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2021

Título: O Raciocínio Neurológico


Editor: Gustavo Almeida
Projeto gráfico: Bruno Brum
Diagramação: caixadedesign.com
Capa: Mateus Machado
Revisão ortográfica: Lindsay Viola
Conselho Editorial: Caio Vinicius Menezes Nunes, Paulo Costa Lima, Sandra de Quadros
Uzêda | Silvio José Albergaria Da Silva

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Tuxped Serviços Editoriais (São Paulo-SP)

V331r Vasconcelos, Gabriel de Albuquerque; Braga Neto, Pedro (org.).


O Raciocínio Neurológico / Organizadores: Gabriel de Albuquerque Vasconcelos e Pedro
Braga Neto. – 1. ed. – Salvador, BA: Editora Sanar, 2021.
304 p.; 16x23 cm.
Inclui bibliografia.
ISBN 978-65-89822-46-2.
1. Medicina. 2. Neurologia. 3. Raciocínio Neurológico. I. Título. II. Assunto. III.
Organizadores.
CDD 616.84
CDU 616.8

ÍNDICE PARA CATÁLOGO SISTEMÁTICO


1. Medicina: Manifestações neurológicas.
2. Medicina: Neurologia.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
VASCONCELOS, Gabriel de Albuquerque; BRAGA NETO, Pedro (org.). (org.). O Raciocínio
Neurológico. 1. ed. Salvador, BA: Editora Sanar, 2021.
Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário Pedro Anizio Gomes CRB-8 8846
Editora Sanar Ltda.
Rua Alceu Amoroso Lima, 172
Caminho das Árvores
Edf. Salvador Office e Pool, 3º andar.
CEP: 41820-770 – Salvador/BA
Telefone: 0800 337 6262
sanarsaude.com
atendimento@sanar.com
Agradecimentos

Os editores deste livro agradecem aos participantes desse trabalho, pelo seu empenho e
dedicação. Agradecemos também à Editora Sanar, que acreditou nesta obra e proporcionou
todo o suporte necessário para sua realização. Não podemos deixar também de agradecer
aos nossos mestres e professores que nos inspiraram em todos os nossos momentos de
formação médica bem como aos diversos pacientes que tanto nos ensinam.
Que este livro estimule os leitores.
Coordenadores
Gabriel de Albuquerque Vasconcelos
Graduando em Medicina pela Universidade Estadual do Ceará (UECE).

Prof. Dr. Pedro Braga Neto


Graduação em Medicina pela Universidade Federal do Ceará (2003).
Residência em Clínica Médica pela Universidade Federal do Ceará (2006).
Residência em Neurologia pela Universidade Federal de São Paulo (2008).
Título de Especialista em Neurologia obtido em 2009 (Academia Brasileira de Neurologia-ABN).
Doutorado em Ciências na Área de Concentração em Neurologia pelo Departamento de Neurologia e
Neurocirurgia da UNIFESP/SP (2011).
Pós-Doutorado em Neurologia pela UNIFESP/SP (2015).
Professor Adjunto do Curso de Medicina da Universidade Estadual do Ceará (UECE) e do
Departamento de Medicina Clínica da Universidade Federal do Ceará (UFC).
Chefe do Serviço de Neurologia e Neurocirurgia do Hospital Universitário Walter Cantidio da UFC.

Orientadores
Cleonisio Leite Rodrigues
Graduação em Medicina pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
Residência em Neurologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP).
Especialização em Eletroneuromiografia pela FM-USP.
Doutor pela Neurologia da FM-USP.
Coordenador do ambulatório de Neuromuscular do HGF-CE.

Danilo Nunes Oliveira


Graduação em Medicina pela Universidade de Fortaleza (Unifor) (2016)
Residência em Neurologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC) (2019)
Pesquisador do ambulatório de NeuroCOVID do Hospital Universitário Walter Cantídio.
Mestrando em Ciências Médicas pela UFC.
Pós-graduando em Neuro-Oncologia pelo Hospital Sírio Libanês.

Gilnard Caminha M. Aguiar


Graduação em Medicina pela Universidade Federal do Ceará (UFC) (2007).
Residência em Neurocirurgia pelo Instituto José Frota (IJF).
Neurocirurgião do IJF, Hospital Geral de Fortaleza (HGF) e Hospital São Carlos.
Membro da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia.
Título de especialista em Neurocirurgia AMB.
Preceptor da Residência em Neurocirurgia HGF.

Helder Gomes de Moraes Nobre


Graduação em Medicina pela Universidade Estadual do Ceará (UECE).
Residência em Psiquiatra pelo Hospital de Saúde Mental Professor Frota Pinto (HSM).
Diretor Clínico do HSM.
Preceptor da residência médica do HSM.
Coorientador da Liga Acadêmica de Psiquiatria e Saúde Mental da UECE (LAPSAM).

João Brainer Clares de Andrade


Graduação em Medicina pela Universidade Estadual do Ceará (UECE).
Neurologista pelo Hospital Geral de Fortaleza (HGF).
Titular da Academia Brasileira de Neurologia.
Fellowship em Neurologia Vascular pela Columbia University (EUA).
Doutor em Neurologia e Neurociências pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).

Paulo Reges O. Lima


Graduação em medicina pela Universidade Estadual do Ceará (UECE).
Residente de Neurologia pelo Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC).

Paulo Ribeiro Nóbrega


Graduação em Medicina pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
Residência em Neurologia e especialização em Neurogenetica pela USP-SP.
Mestrado em Ciências médicas pela UFC.
Preceptor da residência em Neurologia do HUWC/UFC.
Colaborador do ambulatório de Neurogenetica do HCFMUSP.

Pedro Braga Neto


Graduação em Medicina pela Universidade Federal do Ceará (2003).
Residência em Clínica Médica pela Universidade Federal do Ceará (2006).
Residência em Neurologia pela Universidade Federal de São Paulo (2008).
Título de Especialista em Neurologia obtido em 2009 (Academia Brasileira de Neurologia-ABN).
Doutorado em Ciências na Área de Concentração em Neurologia pelo Departamento de Neurologia e
Neurocirurgia da UNIFESP/SP (2011).
Pós-Doutorado em Neurologia pela UNIFESP/SP (2015).
Professor Adjunto do Curso de Medicina da Universidade Estadual do Ceará (UECE) e do
Departamento de Medicina Clínica da Universidade Federal do Ceará (UFC).
Chefe do Serviço de Neurologia e Neurocirurgia do Hospital Universitário Walter Cantidio da UFC.

Samuel Ranieri Oliveira Veras


Graduação em Medicina pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
Residência em Neurologia pela UFC.
Neurologista assistente na Empresa Assistente de Serviços Hospitalares (EBSERH).
Neurologista diarista na Unidade de AVC do Hospital Geral de Fortaleza (HGF).

Autores
Alina Maria Núñez Pinheiro
Graduanda em Medicina pela Universidade Estadual do Ceará (UECE).

Amanda Colaço Morais Teixeira


Graduanda em Medicina pela Universidade Estadual do Ceará (UECE).

Danyela Martins Bezerra Soares


Graduanda em Medicina pela Universidade Estadual do Ceará (UECE).

Fábio Rolim Guimarães


Graduando em Medicina pela Universidade Estadual do Ceará (UECE).

Franklin de Castro Alves Neto


Graduando em Medicina pela Universidade Estadual do Ceará (UECE).

Gabriel de Albuquerque Vasconcelos


Graduando em Medicina pela Universidade Estadual do Ceará (UECE).

Jorge Luiz de Brito de Souza


Graduando em Medicina pela Universidade Estadual do Ceará (UECE).

Milena Vieira Madeira


Graduanda em Medicina pela Universidade Estadual do Ceará (UECE).

Rodrigo Montenegro Barreira


Graduando em Medicina pela Universidade Estadual do Ceará (UECE).
Sumário

Capítulo 1: Introdução ao raciocínio neurológico


Autores: Gabriel de Albuquerque Vasconcelos, Rodrigo Montenegro Barreira
Orientador: Pedro Braga Neto
1. Neurologia e neurofobia
2. O raciocínio neurológico
3. Considerações finais
Referências

Capítulo 2: SÍNDROME MOTORA


Caso 1: Déficit súbito
Autor: Rodrigo Montenegro Barreira
Orientador: Samuel Ranieri Oliveira Veras
1. Apresentação de caso clínico
2. Para pensar
3. Discussão
4. Objetivos de aprendizagem
5. Dicas práticas
Referências

Caso 2: Perda gradual de força associada à dificuldade de elevar braços


Autora: Danyela Martins Bezerra Soares
Orientador: Dr. Danilo Nunes Oliveira
1. Apresentação de caso
2. Para pensar
3. Discussão
4. Objetivos de aprendizagem
5. Dicas práticas
Referências

Caso 3: Síndrome do neurônio motor inferior aguda


Autor: Gabriel de Albuquerque Vasconcelos
Orientador: Dr. Danilo Nunes Oliveira
1. Apresentação de caso
2. Para pensar
3. Discussão
4. Objetivos de aprendizagem
5. Dicas práticas
Referências

Caso 4: Fraqueza flutuante


Autora: Milena Vieira Madeira
Orientador: Dr. Cleonisio Leite Rodrigues
1. Apresentação do caso
2. Para pensar
3. Discussão
4. Objetivos de aprendizagem
5. Dicas práticas
Referências

Caso 5: Preguiçoso?
Autor: Jorge Luiz de Brito de Souza
Orientador: Dr. Paulo Ribeiro Nóbrega
1. Apresentação de caso
2. Para pensar
3. Discussão
4. Considerações finais
5. Objetivos de aprendizagem
6. Dicas práticas
Referências

Caso 6: Hiporreflexia e hiper-reflexia


Autor: Gabriel de Albuquerque Vasconcelos
Orientador: Dr. Gilnard Caminha M. Aguiar
1. Apresentação de caso
2. Para pensar
3. Discussão
4. Objetivos de aprendizagem
5. Dicas práticas
Referências

Caso 7: Cefaleia e fraqueza


Autor: Franklin de Castro Alves Neto
Orientador: Dr. Paulo Reges O. Lima
1. Apresentação de caso
2. Para pensar
3. Discussão
4. Objetivos de aprendizagem
5. Dicas práticas
Referências
Capítulo 3: Síndrome sensitiva
Caso 1: Bota e luva
Autor: Franklin de Castro Alves Neto
Orientador: Dr. Paulo Reges O. Lima
1. Apresentação de caso
2. Para pensar
3. Discussão
4. Objetivos de aprendizagem
5. Dicas práticas
Referências

Caso 2: Mulher jovem com fraqueza nas mãos e alterações de sensibilidade, um


diagnóstico topográfico desafiador
Autor: Fábio Rolim Guimarães
Orientador: Dr. Paulo Ribeiro Nóbrega
1. Apresentação de caso clínico
2. Para pensar
3. Discussão
4. Objetivos de aprendizagem
5. Dicas práticas
Referências

Capítulo 4: Síndrome Autonômica


Caso 1: Disfunção vesical
Autora: Amanda Colaço Morais Teixeira
Orientador: Dr. Paulo Ribeiro Nóbrega
1. Apresentação de caso clínico
2. Para pensar
3. Discussão
4. Objetivos de aprendizagem
5. Dicas práticas
Referências

Caso 2: Dormência e fraqueza nos membros inferiores associadas a um acometimento


visual e esfincteriano
Autora: Milena Vieira Madeira
Orientador: Dr. Paulo Ribeiro Nóbrega
1. Apresentação de caso
2. Para pensar
3. Discussão
4. Objetivos de aprendizagem
5. Dicas práticas
Referências
Capítulo 5: SÍNDROME ATÁXICA
Caso 1: Dificuldade de deambular e alteração da motricidade ocular
Autora: Danyela Martins Bezerra Soares
Orientador: Dr. Pedro Braga Neto
1. Apresentação de caso
2. Para pensar
3. Discussão
4. Objetivos de aprendizagem
5. Dicas práticas
Referências

Caso 2: Ataxia em paciente jovem


Autor: Gabriel de Albuquerque Vasconcelos
Orientador: Dr. Pedro Braga Neto
1. Apresentação de caso
2. Para pensar
3. Discussão
4. Objetivos de aprendizagem
5. Dicas práticas
Referências

Caso 3: Fraqueza e quedas


Autor: Franklin de Castro Alves Neto
Orientador: Dr. Pedro Braga Neto
1. Apresentação de caso clínico
2. Para pensar
3. Discussão
4. Objetivos de aprendizagem
5. Dicas práticas
Referências

Capítulo 6: Síndrome Extrapiramidal


Caso 1: Tremor e lentidão
Autor: Fábio Rolim Guimarães
Orientador: Dr. Pedro Braga Neto
1. Apresentação de caso clínico
2. Para pensar
3. Discussão
4. Objetivos de aprendizagem
5. Dicas práticas
Referências

Caso 2: Movimentos involuntários


Autor: Gabriel de Albuquerque Vasconcelos
Orientador: Dr. Pedro Braga Neto
1. Apresentação de caso
2. Para pensar
3. Discussão
4. Objetivos de aprendizagem
5. Dicas práticas
Referências

Caso 3: Manifestações sistêmicas de doenças neurológicas


Autora: Amanda Colaço Morais Teixeira
Orientador: Dr. Pedro Braga Neto
1. Apresentação de caso clínico
2. Para pensar
3. Discussão
4. Objetivos de aprendizagem
5. Dicas práticas
Referências

Caso 4: Quedas frequentes


Autor: Jorge Luiz de Brito de Souza
Orientador: Dr. Pedro Braga Neto
1. Apresentação de caso clínico
2. Para pensar
3. Discussão
4. Objetivos da aprendizagem
5. Dicas práticas
Referências

Caso 5: Amigdalofaringite seguida por movimentos involuntários


Autora: Milena Vieira Madeira
Orientador: Dr. Pedro Braga Neto
1. Apresentação do caso
2. Para pensar
3. Discussão
4. Objetivos de aprendizagem
5. Dicas práticas
Referências

Caso 6: Tremor
Autor: Fábio Rolim Guimarães
Orientador: Dr. Pedro Braga Neto
1. Apresentação do caso
2. Para pensar
3. Discussão
4. Objetivos de aprendizagem
5. Dicas práticas
Referências
Capítulo 7: Síndrome Cognitiva
Caso 1: O labirinto da memória
Autora: Alina Maria Núñez Pinheiro
Orientadores: Dr. Pedro Braga Neto, Dr. Helder Gomes de Moraes Nobre
1. Apresentação de caso
2. Para pensar
3. Discussão
4. Objetivos de aprendizagem
5. Dicas práticas
Referências

Caso 2: Um acúmulo de achados


Autora: Alina Maria Núñez Pinheiro
Orientadores: Dr. Pedro Braga Neto, Dr. Helder Gomes de Moraes Nobre
1. Apresentação de caso
2. Para pensar
3. Discussão
4. Objetivos de aprendizagem
5. Dicas práticas
Referências

Caso 3: Paranoia ou alucinação?


Autora: Alina Maria Núñez Pinheiro
Orientadores: Dr. Pedro Braga Neto, Dr. Helder Gomes de Moraes Nobre
1. Apresentação de caso
2. Para pensar
3. Discussão
4. Objetivos de aprendizagem
5. Dicas práticas
Referências

Caso 4: Os 3 Ms
Autora: Alina Maria Núñez Pinheiro
Orientadores: Dr. Pedro Braga Neto, Dr. Helder Gomes de Moraes Nobre
1. Apresentação de caso
2. Para pensar
3. Discussão
4. Objetivos de aprendizagem
5. Dicas práticas
Referências

Caso 5: Fraqueza, irritabilidade e agressividade


Autora: Danyela Martins Bezerra Soares
Orientador: Dr. Pedro Braga Neto
1. Apresentação de caso
2. Para pensar
3. Discussão
4. Objetivos de aprendizagem
5. Dicas práticas
Referências

Capítulo 8: Síndrome Álgica


Caso 1: Cabeça e nuca
Autor: Franklin de Castro Alves Neto
Orientador: Dr. Pedro Braga Neto
1. Apresentação de caso clínico
2. Para pensar
3. Discussão
4. Objetivos de aprendizagem
5. Dicas práticas
Referências

Caso 2: Cefaleia na madrugada


Autora: Amanda Colaço Morais Teixeira
Orientador: Dr. Pedro Braga Neto
1. Apresentação de caso
2. Para pensar
3. Discussão
4. Objetivos de aprendizagem
5. Dicas práticas
Referências

Caso 3: “Dor em facadas”


Autor: Jorge Luiz de Brito de Souza
Orientador: Pedro Braga Neto
1. Apresentação de caso
2. Para pensar
3. Discussão
4. Objetivos de aprendizagem
5. Dicas práticas
Referências

Caso 4: Cefaleias recorrentes no dia a dia


Autora: Milena Vieira Madeira
Orientador: Dr. Samuel Ranieri Oliveira Veras
1. Apresentação de caso
2. Para pensar
3. Discussão
4. Objetivos de aprendizagem
5. Dicas práticas
Referências

Caso 5: Uma dor fatal


Autora: Danyela Martins Bezerra Soares
Orientador: Dr. Gilnard Caminha M. Aguiar
1. Apresentação de caso
2. Para pensar
3. Discussão
4. Objetivos de aprendizagem
5. Dicas práticas
Referências

Caso 6: Dor cervical


Autor: Gabriel de Albuquerque Vasconcelos
Orientador: Dr. Paulo Reges O. Lima
1. Apresentação de caso
2. Para pensar
3. Discussão
4. Objetivos de aprendizagem
5. Dicas práticas
Referências

Capítulo 9: Síndrome de Nervos Cranianos


Caso 1: Os 3 Ds súbitos
Autor: Jorge Luiz de Brito de Souza
Orientador: Dr. João Brainer Clares de Andrade
1. Apresentação de caso clínico
2. Para pensar
3. Discussão
4. Objetivos da aprendizagem
5. Dicas práticas
Referências

Caso 2: “Fraqueza cruzada”


Autor: Franklin de Castro Alves Neto
Orientador: Dr. João Brainer Clares de Andrade
1. Apresentação de caso clínico
2. Para pensar
3. Discussão
4. Objetivos de aprendizagem
5. Dicas práticas
Referências

Caso 3: Face fora de controle


Autora: Amanda Colaço Morais Teixeira
Orientador: Dr. Pedro Braga Neto
1. Apresentação de caso
2. Para pensar
3. Discussão
4. Objetivos de aprendizagem
5. Dicas práticas
Referências

Caso 4: “Visão borrada”


Autor: Fábio Rolim Guimarães
Orientador: Dr. Pedro Braga Neto
1. Apresentação de caso clínico
2. Para pensar
3. Discussão
4. Objetivos de aprendizagem
5. Dicas práticas
Referências

Caso 5: A grande imitadora


Autor: Rodrigo Montenegro Barreira
Orientador: Dr. Pedro Braga Neto
1. Apresentação de caso clínico
2. Para pensar
3. Discussão
4. Objetivos de aprendizagem
5. Dicas práticas
Referências

Caso 6: Paroxismos de dor


Autora: Amanda Colaço Morais Teixeira
Orientador: Dr. Paulo Reges O. Lima
1. Apresentação de caso
2. Para pensar
3. Discussão
4. Objetivos de aprendizagem
5. Dicas práticas
Referências

Caso 7: Surdez progressiva


Autor: Jorge Luiz de Brito de Souza
Orientador: Dr. Pedro Braga Neto
1. Apresentação de caso
2. Para pensar
3. Discussão
4. Objetivos da aprendizagem
5. Dicas práticas
Referências
Caso 8: Dor de cabeça e ombro caído
Autor: Gabriel de Albuquerque Vasconcelos
Orientador: Dr. Gilnard Caminha de Menezes Aguiar
1. Apresentação de caso
2. Para pensar
3. Discussão
4. Objetivos de aprendizagem
5. Dicas práticas
Referências

Caso 9: Olhos paralisados


Autor: Rodrigo Montenegro Barreira
Orientador: Dr. Danilo Nunes Oliveira
1. Apresentação de caso clínico
2. Para pensar
3. Discussão
4. Objetivos de aprendizagem
5. Dicas práticas
Referências
Prefácio

A grande marca da Neurologia é o diagnóstico clínico baseado em uma propedêutica


em etapas e capaz de grande precisão no diagnóstico. Através da história clínica e exame
neurológico, é possível dizer, com razoável grau de precisão, onde está a lesão ou a
disfunção no sistema neurológico, quer seja central ou periférico. Para tanto, são
necessários conhecimentos básicos em neuroanatomia e neurofisiologia, além de uma
história clínica e exame físico e neurológico detalhados.
Essa obra representa uma tentativa de explicar como funciona o raciocínio diagnóstico
em Neurologia. Através dos capítulos que se seguem, procurarmos explicar como
estruturar o modo de pensar para o diagnóstico de diversas situações na prática clínica.
Este livro é direcionado para estudantes de medicina, médicos, generalistas e residentes,
para que os mesmos possam colocar em prática esse tipo de raciocínio, tão fundamental
na prática clínica. Mesmo com o grande avanço da medicina para diversos exames
complementares, o raciocínio diagnóstico em Neurologia é fundamental para que o médico
não se perca na solicitação de exames desnecessários.
O presente livro foi idealizado e organizado por discentes da Liga Neurociências da
Universidade Estadual do Ceará e contou com a participação de docentes e egressos da
referida Universidade bem como de Neurologistas, um Residente de Neurologia, um
Psiquiatra e um Neurocirurgião que aceitaram de prontidão o nosso convite.
Capítulo 1

Introdução ao Raciocínio Neurológico


Autores: Gabriel de Albuquerque Vasconcelos e Rodrigo Montenegro Barreira
Coautor: Pedro Braga Neto

1. NEUROLOGIA E NEUROFOBIA
A Neurologia é uma especialidade singular e essencial para o manejo de pacientes com
doenças neurológicas ou relacionadas a manifestações neurológicas. A cefaleia, principal
queixa em consultas médicas, é um sintoma fortemente atrelado à neurologia e seu
manejo exige raciocínio clínico sistematizado. Outras doenças neurológicas de elevada
incidência e prevalência (por exemplo, Acidente Vascular Cerebral e Demência de
Alzheimer) são importantes causas de perda funcional, com forte impacto socioeconômico
para o doente, a família e a sociedade.
O conhecimento básico da Neurologia é imprescindível para qualquer médico ou
estudante de Medicina, tendo em vista que devem ser capazes de diagnosticar e tratar
pacientes com acometimentos neurológicos mais frequentes e menos complexos, a fim de
evitar a sobrecarga do serviço especializado, que, infelizmente, sofre com a carência de
profissionais.1 Cabe ressaltar, também, a importância desse conhecimento para outras
especialidades que envolvem doenças que cursam com acometimento neurológico ou que
lidam com pacientes neurológicos; por exemplo, medicina de família e comunidade,
medicina de emergência, clínica médica, dentre outras.1
Contudo, infelizmente, a formação de profissionais médicos é deficiente nessa área
devido a diversos fatores, dos quais dois serão realçados. Primeiro, a insuficiente carga
horária dedicada ao estudo desse campo na graduação em Medicina e nas residências
médicas de outras especialidades. Segundo, a neurofobia, isto é, o medo em estudar
Neurologia.1 Dentre as causas que estão relacionadas a este fator, cabe destacar a
carência de didática na metodologia de ensino por parte de certos docentes, além de
estigmas culturais de que a matéria a ser estudada é muito complexa e que pacientes
neurológicos têm sempre prognóstico reservado e terapêutica limitada.1
Tal prejuízo na educação médica acarreta duas principais complicações. Primeiro,
poucos profissionais escolhem a Neurologia como área de atuação, apesar da crescente
incidência de doenças neurológicas, o que tem como consequência a escassez de
profissionais e a sobrecarga dessa especialidade.1 Segundo, médicos generalistas ou
especialistas de outras áreas não têm segurança em manejar pacientes com doenças
neurológicas (ou que cursam com acometimento neurológico) de fácil diagnóstico e
tratamento.1 A deficiência de vitamina B12, por exemplo, tem quadro clínico característico e
terapia barata e simples, mas alguns pacientes acometidos são encaminhados para o
serviço de Neurologia quando poderiam ter sido manejados na Atenção Primária, evitando
maior sobrecarga do serviço especializado. Portanto, o principal prejudicado com a
formação médica deficiente em Neurologia é o paciente, cujo diagnóstico e tratamento são
atrasados ou, em certos casos, inexistentes.
Dessa forma, este livro tem por objetivo combater a neurofobia e quaisquer
preconceitos relacionados à Neurologia como especialidade construídos durante a
graduação, mostrando ao leitor, por meio de diversos exemplos de condução de casos
clínicos variados, que tal clínica pode ser simplificada com a aplicação do raciocínio
neurológico sistematizado e objetivo.

2. O RACIOCÍNIO NEUROLÓGICO
O raciocínio neurológico, ou raciocínio clínico em neurologia, é um passo a passo que
torna sistemática e prática a abordagem ao paciente neurológico e consiste, basicamente,
em 4 etapas: diagnóstico sindrômico, diagnóstico topográfico, diagnóstico nosológico e
diagnóstico etiológico. É um recurso fundamental para as fases iniciais do aprendizado e,
apesar disso, profissionais experientes podem recorrer a ele para auxílio durante a prática
clínica. Portanto, é necessário que o passo a passo descrito a seguir seja respeitado e
praticado nos casos apresentados no decorrer da leitura deste livro, a fim de consolidar o
conhecimento da abordagem de pacientes neurológicos.

2.1. Diagnóstico Sindrômico


Síndrome é um conjunto de sinais (observados pelo médico) e sintomas (relatados pelo
paciente). A partir dessa definição, amplamente difundida nos cursos de graduação em
Medicina, percebe-se que só é possível definir o diagnóstico sindrômico a partir de uma
anamnese detalhada e um exame físico bem feito. A semiologia neurológica é, portanto, a
base dessa etapa do raciocínio neurológico. Existem diversas síndromes na Neurologia;
neste capítulo, cabe descrever as principais. Cada síndrome tem achados semiológicos
característicos que facilitam sua identificação. Observe o Quadro 1.
Quadro 1. Síndromes neurológicas e seus achados semiológicos.

Síndromes Achados semiológicos

Síndromes Motoras Fraqueza

Fraqueza, hiper-reflexia, espasticidade, hipertonia,


Síndrome do Neurônio Motor Superior
atrofia por desusoa.

Síndrome do Neurônio Motor Inferior Fraqueza, hiporreflexia/arreflexia, hipotonia, atrofia por


Síndrome de Unidade Motora denervaçãob

Síndromes Sensitivas Hipoestesia/anestesia


Síndromes Achados semiológicos

Síndrome Sensitiva Superficialc Hipoestesia/anestesia térmica e dolorosa

Hipoestesia/anestesia tátil, apalestesiae,


Síndrome Sensitiva Profundad anartrestesiaf, podendo estar associadas à ataxia
sensitiva

Hipotensão postural, alteração do ritmo cardíaco,


Síndrome Autonômica constipação ou diarreia, retenção ou incontinência
urinária ou fecal, dentre outros

Síndrome Atáxica Perda da coordenação motora

Marcha talonanteg e sinal de Rombergh, associados ou


Síndrome Atáxica Sensitiva
não à síndrome sensitiva profunda

Dismetriai, disdiadococinesiaj, rechaço positivo,


Síndrome Atáxica Cerebelar decomposição do movimento, tremor intencional,
marcha de base alargada e fala escandidak

Alterações de tônus muscular e postura e/ou


Síndrome Extrapiramidal
movimentos involuntários

Bradicinesia, rigidez em roda denteadal, tremor,


Síndrome Extrapiramidal Hipocinética
instabilidade postural

Síndrome Extrapiramidal Hipercinética Mioclonia, distonia, coreia, atetose, balismo, discinesia

Alteração das funções corticais superiores (memória,


Síndrome Cognitiva função visuoespacial, função executiva, gnosiam,
praxian, atenção, raciocínio e linguagem)

Síndrome Álgica Dor

Síndrome de Nervos Cranianos Disfunção de um ou mais nervos cranianos

a
A atrofia é tardia, pois resulta do desuso do músculo paralisado (neurônio motor inferior intacto);
b
A atrofia é precoce, pois o acometimento do neurônio motor inferior cessa o estímulo trófico ao músculo;
c
Resulta do acometimento de fibras finas, responsáveis por carrear estímulos dolorosos, térmicos e táteis grosseiros;
d
Resulta do acometimento de fibras grossas, responsáveis por carrear estímulos vibratórios, táteis finos e
proprioceptivos;
e
Perda da sensibilidade vibratória;
f
Perda da propriocepção articular, ou seja, da capacidade de perceber, sem olhar, como está a articulação;
g
Marcha em que o paciente dá passos muito altos com fortes batidas no solo e busca sempre olhar para o chão
enquanto caminha. Surge pela falta de consciência da posição dos membros inferiores em relação ao espaço;
h
Sinal caracterizado pela rápida instabilidade postural em base reduzida ao fechar os olhos, pela perda da
propriocepção;
i
Erros na avaliação da medida da distância, da velocidade e da direção dos movimentos para atingir um alvo;
j
Dificuldade em realizar movimentos rapidamente alternados;
k
Fala com excessiva separação silábica, desarticulada e com pausas grandes entre as palavras;
l
Tipo de hipertonia muscular que ocorre durante todo o movimento passivo, tornando-o travado e semelhante a uma
roda denteada;
m
Capacidade de perceber, avaliar e reconhecer estímulos (táteis, visuais, auditivos etc.);
n
Quando comprometida, chama-se apraxia, incapacidade de executar, quando solicitado, um ato motor, mesmo na
presença da força requerida para tal. Ocorre pelo acometimento das áreas motoras secundárias e terciárias do
planejamento motor.

Fonte: Autor.

2.2. Diagnóstico Topográfico


Essa etapa do raciocínio neurológico é a grande beleza da Neurologia, muitas vezes o
motivo pelo qual o profissional é atraído pela especialidade. Em muitos casos, estabelecida
uma ou mais síndromes, é possível, somente pela clínica, diagnosticar a exata topografia
da lesão no Sistema Nervoso (SN). Para isso, evidentemente, são necessários
conhecimentos básicos de neuroanatomia. As topografias lesionais respectivas a cada
uma das síndromes serão abordadas com mais detalhes em cada um dos capítulos
seguintes. Acompanhe o Quadro 2, que contém algumas dicas para este raciocínio.
Quadro 2. Principais topografias neurológicas e seus achados semiológicos.

Topografias Achados semiológicos

Achados da síndrome do neurônio motor inferior. Tende a se


apresentar como fraqueza proximal (deltoides, quadríceps,
Músculo iliopsoas) referida como dificuldades em pentear os cabelos,
subir escadas, levantar-se. Destaca-se a ausência de queixas
sensitivas.

Achados de síndrome do neurônio motor inferior. Apresenta-se,


particularmente, fatigabilidade marcante e com poucas
Junção neuromuscular fasciculações, pois, quanto mais distante do corno anterior da
medula, menos fasciculações aparecerão. Destaca-se a
ausência de queixas sensitivas.

Achados de síndrome do neurônio motor inferior. A fraqueza


aqui será distal, ou seja, com queixas de fraqueza em
Nervo distal movimentos finos dos dedos, como dificuldade para abotoar a
camisa ou calçar a chinela. Pode vir acompanhada de queixas
sensitivas.
Topografias Achados semiológicos

Os principais sinais/sintomas que localizam a lesão nesta


topografia são: presença de nível sensitivo ou motor e alteração
Medula de esfíncter vesical ou anal (incontinência ou retenção) com
outros achados típicos da síndrome do neurônio motor superior.
Poupa os nervos cranianos.

Alterações em nervos cranianos. Bulbo (nervos IX, X, XI e XII),


ponte (nervos V, VI, VII e VIII), mesencéfalo (nervos III e IV).
Tronco encefálico Presença de déficits cruzados (acometimento da hemiface
ipsilateral e hemicorpo contralateral à lesão, ou seja, déficit
cruzado).

Hemiplegia completa (hemiface e hemicorpo, ambos


contralaterais à lesão) e proporcionada (mesmo grau de
Cápsula interna
fraqueza em MMSS e MMII por proximidade das fibras motoras
para os membros superiores e inferiores nesta topografia).

Hemiplegia completa desproporcionada, ou seja, diferentes


graus de fraqueza em MMSS e MMII por maior distribuição das
fibras motoras por toda a superfície do córtex motor primário.
Córtex
Acometimento das funções corticais superiores (síndrome
cognitiva). Déficits de campo visual. Prejuízo do olhar
conjugado.

Fonte: Autor.

2.3. Diagnóstico Nosológico


Definidas as síndromes e topografias do acometimento neurológico, é necessário
classificá-lo em um grupo de possíveis causas, já que diferentes estímulos patogênicos
podem ser responsáveis pelos mesmos resultados nas duas fases anteriores ao raciocínio
neurológico. Por exemplo, uma síndrome do Neurônio Motor Superior, com topografia bem
definida em tronco encefálico, pode ser causada por um AVC ou por um tumor, que diferem
veementemente quanto à classe de doenças (vascular e neoplásica, respectivamente).
Para o diagnóstico nosológico diferencial, devem ser considerados outros fatores; por
exemplo, tempo de início (súbito, agudo, subagudo, crônico), evolução (rápida, insidiosa),
idade e sexo do paciente, história patológica pregressa (trauma, infecção, imunodepressão,
exposição a toxinas, medicamentos ou intervenções médicas), história familiar
(consanguinidade parental, casos semelhantes na família), condição socioeconômica e
outros fatores de risco para certas doenças.
A fim de orientar o raciocínio, foi elaborado um famoso mnemônico, com alguns
comentários (Quadro 3), que inclui todas as principais possibilidades de diagnóstico
nosológico em Neurologia.
Quadro 3. Mnemônico dos diagnósticos nosológicos.
Letra inicial Nosologia Comentários

V Vascular Quadro classicamente súbito, em segundos

Quadro agudo/subagudo (poucos dias), pode vir


I Infecciosa/inflamatória acompanhado de febre. Comum em pacientes
imunodeprimidos, crianças e idosos.

T Traumática História de trauma.

Quadro subagudo (poucos dias). Pacientes


A Autoimune geralmente jovens, do sexo feminino e com outras
doenças autoimunes.

Quadro rico em acometimentos sistêmicos (anemia


M Metabólica megaloblástica na deficiência de B12, por exemplo).

I Iatrogênica Pesquisar medicamentos em uso.

Quadro insidioso, com anorexia, perda de peso,


N Neoplásica
adinamia ou história prévia de neoplasia.

Quadro geralmente insidioso que costuma acometer


D Degenerativa
pacientes idosos.

E Epiléptica Crises convulsivas como queixa principal.

Anormalidades detectadas ao nascimento.


C Congênita
Malformações.

História familiar, consanguinidade, padrão


G Genética
dominante ou recessivo.

Fonte: Autor.

2.4. Diagnóstico Etiológico


Esta última etapa do raciocínio neurológico diz respeito à doença em si. Dessa forma,
por exemplo, um paciente com síndrome do neurônio motor superior, topografia lesional em
tronco encefálico e nosologia vascular pode ter o diagnóstico etiológico de um Acidente
Vascular Cerebral. A base para tal diagnóstico deve ser as três etapas anteriores descritas
associadas a outros fatores, como características peculiares da doença, critérios
diagnósticos, provas terapêuticas e avaliação complementar, a qual deve ser orientada pela
suspeita diagnóstica, pondo sempre a história clínica detalhada e o exame físico minucioso
à frente dos exames complementares.
Neste livro, serão descritos casos clínicos ilustrativos, típicos de cada uma das doenças
abordadas, a fim de fomentar o conhecimento a respeito da etiologia em si e da síndrome,
da topografia e da nosologia associadas.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Neurologia é uma especialidade peculiar, que tem como recurso prático efetivo o
raciocínio neurológico, que sistematiza a abordagem diagnóstica de qualquer paciente
neurológico. Tal recurso é um meio para combater a neurofobia e auxiliar médicos e
estudantes de Medicina a estudar e aprender Neurologia. Tendo em vista que o
aprendizado é consequência da repetição, sugere-se que o passo a passo descrito neste
capítulo seja aplicado nos casos seguintes a fim de consolidar o conhecimento do assunto.

REFERÊNCIAS
1. Sandrone S, Berthaud JV, Chuquilin M, Cios J, Ghosh P, Gottlieb-Smith RJ, et al. Neurologic and neuroscience
education: Mitigating neurophobia to mentor health care providers. Neurology. 2019; 92(4): 174-9.
Capítulo 2

Síndrome motora
Autores: Rodrigo Montenegro Barreira, Danyela Martins Bezerra Soares, Gabriel de
Albuquerque Vasconcelos, Milena Vieira Madeira, Jorge Luiz de Brito de Souza, Franklin de
Castro Alves Neto
Orientadores: Samuel Ranieri Oliveira Veras, Danilo Nunes Oliveira, Cleonisio Leite
Rodrigues, Paulo Ribeiro Nóbrega, Gilnard Caminha M. Aguiar e Paulo Reges O. Lima

Caso 1: Déficit súbito


Caso 2: Perda gradual de força associada à dificuldade de elevar braços
Caso 3: Síndrome do neurônio motor inferior aguda
Caso 4: Fraqueza flutuante
Caso 5: Preguiçoso?
Caso 6: Hiporreflexia e hiper-reflexia
Caso 7: Cefaleia e fraqueza
Caso 1

Déficit Súbito
Autor: Rodrigo Montenegro Barreira
Orientador: Samuel Ranieri Oliveira Veras

1. APRESENTAÇÃO DE CASO CLÍNICO


a) Anamnese: homem, 64 anos, trazido às pressas pela família ao pronto-socorro, com
queixa de “língua embolada” e fraqueza no lado direito do corpo, que se iniciaram
subitamente enquanto dirigia, há aproximadamente uma hora. Não reportou nenhum
outro sintoma. Hipertenso e diabético mal controlado há mais de 10 anos. Tabagista
30 maços-ano há 30 anos.
b) Exame físico geral: Pressão arterial 164 x 88 mmHg, FC = 88 bpm, FR = 18 irpm.
Ausência de febre e de outros sintomas constitucionais. Glicemia capilar = 170 mg/dl.
c) Exame neurológico: Vígil, aparentemente orientado em tempo e espaço, apesar da
dificuldade para comunicar data e local verbalmente. Força grau 0 em membro
superior direito (MSD) e grau II em membro inferior direito (MID). Hemi-hipoestesia de
predomínio braquiofacial à direita. Reflexos grau 0 (abolidos) em hemicorpo direito e
grau II (normoativos) em hemicorpo esquerdo. Reflexo cutâneo-plantar indiferente
bilateralmente. Possui um leve desvio do olhar conjugado para a esquerda. Sem
prejuízo em campos visuais. Paralisia facial à direita poupando o andar superior da
face. Desvio da língua para a direita. Demais nervos cranianos sem alterações. Afasia
de Broca (ou afasia motora). NIHSS (National Institutes of Health Stroke Scale) 15.

2. PARA PENSAR
a) Quais são as síndromes envolvidas no caso apresentado?
b) Quais são os 3 domínios da linguagem a serem caracterizados na classificação das
afasias?
c) Qual a provável topografia da lesão que originou os achados clínicos do paciente?
d) O que mais chama atenção para o diagnóstico nosológico do quadro clínico
descrito?
e) Qual a principal hipótese etiológica e seus diagnósticos diferenciais?

3. DISCUSSÃO
3.1. Diagnóstico Sindrômico
a) Síndrome do Neurônio Motor Superior à Direita: caracterizada pela hemiparesia
desproporcionada em dimídio direito (paralisia facial poupando andar superior da face,
disartria e fraqueza em hemicorpo direito). O termo “desproporcionada” foi utilizado
aqui pela desigualdade no acometimento da força dos membros superiores e
inferiores, observada pelo pior grau de fraqueza no MSD em comparação ao MID. Caso
o grau de fraqueza em MSD e MID fosse o mesmo, o termo a ser utilizado seria
“hemiparesia proporcionada”. Tal diferenciação será necessária posteriormente no
diagnóstico topográfico. Além disso, a utilização do termo “dimídio direito” se refere ao
acometimento de hemiface e hemicorpo direitos, outro ponto importante na definição
da topografia da lesão, haja vista que o acometimento apenas do hemicorpo direito
com hemiface poupada sugere topografia totalmente distinta. Uma observação
importante e bastante peculiar é que, nas síndromes piramidais agudas, o paciente
costuma se apresentar com hipo ou arreflexia no dimídio acometido, contrariando, de
certa forma, a síndrome do neurônio motor superior esperada, que só se apresentará
na sua forma classicamente descrita, com hiper-reflexia, hipertonia muscular e Sinal
de Babinski, semanas a meses após o episódio. Assim, o raciocínio da síndrome
piramidal é feito basicamente pela hemiparesia, acometendo, predominantemente, o
andar inferior da face e o MSD (predomínio braquiofacial).
b) Síndrome Cognitiva: caracterizada pela afasia de Broca percebida no exame
neurológico. Na anamnese, as afasias costumam aparecer como queixas de perda de
memória para nomes e dificuldade para expressar ou compreender a linguagem
previamente aprendida, sempre caracterizadas por déficits de nomeação, ou seja,
todos os pacientes afásicos apresentam dificuldades para nomear. A afasia de Broca é
caracterizada pela compreensão preservada, porém com fluência e repetição
comprometidas. Cabe aqui uma breve revisão sobre as afasias. Primeiramente,
devemos caracterizar os 3 domínios da linguagem: a fluência, a compreensão e, por
fim, a capacidade de repetição do paciente. Pacientes com afasias fluentes
conseguem se comunicar com frases longas e complexas, embora muitas vezes sem
sentido algum. A compreensão pode ser percebida por meio da resposta a comandos
evocados pelo examinador. A capacidade de repetição pode ser avaliada com palavras
ou frases, devendo-se ressaltar a dificuldade de avaliar a repetição em pacientes com
dificuldade de compreensão. O Fluxograma 1 mostra com mais detalhes a
classificação das afasias.
c) Síndrome Sensitiva à Direita: caracterizada pela hemi-hipoestesia de predomínio
braquiofacial. A hemi-hipoestesia, assim como a hemiparesia, sugere lesões no
sistema nervoso central.
Fluxograma 1. Classificação das afasias.
Fonte: Autor.

