃO
EXAME FÍSICO BASEADO EM EVIDÊNCIAS
CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA
28. Semiologia da Sensibilidade de Tronco e Membros
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
DISCUSSÃO
CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA
29. Semiologia de Equilíbrio, Coordenação e Marcha
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
DISCUSSÃO
BIBLIOGRAFIA
30. Semiologia da motricidade e dos reflexos
CASO CLÍNICO 1
ANAMNESE
DISCUSSÃO
DISCUSSÃO DO CASO 1
CASO CLÍNICO 2
DISCUSSÃO DO CASO CLÍNICO 2
CASO CLÍNICO 3
DISCUSSÃO DO CASO CLÍNICO 3
CASO CLÍNICO 4
DISCUSSÃO DO CASO CLÍNICO 4
CASO CLÍNICO 5
DISCUSSÃO DO CASO CLÍNICO 5
CASO CLÍNICO 6
DISCUSSÃO DO CASO CLÍNICO 6
CASO CLÍNICO 7
DISCUSSÃO DO CASO CLÍNICO 7
CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA
31. Semiologia das funções corticais superiores
CASO CLÍNICO
EXAME FÍSICO
HIPÓTESE DIAGNÓSTICA
CONDUTA
DISCUSSÃO
Princípios da Neurofisiologia Cognitiva
Conceitos de Neuroanatomia Funcional
Semiologia das Funções Corticais Superiores
Exame do Estado Mental (EEM)
Comportamento
Julgamento e Autocrítica
Raciocínio Abstrato
Atenção
Orientação
Memória
Cálculo
Linguagem
Inteligência
BIBLIOGRAFIA
32. Semiologia Osteomioarticular dos Membros Superiores
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
DISCUSSÃO
Exame Físico Baseado em Evidências
BIBLIOGRAFIA
33. Semiologia Osteomioarticular dos Membros Inferiores
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
EXAME MUSCULOESQUELÉTICO
DISCUSSÃO
História Clínica
Exame Físico
Abordagem Imaginológica
Tratamento da Barra Óssea
BIBLIOGRAFIA
34. Semiologia Osteomioarticular do Eixo Corporal (Colunas
Cervical, Torácica e Lombar)
CASO CLÍNICO
EXAME FÍSICO
DISCUSSÃO
CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA
Seção 8 - Extras
35. Semiologia Psiquiátrica
CASO CLÍNICO
Introdução
Conceitos básicos
Questões subjetivas, vínculo e boa anamnese psiquiátrica
Psicopatologia
O Raciocínio Diagnóstico
BIBLIOGRAFIA
36. Semiologia da Dor
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
DISCUSSÃO
BIBLIOGRAFIA
37. Semiologia da Criança
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
CONDUTA
DISCUSSÃO
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
DIAGNÓSTICOS DE PUERICULTURA
GRUPOS ESPECIAIS: RECÉM-NASCIDOS E
ADOLESCENTES
EXAME FÍSICO BASEADO EM EVIDÊNCIAS
BIBLIOGRAFIA
38. Semiologia Mamária
CASO CLÍNICO
DISCUSSÃO
BIBLIOGRAFIA
39. Semiologia do Idoso
ANAMNESE
INTERROGATÓRIO SINTOMÁTICO
EXAME FÍSICO
CONDUTA INICIAL
EXAMES COMPLEMENTARES
DISCUSSÃO
MODIFICAÇÕES FISIOLÓGICAS
AVALIAÇÃO CLÍNICA
EXAME FÍSICO
EVOLUÇÃO CLÍNICA
BIBLIOGRAFIA
40. Semiologia de Emergência
INTRODUÇÃO
CASO CLÍNICO 1
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
DISCUSSÃO
PROTOCOLO BLUE
PROTOCOLO FATE
CASO CLÍNICO 2
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
DISCUSSÃO
CASO CLÍNICO 3
ANAMNESE
EXAME FÍSICO
DISCUSSÃO
PROTOCOLO e-FAST
POCUS BASEADO EM EVIDÊNCIAS
BIBLIOGRAFIA

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