3.2. Diagnóstico Topográfico


O raciocínio clínico para o diagnóstico topográfico desse conjunto de síndromes deverá
ser feito em etapas. Inicialmente, a síndrome piramidal revela possíveis topografias para a
lesão: córtex, cápsula interna, tronco encefálico e medula. Diversos achados do exame
físico apontam o córtex como principal topografia, como a afasia e o déficit motor dimidiado
e desproporcionado. O acometimento de um dimídio (face e hemicorpo) sugere fortemente
uma lesão no córtex ou na cápsula interna. Caso a lesão fosse na cápsula interna, o déficit
seria proporcionado devido à maior proximidade das fibras motoras. A lesão cortical tende a
se apresentar com déficit desproporcionado devido à maior separação das fibras motoras,
distribuídas por toda a superfície cortical, necessitando de acometimento muito extenso
para ser capaz de afetar toda a representação cortical motora. Portanto, lesões na superfície
dorsolateral do córtex tendem a acometer mais face e membros superiores, exatamente
como aconteceu no caso clínico apresentado, o chamado predomínio braquiofacial.
Já lesões na superfície ventromedial do córtex acometem preferencialmente membros
inferiores (predomínio crural). Essas conclusões se baseiam no posicionamento do
Homúnculo de Penfield no giro pré-central (área motora primária).
Além disso, outra ferramenta que poderia nos ajudar a topografar a lesão no córtex
cerebral seria a hemi-hipoestesia de predomínio braquiofacial, já que, como o córtex
sensitivo primário se situa logo posteriormente ao córtex motor primário, o córtex cerebral é
uma topografia do sistema nervoso central em que as fibras motoras passam mais
próximas às sensitivas. Por isso, podemos descartar pequenas lesões (em tronco cerebral,
por exemplo) que acometem de forma incompleta o trato piramidal em alguma parte do seu
trajeto (situação que se manifestaria com déficit motor heterogêneo ou até com algum
predomínio braquiofacial ou crural e geraria confusão no raciocínio topográfico), pois estas
lesões menores não afetariam as fibras sensitivas sem apresentar achados sugestivos de
topografia de tronco cerebral. Em resumo, a hemi-hipoestesia de predomínio braquiofacial
fortalece a topografia de córtex cerebral.
Para determinar qual área do córtex cerebral está acometida, precisamos correlacionar
os achados clínicos com as funções de cada lobo cerebral. A área motora da linguagem e a
área do olhar conjugado contraversivo (o chamado campo ocular frontal) estão localizadas
no lobo frontal. A área motora cortical, no giro pré-central, também se localiza no lobo
frontal. A área sensitiva, no giro pós-central, se localiza no córtex parietal. Portanto, a lesão
do paciente do caso se encontra no córtex frontoparietal.

3.3. Diagnóstico Nosológico


A evolução súbita do quadro clínico somada à idade e às comorbidades do paciente
(hipertenso, diabético e tabagista) torna a nosologia vascular bastante atrativa para o caso
clínico descrito.

3.4. Diagnóstico Etiológico e Diferencial


Para a determinação da artéria acometida apenas com a clínica do paciente, deve-se
fazer um estudo profundo das síndromes vasculares. Algumas síndromes da circulação
anterior estão representadas na Tabela 1. As síndromes vasculares da circulação posterior
fogem do escopo deste capítulo.
Na abordagem do paciente com déficits motores e/ou sensitivos súbitos, a hipótese
principal deve ser AVC até que se prove o contrário. No entanto, existem algumas condições
que podem mimetizar um AVC, os chamados stroke mimics. Dentre outras, a hipoglicemia, a
Paralisia de Todd após convulsões e as enxaquecas com aura são exemplos marcantes de
mimetizadores do AVC.¹ Contrariamente, existem os chamados stroke chameleons, que
constituem AVCs “camuflados”, ou seja, que se apresentam de maneira pouco típica. A crise
aguda de vertigem, o estado confusional agudo e a síncope são quadros que requerem
avaliação minuciosa, pois constituem apresentações pouco típicas mas bastante
negligenciadas do AVC.¹
a) Exames complementares: hemograma normal. Coagulograma sem alterações.
Glicemia 170 mg/dL. HbA1C 8,7%. Triglicerídeos 450 mg/dL. Colesterol total 250
mg/dL (HDL 23 mg/dL; LDL 137 mg/dL). Doppler de Carótidas e Vertebrais com
estenose de 50-70% em carótidas internas bilaterais. Ecocardiograma transtorácico e
Holter 24h sem alterações relevantes.
b) Exames de imagem: Tomografia Computadorizada (TC) de crânio sem alterações.
c) Diagnóstico etiológico: AVC isquêmico da a. cerebral média esquerda – divisão
superior.
d) Tratamento e desfecho: na emergência, o paciente foi submetido à trombólise
endovenosa e, após AngioTC demonstrando oclusão de vaso distal, deu-se
continuidade à infusão do trombolítico, sem indicação de trombectomia, e, no dia
seguinte, o paciente encontrava-se melhor dos déficits.

3.5. Considerações Finais


Resumindo, em todo paciente com déficits motores súbitos, proporcionados ou não,
associados a déficits sensitivos, a principal hipótese etiológica deve ser de AVC até que se
prove o contrário. Cabe reforçar que o principal achado clínico que define a síndrome
piramidal nesses casos é a hemiparesia, proporcionada ou não, já que os demais
comemorativos da síndrome de liberação piramidal (ou síndrome do neurônio motor
superior), como hiper-reflexia e hipertonia muscular, só aparecem após certo tempo do
déficit agudo. Portanto, ao chegar à emergência, o paciente, na maioria das vezes, se
apresenta com hipo ou arreflexia e hipotonia muscular.

4. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
a) Assimilar as características peculiares da síndrome piramidal no paciente com
déficit neurológico focal súbito.
b) Entender a explicação sobre os déficits proporcionados e desproporcionados.
c) Compreender, resumidamente, as etapas para a classificação das afasias.
d) Diferenciar as síndromes vasculares da a. cerebral média e da a. cerebral anterior.
e) Compreender a definição de stroke mimics e stroke chameleon.

5. DICAS PRÁTICAS
a) A hipoglicemia é um importante mimetizador do AVC e deve sempre estar nos
diagnósticos diferenciais de pacientes com déficit neurológico focal de início súbito.
b) Síncopes, vertigens e estados confusionais agudos, cenários bastante comuns no
dia a dia dos médicos, devem ser avaliados com cautela, dada a possibilidade de
serem “AVCs camuflados”.
Quadro 1. Algumas síndromes vasculares da circulação anterior.

Síndromes da a. cerebral média

Hemiplegia e hemi-hipoestesia completas ou dimidiadas, hemianopsia


homônima contralateral, disartria e desvio do olhar preferencial para o
Proximal
lado ipsilateral à lesão. Afasia global (hemisfério dominante) ou
heminegligência e anosognosia (hemisfério não dominante).

Hemiplegia e hemi-hipoestesia contralaterais desproporcionadas com


predomínio braquiofacial, disartria, paresia do olhar conjugado para
Divisão superior
sácades contralaterais à lesão. Afasia não fluente (hemisfério
dominante).

Hemianopsia ou quadrantanopsia inferior homônima contralateral.


Se hemisfério dominante, afasia fluente sem fraqueza e sem déficit
Divisão inferior sensitivo e Síndrome de Gerstmann* (acalculia, alexia, agnosia digital e
confusão entre direito-esquerdo). Se hemisfério não dominante,
heminegligência, apractognosia (apraxia construcional) e anosognosia.

Síndromes da a. cerebral anterior


Síndromes da a. cerebral média

Hemiplegia e hemi-hipoestesia contralaterais desproporcionadas de


Unilateral predomínio crural, sinais de frontalização (reflexo de preensão
contralateral, reflexo de sucção).

Paraplegia, hipoestesia bilateral, mutismo-acinético grave, sinais de


Bilateral
frontalização e incontinência urinária.

* A Síndrome de Gerstmann só pode ser observada em pacientes sem afasia.

Fonte: Adaptado de Longo2.

REFERÊNCIAS
1. Anathhanam S, Hassan A. Mimics and chameleons in stroke. Clin Med J R Coll
Physicians London. 2017; 17(2): 156–60.
2. Longo et al. Medicina Interna de Harrison. 19. ed, Vol. 2. Porto Alegre: AMGH; 2017.
Caso 2

Perda gradual de força associada à


dificuldade de elevar braços
Autora: Danyela Martins Bezerra Soares
Orientador: Dr. Danilo Nunes Oliveira

1. APRESENTAÇÃO DE CASO
a) Anamnese: Paciente masculino, 58 anos, iniciou quadro de perda gradual de força
distal em membros superiores há 5 meses, iniciada em mãos e evoluindo de forma
ascendente para a direita. Paciente relata dificuldade de elevar o braço acima da
cabeça e dificuldade para carregar objetos. Há 2 meses notou alteração no tom da
fala, apresentando alguns episódios de disfagia, principalmente para líquidos.
b) Antecedentes pessoais: Diabético e hipertenso com bom controle. Nega
tabagismo e etilismo. Pai em acompanhamento por síndrome demencial e irmão por
doença de Parkinson.
c) Exame físico geral: Bom estado geral. Afebril, anictérico, acianótico, eupneico, face
atípica.
d) Exame neurológico: Funções mentais superiores sem alterações significativas à
anamnese, MEEM 30/30. Inspeção dos nervos cranianos revela discreta atrofia de
língua com fasciculações discretas. Inspeção da motricidade revela atrofia
importante da região tenar das mãos e fasciculações em diferentes grupos
musculares, notadamente em bíceps braquial, deltoide, peitoral, musculatura
paraespinhal e quadríceps da coxa, bilaterais. Tetraparesia com predomínio distal
grau 4-, mais importante à direita. Reflexos patelar e aquileu direito hipoativos com os
demais vivos com discreta assimetria, presença do sinal de Babinski e sinal de
Hoffman bilateralmente. Índex-naso sem alterações. Sensibilidade tátil e
proprioceptiva preservada. Marcha atípica, Romberg negativo.

2. PARA PENSAR
a) Qual seria o raciocínio diagnóstico (sindrômico, topográfico, nosológico e
etiológico) do caso descrito?
b) Qual síndrome é bastante característica para o diagnóstico dessa entidade clínica?
c) Somente a anamnese seria suficiente para obter o possível diagnóstico?

3. DISCUSSÃO
3.1. Diagnóstico Sindrômico
a) Síndrome do Neurônio Motor Superior ou Síndrome do Primeiro Neurônio Motor:
Pode ser caracterizada pela presença de hiper-reflexia, com presença de sinais
patológicos como Babinski e (nem sempre patológico) Hoffman. Nos quadros mais
importantes pode haver espasmos musculares e espasticidade. A atrofia geralmente
vai ocorrer de forma crônica. O protótipo do acometimento de primeiro neurônio
motor é o AVC.
b) Síndrome do Neurônio Motor Inferior ou Síndrome do Segundo Neurônio Motor:
A presença de marcada atrofia, fasciculações e hiporreflexia em algumas
localizações nos sugere síndrome do Neurônio Motor Inferior nesse paciente, sendo
incomum sua coexistência com a síndrome do Neurônio Motor Superior em outros
diagnósticos além do que vamos discutir neste capítulo, devendo-se sempre
considerá-lo nesses casos.
c) Síndrome de Nervos Cranianos: A presença de fasciculações em língua nos sugere
envolvimento da inervação do nervo hipoglosso, caracterizando acometimento de
nervo craniano. A distinção entre tremor de língua, um achado frequentemente
benigno, da fasciculação, de teor muitas vezes sombrio, é essencial e eventualmente
difícil a olhos não treinados ou em quadros mais sutis.

3.2. Diagnóstico Topográfico


Neurônio motor
A patologia degenerativa dos neurônios motores pode ser caracterizada pela morte dos
neurônios motores inferiores que emergem do corno anterior da medula e possuem
também conexões no tronco encefálico, e pela morte dos neurônios motores superiores
que saem do córtex motor, fazem conexões no trato piramidal e continuam ao longo da
medula para fazerem conexões diretas ou indiretas com os neurônios inferiores.
É difícil explicar através de outra topografia o acometimento simultâneo de primeiro e
segundo neurônio motor. Eventualmente, uma discopatia degenerativa com compressão
medular à altura da cervical pode gerar uma síndrome de segundo neurônio motor nos
membros superiores (por compressão radicular) e uma síndrome de primeiro neurônio
motor nos membros inferiores (por compressão medular) com o acometimento bulbar (que
ocasionaria alterações na inervação da língua), podendo advir de uma siringobulbia ou
invaginação vertebrobasilar. De outro modo, lesões em múltiplos níveis medulares e
radiculares também poderiam simular um quadro de doença do neurônio motor, mas
perceba que a explicação se torna cada vez mais complexa e, por conseguinte, menos
provável. Sendo assim, uma neuroimagem da região cervical e, eventualmente, do restante
do neuroeixo deve fazer parte da avaliação do paciente em questão.
3.3 Diagnóstico Nosológico
Degenerativo
Nesse tipo de patologia, os neurônios atingidos possuem um acúmulo de lipofuscina,
um tipo de lipídio pigmentado que normalmente é encontrado no neurônio com o
desenvolvimento do indivíduo; porém, nesse caso, o citoesqueleto do neurônio é
diretamente comprometido logo no começo da doença (Figura 1). Pode ser observada
também uma proliferação de astróglias e micróglias (que acompanham todos os
processos degenerativos no SNC), que intensificam o processo, causando a morte dos
neurônios motores periféricos na medula e no tronco encefálico, provocando atrofia das
fibras musculares, que normalmente inervariam.
Figura 1. Comprometimento do citoesqueleto neuronal

Fonte: Autor.
Através da história do paciente podem ser descartadas causas mais abruptas, como
vasculares ou infecciosas, afastando também causas neoplásicas, já que a especificidade
dos achados no exame físico aponta fortemente para acometimentos de neurônio motor.

3.4. Diagnóstico Etiológico


Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA)
A ELA é a forma mais comum de doença degenerativa progressiva do neurônio motor.
Clinicamente, tem como sua principal característica o acometimento do neurônio motor
com consequente atrofia muscular, que levará o indivíduo a apresentar déficits
progressivos como disfagia, dispneia e alteração de força com progressão de semanas a
meses. Sua apresentação inicial é heterogênea, variando de um quadro de disartria até um
pé caído, que progride de maneira local e para regiões neuroanatomicamente correlatas.
O diagnóstico se baseia em achados clínicos de acometimento simultâneo do primeiro
e segundo neurônio motor com exclusão de outras causas compressivas, degenerativas e
inflamatórias através de exames complementares, como eletroneuromiografia e
ressonância. Há quadros que podem se manifestar com afeto pseudobulbar, em que o
paciente apresenta intensa labilidade emocional, com episódios abruptos e breves de riso
ou choro, que pioram a socialização e a reabilitação. Tais pacientes podem ter seu
diagnóstico mais tardio devido à dificuldade em adequar-se aos critérios.
Cerca de 50% dos pacientes apresentam alterações comportamentais e/ou cognitivas,
sendo apatia e perda de simpatia as manifestações mais comuns. A sobrevida média da
ELA é de 3-5 anos, com essa variação dependente de diversos fatores, sendo idade
avançada, início bulbar e necessidade precoce de ventilação mecânica fatores de mau
prognóstico consistentes. O Riluzol se mantém como uma das únicas opções no
prolongamento da sobrevida, ainda que de maneira limitada, de 2-3 meses, em média.
a) Exames complementares:

• Hemograma, glicemia, eletrólitos, função renal, hepática e tireoidiana, vitamina B e1

B12: normais.

• Eletroneuromiografia dos quatro membros e da língua: Doença do neurônio motor


inferior acometendo regiões bulbares, cervicais, torácicas e lombossacrais. Não
existe evidência de neuropatia motora multifocal.

• Ressonância Magnética de Crânio: Alterações leves da substância branca cerebral.


Discreto hipersinal nas sequências ponderadas em T2 e FLAIR no trato
corticoespinhal.
b) Tratamento: Riluzol 50 mg 12/12h, uso contínuo.

3.5.Considerações Finais
A Esclerose Lateral Amiotrófica é uma doença rara que ainda não possui evidências
científicas de tratamento que leve à cura da doença. Como já mencionado, afeta o sistema
nervoso, causando paralisia motora progressiva, irreversível e limitante, o que requer perícia
e destreza no diagnóstico, bem como o oferecimento de auxílio não só para o doente, mas
também para a família.

4. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
a) Conhecer as principais manifestações da ELA e seu diagnóstico no raciocínio
neurológico.
b) Identificar, através do exame físico, sinais de acometimento neurológico que
apontem para doenças degenerativas.
c) Diferenciar os acometimentos de neurônio motor superior e inferior de acordo com
os achados clínicos.

5. DICAS PRÁTICAS
a) Considerar Doença do Neurônio Motor em pacientes com fraqueza motora superior
e/ou inferior difusa sem alterações sensoriais.
b) Suspeitar de ELA em pacientes com sinais de lesão do neurônio motor superior e
inferior associados a fasciculações de língua.
c) Fazer ressonância de crânio e região cervical, testes laboratoriais e
eletrodiagnósticos para excluir outras doenças.
d) A base do tratamento consiste em medidas de suporte (p. ex., apoio
multidisciplinar para ajudar a lidar com a deficiência; tratamento medicamentoso para
sintomas como espasmos, cólicas e afeto pseudobulbar; suporte ventilatório).

REFERÊNCIAS
1. Kuzel A R, Lodhi M, Syed I, Rahim M. Atypical Initial Presentation of Painful Muscle Cramps in a Patient with
Amyotrophic Lateral Sclerosis: A Case Report and Brief Review of the Literature. Cureus. 2017; 9(11): e1837.
2. Kasper DL, Hauser SL, Jameson JL, Fauci AS, Longo DL, Loscalzo J. Harrison Medicina Interna. 19. ed. Porto
Alegre: MCGraw-Hill Brasil; 2016.
Caso 3

Síndrome do neurônio motor inferior aguda


Autor: Gabriel de Albuquerque Vasconcelos
Orientador: Dr. Danilo Nunes Oliveira

1. APRESENTAÇÃO DE CASO
a) Anamnese: Paciente masculino, 33 anos, previamente hígido, procurou atendimento médico com queixa de
“formigamento e fraqueza” em extremidades de MMII há 8 dias, notados pela dificuldade de manter o chinelo
calçado. Afirma ainda que há 4 dias percebeu fraqueza em extremidades de MMSS, eventualmente derrubando
copos e chaves, com parestesias nos quatro membros. Refere, nesse período, 2 episódios de incontinência
urinária e dor em queimação nas cinturas escapulares e pélvica. Relata ainda um quadro de gastroenterite há
cerca de 4 semanas. Nega história familiar de quadro semelhante.
b) Exame físico geral: Taquicardia com FC de 108, Pressão arterial 120 x 80 mmHg em decúbito e 90 x 70 mmHg
logo após, em ortostase. Ausência de febre e de outros sintomas constitucionais.
c) Exame neurológico: Funções corticais superiores sem alterações. Discreta fraqueza em musculatura orbicular
do olho bilateral e simétrica e orbicular da boca, sem alterações nos demais nervos cranianos. Trofismo
preservado com hipotonia nos quatro membros. Força grau III, distal e proximal em MMSS e grau IV em MMII, pior
distalmente. Hipoestesia tátil e dolorosa no padrão bota-e-luva, sem nível sensitivo. Reflexos tendinosos
profundos abolidos globalmente e cutâneo-plantar flexor bilateral. Provas cerebelares sem alterações. Marcha
com necessidade de apoio.

2. PARA PENSAR
a) Qual seria o raciocínio diagnóstico (sindrômico, topográfico, nosológico e etiológico) do caso descrito?
b) Qual síndrome é bastante característica para o diagnóstico dessa entidade clínica?
c) Existem variantes clínicas desse diagnóstico?
d) Além do tempo de evolução, que dados da história corroboram o diagnóstico nosológico?
e) O que chama a atenção na história patológica pregressa para o diagnóstico?
f) Quais importantes diagnósticos diferenciais devem ser considerados?

3. DISCUSSÃO
3.1. Diagnóstico Sindrômico
a) Síndrome do Neurônio Motor Inferior ou Síndrome do Segundo Neurônio Motor: nesse caso, caracterizada pela
tetraparesia arreflexa e hipotonia de predomínio distal. Constitui o principal achado da Síndrome de Guillain-Barré
(SGB), apesar de essa patologia apresentar variantes que podem cursar apenas com alterações de nervos
cranianos, conhecida como Síndrome de Miller-Fisher.
b) Síndrome Sensitiva (Superficial): caracterizada por hipoestesia superficial discreta nos 4 membros. Definir o
padrão bota-e-luva agrega valor diagnóstico para o acometimento periférico. Um padrão de hipoestesia de
hemicorpo nos levaria a pensar em causas centrais, como AVC ou um acometimento medular, por exemplo.
A alteração sensitiva não será mais importante que a manifestação motora na SGB. O acometimento radicular
pode levar a quadros álgicos, principalmente próximos às emergências das raízes. Sinais radiculares (Lasègue e
Kernig) frequentemente são positivos durante o exame neurológico, principalmente em paciente com quadros de
alteração de força proximal, o que denota maior acometimento radicular.
c) Síndrome Autonômica: caracterizada pela incontinência urinária e hipotensão postural revelada pelo exame
físico. As disautonomias graves representam o principal fator de gravidade da doença, mais ainda que a própria
falência respiratória, o que faz com que a mortalidade de países desenvolvidos e em desenvolvimento (com bons
sistemas de saúde) fiquem em níveis muito próximos.
d) Síndrome de Nervos Cranianos: não são incomuns alterações de nervos cranianos (p.ex.: alterações de
musculatura facial, oftalmoparesia, fraqueza bulbar) em pacientes com SGB. No quadro clínico, muitas vezes,
ocorre sobreposição de diferentes variantes da doença, como a síndrome de Miller-Fisher já citada.

3.2. Diagnóstico Topográfico


Topografia de raiz nervosa e nervos periféricos (polirradiculoneuropatia)
O raciocínio clínico para o diagnóstico topográfico pode começar pela síndrome do neurônio motor inferior, que
indica que a topografia da lesão deve estar dentro do que chamamos de unidade motora (que envolve o corno anterior,
raízes nervosas, nervo periférico, junção neuromuscular e músculo).
Além disso, o acometimento de fibras sensitivas de maneira distal nos ajuda a restringir nosso diagnóstico
topográfico à raiz nervosa ou ao nervo, haja vista que doenças do corno anterior, da junção neuromuscular ou do
músculo costumam preservar a sensibilidade e que a ausência de nível sensitivo nos ajuda a excluir uma possível
topografia medular, bem como uma síndrome de neurônio motor superior associado (deve-se lembrar que lesões
medulares agudas podem cursar com um quadro chamado choque medular, em que predomina a síndrome de neurônio
motor inferior, apesar da topografia).
Os episódios de incontinência que o paciente apresentou constituem outro motivo para ser considerada uma
síndrome medular; porém, devemos ter o conhecimento de que algumas polirradiculoneuropatias podem também
acometer o sistema nervoso autônomo, ocasionando disfunção de esfíncteres, alterações pressóricas e outros.
A síndrome álgica, em queimação, nos cíngulos dos membros, corrobora a topografia de raiz nervosa. Outro achado que
poderia sugerir essa topografia seria o Sinal de Lasègue (dor radicular à extensão, menor que 45°, do membro inferior,
com o paciente em decúbito dorsal).

3.3. Diagnóstico Nosológico


Provavelmente autoimune
A evolução aguda do quadro clínico não é consistente com uma possível etiologia vascular, que se apresentaria com
uma evolução súbita (em minutos), nem degenerativa ou tumoral, as quais se apresentariam de modo mais gradual
(meses a anos). Devido à idade do paciente, uma doença congênita seria menos provável, e a ausência de fatores
indicativos de iatrogenia, intoxicação ou trauma na história é desfavorável a tais hipóteses. Os principais diagnósticos
nosológicos a serem considerados seriam: inflamatório ou autoimune. O recente quadro infeccioso, a evolução aguda e
os exames gerais normais corroboram a hipótese de autoimunidade.

3.4. Diagnóstico Etiológico e Diferencial


Polirradiculoneuropatia Aguda Inflamatória Desmielinizante (Síndrome de Guillain-Barré)
Para o caso de pacientes com paralisia flácida aguda (termo que se refere a um quadro agudo de fraqueza com
reflexos tendinosos profundos abolidos), a Síndrome de Guillain-Barré (SGB) é o diagnóstico etiológico até que se prove
o contrário. A paralisia flácida é, em geral, bilateral, simétrica e ascendente, atingindo o nadir em 2 a 4 semanas.1-4
Frequentemente, são observadas síndrome sensitiva (50% dos casos), síndrome autonômica (50% dos casos) e
síndrome de nervos cranianos (60% dos casos), principalmente com fraqueza bulbar, paralisia facial periférica,
oftalmoplegia e paralisia do nervo hipoglosso.2 Contribuem ainda para o diagnóstico o histórico recente de
gastroenterite (possivelmente por Campylobacter jejuni, gatilho reconhecido para essa síndrome), o exame de líquor com
dissociação albuminocitológica, desaceleração da condução nervosa que poupa o nervo sural e boa resposta à terapia
imunomoduladora.1-4
Alguns pacientes evoluem com instabilidade hemodinâmica e/ou respiratória (principalmente devido à paralisia
bulbar ou da musculatura respiratória), necessitando de cuidados intensivos.1-3 Dor neuropática não é tão comum nas
manifestações iniciais da doença, mas é uma das principais sequelas do quadro.1-3 Recidivas podem ocorrer a curto
prazo, mesmo após remissão inicial (flutuações relacionadas ao tratamento), mas, quando acontecem, devem nos levar
a pensar em um diagnóstico alternativo, principalmente Polirradiculoneuropatia Desmielinizante Inflamatória Crônica
(PDIC), doença de sintomatologia semelhante, mas com fisiopatologia, etiologia e tratamento diferenciados.1,3
Quanto aos diagnósticos diferenciais, devemos sempre considerá-los em situações de:

• Febre no início do quadro: a presença de febre não é comum na SGB. Em crianças com alterações orofaríngeas,
pode sugerir fortemente difteria, uma condição que simula bastante a SGB.
• Reflexos tendinosos profundos presentes: reflexos tendinosos profundos ausentes, ou hipoativos, são
características marcantes da SGB. Caso estes estejam normais, deve-se questionar o diagnóstico.

• Presença de Nível Sensitivo: esse achado, até que se prove o contrário, é forte indicativo de topografia medular,
apontando outras etiologias, como mielites transversas ou outras lesões medulares.

• Disfunção esfincteriana: tal achado pode estar presente nos quadros de SGB, porém deve estimular a busca por
outros diagnósticos, principalmente aqueles que cursam com acometimento medular.

• Níveis de CPK bastante elevados: esse achado não é comum na SGB e sugere outros diagnósticos, como
miopatias inflamatórias ou tóxicas.

• Níveis de potássio alterados: os distúrbios do potássio são importantes diagnósticos diferenciais da SGB.
Hipocalemia somada a níveis elevados de hormônios tireoidianos sugere o diagnóstico de paralisia periódica
hipocalêmica tireotóxica.

• Quadro com evolução por mais de 4 semanas: A SGB tem uma história natural típica: piora até 4 semanas do
início do quadro e, a partir daí, há uma fase de platô que evolui com remissão completa ou parcial do quadro.
Caso a doença tenha uma piora progressiva por mais de 4 semanas, um diagnóstico alternativo deve ser
considerado, principalmente a PDIC.
Além destes, devemos lembrar que deficiências vitamínicas, como tiamina (B1) e cobalamina (B12), podem simular
um quadro semelhante e devem ser excluídas. Para fins didáticos, encontram-se no Quadro 1 possíveis diagnósticos
etiológicos, com sua topografia, a serem pesados.
Quadro 1. Principais Diagnósticos Diferenciais da SGB.

Compressão Acidente
Inflamação/Infecção Deficiência
Sistema de medula Vascular
de tronco encefálico vitamínica (B1 ou
Nervoso espinhal ou Cerebral de
ou medula espinhal
Central tronco tronco B12)
(doenças autoimunes)
encefálico encefálico

Corno Anterior Mielite Flácida Aguda


da Medula (infecção viral, como
Espinhal poliomielite)

Infecção (como HIV,


Malignidade
Raiz Nervosa varicela zóster e vírus Compressão
Leptomeníngea
Epstein-Barr)

Polirradiculoneuropatia Distúrbio Deficiência Polineuropatia Infecção


Nervo vitamínica (B1, Toxicidade (álcool Amiotrofia
desmielinizante metabólico, ou de doença Vasculite (como
Periférico e outras drogas) neurálgica
inflamatória crônica hidroeletrolítico B12 e E) crítica HIV)

Neurotoxinas
Síndrome
Junção (como Toxicidade por
Miastenia Gravis miastênica de
Neuromuscular botulínica e organofosforados
Lambert-Eaton
tetânica)

Músculo Distúrbio metabólico Miosite Rabdomiólise Miopatia tóxica Doença


ou hidroeletrolítico Inflamatória Aguda induzida por mitocondrial
drogas (como
estatinas)
Transtorno conversivo
Outros
ou funcional

Fonte: Leonhard.1

a) Exames complementares:

• Hemograma, glicemia, eletrólitos, função renal, hepática e tireoidiana, vitamina B e B , sorologias: normais.
1 12

• Exame do líquor: dissociação albuminocitológica (proteína = 80 mg/dL, sem pleocitose). Sem outra alteração
digna de nota.

• Eletroneuromiografia: lentificação na condução nervosa motora, prolongamentos de latências de ondas F e


ausência de reflexo. Preservação de nervo sural. Padrão consistente com polineuropatia multifocal
desmielinizante.
b) Tratamento e desfecho: Internamento hospitalar para administração de Imunoglobulina Humana via
endovenosa 400 mg/kg/dia por 5 dias. Ao final do período de internamento de 12 dias, o exame neurológico
revelou força normal em MMSS e melhora importante de força em MMII, percebidas também pelo retorno
progressivo da deambulação. Manteve reflexos tendinosos abolidos com normalização da sensibilidade
superficial. Após 8 meses de alta hospitalar, não havia queixa por parte do paciente nem achados no exame físico.

3.5. Considerações Finais


A SGB é uma entidade clínica que precisa ser reconhecida e não pode ser ignorada em pacientes com quadro de
paralisia flácida aguda. Seu melhor manejo contribui para uma melhora clínica mais rápida e redução de possíveis
complicações.

4. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
a) Conhecer as principais manifestações da SGB e seu diagnóstico no raciocínio neurológico.
b) Saber identificar a apresentação clínica de um caso de paralisia flácida aguda.
c) Ter em mente os achados da história e do exame físico que apontem para outros diagnósticos.
d) Conhecer os principais diagnósticos diferenciais relacionados a essa condição.

5. DICAS PRÁTICAS
a) A SGB é a principal causa de paralisia flácida aguda, que pode ser acompanhada de outras manifestações,
como parestesias ou dor em membros, hiporreflexia/arreflexia, disautonomia e alteração de nervos cranianos.
b) A SGB pode ser precedida por quadro infeccioso, tem início agudo ou subagudo, com o nadir da doença em 24
horas a 4 semanas. O surto costuma remitir, mas pode haver flutuações do quadro durante a instituição do
tratamento. Não é raro a remissão ser incompleta e deixar sequelas, principalmente motoras.
c) O diagnóstico é essencialmente clínico, mas exames complementares podem reforçá-lo. Lentificação da
condução nervosa que poupa o nervo sural ou dissociação albuminocitológica no líquor fortalecem a hipótese de
SGB. Eventualmente, na dúvida da existência de uma síndrome medular, exames de neuroimagem podem ser de
grande ajuda.
d) O tratamento tem o intuito de promover a aceleração da remissão e envolve o uso de Imunoglobulina e/ou
Plasmaférese.
e) Complicações como flutuações relacionadas à terapêutica, insuficiência respiratória e disautonomias podem
ocorrer, por isso o paciente pode requerer observação em Unidades de Terapia Intensiva.

REFERÊNCIAS
1. Leonhard SE, Mandarakas MR, Gondim FAA, Bateman K, Ferreira MLB, Cornblath DR, et al. Diagnosis and management of Guillain-Barré syndrome in
ten steps. Nat Rev Neurol. 2019; 15(11): 671-83.
2. Malek E, Salameh J. Guillain-Barre Syndrome. Semin Neurol. 2019; 39(5): 589-95.
3. Doets AY, Jacobs BC, van Doorn PA. Advances in management of Guillain-Barré syndrome. Curr Opin Neurol. 2018; 31(5): 541-50.
4. Dalakas MC. Guillain-Barré syndrome: The first documented COVID-19-triggered autoimmune neurologic disease: More to come with myositis in the
offing. Neurol Neuroimmunol Neuroinflamm. 2020; 7(5): e781.
Caso 4

Fraqueza Flutuante
Autora: Milena Vieira Madeira
Orientador: Dr. Cleonisio Leite Rodrigues

1. APRESENTAÇÃO DO CASO
a) Anamnese: Paciente feminino, 45 anos, previamente hígida,
relata que há um ano iniciou um quadro de ptose no olho
esquerdo e diplopia bilateral flutuante. Afirma também um
quadro de fraqueza nos membros e “sensação de cansaço no
corpo inteiro”, principalmente quando sobe escadas e quando
executa movimentos como pentear o cabelo, não conseguindo,
dessa forma, executá-lo. Refere que esses sintomas iniciavam
ao final do dia e, após algum tempo, foi percebendo que
iniciavam no período da manhã e pioravam ao longo do dia, aos
esforços. Além disso, relata ainda uma dificuldade na
mastigação dos alimentos, percebendo uma fraqueza na região
maxilar, uma “voz morrendo” e presença de tosse seca. Nega
história familiar de quadro semelhante.
b) Exame físico geral: Pressão arterial 180 x 60 mmHg em
decúbito. Ausência de febre e de outros sintomas
constitucionais.
c) Exame neurológico: Funções corticais superiores sem
alterações. Ptose de pálpebra esquerda, paresia do VI NC.
Motricidade da língua preservada, sem fasciculações.

• Exame motor: força globalmente grau 4+, motricidade e tônus


preservados.
• Migazzini: queda aos 10 segundos, sem pronação, refere dor
em dimídio D e discreta fadiga.

• Sensibilidade preservada e simétrica. Reflexos simétricos,


grau II. Sem dismetrias. Romberg negativo. Marcha atípica.

2. PARA PENSAR
a) Qual seria o raciocínio diagnóstico (sindrômico, topográfico,
nosológico e etiológico) do caso descrito?
b) Qual síndrome é bastante característica para o diagnóstico
dessa entidade clínica?
c) Existem variantes clínicas desse diagnóstico?
d) Além do teste positivo para AChR, que dados da história
corroboram o diagnóstico nosológico?
e) O que chama atenção na história pregressa para o
diagnóstico? (Falar sobre a presença de timoma.)
f) Quais importantes diagnósticos diferenciais devem ser
considerados?

3. DISCUSSÃO
3.1. Diagnóstico Sindrômico
a) Síndrome de Neurônio Motor Inferior ou Segundo Neurônio
Motor: Nesse caso, caracteriza-se pela fraqueza nos membros,
ou seja, pelo déficit da força nos MMII e nos MMSS, sendo uma
tetraparesia de predomínio distal, além da característica típica
de fraqueza flutuante, que é uma fadiga que aumenta ao longo
do dia. Também chama atenção a fadiga ocular que causou a
ptose no olho esquerdo. Nisso, tem-se sintomas típicos de
Miastenia Gravis, a qual é uma patologia que se manifesta
através de sintomas como fraqueza e fadiga da musculatura
bulbar, ocular e na parte proximal dos membros.
b) Síndrome dos Nervos Cranianos: São comuns alterações de
nervos cranianos (ex.: alterações de musculatura facial,
oftalmoparesia, fraqueza bulbar) em pacientes com Miastenia
Gravis, sendo importante para o diagnóstico diferencial, assim
como o subtipo de MG (ocular ou generalizada).

3.2. Diagnóstico Topográfico


Topografia da junção neuromuscular
O raciocínio clínico para o diagnóstico topográfico deve-se ater à
síndrome do neurônio motor inferior, que sugere que a topografia da
lesão deve se encontrar na unidade motora (corno anterior, raízes
nervosas, nervo, junção neuromuscular e músculo). Nesse sentido,
pode-se observar que o quadro não apresenta sintomas ou sinais de
lesões que acometeriam as fibras sensitivas, induzindo a descartar
alguns diagnósticos atrelados à raiz nervosa ou nervo e restringindo
a doenças do corno anterior, da junção neuromuscular ou do
músculo, haja vista que estas preservam a sensibilidade.
Além disso, os sintomas fatigáveis musculares nos ajudam a
restringir o diagnóstico topográfico à junção neuromuscular, haja
vista que doenças neste local se manifestam pela diminuição da
capacidade de contração muscular devido ao comprometimento do
processo sináptico na unidade motora, que é exercido através da
liberação do neurotransmissor acetilcolina na fenda sináptica e que,
nesse caso, fica com os receptores ocupados por autoanticorpos
direcionados às proteínas funcionais e estruturais da junção
neuromuscular: o receptor de acetilcolina (AChR), o receptor de
quinase muscular específico (MuSk) ou a proteína 4 relacionada ao
receptor de lipoproteína de baixa densidade (LRP4), que, no caso,
deve estar presente devido à hiperplasia de timo.

3.3. Diagnóstico Nosológico


Autoimune
A evolução do quadro clínico não é consistente com uma
possível etiologia vascular, que se apresentaria com uma evolução
súbita (em minutos), nem com uma degenerativa ou tumoral, as
quais se apresentariam de modo mais arrastado. Devido à idade do
paciente, uma doença congênita seria menos provável, e a ausência
de fatores indicativos de iatrogenia, intoxicação ou trauma na
história é desfavorável a tais hipóteses. Os principais diagnósticos
nosológicos a serem considerados seriam: inflamatório ou
autoimune. No entanto, seria mais improvável ser um caso
nosológico infeccioso devido ao tempo de início de sintoma, o que,
dessa forma, mostra não ser um tipo agudo. Além disso, os
sintomas e os exames indicam uma alteração nos autoanticorpos
do paciente, o que comprova ser uma doença autoimune.

3.4. Diagnóstico Etiológico e Diferencial


Miastenia Gravis
Para o caso de pacientes com fraqueza ou fadiga muscular
flutuante, a Miastenia Gravis é o diagnóstico etiológico até que se
prove o contrário. Os sintomas são marcadamente típicos da
patologia, bem como diferenciais para o diagnóstico, devido
principalmente ao caráter flutuante da fraqueza muscular da doença
(piora ao longo do dia com esforços e melhora com o repouso).
As manifestações clínicas ocorrem de acordo com a gravidade e o
grupo de músculos envolvido com base nos autoanticorpos, idade
de início e histologia tímica.² Ademais, manifestação ocular
generalizada ou isolada, o tipo do anticorpo e uma detecção de
timoma formam subgrupos que podem influenciar a terapia e o
prognóstico.³ Ptose, frequentemente assimétrica, e diplopia bilateral
são os sintomas que costumam aparecer com mais recorrência e,
eventualmente, aparecem na maioria dos casos no início da doença.
Em outros pacientes, a fraqueza bulbar acarretando disartria flácida,
disfagia, fraqueza de fechamento de mandíbula e fraqueza facial
compreende sintoma de apresentação inicial.
Em aproximadamente 15% dos pacientes a fraqueza mais severa
dos músculos respiratórios pode causar insuficiência respiratória
restritiva (crise miastênica), uma emergência neurológica que
demanda tratamento imediato em um ambiente de terapia
intensiva.¹
O tipo de anticorpo associado à MG é um dos fatores para a
escolha de um tratamento e de prognóstico. Nesse sentido, os
anticorpos anti-AChR são observados em 85% dos casos de MG
generalizada e ao redor de 30% dos casos de MG ocular.
Os anticorpos anti-MuSK ocorrem em aproximadamente 7% dos
casos de doença generalizada e quase não há incidência na MG
ocular. 4
Do ponto de vista neurofisiológico, a Eletroneuromiografia
(ENMG) é o exame chave no diagnóstico diferencial das doenças
neuromusculares. No caso, essa avaliação confirma a topografia na
junção neuromuscular através da Prova de Estimulação Repetitiva
(PER) em baixas frequências (vide figura 1) e nos permite descartar
os principais diagnósticos diferenciais da MG: doença do neurônio
motor, miopatia e Síndrome de Lambert Eaton. O resultado do
exame é imediato e por isso não deve ser postergada sua
solicitação nesses casos, já que os anticorpos podem demorar até 4
semanas para terem seus resultados disponíveis. A Eletromiografia
de Fibra Única (vide figura 2) é indicada para casos de MG ocular
com PER negativa e anticorpo negativo. Trata-se do teste mais
sensível para detecção de disfunção da junção neuromuscular.5 TC
de tórax deve ser realizada para descartar a recorrência de timoma.
Também é importante mencionar a resposta clínica aos inibidores
de colinesterase para a confirmação do diagnóstico, principalmente
para pacientes soronegativos, que precisam de diagnóstico
diferencial.³
Figura 1. Prova de Estimulação Repetitiva.

Figura 1 - Prova de Estimulação Repetitiva


Fonte: Autor.

Figura 2. Eletromiografia de Fibra Única.

Figura 2 - Eletromiografia de Fibra Única


Fonte: Autor.

Alguns diagnósticos diferenciais a serem considerados:

• Indução por fármacos: Penicilina, por exemplo, pode gerar


um quadro semelhante. Aminoglicosídeos podem provocar
um quadro de fraqueza muscular.

• Botulismo: Quadro agudo, grave, em que há paralisia


simétrica descendente com envolvimento dos nervos
cranianos e disautonomia. A busca pela toxina é fundamental.
A PER em alta frequência vem anormal nesses casos.

• Síndrome miastênica de Eaton-Lambet: Um dos principais


diagnósticos diferenciais, em que se tem o envolvimento da
musculatura proximal dos membros, reflexos abolidos ou
diminuídos, há frequentemente alterações autonômicas
(xerostomia, xeroftalmia etc.) e um considerável aumento da
resposta muscular com a estimulação repetitiva em altas
frequências.
a) Exames complementares:

• Hemograma, eletrólitos, função renal, hepática e tireoidiana,


vitaminas B1 e B12, sorologias: normais.

• Eletroneuromiografia: Decremento significativo (> 10% até


80%) nos sítios distais, proximais, cervicais e faciais. Com
presença de facilitação ao esforço após 10 segundos.

• Anticorpo antirreceptor de acetilcolina: 1,43 nmol/L.


b) Tratamento e desfecho: Paciente iniciou tratamento com
corticosteroide, sendo inicialmente prescrita prednisona, com
melhoras no quadro, mas tendo recidiva após algum período.
Dessa forma, a dose do medicamento foi aumentada e
introduzida a azatioprina.
3.5. Considerações Finais
A Miastenia Gravis é uma entidade clínica tratável que precisa ser
prontamente diagnosticada e tratada por neurologistas. Seu melhor
manejo contribui para uma melhora clínica mais rápida e redução de
possíveis complicações.

4. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
a) Conhecer as principais manifestações da Miastenia Gravis e
seu diagnóstico no raciocínio neurológico.
b) Saber identificar a apresentação clínica de um caso de
Miastenia Gravis.
c) Ter em mente os achados da história e do exame físico que
apontem para outros diagnósticos.
d) Conhecer os principais diagnósticos diferenciais
relacionados a essa condição.

5. DICAS PRÁTICAS
a) Compreender que a Miastenia Gravis é um tipo de doença
autoimune em que há alguns sintomas típicos e que em 15%
dos casos pode causar crise miastênica, uma emergência
neurológica caracterizada por insuficiência respiratória.
b) O diagnóstico topográfico pode ser confirmado por teste de
estimulação repetitiva com sensibilidade geral em torno de 80%.
Estudo de fibra única tem sensibilidade de cerca de 98%.
c) A sua fisiopatologia está relacionada com autoanticorpos
contra proteínas ACh, MuSK ou outras moléculas estruturais da
região da placa terminal neuromuscular, mostrando diferenças
no prognóstico entre os tipos.
d) Em pacientes com MG e com AChR-MG positivos, as
alterações morfológicas e funcionais (hiperplasia folicular e
timoma) do timo são patologicamente relevantes, sendo que
estudos mostram que este órgão é o principal local de
autossensibilização do anti-AChR.
e) O tratamento tem como objetivo alcançar a remissão ou
manifestações mínimas dos sintomas, com o mínimo de efeitos
colaterais dos medicamentos.

REFERÊNCIAS
1. Ciafaloni E. Myasthenia Gravis and Congenital Myasthenic Syndromes. Continuum
(Minneap Minn). 2019; 25(6): 1767-84.
2. Mantegazza R, Cavalcante P. Diagnosis and treatment of myasthenia gravis. Curr Opin
Rheumatol. 2019; 31(6): 623-33.
3. Müllges W, Stoll G. Myasthenia gravis. Nervenarzt. 2019; 90: 1055-66.
4. Hehir MK, Silvestri NJ. Generalized Myasthenia Gravis: Classification, Clinical
Presentation, Natural History, and Epidemiology. Neurol Clin. 2018;36(2):253-260.
5. Sanders DB, Arimura K, Cui L, Ertaş M, Farrugia ME, Gilchrist J, Kouyoumdjian JA,
Padua L, Pitt M, Stålberg E. Guidelines for single fiber EMG. Clin Neurophysiol. 2019
Aug;130(8):1417-1439. Epub 2019 Apr 27. PMID: 31080019.
Caso 5

Preguiçoso?
Autor: Jorge Luiz de Brito de Souza
Orientador: Dr. Paulo Ribeiro Nóbrega

1. APRESENTAÇÃO DE CASO
a) Anamnese: Paciente do sexo masculino, 25 anos, procurou
atendimento médico com neurologista por queixas de “fraqueza
e fadiga” quando estava nadando no dia anterior com seus
colegas, o que quase resultou no seu afogamento. Ele relata
que, durante a infância, não conseguia acompanhar as
brincadeiras por rapidamente se sentir ‘’sem forças’’. Fora
sempre chamado de ‘’preguiçoso’’ em consequência dessas
peculiaridades. Relata que, uma vez, após tentar se esforçar
mais do que podia, sua urina ficou levemente escura, o que
levou a mãe a procurar vários médicos, que foram incapazes de
fornecer uma explicação viável para os sintomas. O indivíduo
também relata um ‘’enrijecimento’’ muscular depois de tentar
subir as escadas ou andar por tempo prolongado, mas que alivia
com o descanso. Quando questionado se havia algum fator de
melhora ou piora, ele comentou que se sentia melhor se
comesse antes de realizar qualquer atividade. Por fim, observou-
se consanguinidade nos pais (primos em primeiro grau).
b) Exame físico geral: Pressão arterial 120 x 80 mmHg em
ortostase. Não havia febre ou sintomas constitucionais. Sem
sinal de trauma externo.
c) Exame neurológico: Paresia leve (força grau 4 segundo a
escala MRC – Medical Research Council) na região proximal dos
membros inferiores. Tônus global normal. Reflexos tendinosos
profundos, assim como provas cerebelares, se encontravam
normais. Sem nível sensitivo ou parestesia digna de nota. Sem
alterações em nervos cranianos.

2. PARA PENSAR
a) Como montar o raciocínio neurológico em relação a este
caso?
b) O que é marcante no relato do paciente?
c) Quais as principais nosologias a serem consideradas e/ou
excluídas do raciocínio?
d) O que a interferência alimentar nos indica?
e) O que a urina do paciente pode revelar?

3. DISCUSSÃO
3.1. Diagnóstico Sindrômico
a) Síndrome Motora: caracterizada pela paresia no exame
neurológico, assim como pelo histórico de fraqueza relacionada
ao exercício. Provavelmente advinda do neurônio motor
inferior/unidade motora, pois não há sinais claros de
acometimento do neurônio motor superior.

3.2. Diagnóstico Topográfico


Considerando a condição puramente motora presente neste
quadro, podemos pensar em comprometimento da via motora em
algum ponto de sua extensão. Sabemos que esta via é composta,
simplificadamente, pelo Neurônio Motor Superior (NMS), Neurônio
Motor Inferior (NMI), Junção Muscular e Músculo. Ao se analisar o
quadro do paciente em questão, notamos que as síndromes
associadas ao NMS (que podem cursar com hiper-reflexia profunda,
Sinal de Babinski e Paresia Hipertônica) e ao NMI (que podem
cursar com hiporreflexia profunda, Paresia Hipotônica, Atrofia ou
Hipotrofia e Fasciculações), apesar de não serem descartadas, não
serão de grande valia, pois o paciente apresenta tônus normal, além
de reflexos normorreativos, restando apenas a fraqueza em comum.
A dúvida diagnóstica vai persistir principalmente ao se analisar uma
topografia de Junção Neuromuscular (JNM) e Músculo, pois ambas,
no que diz respeito à clínica, costumam apresentar um padrão de
paresia distribuída na região apendicular proximal, e os reflexos e a
sensibilidade usualmente não se encontram alterados. Mas como
concluir, portanto, a região topográfica? A evidente ausência de
acometimento ocular (quando presente, sugere Miastenia Gravis) e
de fatigabilidade (redução da força em repetição ao movimento),
sugestivos, se presentes, de distúrbios da Junção Neuromuscular,
afunilam nosso raciocínio topográfico para Miopatias.
Posteriormente, o clínico poderá realizar alguns testes que
complementem seu raciocínio. Isso será discutido no Diagnóstico
Etiológico.

3.3. Diagnóstico Nosológico


Tendo em vista o fato de que o desenvolvimento do quadro
clínico do indivíduo evoluiu da infância à fase adulta, assim como
pelo histórico familiar, suspeita-se principalmente de um
componente genético interferindo no funcionamento orgânico do
paciente. Isso conflui com o raciocínio topográfico, pois se
reconhece que muitas das miopatias estão associadas a um
distúrbio hereditário. Por fim, exames complementares são
relevantes para auxiliar no diagnóstico correto relacionado a estes
casos de condições puramente motoras, pois há peculiaridades a
serem avaliadas.

3.4. Diagnóstico Etiológico e Diferencial


Nosso caso fecha como Doença de McArdle (Doença do Estoque
de Glicogênio tipo V ou Doença da Deficiência de Miofosforilase),
que é o distúrbio mais comum relacionado ao metabolismo de
carboidratos associados à musculatura esquelética.1-3 Para entender
um pouco desta condição, devemos nos ater primeiramente à ideia
por trás de sua fisiopatologia. A miofosforilase (isoforma do
músculo esquelético) é uma enzima que atua na catálise de
glicogênio muscular a partir da remoção de grupos (1,4) – α –
glicosil dos seus ramos mais exteriores, permitindo a liberação de
glicose-1-fosfato, a qual, posteriormente, participará do processo
glicolítico.4 Pacientes com a doença de McArdle, apesar da
deficiência da Miofosforilase, conseguem obter uma quantidade
essencial de glicose para o músculo por meio do sangue e
convertê-la em glicose-6-fosfato, sem depender de tal enzima. Isso
tem alta correlação com a clínica do indivíduo do relato. Observa-se
que a sua condição de paresia motora é bastante alocada a
situações restritas que exigem de seu corpo uma maior
disponibilidade energética (subir escadas, nadar, correr).
No entanto, ainda que o sangue nutra, em condições de repouso, as
necessidades do paciente, ao ser necessário um esforço maior, a
reserva energética sanguínea se torna insuficiente.1,2
As crises mais agudas resultam em sintomas como fadiga,
contraturas excessivas e prematuras, assim como uma fraqueza
proximal característica de miopatias. O esforço muscular
prolongado pode ocasionar rabdomiólise com consequente
mioglobinúria.1-3 O início dos sintomas geralmente se dá nas fases
mais iniciais da vida; todavia, relatos a partir de faixas etárias mais
tardias também são evidenciados na literatura. Muitas vezes a
consanguinidade sugere mais facilmente a doença de McArdle
(como observado no caso), já que se trata de uma doença
hereditária de caráter recessivo, cuja mutação patogênica está no
gene PYGM, que é codificante da Miofosforilase.1,3 A confirmação do
diagnóstico pode ser realizada tanto por uma biópsia de músculo
como pela genética molecular. A reação histoquímica para
miofosforilase no músculo é negativa, assim como uma redução de
atividade sérica dessa enzima.1-3 Por fim, a creatinoquinase sérica
(CPK) geralmente é elevada no indivíduo com esta etiologia, fator
também importante para o diagnóstico de miopatias em geral.1,3
Ao se realizar o diagnóstico diferencial, deve-se ter em mente que
algumas entidades etiológicas, como neuropatias motoras (nervos
periféricos) e doenças do neurônio motor (células do Corno
Anterior), podem se assemelhar ao quadro. Ademais, a clínica da
Doença de McArdle confunde-se, principalmente, com a da
Miastenia Gravis, dependendo da sintomatologia geral. Porém, esta
última possui caráter autoimune (podendo-se utilizar provas
sorológicas) cuja patogênese está relacionada à junção
neuromuscular, e não ao músculo propriamente dito. Dessa forma,
há flutuações sintomatológicas características durante o dia e as
principais manifestações estão associadas à fatigabilidade dos
músculos extraoculares, das funções bulbares (mastigação,
disartria, disfagia), dos membros proximais e, em casos mais
graves, dos músculos respiratórios.5,6 Os quadros de miopatia, no
entanto, costumam ser mais simétricos, podendo ou não estar
relacionados ao esforço e podendo ter elevação de CPK.5,7 Por isso,
no intuito de consolidar o diagnóstico da miopatia, exames
complementares, como estudos de condução nervosa, da CPK, das
funções endócrinas, assim como uma biópsia ou análise de fatores
genéticos, podem ser necessários para se chegar a essa causa
específica de Miopatia.7
Em pacientes com fraqueza dos membros proximais, SEMPRE
QUESTIONAR: sintomas sensitivos, fatigabilidade, diplopia, ptose e
fasciculações.
a) Exames complementares:

• Funções hepática e renal normais. O exame de urina revelou


a presença de Mioglobinúria. Os valores de eletrólitos
sanguíneos estavam normais. As enzimas musculares séricas
estavam elevadas, em especial a Creatinofosfoquinase (260
U/L). Exame eletromiográfico revelou anormalidade, com
diminuição da amplitude e duração dos potenciais devido à
perda de fibras musculares funcionais. Foi sugerida a
realização de um Teste de Tolerância ao Exercício, que foi
interrompido 10 minutos depois de seu início por conta de
dores nas pernas. Glicemia, Funções Tireoidianas, Vitamina B1
e B12 normais.

• A biópsia muscular foi realizada, revelando depósitos de


glicogênio subsarcolêmicos. Análise da histoquímica
enzimática foi completamente negativa para miofosforilase, o
que confirmou o diagnóstico etiológico de uma miopatia
específica.

• Análise Genética também foi solicitada, revelando alelos


PYGM mutantes localizados no cromossomo 11.
b) Tratamento e desfecho: após o correto diagnóstico de
Doença de McArdle, o indivíduo foi tratado com dieta planejada
e orientado quanto a exercícios. Uma equipe multiprofissional
acompanhou sua evolução, reabilitando e evitando novas
complicações da doença. Depois de 2 anos de
acompanhamento, as crises se tornaram mais raras e o
indivíduo voltou a realizar suas atividades cotidianas, apesar de
algumas limitações.

4. Considerações Finais
A Doença de McArdle é uma miopatia pura derivada de uma
fisiopatologia relacionada à deficiência de miofosforilase, levando a
uma sintomatologia típica com fadiga e contraturas, muitas vezes
dolorosas, associadas ao exercício. Suas crises mais agudas podem
estar relacionadas a uma posterior mioglobinúria. Algumas
características clínicas, como a melhora do exercício com uma
alimentação adequada antes dele, afunilam ainda mais nossas
suspeitas. Os exames complementares, neste caso, podem ser
essenciais para distinguir entre uma possível miopatia ou afecção
da junção neuromuscular, e estabelecer o diagnóstico etiológico da
miopatia.

5. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
a) Conhecer a forma de apresentação clínica característica de
miopatias, assim como o raciocínio neurológico que deve ser
mantido.
b) Saber identificar suas principais manifestações clínicas,
como a fraqueza muscular proximal, a incapacidade de
manutenção contínua de exercícios pesados, assim como
contraturas.
c) Ser capaz de correlacionar a fisiopatologia com os diferentes
desdobramentos sintomatológicos, principalmente pela
deficiência da miofosforilase.
d) Entender os parâmetros gerais para sua identificação em
termos laboratoriais.

6. DICAS PRÁTICAS
a) É necessária sempre atenção a fim de averiguar outras
condições conjuntas à fraqueza muscular, como a parestesia,
algum sinal sistêmico ou redução do nível de consciência, por
exemplo, para reelaborar o raciocínio neurológico.
b) Os exames complementares podem ser fundamentais, neste
caso específico, para o correto diagnóstico da Doença de
McArdle, mas só devem ser realizados depois de uma boa
anamnese clínica, a fim de confirmar a suspeita.
c) Um quadro de Miastenia Gravis, um tipo de distúrbio da
junção neuromuscular, pode se assemelhar a miopatias, sendo
necessário recorrer aos sinais e sintomas mais típicos desta
última a fim de exaurir uma possível dificuldade diagnóstica.
d) Sua relação com o período infantil pode ser importante, pois
muitos consideram os indivíduos com esta doença como
“preguiçosos’’, o que pode auxiliar no raciocínio etiológico do
clínico.

REFERÊNCIAS
1. Lucia A, Nogales-Gadea G, Pérez M, Martín MA, Andreu AL, Arenas J. McArdle disease:
what do neurologists need to know? Nat Clin Pract Neurol. 2008; 4(10): 568-77.
2. Quinlivan R, Buckley J, James M, Twist A, Ball S, Duno M, et al. McArdle disease: a
clinical review. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2010; 81(11): 1182-8.
3. Dimaur S, Andreu AL, Bruno C, Hadjigeorgiou GM. Myophosphorylase deficiency
(glycogenosis type V; McArdle disease). Curr Mol Med. 2002; 2(2): 189-96.
4. Devlin TM. Manual de Bioquímica com Correlações Clínicas. 7 ed. São Paulo: Editora
Blutcher; 2011.
5. Martínez Torre S, Gómez Molinero I, Martínez Girón R. Puesta al día en la miastenia
gravis [An update on myasthenia gravis]. Semergen. 2018 Jul-Aug; 44(5): 351-4.
6. Kasper DL. Medicina interna de Harrison. 19 ed. Porto Alegre: AMGH Editora; 2017.
7. Suresh E, Wimalaratna S. Proximal myopathy: diagnostic approach and initial
management. Postgrad Med J. 2013; 89(1054): 470-7.
Caso 6

Hiporreflexia e Hiper-Reflexia
Autor: Gabriel de Albuquerque Vasconcelos
Orientador: Dr. Gilnard Caminha M. Aguiar

1. APRESENTAÇÃO DE CASO
a) Anamnese: Paciente feminino, 34 anos, foi atropelada por
motocicleta ao atravessar a rua. Ao exame do Atendimento Pré-
Hospitalar (APH), estava estava dispneica e pontuou 15 na Escala de
Coma de Glasgow, sendo intubada no local e transferida para um
centro especializado em trauma. Na avaliação pelo departamento de
emergência, foram observados PAS: 60 mmHg, FC: 35 bpm,
extremidades frias, pele seca. Não foram encontradas outras lesões
decorrentes de trauma pelo acidente.
b) Exame Neurológico: Tetraplegia flácida (força grau 0), com
arreflexia, mas sem atrofia muscular. Ausência bilateral de
sensibilidade tátil e dolorosa a partir do dermátomo C7, além da
ausência de contração anal voluntária, sensibilidade à pressão anal
profunda e reflexo de contração anal.

2. PARA PENSAR
a) Quais os principais diagnósticos (sindrômico, topográfico,
nosológico e etiológico) observados?
b) Há algum(ns) achado(s), na história da paciente, que sugere(m)
fortemente seu diagnóstico topográfico? Se sim, qual(is)?
c) Quais as principais síndromes neurológicas associadas ao tipo de
trauma observado no caso?
d) Qual a relação da instabilidade hemodinâmica e respiratória com
a lesão neurológica da paciente?
e) Como um paciente, como a do caso, deve ser avaliado quanto ao
exame neurológico?
f) Quais as principais medidas emergenciais a serem adotadas
diante desses casos?

3. DISCUSSÃO
3.1. Diagnóstico Sindrômico
a) Síndrome do Neurônio Motor Inferior: Tetraplegia, com hipotonia
e reflexos ausentes.
b) Síndrome do Neurônio Motor Superior: Tetraplegia, com
hipertonia, hiper-reflexia e Sinal de Babinski.
c) Síndrome Sensitiva (Superficial e Profunda): Perda da
sensibilidade térmica e dolorosa, além do tato fino, propriocepção e
palestesia, a partir de C6.
d) Síndrome Autonômica: Hipotensão, bradicardia, anidrose e
hipoperfusão periférica, na apresentação, e rubor facial e
hipertensão arterial, no acompanhamento.
e) Síndrome Álgica: Cefaleia, no acompanhamento.

3.2. Diagnóstico Topográfico


Topografia de medula espinhal, EM nível de C6
A presença de nível sensitivo, como a perda de sensibilidade em certo
dermátomo e nos inferiores a ele, é a chave para tal diagnóstico. Isso
ocorre devido à lesão das vias ascendentes no nível do trauma. Tal
achado indica topografia medular, até que se prove o contrário.
O trato piramidal também é comprimido; por isso, é esperada uma
Síndrome do Neurônio Motor Superior (SNMS). Mas por que isso só é
visto após alguns dias da lesão? A resposta para essa questão é uma
condição chamada choque medular! É causado pela concussão
traumática da medula, seguida por perda do controle esfincteriano, da
sensibilidade, da motricidade (SNMI) e da inervação simpática,
prevalecendo o tônus parassimpático (hipotensão e bradicardia), que se
mantém preservado porque tem origem craniossacral (essencialmente
acima da medula – Nervo Vago). O choque medular, geralmente, cessa
em 3 dias a 3 semanas, mas pode durar meses. Seu término é definido,
principalmente, pelo retorno do reflexo bulbocavernoso (contração do
esfíncter anal à compressão do pênis ou do clitóris), além do surgimento
da SNMS esperada para o caso. Disfunção esfincteriana é um achado
que corrobora a topografia medular, se associado a um quadro clínico
compatível (como no caso).
A paciente do caso apresentou uma lesão com síndrome medular
completa, mas nem sempre é assim. Muitas vezes, uma definição mais
específica da topografia tem especial importância e, para isso, cabe
relembrar alguns conceitos da neuroanatomia.

• Via Descendente Motora: originada no giro pré-central, passa pela


porção anterior da medula e decussa ao nível do bulbo
(decussação das pirâmides), seguindo em direção ao córtex.

• Via Ascendente da Sensibilidade Superficial: originada nos


receptores periféricos, passa pela porção lateral da medula e
decussa no nível medular a que pertencem (comissura anterior da
medula), seguindo em direção ao tálamo e, em seguida, ao córtex
via cápsula interna.

• Via Ascendente da Sensibilidade Profunda: originada nos


receptores periféricos, passa pela porção posterior da medula
(fascículos grácil e cuneiforme) e decussa no nível do bulbo (fibras
arqueadas internas), ascendendo até o tálamo pelo lemnisco
medial e, em seguida, ao córtex, via cápsula interna.

• Lesões no nível da decussação ou acima causam déficit


contralateral daquela função, enquanto lesões abaixo causam
déficit ipsilateral.
A partir dessas informações, torna-se mais fácil a interpretação do
exame neurológico de pacientes com lesão medular. O Quadro 1 mostra
a correlação entre certas síndromes medulares e sua topografia.
Quadro 1. Síndromes Relacionadas a Lesões Medulares.

Sensibilidade Sensibilidade
Topografia Motricidade
superficial profunda
Sensibilidade Sensibilidade
Topografia Motricidade
superficial profunda

Síndrome Coluna
Paralisia Espástica
Medular Anterior da Preservada Preservada
Ipsilateral/Bilateral
Anterior Medula

Síndrome Coluna
Anestesia
Medular Lateral da Preservada Preservada
Contralateral/Bilateral
Lateral Medula

Síndrome Coluna
Anestesia
Medular Posterior da Preservada Preservada
Ipsilateral/Bilateral
Posterior Medula

Síndrome de
Hemissecção
Hemiparte Paralisia Espástica Anestesia Anestesia
Medular (de
da Medula Ipsilateral Contralateral Ipsilateral
Brown-
Séquard)

Lesão Regiões
Paralisia Espástica Anestesia Suspensa
Centromedular Adjacentes
da Musculatura (nos dermátomos
Traumática ao Canal Preservada
Apendicular correspondentes à
(Síndrome de Central da
Superior lesão)
Schneider) Medula

Síndrome do Cone
Cone Medular, Medular, ou Perda do Controle Anestesia do
Anestesia do Períneo
ou da Cauda Cauda Esfincteriano Períneo
Equina Equina

Síndrome Toda a Área


Paralisia Espástica
Medular de Secção Anestesia Bilateral Anestesia Bilateral
Bilateral
Completa da Medula

Fonte: Autor.

3.3. Diagnóstico Nosológico


Trauma
Única hipótese diante do caso de um paciente que acaba de sofrer
um trauma grave, responsável pela lesão primária da medula. Mas cabe
ressaltar que, no trauma raquimedular, lesões secundárias podem
agravar o quadro do paciente. Essas, portanto, têm diferente diagnóstico
nosológico; por exemplo, vascular (isquemia medular por compressão
pela medula edemaciada, ou por hipotensão).
3.4. Diagnóstico Etiológico
Trauma Raquimedular Completo
Nos Estados Unidos, a incidência de trauma raquimedular é estimada
em 17.000 casos por ano, e a idade média de indivíduos acometidos é de
42 anos (apesar de a maioria dos pacientes ter menos de 30 anos).1
Portanto, é uma importante causa de incapacidade, principalmente em
jovens do sexo masculino.1,2,3 O paciente sofre uma lesão traumática
primária inevitável (por concussão, luxação de vértebras e outras
causas), que costuma evoluir com lesões pós-traumáticas, como edema
e isquemia medular.1
Lesões na medula cervical ou torácica superior (geralmente acima de
T1) podem levar ao choque neurogênico, estado de hipoperfusão
tecidual causado por perda da inervação simpática (medular:
toracolombar) do coração (bradicardia, insuficiência ventricular) e dos
vasos (vasodilatação e hipotensão), predominando o tônus
parassimpático.1,3 Deve-se estar atento para não confundir choque
neurogênico com choque medular. Este se caracteriza pela SNMI, com
perda de reflexos medulares por concussão da medula, e aquele, pela
hipoperfusão tecidual por desnervação simpática.3 A principal causa de
choque no trauma é hipovolemia (hemorragia), que pode coexistir com o
choque neurogênico.3
Lesões medulares cervicais completas acima de C3 levam ao óbito
no local por apneia, enquanto lesões cervicais de C3 a C5 podem causar
insuficiência respiratória, quando ainda é possível salvar o paciente com
manejo das vias aéreas.1,3 Isso ocorre devido à desnervação do
diafragma, que é inervado pelo nervo frênico (C3-C5).1,3 Para memorizar,
pode-se usar o dito em inglês: “C3, C4, C5 keeps men alive”. Cabe
ressaltar que, até o nível da vértebra C3, o canal medular é mais largo,
podendo haver fratura vertebral sem lesão medular (o que é mais raro
abaixo desse nível).3
Alguns pacientes podem apresentar disreflexia autonômica,
percebida quando um estímulo como distensão da bexiga ou da parede
do reto é seguido por hiperativação simpática (hipertensão) abaixo da
lesão e hiperativação parassimpática reflexa (rubor e anidrose facial)
acima da lesão.1
a) Exames Complementares: Realização de Tomografia
Computadorizada (TC) sem contraste, de coluna vertebral cervical,
no plano sagital, revelou compressão medular devido à luxação de
C5-C6.
b) Tratamento: Infundidos 2 L de cristaloide IV, com pouca melhora
clínica, seguido pela administração de norepinefrina IV, com melhora
de seus parâmetros hemodinâmicos. Em seguida, foi realizada
redução incruenta, e a paciente foi internada na Unidade de Terapia
Intensiva (UTI), onde medidas de suporte hemodinâmico foram
adotadas para manter Pressão Arterial Média (PAM) de 85 mmHg a
90 mmHg. Três dias depois do trauma, o reflexo bulbocavernoso
retornou. Houve lenta recuperação da sensibilidade profunda e
superficial, com aparecimento de hipertonicidade muscular abaixo
do nível da lesão, além de reflexo cutâneo-plantar em extensão (Sinal
de Babinski).
c) Acompanhamento na Unidade de Terapia Intensiva: Uma
Ressonância Magnética (RM) sagital, em T2, de coluna cervical,
revelou melhora da compressão medular após a redução. Ainda
internada na UTI, apresentou retenção urinária e fecal, além de um
quadro de pneumonia bacteriana. Após 21 dias do acidente, teve
episódios repentinos de urgência hipertensiva (PA: 210X110),
associada a rubor e anidrose faciais. A melhora dos episódios
ocorreu com a manutenção da paciente em posição ereta e
administração de hidralazina VO. Após alta da UTI, foi acompanhada
pelos serviços de fisioterapia e terapia ocupacional.
d) Manejo do Paciente com Trauma Raquimedular

• Manejo Pré-hospitalar:
Primeiro Passo: abordagem de acordo com os protocolos do
Suporte Básico de Vida.2

Segundo Passo: imobilização da coluna vertebral, com colar


cervical e tábua de imobilização, caso o trauma raquimedular
tenha sido confirmado pelos protocolos da APH e não existam
contraindicações ao procedimento.2,3

Terceiro Passo: encaminhamento para serviço especializado de


trauma, se possível.2,3
• Manejo Hospitalar:
Primeiro Passo: estabilização do paciente.
Insuficiência respiratória pode ocorrer em pacientes com
lesão cervical acima de C6, principalmente devido à
desnervação diafragmática. Se houver indícios de
insuficiência respiratória, o paciente deve ser intubado.2,3
Pacientes com lesão em T6 ou acima podem desenvolver
choque neurogênico.3 A estabilização hemodinâmica é feita,
inicialmente, com solução cristaloide IV, seguida, na ausência
de melhora, por droga vasopressora (norepinefrina, epinefrina)
até que a pressão arterial média seja mantida acima de 85
mmHg.2,3
Devem ser investigadas lesões traumáticas (hemorragia,
TCE) que possam ser a causa da instabilidade hemodinâmica
ou respiratória, bem como lesões que precisem de tratamento
emergencial.1,3 TCE pode estar presente em 25 a 50% dos
casos e requer um manejo mais específico.1

Segundo Passo: exame neurológico e avaliação da lesão


medular.
Deve ser realizado exame neurológico, principalmente das
vias motoras, sensitivas e dos reflexos medulares, guiado pelo
escore da American Spinal Injury Association (ASIA).4 Essa
etapa é fundamental para definir a topografia e a extensão do
acometimento medular.
A avaliação da motricidade envolve a graduação da força
muscular em cada músculo-chave dos miótomos em uma
escala de 0 (ausência total de contração) a 5 (vence
resistência ao movimento normalmente) pontos, além do
exame dos reflexos, que pode ajudar a diagnosticar SNMS ou
SNMI, importante, por exemplo, na identificação de choque
medular.3 Deve ser examinada, também, a sensibilidade tátil e
dolorosa dos dermátomos bilateralmente.3 Sensibilidade e
motricidade da região sacral devem ser avaliadas, bem como
os reflexos de contração anal e bulbocavernoso.3 A Figura 1 e
a Tabela 1 mostram, respectivamente, os principais
dermátomos e miótomos do corpo.
É preciso entender que o nível de lesão óssea (onde a
vértebra foi lesada) é diferente do nível de lesão neurológica,
que pode ainda ser dividido em nível sensitivo (nível medular
mais baixo com preservação total da sensibilidade) e nível
motor (nível medular mais baixo onde o músculo-chave do
dermátomo preserva força de, no mínimo, grau 3).3 A partir
disso, a Tabela 2 mostra a classificação do ASIA para
síndromes medulares completas e incompletas, mas cabe
expor uma definição mais genérica desses conceitos:
Síndrome Medular Completa: ausência total de
motricidade de grau maior ou igual a 3 ou sensibilidade 3
níveis ou mais abaixo do nível da lesão neurológica.1,3
Síndrome Medular Incompleta: presença de qualquer
função motora (grau maior ou igual a 3) ou sensitiva 3
níveis ou mais abaixo do nível da lesão neurológica.1,3
Preservação da sensibilidade e/ou motricidade sacrais
pode ser importante indício de síndrome incompleta, já que
as fibras motoras e sensitivas da região sacral são as mais
internas da medula, sendo as últimas a serem lesadas.3
Durante a internação, o paciente deve ser constantemente
avaliado a fim de detectar possíveis complicações, como a
piora do quadro neurológico, insuficiência respiratória e
escaras (comuns em pacientes que passam períodos muito
longos sobre tábua para a imobilização da coluna).3
Figura 1. Dermátomos.
Fonte: Determinar mecanismos da dor.5

Tabela 1. Miótomos.

Miótomo Movimento/musculatura

c5 Flexão do Cotovelo (Bíceps)

c6 Extensão do Punho

c7 Extensão do Cotovelo (Tríceps)

c8 Flexão dos Quirodáctilos

t1 Abdução dos Quirodáctilos

l2 Flexão do Quadril

l3 Extensão do Joelho

l4 Dorsiflexão

l5 Extensão do Hálux
Miótomo Movimento/musculatura

s1 Flexão Plantar

Fonte: Adaptado de American College of Surgeons.3

Terceiro Passo: outras medidas, como avaliação radiológica e


redução incruenta, após a realização dos dois primeiros passos.
O exame de imagem mais indicado é a TC de coluna cervical,
mas, na sua ausência, pode ser realizada a radiografia
multidimensional de coluna cervical.2 Os pacientes podem ser
classificados como obtundidos/inacessíveis (se
inconscientes), conscientes e sintomáticos, ou conscientes e
assintomáticos. Neste grupo, não é necessária avaliação
radiológica ou imobilização prolongada, enquanto, nos outros
dois, ambos devem ser realizados.2
Além disso, a redução incruenta pode melhorar o prognóstico
dos pacientes em casos de luxação/subluxação vertebral.
Para pacientes obtundidos/inacessíveis, se possível, deve ser
realizado exame de Ressonância Magnética pré-redução, visto
que seu exame clínico é muito limitado, a fim de descartar
outras causas de acometimento medular, como lesão discal
ou ligamentar.2
Por fim, deve ser realizado um trabalho multiprofissional
durante o período de reabilitação, com ajuda das equipes de
fisioterapia e terapia ocupacional, por exemplo.2
Tabela 2. Escala de Dano do ASIA.

Motricidade Sensibilidade

Ausente abaixo da lesão Ausente abaixo da lesão


Completa
(inclusive nos segmentos (inclusive nos segmentos
(A)
sacrais) sacrais)

Sensitiva Ausente abaixo da lesão Preservada abaixo da lesão


Incompleta (inclusive nos segmentos (inclusive nos segmentos
(B) sacrais) sacrais)
Motricidade Sensibilidade

Preservada abaixo da lesão,


Motora Preservada abaixo da lesão
com mais de 50% dos
Incompleta (inclusive nos segmentos
músculos-chave com força
(C) sacrais)
grau 0-2.

Preservada abaixo da lesão,


Motora Preservada abaixo da lesão
com 50% ou mais dos
Incompleta (inclusive nos segmentos
músculos-chave com força
(D) sacrais)
grau 3-5.

Preservada abaixo da lesão Preservada abaixo da lesão


Normal (E) (inclusive nos segmentos (inclusive nos segmentos
sacrais) sacrais)

Fonte: Adaptada de American Spinal Injury Association.4

O manejo cirúrgico do trauma raquimedular é de suma


importância para um melhor prognóstico, em certos casos.
Contudo, foge ao escopo deste capítulo.

3.5. Considerações Finais


O trauma raquimedular é uma importante causa de morbimortalidade
e incapacidade na população em geral. Por isso, seu diagnóstico e
manejo emergencial devem ser realizados de maneira rápida e eficaz, em
prol do máximo benefício possível para o paciente.

4. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
a) Reconhecer, pelo exame neurológico, as principais síndromes
relacionadas ao trauma raquimedular, bem como sua base
neuroanatômica.
b) Identificar a topografia medular mais provavelmente acometida no
trauma.
c) Conhecer as principais complicações emergenciais relacionadas
ao trauma raquimedular e como manejá-las.
d) Saber avaliar corretamente um paciente com trauma raquimedular
a partir do exame neurológico direcionado.
e) Conhecer o manejo, em linhas gerais, de um paciente com trauma
raquimedular.
5. DICAS PRÁTICAS
a) Sempre considerar o trauma raquimedular em paciente com
história e exame clínico compatível (trauma prévio, síndromes
motora, sensitiva ou autonômica, instabilidade hemodinâmica e
respiratória).
b) Pacientes com lesões acima de C3 costumam ir a óbito no local,
mas nas lesões entre C3 e C5 o paciente ainda pode ser salvo,
apesar do comprometimento respiratório (“C3, C4, C5 keeps men
alive”).
c) O médico deve estar atento à possibilidade do choque medular em
pacientes com paralisia flácida pós-traumática e disfunção
autonômica. Essa condição nunca deve ser confundida com o
choque neurogênico, causado pela lesão medular.
d) A motricidade deve ser avaliada pela função dos músculos-chave,
relacionada a um segmento medular específico. A sensibilidade deve
ser avaliada a partir dos dermátomos, relacionados a um segmento
medular específico. A sensibilidade deve ser sempre avaliada no
sentido caudal-cranial, já que é mais fácil para o paciente dizer
quando começa a sentir o estímulo do que quando começa a não o
sentir. As relações com os segmentos medulares podem ser
pesquisadas e memorizadas por tabelas ou imagens.
e) O reconhecimento do trauma raquimedular e seu manejo devem
ser rápidos e eficazes, devido ao caráter emergencial dessa
condição.

REFERÊNCIAS
1. Rabinstein AA. Traumatic Spinal Cord Injury. Continuum (Minneap Minn). 2018; 24(2, Spinal
Cord Disorders): 551-66.
2. Shank CD, Walters BC, Hadley MN. Current Topics in the Management of Acute Traumatic
Spinal Cord Injury. Neurocrit Care. 2019; 30(2): 261-71.
3. American College of Surgeons. ATLS – Advanced Trauma Life Support for Doctors. 10 ed.
Chicago: American College of Surgeons; 2018.
4. American Spinal Injury Association. International Standards for Neurological Classification
of Spinal Cord Injury, revised 2000. Atlanta, GA: American Spinal Injury Association;
Reprinted 2008.
5. Determinar mecanismos da dor. IepMoinhos. [Internet]. [acesso em 28/01/2021].
Caso 7

Cefaleia e fraqueza
Autor: Franklin de Castro Alves Neto
Orientador: Dr. Paulo Reges O. Lima

1. APRESENTAÇÃO DE CASO
a) Anamnese: mulher, 60 anos, relata cefaleia holocraniana que
piora ao decúbito dorsal e durante o esforço para defecar,
acompanhada de náuseas e vômitos, assim como apresenta grau 7
na escala visual analógica (EVA). Além disso, cita fraqueza em
membro inferior esquerdo. Tanto a cefaleia quanto a fraqueza vêm
piorando progressivamente ao longo de 2 anos. Menciona uso
prévio de anticonceptivos orais (ACO) por 15 anos para manejo de
irregularidades menstruais. Ademais, cita obesidade e nega outras
comorbidades.
b) Exame Físico Geral: pressão arterial de 120 x 75 mmHg,
eupneica, e frequência cardíaca de 62 bpm. Apresenta obesidade
grau I (IMC = 31). Não apresenta febre ou outros sintomas
constitucionais.
c) Exame Neurológico:

• Nível e Conteúdo da Consciência: sem alterações (Escala de


coma de Glasgow = 15 pontos);

• Nervos Cranianos: sem alterações dignas de nota;


• Motricidade: força grau 5 e tônus normal em todos os
membros, exceto no membro inferior esquerdo, o qual exibe
força grau 3 e hipertonia;

• Reflexos: hiper-reflexia (grau 4) nos reflexos patelar e aquileu,


assim como sinal de Babinski no lado esquerdo.
Os exames de coordenação, equilíbrio, marcha, sensibilidade e as
provas de irritação meníngea não mostraram alterações.

2. PARA PENSAR
a) Quais síndromes neurológicas podem ser identificadas no
caso?
b) Que local do sistema nervoso seria responsável pelo quadro
clínico anterior caso fosse lesado?
c) Que nosologia condiz com o quadro apresentado?
d) Quais etiologias são capazes de desencadear o cenário clínico
em questão?
e) Quais sinais e sintomas apontam mais fortemente para o
diagnóstico?
f) Como tratar a paciente?

3. DISCUSSÃO
3.1 Diagnóstico Sindrômico
a) Síndrome do Neurônio Motor Superior: hiper-reflexia,
fraqueza, hipertonia e sinal de Babinski ipsilaterais denotam
uma síndrome do neurônio motor superior/1º neurônio.
b) Síndrome Álgica: relato de cefaleia por parte da paciente.

3.2. Diagnóstico Topográfico


Pelas manifestações indicativas de lesão nos neurônios motores
superiores, direciona-se o raciocínio para uma lesão no córtex
parietal direito, no giro pré-central, provavelmente em sua porção
mais medial, devido à representação somatotópica do membro
inferior esquerdo nesse local. Apesar de a cefaleia indicar causas
secundárias, não é possível, perante múltiplas possibilidades, utilizá-
la para caracterizar o local exato acometido.
Desse modo, a topografia mais provável é em um local adjacente
à porção mais medial do giro pré-central direito.

3.3. Diagnóstico Nosológico (VITAMINDECG)


A presença de sinais preponderantemente focais e o tempo de
evolução do quadro (2 anos) descartam a possibilidade de etiologia
vascular (V), que, geralmente, se desenvolve de modo súbito
(segundos a minutos). Não há histórico traumático (T). A evolução
temporal poderia suportar algumas afecções inflamatórias com uma
evolução mais lenta, como Vasculite Primária do Sistema Nervoso
Central; entretanto, são mais raras e cursam, na maioria dos casos,
de forma subaguda e associadas a um conjunto maior de sintomas.
Não há sinais ou sintomas que indiquem nosologia infecciosa (I) ou
autoimune (A). Apesar da obesidade, não há história prévia nem
sinais ou sintomas clínicos que indiquem desordens metabólicas
(M). A evolução temporal pode fortalecer a hipótese
degenerativa (D), mas o quadro clínico e o histórico da paciente a
tornam menos relevante. Não há sinais, sintomas ou histórico de
manifestações epilépticas (E) e a idade da paciente faz com que
formas congênitas (C) ou genéticas (G) sejam de baixa
probabilidade.
Portanto, considerando a evolução clínica insidiosa e a ausência
de manifestações sugestivas das alternativas previamente citadas, a
nosologia mais provável é a neoplásica (N).

3.4. Diagnóstico Etiológico


Considerando a nosologia neoplásica associada ao curso
insidioso da cefaleia e da fraqueza, é importante pensar nos
tumores primários do sistema nervoso central (SNC), dos quais os
meningiomas são os mais prevalentes. Nesse contexto, também é
importante mencionar que eles são mais presentes em mulheres do
que em homens, assim como têm a obesidade e a terapia com
pílulas contraceptivas como fatores de risco, fatos presentes no
caso em questão. Também cabe ressaltar que os sintomas de
cefaleia e síndrome do neurônio motor superior são bastante
comuns em pacientes com esse tipo de neoplasia, bem como, em
casos de tumores parassagitais, a considerável ocorrência de
paresias em membros contralaterais.1
Desse modo, a principal etiologia é de meningioma.
a) Exames Complementares
A RM de crânio foi realizada sem contraste (apesar da melhor
indicação de seu uso nesses casos),1 devido ao histórico de alergia
a esse tipo de substância posteriormente mencionado pela paciente,
mostrando uma lesão parassagital direita com hipossinal em T1 e
hipersinal em T2 associada a edema vasogênico no parênquima
cerebral adjacente, achados sugestivos de meningioma.1 Ao uso de
contraste com gadolínio, um realce homogêneo do tumor poderia
ser percebido.2
b) Diagnósticos Diferenciais
Dentre outras hipóteses diagnósticas, é possível considerar,
principalmente, tumores fibrosos solitários de SNC, que podem
ocorrer em qualquer órgão ou idade, aparecendo à RM como lesões
extra-axiais; hemangiopericitomas intracranianos, que são bastante
agressivos e exibem altas taxas de recorrência e metástases, além
de poderem ocorrer em idades mais precoces e aparecerem à RM
como lesões heterogêneas e isointensas; gliosarcoma, sendo
considerado uma variante do glioblastoma multiforme e um dos
mais raros tumores do SNC; leiomiosarcoma, usualmente visto em
indivíduos imunocomprometidos, como os infectados pelo HIV;
neurossarcoidose, vista em aproximadamente 5% dos pacientes
com sarcoidose e caracterizada pela presença de granuloma
epitelioide;1 metástases durais, possivelmente originadas de
tumores prostáticos, pulmonares, mamários ou de neuroblastomas
e linfoma não Hodgkin, que também pode afetar os hemisférios
cerebrais.2
c) Tratamento: ressecção cirúrgica total (Simpson grau 1).
O tratamento dos meningiomas varia entre cirurgia, radiação e
observação, podendo ser usadas isoladamente ou em associação,
dependendo da presença ou não de sintomas, do tipo e da
localização do tumor, além de outros fatores que podem afetar a
segurança cirúrgica. As lesões sintomáticas são aquelas que
necessitam de uma abordagem cirúrgica devido ao seu potencial de
crescimento acelerado. Dentro desse cenário, a graduação de
Simpson é usada para medir o grau de recorrência em relação ao
nível de ressecção cirúrgica e varia entre 1 e 5,1 sendo estes,
respectivamente, os graus com menor e maior risco de retorno do
quadro.
Ademais, é importante citar que esses tumores têm uma
classificação da OMS que, perante análises histopatológicas e
epidemiológicas, dita a probabilidade de recorrência, a mortalidade e
a frequência de exames de imagem, com destaque para a RM,
necessária para o seguimento dos pacientes. Os tumores benignos
(grau I) correspondem à maioria dos casos, têm baixa mortalidade e
necessitam de avaliação anual por 5 anos, passando para bianual
após esse período. Os atípicos (grau II) apresentam, ao contrário
dos benignos, atividade mitótica aumentada ou sinais de invasão
cerebral; sobrevida, em 10 anos, de cerca de 53%, e necessitam de
avaliação semestral por 5 anos, passando, após esse intervalo, para
anual. Já os anaplásicos (grau III) possuem atividade mitótica
marcadamente aumentada, sobrevida, em 10 anos, de 0%, apesar de
amplos esforços, e necessitam, por tempo indefinido, de avaliação a
cada 3 a 6 meses.2,3

3.5. Considerações Finais


Os meningiomas, sendo as formas mais comuns de neoplasias
primárias do SNC, merecem atenção do clínico pela possibilidade
de, dentro de um manejo correto, oferecer prognósticos melhores ou
até mesmo curativos aos pacientes acometidos por essa patologia.

4. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
a) Reconhecer os principais sinais e sintomas dos
meningiomas.
b) Introduzir o raciocínio neurológico na prática clínica.
c) Ilustrar a aplicabilidade dos exames complementares na
Neurologia.
d) Mostrar a variabilidade das condutas possíveis em casos
semelhantes ao mostrado.

5. DICAS PRÁTICAS
a) Cefaleias com sinais de alarme para causas secundárias
(caráter progressivo, idade ≥ 50 anos e alteração no exame
neurológico, por exemplo) sempre devem indicar neuroimagem.
Ademais, a progressão da dor juntamente com a neoplasia é
indicativa de uma relação causal entre esta e aquela;4
b) Fatores epidemiológicos relacionados aos meningiomas
podem guiar o raciocínio clínico. Dentre eles é cabível citar:
exposição à radiação ionizante (mais bem estabelecido),
neurofibromatose do tipo 2, assim como outras síndromes
genéticas,3 sexo feminino e uso prolongado de
anticoncepcionais orais;1
c) Individualizar, considerando as terapêuticas possíveis, o
tratamento de cada paciente.

REFERÊNCIAS
1. Alruwaili AA, De Jesus O. Meningioma. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island:
StatPearls Publishing; 2020.
2. Nowosielski M, Galldiks N, Iglseder S, Kickingereder P, Von Deimling A, Bendszus M, et
al. Diagnostic challenges in meningioma. Neuro Oncol. 2017; 19(12): 1588-98.
3. Buerki RA, Horbinski CM, Kruser T, Horowitz PM, James CD, Lukas RV. An overview of
meningiomas. Future Oncol. 2018; 14(21): 2161-77.
4. Olensen J, Bousser M, Diener H, Dodick D, First M, Goadsby PJ, et al. The International
Classification of Headache Disorders, 3. ed. Cephalalgia. 2018; 38(1): 1–211.
Capítulo 3

Síndrome sensitiva
Autores: Franklin de Castro Alves Neto e Fábio Rolim Guimarães
Orientadores: Paulo Ribeiro Nóbrega e Paulo Reges O. Lima

Caso 1. Bota e luva


Caso 2. Mulher jovem com fraqueza nas mãos e alterações de sensibilidade, um
diagnóstico topográfico desafiador
Caso 1

Bota e Luva
Autores: Franklin de Castro Alves Neto
Orientadores: Dr. Paulo Reges O. Lima

1. APRESENTAÇÃO DE CASO
a) Anamnese: homem, 40 anos, mecânico, buscou atendimento
médico com queixas, há 1 ano e meio, de dores em queimação
que pioram ao repouso, além de formigamento em membros
superiores e inferiores. Relata que os sintomas tiveram início
nos dedos dos pés e progrediram até a altura dos joelhos.
Depois, há 6 meses, as mesmas manifestações acometeram os
dedos das mãos e se distribuíram em direção proximal até o
antebraço. Ademais, nega história de etilismo e cita história
prévia de 4 anos de diabetes mellitus do tipo II.
b) Exame Físico Geral: pressão arterial de 122 x 80 mmHg,
eupneico e frequência cardíaca de 67 bpm. Não apresenta febre
ou outros sintomas constitucionais.
c) Exame Neurológico: reflexos aquileus abolidos
bilateralmente, além de hipoestesia térmica e dolorosa,
hipopalestesia e anartrestesia em padrão de “bota e luva”, assim
como marcha talonante. Não apresenta outros achados
relevantes.

2. PARA PENSAR
a) Quais síndromes neurológicas podem ser identificadas no
caso?
b) Que local do sistema nervoso seria responsável pelo quadro
clínico acima caso fosse lesado?
c) Que nosologia condiz com o quadro acima?
d) Quais etiologias são capazes de desencadear o cenário
clínico em questão?
e) Quais sinais e sintomas apontam mais fortemente para o
diagnóstico?
f) Como tratar o paciente?

3. DISCUSSÃO
3.1. Diagnóstico Sindrômico
a) Síndrome Sensitiva (Superficial e Profunda): déficits das
sensibilidades térmica, dolorosa (superficial), proprioceptiva e
vibratória (profunda);
b) Síndrome Álgica: relato de dor em queimação por parte do
paciente;
c) Síndrome do Neurônio Motor Inferior: arreflexia bilateral no
teste do reflexo aquileu.
d) Síndrome Atáxica: evidenciada pela marcha talonante.

3.2. Diagnóstico Topográfico


Inicialmente, pode-se pensar na hipótese de nervos periféricos
devido à ausência de manifestações associadas que indiquem
acometimento medular (nível sensitivo, alterações esfincterianas,
sinais piramidais etc.). Depois, observa-se que há comprometimento
exclusivamente sensitivo. Neste caso, há o acometimento tanto das
fibras sensitivas finas (sensibilidade térmica e dolorosa) como das
fibras sensitivas grossas (propriocepção e sensibilidade vibratória).
Isso não exclui a possibilidade de acometimento dos nervos
periféricos mais distais, como os presentes nos membros, já que
fibras sensoriais e motoras, apesar da proximidade anatômica
nessas estruturas, podem ser acometidas em intervalos de tempo
diferentes dentro de um mesmo quadro.
Portanto, a topografia mais provável é nos nervos periféricos
(com preferência inicial por fibras sensitivas).

3.3. Diagnóstico Nosológico (VITAMINDECG)


O tempo de evolução do quadro (1 ano e meio) descarta a
possibilidade de etiologia vascular (V), que, geralmente, se
desenvolve de modo súbito (segundos a minutos). Não há histórico
traumático (T). Não há sinais ou sintomas que indiquem nosologia
infecciosa (I) ou autoimune (A). A localização mais difusa e a falta
de manifestações associadas, como a síndrome consumptiva,
tornam neoplasia (N) pouco provável, apesar de o tempo ser
condizente. A evolução temporal pode fortalecer a hipótese
degenerativa (D), mas o quadro clínico e o histórico do paciente a
tornam menos relevante. Não há sinais, sintomas ou histórico de
manifestações epilépticas (E) e a idade do paciente faz que formas
congênitas (C) ou genéticas (G) sejam de baixa probabilidade.
Portanto, perante a história patológica pregressa, o tempo e o
quadro clínico, pensa-se na nosologia metabólica (M) como a mais
provável.

3.4. Diagnóstico Etiológico


Diante das manifestações clínicas, como início distal e simétrico,
indicando polineuropatia dependente de comprimento, reflexos
aquileus abolidos bilateralmente e diabetes mellitus do tipo 2, a
etiologia mais provável é a polineuropatia simétrica distal (PSD)
associada ao DM.
a) Exames Complementares
Coleta de sangue realizada na admissão mostrou HbA1c de 9,1%,
triglicerídeos de 200 mg/dL e HDL de 28 mg/dL. Hemograma,
vitaminas B1 e B12, anti-HIV, eletrólitos, funções renal, hepática e
tireoidiana normais.
b) Outros Tipos de Neuropatia Diabética e Diagnósticos
Diferenciais
Algumas variantes de neuropatia diabética e diagnósticos
diferenciais merecem destaque. Para isso, primeiramente, devem
ser enunciados indicadores clínicos que podem auxiliar no
direcionamento durante esse processo: manifestações agudas ou
subagudas, predomínio motor dos sinais e/ou sintomas e
assimetria, que afastam PSD.1
A neuropatia diabética tem a PSD como sua variante mais
comum, podendo até mesmo ser a apresentação de um paciente
com DM não diagnosticada.2 Todavia, pode se apresentar de várias
maneiras, inclusive com sobreposição de formas clínicas.3 Outro
padrão que merece destaque é a neuropatia autonômica, que pode
causar sintomas cardiovasculares (hipotensão ortostática,
taquicardia de repouso, intolerância ao exercício), oferecendo
grande risco aos pacientes, transtornos de motilidade
gastrointestinal ou disfunção erétil. Além disso, cabe ressaltar as
mononeuropatias múltiplas, cujo diagnóstico diferencial mais
importante é o das vasculites sistêmicas; radiculoplexopatias
lombossacral ou cervical, também conhecidas como amiotrofia
diabética; neuropatias desmielinizantes, com destaque para a
polirradiculoneuropatia desmielinizante inflamatória crônica (PDIC),
que apresenta aumento proteico e celularidade normal ao exame do
líquor, assim como curso mais insidioso; e as neuropatias cranianas,
sendo importante lembrar que a DM é a causa mais comum de
paralisia do NC IV.2
Dentre outras hipóteses diferenciais, é possível citar: neuropatia
alcoólica, intoxicações exógenas, neuropatias genéticas, neoplasias,
deficiência de vitamina B12, amiloidose, sarcoidose e gamopatias
monoclonais.1
c) Tratamento: mudanças de estilo de vida (prescrição dietética,
atividade física).
Enquanto não existem medicamentos modificadores da doença
com eficácia assegurada, a adoção de um padrão de vida mais
saudável é necessária para a melhora do quadro neuropático, além
de prevenir outras complicações futuras decorrentes da diabetes.
Ademais, o tratamento farmacológico sintomático pode ser
introduzido por meio de antidepressivos tricíclicos (amitriptilina ou
nortriptilina), inibidores seletivos de recaptação da serotonina ou da
noradrenalina (duloxetina ou venlafaxina) ou antiepilépticos
bloqueadores do canais de cálcio voltagem-dependentes
(gabapentina ou pregabalina).1,2,4 Cabe ressaltar que esses
medicamentos devem ser introduzidos mediante avaliação e
acompanhamento clínicos do paciente devido aos possíveis efeitos
adversos.

3.5. Considerações Finais


A diabetes mellitus, cada vez mais presente no mundo, merece
atenção devido ao grande impacto que pode trazer à qualidade de
vida de seus portadores. No que tange às neuropatias relacionadas
a essa doença, é necessário que o clínico seja capaz de detectar e
tratar adequadamente suas principais variantes, como a PSD ou a
neuropatia autonômica, para que os pacientes sejam manejados
com qualidade.

4. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
a) Reconhecer os principais sinais e sintomas da forma mais
comum de neuropatia diabética (PSD);
b) Introduzir o raciocínio neurológico na prática clínica;
c) Ilustrar a aplicabilidade dos exames complementares na
Neurologia;
d) Considerar, frente à ampla variabilidade das neuropatias, os
principais diagnósticos diferenciais do quadro em questão;
e) Conhecer as maneiras de tratar os pacientes com quadro
semelhante ao enunciado.

5. DICAS PRÁTICAS
a) Buscar detalhar ao máximo a progressão dos sintomas na
descrição da história clínica.
b) Sempre atentar para histórico prévio de diabetes mal
controlada e/ou síndrome metabólica em pacientes com
queixas de polineuropatia sensitiva.
c) Suspeitar de outras etiologias com quadro clínico
semelhante, as quais devem ser descartadas mediante exames
complementares.
d) Suscitar, prioritariamente, mudanças no estilo de vida do
paciente.

REFERÊNCIAS
1. Feldman EL, Callaghan BC, Pop-Busui R, Zochodne DW, Wright DE, Bennett DL, et al.
Diabetic neuropathy. Nat Rev Dis Primers. 2019; 5(1): 1-8.
2. Russel JW, Zilliox LA. Diabetic Neuropathies. Continuum. 2014; 20(5 Peripheral
Nervous System Disorders): 1226–40.
3. Nascimento OJ, Pupe CC, Cavalcanti EB. Diabetic Neuropathy. Rev Dor. 2016; 17(Suppl
1): S46-51.
4. Ardeleanu V, Toma A, Pafili K, Papanas N, Motofei I, Diaconu CC, et al. Current
Pharmacological Treatment of Painful Diabetic Neuropathy: A Narrative Review.
Medicina (Kaunas). 2020; 9; 56(1): 25.
Caso 2

Mulher jovem com fraqueza nas


mãos e alterações de sensibilidade,
um diagnóstico topográfico
desafiador
Autor: Fábio Rolim Guimarães
Orientador: Dr. Paulo Ribeiro Nóbrega

1. APRESENTAÇÃO DE CASO
CLÍNICO
a) Anamnese: Mulher, 26 anos, queixa-se de “fraqueza
progressiva em mãos há 2 meses”. Essa fraqueza é mais
intensa à direita e afeta substancialmente seu desempenho no
trabalho de empregada doméstica. No último mês, apresentou
também episódios recorrentes de “sensações de choque”
dolorosas que acometem o pescoço, se irradiando para membro
superior direito. Além disso, afirma que há 9 meses começou a
sentir dor no pescoço e “formigamentos” em membros
superiores. Relata, ainda, que há mais de 5 anos possui cefaleia
diária em região suboccipital que piora ao tossir e ao esforço
físico.
b) Exame físico geral: Pressão arterial 130 x 80 mmHg em
decúbito. Ausência de febre e de outros sintomas
constitucionais.
c) Exame neurológico: Atrofia de músculos intrínsecos da mão
bilateralmente. Hipotonia de MMSS de predomínio distal. Força
grau III distal em MS direito e força grau IV – distal em MS
esquerdo. Hiporreflexia (+) distal em MMSS. Hiper-reflexia (+++)
em MMII ao teste do reflexo patelar. Reflexo cutâneo-plantar
extensor (sinal de Babinski) bilateralmente. Anestesia térmico-
dolorosa em membros superiores e pescoço (dermátomos C3-
T2) com sensibilidade profunda preservada (perda sensorial
dissociada). O restante do exame neurológico encontra-se
normal.

2. PARA PENSAR
a) Quais síndromes neurológicas o paciente manifesta?
b) Qual a topografia da lesão? Quais achados do exame
neurológico são fundamentais para se pensar nessa topografia?
c) Quais os principais diagnósticos diferenciais para o caso?

3. DISCUSSÃO
3.1. Diagnóstico Sindrômico
a) Síndrome do Neurônio Motor Inferior: caracterizada pela
fraqueza, hiporreflexia, hipotonia e atrofia distal em membros
superiores.
b) Síndrome do neurônio motor superior: notada pela hiper-
reflexia em membros inferiores e pelo sinal de Babinski.
c) Síndrome Sensitiva (superficial): evidenciada pela perda da
sensibilidade térmico-dolorosa em membros superiores e
pescoço (“distribuição em capa”).
d) Síndrome Álgica: “sensações de choque”, dor no pescoço e
cefaleia.

3.2. Diagnóstico Topográfico


Topografia medular central em medula cervical
O raciocínio neurológico para se pensar nessa topografia lesional
se fundamenta no acometimento segmentar bilateral da
sensibilidade superficial (térmica e dolorosa) com a preservação da
sensibilidade profunda. Os neurônios que carreiam a informação
referente à sensibilidade térmico-dolorosa na medula se originam no
corno posterior da medula, atravessam a linha mediana por meio da
comissura branca e fletem-se cranialmente no funículo lateral para
formar o trato espinotalâmico lateral. Por outro lado, os neurônios
de primeira ordem que carreiam a sensibilidade profunda adentram
a medula e fletem-se cranialmente no funículo posterior
ipsilateralmente. Portanto, uma lesão central na medula tende a
afetar bilateralmente as fibras da sensibilidade superficial que
decussam através da comissura branca, poupando a sensibilidade
profunda. Outras estruturas medulares que se localizam próximo ao
centro da medula são o corno anterior da medula e o trato
corticoespinhal. A lesão dessas estruturas causa, respectivamente,
síndrome do neurônio motor inferior e síndrome do neurônio motor
superior. Ressalte-se, ainda, a possibilidade de localizar o nível
medular da lesão apenas por meio do exame clínico. O território
dermatômico de perda sensorial térmico-dolorosa em membros
superiores, pescoço e porção superior do tronco corrobora a
topografia lesional de medula cervical e torácica superior.
A fraqueza de predomínio nos membros superiores é também um
achado sugestivo de lesão medular central cervical, uma vez que
essa lesão tende a poupar os neurônios motores superiores da via
piramidal responsáveis pela motricidade dos membros inferiores, os
quais se localizam mais superficialmente no trato corticoespinhal.
Pode haver hiper-reflexia em membros inferiores por acometimento
leve do trato corticoespinhal.1,4

3.3. Diagnóstico Nosológico


O quadro insidioso, a ausência de sintomas constitucionais,
como febre e mal-estar, e o histórico inexistente de traumas e
cirurgias são fatores que afastam causas vasculares, infecciosas,
iatrogênicas e traumáticas. Dessa forma, teríamos causas
neoplásicas, congênitas, degenerativas e autoimunes como
diagnósticos mais prováveis para o caso.

3.4. Diagnóstico Etiológico e Diferencial


Siringomielia associada à malformação de Chiari tipo 1
Considerando a topografia da lesão e os possíveis diagnósticos
nosológicos, a Ressonância Magnética cervical se tornou um exame
fundamental para o estabelecimento do diagnóstico etiológico.1
Entre os principais diagnósticos diferenciais para o caso, estão:

• Espondilose cervical.
• Tumores intramedulares, como hemangioblastomas,
ependimomas e gliomas.

• Neuromielite óptica.
• Doenças do neurônio motor, como esclerose lateral
amiotrófica, diplegia braquial amiotrófica e doença de
Hirayama. A presença de sintomas sensitivos fala contra essa
possibilidade diagnóstica.
a) Exames complementares:

• Hemograma, glicemia, eletrólitos, função renal, hepática e


tireoidiana, vitamina B1 e B12: normais.

• Ressonância Magnética de coluna cervical: T2 revela


hiperintensidade medular central nos níveis de C3-T2,
compatível com siringomielia. Tonsila cerebelar encontra-se
herniada, se estendendo a 0,7 cm abaixo do forame magno.
b) Tratamento e desfecho: Visando à melhora da dinâmica de
fluxo do líquor, a qual está relacionada com a fisiopatologia da
siringomielia, foi optado pelo tratamento cirúrgico, com
craniectomia suboccipital, laminectomia de C1, duroplastia e
remoção de aderências aracnoideas presentes. Um ano após a
cirurgia, o paciente melhorou parcialmente sinais e sintomas.

3.5. Considerações Finais


A siringomielia é um distúrbio da circulação do líquor que se
caracteriza pela formação de uma cavidade intramedular preenchida
por líquido. A fisiopatologia da siringomielia não está plenamente
estabelecida, apesar de existirem teorias para explicar sua origem.
A doença mais comumente associada à siringomielia cervical é a
malformação de Chiari tipo I. A apresentação clínica da siringomielia
é bastante variável. Apesar de o prognóstico pós-cirúrgico não ser
muito favorável, o tratamento precoce se torna importante em casos
com disfunção neurológica a fim de evitar maiores déficits.2,3,4

4. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
a) Entender as principais manifestações neurológicas de uma
lesão medular central.
b) Conhecer diagnósticos diferenciais possíveis diante de uma
lesão medular central.

5. DICAS PRÁTICAS
a) Perda sensorial dissociada (hipoestesia térmico-dolorosa
com sensibilidade profunda preservada) em uma “distribuição
em capa” (membros superiores, pescoço e parte superior do
tórax) incita o raciocínio topográfico de uma lesão medular
central cervicotorácica.
b) A fraqueza em mãos da siringomielia é tipicamente
assimétrica, sendo uma mão mais gravemente acometida que a
outra. Isso ocorre devido à assimetria da siringe.
c) O padrão de cefaleia associado à malformação de Chiari tipo
1 é de uma cefaleia occipital ou subocciptal que piora com a
tosse e/ou manobra de Valsalva.
d) O sinal de Lhermitte, sensações de choque na coluna cervical
e/ou torácica que se irradiam para os membros e que são
precipitadas pela movimentação do pescoço, pode estar
presente em pacientes com malformação de Chiari tipo 1. Esse
sinal é classicamente descrito em pacientes com esclerose
múltipla.

REFERÊNCIAS
1. Hart D. Syringomyelia. In: Daroff R, AminoffM. (eds.). Encyclopedia of the Neurological
Sciences. 2th ed. Philadelphia: Elsevier; 2014. P. 378-81.
2. Langridge B, Phillips E, Choi D. Chiari Malformation Type 1: A Systematic Review of
Natural History and Conservative Management. World Neurosurg. 2017; 104: 213-9.
3. Sharma M, Coppa N, Sandhu F. Syringomyelia: A Review. Seminars in Spine Surgery.
2006; 18(3): 180-4.
4. Sternberg M, Gunter M. Syringomyelia. J Emerg Med. 2017; 3(2): e31-e2.
Capítulo 4

Síndrome Autonômica
Autoras: Amanda Colaço Morais Teixeira e Milena Vieira Madeira
Orientador: Paulo Ribeiro Nóbrega

Caso 1: Disfunção vesical


Caso 2: Dormência e fraqueza nos membros inferiores associadas
a um acometimento visual e esfincteriano
Caso 1

Disfunção Vesical
Autora: Amanda Colaço Morais Teixeira
Orientador: Dr. Paulo Ribeiro Nóbrega

1. APRESENTAÇÃO DE CASO CLÍNICO


a) Anamnese: homem, 40 anos, procurou atendimento neurológico com queixas de
retenção fecal, problemas eréteis e falta de sensibilidade na região do períneo há dois
dias. Além disso, relatou dificuldade em iniciar voluntariamente a micção. Foi
questionado acerca de ardência ou dor ao urinar e uso de medicações, mas negou a
existência dos três. Contou também que trabalha com empresa de mudanças
domiciliares e que lida com dor crônica na lombar.
b) Exame físico geral: pressão arterial 120 x 80 mmHg, frequência cardíaca de 80
bpm e ausculta pulmonar normal. Ausência de febre.
c) Exame neurológico: ausência dos reflexos patelar e aquileu. Abolição dos reflexos
bulboesponjoso e anal. Reflexos cutâneo-abdominais presentes. Reflexo cutâneo-
plantar normal. Hipoestesia nas nádegas e nas regiões perineal e posterior proximal
das coxas. Sem manifestação de fraqueza muscular.

2. PARA PENSAR
a) Quais os mais prováveis diagnósticos sindrômico, topográfico, nosológico e
etiológico?
b) Qual informação é chave na história clínica relatada pelo paciente?
c) Quais fatores externos podem ter contribuído para o quadro?
d) Quais os principais diagnósticos diferenciais?

3. DISCUSSÃO
3.1. Diagnóstico Sindrômico
a) Síndrome do Neurônio Motor Inferior: caracterizada por arreflexia.
b) Síndrome Autonômica: marcada por disfunção vesical, evacuatória e/ou erétil.
c) Síndrome Sensitiva: representada pela hipoestesia.

3.2. Diagnóstico Topográfico


Topografia: cauda equina/raízes nervosas.
A presença de disfunção vesical, evacuatória ou erétil constitui um forte indicativo de
acometimento medular. Porém, a ocorrência de arreflexia aponta para um acometimento de
neurônio motor inferior, de forma que se pode pensar, então, em uma lesão das raízes
nervosas da cauda equina. Relembre que, por diferença no ritmo de crescimento entre a
medula e a coluna vertebral, a primeira termina antes da segunda, no nível da segunda
vértebra lombar, levando à formação de uma estrutura que é composta pelas meninges e
raízes nervosas dos últimos nervos espinhais (L2-L5, S1-S5 e nervo cocígeo), a qual se
estende longitudinalmente, além do término da medula, em direção aos respectivos
forames intervertebrais e órgãos-alvo: a cauda equina.1 Isso explica as alterações geradas
nos tendões aquileu (cujo reflexo é mediado por S1) e patelar (mediado pelo nervo femoral:
L2-L4), no esfíncter anal externo e no músculo bulboesponjoso, cujos respectivos reflexos
foram abolidos, na micção, por retenção urinária, e na sensibilidade das nádegas, da
porção posterior da coxa e do períneo, pois as raízes lombares e sacrais componentes da
cauda equina são responsáveis pela inervação dessas regiões.2-4

3.3. Diagnóstico Nosológico


Nosologia degenerativa
A história clínica de dor crônica na coluna lombar, combinada com a informação de que
há exercício, por parte do paciente, de uma profissão caracterizada por esforço repetitivo,
indica a presença de uma degeneração progressiva nessa região, com possível desgaste
de disco intervertebral e projeção de núcleo pulposo (hérnia de disco).

3.4. Diagnóstico Etiológico e Diferencial

Radiculopatia Compressiva: mais especificamente, síndrome da cauda equina,


secundária a hérnia discal.
A síndrome da cauda equina é caracterizada por “anestesia em sela”, ou seja, perda de
sensibilidade na região do períneo e da região proximal da coxa por disfunções vesicais,
urogenitais e retais e por redução ou abolição dos reflexos dos membros inferiores (que
podem também apresentar fraqueza).4 Nesse contexto, vale destacar que, no caso clínico
apresentado, houve desenvolvimento de um quadro de bexiga neurogênica, distúrbio do
controle vesical secundário a doenças que acometem a inervação central ou periférica da
bexiga e dos seus esfíncteres. Como o capítulo é voltado para esse quadro, vamos focar
nossa discussão, a partir de agora, nesse distúrbio.
A diurese é dividida em fase de enchimento e fase de micção. Na fase de enchimento, o
músculo detrusor da bexiga encontra-se relaxado, de maneira que haja armazenamento de
urina sem aumento de pressão e sem extravasamento retrógrado para ureteres e rins. Além
disso, nervos de T11 a L2 mantêm o músculo esfíncter interno contraído. Quando há
aumento na pressão vesical, receptores na parede da bexiga são estimulados, gerando
impulsos para os nervos de S2 a S4, que iriam compor um arco reflexo visando à contração
do detrusor. Porém, o “centro pontino da micção” inibe esse arco reflexo a partir de vias
corticopontinas advindas dos lobos frontais. Quando, por outro lado, encontra-se sob alta
estimulação, por grande aumento no volume vesical, o centro pontino deixa de exercer
controle inibitório e, em vez disso, gera impulsos estimulatórios para os nervos sacrais
parassimpáticos, que promovem a contração do detrusor e o relaxamento do esfíncter
interno. A regulação da micção é feita, em última instância, pelo esfíncter externo, cujo
relaxamento é controlado voluntariamente por uma via que passa por neurônios vindos da
medula sacral.5,6
As manifestações no controle diurético vão depender da topografia da lesão. Lesões
que acometem regiões suprapontinas, como Esclerose Múltipla, Doença de Parkinson e
acidente vascular cerebral, resultam em redução do controle cortical sobre o “centro
pontino da micção”. Consequentemente, ocorre incontinência urinária por falha na inibição
do arco reflexo da micção. Esse quadro é chamado de “bexiga não inibida”.5,6
Já lesões que acometem a medula suprassacral são caracterizadas pela denominada
“bexiga reflexa”. Nesse caso, impede-se a chegada dos estímulos inibitórios do centro
pontino aos nervos parassimpáticos sacrais, de maneira que o arco reflexo e a
consequente micção ocorrem precocemente e de forma involuntária. Vale salientar ainda
que, no quadro de “bexiga reflexa”, pode ocorrer a dissinergia vesicoesfincteriana, pois,
enquanto há contração precoce do detrusor pelo mecanismo já explorado, ocorre
hipertonia dos músculos do assoalho pélvico (entre eles, o do esfíncter externo) por
síndrome do neurônio motor superior. Desse modo, em vez de incontinência, há
manifestação de retenção urinária, pela oposição entre a ação dos músculos vesical e
esfincteriano. A retenção urinária pode evoluir, ainda, para “incontinência por
transbordamento” associada à dificuldade de iniciar a micção voluntariamente.5,6
Por último, em casos de acometimento da medula sacra, da cauda equina ou dos
nervos pélvicos, há comprometimento da inervação parassimpática do detrusor e, assim,
de sua contração para micção, resultando na chamada “bexiga autônoma”. É importante
mencionar, porém, que geralmente o detrusor não se torna totalmente atônico, pelo fato de
haver, ainda, pequena estimulação dos neurônios pós-ganglionares sobre a bexiga, mesmo
que de maneira esparsa e insuficiente. Há manifestação, consequentemente, de retenção
urinária por arreflexia do detrusor. A incontinência pode ocorrer quando há concomitante
acometimento da inervação dos esfíncteres, de maneira que mesmo a contração esparsa e
insuficiente da bexiga é capaz de eliminar a urina em pequenas quantidades.5,6
Vale ressaltar que, além da ‘“bexiga não inibida”, da “bexiga reflexa”, da dissinergia
vesicoesfincteriana e da “bexiga autônoma”, existem formas menos comuns de bexiga
neurogênica, como a “bexiga paralítico-sensitiva” e a “bexiga paralítico-motora”.
É essencial compreender que nem todo quadro de incontinência ou retenção urinária
consiste em bexiga neurogênica. A incontinência, por exemplo, pode ser causada por
período gestacional, por infecções urinárias ou por uso de determinados medicamentos.5 A
retenção, por outro lado, pode ser causada por aumento prostático, enfraquecimento
muscular ou obstrução por cálculos renais.
O tratamento da bexiga neurogênica consiste no uso de antimuscarínicos no caso de
hiperatividade detrusora, de maneira que seja gerada dificuldade de ligação da acetilcolina
com seu receptor muscarínico, interação que provocaria a contração da bexiga e a micção,
nesse caso, descontrolada. Já o cateterismo intermitente é empregado em casos de
retenção urinária e resíduo miccional alto, de maneira a evitar hidronefrose, insuficiência
renal e infecções.5
a) Exames complementares:
Hemograma, glicemia, eletrólitos, vitamina B1 e B12: normais.
Exame de tira de teste de urina: sem alterações patológicas.
Exame de cateterismo urinário: grande volume residual pós-micção.
Exame de ressonância magnética: deslocamento de núcleo pulposo entre a quarta e
quinta vértebras lombares com compressão de raízes da cauda equina.
b) Diagnóstico: Radiculopatia compressiva, mais especificamente síndrome da cauda
equina, secundária à hérnia discal L4-L5.
c) Tratamento e desfecho: foi realizada uma cirurgia urgente de descompressão da
cauda equina. Além disso, para aliviar a retenção urinária persistente após a cirurgia, foi
recomendada a realização de cateterismo intermitente.

3.5. Considerações Finais


O domínio do conteúdo concernente à bexiga neurogênica, incluindo inervação de
controle, topografia neurológica, causas e diagnósticos diferenciais, é fundamental para
seu diagnóstico e tratamento precoces, de maneira a propiciar a melhor conservação das
funções vesicais, a evitar lesões do trato urinário e a melhorar ao máximo a qualidade de
vida do paciente acometido.

4. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
a) Compreender o papel da inervação nas fases de enchimento e micção.
b) Entender que a bexiga neurogênica é secundária a lesões que podem ocorrer nos
diversos níveis do sistema nervoso.
c) Associar o tipo de bexiga neurogênica à topografia da lesão.

5. DICAS PRÁTICAS
a) A diurese é formada pelas fases de enchimento (estímulo simpático) e micção
(estímulo parassimpático).4,5
b) A bexiga neurogênica tem diversas causas: Doença de Parkinson, acidente
vascular cerebral, esclerose múltipla, injúria medular, hérnia de disco, entre outras.5
c) A bexiga neurogênica tem diversas formas de apresentação, a depender da
topografia da lesão: bexiga não inibida (acometimento suprapontino), bexiga reflexa e
dissinergia vesicoesfincteriana (acometimento na medula suprassacral), e bexiga
autônoma (acometimento sacral).5
d) O tratamento pode ser feito com cateterismo intermitente e/ou uso de fármacos
como antimuscarínicos, a depender do tipo de bexiga neurogênica e de seus
sintomas.4
REFERÊNCIAS
1. Machado A, Haertel LM. Neuroanatomia Funcional. 3. ed. São Paulo: Editora Atheneu; 2013. Parte 4, Anatomia
Macroscópica da Medula e seus Envoltórios; p 37.
2. Figliuzzi A, Alvarez R, Al-Dhahir MA. Achilles Reflex. In: StatPearls. Treasure Island: Stat Pearls [internet]; jul
2020.
3. Dydyk AM, Ngnitewe MR, Mesfin FB. Disc Herniation. In: StatPearls. Treasure Island: StatPearls Publishing
[internet]; nov 2020.
4. Tarulli AW. Disorders of the cauda equina. Continuum (Minneap Minn). 2015; 21(1): 146-58.
5. Cooley LF, Kielb S. A Review of Botulinum Toxin A for the Treatment of Neurogenic Bladder. PM R. 2019; 11(2):
192-200.
6. Nitrini R, Bacheschi LA. A neurologia que todo médico deve saber. 3. ed. São Paulo: Editora Atheneu; 2015.
Parte 1, Princípios Fundamentais; p. 30-3.
Caso 2

Dormência e fraqueza nos membros


inferiores associadas a um
acometimento visual e esfincteriano
Autora: Milena Vieira Madeira
Orientador: Dr. Paulo Ribeiro Nóbrega

1. APRESENTAÇÃO DE CASO
a) Anamnese: Mulher, 28 anos, previamente hígida, chega à
consulta com um quadro de “dormência e fraqueza” nos
membros inferiores, sem fatores de melhora, iniciado há 1 mês.
Além disso, relata dificuldade para evacuar, 2 episódios de
incontinência urinária desde o início dos sintomas motores e
sensitivos. A paciente também relata amaurose em olho
esquerdo, associada a dor periorbital, que piora à
movimentação ocular. Nega história familiar de quadro
semelhante.
b) Exame físico geral: Pressão arterial 120 x 80 mmHg.
Ausência de febre e outros sintomas constitucionais.
c) Exame neurológico: Amaurose em olho esquerdo, sem
alterações na acuidade ou campimetria do olho direito. Defeito
pupilar aferente relativo (pupila de Marcus-Gunn) à esquerda.
Exame de fundoscopia revelou atrofia do nervo óptico à
esquerda. Sem alterações nos demais nervos cranianos. Força
grau III em MMII e grau V nos MMSS. Hipertonia e reflexos
exaltados em MMII, com reflexo cutâneo-plantar em extensão
(Sinal de Babinski). Hipoestesia tátil, dolorosa e proprioceptiva,
com nível sensitivo em T5.

2. PARA PENSAR
a) Qual seria o raciocínio diagnóstico (sindrômico, topográfico,
nosológico e etiológico) do caso descrito?
b) Qual síndrome é bastante característica para o diagnóstico
dessa entidade clínica?
c) Existem variantes clínicas para esse diagnóstico?
d) Quais importantes diagnósticos diferenciais devem ser
considerados?

3. DISCUSSÃO
3.1. Diagnóstico Sindrômico
a) Síndrome Autonômica: Incontinência urinária e retenção
fecal.
b) Síndrome do Neurônio Motor Superior ou Síndrome do
Primeiro Neurônio Motor: Paresia espástica em MMII, com
hiper-reflexia e com sinal de Babinski.
c) Síndrome Sensitiva: Hipoestesia superficial e profunda com
nível sensitivo em T5.
d) Síndrome de Nervos Cranianos: Amaurose, alteração do
reflexo fotomotor e atrofia do nervo óptico à esquerda.
Acometimento do nervo óptico esquerdo.

3.2. Diagnóstico Topográfico


O raciocínio para esse tópico está relacionado com as regiões
envolvidas nas síndromes. Dessa forma, na síndrome do neurônio
motor superior, temos a região do encéfalo até a medula como
topografia para estabelecer. A fraqueza apenas nos membros
inferiores e a presença de nível sensitivo nos direciona a pensar em
acometimento medular, sendo um ponto-chave para estabelecer a
topografia. Além disso, há no quadro retenção fecal e incontinência
urinária, corroborando nossa hipótese de acometimento medular.

3.3. Diagnóstico Nosológico


Provavelmente autoimune.
A evolução aguda do quadro clínico não é consistente com uma
possível etiologia vascular, que se apresentaria com uma evolução
súbita (em poucas horas), nem degenerativa nem tumoral, as quais
se apresentariam de modo mais gradual. Devido à idade da
paciente, uma doença congênita seria menos provável e a ausência
de fatores indicativos de iatrogenia, intoxicação ou trauma na
história é desfavorável a tais hipóteses. Os principais diagnósticos
nosológicos a serem considerados seriam: infeccioso ou autoimune.

3.4. Diagnóstico Etiológico e Diferencial


Para casos de pacientes que apresentam sintomas de neurite
óptica, mielite transversa ou sintomas além do nervo óptico e da
medula espinhal (por exemplo, síndrome de área póstrema) de
provável etiologia desmielinizante, os diagnósticos mais prováveis
são Esclerose Múltipla ou Neuromielite Óptica (NMO).¹ A evolução
grave da neurite óptica com amaurose e o acometimento
longitudinal extenso da medula sugerem a maior probabilidade de
NMO. A positividade do anticorpo antiaquaporina-4, apesar de não
ser necessária, reforça o diagnóstico nesse caso.
O transtorno do espectro NMO é um distúrbio que afeta o
sistema nervoso central. Antes era considerado relacionado à
esclerose múltipla, mas hoje se sabe que ambos possuem
diagnóstico e fisiopatologia distintos.
As manifestações clínicas estão relacionadas com o local
acometido. Dessa forma, os sintomas associados à mielite
transversa, por exemplo, podem se apresentar como episódios de
alteração de sensibilidade, fraqueza, comprometimento do intestino
ou da bexiga, além de espasmos tônicos, que são episódios com dor
e flexão involuntária, geralmente durando menos de minuto e
causados por movimentos. Já os episódios de neurite óptica em
NMOSD tendem a ser mais graves, bilaterais e possuem uma
recuperação menor. Também pode haver manifestações
relacionadas à síndrome de área póstrema, que são principalmente
náuseas e vômitos com ou sem a presença de soluços, que podem
ocorrer como a primeira manifestação do caso e podem aparecer
isoladamente. Além disso, a síndrome do tronco cerebral pode
ocorrer com frequência em distúrbios do espectro NMO.
Uma grande parcela dos pacientes segue um curso recidivante
em que pode haver ataques graves, resultando em déficits
permanentes, mesmo havendo período de remissão.¹
O exame para AQP4-IgG não é necessário para o diagnóstico,
correspondendo a uma soropositividade em torno de 70% dos
pacientes com esta síndrome.
O tratamento do NMOSD é dividido em tratamento de ataque
agudo e tratamento de manutenção (prevenção de ataque). Dessa
forma, o primeiro é feito com corticosteroides em altas doses (1000
mg IV de metilprednisolona diariamente por 5 dias). Além disso,
também são indicadas cinco a sete sessões de plasmaférese.
A terapia de manutenção é de suma importância para a prevenção
de novos ataques. Os objetivos do tratamento são prevenir recaídas
e, ao mesmo tempo, diminuir os efeitos colaterais. Os três
medicamentos mais utilizados são azatioprina, micofenolato de
mofetil e rituximabe. A questão da troca da imunoterapia de
manutenção surge se ocorrer refratariedade da doença ou se
ocorrerem efeitos colaterais graves intoleráveis.
a) Exames complementares:

• Hemograma, glicemia, eletrólitos, função renal, hepática e


tireoidiana, vitamina B1 e B12: normais

• Ressonância magnética de medula torácica: Hiperintensidade


em T2 em toda a secção transversal da medula de T2 a T6.

• Ressonância magnética de crânio: Nervo óptico esquerdo


hiperintenso em T2 em toda sua extensão.
• Antiaquaporina-4: positivo.
b) Tratamento e desfecho: Paciente recebeu inicialmente
pulsoterapia com metilprednisolona durante 5 dias e cinco
sessões de plasmaférese. Após alguns dias, houve pequena
melhora do quadro, com recuperação parcial da visão à
esquerda, com acuidade visual graduada em 20/70. Além disso,
a paciente teve recuperação parcial da força em MMII (grau IV)
e recuperação total da função intestinal e do controle do
esfíncter vesical.

3.5. Considerações Finais


A NMO é uma doença desmielinizante do Sistema Nervoso
Central grave, cujo diagnóstico diferencial principal é a Esclerose
Múltipla. Diante da suspeita diagnóstica, o tratamento deve ser
estabelecido de imediato a fim de mitigar as possíveis sequelas do
surto desmielinizante.

4. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
a) Conhecer as principais manifestações da síndrome do
distúrbio do espectro de neuromielite óptica (NMO).
b) Saber identificar a apresentação clínica.
c) Ter em mente os achados da história e do exame físico que
apontam para outros diagnósticos.
d) Conhecer os principais diagnósticos diferenciais
relacionados a essa condição.

5. DICAS PRÁTICAS
a) Paraparesia com reflexos exaltados e nível sensitivo sugere
acometimento medular.
b) Mielopatias em pacientes jovens podem ser compressivas ou
inflamatórias – RM urgente é fundamental para diferenciar
essas causas.
c) Em casos de mielite transversa, sempre avaliar neuroeixo e
órbitas.
d) A Neuromielite Óptica é uma doença extremamente grave,
mas com boa resposta ao tratamento instituído precocemente.

REFERÊNCIAS
1. Flanagan EP. Neuromyelitis Optica Spectrum Disorder and Other Non-Multiple
Sclerosis Central Nervous System Inflammatory Diseases. Continuum (Minneap
Minn). 2019; 25(3): 815-44.
Capítulo 5

Síndrome atáxica
Autores:: Danyela Martins Bezerra Soares, Gabriel De Albuquerque Vasconcelos E Franklin
De Castro Alves Neto
Orientador: Pedro Braga Neto

Caso 1. Dificuldade de deambular e alteração da motricidade ocular


Caso 2. Ataxia em paciente jovem
Caso 3. Fraqueza e quedas
Caso 1

Dificuldade de deambular e alteração


da motricidade ocular
Autora: Danyela Martins Bezerra Soares
Orientador: Dr. Pedro Braga Neto

1. APRESENTAÇÃO DE CASO
a) Anamnese: Paciente masculino, 48 anos, iniciou quadro de
parestesias (queimação e dormência) há 10 anos, associado a
quedas frequentes. Há cerca de 5 anos, iniciou quadro de
disartria (fala lentificada e grandes pausas). Paciente relata
ainda que há 2 anos evoluiu com piora da fala maior, dificuldade
de deambular, além de piora da disfagia, relatando engasgos a
alimentos pastosos, com perda de peso importante, tendo sido
encaminhado à internação hospitalar para realização de
gastrostomia para recuperar peso.
b) Antecedentes pessoais: Hipertensão desde 2012 e
hipertireoidismo. Nega tabagismo e etilismo. Relata que o pai de
79 anos e a avó paterna, já falecida, apresentam os mesmos
sintomas, com início após os 50 anos de idade.
c) Exame físico geral: Estado geral regular, afebril, normocorado,
eupneico, emagrecido.
d) Exame neurológico: Orientado no tempo e espaço. Fala
escandida, mas com linguagem preservada. Nervos cranianos:
movimentação ocular extrínseca lentificada, particularmente
nas sacadas horizontais. Força muscular grau V global.
Sensibilidade: hipopalestesia e anartrestesia em membros
inferiores. Presença de rigidez em roda denteada e bradicinesia
2+/4+ bilateral. Reflexos: estilorradial: 3 bilateral; patelar e
aquileu: 2. Provas cerebelares: disdiadococinesia, prova índex-
naso sem coordenação. Dismetria, discinesia oromandibular e
tremor cervical. Marcha não testada por ser cadeirante.

2. PARA PENSAR
a) Qual seria o raciocínio diagnóstico (sindrômico, topográfico,
nosológico e etiológico) do caso descrito?
b) Qual síndrome é bastante característica para o diagnóstico
dessa entidade clínica?
c) Existem variantes clínicas desse diagnóstico?
d) Além do tempo de evolução, que dados da história
corroboram o diagnóstico nosológico?

3. DISCUSSÃO
3.1. Diagnóstico Sindrômico
a) Síndrome Atáxica: Caracterizada pela presença de fala
escandida, dismetria, pelos movimentos sacádicos lentos,
disdiadococinesia, podendo apresentar hiporreflexia ou
arreflexia quando testados os reflexos tendinosos profundos.
Tais manifestações apontam para um provável acometimento
no cerebelo, que tem por função promover a contração
adequada da musculatura axial e proximal dos membros,
buscando o equilíbrio e a postura normal.
b) Síndrome Extrapiramidal: Caracterizada pela presença de
bradicinesia e rigidez.
c) Síndrome Sensitiva (Superficial): Caracterizada pela queixa
de parestesia (queimação e dormência) e presença de
hipopalestesia e anartrestesia nos membros inferiores.
d) Síndrome dos Nervos Cranianos: Caracterizada pela
movimentação ocular extrínseca lentificada.

3.2. Diagnóstico Topográfico


Cerebelo, núcleos da base, nervos periféricos e nervos cranianos
O cerebelo é uma das estruturas do sistema nervoso central rica
em neurônios, chegando bem próximo ao número de neurônios
existentes no cérebro. Por isso, tem uma função importantíssima no
controle fino dos movimentos do corpo, promovendo a contração
adequada dos músculos, visando a manter o equilíbrio e a postura
normal mesmo enquanto o corpo se desloca. O cerebelo se
comunica com os neurônios motores através do trato
vestibuloespinhal. Ao ocorrer uma lesão no cerebelo, o paciente
pode vir a apresentar sintomas característicos de uma grave ataxia,
como a incoordenação dos movimentos voluntários, decorrentes de
erros na execução do movimento (força, extensão e direção).
O cerebelo controla o movimento através do planejamento do
movimento e da correção do movimento já em execução.
A ataxia se manifesta principalmente em membros,
caracterizando no paciente a marcha atáxica, que é uma marcha
instável, com o paciente tendendo a ampliar sua base mantendo as
pernas mais abertas. Também pode se manifestar na articulação
das palavras, como visto no caso, em que o paciente fala
pausadamente, com voz arrastada e com uma separação silábica
constante. Há também a diminuição do tônus da musculatura
esquelética, a hipotonia, frequente em lesões cerebelares.
Os nervos periféricos conduzem, através dos prolongamentos
periféricos dos nervos sensitivos, os impulsos aferentes gerados na
periferia para o Sistema Nervoso Central (SNC). Ao serem
estimuladas por meios diferentes como luz, calor e vibração, as
terminações sensitivas geram impulsos nervosos que, ao chegar ao
SNC, atingem áreas específicas do cérebro, sendo interpretados em
diferentes formas de sensibilidade. Ao serem traumatizados de
alguma forma (compressão, degeneração ou secções), acarretam
diminuição da sensibilidade e da motricidade no território inervado,
como pode ser observado no caso pelo quadro de hipopalestesia
(diminuição da sensibilidade vibratória) e anartrestesia (diminuição
da sensibilidade profunda) nos membros inferiores.
Já os nervos cranianos emergem em sua maioria de estruturas
encefálicas, sendo responsáveis por vários movimentos finos na
região cefálica, como mastigação, mímica facial, deglutição e
movimentos oculares. No caso citado, o paciente apresentou
lentificação na movimentação ocular, principalmente nas sacadas
horizontais, podendo apontar para um acometimento dos pares III,
IV e VI de nervos cranianos que emergem da ponte (III e VI) e bulbo
(VI), que inervam os músculos retos superior, reto medial, reto
lateral, oblíquo superior, oblíquo inferior e elevador da pálpebra
superior.1 Pela Figura 1, podemos presumir que os pares acometidos
foram o III e o VI, por inervarem os músculos retos mediais e retos
laterais, respectivamente, responsáveis pela movimentação
horizontal do olhar.
Por fim, apontamos para um acometimento dos núcleos da base,
que estão relacionados com a integração dos movimentos e ações
que o indivíduo realiza. Mais especificamente, o caso aponta para
um acometimento do circuito oculomotor, pertencente à alça
corticoestriado-talamocortical, que está relacionado aos
movimentos oculares e a um acometimento no circuito motor
relacionado ao putâmen que mantém conexões recíprocas com a
substância negra, justificando a bradicinesia e a rigidez
apresentadas no caso.
Figura 1: Inervação dos músculos extrínsecos do olho.
Fonte: Autor.

3.3. Diagnóstico Nosológico


Degenerativo e Genético
A evolução insidiosa do quadro clínico certifica que a etiologia
degenerativa é a que mais se enquadra, já que pelo tempo de
evolução é possível descartar automaticamente as etiologias mais
rápidas (autoimune ou infecciosa) ou súbitas (vascular). Pelo relato
de quadros semelhantes nos parentes de primeiro e segundo grau,
certamente pode ser relacionada a etiologia genética com padrão
autossômico dominante, por ter sido passado por gerações.

3.4. Diagnóstico Etiológico e Diferencial


Ataxia espinocerebelar
As ataxias espinocerebelares correspondem a um grupo de
doenças neurodegenerativas, consideradas raras dentro das ataxias
cerebelares. Pacientes acometidos por ataxia espinocerebelar (SCA)
manifestam acometimento oculomotor, apresentando nistagmo,
perseguição vertical prejudicada e, mais frequentemente na SCA
tipo 2, a lentificação nas sacadas horizontais.2 Ademais, pacientes
acometidos por SCA do tipo 2 ou tipo 3 apresentam sinais de
acometimento extrapiramidal, com quadros de bradicinesia e rigidez,
podendo apresentar quadros de distonia. No caso apresentado, o
paciente apresenta alguns critérios para ataxia espinocerebelar,
possuindo manifestações progressivas, incluindo ataxia,
instabilidade postural e disartria de características cerebelares
(dificuldade na articulação das palavras, fala pausada, voz arrastada
e rouca), dismetria e disdiadococinesia, associadas à lentificação na
movimentação ocular extrínseca, que aponta para ataxia
espinocerebelar do tipo 2.3 Além disso, apresenta queixas
cognitivas, como alucinações visuais e auditivas, que, apesar de não
serem tão comuns, podem estar presentes. O diagnóstico de SCA 2
é confirmado por meio de testes moleculares, mas os dados obtidos
através de exame neurológico direcionado, apresentação cínica do
paciente e histórico familiar detalhado são essenciais para o
afunilamento do pensamento diagnóstico.
a) Exames complementares:

• Hemograma, glicemia, eletrólitos, função renal e hepática:


normais.

• Exame de imagem: tomografia computadorizada mostrou


atrofia cerebelar; ressonância magnética de crânio mostrou
degeneração olivopontocerebelar, com diminuição da
dimensão do cerebelo e da ponte.

• Exames moleculares: teste molecular para SCA 2,


confirmando alelos com 22 e 39 repetições CAG.
b) Tratamento e desfecho: paciente manterá acompanhamento
no ambulatório especializado, sendo direcionado aos
atendimentos da fisioterapia, mantendo também a medicação
que já utilizava (atenolol 50 mg, quetiapina 25 mg 2 vezes ao
dia, tiamina 300 mg, escitalopram 20 mg, rivotril 1,5 mg).

3.5. Considerações Finais


As ataxias espinocerebelares (SCAs) compreendem um grupo
largo e heterogêneo de ataxias cerebelares autossômicas
dominantes causadas por vários defeitos genéticos, incluindo
repetições de expansões, mutações convencionais e rearranjos
genéticos. Já são cerca de 47 subtipos de SCAs relatados na
literatura, dependendo do lócus gênico. Dentro delas, a SCA tipo 2 é
uma das mais comuns e mais severas, sendo causada pela
expansão anormal da repetição Citosina-Adenina-Guanina num
códon do gene ATXN2 (12q23-q24,1), levando a uma expressão
anormal da cadeia longa de poliglutamina (polyQ) na proteína
homônima. Essa proteína em excesso no organismo mostra-se
tóxica, causando disfunção e morte de uma larga população de
neurônios no cerebelo, cérebro, medula, bulbo e ponte.4
Algumas evidências clínicas, eletrofisiológicas e de imagem
argumentam que os danos tóxicos da SCA2 começam cerca de 15
anos antes do início da ataxia, como foi visto nesse caso,
apresentando acometimentos motores sutis e acometimentos não
motores inespecíficos. Apesar de ainda ser incurável, é tratável.
Fisioterapia e fonoterapia são essenciais como conduta em
paciente com essa afecção. Infelizmente, não existe terapia
modificadora da história natural da doença.

4. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
a) Conhecer as principais manifestações da ataxia
espinocerebelar tipo 2 e seu diagnóstico no raciocínio
neurológico.
b) Saber identificar a necessidade de uma investigação mais
profunda em certas queixas do paciente.
c) Ter em mente os achados da história e do exame físico que
apontem para causas genéticas.

5. DICAS PRÁTICAS
a) A SCA2 é o segundo tipo de SCA mais recorrente no mundo,
ficando atrás da SCA3 (Doença de Machado-Joseph).
b) Nos exames de imagem, é vista uma redução do córtex
cerebral, com atrofia significativa do cerebelo, tronco cerebral,
lobo frontal e nervos cranianos. Pode ser vista também perda da
substância nigra do mesencéfalo e redução da substância
branca do cérebro e cerebelo.
c) Na SCA2, a atrofia pode não ser uniforme, mas específica em
uma região. Alguns exames de imagem no estágio pródromo
revelaram atrofia e disfunção no sistema olivopontocerebelar.
d) O profissional deve estar atento ao local de procedência e à
naturalidade do paciente, já que os casos são mais comumente
relatados em pacientes do interior, com casos de
consanguinidade na família.

REFERÊNCIAS
1. Machado A, Campos GB. Neuroanatomia funcional. 3. ed. São Paulo: Atheneu; 2014.
2. Braga-Neto P, Godero Jr C, Dutra LA, Pedroso JL, Brasottini OGP. Translation and
validation into Brazilian version of the Scale of the Assessment and Rating of Ataxia
(SARA). Arq Neuro-Psiquiatr. 2010; 68(2): 228-30.
3. Velázquez-Pérez LC, Rodríguez-Labrada R, Fernandez-Ruiz J. Spinocerebellar Ataxia
Type 2: Clinicogenetic Aspects, Mechanistic Insights, and Management Approaches.
Front Neurol. 2017; 8:472.
4. Coarelli G, Brice A and Durr A. Recent advances in understanding dominant
spinocerebellar ataxias from clinical and genetic points of view. F1000Research.
2018; 7(F1000 Faculty Rev): 1781.
Caso 2

Ataxia em Paciente Jovem


Autor: Gabriel de Albuquerque Vasconcelos
Orientador: Dr. Pedro Braga Neto

1. APRESENTAÇÃO DE CASO
a) Anamnese: Paciente masculino, caucasiano, 22 anos, chega
ao ambulatório de Neurologia com história de 8 anos de
dificuldade de equilíbrio progressiva e quedas da própria altura.
Relatou que, no início, percebia apenas instabilidade de sua base
ao permanecer algum tempo em pé, bem como certa limitação à
deambulação, que, segundo seus colegas, era semelhante à de
‘’um homem bêbado’’. Com a evolução, foram observados,
também, tremor de ação e dismetria ao tentar alcançar algum
objeto. Além disso, há 3 anos, tem percebido diminuição
progressiva da força da musculatura dos MMII, com dificuldade
para subir escadas e levantar-se, por exemplo, e, há 2 anos,
apresenta dificuldade na fala. Na Figura 1, observa-se, no
heredograma, pais consanguíneos, mas sem histórico de
sintomas semelhantes a estes.
b) Exame físico geral: Ao exame do aparelho cardiovascular,
apresentou ictus cordis deslocado para sexto espaço intercostal,
na linha axilar anterior, com extensão de 3 polpas digitais.
À inspeção do tórax e dos membros, observou-se cifoescoliose
proeminente, pes cavus e atrofia de parte da musculatura
apendicular. Sem outras alterações dignas de nota.
c) Exame neurológico: Força grau 4 em MMII e grau 4+ em
MMSS. Reflexos ausentes em MMII e diminuídos em MMSS.
Sinal de Babinski presente, bilateral. Hipoestesia em MMII, com
anartrestesia e hipopalestesia distal. Avaliação do equilíbrio
estático apresentava o fenômeno da ‘’Dança dos Tendões’’ e
teste de Romberg positivo. No equilíbrio dinâmico, apresentava
marcha com base alargada e incapacidade em realizar marcha
em tandem. O paciente apresentava ainda dificuldade de fixação
do olhar, com sacadas em ‘’onda quadrada’’, além de fala
escandida. O exame da coordenação demonstrava ainda
dismetria e tremor de intenção ao exame do Índex-Nariz-Índex e
do Calcanhar-Joelho, Sinal do Rechaço positivo e
disdiadococinesia.
Figura 1. Heredograma do caso clínico.

Fonte: Autor.

2. PARA PENSAR
a) Quais os principais diagnósticos (sindrômico, topográfico,
nosológico e etiológico) observados?
b) Quais as síndromes que, combinadas, chamam atenção para
o diagnóstico?
c) Qual aspecto do caso é a chave para pensar no diagnóstico
nosológico?
d) Que outros achados, além dos neurológicos, sugerem o
diagnóstico etiológico?
e) Qual a principal alteração na imagem de pacientes com essa
doença?
f) Quais os principais diagnósticos diferenciais a serem
considerados e quais fatores falam a seu favor?
g) O que é esperado do prognóstico de pacientes com esse
diagnóstico e o que pode ser feito para melhorá-lo?

3. DISCUSSÃO
3.1. Diagnóstico Sindrômico
a) Síndrome do Neurônio Motor Superior: paresia em MMSS e
MMII, associada a reflexo cutâneo-plantar extensor.
b) Síndrome do Neurônio Motor Inferior: paresia em MMSS e
MMII, associada à hiporreflexia em MMSS e arreflexia em MMII.
c) Síndrome Sensitiva Profunda: hipoestesia tátil, vibratória e
proprioceptiva em MMII.
d) Síndrome Atáxica: perda do equilíbrio estático, com dança
dos tendões e Sinal de Romberg. Perda do equilíbrio dinâmico,
com marcha alargada e instável. Perda da coordenação da fala
(fala escandida ou arrastada) e dos movimentos oculares
(sacadas em “ondas quadradas’’). Disfunção cerebelar
apendicular evidenciada por dismetria, disdiadococinesia e Sinal
do Rechaço positivo.

3.2. Diagnóstico Topográfico


Cerebelo. Medula Espinhal. Sistema Nervoso Periférico (raiz
nervosa e nervos)
O diagnóstico topográfico neste caso é amplo e, de certa forma,
confuso. O paciente apresenta, simultânea e bilateralmente,
Síndrome do Neurônio Motor Superior (SNMS), que pode indicar
alteração em qualquer ponto da via piramidal, e Síndrome do
Neurônio Motor Inferior (SNMI), que pode indicar acometimento
desde a coluna anterior da medula até o músculo.
Além disso, também apresenta, simultânea e bilateralmente,
ataxia sensitiva (Romberg positivo, com alteração na sensibilidade
profunda), que pode sugerir alteração em qualquer ponto da via da
sensibilidade profunda, e ataxia cerebelar (ataxia ocular, fala
escandida, provas cerebelares alteradas).
Na neurologia, deve-se buscar o mínimo de diagnósticos
possíveis para os achados no exame clínico, o que é difícil neste
caso, tendo em vista que as lesões são difusas. Diante disso,
podemos lembrar que a via da sensibilidade profunda acompanha o
neurônio motor inferior intimamente nos nervos e raízes nervosas.
Veja que o acometimento dessa topografia poderia explicar a SNMI,
bem como a ataxia sensitiva e a síndrome sensitiva profunda.
A síndrome cerebelar, no entanto, só pode ser explicada pelo
acometimento do cerebelo ou das vias cerebelares, e a SNMS, pelo
acometimento da via piramidal.
A partir dos exames complementares e do provável diagnóstico
etiológico, pode ser confirmada a topografia em sistema nervoso
periférico (neurônio motor inferior e fibras sensitivas grossas), em
medula espinhal (trato piramidal e funículo posterior) e em cerebelo.

3.3. Diagnóstico Nosológico


Genético/Congênito
Devido à idade, a hipótese de diagnóstico degenerativo, mais
comum principalmente em idosos, é pouco provável. Pelo início
insidioso e progressivo, com piora do quadro nos últimos 8 anos,
outras hipóteses, como vascular, autoimune, infecciosa ou tumoral,
são menos prováveis. A ausência de histórico compatível com
trauma ou iatrogenia afasta tais possibilidades.
Portanto, tendo em vista um quadro de ataxia em paciente jovem,
que surgiu na puberdade, de início insidioso e evolução progressiva,
deve-se considerar, como maior probabilidade diagnóstica, nosologia
genética/congênita, corroborada pela consanguinidade observada no
heredograma (Figura 1).

3.4. Diagnóstico Etiológico e Diferencial


Ataxia de Friedreich
Ataxia de Friedreich é uma doença autossômica recessiva
causada pela expansão anormal do códon GAA no primeiro íntron do
gene FXT, causando o silenciamento desse gene, responsável pela
produção da proteína frataxina. A frataxina está relacionada ao
metabolismo do ferro na mitocôndria.1 Sua deficiência acarreta
disfunção da cadeia oxidativa e estresse oxidativo da mitocôndria.1
Isso afeta, principalmente, tecidos ricos em frataxina, como Sistema
Nervoso Central, pâncreas e miocárdio.1
O padrão de hereditariedade autossômico recessivo,
caracterizado por poucos casos semelhantes na família, muitas
vezes está associado à consanguinidade (Figura 1). Doenças por
expansão de trinucleotídeos estão frequentemente associadas ao
fenômeno da antecipação, visto que a repetição do códon GAA pode
aumentar ao longo das gerações, agravando o fenótipo clínico no
indivíduo acometido.
O quadro clínico deve ser compreendido a partir dos diagnósticos
topográficos. Tem início, geralmente, em pacientes jovens, na
puberdade.1 Observa-se ataxia cerebelar e sensitiva (Sinal de
Romberg), inicialmente truncal, mas que evolui para cometimento
apendicular, bem como perda da sensibilidade profunda e a presença
de SNMS (fraqueza e Sinal de Babinski) associada a SNMI (fraqueza
e hiporreflexia).1 Disartria pode surgir após alguns anos do início.1
Ataxia oculomotora, com dificuldade de fixação do olhar devido a
espasmos ‘’em onda quadrada’’, também é comum.1 A doença,
tipicamente, preserva a cognição.1
Podem ser vistas alterações de outros órgãos e sistemas; por
exemplo, cifoescoliose, pes cavus e pes equinovarus, diabetes
mellitus tipo 1 e possível cardiomiopatia hipertrófica sugerida pelos
achados ao exame físico cardíaco.1 O principal achado à RM é a
atrofia de cordões posteriores da medula.1 Atrofia cerebelar, se
presente, é pouco expressiva e surge em fases mais avançadas da
doença.1 Portanto, atrofia cerebelar à RM, no início do quadro, tem
forte valor preditivo negativo para tal diagnóstico.1 Ao estudo
eletrofisiológico, é comum a lentificação dos impulsos de nervos
sensitivos.1
Não há tratamento que mude o curso da doença. Apenas
sintomáticos e fisioterapia podem melhorar a qualidade de vida do
paciente, bem como deve ser realizado acompanhamento
ambulatorial.1 Os pacientes costumam evoluir para incapacidade de
deambular em até 15 anos.1 A principal causa de morte é por
complicações cardiovasculares.1 O exame padrão-ouro para o
diagnóstico é o teste genético.1 Mesmo que no paciente com ataxia
hereditária de padrão autossômico recessivo a principal hipótese
seja de Ataxia de Friedreich, alguns diagnósticos diferenciais devem
ser considerados (Quadro 1).
Quadro 1. Diagnósticos diferenciais para Ataxia de Friedreich.

Diagnóstico Diferencial Considerações

Neuropatia periférica hereditária. Pensar se


Doença de Charcot-Marie- houver ausência de disartria e ausência de Sinal
Tooth
de Babisnki (SNMS ausente).2

Pensar se houver padrão de herança


Ataxia Espinocerebelar autossômica dominante, início mais tardio e
Tipo 1 (SCA1) presença de outros achados, como atrofia
cerebelar e cortical à RM.2

Pode ser isolada ou associada à Ataxia de


Friedreich.2 Muitas vezes relacionada a má
absorção e abetalipoproteinemia.2 Fenótipo
Ataxia por Deficiência de clínico muito semelhante.2 Pensar se houver
Vitamina E baixos níveis séricos de Vitamina E, ausência de
cardiomiopatia e teste genético negativo.
Importante diagnóstico diferencial, pois tem
tratamento (reposição de Vitamina E).2
Diagnóstico Diferencial Considerações

Ataxia autossômica recessiva.2 Pensar se


houver presença de coreia, apraxia oculomotora,
Ataxia com Apraxia
hipoalbuminemia, neuropatia sensório-motora
Oculomotora Tipo 1
grave, atrofia cerebelar importante (RM) ou
ausência de Sinal de Babinski (SNMS).2

Ataxia autossômica recessiva.2 Pensar se


Ataxia com Apraxia houver presença de coreia, apraxia oculomotora,
Oculomotora Tipo 2 atrofia cerebelar importante (RM) e elevados
níveis de alfa-fetoproteína no soro.2

Ataxia autossômica recessiva.2 Pensar se


Ataxia Telangiectasia houver presença de telangiectasias, além da
ataxia.2

Ataxia autossômica recessiva.3 Pensar se


houver início tardio, comprometimento cognitivo,
Atrofia Dentato-Rubro-
coreoatetose, crises epilépticas, sintomas
Palido-Luisiana
psiquiátricos e atrofia de cerebelo, cérebro ou
tronco encefálico (RM).3

Doença peroxissômica autossômica recessiva.4


Pensar se houver presença de cegueira noturna,
Doença de Refsum
anosmia, proteinúria e marcante neuropatia
sensório-motora.4

Pensar se houver presença de tumor ou lesão


estrutural (RM), sensibilidade a glúten
(anticorpos, anticorpos antigliadina e
antiendomísio), esclerose múltipla, doença
Ataxias Adquiridas cerebrovascular, deficiência de B1, deficiência de
B12, infecção de Sistema Nervoso Central,
contato com toxinas (mercúrio, tolueno), causa
psicogênica e outros.5

Fonte: Autor.

a) Exames complementares:

• Hemograma, glicemia, eletrólitos, função renal, hepática e


tireoidiana, vitaminas E, B1 e B12: normais.
• Eletroneuromiografia: Potencial de ação ausente em nervos
sensitivos e lentificação do potencial somatossensorial
evocado.

• Imagem: Ressonância Magnética (RM) revelou importante


atrofia na medula cervical sem atrofia cerebelar.
b) Tratamento e desfecho: Foi indicado para a realização de
fisioterapia e o acompanhamento ambulatorial em Genética e
Neurologia.

3.5. Considerações Finais


A Ataxia de Friedreich é a ataxia hereditária autossômica
recessiva mais frequente. Apesar de estudos promissores na área,
ainda não há terapia modificadora da doença, mas é essencial
considerar outros possíveis diagnósticos diferenciais para os quais
existe tratamento.

4. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
a) Conhecer as principais manifestações clínicas e o padrão de
herança da Ataxia de Friedreich.
b) Saber correlacionar os achados ao exame neurológico com os
principais diagnósticos topográficos.
c) Identificar possíveis achados clínicos e radiológicos que
sugiram um diagnóstico diferencial dessa condição.
d) Conhecer o curso natural da doença e possíveis medidas que
possam beneficiar a qualidade de vida do paciente.

5. DICAS PRÁTICAS
a) A Ataxia de Friedreich deve ser a primeira hipótese diagnóstica
para pacientes jovens, com ataxia de herança autossômica
recessiva, principalmente se associada a SNMS e SNMI.
b) Sempre buscar resumir as possibilidades de topografia em
uma, mas, se não for possível, considerar os principais
diagnósticos topográficos diante do quadro clínico amplo.
c) O diagnóstico é essencialmente clínico, mas exames de
neuroimagem podem ajudar, principalmente na presença de
atrofia cerebelar, que indica fortemente outro diagnóstico.
d) É necessária uma investigação minuciosa para descartar
possíveis causas reversíveis que mimetizem o quadro clínico da
Ataxia de Friedreich, como ataxia por deficiência de Vitamina E e
outras ataxias adquiridas, visto que são potencialmente
tratáveis.
e) Apesar do prognóstico reservado, é importante que o paciente
seja acompanhado por equipe multidisciplinar, além de realizar
fisioterapia, que pode melhorar a qualidade de vida.

REFERÊNCIAS
1. Pandolfo M. Friedreich Ataxia. In: Rosenberg RN, Pascual JM. (eds.) Rosenberg’s
Molecular and Genetic Basis of Neurological and Psychiatric Disease. London: Elsevier
BV; 2020. p. 165–78.
2. Bidichandani SI, Delatycki MB. Friedreich Ataxia. In: Adam MP, Ardinger HH, Pagon RA,
Wallace SE, Bean LJH, Mirzaa G, Amemiya A (eds.). GeneReviews® [Internet]. Seattle
(WA): University of Washington, Seattle; 1993–2021.
3. Carroll LS, Massey TH, Wardle M, Peall KJ. Dentatorubral-pallidoluysian Atrophy:
An Update. Tremor Other Hyperkinet Mov (N Y). 2018;577.
4. Kumar R, De Jesus O. Refsum Disease. In: StatPearls. Treasure Island (FL): StatPearls
Publishing; 2020.
5. Kuo SH. Ataxia. Continuum (Minneap Minn). 2019; 25(4):1036-54.
Caso 3

Fraqueza e Quedas
Autor: Franklin de Castro Alves Neto
Orientador: Dr. Pedro Braga Neto

1. APRESENTAÇÃO DE CASO
CLÍNICO
a) Anamnese: Mulher, 36 anos, professora, deu entrada no
ambulatório de neurologia com queixa de “fraqueza nas pernas”
associada a quedas frequentes há 6 meses. Relata histórico
prévio de cirurgia bariátrica realizada há 4 anos devido a
questões relacionadas à obesidade. Nega quadro semelhante
na família.
b) Exame Físico Geral: pressão arterial de 120 x 75 mmHg,
eupneica, normocárdica, normocorada e afebril.
c) Exame Neurológico:

• Motricidade: músculos de membros superiores e inferiores


com força 4+/5;

• Reflexos: reflexos bicipitais, tricipitais, patelares e aquileus


bilateralmente aumentados (3+/4); reflexo cutâneo-plantar em
extensão bilateral;

• Equilíbrio: no exame do equilíbrio estático, foi identificado o


sinal de Romberg;
• Marcha: marcha de aspecto talonante;
• Sensibilidade: hipopalestesia e déficit proprioceptivo em
extremidades de membros superiores e inferiores.

2. PARA PENSAR
a) Quais síndromes neurológicas podem ser identificadas no
caso?
b) Que local do sistema nervoso seria responsável pelo quadro
clínico acima caso fosse afetado?
c) Que nosologia condiz com o quadro apresentado?
d) Que etiologia é capaz de desencadear o cenário clínico em
questão?
e) Quais sinais e sintomas apontam mais fortemente para o
diagnóstico?
f) Como tratar a paciente?

3. DISCUSSÃO
3.1. Diagnóstico Sindrômico
a) Síndrome de Neurônio Motor Superior: fraqueza muscular,
reflexos tendinosos aumentados e reflexos cutâneo-plantares
em extensão (sinal de Babinski);
b) Síndrome Sensitiva: acometimento das sensibilidades
proprioceptiva e vibratória (palestesia) presentes nos membros
distalmente, assim como a presença do sinal de Romberg.
c) Síndrome Atáxica: marcha com padrão talonante.

3.2. Diagnóstico Topográfico


O acometimento simultâneo das formas profundas de
sensibilidade (vibração e propriocepção) e das modalidades
motoras atribuídas ao neurônio motor superior leva à topografia
medular pela presença dos cordões posteriores e do trato
corticoespinhal (piramidal).
Portanto, a topografia mais provável é a medular.

3.3. Diagnóstico Nosológico (VITAMINDECG)


Pelo decorrer insidioso, a nosologia vascular (V) é menos
provável. Não há histórico de trauma (T). Diante do tempo de
evolução e em razão da ausência de sinais clínicos e/ou
laboratoriais, descartam-se desordens infecciosas (I), autoimunes
(A), neoplásicas (N), degenerativas (D) ou epilépticas (E). Pela idade
de início e ausência de histórico familiar, é possível afastar
desordens congênitas (C) ou genéticas (G).
Desse modo, o diagnóstico nosológico mais provável é o
metabólico (M).

3.4. Diagnóstico Etiológico


A vitamina B12 (cobalamina) é essencial para o metabolismo
neuronal por uma série de mediadores que são metabolizados por
meio dela, como a homocisteína, o ácido metilmalônico e o
metiltetra-hidrofolato, e alguns deles podem se acumular em casos
deficitários dessa vitamina.1
Tal deficiência pode ser causada por interferências na absorção,
como cirurgias bariátricas, devido à baixa do fator intrínseco. Isso é
compensado inicialmente pelos estoques hepáticos de cobalamina,2
mas, conforme acabam, ocorre interferência negativa nos aspectos
funcionais das fibras nervosas e elas degeneram, sendo bastante
proeminente o acometimento das porções laterais e posteriores da
medula espinal, podendo aparecer antes mesmo da manifestação
de anemia megaloblástica.1 Tal fato é confirmado na RM, com
aumento do sinal, em T2, dos locais correspondentes aos cordões
posteriores, dando o aspecto de um “v” invertido ou de orelhas de
coelho invertidas.1
Com isso, é possível concluir que o diagnóstico etiológico mais
provável do caso em questão é de uma degeneração combinada
subaguda, nomenclatura que indica a degeneração medular lateral e
posterior, de evolução subaguda, decorrente da deficiência de
vitamina B12.2
a) Diagnósticos Diferenciais: Outras formas de mielopatias
nutricionais reversíveis merecem destaque, como as por
deficiência de folato, de vitamina E e, principalmente, de cobre, a
qual causa um quadro bastante similar ao relacionado com a
cobalamina.1
b) Exames Complementares: Coleta de sangue realizada na
admissão mostrou 120 pg/mL de nível sérico de vitamina B12,
assim como níveis aumentados de homocisteína e ácido
metilmalônico. À ressonância magnética (RM) foram
observadas, na ponderação T2, hiperintensidades laterais e
posteriores na porção torácica da medula espinal.
c) Tratamento: Recomenda-se o uso da vitamina B12
intramuscular com dose de 1000 a 5000 mcg por 5 dias
consecutivos, alterando, depois, para apenas uma vez por
semana durante 4 semanas consecutivas.3
Alguns autores recomendam o tratamento com vitamina B12
intramuscular (1000 mcg por dia) por 2 semanas e, depois, 1000
mcg mensalmente pela mesma via,1 mas nem todos os centros têm
disponibilidade para o uso de tal dose. A terapêutica deve ser
urgentemente instituída1 e mantida de acordo com a causa.3 Em um
período de 6 meses, possivelmente há uma melhora neurológica
considerável, mas nem todos os pacientes conseguem atingir níveis
satisfatórios de recuperação, principalmente aqueles com sintomas
mais severos ou com atrasos no tratamento.1

3.5. Considerações Finais


A deficiência de vitamina B12 e as outras mielopatias carenciais
merecem atenção do clínico devido ao seu grande potencial lesivo e
ao fato de, consequentemente, deixar sequelas. Desse modo, é
importante o rápido reconhecimento e tratamento para um bom
prognóstico.

4. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
a) Reconhecer os principais achados clínicos da degeneração
combinada subaguda;
b) Entender a aplicabilidade dos exames complementares como
subsídio do raciocínio neurológico;
c) Compreender as formas de tratar os pacientes que
manifestam quadros semelhantes ao apresentado;
d) Considerar os principais diagnósticos diferenciais da
patologia em questão.

5. DICAS PRÁTICAS
a) Sempre atentar para o perfil nutricional dos pacientes para
identificar possíveis carências.
b) Dosar substratos metabólicos em conjunto com o nível sérico
de vitamina B12 pode ser útil.
c) Alguns pacientes podem ter neuropatias periféricas
associadas à mielopatia por deficiência de B12,1 demonstrando
reflexos diminuídos ou abolidos.
d) Atentar para distúrbios autoimunes (anticorpos contra fator
intrínseco ou células parietais) ou de absorção (cirurgia
bariátrica, gastrite atrófica etc.) que envolvem a cobalamina2
pela capacidade de causar sua deficiência.

REFERÊNCIAS
1. Schwendimann RN. Metabolic and Toxic Myelopathies. Continuum. 2018; 24(2): 427-
40.
2. Gwathmey KG, Grogan J. Nutritional neuropathies. Muscle & nerve. 2020; 62(1): 13-29.
3. Haddad MS, Nader SN, Adoni T. Manifestações Neurológicas nas Doenças Sistêmicas.
In: Nitrini R, Bacheschi LA. A Neurologia que Todo Médico Deve Saber. São Paulo:
Atheneu; 2015. p. 433-49.
Capítulo 6

Síndrome Extrapiramidal
Autores: Fábio Rolim Guimarães, Gabriel de Albuquerque Vasconcelos, Amanda Colaço
Morais Teixeira, Jorge Luiz de Brito de Souza e Milena Vieira Madeira
Orientador: Pedro Braga Neto

Caso 1. Tremor e lentidão


Caso 2. Movimentos involuntários
Caso 3. Manifestações sistêmicas de doenças neurológicas
Caso 4. Quedas frequentes
Caso 5. Amigdalofaringite seguida por movimentos involuntários
Caso 6. Tremor
Caso 1

Tremor e lentidão
Autor: Fábio Rolim Guimarães
Orientador: Dr. Pedro Braga Neto

1. APRESENTAÇÃO DE CASO
CLÍNICO
a) Anamnese: homem, 68 anos, buscou atendimento com
neurologista por queixa de tremor há um ano. O paciente se
queixa de tremor no membro superior direito, mais
frequentemente quando o membro está em repouso,
percebendo melhora quando ele está em movimento. Nos
últimos 2 meses, o paciente percebeu uma piora importante do
tremor em relação ao início do quadro, associada a uma
dificuldade de movimentação do membro com lentidão.
Paciente apresenta histórico de depressão há 5 anos, além de
constipação e sonolência diurna. Esposa afirma que o paciente
há 7 anos fala e realiza movimentos violentos durante o sono, o
que a incomoda bastante. Não se encontra em uso de qualquer
remédio.
b) Exame neurológico: Bradicinesia à direita evidenciada pelos
testes do finger tapping e do toe tapping. Rigidez plástica (roda
denteada) em membro superior direito. Tremor de repouso em
MSD. Presença de hipomimia e hipofonia. Marcha com passos
curtos e diminuição do balanço do MSD. Restante do exame
neurológico encontrava-se normal.
2. PARA PENSAR
a) Quais síndromes neurológicas o paciente manifesta?
b) Qual diagnóstico nosológico é mais provável para o caso?
c) Os sintomas não motores, como depressão, constipação e
distúrbios do sono, possuem alguma relação com o quadro
atual do paciente?

3. DISCUSSÃO
3.1. Diagnóstico Sindrômico
a) Síndrome Extrapiramidal: evidenciada por tremor, bradicinesia
e rigidez.

3.2. Diagnóstico Topográfico


Núcleos da base
O quadro hipocinético-rígido pode ser resultado de lesão em
circuitos que envolvem os núcleos da base. A via direta dos núcleos
da base atua estimulando o movimento (procinética) e a via indireta
inibe o movimento. Uma topografia provável para o caso é a
substância negra (parte compacta), uma vez que nela estão os
corpos celulares dos neurônios dopaminérgicos da via nigroestriatal,
que estimulam a via direta e inibem a via indireta, favorecendo o
movimento. A morte desses neurônios, portanto, resulta em um
quadro hipocinético.1

3.3. Diagnóstico Nosológico


O caso é de um paciente idoso que apresenta uma doença de
caráter crônico com piora progressiva dos sintomas. Portanto, uma
doença degenerativa seria, mais provavelmente, a causa das
manifestações clínicas do paciente.
3.4. Diagnóstico Etiológico e Diferencial
Doença de Parkinson
A doença de Parkinson (DP) é a segunda doença
neurodegenerativa mais prevalente no mundo, atrás apenas da
doença de Alzheimer. Caracteriza-se patologicamente pela morte de
neurônios dopaminérgicos na substância negra e por corpos de
Lewy, agregados intracelulares de proteínas, sendo a mais
abundante a α-sinucleína. A morte desses neurônios implica o
aparecimento das manifestações motoras clássicas da doença de
Parkinson, as quais são bradicinesia, tremor de repouso, rigidez e
instabilidade postural.2
O tremor da doença de Parkinson tipicamente é de repouso, de
início assimétrico e “em contar moedas”, ou seja, tremor dos dedos
da mão associado a movimentos de pronação e supinação.
Um componente de tremor postural e de ação pode estar presente
em pacientes com doença de Parkinson. A rigidez é evidenciada por
um aumento da resistência à movimentação passiva do membro.
Parte dos pacientes possui uma rigidez “em roda denteada”, na qual,
durante a flexão passiva do membro, momentos de maior
resistência se alternam com momentos de menor resistência.
A bradicinesia consiste na lentidão dos movimentos. Ela pode ser
avaliada no exame físico por meio do finger tapping e do toe tapping.
No primeiro, é solicitado ao paciente que realize movimentos
repetitivos de oposição e reposição do polegar com o índex; no
segundo, o paciente realiza toques repetitivos da planta do pé contra
o solo. Em pacientes com bradicinesia, percebe-se uma lentidão e
uma diminuição progressiva desses movimentos durante a
execução dos testes. A instabilidade postural na doença de
Parkinson se manifesta tardiamente, muitos anos após o
diagnóstico. Ela é geralmente relatada na anamnese como a
ocorrência de quedas frequentes, e pode ser examinada através do
pull test. O examinador, no caso, se posiciona atrás do paciente e o
puxa pelo ombro em sua direção. Pacientes com instabilidade
postural possuem dificuldade em ajustar o tronco e dar um passo
para trás o suficiente para se equilibrar, tendendo a cair facilmente
durante o teste. Vale ressaltar que o examinador deve estar
preparado para segurar o paciente, evitando uma queda. Outros
sintomas motores da doença de Parkinson incluem: diminuição das
expressões faciais (hipomimia ou fácies em máscara), hipofonia,
micrografia e marcha festinante (com passos curtos).2
A doença de Parkinson também causa sintomas não motores,
como depressão, ansiedade, psicose, demência, constipação,
hipotensão ortostática, sonolência diurna, distúrbio comportamental
do sono REM, fadiga, hiposmia, entre outros. Alguns sintomas não
motores, como depressão, constipação, hiposmia, sonolência diurna
e distúrbio comportamental do sono REM, podem ocorrer anos
antes da manifestação dos sintomas motores da DP. Esses
sintomas podem não ser relatados durante a consulta se não
questionados ativamente, uma vez que o paciente frequentemente
não os associa com a doença. Psicose, demência e disautonomia
são sintomas não motores que se apresentam tardiamente no curso
da doença. No caso clínico descrito, o paciente apresenta história de
depressão, constipação e sonolência diurna, muito provavelmente
ocasionadas pela DP. Ademais, a fala e os movimentos violentos
durante o sono devem compreender distúrbio comportamental do
sono REM manifestado pelo paciente.1
O diagnóstico da DP é clínico. Inicialmente, deve-se fazer o
diagnóstico de parkinsonismo, definido como a presença de
bradicinesia associada a pelo menos um dos seguintes sintomas:
rigidez, tremor de repouso e instabilidade postural. Em relação à DP,
o paciente não se apresenta com instabilidade postural ao
diagnóstico, uma vez que este é um sintoma tardio da doença.
A presença de instabilidade postural levanta a suspeita de outras
causas para o parkinsonismo. Feito o diagnóstico de parkinsonismo,
devem-se excluir aspectos indicativos de diagnósticos alternativos
para o parkinsonismo. Dentre esses aspectos, estão: disfonia,
disartria e disfagia grave precoce, disautonomia grave precoce,
demência precedendo sintomas motores, quedas recorrentes
precoces, achados cerebelares, instalação simétrica dos sintomas,
paralisia do olhar vertical para baixo e uso de antagonista
dopaminérgico em relação temporal com o surgimento dos
sintomas. Após essa exclusão, é avaliada a resposta à terapia com
levodopa. Caso o paciente tenha uma resposta inicial dramática à
terapia, com retorno funcional próximo ao normal, confirma-se o
diagnóstico de doença de Parkinson. O paciente do caso
exemplificado possui bradicinesia, rigidez e tremor de repouso; logo,
apresenta parkinsonismo. Além disso, o quadro clínico não aponta
aspectos de diagnósticos alternativos para a síndrome
parkinsoniana. Dessa forma, deve-se avaliar a resposta terapêutica à
levodopa para a confirmação diagnóstica.3
Levanta-se a suspeita de diagnósticos alternativos para a DP
diante dos seguintes cenários clínicos:

• Doença simétrica.
• Ausência de resposta à levodopa.
• Progressão rápida dos sintomas.
• Quedas frequentes e instabilidade postural de início precoce:
paralisia supranuclear progressiva (PSP) pode ser
considerada um diagnóstico nessa circunstância.

• Oftalmoplegia vertical para baixo: suspeita-se de PSP.


• Demência e alucinações precoces: fortalece o diagnóstico de
demência por corpos de Lewy.

• Disautonomia grave precoce: atrofia de múltiplos sistemas


(AMS) é considerada.

• Sinais cerebelares ou piramidais: deve-se suspeitar de AMS.


• Déficit sensorial cortical, distonia e mioclonia unilateral em
membro, apraxia ideomotora e síndrome da mão alienígena:
esses sintomas levam à hipótese diagnóstica de degeneração
corticobasal.
• Sintomas limitados aos membros inferiores por mais de 3
anos: demência vascular.2,3
a) Tratamento e desfecho: Paciente foi tratado com levodopa +
benserazida 100/25 mg, 3 vezes ao dia. Houve uma excelente
resposta inicial à terapia, com função motora restabelecida próximo
à normalidade. O diagnóstico de DP clinicamente estabelecida foi,
então, confirmado.

3.5. Considerações Finais


A doença de Parkinson é uma doença neurodegenerativa
heterogênea cujo tratamento evoluiu substancialmente nas últimas
décadas. Entretanto, o tratamento ainda é focado no alívio dos
sintomas; dessa forma, não há, no momento, uma terapia
modificadora do curso progressivo da doença.

4. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
a) Conhecer as manifestações clínicas da Doença de Parkinson,
incluindo sintomas motores e não motores.
b) Entender o processo diagnóstico da Doença de Parkinson.
c) Saber identificar sinais de alarme para a suspeita de
diagnósticos alternativos para a síndrome parkinsoniana.

5. DICAS PRÁTICAS
a) A velocidade de progressão da Doença de Parkinson é
variável. Indivíduos com uma sintomatologia mais ampla,
incluindo sintomas motores e não motores, e pior resposta
inicial à terapia com levodopa tendem a ter uma progressão
mais rápida da doença.
b) Apesar de o diagnóstico de DP ser clínico, exames de
imagem podem ajudar a diferenciar DP de outras doenças que
cursam com parkinsonismo. A Ressonância Magnética pode
auxiliar na diferenciação entre DP e parkinsonismo vascular e
parkinsonismos atípicos, como PSP e AMS.
c) A prática de diversas modalidades de exercício físico, como
exercício na esteira, treinamento de força, dança e outras
formas de exercício aeróbico, tem demonstrado ser benéfica
para os pacientes com DP, retardando o declínio da função
motora.
d) Com a progressão da DP, o efeito da levodopa passa a se
perder antes de ser tomada a dose seguinte (fenômeno
conhecido como wearing off), tornando-se necessárias doses
maiores, aumento da frequência de doses diárias de levodopa e
associação da levodopa a outras drogas.
e) Quando o paciente permanece manifestando sintomas
apesar da otimização do tratamento medicamentoso,
Estimulação Cerebral Profunda é um procedimento que pode ser
considerado.
f) Indivíduos com Doença de Parkinson geralmente morrem em
decorrência das mesmas causas da população idosa, mas a DP
avançada aumenta o risco de morte por pneumonia aspirativa,
pois os pacientes podem apresentar disfagia, e por
complicações de quedas, devido à instabilidade postural dos
pacientes.

REFERÊNCIAS
1. Poewe W, Seppi K, Tanner C, Halliday G, Brundin P, Volkmann J, et al. Parkinson
disease. Nat Rev Dis Primers. 2017; 3: 17013.
2. Zesiewicz T. Parkinson Disease. CONTINUUM: Lifelong Learning in Neurology. 2019;
25(4): 896-918.
3. Armstrong M, Okun M. Diagnosis and Treatment of Parkinson Disease. JAMA. 2020;
323(6): 548.
Caso 2

Movimentos Involuntários
Autor: Gabriel de Albuquerque Vasconcelos
Orientador: Dr. Pedro Braga Neto

1. APRESENTAÇÃO DE CASO
a) Anamnese: Paciente masculino, 63 anos, advogado,
comparece ao ambulatório de Neurologia, acompanhado pela
esposa, com queixa de ‘’falta de controle do braço’’. Relata que,
há 2 anos, começou a apresentar contrações dolorosas do
MMSS direito, com dificuldade para movimentá-lo, além de
lentificação dos movimentos e rigidez ipsilaterais. Seis meses
depois, começou a apresentar movimentos involuntários (‘’como
se fossem choques’’) ao recrutar o mesmo membro para
alguma ação, bem como quedas espontâneas. Buscou consulta
com especialista, quando foi diagnosticado com parkinsonismo
e medicado com levodopa/carbidopa, mas sem resposta
significativa. Há 1 ano, a esposa relatou alteração
comportamental, com tendência a gastos excessivos,
vocabulário imoral e comportamentos inapropriados
socialmente. Além disso, a acompanhante comentou sobre a
dificuldade de o paciente realizar tarefas simples, quando
solicitadas, como descartar um objeto na lixeira ou lavar a louça,
anteriormente realizadas apesar do comprometimento motor.
Há 2 meses, o paciente refere movimentos involuntários do
mesmo membro, mas com a sensação de que ele não lhe
pertence, o que motivou, novamente, a busca por atendimento
médico.
b) Exame físico geral: PA ao decúbito de 120 x 80. PA, após 3
minutos em pé, de 90 x 70. Sem outras alterações dignas de
nota.
c) Exame neurológico: Bradicinesia e rigidez
predominantemente à direita, com Sinal da Roda Denteada,
fácies em máscara, marcha em pequenos passos, hipofonia,
disartria e micrografia. Postura distônica em MMSS direito.
Precisou de auxílio do examinador, para não cair, ao pull test.
Agrafestesia, astereognosia e perda da discriminação entre dois
pontos à direita. A pontuação do MEEM foi 23, com maior
comprometimento de função executiva e linguagem, com
relativa preservação da memória. O paciente não conseguiu
realizar a tarefa de dobrar o papel e colocá-lo no chão.

2. PARA PENSAR
a) Quais os principais diagnósticos (sindrômico, topográfico,
nosológico e etiológico) observados?
b) Quais as duas principais síndromes para o raciocínio
neurológico e quais as suas peculiaridades, observadas no
caso, que sugerem a principal hipótese diagnóstica?
c) Quais os principais componentes do caso que sugerem o
diagnóstico nosológico?
d) Que outras doenças podem apresentar manifestações
clínicas semelhantes às observadas no caso?
e) Que outras manifestações clínicas podem estar presentes na
doença do caso apresentado?
f) Quais as medidas a serem adotadas, pelo profissional de
saúde, para o benefício de pacientes com o diagnóstico do
caso?

3. DISCUSSÃO
3.1. Diagnóstico Sindrômico
a) Síndrome Extrapiramidal (hipocinética e hipercinética):
Parkinsonismo (bradicinesia, rigidez e instabilidade postural),
sem tremor associado, mas com instabilidade postural precoce
(hipocinética). Mioclonias (movimentos involuntários
semelhantes a choques) desencadeadas por estímulo (ao
recrutar o membro para uma ação) e distonias (contrações de
musculatura agonista e antagonista).
b) Síndrome Cognitiva: Disfunção executiva e afasia (ao MEEM)
associadas a alterações comportamentais e apraxia ideatória
(incapacidade de realizar atividades solicitadas).
c) Síndrome Autonômica: Hipotensão postural ao exame físico
geral.

3.2. Diagnóstico Topográfico


As duas principais topografias correspondem às duas síndromes
mais importantes para o diagnóstico do caso: síndrome
extrapiramidal (núcleos da base) e síndrome cognitiva (córtex).
A fim de buscar uma topografia mais específica, precisamos
detalhar a síndrome cognitiva e os outros sinais e sintomas de
disfunção cortical. Primeiro, é evidente a dificuldade de reconhecer
estímulos sensitivos superficiais (grafestesia, esterognosia e
discriminação entre dois pontos) e profundos (propriocepção do
membro alienígena), o que sugere lesão do córtex de associação
somatossensorial (parietal), responsável pelo processamento mais
elaborado (compreensão) do estímulo. Além disso, a disfunção
executiva, com apraxia ideatória, pode indicar uma possível lesão de
córtex pré-motor (frontal), responsável pelo planejamento dos
movimentos. Destaca-se, também, o comportamento desinibido e
inapropriado, o que corrobora a hipótese de lesão em lobo frontal.
O quadro clínico é confirmado pela imagem estrutural da RM.

3.3. Diagnóstico Nosológico


Degenerativo
Diante de um paciente idoso, com quadro cognitivo e
extrapiramidal, de evolução lenta e progressiva, a primeira
possibilidade de diagnóstico nosológico a ser considerada deve ser
degenerativa. Causas vasculares são comuns em idosos, mas têm
início súbito. Neoplasias também devem ser consideradas nessa
faixa etária, mas devem ser afastadas devido à ausência de sinais
focais (sinais e sintomas do caso têm topografia difusa). Causas
genéticas/congênitas são improváveis devido à idade de início dos
sintomas. A ausência de história compatível com trauma, infecção,
doença autoimune, desordem metabólica ou iatrogenia afasta tais
possibilidades.

3.4. Diagnóstico Etiológico e Diferencial


Degeneração Corticobasal (DCB)/Síndrome Corticobasal (SCB)
DCB é uma taupatia causada, principalmente, por acúmulo de
proteína tau hiperfosforilada dentro da célula, bem como pela
atividade de células da glia, com formação de placas astrocitárias.1,2
A maioria dos casos é idiopática, mas, provavelmente, há a
associação de fatores ambientais e genéticos.1,2
A SCB é a principal manifestação clínica da DCB.1,2 Apesar disso,
a DCB pode ter outros fenótipos clínicos diferentes da SCB, assim
como a SCB pode ter outras causas diferentes da DCB, o que torna o
diagnóstico dessa entidade patológica muito difícil, muitas vezes
confirmado apenas ao exame anatomopatológico.1,2 O Quadro 1
apresenta possíveis fenótipos clínicos da DCB, enquanto o Quadro 2
expõe possíveis doenças que possam manifestar SCB.
O diagnóstico diferencial dessa condição envolve, principalmente,
doenças relacionadas à SCB ou às síndromes expostas no Quadro 1,
bem como outras causas de parkinsonismo, como Doença de
Parkinson (DP) idiopática, Atrofia de Múltiplos Sistemas (AMS) e,
principalmente, Paralisia Supranuclear Progressiva (PSP).
Quadro 1. Principais síndromes possivelmente relacionadas à DCB.

Síndrome Manifestações clínicas


Síndrome Manifestações clínicas

Predominam: parkinsonismo axial ou simétrico,


Síndrome de Paralisia instabilidade postural precoce, incontinência
Supranuclear urinária, alterações comportamentais e
Progressiva paralisia supranuclear do olhar (sacadas
verticais lentificadas).2

Predominam: disfunção executiva, alterações


Síndrome Frontal comportamentais, prejuízo da memória e déficit
Temporal Espacial
visuoespacial.2

Predominam: erros gramaticais, prejuízo da


Síndrome de Afasia compreensão de frases (com boa compreensão
Progressiva Primária de palavras simples) e fala apráxica (lenta,
Não Fluente
distorcida).2

Síndrome Demência de Comprometimento importante da memória no


Alzheimer-like início do quadro.

Fonte: Autor.

Quadro 2. Outras doenças que cursam com SCB.

Paralisia Supranuclear Progressiva*

Demência de Alzheimer**

Demência Frontotemporal e Parkinsonismo

Doença de Creutzfeldt-Jacobs

Doença Cerebrovascular

Outros

* segunda principal causa de SCB.

** terceira principal causa de SCB.

Fonte: Adaptado de Saranza.2


A DCB é uma doença que predomina na sexta década de vida, de
início insidioso e evolução progressiva.1,2 Os pacientes costumam
ter um parkinsonismo assimétrico atípico, com quedas precoces e,
muito importante, pouca ou nenhuma resposta à
levodopa/carbidopa (a presença de resposta é considerada um fator
de exclusão).1,2 Além disso, distonias unilaterais de membros são
comuns, bem como mioclonias espontâneas ou desencadeadas.1,2
Tremor, se presente, costuma ser de ação.1,2 Os sintomas
extrapiramidais geralmente são ipsilaterais às disfunções corticais,
mas podem ser contralaterais.2
O déficit cognitivo do paciente é semelhante ao observado na
variante comportamental da Demência Frontotemporal (DFT-vc),
com maior déficit de função executiva e de linguagem, além das
alterações comportamentais observadas no caso.2 Apraxia,
geralmente ideomotora (apesar de a do caso ser ideatória), é outro
acometimento frequente.1,2 Apraxia é a dificuldade de realizar uma
ação, não por comprometimento motor, mas por ter ‘’desaprendido’’
a realizá-la (ou seja, o paciente entende o que deve fazer, mas não
sabe como). Perda cortical sensorial (agrafestesia, astereognosia e
perda da discriminação entre dois pontos) e o fenômeno do membro
alienígena não são tão comuns, mas corroboram o diagnóstico,
quando presentes.1,2 Outras alterações, como síndrome piramidal,
alteração da motricidade ocular e comprometimento visuoespacial
podem surgir em estágios mais avançados da doença.2
A solicitação de RM de crânio é importante, visto que achados
como os observados no caso podem sugerir o diagnóstico.2 Outros
exames complementares mais avançados, como biomarcadores no
líquor e outros exames de imagem (imagem dopaminérgica, PET,
dentre outros), podem ajudar no diagnóstico diferencial com outras
causas de SCB ou outras manifestações de DCB.2
Não há terapia modificadora da doença.1,2 O tratamento é,
principalmente, sintomático, com a realização de fisioterapia, terapia
ocupacional, fonoaudiologia e psicoterapia, por exemplo.2 A família
costuma sofrer muito com a doença, portanto, também deve ser
acompanhada.2 Dentre os parkinsonismos atípicos, é o que tem
evolução mais rápida (2-12,5 anos).2 As principais causas de óbito
são sepse e pneumonia aspirativa.2
a) Exames complementares:

• Ressonância Magnética (RM) de crânio, em T2: Atrofia em


lobo frontal posterior (giro pré-central) e lobo parietal superior,
além de atrofia de núcleo estriado e hiperintensidade em
globo pálido. Todos os achados com predomínio à esquerda.
b) Tratamento: Foram prescritos levodopa, clonazepam e toxina
botulínica (no MMSS direito). Paciente relatou melhora
significativa da distonia e redução da frequência das mioclonias,
mas pouca melhora dos sintomas parkinsonianos. Atualmente,
é acompanhado pela equipe médica do ambulatório de
Neurologia e participa de sessões mensais de fisioterapia,
terapia ocupacional e fonoaudiologia.

3.5. Considerações Finais


A DCB é uma doença de fisiopatologia e clínica complexas, além
de difícil caracterização por critérios diagnósticos. Apesar do
prognóstico reservado, é importante saber reconhecer a SCB e
outras síndromes relacionadas à DCB, a fim de proporcionar, ao
paciente e à família, melhor qualidade de vida.

4. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
a) Saber diferenciar a DCB da SCB, bem como as principais
etiologias relacionadas a ambas as condições.
b) Dominar o raciocínio neurológico de pacientes com SCB, a
partir de seus achados na história e no exame físico
(parkinsonismo, distonia, mioclonia, apraxia, alterações
comportamentais, queixas cognitivas, perda sensitiva cortical,
fenômeno do membro alienígena).
c) Lembrar o principal fenótipo de pacientes com diagnóstico
nosológico degenerativo (idosos, com quadro clínico insidioso e
progressivo, com queixas cognitivas e prejuízo funcional).
d) Conhecer os principais direcionamentos a serem dados para
o paciente com DCB e seus familiares, com consciência do
prognóstico reservado.

5. DICAS PRÁTICAS
a) Os sintomas, principalmente cognitivos, orientam bastante
para a região do córtex acometida, o que é importante para
pensar nesse diagnóstico. Para isso, é importante revisar a
anatomia e a fisiologia do córtex cerebral. Os achados de
disfunção cortical associados à síndrome extrapiramidal são
sugestivos de SCB.
b) O fenômeno do membro alienígena, considerado, certas
vezes, típico da SCB, é encontrado em apenas 30% dos casos,2
mas, se estiver presente, realmente sugere esse diagnóstico.
c) Diante de um paciente idoso com parkinsonismo
(bradicinesia, com rigidez, e/ou tremor), é preciso fazer o
diagnóstico diferencial com DP idiopática e com os
parkinsonismos atípicos (PSP, AMS e DCB). Para isso, a
ausência de resposta à levodopa/carbidopa pode sugerir,
fortemente, um dos parkinsonismos atípicos. A avaliação clínica
e complementar deve orientar, com maior precisão, o
diagnóstico.
d) É prudente solicitar uma RM para pacientes com suspeita de
DCB ou SCB, visto que seus achados podem corroborar ou não
o diagnóstico, apesar de não o confirmar nem excluir.
e) É fundamental lembrar que, além do paciente, como em
outras doenças neurodegenerativas, a família também precisa
ser acompanhada devido ao estresse que a doença pode gerar.2
Certas vezes, é aconselhado contratar um cuidador para
conviver com o paciente.2

REFERÊNCIAS
1. Greene P. Progressive Supranuclear Palsy, Corticobasal Degeneration, and Multiple
System Atrophy. Continuum (Minneap Minn). 2019; 25(4): 919-35.
2. Saranza GM, Whitwell JL, Kovacs GG, Lang AE. Corticobasal degeneration. Int Rev
Neurobiol. 2019; 149: 87-136.
Caso 3

Manifestações sistêmicas de doenças


neurológicas
Autora: Amanda Colaço Morais Teixeira
Orientador: Dr. Pedro Braga Neto

1. APRESENTAÇÃO DE CASO
CLÍNICO
a) Anamnese: mulher, 55 anos, relata quadro de lentidão nos
movimentos há cerca de dois anos. Foi iniciado tratamento com
levodopa em doses progressivas, sem melhora dos sintomas.
Em seu relato, conta que há um ano começou a apresentar
também sintomas como incontinência urinária e queda dos
níveis pressóricos. Há seis meses evoluiu com queixa de
“barulhos estranhos durante a respiração”, principalmente
durante a noite.
b) Exame físico geral: pressão arterial 120 x 80 mmHg deitada e
90 x 50 em pé, frequência cardíaca de 75 bpm em repouso e
temperatura de 36,2°C. Na ausculta pulmonar, foi identificado
estridor laríngeo durante a inspiração.
c) Exame neurológico: rigidez e bradicinesia bilateral +2/+4 e
simétrica. Discreta dismetria e disdiadococinesia bilateral e
simétrica.

2. PARA PENSAR
a) Quais os diagnósticos sindrômicos identificáveis?
b) Os sintomas apontam para quais topografias?
c) Quais os possíveis diagnósticos nosológico e etiológico?
d) Por que não houve melhora com levodopa?

3. DISCUSSÃO
3.1. Diagnóstico Sindrômico
a) Síndrome Autonômica: identificada pelos sinais de disfunção
vesical e hipotensão ortostática.
b) Síndrome Extrapiramidal: representada pela bradicinesia
(lentidão de movimentos) e pela rigidez.
c) Síndrome Atáxica: caracterizada pela dismetria e pela
disdiadococinesia.

3.2. Diagnóstico Topográfico


Topografia: núcleos da base, cerebelo e sistema autônomo
Os núcleos da base atuam na regulação da atividade motora. São
representados pelo putâmen, pelo globo pálido e pelo caudado.
O primeiro e o segundo formam o chamado núcleo lentiforme,
enquanto o primeiro e o último constituem o núcleo estriado. Essa
regulação se dá por meio de duas vias: a direta, que estimula a
atividade motora, e a indireta, que a inibe. Essas vias envolvem a
participação, além dos núcleos da base, do núcleo subtalâmico, dos
núcleos ventral anterior e ventral posterior do tálamo e das fibras
nigroestriais, vindas da substância negra compacta do mesencéfalo.
Essas fibras mesencefálicas, por meio da dopamina, estimulam a
via direta com a ligação dopaminérgica ao receptor D1, e inibem a
via indireta com a interação dopamina-receptor D2. O resultado
dessa modulação, então, é o estímulo ao movimento. Lesões nos
núcleos da base e nas fibras nigroestriais, portanto, dificultam a
atividade motora, gerando sintomas como bradicinesia, tremor e
rigidez.1
Quanto ao cerebelo, vale destacar a importância das fibras
córtico-olivo-cerebelares, que, conectando córtex, ponte e cerebelo,
estão envolvidas no planejamento e na aprendizagem motora.
A lesão dessas fibras gera sintomas como a disdiadococinesia,
além de distúrbios oculares e dismetria.1

3.3. Diagnóstico Nosológico


O curso das manifestações se deu no decorrer de anos, ritmo
que é forte indicativo da ocorrência de um processo degenerativo.
Poderia se pensar também em um processo neoplásico, como um
tumor expansivo de cerebelo.

3.4. Diagnóstico Etiológico e Diferencial


Atrofia de múltiplos sistemas (AMS)
A atrofia de múltiplos sistemas é uma doença neurodegenerativa
rapidamente progressiva que combina sinais extrapiramidais,
cerebelares e autonômicos, constituindo o segundo tipo mais
comum de parkinsonismo atípico, ou seja, de etiologia caracterizada
por sinais de deficiência dopaminérgica sem nenhuma ou com
quase nenhuma responsividade ao tratamento com levodopa.2 A
prevalência dessa doença é estimada em 3,4 a 4,9 por mil pessoas,
havendo aumento para 7,8 por mil em idades acima de 40 anos.
Acomete igualmente homens e mulheres, e a faixa etária principal
para início dos sintomas é dos 55 aos 60 anos. O tempo de vida
após o diagnóstico costuma ser de seis a dez anos.3
A AMS ocorre pelo acúmulo de alfa-sinucleína (proteína pré-
sináptica neuronal), que resulta na formação de inclusões
citoplasmáticas gliais (GCI). Essas inclusões, no curso da patologia,
também são encontradas, porém de maneira bem menos
significativa, nos neurônios. Não se sabe a causa exata para o maior
acúmulo da proteína nos oligodendrócitos, mas algumas hipóteses
já foram apresentadas na literatura científica, a exemplo daquela
que aponta a combinação da captação glial de alfa-sinucleína
neuronal com o clearence glial reduzido para essa proteína como
justificativa. A patogenia da doença inclui propagação célula a célula
de alfa-sinucleína e seu acúmulo, estresse oxidativo, disfunção
mitocondrial e proteassomal, falha do aporte energético,
desregulação dos lipídios formadores de mielina, redução de fatores
neurotróficos, neuroinflamação, desmielinização, degeneração,
atrofia e, até mesmo, mutação neuronal.3,4
Os sintomas da doença estão relacionados às áreas acometidas,
que geralmente envolvem os gânglios da base, as vias autonômicas
e o cerebelo e as fibras que fazem sua constituição e sua conexão
com outras áreas. De acordo com as manifestações sobressalentes,
a enfermidade pode ser classificada em AMS com parkinsonismo
predominante (AMS-P) (caracterizada por degeneração
principalmente das fibras nigroestriais, dos núcleos caudado e
subtalâmico, do putâmen, do globo pálido e dos interneurônios
gabaérgicos espinais) ou AMS com ataxia cerebelar predominante
(AMS-C) (marcada por degeneração localizada predominantemente
no vérmis e nos hemisférios cerebelares, nos núcleos denteado e
olivar inferior, nas fibras cerebelopontinas e na base da ponte). Vale
ressaltar que ambas as variantes apresentam alterações também
em outras áreas do sistema nervoso, como na coluna
intermediolateral da medula e em núcleos do tronco encefálico, a
exemplo do núcleo dorsal do nervo vago, resultando em sinais de
disfunção autonômica dos sistemas cardiovascular (hipotensão
ortostática e redução da variabilidade da frequência cardíaca),
urogenital e respiratório, além de distúrbios da sudorese (anidrose) e
do ritmo circadiano.3,5,6
Na ressonância magnética em T2, a degeneração de fibras
córtico-olivo-cerebelares pode ser vista como uma hiperintensidade
na região do putâmen, formando uma imagem em forma de cruz
que é bastante sugestiva de AMS.2
A avaliação de diagnósticos diferenciais no contexto da AMS é
de extrema importância, pois ela é, ao mesmo tempo, uma alfa-
sinucleinopatia e um parkinsonismo atípico, de maneira que é
necessário diferenciá-la das demais doenças de cada grupo da qual
faz parte.
As alfa-sinucleinopatias incluem a Doença de Parkinson, a
demência com corpos de Lewy e a AMS. Todas envolvem o acúmulo
de alfa-sinucleína no citoplasma, mas apresentam algumas
diferenças em suas manifestações, o que exige bastante
perspicácia médica. A Doença de Parkinson é caracterizada por
bradicinesia e tremor de repouso (este não é comum na AMS) ou
rigidez ou ambos e, para ser diagnosticada, exige o cumprimento de
dois dos seguintes quatro critérios: presença de tremor de repouso,
de melhora considerável perante tratamento com levodopa, de
discinesias induzidas por esse tratamento e de perda olfatória ou
desnervação cardíaca no exame de cintilografia miocárdica com
iodo-123-metaiodobenzilguanidina. Além disso, tem uma evolução
mais lenta.7 Já a demência com corpos de Lewy é marcada por
flutuação cognitiva, sinais extrapiramidais e alucinações visuais,
sendo o intervalo entre a manifestação de demência e o
parkinsonismo de cerca de um ano, enquanto na Doença de
Parkinson é de cerca de quinze anos.8
Quadro 1. Diagnósticos diferenciais no grupo de alfa-
sinucleinopatias.
Rigidez, bradicinesia e tremor de repouso;
Doença de
responsividade à levodopa; tempo entre manifestação
Parkinson
de parkinsonismo e demência: quinze anos.

Demência com Flutuação cognitiva, alucinações visuais e sinais


corpos de Lewy extrapiramidais.

Fonte: Autor.

Os parkinsonismos atípicos são formados, além da AMS, por


paralisia supranuclear progressiva (PSP) e degeneração
corticobasal. A PSP tem como características as manifestações
parkinsonianas e a paralisia supranuclear do olhar, a qual é
caracterizada por incapacidade de desviar o olhar voluntariamente
para cima ou para baixo, com viabilidade de realização apenas
quando há flexão passiva do pescoço, respectivamente, superior ou
inferiormente. Apesar de ser o sinal mais característico, a paralisia
do olhar pode se manifestar apenas tardiamente, sendo outros
sintomas que apontam para seu diagnóstico a lentificação da fala,
disfagia, marcha alargada com braços abduzidos e olhar “raivoso”
ou “confuso”. Além disso, na ressonância magnética, a atrofia
mesencefálica pode gerar uma imagem chamada de “sinal do beija-
flor”. Já as manifestações características da degeneração
corticobasal, além do parkinsonismo, são distonia, mioclonia e
déficits corticais, como perda sensorial, apraxia e fenômeno do
membro “alien”, o qual consiste na combinação da movimentação
involuntária dos membros com a sensação, por parte do paciente,
de que aquela parte do corpo não lhe pertence.2

Quadro 2. Diagnósticos diferenciais no grupo de parkinsonismos


atípicos.
Paralisia suplanuclear do olhar, parkinsonismo,
Paralisia
disfagia, lentificação da fala, marcha alargada com
supranuclear
braços abduzidos e olhar “raivoso” ou “confuso”;
progressiva (PSP)
“sinal do beija-flor” em RM.

Degeneração Parkinsonismo, distonia, mioclonia, perda sensorial,


corticobasal apraxia, fenômeno do membro “alien”.

Fonte: Autor.

a) Exames complementares:

• Hemograma, glicemia, eletrólitos, vitamina B e B : normais.


1 12

• Exame do líquor: sem alterações.


• Exame de ressonância magnética: hiperintensidade em T2 na
margem dorsolateral do putâmen, formando um “sinal em
cruz”.

• Atrofia de múltiplos sistemas (AMS).


b) Tratamento e desfecho: Ainda não há tratamento específico
para a AMS. Foi prescrita toxina botulínica para alívio dos
sintomas de rigidez. A paciente prosseguiu com os sintomas,
mas apresentou relativa melhora.
3.5. Considerações Finais
A atrofia de múltiplos sistemas compõe os grupos de doenças
das alfa-sinucleinopatias e dos parkinsonismos atípicos. Dessa
maneira, sendo diversas as possibilidades de diagnósticos
diferenciais, é essencial o estudo da AMS para a definição mais
eficiente de um diagnóstico final.

4. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
a) Compreender o papel dos núcleos da base e de suas
conexões para uma atividade motora eficiente.
b) Entender a relação entre a topografia acometida, os sintomas
apresentados e as classificações da AMS.
c) Dominar as principais diferenças entre os possíveis
diagnósticos.

5. DICAS PRÁTICAS
a) Os núcleos da base controlam a atividade motora pelas vias
direta, que a estimula, e indireta, que a inibe. As fibras
nigroestriais dopaminérgicas têm atuação determinante sobre a
estimulação da via direta e a inibição da via indireta.
O acometimento dos constituintes dessas vias está na base das
doenças com manifestações extrapiramidais.1
b) A AMS é caracterizada por sintomas cerebelares,
parkinsonianos e autonômicos, sendo classificada em
predominantemente cerebelar ou predominantemente
parkinsoniana, de acordo com a natureza predominante das
manifestações.3
c) As alfa-sinucleinopatias incluem a AMS, a Doença de
Parkinson e a demência com corpos de Lewy.
Os parkinsonismos atípicos são constituídos pela AMS, pela
degeneração corticobasal e pela paralisia supranuclear
progressiva. Todas essas patologias representam possíveis
diagnósticos diferenciais para a AMS.2,8
REFERÊNCIAS
1. Berne RM, Levy MN, Koeppen BM. Berne e Levy Fisiologia. 6. ed. Rio de Janeiro:
Elsevier; 2009. Parte 9, Organização da Função Motora; p. 180-190.
2. Greene P. Progressive supranuclear palsy, corticobasal degeneration, and multiple
system atrophy. Continuum (Minneap. Minn). 2019; 25(4): 919-35.
3. Lee HJ, Ricarte D, Ortiz D, Lee SJ. Models of multiple system atrophy. Exp Mol Med.
2019; 51(11): 1-10.
4. Jellinger KA. Multiple system atrophy: an oligodendroglioneural synucleinopathy.
J Alzheimer’s Dis. 2018; 62(3): 1141-79.
5. Compagnoni GM, Di Fonzo A. Understanding the pathogenesis of multiple system
atrophy: state of the art and future perspectives. Acta neuropathol commun. 2019;
7(1): 113.
6. Kuzdas D, et al. Oligodendroglial alpha-synucleinopathy and MSA-like cardiovascular
autonomic failure: experimental evidence. Exp Neurol [internet]. Set 2013 [acesso em:
11 jan 2021]; 247: p. 531-536. Disponível em: Oligodendroglial alpha-synucleinopathy
and MSA-like cardiovascular autonomic failure: Experimental evidence –
ScienceDirect
7. Armstrong MJ, OKUN MS. Diagnosis and treatment of Parkinson disease: a review.
JAMA. 2020; 323 (6): 548-60.
8. Walker Z, Possin KL, Boeve BF, Aarsland D. Lewy body dementias. Lancet Infect. 2015;
386(10004): 1683-97.
Caso 4

Quedas frequentes
Autor: Jorge Luiz de Brito de Souza
Orientador: Dr. Pedro Braga Neto

1. APRESENTAÇÃO DE CASO CLÍNICO


a) Anamnese: Homem, branco, de 70 anos de idade, foi encaminhado para avaliação
neurológica por aparentes sintomas neurológicos progressivos. Acompanhante (filho)
refere que há 3 anos iniciou-se um quadro de instabilidade postural, com quedas
frequentes e inexplicáveis, as quais não melhoraram com o uso de lentes corretoras;
isso o levou ao uso de cadeira de rodas. Seus familiares observaram mudança na voz
e no comportamento do indivíduo ao longo dos anos. Seu filho relata que o pai
desenvolveu uma progressiva lentidão do raciocínio. Foi também relatado que há
cerca de 1 ano passou a ter uma voz quase inaudível como se estivesse ‘’rosnando’’, a
qual, atualmente, encontra-se em completa afonia. Ademais, o paciente há não muito
iniciou um quadro de disfagia para líquidos e sólidos. A família notou que o pai se
tornou um tanto impulsivo e, muitas vezes, esquecido ou confuso; isso se associava
com risadas inesperadas, apesar de seu humor visivelmente triste. Seu pescoço
tornou-se bastante rígido e a sua face se caracterizava como sempre “encarando’’
(olhar fixo com sobrancelhas elevadas). Um diagnóstico inicial de Parkinson fora feito
previamente, sendo prescrito levodopa em doses progressivas, sem nenhuma
melhora aparente. O paciente foi contador por 25 anos, sem nenhuma enfermidade
significante no passado. Era tabagista, etilista (cujos hábitos se encerraram com a
doença). Não havia história familiar relevante.
b) Exame Físico Geral: Paciente em estado normalizado, no geral. Cadeirante. Pouco
interativo com o examinador, geralmente se limitando a gestos. Não conseguia
articular as palavras. Sua compleição física era forte.

• Dados vitais: PA: 120 x 80 mmHg, FC: 70 BPM, temperatura: 36,5°C.


c) Exame Neurológico:

• Exame da motricidade: trofismo e força muscular globalmente normal, com


ausência de movimentos involuntários. Rigidez nos quatro membros com uma
hipertonia difusa, apresentando-se o sinal da roda denteada mais evidente no
pescoço. Havia uma bradicinesia marcante no paciente. Sem tremor de repouso.
Ele caía espontaneamente para qualquer direção. O filho comentou que antes sua
base era um tanto alargada e seus braços estavam abduzidos com os cotovelos
flexionados (aparência do ‘’pistoleiro’’). O congelamento da marcha era
intermitente.

• Reflexos: reflexos profundos nos quatro membros um pouco exaltados, mas os


cutâneos aparentavam normalidade. Reflexo Palmomentoniano, Reflexo do
Focinho e Reflexo Glabelar (sinal de Meyerson) presentes. O sinal do aplauso
também era evidente, assim como outras características de perseveração.

• Exame da sensibilidade: nenhuma alteração digna de nota.


• Exame dos nervos cranianos: evidenciou paresia do olhar conjugado para baixo e
para cima com oculocefálico preservado associado à presença de Square-Wave
Jerks. O paciente apresentava ainda apraxia na abertura ocular. O reflexo
nauseoso estava diminuído, bem como havia redução da elevação do palato.

• O exame cognitivo demonstrou lentificação do pensamento, capacidade reduzida


para realizar cálculos simples, déficit de memória de médio e curto prazo.
Um possível quadro depressivo também era evidenciado por seu humor
predominantemente triste associado à labilidade emocional.

2. PARA PENSAR
a) Quais são os diagnósticos (sindrômico, topográfico, nosológico e etiológico)
observados?
b) O que neste quadro clínico se diferencia ou se assemelha ao esperado na Doença
de Parkinson?
c) Além do tempo de evolução, o que auxilia no diagnóstico nosológico?
d) Porque a condição é considerada ‘’supranuclear’’?
e) Que diagnósticos diferenciais podemos consid erar?

3. DISCUSSÃO
3.1. Diagnóstico Sindrômico
a) Demência Subcortical: síndrome caracterizada clinicamente por redução da
velocidade de processamento, disfunção executiva e déficit de memória
caracterizado no exame neurológico, associado a uma apatia ou depressão.
b) Síndrome de Frontalização: observada pela presença de sinais de perseveração,
como o Sinal do aplauso, além de reflexos primitivos presentes, como o
Palmomentoniano, o Glabelar patológico e o Reflexo do Focinho.
c) Síndrome Pseudobulbar: no caso do paciente, atribuída pela disfagia, disfonia e,
principalmente, pela labilidade emocional.
d) Síndrome extrapiramidal: observada pela rigidez nos quatro membros com uma
hipertonia difusa e distonia dos músculos cervicais, instabilidade postural e
bradicinesia. Observar que a simetria de membros afetados pela rigidez, a ausência
de tremor de repouso e a ausente resposta à levadopa (citada no caso) nos levam a
pensar em um possível parkinsonismo atípico.
e) Síndrome dos Nervos Cranianos: aqui descrita por diversos sinais e sintomas,
como a paralisia do olhar conjugado vertical, paralisia dos músculos faciais e
disfagia.

3.2. Diagnóstico Topográfico


As principais topografias a serem pensadas ao se analisar um quadro como este são:
córtex, núcleos da base e tronco encefálico. Isso advém de algumas características
marcantes, que estão associadas ao quadro em questão. Podemos partir, incialmente, do
raciocínio de que alterações cognitivas são bastante relacionadas com a citoarquitetura
subcortical. O paciente em questão apresentava fortes indicativos disso por meio dos
sinais de liberação frontal (Síndrome de Frontalização) e de sua Demência Subcortical, as
quais foram previamente caracterizadas.
Além disso, a topografia do tronco encefálico é outro forte local para onde devemos
filtrar nosso raciocínio. Isso é justificado por alguns sintomas e sinais correlacionados aos
nervos cranianos. Um deles, bastante indicativo, é a paralisia do olhar vertical, pois é sabido
que o centro deste movimento está localizado no Mesencéfalo. A paralisia dos músculos
da fronte também é evidenciada pela ‘’face em máscara’’ do paciente (com o seu olhar
fixado e com as pálpebras bastante abertas), assim como a evidente redução da mímica
facial. Isso é característico de alterações relacionadas ao nível da ponte, onde se encontra
o Núcleo do Nervo Facial (NC VII). Ademais, a disfagia e a disfonia presentes voltam nosso
pensamento para a área bulbar, onde se encontra o núcleo ambíguo, o qual controla
músculos do palato mole, faringe, laringe e esôfago superior. Portanto, todas as regiões no
nível do tronco encefálico acabam sendo contempladas.
Os distúrbios do movimento, como a rigidez cervical e de membros, a bradicinesia e a
instabilidade postural, as quais estão associadas a uma síndrome extrapiramidal, nos
levam a crer em alterações situadas no nível dos núcleos da base. De fato, o clínico poderia
pensar nessas quatro topografias; entretanto, como veremos, a atuação supranuclear (ou
seja, nas vias corticais que descem ao nível dos núcleos dos nervos cranianos do tronco
encefálico) da neurodegeneração vai contribuir com a síndrome dos nervos cranianos, o
que afunila ainda mais a noção topográfica.

3.3. Diagnóstico Nosológico


O principal diagnóstico nosológico que pode ser pensado ao se analisar este quadro
clínico é Neurodegenerativo. Podemos chegar a esta conclusão partindo do mnemônico
VINTAMINDECG:

• Vascular – Descartada pelo tempo de evolução deste paciente (5 anos). Quadros


vasculares são súbitos.
• Infecciosa – Descartada por ausência de dor, febre, pus e indícios nos exames
complementares (a posteriori), além da evolução muito arrastada da condição do
paciente.

• Trauma/tóxico – Descartado por aparente higidez física do paciente e por


ausência de indício de lesão externa ou interna (por RMC). A toxicidade foi
descartada pelos exames complementares e por ausência de sinais sugestivos
(alterações do nível de consciência, choque, convulsões, hipotensão, arritmia).
Além disso, novamente a questão temporal auxilia no descarte.

• Autoimune – Descartada pela ausência de dores, fadigas, paresias ou outras


características associadas à autoimunidade. Ademais, o líquor (a posteriori) estava
dentro das normalidades para os parâmetros que se associam a esta nosologia,
assim como o restante dos exames complementares.

• Metabólica – Descartada pelos exames complementares e pelo quadro clínico do


paciente.

• Iatrogênica/idiopática – A RMC descarta causa idiopática e o quadro


desenvolvido não surgiu por complicações associadas à terapêutica.

• Neoplásica – Esta poderia ser uma das nosologias desta condição, pois a
existência de uma neoplasia no nível do Sistema Nervoso Central (SNC) poderia
ocasionar a progressividade do quadro, levando o indivíduo a este estado. Todavia,
a RMC, juntamente com a rica clínica do paciente, descartam causas neoplásicas.
É importante se atentar para o fato de que a temporalidade de 5 anos não excluiria
prontamente a neoplasia.

• Degenerativa – Considerada pela progressividade do quadro clínico e pelo


envolvimento contínuo de estruturas do SNC. A temporalidade foi marcante e
concomitante à piora do quadro, o que é bastante comum nessas nosologias.

• Epiléptico – A observação da clínica e dos exames descarta prontamente uma


nosologia epiléptica.

• Congênita e Genética – Descartáveis pela idade do paciente e pela ausência de


quadros familiares semelhantes.

3.4. Diagnóstico Etiológico


O caso em questão trata de uma condição denominada Paralisia Supranuclear
Progressiva (PSP). Esta é a mais comum das 3 usuais síndromes parkinsonianas atípicas
(Degeneração Corticobasal, Atrofia de Múltiplos Sistemas e PSP) e foi caracterizada em
1964 por Steele, Richardson e Olszewski.1
A PSP um transtorno neurológico progressivamente inabilitante, com bradicinesia,
rigidez extrapiramidal, marcha alterada com frequentes quedas, demência, paralisia
pseudobulbar e, principalmente, uma oftalmoplegia supranuclear característica.1-3 O quadro
em questão abrange bastante essa diversidade de sinais e sintomas; porém, ao se falar de
Neurodegenerações, deve-se ter em mente que pacientes com a mesma etiologia podem
se apresentar com uma clínica variada e pacientes com uma clínica semelhante podem se
apresentar com distintas enfermidades.1 No caso da PSP, isso não é diferente.
Apesar de, na anamnese, todo o conjunto sindrômico do relato já estar bem
estabelecido, não é incomum que o quadro de PSP se inicie com uma das condições
supracitadas e depois evolua para as outras. Por exemplo, pacientes com esta condição
podem iniciar seu quadro com uma bradicinesia, rigidez e tremor de descanso e, até
mesmo, ser responsivos à levadopa, o que seria sugestivo de doença de Parkinson. Porém,
com o tempo, o quadro vai deteriorando e revelando muito do espectro clínico aqui
mostrado, sendo esta condição denominada PSP com parkinsonismo predominante (PSP-
P), já que, inicialmente, era possível se supor uma Doença de Parkinson (DP) pela síndrome
inicial e pela resposta medicamentosa.1,3 O diagnóstico diferencial entre a DP e a PSP é de
extrema relevância na prática clínica, devendo o médico atentar para a correta classificação
do parkinsonismo do paciente, assim como sua evolução.
A PSP é considerada uma ‘’taupatia’’, porque é associada a um amálgama patológico da
proteína Tau, principalmente a de 4 repetições. Essa proteína é estabilizadora de
microtúbulos celulares e a sua ausência ou disfunção pode levar ao surgimento de
agregados que vão se distribuindo pelo SNC, ocasionando um mau funcionamento por
neurodegeneração.1,2,4 Os locais por onde seus emaranhados de neurofibrilas se distribuem
são principalmente os núcleos da base, a substância negra, o locus coeruleus, os colículos
superior e inferior, núcleos oculomotores, córtex pré-frontal, dentre outros.1
O processo neurodegenerativo deixa “marcas’’ no Sistema Nervoso Central que podem
ser observadas a partir de exames de neuroimagem, como a RMC. Um exemplo recorrente
é o Sinal do Mickey Mouse (no corte axial) ou Sinal do Beija-Flor (corte sagital), que
destaca uma forte atrofia mesencefálica associada à sintomatologia.1,4
Ademais, o diagnóstico diferencial de parkinsonismo atípico deve ser também feito
entre as três etiologias mais comuns da condição, as quais podem ser comparadas a partir
da tabela abaixo.
Tabela 1. Diagnóstico Diferencial dos Parkinsonismos Atípicos.

Tipos/ Paralisia Supranuclear Degeneração Atrofia de Múltiplos


Característica Progressiva Corticobasal Sistemas

Subgrupo muito
Resposta à Levadopa Raro Pequeno subgrupo
pequeno

Desequilíbrio inicial,
Comum Comum Comum
levando a quedas
Tipos/ Paralisia Supranuclear Degeneração Atrofia de Múltiplos
Característica Progressiva Corticobasal Sistemas

Bastante incomum Muito incomum (difícil


Muito incomum, mas
Tremor de Descanso (pode ocorrer na PSP- de separar de
possível
P) mioclonia)

Comum, mas um Comum, mas um


Disfagia
Comum pouco mais tardia que pouco mais tardia que
inicial/aspiração
na PSP na PSP

Paralisia do Olhar Ocorre em pequeno Muito incomum, mas


Comum
Supranuclear subgrupo possível

Comum, mas não tão Comum, mas não tão


Rigidez Axial Marcante Rigidez Axial
dramática dramática

Em pequeno grupo
Distonia Facial Muito comum Incomum como efeito colateral
da Levadopa

Com predomínio
Voz “rosnada’’ Comum Incomum cerebelar, pode levar a
fala desarticulada

Déficit Cortical Pequeno Subgrupo Muito comum Muito incomum

Mioclonia Cortical
Pequeno Subgrupo Comum Pequeno Subgrupo
Focal

Dentre outras
Falha de Ortostase Múltiplas falhas são
disautonomias, é O mesmo da PSP
autonômica comuns
incomum

Muito comum a ataxia Sinais cerebelares


Ataxia/déficits
de marcha, mas não de Raro durante a evolução são
cerebelares
membros comuns

Estridor Inspiratório Raro Raro Minoria significante

Fonte: Adaptado de Greene.1


Outra condição clínica importante que pode dificultar na hora do diagnóstico é a Doença
de Niemann-Pick Tipo C, caracterizada por um grupo heterogêneo de distúrbios recessivos
autonômicos relacionados ao armazenamento de lipídeos lisossomais.3 Apesar de o
quadro clínico desta condição ser bastante evidenciado no período infantojuvenil, com
sinais e sintomas como hipotonia, problemas de marcha, atraso de fala, cataplexia,
problemas na escola, convulsão ou ataxia, também pode estar presente em adultos. Nestes
casos, ataxia cerebelar, oftalmoplegia supranuclear vertical, disartria, esplenomegalia e
distúrbios do movimento (distonia, parkinsonismo ou coreia) são mais frequentes que os
quadros da infância. Isso se assemelha bastante ao que se observa no quadro da PSP.
Todavia, uma diferença marcante são os distúrbios psiquiátricos decorrentes da Doença de
Niemman-Pick Tipo C em adultos. É relatado que uma das sintomatologias mais comuns
são os sinais psiquiátricos, muitas vezes como sintoma isolado por anos, estando dentre
os mais frequentes a psicose, os delírios paranoides e a alucinação auditiva e/ou visual.
Já a PSP está mais correlacionada a alterações comportamentais (como desinibição),
mudanças na personalidade, irritabilidade, labilidade emocional (apesar de também
poderem estar presentes no Niemman-Pick Tipo C) e bradifrenia.3,5
Além disso, a suspeita de PSP pode ser confirmada por exames de neuroimagem e
líquor, que podem demonstrar uma possível atrofia em algumas regiões do SNC, assim
como a elevada presença da cadeia leve de neurofilamento, mostrada em alguns estudos;
ao contrário do que se imagina, a proteína tau costuma estar normal ou baixa em controles
saudáveis da doença. Enquanto isso, tendo em vista a fisiopatologia da Doença de
Niemman-Pick tipo C, a análise bioquímica e a histológica de alguns tecidos podem auxiliar
no diagnóstico, sendo a cultura de fibroblastos mandatória para a confirmação desses
casos.2,4,5
Por fim, é importante salientar que a PSP, assim como diversas condições
neurodegenerativas, apesar de muitos avanços atuais, ainda não possui uma cura, e os
recursos farmacológicos também não são muito eficientes em seu tratamento. Muito se
tem discutido acerca de uma terapêutica em relação à proteína tau malformada, mas ainda
são apenas ensaios.1,4 Portanto, os cuidados devem ser baseados, principalmente, numa
intervenção multiprofissional cuidadosa, a fim de fornecer os melhores métodos paliativos
para a condição sindrômica e neuropsiquiátrica do paciente.
a) Exames Complementares:

• Hemograma, eletrólitos, glicemia, função renal, hepática, tireoideana e B e B :


1 2

normais

• Ressonância Magnética do Cérebro: observou-se uma marcante atrofia


mesencefálica descrita como ‘’Sinal do Beija-Flor’’ no corte sagital e ‘’Sinal do
Mickey Mouse’’ no corte axial.
b) Tratamento e Desfecho: Como não há cura para a Paralisia Supranuclear
Progressiva e o paciente não estava respondendo à levodopa, foi proposto o
acompanhamento multiprofissional na tentativa de uma atuação profícua diante dos
sintomas restantes, como a disfagia e os sintomas neuropsiquiátricos. Amitriptilina e
Amantadina foram receitadas, mas houve apenas uma reduzida melhora no humor do
paciente e nenhuma recuperação dos movimentos em geral. O paciente continua em
acompanhamento multiprofissional, mas sem uma melhora significativa.
3.5. Considerações Finais
A PSP é a mais comum dos três principais diagnósticos associados a parkinsonismos
atípicos, sendo uma condição neurodegenerativa incurável e altamente rica em sinais e
sintomas clínicos. O profissional de saúde responsável pelo caso deve sempre tentar fazer
análise criteriosa das características principais, a fim de construir um sólido raciocínio
neurológico (principalmente sindrômico e topográfico), o qual, juntamente com a análise
complementar, permitirá o correto diagnóstico.

4. OBJETIVOS DA APRENDIZAGEM
a) Conhecer as principais manifestações da PSP, assim como o processo de
raciocínio neurológico relacionado a ela.
b) Reconhecer a associação entre a evolução temporal do quadro, a sua progressiva
piora e a Nosologia neurodegenerativa.
c) Compreender que, apesar de uma grande parte do diagnóstico poder ser feito
clinicamente, ele é corroborado por achados dos exames complementares,
principalmente os advindos do líquor e da RMC.
d) Conhecer os principais diagnósticos diferenciais e diferenciar parkinsonismos
típicos e atípicos.

5. DICAS PRÁTICAS
a) A PSP é uma condição neurodegenerativa que, dentre muitos outros sintomas,
possui a paralisia do olhar vertical usualmente presente.
b) A PSP não tem predileção por raça ou gênero, sendo seu quadro bastante
“arrastado’’, com uma progressiva piora, tal qual sugerido por seu nome.
c) A observação da evolução de um paciente com uma suposta condição
neurodegenerativa é extremamente relevante, principalmente nos casos em que se
desconfia de etiologias relacionadas a parkinsonismos atípicos. Muitas vezes, uma
clínica inicial pode levar a um erro diagnóstico se mal investigada pelo Médico, ainda
mais em quadros Demenciais com Distúrbios do Movimento.
d) Não há tratamento ou cura evidente para a PSP, sendo o acompanhamento
multiprofissional a melhor forma paliativa para intervir ativamente em alguns
sintomas, a fim de que a qualidade de vida do paciente seja melhorada.
e) Não esquecer que a PSP é uma “taupatia’’ e que, portanto, pode ser investigada
pela associação entre a RMC e o líquor do paciente para confirmação de diagnóstico.

REFERÊNCIAS
1. Greene P. Progressive Supranuclear Palsy, Corticobasal Degeneration, and Multiple System Atrophy. Continuum
(Minneap Minn). 2019; 25(4): 919-35.
2. Mulroy E, Stamelou M, Bhatia KP. How to approach a patient with parkinsonism – red flags for atypical
parkinsonism. Int Rev Neurobiol. 2019; 149: 1-34.
3. Fabbrini G, Fabbrini A, Suppa A. Progressive supranuclear palsy, multiple system atrophy and corticobasal
degeneration. Handb Clin Neurol. 2019; 165: 155-77.
4. Boxer AL, Yu JT, Golbe LI, Litvan I, Lang AE, Höglinger GU. Advances in progressive supranuclear palsy: new
diagnostic criteria, biomarkers, and therapeutic approaches. Lancet Neurol. 2017; 16(7): 552-63.
5. Vanier MT. Niemann-Pick diseases. Handb Clin Neurol. 2013; 113: 1717-21.
Caso 5

Amigdalofaringite seguida por


movimentos involuntários
Autora: Milena Vieira Madeira
Orientador: Dr. Pedro Braga Neto

1. APRESENTAÇÃO DO CASO
a) Anamnese: Paciente do sexo feminino, 10 anos, previamente
hígida, procurou atendimento médico acompanhada de seus
pais. Relata uma história de 2 semanas de movimentos
involuntários em seu braço/ perna esquerda, em que seu pé
esquerdo começou a “girar para dentro e para fora”.
Os movimentos ficaram cada vez mais amplos e progrediram
para os 4 membros. Os pais também relataram que a criança
estaria com queixas de dificuldade em segurar a caneta na
escola. Relata ainda um quadro de amigdalofaringite há cerca
de 3 meses, ou seja, antes dos sintomas neurológicos. Os pais
negam história familiar de quadro semelhante e relatam que a
menina não toma nenhum tipo de medicamento.
b) Exame físico geral: Pressão arterial 120 por 80 mmHg.
Ausência de febre e de outros sintomas constitucionais.
c) Exame neurológico: Funções corticais superiores com déficit
na atenção. Nervos cranianos sem alterações. Disartria
moderada, força muscular preservada e simétrica (grau V),
reflexos normais, sem alterações na sensibilidade. Ausência de
sinais de irritação meníngea. Presença de movimentos coreicos
nos 4 membros associados e de movimentos mais
estereotipados parcialmente suprimidos sugestivos de tiques.
Observam-se ainda sinais de impersistência motora com
dificuldade em manter a língua protusa por alguns segundos,
além da dificuldade em manter a mão fechada com os dedos do
examinador dentro.

2. PARA PENSAR
a) Qual seria o raciocínio diagnóstico (sindrômico, topográfico,
nosológico e etiológico) do caso descrito?
b) Qual síndrome é característica para o diagnóstico dessa
entidade clínica?
c) Existem variantes clínicas desse diagnóstico?
d) Além do tempo de evolução, que dados da história
corroboram o diagnóstico nosológico?
e) O que chama atenção na história patológica pregressa para o
diagnóstico?
f) Quais importantes diagnósticos diferenciais devem ser
considerados?

3. DISCUSSÃO
3.1. Diagnóstico Sindrômico
a) Síndrome Extrapiramidal: Neste caso, há muitos sintomas e
sinais característicos que se enquadram nessa síndrome.
A presença de movimentos aleatórios e fluidos, (os
movimentos coreicos), associados à impersistência motora, são
alguns deles. Esses movimentos geralmente se enquadram em
pacientes que combinam ou incorporam a coreia em seus
movimentos normais, como se estivessem tentando escondê-
los. Além disso, a queixa da dificuldade de segurar a caneta se
enquadra como um tipo de distúrbio neurológico que afeta o
refinamento do movimento no processo das vias inibitórias dos
movimentos nas áreas subcorticais e é um achado diferencial
para o diagnóstico.
b) Síndrome Cognitiva: A diminuição na capacidade de atenção
está atrelada a um distúrbio cognitivo. No caso da Coreia de
Sydenham, tem-se uma correlação com sintomas
neuropsicológicos.
c) Síndrome Infecciosa: A presença de uma infecção, no caso
uma amigdalofaringite recente, ao quadro neurológico indica a
presença de uma síndrome autonômica.

3.2. Diagnóstico Topográfico


Topografia extrapiramidal
O raciocínio clínico para o diagnóstico topográfico pode começar
pela síndrome extrapiramidal, que indica que a topografia da lesão
deve se encontrar nos núcleos da base ou substância negra.
A presença de movimentos involuntários associados ao quadro
de hipotonia e a dificuldade em segurar a caneta evidenciam um
quadro patológico nos núcleos da base, onde se tem uma regulação
dos movimentos e do refinamento destes. No caso abordado tem-se
um distúrbio dessas funções.

3.3. Diagnóstico Nosológico


A evolução subaguda do quadro clínico não é consistente com
uma possível etiologia vascular, que poderia se apresentar com uma
evolução súbita (em minutos), nem degenerativa ou tumoral, as
quais se apresentariam de modo mais gradual (meses a anos).
A ausência de fatores indicativos de iatrogenia, intoxicação ou
trauma na história é desfavorável a tais hipóteses. Os principais
diagnósticos nosológicos a serem considerados seriam:
inflamatório ou autoimune. O recente quadro infeccioso, a evolução
subaguda e os exames gerais normais nos fazem pensar em uma
causa de origem autoimune.

3.4. Diagnóstico Etiológico e Diferencial


Coreia de Sydenham
O diagnóstico etiológico da Coreia pode ser categorizado em
causas adquiridas e genéticas. A abordagem diagnóstica deve-se
ater ao curso do tempo, à faixa etária e à prevalência na população.
Além disso, o diagnóstico diferencial da coreia é amplo. Dessa
forma, alguns critérios devem ser considerados essenciais para a
identificação da coreia e para descartar outros diagnósticos, como:
dados demográficos, evolução temporal, características médicas e
neurológicas associadas.
No caso clínico descrito, tem-se uma criança de 10 anos com
sintomas característicos de distúrbio do movimento,
especificamente movimentos chamados coreicos, que são fluidos e
aleatórios (dando-lhes uma aparência de dança), associados com
impersistência motora e, ainda, uma diminuição na atenção. Dessa
forma, tais sinais e sintomas podem nos levar a um diagnóstico
mais específico da Coreia: a Coreia de Sydenham (CS).
A Coreia de Sydenham é um tipo de distúrbio do movimento
adquirido característico em crianças e adolescentes. É uma
manifestação clínica da febre reumática aguda, ocorrendo em até
40% dos pacientes. É considerado um processo autoimune, sendo
resultado de mimetismo antigênico entre as células dos gânglios
basais do sistema nervoso central e o grupo AB-hemolítico
estreptococos antígenos.² Os principais sintomas são movimentos
involuntários hipercinéticos que podem afetar a região da face,
membros, pescoço e tronco, podendo “voar’’ de uma região para
outra com padrão irregular, fluido e não estereotipado,¹ incluindo
caretas faciais, hipotonia, fraqueza muscular, distúrbio da marcha e
dificuldade para escrever ou falar.² Os movimentos são
assimétricos, podendo ser sutis e intermitentes, e cessam durante o
sono. Também é possível que haja mudança de comportamento
associado, podendo incluir labilidade emocional, impulsividade,
agressão e comportamentos obsessivo-compulsivos.
A etiologia mais plausível da CS é que seja causada por
anticorpos contra estreptococos hemolíticos do grupo A-beta (GAS)
que atacam núcleos da base, sendo um tipo de complicação da
infecção por GAS.
O diagnóstico muitas vezes pode ser desafiador, principalmente
se a coreia ocorrer durante o tratamento de condições
neuropsiquiátricas, sendo, dessa forma, difícil de distinguir entre os
efeitos colaterais da medicação (discinesia tardia) e o
desenvolvimento de uma doença neurodegenerativa.
Quadro 1. Principais diagnósticos diferenciais da Coreia de
Sydenham.

Etiologia Patologias

Autoimune/Inflamatório Síndrome do Anticorpo Antifosfolipídeo (SAAF),


vasculite, Lúpus Eritematoso Sistêmico, doença
de Moyamoya

Isquemia Acidente Vascular Cerebral (AVC), encefalopatia


hipóxico-isquêmica

Hematológico Policitemia Vera

Drogas Anticonvulsivantes

Infecção Encefalites, doença de Lyme, infecção pelo HIV,


mononucleose infecciosa

Metabólico Anormalidades hidroeletrolíticas, doenças da


tireoide, deficiência de B12, Doença de Wilson

Toxinas Metanol, monóxido de carbono, síndrome de


abstinência

Familiar Doença de Huntingdon

Psicogênico Síndrome de Tourette

Outros Pós-cirurgia cardíaca, coreia gravídica

Fonte: Adaptado de Lubberdink.³

a) Exames complementares:

• Hemograma, glicemia, eletrólitos, função renal hepática e


tireoidiana: Normais.

• Tomografia computadorizada da cabeça e ressonância


magnética do cérebro: Sem alterações.
• Eletrocardiograma: Ritmo sinusal normal.
• Ecocardiograma: Regurgitação tricúspide leve.
• Anticorpos DNAse-B: 960 U/mL.
• Título de ASO: 680 UI/mL.
b) Tratamento e desfecho: O tratamento baseia-se na
sintomatologia. Utiliza-se tipicamente um agente bloqueador do
receptor de dopamina (D2) de alta potência e em baixa dose.
Nos casos mais leves, pode-se incluir fenobarbital, ácido
valproico e esteroides. Na terapia imunomoduladora, utiliza-se
imunoglobulina IV/plasmaférese, devendo ser reservada aos
casos refratários. A paciente foi medicada com carbamazepina
e encaminhada para acompanhamento pelo serviço de
reumatologia.

3.5. Considerações Finais


Tendo em vista a importância epidemiológica da febre reumática
em nosso meio, é de fundamental importância o reconhecimento do
seu quadro clínico para o correto encaminhamento do paciente.
A Coreia de Sydenham é uma manifestação específica da doença;
portanto, auxilia muito no raciocínio diagnóstico.

4. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
a) Conhecer as principais manifestações da Coreia de
Sydenham.
b) Saber identificar a apresentação clínica de um caso.
c) Ter em mente os achados da história e do exame físico que
apontam para outros diagnósticos.
d) Conhecer os principais diagnósticos diferenciais
relacionados a essa condição.
5. DICAS PRÁTICAS
a) A Coreia de Sydenham é um tipo de distúrbio do movimento
hipercinético adquirido mais comum da adolescência,
caracterizado por movimentos coreiformes involuntários, que
podem incluir caretas faciais, hipotonia, fraqueza muscular,
distúrbios de marcha e dificuldade para escrever e falar.
b) Faz parte das manifestações da febre reumática, tendo uma
relação com as infecções por estreptococos do grupo A.
c) O diagnóstico clínico é realizado com base nas
características da doença e na ausência de outras causas
diagnósticas.
d) O tratamento da CS é baseado na gravidade dos sintomas.
Dessa forma, é importante um diagnóstico cedo devido à
importância do tratamento agudo, no qual os antibióticos
profiláticos podem ajudar a melhorar os sintomas e diminuir os
danos cardíacos.
e) Os movimentos coreiformes têm amplo diagnóstico
diferencial. É importante, dessa forma, atentar-se às
manifestações clínicas subjacentes que cursam para o
diagnóstico, além de a idade do paciente ser um ponto-chave
para se associar a uma coreia do tipo Sydenham.

REFERÊNCIAS
1. Hermann A, Walker RH. Diagnosis and treatment of chorea syndromes. Curr Neurol
Neurosci Rep. 2015; 15(2): 514.
2. Risavi BL, Iszkula E, Yost B. Communications: Pediatric Sydenham’s Chorea. J Emerg
Med. 2019; 56(6): e119-e21.
3. Lubberdink AL, Sharif S, Pardhan K. You can dance if you want to: A case of
Sydenham’s chorea. Am J Emerg Med. 2019; 37(11): 2118.e5-2118.e7.
Caso 6

Tremor
Autor: Fábio Rolim Guimarães
Orientador: Dr. Pedro Braga Neto

1. APRESENTAÇÃO DO CASO
a) Anamnese: homem, 50 anos, queixa-se, em consulta com
neurologista, de tremor em braços que afeta algumas atividades
cotidianas, piorando em atividades como: escrever, segurar um
copo e utilizar talheres para se alimentar. Afirma que apresenta
tremor simétrico em membros superiores há aproximadamente
10 anos e que o tremor vem piorando em intensidade. Além
disso, nota que o tremor piora em situações de estresse e
melhora quando ingere bebida alcoólica. Relata que seu pai
possuía tremor parecido. Paciente não possui histórico de
doenças. Não se encontra em uso de qualquer medicamento.
b) Exame físico: Tremor de predomínio postural e de ação
bilateral e simétrico, mais evidente na postura de braços
estendidos e na manobra teste índex-nariz. Escrita e desenho do
espiral de Arquimedes são mal executados devido ao tremor
induzido por tais atividades. Restante do exame neurológico
encontra-se normal.

2. PARA PENSAR
a) Quais as características do tremor do paciente?
b) O histórico familiar de tremor apresenta relação com o tremor
do paciente?
c) De que forma a melhora com consumo de bebida alcoólica
ajuda no diagnóstico?
d) Quais os diagnósticos diferenciais para o caso?

3. DISCUSSÃO
3.1. Diagnóstico Sindrômico
a) Síndrome Extrapiramidal: evidenciado pelo tremor.

3.2. Diagnóstico Topográfico


Sistema motor extrapiramidal e Cerebelo
Para o caso ilustrado, não é possível localizar precisamente a
lesão com base nos dados obtidos a partir da anamnese e do
exame físico. O tremor é considerado um distúrbio do movimento e
indica uma lesão em um sistema formado por um conjunto de
núcleos e tratos nervosos que regulam a atividade motora, o qual
inclui núcleos da base, tálamo, substância reticular e cerebelo.
O cerebelo, dentre suas funções, possui a função motora de regular
a atividade motora fina, garantindo que os movimentos sejam
executados com precisão. Lesões no cerebelo causam uma perda
desse ajuste fino, ocasionando tremor.

3.3. Diagnóstico Nosológico


O curso crônico progressivo sugere um quadro degenerativo.

3.4. Diagnóstico Etiológico e Diferencial


Tremor essencial
Tremor essencial é um dos distúrbios do movimento mais
comuns, afetando aproximadamente 1% da população.
Um consenso de 2018 da International Parkinson and Movement
Disorder Society redefiniu o conceito de tremor essencial para uma
síndrome de tremor isolada caracterizada por tremor de ação em
membros superiores por pelo menos 3 anos.1 Tal posicionamento de
classificação do tremor essencial como uma síndrome foi instigado
pela noção atual da heterogeneidade clínica de pacientes com esse
tremor, existindo uma provável concepção de que diferentes
doenças têm sido incluídas dentro do diagnóstico de tremor
essencial.1 Além do tremor de ação, o qual pode ser postural e/ou
cinético, pacientes com tremor essencial podem apresentar tremor
de cabeça e vocal. A diminuição do tremor com a ingestão de
bebidas alcoólicas é observada em aproximadamente metade dos
pacientes. A genética frequentemente possui uma forte relação com
o tremor essencial, havendo muitos casos familiares de padrão de
herança autossômica dominante.1 Dentre os diagnósticos
diferenciais para o caso, estão:

• Tremor fisiológico aumentado: Alguns distúrbios


metabólicos, como hipertireoidismo, hipoglicemia,
insuficiência hepática e doença renal, e distúrbios eletrolíticos
podem causar exacerbação do tremor. Além disso, drogas
como cafeína, nicotina, cocaína, anfetaminas, hormônios
tireoidianos, antidepressivos tricíclicos, antidepressivos
inibidores da recaptação de serotonina, lítio, ácido valproico,
glicocorticoides e imunossupressores estão relacionadas
com o aumento do tremor fisiológico. Esse tremor é postural
e cinético, costuma afetar os membros e é exacerbado por
situações de ansiedade e estresse. Portanto, deve-se colher
uma história clínica apropriada e solicitar exames
laboratoriais para excluir esses fatores como causas do
tremor.1

• Tremor distônico: Tremor associado à distonia do mesmo


segmento corporal ou de outro segmento corporal (neste
último caso, chama-se “tremor associado à distonia”). Pode
ser facilmente reconhecido se manifestado
concomitantemente a anormalidades posturais induzidas
pela distonia. Entretanto, em casos em que a distonia é leve, a
distinção entre o tremor distônico e o tremor essencial torna-
se dificultada. As características do tremor distônico são:
assimetria, tremor postural e cinético, piora com uma
determinada postura ou atividade motora e truque sensitivo
(diminuição do tremor ao toque).2

• Tremor associado a parkinsonismo: Tremor de repouso,


geralmente acompanhado de outros sinais de parkinsonismo,
como bradicinesia, rigidez, hipomimia, hipofonia e
micrografia. Na doença de Parkinson, o tremor é tipicamente
assimétrico, “em contar moedas”, e piora com a realização de
atividades cognitivas. Em alguns casos, o tremor de
indivíduos com doença de Parkinson pode ter um
componente postural e/ou cinético, causando confusão no
diagnóstico. O tremor pode estar presente em casos de
parkinsonismo induzido por drogas. Neste caso, o tremor
tende a ser simétrico. Drogas relacionadas à indução de
parkinsonismo incluem antipsicóticos (haloperidol e
risperidona, por exemplo), antieméticos (metoclopramida),
tetrabenazina e flunarizina.2
a) Exames complementares

• Hemograma, glicemia, eletrólitos, função renal, hepática e


tireoidiana: normais.

• b) Tratamento e desfecho: Foi tratado com doses


progressivas de propanolol até 120 mg/dia. Paciente relatou
melhora moderada dos sintomas de tremor.

3.5. Considerações Finais


Tremor essencial é classificado como uma síndrome clínica que
possui diferentes causas, ainda pouco conhecidas. São necessários
estudos para uma melhor caracterização das causas, incluindo
aspectos genéticos e fisiopatológicos, a fim de que, a partir de um
maior conhecimento sobre o tema, possa haver uma otimização do
tratamento.
4. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
a) Conhecer os principais aspectos clínicos do tremor essencial.
b) Entender diagnósticos para se ter em mente na abordagem
clínica ao tremor.

5. DICAS PRÁTICAS
a) O tratamento de primeira linha para tremor essencial consiste
em terapia medicamentosa oral com propranolol ou primidona.
b) Aproximadamente metade dos pacientes tratados com
propranolol ou primidona abandona o tratamento por causa dos
efeitos adversos e da eficiência limitada dos medicamentos.
c) Estimulação cerebral profunda pode ser indicada para
pacientes com tremor essencial grave não responsivo a
tratamento farmacológico. O alvo costuma ser o núcleo ventral
intermédio do tálamo.
d) Denomina-se “tremor essencial plus” o tremor essencial
acompanhado de outros sinais neurológicos leves que não são
suficientes para um diagnóstico alternativo.
e) O 123I-FPCIT SPECT (DaTscan) pode ser utilizado para ajudar
no diagnóstico em casos de difícil discernimento entre tremor
essencial e tremor por síndrome parkinsoniana.

REFERÊNCIAS
1. Haubenberger D, Hallett M. Essential Tremor. N Engl J Med. 2018; 378(19): 1802-10.
2. Shanker V. Essential tremor: diagnosis and management. BMJ. 2019; 366: l4485.
Capítulo 7

Síndrome Cognitiva
Autoras: Alina Maria Núñez Pinheiro e Danyela Martins Bezerra Soares
Orientadores: Pedro Braga Neto e Helder Gomes de Moraes Nobre

Caso 1. O labirinto da memória


Caso 2. Um acúmulo de achados
Caso 3. Paranoia ou alucinação?
Caso 4. Os 3 Ms
Caso 5. Fraqueza, irritabilidade e agressividade
Caso 1

O Labirinto da Memória
Autora: Alina Maria Núñez Pinheiro
Orientadores: Dr. Pedro Braga Neto e Dr. Helder Gomes de Moraes
Nobre

1. APRESENTAÇÃO DE CASO
a) Anamnese: Paciente, sexo feminino, 73 anos, casada,
comerciante e com ensino médio completo, procura assistência
médica, acompanhada da filha, por queixas de memória que
comprometem sua funcionalidade. A acompanhante relata que
a mãe, há alguns anos, já se mostrava uma pessoa “esquecida”,
que perdia objetos com frequência (p. ex., as chaves de casa e
do carro), e tornou-se gradualmente uma pessoa mais apática.
Há dois anos, a paciente perdeu a quantia de 5000 reais
enquanto ia ao banco depositar esse dinheiro. Recentemente o
quadro tem se agravado: o marido percebeu que a esposa
repete as mesmas perguntas inúmeras vezes. Acompanhante
informa, também, que a mãe tem perambulado pela casa sem
qualquer objetivo. Há três dias a paciente foi ao mercado, mas
não soube como voltar para casa. Atualmente a paciente não se
recorda de acontecimentos triviais do dia a dia: não se lembra
de realizar a higiene pessoal todos os dias, esquece se já fez as
refeições e de tomar os remédios de uso habitual. Durante a
consulta, a paciente acredita estar em um ortopedista e insiste
em queixar-se sobre seu “pé quebrado”, o que, de acordo com a
acompanhante, aconteceu há 15 anos e já foi resolvido. Possui
como antecedentes patológicos: DM 2 e osteoartrite. Nega
tabagismo, etilismo, quedas recentes, uso de drogas, crises
convulsivas, febre ou cefaleia.
b) Exame físico geral: Paciente em bom estado geral, eupneica,
acianótica, anictérica, afebril. FC de 68 bpm, Pressão arterial:
123 x 84 mmHg. Saturação de oxigênio: 98%. Ausência de
alterações ao exame físico abdominal, ausculta pulmonar e
cardíaca. Ausência, também, de outros sintomas
constitucionais.
c) Exame neuropsiquiátrico: No MEEM, a paciente pontuou
21/30, perdendo pontos em orientação temporal – não sabe o
dia do mês, da semana e o ano. Perdeu pontos também em
evocação de memória recente – não lembrou nenhuma das três
palavras solicitadas –, bem como na avaliação da atenção –
errou algumas subtrações na contagem de 100 a 65, quando
deveria subtrair 7. A paciente pontuou 17 no MoCA e 4 na escala
de depressão geriátrica. Não apresentou quaisquer outros
achados significativos no exame neurológico.

2. PARA PENSAR
a) Qual seria o raciocínio diagnóstico (sindrômico, topográfico,
nosológico e etiológico) do caso descrito?
b) Qual a importância de pedir exames gerais – pesquisa de
tireoideopatias, sorologias, perfil lipídico e glicêmico, função
renal, hepática e dosagem de eletrólitos – em quadros como
esse?
c) Em pacientes como essa, qual a importância de iniciar um
acompanhamento adequado assim que as primeiras queixas de
esquecimento aparecem?
d) O MEEM é uma boa ferramenta para rastreio inicial dessa
doença? Por quê?
e) Quais importantes diagnósticos diferenciais devem ser
considerados?
3. DISCUSSÃO
3.1. Diagnóstico Sindrômico
a) Síndrome demencial: esta síndrome, também chamada de
transtorno neurocognitivo maior, é classificada pelo DSM-V
como um declínio importante em um ou mais domínios
cognitivos (atenção complexa, função executiva, aprendizagem
e memória, linguagem, preceptomotor ou cognição social). Esse
déficit deverá ser tamanho a ponto de interferir nas atividades
de vida diária de um paciente. Além disso, as disfunções não
ocorrem exclusivamente no contexto de um delirium.

3.2. Diagnóstico Topográfico


Topografia de hipocampo
Sabemos que o processo de armazenamento de informações é
complexo. A parte inicial desse processo requer aquisição de
memória recente. Dessa forma, o hipocampo age como estrutura
fundamental, armazenando as memórias novas que, posteriormente,
poderão ser armazenadas no córtex, compondo as memórias de
longa data. Havendo disfunções no córtex hipocampal, espera-se
que o processo inicial de armazenamento de novas informações
seja, então, comprometido. Assim, a degeneração do hipocampo
prejudica a memória recente, porém não exerce influência
importante em memórias mais antigas. É importante considerar a
topografia de lobo frontal nessa paciente pelo comprometimento
importante da atenção, mas, tendo em vista a proeminência dos
sintomas relacionados à memória, a topografia de lobo temporal –
com enfoque no hipocampo – continua sendo a principal área
afetada no caso apresentado.

3.3. Diagnóstico Nosológico


Provavelmente degenerativa
Na história apresentada, temos uma paciente idosa com um
comprometimento importante da memória que, de acordo com a
história, teve uma evolução insidiosa – foram anos de queixa de
memória até a busca por um profissional da saúde –, sem sinais ou
sintomas sistêmicos. Nota-se também que, excetuando o exame do
estado mental, o exame neurológico da paciente não traz achados
que corroborem outra hipótese diagnóstica que não um processo
demencial puro, sem acometimento motor ou sensitivo – típico da
principal causa de demência no mundo. Sem quaisquer outras
queixas ou achados, a etiologia degenerativa se mantém como a
principal hipótese.

3.4. Diagnóstico Etiológico e Diferencial


Síndrome degenerativa por deposição de proteína amiloide –
Demência de Alzheimer
A doença de Alzheimer é a principal causa de demência no Brasil
e no mundo. Sua etiologia é degenerativa e, neste caso, a destruição
é causada por depósito de proteína amiloide, afetando a área
hipocampal, o que resulta em dificuldades de armazenamento de
memória recente, isto é, não se estende à memória de longa data, já
que esta já está armazenada em outras regiões do córtex do
paciente. Assim, na demência do Alzheimer, o sinal mais precoce é o
comprometimento da memória, visto que a principal região
acometida é o hipocampo, repercutindo no processo de retenção da
memória recente. Estando a paciente livre de quaisquer outros
sinais e sintomas no exame físico e neurológico, o diagnóstico de
doença de Alzheimer prevalece como principal hipótese
diagnóstica.1
É importante pontuar que a doença possui uma fase pré-clínica,
caracterizada por um declínio cognitivo leve, na qual o paciente
começa a apresentar algumas dificuldades nas AVDs – sigla para
“atividades de vida diária”, como cuidados com higiene pessoal,
alimentar-se, vestir-se etc… –, sem, todavia, necessitar de atenção
integral para a realização dessas atividades. Na fase inicial da
doença, o MEEM não costuma apresentar grandes alterações.
Reafirma-se, portanto, a necessidade de uma história clínica bem
coletada, uma vez que o diagnóstico da doença é clínico.1,2
A literatura traz uma série de novos exames que auxiliam no
diagnóstico da doença (análise liquórica com busca por proteína
amiloide-β42, PET com componente de Pittsburgh)2; entretanto,
considerando a realidade brasileira, poucos desses estarão
disponíveis para serem realizados, além de apresentarem um custo
elevado.
A doença de Alzheimer não tem cura, e o uso de
anticolinesterásicos no tratamento farmacológico visa apenas a
amenizar os sintomas do paciente, melhorando o aporte colinérgico.
Ainda não se conhecem drogas capazes de modificar o curso da
doença. Nesse sentido, o diagnóstico precoce de um declínio
cognitivo leve – quando a doença de Alzheimer ainda não evoluiu
para demência de Alzheimer – permite que algumas intervenções
com equipes multidisciplinares sejam realizadas para retardar o
avanço da doença. É importante desmistificar o fato de que o
esquecimento é uma característica natural do envelhecimento, pois
essa falsa crença prejudica o reconhecimento dos primeiros
sintomas da doença e, portanto, atrasa intervenções que podem
retardar sua evolução. É uma doença capaz de gerar muito
sofrimento ao doente e a seus familiares; assim, o cuidado da
equipe deve estender-se à família.3
Para o diagnóstico diferencial da DA, é fundamental diferenciá-la
de outras demências muito prevalentes. No caso da demência
vascular, por exemplo, observa-se um declínio cognitivo relacionado
à ocorrência de pequenos AVCs em regiões subcorticais –
normalmente as mais afetadas –, que geram um declínio cognitivo
escalonado, com achados de imagem que sugerem essa etiologia.
O paciente em questão terá fatores de risco semelhantes aos do
AVC (p. ex., dislipidemia, hipertensão e DM) e a função da memória
não costuma estar afetada logo de início, chamando atenção para
alterações no comportamento e no julgamento. Por ser de uma
etiologia vascular, a demência vascular também pode vir
acompanhada de achados motores ao exame físico. Além disso,
não é incomum que haja concomitância de demência vascular e
demência de Alzheimer em um paciente. Quando isso ocorre,
chamamos de demência mista.4
Apesar de incomum, outro quadro que deve ser descartado, já
que configura uma causa de demência reversível, é a Hidrocefalia de
Pressão Normal (HPN). Esse assunto será abordado nos próximos
capítulos; entretanto, é importante adiantar que o exame de imagem
traz dados importantes que facilitam a diferenciação entre DA e
HPN: enquanto na DA espera-se uma atrofia hipocampal vistosa, na
HPN a ventriculomegalia chama atenção. Além disso, a DA não
mostra sinais de acometimento da marcha, uma condição sem a
qual não direcionamos o pensamento para a HPN como hipótese
diagnóstica.4
O delirium também é outro diagnóstico diferencial importante,
principalmente porque se manifesta com um comprometimento
importante da atenção que pode ser confundido pelo cuidador.
Apesar de ser uma causa de alteração abrupta na cognição e na
atenção do paciente, é fundamental reconhecer que um paciente
que apresenta uma síndrome demencial está mais predisposto a ter
episódios de delirium. Quando o quadro clínico do paciente não tem
uma evolução condizente com a de um delirium e apenas essa
etiologia não é capaz de explicar os seus sintomas, a hipótese de
demência deve ser pensada. Ainda dentro do escopo dos sintomas
neuropsiquiátricos, a demência do Alzheimer pode se manifestar,
inicialmente, com uma apatia (tal qual ocorreu no presente caso
clínico) e alterações do comportamento. Outros sintomas
neuropsiquiáricos, como psicose, agressividade, agitação e
alucinações, podem estar presentes; entretanto, costumam estar
mais evidentes com a evolução da doença.5,6
Há também que se pensar na depressão no idoso, que pode
causar uma condição chamada pseudodemência depressiva.
Um idoso deprimido pode evoluir com comprometimentos
cognitivos importantes e que mimetizam uma demência para um
médico inexperiente. Nesse ponto, a psdeudodemência depressiva
pode mimetizar um quadro demencial à medida que o paciente se
mostrar desatento e relapso com a própria higiene. Nesses casos,
havendo alterações no MEEM, recomenda-se investigar se elas não
estão relacionadas a um desinteresse do paciente em realizar o
exame, o que pode estar intimamente relacionado a um processo
depressivo. Sabe-se, também, que pacientes idosos têm risco
aumentado para quadros depressivos; portanto, reafirma-se aqui a
importância de estar sempre atento aos “3Ds” do idoso: delirium,
depressão e demência.6,7
Outro ponto de suma importância diante de qualquer quadro
demencial é diagnosticar e tratar o que chamamos de “demências
reversíveis”, que podem ser causadas por etiologias como HIV,
hipotireoidismo, causas metabólicas (deficiências de vitaminas,
hipoglicemia), dentre outras. Portanto, em pacientes com síndrome
demencial, é fundamental solicitar os exames trazidos no início do
caso.
Tabela 1. Diferenças nos diagnósticos diferenciais para a Demência
do Alzheimer.

Delirium Depressão Demência

Início dos quadros Abrupto Insidioso Variável

Há alterações
cognitivas Sim Frequentemente* Sim
associadas?

Curso Flutuante Estável Estável

Alucinações Frequentemente
Frequentemente Ausentes (exceto
(considerar o ausentes (exceto
presentes em casos graves)
início do quadro) DCL)

* Considerando um paciente idoso, espera-se encontrar alterações cognitivas associadas à


depressão, configurando um quadro de pseudodemência depressiva. Pacientes de outras
faixas etárias, todavia, não costumam apresentar queixas cognitivas importantes
associadas aos quadros depressivos.

Fonte: Autora.

Tanto para a Demência do Alzheimer quanto para os demais


tipos de demência, é importante discorrer sobre o teste do relógio,
realizado rotineiramente no MEEM e no MoCA. Esse teste consiste
em solicitar ao paciente que desenhe um relógio analógico
marcando um determinado horário a ser solicitado pelo avaliador.
Ele tem como objetivo avaliar a função visuoespacial, a função
executiva e o planejamento do paciente, domínios cognitivos
costumeiramente comprometidos em quadros demenciais de forma
geral. Alguns estudos pontuam que esse teste apresenta um valor
preditivo negativo satisfatório para o rastreio de demências, sem
que haja, no entanto, uma boa capacidade para diferenciar o tipo de
demência.8 Na imagem abaixo, tem-se o exemplo de um teste do
relógio visivelmente alterado. Nele foi solicitado que o paciente
desenhasse um relógio pontuando o horário de 11:10.
Figura 1. Teste do relógio alterado em um paciente diagnosticado
com Demência do Alzheimer.

Fonte: Arquivo pessoal do Dr. Helder Gomes.

a) Exames complementares:

• Hemograma, glicemia de jejum, eletrólitos, função renal,


hepática e tireoidiana, vitamina B1 e B12, sorologias, PCR e
VHS: normais.

• RM de crânio: acentuada atrofia hipocampal. Nas demais


áreas, a acentuação de sulcos é condizente com a idade.
b) Tratamento e desfecho: Paciente foi encaminhada para
acompanhamento multidisciplinar. Foi iniciado o tratamento
com inibidores da colinesterase – pode ser escolhida
rivastigmina, galantamina ou donepezila, a depender do estágio
da doença. Outro fármaco que também pode ser usado, mas é
reservado para casos mais severos de demência, é a
memantina, um antagonista dos receptores NMDA. A família foi
convocada para uma reunião com a equipe de saúde para
discutir como promover o cuidado melhor dessa paciente.
A rotina da paciente foi replanejada com auxílio da equipe
multidisciplinar, incluindo alterações na alimentação e na rotina
diária de exercícios.

3.5. Considerações Finais


A DA é a principal causa de demência no mundo. É importante
reconhecer seus primeiros sintomas para que intervenções
multidisciplinares, que objetivem retardar o avanço da doença,
ocorram. Em pacientes idosos, não é incomum encontrá-la
associada a outra demência, como a de origem vascular, a chamada
demência mista. Sempre devemos descartar a possibilidade de
delirium ou depressão causando as queixas apresentadas pelo
paciente ou pelo cuidador. Em qualquer paciente com síndrome
demencial, é preciso excluir causas reversíveis que justifiquem o
aparecimento dos sintomas. Por se tratar de uma doença que não
tem cura, o objetivo no tratamento da doença é a redução dos
sintomas, bem como a melhora da qualidade de vida dos pacientes
e da família. Isso pode ser alcançado associando o tratamento
farmacológico a um acompanhamento com uma equipe
multidisciplinar.

4. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
a) Conhecer as principais manifestações da DA e seu
diagnóstico no raciocínio neurológico.
b) Compreender a dinâmica da memória e o motivo pelo qual a
DA se apresenta inicialmente com queixas de memória.
c) Entender a importância de agir na fase pré-clínica da doença,
quando ainda é possível tentar retardar o seu avanço.
d) Valorizar a importância do cuidado multidisciplinar na DA e
as questões psicossociais que interferem no bem-estar tanto do
paciente quanto do cuidador.

5. DICAS PRÁTICAS
a) Na presença de síndrome demencial, descartar inicialmente
uma causa reversível que explique o aparecimento dos
sintomas.
b) Em pacientes fora da faixa etária classicamente acometida –
abaixo de 65 anos –, atentar mais ainda para causas reversíveis
que justifiquem a síndrome demencial.
c) Havendo um MEEM com poucas alterações, mas com uma
história clínica condizente com DA, devem-se realizar outros
exames, como o MoCA, para refinar os resultados.
d) Suspeitar de outros tipos de demência quando a queixa de
memória não for a principal, ou vier precocemente associada a
queixas comportamentais, de disfunção visuoespacial,
disfunção executiva, entre outras.
e) Havendo déficit motor ou sensitivo associados, buscar outras
etiologias.

REFERÊNCIAS
1. Caplan GA. Delirium Superimposed Upon Dementia. J Am Med Dir Assoc. 2019;
20(11): 1382-3.
2. Sperling R, Karlawish J, Johnson., K. Preclinical Alzheimer disease—the challenges
ahead. Nat Rev Neurol. 2013; 9: 54–8.
3. Cass SP. Alzheimer’s Disease and Exercise: A Literature Review. Curr Sports Med Rep.
2017; 16(1): 19-22.
4. Geldmacher DS, Whitehouse PJ Jr. Differential diagnosis of Alzheimer’s disease.
Neurology. 1997; 48: S2–9.
5. Nowrangi MA. Neuropsychiatric Aspects of Alzheimer Dementia. Psychiatr Clin North
Am. 2020; 43(2): 383-97.
6. Liew TM. Depression, subjective cognitive decline, and the risk of neurocognitive
disorders. Alz Res Therapy. 2019; 11(1): 70.
7. Kim S, Jahng S, Yu KH, Lee BC, Kang Y. Usefulness of the Clock Drawing Test as a
Cognitive Screening Instrument for Mild Cognitive Impairment and Mild Dementia: an
Evaluation Using Three Scoring Systems. Dement Neurocogn Disord. 2018; 17(3):
100.
8. American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental
Disorders. 5. ed. Washington D.C.: American Psychiatric Association; 2013.
Caso 2

Um acúmulo de achados
Autora: Alina Maria Núñez Pinheiro
Orientadores: Dr. Pedro Braga Neto e Dr. Helder Gomes de Moraes
Nobre

1. APRESENTAÇÃO DE CASO
a) Anamnese: Paciente masculino, 63 anos, empresário, ensino
superior completo, casado. Dá entrada ao serviço de neurologia
acompanhado da esposa, encaminhado do serviço de
psiquiatria. Acompanhante refere que, há aproximadamente 2
anos e meio, notou que o marido começou a ter problemas na
gestão financeira da empresa; teve problemas com diversos
pagamentos, o que resultou em problemas financeiros para a
família. A acompanhante refere que houve uma mudança no
hábito alimentar do marido, que, embora antes tivesse alguma
aversão por doces, passou a consumir biscoitos, bolos e
sorvetes diariamente. Somado à mudança no hábito alimentar, o
paciente começou a demonstrar uma intensa rigidez de horários
e rotina, realizando as mesmas atividades todos os dias no
mesmo horário, num padrão ritualístico. O paciente passou,
também, a apresentar um comportamento acumulativo: se nega
a jogar fora papéis antigos sobre a empresa, recibos sem valor e
objetos sem utilidade (grampeador quebrado, pastas roídas por
cupins…). A acompanhante relata que o marido, antes uma
pessoa reservada, passou a apresentar um comportamento
mais extrovertido, fazendo comentários inapropriados na
presença de familiares ou amigos. Aproximadamente seis
meses após esses sintomas iniciais, a esposa refere que o
paciente perdeu totalmente o controle financeiro, apresentou
gastos compulsivos, o que arruinou parte do patrimônio da
empresa, resultando no afastamento completo do paciente do
controle da corporação. Há 2 meses, quando soube da morte de
um irmão, reagiu com indiferença à notícia e fez piada a respeito
da perda. O paciente também apresentou um comportamento
mais apático e recentemente tem se mostrado negligente com a
própria higiene. A esposa afirma que, atualmente, o marido se
apresenta com um discurso pobre, com dificuldade em
encontrar palavras e formar frases. Nega traumas, uso de
drogas, histórico de AVC, doença psiquiátrica prévia, histórico de
doença psiquiátrica na família, distúrbios do sono ou
movimentos involuntários.
b) Exame físico geral: Paciente pouco cooperativo, apático e
irritadiço. Afebril, hidratado. Pressão arterial: 130 x 82 mmHg,
hidratado, normocorado e eutrófico. Ausculta cardíaca e
pulmonar fisiológicas e exame abdominal sem alterações.
Frequência cardíaca de 74 bpm, constitucionais.
c) Exame neurológico: No MEEM, o paciente pontuou 19/30,
perdendo pontos em fluência verbal, nomeação, planejamento,
julgamento e na função executiva. A função visuoespacial foi
poupada. No teste da memória recente, o paciente lembrou de 2
das 3 palavras requeridas. Na Bateria de Avaliação Frontal, o
paciente pontuou 9/18. O restante do exame neurológico
apresenta sinais de Snout, Grasping e Palmomentoniano
bilateral.

2. PARA PENSAR
a) Qual seria o raciocínio diagnóstico (sindrômico, topográfico,
nosológico e etiológico) do caso descrito?
b) Existem variantes clínicas desse diagnóstico?
c) Além do tempo de evolução, que dados da história
corroboram o diagnóstico nosológico?
d) O que diferencia essa entidade de um quadro primariamente
psiquiátrico?
e) Quais importantes diagnósticos diferenciais devem ser
considerados?

3. DISCUSSÃO
3.1. Diagnóstico Sindrômico
Síndrome demencial com sinais de Frontalização
O paciente em questão apresenta uma alteração cognitiva que
trouxe impactos em suas atividades de vida diária, o que ocasionou
seu afastamento da gestão dos negócios familiares. Houve também
prejuízo social importante, além da falta de cuidados com a higiene
pessoal. Os danos à vida do paciente atendem aos critérios para
síndrome demencial. As alterações comportamentais do paciente
são notáveis. Mudanças bruscas de comportamento em um
paciente – notadamente os de idade mais avançada – podem
configurar uma síndrome comportamental secundária a algum
acometimento neurológico. A presença dos sinais de Grasping,
Snout e Palmomentoniano também sugerem sinais de Frontalização
associados ao quadro demencial.

3.2. Diagnóstico Topográfico


Topografia de córtex frontal e temporal
Antes mesmo que o diagnóstico topográfico seja sugerido pelo
exame de imagem, podemos suspeitar dessa topografia analisando
a história clínica do paciente. O paciente possui déficits de
linguagem proeminentes, sugerindo que há alguma disfunção nas
áreas primárias da linguagem, localizadas nos lobos frontal e
temporal, mais precisamente nas áreas perissilvianas. A história
também demonstra uma alteração comportamental importante,
com prejuízo do julgamento e da adequação social. Nesse sentido,
temos o protagonismo do lobo frontal associado ao comportamento
desinibido, à hiperoralidade e à pobreza da crítica do paciente.
Em pacientes como esse, é provável que o acometimento
proeminente do lobo frontal seja evidenciado no exame neurológico,
com os sinais de frontalização: reflexos de preensão palmar –
avaliado na Bateria de Avaliação Frontal –, reflexo de sucção e
projeção tônica dos lábios.

3.3, Diagnóstico Nosológico


Provavelmente degenerativo
O quadro insidioso apresentou uma evolução gradual ao longo de
anos, tornando menos provável uma etiologia vascular, cuja
apresentação é frequentemente súbita. A hipótese de
autoimunidade torna-se improvável pela história clínica do paciente,
visto que quadros autoimunes costumam se apresentar com
momentos de agudização (não relatados na presente história
clínica), bem como costumam ter uma evolução mais rápida se
comparada a processos degenerativos. Considerando a idade do
paciente e a evolução do quadro, pode-se cogitar um processo
tumoral. Todavia, o paciente não apresenta sinais de efeito de
massa, bem como não há achados sugestivos no exame de imagem
e laboratorial. Espera-se que etiologias metabólicas ou inflamatórias
se manifestem com alterações nos exames laboratoriais – os quais,
no caso do paciente, estavam normais –, afastando ambas as
hipóteses. Não há, na história clínica, achados que sugiram
iatrogenia, crises convulsivas, intoxicação ou trauma. A idade do
paciente torna improvável um quadro congênito que cause todas
essas alterações. Resta-nos, portanto, considerar uma doença
degenerativa como a gênese dos sintomas do paciente. Essa
hipótese é sustentada tanto pela clínica, com a evolução arrastada,
quanto pelo exame de imagem, que denuncia degeneração nos
lobos frontal e temporal.

3.4. Diagnóstico Etiológico e Diferencial


Variante comportamental da Demência Frontotemporal
A Demência Frontotemporal (DFT) é uma doença
neurodegenerativa na qual o acometimento ocorre
proeminentemente em lobo frontal, temporal ou em ambos, o que,
entretanto, pode ocorrer com diferentes apresentações clínicas.
É, pois, uma patologia que se apresenta com um espectro dentro do
qual podemos reconhecer três variantes, considerando o principal
lobo acometido. Quanto ao substrato anatomopatológico, não há
uma assinatura anatomopatológica da doença, tal qual ocorre com a
proteína amiloide na DA e a alfa-sinucleína na DCL e DP.1 Em relação
à apresentação clínica, a doença manifesta algumas peculiaridades
que facilitam a distinção entre as demais síndromes demenciais,
que serão discutidas abaixo:

• Idade de início: enquanto se espera que demências como a


DA, DCL ou demência associada à Doença de Parkinson
ocorram em indivíduos de idade avançada, a DFT é uma
importante causa de demência de início precoce, de forma
que a sua incidência se equipara à de DA em pacientes
menores de 65 anos. A faixa etária mais comumente
acometida pela doença é entre 45 e 64 anos.1,2

• Alterações de personalidade e comportamento: sendo a


personalidade de um indivíduo uma construção resultante das
experiências vividas por ele ao longo dos anos, não se espera
que haja alterações abruptas na personalidade de alguém
sem que essa mudança esteja associada a um processo
patológico (quadros de mania/hipomania, esquizofrenia,
quadro demencial, p. ex.). A DFT é comumente associada a
intensas alterações na personalidade dos pacientes, sendo
relatado na literatura um comportamento inflexível,
ritualístico, com rigidez de horários e de rotina. Em alguns
casos, o paciente pode mimetizar um Transtorno de
Personalidade Obsessivo-Compulsiva, no qual qualquer
mudança em seus hábitos ou horários causam um intenso
sofrimento. O paciente pode, também, apresentar alguns
comportamentos compulsivos, tais como checar sempre se
algo está fechado/desligado, ou compulsão por limpeza.3
• Alterações na linguagem: distúrbios da linguagem estão
intimamente associados à DFT. No caso apresentado, o
paciente manifestava um quadro de alteração
comportamental importante com pouco comprometimento da
linguagem, por se tratar da variante comportamental da
patologia em questão. Entretanto, relembrando o diagnóstico
anatômico da DFT, temos comprometimento dos lobos frontal
e temporal, o que implica um provável acometimento da
região perissilviana, área cortical responsável pela linguagem.
Dentro do espectro das DFT, há aquelas que se manifestam
com um quadro de Afasia (Afasia Primariamente
Progressiva), que podem ser subdivididas em logopênica, não
fluente ou semântica. A variante afásica da DFT tem como
sintoma cardinal um distúrbio progressivo da linguagem de
início precoce. Nesses pacientes, é comum que os demais
domínios da cognição estejam poupados ou sejam
minimamente afetados.1-3
A DFT pode se manifestar, como mencionado, com um espectro
de sinais e sintomas decorrentes da intensidade e da localização da
degeneração. Nesse sentido, é possível que coexistam em um
paciente sinais e sintomas de uma síndrome demencial associada à
síndrome do neurônio motor superior, explicada pelo acometimento
cortical – local onde estão os neurônios motores superiores – na
doença. A associação entre DFT e síndrome do neurônio motor
superior não é comum no início da doença; com a progressão do
quadro, todavia, espera-se que achados característicos do
acometimento desses neurônios se manifestem no paciente.
Síndromes parkinsonianas também podem aparecer nos estágios
mais avançados da doença.1
Quando pensamos em diagnósticos diferenciais relacionados à
DFT, a variante comportamental nos fornece uma infinidade de
hipóteses que permeiam a neurologia e a psiquiatria. Já a variante
semântica restringe um pouco mais as possibilidades diagnósticas.
A seguir estão listados alguns diagnósticos diferenciais a serem
considerados em pacientes com sintomatologia condizente com o
espectro das DFT.
• Distúrbio primariamente psiquiátrico: é um erro comum de
clínicos inexperientes atribuir mudanças no comportamento
ou na personalidade de um indivíduo, qualquer que seja a
idade dele, a patologias primariamente psiquiátricas. No caso
descrito, temos alguns pontos importantes que afastam a
possibilidade de doença psiquiátrica: idade do paciente,
ausência de sintomas psiquiátricos prévios e ausência de
doenças psiquiátricas na família. Entretanto, considerando as
afecções primariamente psiquiátricas, algumas
possibilidades diagnósticas devem ser discutidas.

• Transtorno do Humor Bipolar: A agitação do paciente, a


pobreza do julgamento e o comportamento inapropriado
poderiam conduzir o médico à hipótese de um episódio
maníaco de um Transtorno do Humor Bipolar (TB), porém,
devemos lembrar que esta patologia é classicamente
associada a adultos jovens, sendo muito improvável o
diagnóstico de TB de início tardio. Além disso, o TB não
justificaria déficits na linguagem ou na memória do paciente.
Outro ponto fundamental é lembrar-se da correlação entre TB
e histórico familiar, pois esta é a doença psiquiátrica com
maior correlação genética. Não havendo familiares com
histórico de sintomas maníacos ou diagnóstico de TB, as
chances desse diagnóstico reduzem mais ainda. É importante
também atentar-se à duração dos sintomas: um episódio
maníaco pode durar entre duas semanas a meses, mas
raramente dura mais de um ano.4

• Transtorno de Personalidade Obsessivo-Compulsiva: ainda


que alguns comportamentos do paciente se assemelhem a
esse diagnóstico – rigidez com horários, inflexibilidade com a
rotina e comportamento cumulativo –, essa possibilidade é
altamente improvável como causa primária dos sintomas.
O DSM V qualifica os transtornos de personalidade como
padrões persistentes de comportamentos e experiências
internas que se desviam intensamente das expectativas da
cultura de um indivíduo. Esse padrão deve ser estável e de
longa duração, tendo seu início entre a adolescência e início
da vida adulta. Dessa forma, ainda que o paciente apresente
sinais ou sintomas que possam sugerir um transtorno de
personalidade, esse diagnóstico seria secundário a algum
acometimento neurológico, uso de substância, traumas etc.4

• Depressão: não é infrequente que pacientes com DFT que se


apresentam com apatia sejam diagnosticados com
depressão. Considerando a idade do paciente, não é
improvável que um quadro depressivo justifique sintomas
apáticos; entretanto, é importante explorar minuciosamente a
história clínica desses pacientes para não cair no erro de
minimizar seu quadro clínico. Em idosos, um quadro
depressivo pode denunciar um quadro demencial subjacente;
portanto, uma história clínica bem elaborada, somada a um
exame neuropsiquiátrico bem executado, pode alertar para a
possibilidade de uma depressão como primeiro sinal de um
quadro demencial.4

• Transtorno Obsessivo-Compulsivo: para termos este


diagnóstico, de acordo com o DSM V, precisamos identificar
obsessões, compulsões ou ambas. Uma obsessão seria um
pensamento, imagem ou impulso indesejado, recorrente e
persistente que causa algum tipo de sofrimento ao paciente,
normalmente de caráter intrusivo. Para neutralizar a
obsessão, o paciente adota alguma ação ou pensamento.
Já a compulsão pode ser um ato mental – como fazer uma
oração ou repetir mentalmente uma palavra – ou um
comportamento repetitivo – lavar as mãos, checar a
fechadura – que o paciente executa em resposta à obsessão,
numa tentativa de reduzir a ansiedade e o sofrimento gerado
pela obsessão ou por alguma situação temida pelo paciente
(se eu não lavar as mãos, vou morrer, p. ex.). Na prática
clínica, é comum que esse transtorno seja confundido com a
personalidade obsessivo-compulsiva; entretanto, há
diferenças notáveis entre os dois diagnósticos. Na história
clínica do paciente, apesar do comportamento rígido e
ritualístico, não há indícios de obsessões ou compulsões,
afastando esse diagnóstico.4

• Demência por Corpos de Lewy: ver capítulo.


• Demência de Alzheimer: ver capítulo.
• Doença de Creutzfeldt-Jakob: embora essa etiologia possa
compartilhar alguns achados com a DFT, tais como
alterações do comportamento e linguagem, a doença de
Creutzfeldt-Jakob normalmente se apresenta como uma
demência rapidamente progressiva, de forma que a evolução
da doença ocorre em meses em vez de anos. No curso dessa
patologia, espera-se que o paciente apresente uma notável
perda na funcionalidade associada a uma gama de achados
motores, sendo as mioclonias um achado que, apesar de não
ser exclusivo da doença, alerta para a possibilidade desse
diagnóstico. A doença de Creutzfeldt-Jakob, bem como as
demais doenças priônicas, apesar de poder se apresentar
com diversas variantes clínicas, a depender do foco da
degeneração, é uma patologia muito rara, que dificilmente é
cogitada como primeira hipótese diagnóstica.5
a) Exames complementares:

• Hemograma, glicemia de jejum, eletrólitos, função renal,


hepática e tireoidiana, vitamina B1 e B12 e sorologias: normais.

• Ressonância magnética de crânio: acentuação notável de


sulcos em lobo frontal. Lobo temporal com acentuação de
sulcos, porém não tão proeminentes quanto no lobo frontal.
Lobos parietal e occipital sem achados dignos de nota. Nota-
se uma ventriculomegalia moderada com dilatação mais
acentuada na porção anterior dos ventrículos laterais.
b) Tratamento e desfecho: Infelizmente, não há terapia
farmacológica capaz de curar ou retardar a progressão da
etiologia em questão, mas o paciente pode se beneficiar de
terapia farmacológica. O uso de antipsicóticos, apesar de não
retardar a progressão da patologia, pode ocasionar uma
melhora nos sintomas comportamentais do paciente. O uso de
anticolinesterásicos, todavia, pode cursar com possível piora
comportamental associada, sendo, pois, evitado nesses
pacientes. Para um acompanhamento completo, o paciente foi
encaminhado para atendimento multidisciplinar junto à esposa,
à qual foi oferecido suporte psicológico.

3.5. Considerações Finais


A DFT é uma importante causa de síndromes cognitivas em
pacientes de meia-idade. A doença tem início insidioso e progressão
gradual. Alterações da linguagem, de comportamento ou da
personalidade em pacientes idosos ou de meia-idade não são
esperadas e podem estar associadas a essa etiologia. A doença
também pode se manifestar, em sua fase inicial, com um distúrbio
isolado da linguagem. Uma anamnese bem detalhada com busca
por sinais e sintomas clínicos – sintomas maníacos no TB, histórico
de trauma, AVC, uso de substâncias – que alertem para outras
etiologias também deve ser amplamente explorada nesses
pacientes, bem como em qualquer outro com sintomas sugestivos
de demência. Essa patologia gera muito sofrimento aos familiares
do paciente, uma vez que ocasiona alterações bruscas na sua
personalidade e consequentes desgastes nas relações familiares.
Para esses casos, é importante que não apenas o indivíduo seja
tratado, mas também os familiares – notadamente o cuidador –,
para que estes possam compreender o processo patológico pelo
qual o paciente passa e estejam, pois, dispostos a compreender e
ajudá-lo.

4. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
a) Conhecer as principais manifestações da DFT e seu
diagnóstico no raciocínio neurológico.
b) Saber diferenciar um quadro de DFT de outros quadros
primariamente psiquiátricos.
c) Entender as diferentes manifestações clínicas da doença e as
diferenças em seu curso clínico.
d) Compreender a importância do suporte multidisciplinar ao
paciente e à família e/ou acompanhante, visto que a patologia
em questão gera muito sofrimento aos entes queridos do
indivíduo.

5. DICAS PRÁTICAS
a) A DFT tem incidência equiparada à da DA em pacientes
abaixo de 64 anos; portanto, pode ser cogitada em quadros
cognitivos em pacientes jovens.
b) Diagnósticos psiquiátricos são sempre de exclusão. Deve-se
investigar perfil metabólico e cogitar causas neurológicas em
pacientes que, independentemente da idade, apresentem
queixas tipicamente psiquiátricas.
c) A doença pode se manifestar de diversas formas; portanto,
na prática clínica, o paciente pode apresentar sintomas de mais
de uma variante da doença.
d) A doença pode, também, se manifestar com sintomas
motores, principalmente afecções do trato corticoespinhal.
e) Déficits precoces da memória não são característicos da DFT.

REFERÊNCIAS
1. Bang J, Spina S, Miller BL. Frontotemporal dementia. Lancet. 2015; 386(10004): 1672–
82.
2. Olney NT, Spina S, Miller BL. Frontotemporal Dementia. Neurol Clin. 2017; 35(2): 339–
74.
3. Devenney, E. M., Ahmed, R. M., & Hodges, J. R. (2019).Frontotemporal dementia.
Handb Clin Neurol. 2019; 167: 279–99.
4. American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental
Disorders. 5. ed. Washington DC: American Psychiatric Association; 2013.
5. Kojima G, Tatsuno BK, Inaba M, Velligas S, Masaki K, Liow KK. Creutzfeldt-Jakob
disease: a case report and differential diagnoses. Hawaii J Med Public Health. 2013;
72(4): 136-9.
Caso 3

Paranoia ou alucinação?
Autora: Alina Maria Núñez Pinheiro
Orientadores: Dr. Pedro Braga NETO e Dr. Helder Gomes de Moraes
Nobre

1. APRESENTAÇÃO DE CASO
a) Anamnese: Paciente, sexo feminino, 86 anos, viúva,
aposentada, professora e com ensino superior completo, é
acompanhada na atenção primária por hipertensão arterial
sistêmica e episódio depressivo grave ocorrido aos 84 anos. Foi
encaminhada ao ambulatório de geriatria pelo médico da UBS
após necessidade de uso de 1mg de haloperidol para controle
de “alucinações visuais”. A paciente evoluiu, após uso da
medicação, com rigidez muscular importante, sendo necessário
buscar serviço de emergência, com resolução completa do
quadro muscular. A paciente vem acompanhada do filho, que
vive com ela, o qual informa que, apesar das queixas de humor
terem se iniciado há dois anos, a mãe já apresentou episódios
semelhantes em diversas ocasiões durante a vida, o que sugere
serem outros episódios depressivos, porém sem alucinações ou
sintomas maníacos associados. O filho informa também que,
antes desse episódio depressivo, a paciente morava só.
Entretanto, evoluiu com incapacidade de cozinhar e de gerir
seus gastos pessoais, o que a obrigaram a morar com o filho.
Além disso, o mesmo relata que, após um ano que a mãe veio
morar consigo, ela passou a falar que, em algumas ocasiões, via
o falecido marido andando pela casa ou sentado em sua cama.
Quando questionada durante a consulta, a paciente conta, de
forma natural, que também avista animais em seu quarto – uma
cobra sobre a cama, um cachorro correndo no quarto – com
frequência. O filho relata que muitas vezes a mãe está com a
atenção dispersa e sem interagir com o ambiente ao seu redor;
afirma que esses momentos de “ausência” da mãe são piores
no período noturno, porém atribui a desatenção ao “problema de
sono” que a paciente apresenta há vários anos (sono inquieto,
com episódios de gritos durante à noite). O acompanhante se
queixa também de que a paciente possuía o hábito de ir à igreja
sozinha durante a tarde, mas que ultimamente tem se perdido
no caminho, necessitando de uma companhia para fazer o
percurso que outrora fazia sem dificuldade. Além disso, há
aproximadamente um ano e meio, o filho se viu obrigado a
restringir o acesso da mãe ao automóvel da família, pois ela se
envolveu em diversos acidentes, sendo o último ainda dentro do
estacionamento de casa. O acompanhante relata, também, que
percebe que a mãe está cada vez mais lentificada em seus
movimentos e pensamentos, com piora da memória (p.ex., está
esquecendo acontecimentos recentes). A paciente não tem
história de trauma, quedas recentes, sintomas sistêmicos,
crises convulsivas ou AVC.
b) Exame físico geral: Paciente afebril, normocorada, eutrófica e
eupneica, FC: 68 bpm, pressão arterial: 144 x 82 mmHg.
Saturação de oxigênio: 98%. Ausculta cardíaca, pulmonar e
exame abdominal sem alterações. Ausência de sintomas
constitucionais.
c) Exame neuropsiquiátrico: Paciente vigil, orientada no tempo e
espaço, com hipomimia e instabilidade da marcha,
apresentando redução dos movimentos dos braços. Notou-se
uma bradicinesia bilateral moderada em membros superiores e
inferiores, leve rigidez em roda denteada em membros
superiores. Não foi observado tremor de repouso ou intencional.
Força muscular preservada globalmente, sem atrofias
musculares. Sem distúrbios de sensibilidade. Provas
cerebelares negativas.
• No MEEM, a paciente pontuou 18, perdendo pontos em
orientação de tempo e espaço, evocação de memória recente
e atenção. A paciente foi incapaz de reproduzir o desenho dos
pentágonos.

• A paciente pontuou 19 no MoCA, perdendo pontos,


notadamente, na função visuoespacial, com menor perda de
pontos em memória de evocação e atenção. A paciente
pontuou 4 na escala de depressão geriátrica.

2. PARA PENSAR
a) Qual seria o raciocínio diagnóstico (sindrômico, topográfico,
nosológico e etiológico) do caso descrito?
b) O que nos leva a pensar que se trata de uma afecção
neurológica, não algo primariamente psiquiátrico?
c) Quais informações da história clínica apresentada são
fundamentais para considerar essa doença como principal
hipótese diagnóstica?
d) Que outros dados, não apresentados na história, poderiam
colaborar com a principal hipótese diagnóstica?
e) Quais importantes diagnósticos diferenciais devem ser
considerados?

3. DISCUSSÃO
3.1. Diagnóstico Sindrômico
a) Síndrome Demencial/Síndrome Cognitiva: o principal ponto
para definir uma síndrome demencial é o impacto nas atividades
de vida diária (AVD), o que se mostra presente no caso
apresentado. Além disso, a paciente apresenta
comprometimento da função visuospacial, da atenção e da
memória. Adicionam-se a esses achados alterações
quantitativas e qualitativas no estado de consciência da
paciente, além de déficits da atenção (paciente alheia ao seu
redor), sugerindo a presença de uma síndrome cognitiva.
b) Síndrome Parkinsoniana: o quadro da paciente apresenta
sintomas parkinsonianos. A síndrome parkinsoniana tem como
sintoma cardinal a bradicinesia, podendo estar acompanhada de
rigidez, instabilidade postural e tremor. No exame neurológico,
constata-se a bradicinesia, redução da mímica facial, rigidez em
roda denteada e perda do balanço natural dos braços durante a
marcha, implicando em uma instabilidade postural, o que é
suficiente para encaixá-la nessa síndrome.

3.2. Diagnóstico Topográfico


Topografia de córtex e mesencéfalo
Estamos falando de uma síndrome demencial importante,
sinalizando para uma disfunção cortical. O córtex é responsável
pelas funções cognitivas superiores – linguagem, memória, função
visuoespacial, função executiva etc. –, portanto, a disfunção cortical
em um paciente justifica o aparecimento de inúmeros déficits
neurológicos. Além disso, é importante pontuar que a paciente
apresenta um distúrbio do movimento notável, sinalizando
comprometimento da via extrapiramidal (nigroestriatal), a qual é
responsável pelo controle motor. A disfunção nessa via é
evidenciada por sintoma tais como bradicinesia, rigidez em roda
denteada, redução do balanço natural da marcha e instabilidade
postural, demonstradas no exame neurológico.

3.3. Diagnóstico Nosológico


Provavelmente degenerativa
O caso em questão apresentou uma evolução gradual dos sinais
e sintomas, o que guia o raciocínio clínico para etiologia
degenerativa ou neoplásica, ambas corroboradas pela idade da
paciente. A história, todavia, não colabora para uma hipótese
neoplásica, uma vez que não se notam queixas associadas a efeito
de massa, sinais de aumento da pressão intracraniana ou crises
convulsivas. Além disso, é importante notar que não há queixa de
sintomas sistêmicos, como perda de peso, febre prolongada,
sudorese noturna etc. Explorando mais a história clínica,
encontramos sinais/sintomas de uma fase pré-clínica da doença,
como distúrbios do sono REM e múltiplos episódios depressivos,
que sinalizam para algumas etiologias.
Considerando a combinação entre a evolução arrastada do
quadro, a idade da paciente e a ausência de sinais e sintomas
sistêmicos, etiologias como vascular, congênita, inflamatória e
autoimune tornam-se pouco prováveis. Também não há histórico de
crises convulsivas, intoxicação – partindo-se do pressuposto de que
o problema com o haloperidol já foi resolvido –, iatrogenia ou algo
que sugira um quadro inflamatório. Essa sensibilidade pronunciada
ao uso de neurolépticos, resultando em um quadro de intensa
rigidez (como relatado pelo acompanhante), é um ponto chave para
guiar o diagnóstico da paciente e deve ser levado em consideração.
O fato de não haver histórico recente de quedas ou traumas também
é um fator importante, lembrando que no idoso devemos cogitar a
possibilidade de ruptura de veias pontes, por exemplo – o que
levaria a um quadro de hematoma subdural, que pode se manifestar
clinicamente como um quadro demencial. Esse achado é um
importante sinalizador para uma etiologia em questão, tendo em
vista que os neurolépticos agem na neurotransmissão
dopaminérgica. Uma sensibilidade exagerada a essas drogas
denunciam desequilíbrio nas grandes vias dopaminérgicas.
Os exames laboratoriais afastam causa metabólica de demências
reversíveis. Após o exame físico, avaliação laboratorial e de
neuroimagem, fica notável que a principal hipótese a ser cogitada é
a de doença degenerativa.
“E por que não um quadro primariamente psiquiátrico?”, você
deve estar se perguntando. Primeiramente, é muito improvável que
um quadro primariamente psiquiátrico, excetuando-se a depressão,
tenha início em um paciente previamente hígido com idade
avançada. Em todo e qualquer paciente com queixas
neuropsiquiátricas, independentemente da idade, os diagnósticos
primariamente psiquiátricos são de exclusão, necessitando
descartar outras causas antes de estabelecer o diagnóstico.1 O
segundo ponto é que a paciente não apresenta alucinações
clássicas de doenças primariamente psiquiátricas, que são
predominantemente auditivas.
Ao se deparar com um histórico de alucinações visuais, é
importante estar atento a diagnósticos neurológicos.2 No caso
apresentado, este achado, somado à história natural dessa doença,
bem como a presença de outros sinais e sintomas neurológicos,
favorecem a hipótese de um acometimento de sistema nervoso
central com manifestações psiquiátricas secundárias ao quadro.

3.4. Diagnóstico Etiológico e Diferencial


Síndrome degenerativa por deposição de alfa-sinucleína – Demência
por Corpos de Lewy (DCL)
A DCL é uma entidade curiosa da neuropsiquiatria, haja vista que
promove a união de três grandes áreas: geriatria, neurologia e
psiquiatria. Há muitos indícios na história da paciente que alertam
para o diagnóstico de DCL; vamos aos principais:

• Comprometimento precoce da função visuoespacial:


diferentemente da demência de Alzheimer, queixas de
memória não costumam ser as primeiras notadas em um
paciente com DCL. Em vez disso, espera-se que o paciente se
apresente primariamente com outros déficits cognitivos, tais
como problemas de atenção e alterações na função
visuoespacial.3

• Acometimento motor associado ao quadro demencial: a DCL


compartilha o mesmo substrato anatomopatológico da
Doença de Parkinson, os depósitos de alfa-sinucleína.
Diferentemente da DP, que costuma apresentar o quadro
demencial anos após o surgimento dos sintomas motores, a
DCL apresenta-se com um quadro demencial mais precoce,
podendo ocorrer o aparecimento das queixas cognitivas antes
ou concomitantemente às queixas motoras. Em relação ao
comprometimento motor na DCL, este, normalmente, não
chama tanta atenção como queixa principal se comparado ao
acometimento motor na DP, embora possa ser tão grave
quanto. É fundamental ter em mente que os quadros de DP e
DCL apresentam-se de formas diferentes – considerando-se o
curso natural da doença – quanto ao momento em que
surgem os sintomas cognitivos. Além disso, quanto aos
sintomas motores, a síndrome parkinsoniana da DP costuma
ter um padrão mais assimétrico se comparado ao da DCL.4

• Alucinações visuais: são um achado classicamente


associado à DCL, podendo estar presentes em até dois terços
da população acometida. São alucinações elaboradas que
podem aparecer logo no início da doença, precedendo os
sintomas motores. É comum que as alucinações descritas
sejam bem formadas, e seu conteúdo costuma ser com
animais ou pessoas as quais não geram sensação de medo
ao paciente. A presença de alucinações visuais é um
importante fator para a diferenciação da DCL de outras
demências ou síndromes parkinsonianas.3,4

• Sensibilidade pronunciada a antipsicóticos: este é um ponto


muito importante da DCL. Não é raro encontrar pacientes que,
devido às queixas de alucinações visuais ou por suspeita de
um quadro de delirium, são medicados com antipsicóticos
sem que haja uma avaliação minuciosa do quadro clínico.
Resulta disso um quadro de resposta grave ao antipsicótico,
com intensa rigidez e sintomas como uma síndrome
neuroléptica maligna. Havendo suspeita de DCL com
necessidade de tratamento dos sintomas psicóticos,
devemos escolher antipsicóticos que não cursem
classicamente com sintomas extrapiramidais, como
olanzapina, quetiapina, aripiprazol ou clozapina.4
• Flutuações no nível de consciência: na DCL, é comum que os
acompanhantes descrevam momentos nos quais o paciente
parece estar ausente. Essa flutuação dos sintomas é uma
queixa comum nos pacientes com DCL, entretanto, deve-se
atentar para o fato de que um paciente em delirium também
pode apresentar esses momentos de alteração abrupta no
nível de consciência. Preste atenção ao fato de que as
demências constituem um importante fator predisponente
para quadros de delirium, portanto, o diagnóstico de DCL não
impede que, em determinados momentos, o paciente tenha
episódios de delirium associados.5

• Distúrbios do dono REM: este é um achado muito comum em


pacientes com DCL, bem como em pacientes com DP,
podendo ocorrer até 20 anos antes do início da doença.
Os pacientes queixam-se de vocalização, movimentos
bruscos durante o sono, alguns chegando a machucar o
parceiro e necessitar de intervenções para evitar que o
parceiro ou o paciente se machuquem. É ocasionado pela
perda da atonia do sono na fase REM.3,4
Outros sintomas poderiam ser explorados na história clínica para
melhor delinear o diagnóstico, tais como a presença de constipação,
hiposmia, histórico de síncope, quedas frequentes, sintomas
disautonômicos ou presença de outros transtornos do humor.4 Essa
exploração mais ampla da história da paciente delinearia um pouco
mais o diagnóstico clínico, entretanto, os dados apresentados na
anamnese são suficientes para que a principal hipótese diagnóstica
seja DCL. É fundamental para o diagnóstico da DCL a coleta
minuciosa da história do paciente associada a um exame físico bem
feito, para que sejam descartados alguns diagnósticos diferenciais,
tais como:

• Doença de Parkinson (ver capítulo)


• Parkinsonismos atípicos: DCB, AMS e PSP (ver capítulo);
• Outras demências: Demência de Alzheimer, Demência
vascular, Demência Frontotemporal (ver capítulos);

• Depressão no idoso: devemos nos atentar ao fato de que a


prevalência de depressão a partir de 60 anos é maior que em
outras idades, e que ela pode cursar com sintomas cognitivos
e alterações da memória e atenção que melhoram após o
início do tratamento. A pseudodemência depressiva, já
comentada no capítulo de Demência de Alzheimer, mimetiza
quadros demenciais e deve ser investigada em idosos com
queixas cognitivas. Atente-se para o fato de que um quadro
demencial e um quadro depressivo podem coexistir em um
paciente idoso. Vale salientar que quando o primeiro episódio
depressivo ocorre no paciente ainda jovem e recorre no idoso,
pensa-se mais na hipótese de depressão isolada. Quando o
primeiro episódio depressivo ocorre apenas no idoso, fala-se
mais a favor de um quadro demencial comórbido, sendo
importante realizar rastreio cognitivo.

• Síndromes demenciais reversíveis: são aquelas síndromes


demenciais cujo processo fisiopatológico está associado a
uma condição reversível, tais como doenças infecciosas e
estado inflamatório (HIV, Hepatites, Sífilis, Tuberculose),
Hidrocefalia de pressão normal (ver capítulo) ou deficiências
metabólicas (Deficiência de vitamina B12, B1 e
hipotireoidismo).

• Delirium: por ser uma entidade que causa déficits


importantes de atenção ou estados de intensa agitação
psicomotora, o delirium – principalmente o hipoativo – é uma
condição que necessariamente deve ser investigada em
pacientes idosos com alterações cognitivas. O delirium,
todavia, difere da demência à medida que tem início abrupto e
finda assim que a condição precipitante (infecção, dor,
contenção física, medicação etc.) é descoberta e revertida.
É
É relevante ressaltar que um paciente com uma síndrome
demencial de base tem um fator predisponente para entrar
em estado de delirium, portanto, os dois diagnósticos podem
coexistir em um mesmo paciente.
Na história em questão, a paciente apresentava um quadro de
piora dos sintomas ao entardecer, o efeito sundowning, que pode ser
encontrado tanto em pacientes com DCL quanto em outros quadros
demenciais.6 Outro ponto intrigante é a associação feita pelo
acompanhante entre os sintomas da paciente e o distúrbio do sono.
No quadro em questão, a presença de distúrbios do sono REM
anteriores ao quadro demencial sugere DCL ou Doença de
Parkinson, entretanto, em um idoso sem grandes achados motores
ou cognitivos, é importante cogitar a possibilidade de problemas de
sono – como insônia – ocasionarem uma sonolência diurna
excessiva. A sonolência diurna pode assustar familiares e levá-los a
crer que o paciente possa estar apresentando uma síndrome
demencial.
Por se tratar de um paciente idoso, é importante ter em mente os
“3Ds do idoso” que podem cursar com alterações comportamentais:
delirium, depressão e demência. É importante lembrar que essas 3
entidades clínicas possuem terapêuticas diferentes, portanto, é
importante conhecê-las para, então, estabelecer um tratamento
correto para cada uma delas.
A diferenciação entre DP e DCL também é de fundamental
importância. Embora ambas as doenças apresentem o mesmo
substrato anatomopatológico, a apresentação e o curso clínico das
doenças diferem. A diferenciação entre essas patologias também
implica em escolhas terapêuticas diferentes a depender do quadro
clínico apresentado pelo paciente.
a) Exames complementares:

• Hemograma, glicemia de jejum, eletrólitos, função renal,


hepática e tireoidiana, vitamina B1 e B12, sorologias, PCR e
VHS: normais.

• RM de crânio: acentuada atrofia cortical difusa.


b) Tratamento e desfecho: Inicialmente, recomendou-se ao
acompanhante que retirasse completamente o haloperidol e
evitasse qualquer tipo de antipsicótico típico. O tratamento
farmacológico com inibidor da colinesterase – os
anticolinesterásicos disponíveis no Brasil são: donepezila,
rivastigmina e galantamina – foi iniciado e a paciente foi
encaminhada para a avaliação neuropsiquiátrica a fim de
reavaliar o tratamento com antipsicótico e se prescrever, se
necessário, um com menor perfil de efeitos colaterais motores.
A paciente seguiu para o acompanhamento com uma equipe
multidisciplinar. Nesses pacientes, é importante manter um
acompanhamento rigoroso, pois deve haver um equilíbrio entre
a prescrição de antipsicóticos – para tratar o quadro de
alucinação ou de agitação, se presente – e, em casos de
sintomas motores graves, a prescrição de antiparkinsonianos.
Isso se deve ao fato de que, no nível da neurotransmissão,
essas medicações exercem efeitos “contrários”, de forma que
os antiparkinsonianos pioram a psicose e os antipsicóticos
podem piorar o parkinsonismo.

3.5. Considerações Finais


A DCL é um diagnóstico importante a ser considerado em
paciente com síndrome demencial associada a algum
comprometimento motor. Tem um diagnóstico clínico e uma história
natural que permite diferenciá-la da DA e da DP por meio de
anamnese e exame físico cuidadosos. É a segunda principal causa
de demência degenerativa e a terceira principal causa de demência
não reversível no mundo. Reconhecer essa entidade clínica implica
em evitar iatrogenias, como as que podem ocorrer com o uso
desnecessário de um antipsicótico, e estabelecer a terapêutica
correta.

4. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
a) Conhecer as principais manifestações da DCL e seu
diagnóstico no raciocínio neurológico.
b) Saber quais sinais na história clínica do paciente sinalizam
para um parkinsonismo atípico.
c) Diferenciar um quadro primariamente neurológico de uma
afecção psiquiátrica de início tardio.
d) Conhecer os principais diagnósticos diferenciais dessa
entidade clínica.

5. DICAS PRÁTICAS
a) Na presença de síndromes demenciais com acometimentos
motores, é importante cogitar o diagnóstico de DP ou
parkinsonismos atípicos.
b) A DCL não costuma se apresentar com comprometimento da
memória logo no início do curso da doença. Em vez disso, a
função visuoespacial e a atenção costumam ser as esferas
cognitivas mais afetadas.
c) A presença de alucinações visuais bem elaboradas, na
presença de uma síndrome demencial, sinaliza para uma
possível DCL.
d) Na suspeita de DCL, é importante ter cuidado ao prescrever
antipsicóticos e, havendo a necessidade do uso da medicação,
optar por medicações menos associadas a reações adversas
graves.

REFERÊNCIAS
1. Fujishiro H, Okuda M, Iwamoto K, Miyata S, Torii Y, Iritani S, et al. Early diagnosis of
Lewy body disease in patients with late-onset psychiatric disorders using clinical
history of rapid eye movement sleep behavior disorder and [123I]-
metaiodobenzylguanidine cardiac scintigraphy. Psychiatry Clin Neurosci. 2018; 72(6):
423–34.
2. O’Brien J, Taylor JP, Ballard C, Barker RA, Bradley C, Burns A, et al. Visual hallucinations
in neurological and ophthalmological disease: pathophysiology and management.
J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2020; 91: 512-9.
3. Mueller C, Ballard C, Corbett A, Aarsland D. The prognosis of dementia with Lewy
bodies. Lancet Neurol. 2017; 16(5): 390–8.
4. Jellinger KA. Dementia with Lewy bodies and Parkinson’s disease-dementia: current
concepts and controversies. J Neural Transm (Viena). 2017; 125(4): 615–50.
5. Fong TG, Inouye SK, Jones R. Delirium, Dementia, and Decline. JAMA Psychiatry. 2017;
74(3): 212-3.
6. Todd WD. Potential Pathways for Circadian Dysfunction and Sundowning-Related
Behavioral Aggression in Alzheimer’s Disease and Related Dementias. Front Neurosci.
2020; 14: 910.
Caso 4

Os 3 Ms
Autora: Alina Maria Núñez Pinheiro
Orientadores: Dr. Pedro Braga Neto e Dr. Helder Gomes de Moraes
Nobre

1. APRESENTAÇÃO DE CASO
a) Anamnese: Paciente masculino, 69 anos, contador,
procedente de zona urbana, com boas condições
socioambientais, vem encaminhado da urologia devido a uma
urgência urinária com polaciúria de início há aproximadamente
03 meses, já tendo sido descartada a hipótese de causa
infecciosa, anatômica e prostática pela equipe da urologia.
Refere que, além dos problemas com a incontinência urinária,
tem sentido dificuldades para caminhar, de início há,
aproximadamente, 1 ano, o que resultou em 2 quedas nos
últimos 6 meses, sem grandes repercussões clínicas.
O acompanhante, que é filho do paciente e vive com ele, informa
que, nos últimos meses, o pai tem se mostrado esquecido em
relação ao seus compromissos, tem tido dificuldade para
“encontrar as palavras” e que esquece o nome de alguns
clientes de que antes se lembrava com facilidade; também está
confuso com datas e horários e que, por esses motivos, pediu
afastamento temporário do trabalho. Informa ainda que, em
alguns períodos do dia, o pai tem episódios de alienação para
os fenômenos que ocorrem ao seu redor e não consegue
administrar as próprias finanças. Além disso, vem com
progressiva alteração da marcha, em que muitas vezes “trava”,
ficando sem andar, como se estivesse preso ao chão. O
paciente é acompanhado em UBS próxima à sua residência por
hipertensão arterial e diabetes, ambas bem controladas com o
uso de metformina e losartana diariamente (sic). Nega
cefaleias, náuseas, vômitos, diplopia, síncopes, alucinações
visuais ou perda visual. Paciente nega também tabagismo e
etilismo e, em sua história patológica pregressa, não há: AVC,
crises convulsivas, cirurgias, transfusões sanguíenas ou
traumas recentes.
b) Exame físico geral: Bom estado geral, afebril, hidratado,
pressão arterial 142 x 86 mmHg, hidratado, normocorado e
eutrófico. Ausência de sintomas sistêmicos. Ausculta cardíaca e
pulmonar fisiológicas e exame abdominal sem alterações.
Frequência cardíaca de 83 bpm, constitucionais.
c) Exame neurológico: Paciente pontuou 23/30 no MEEM,
perdendo 4 pontos em cálculo, 2 pontos em memória imediata e
1 ponto em habilidade visuosconstrutiva. Não havia sinais de
liberação frontal. O exame motor não trouxe alterações de força
ou tônus em nenhum dos membros. Fundo de olho sem
papiledema. Os reflexos profundos estavam presentes, sem
reflexos patológicos. Não foram notados déficits de
sensibilidade. O exame da marcha, todavia, mostrou uma
marcha em pequenos passos, dificuldade em iniciar os
movimentos, caracterizando quadro de apraxia da marcha.
Paciente mostrou muita dificuldade em realizar rotações. Havia
instabilidade postural importante verificada ao impulsionar
levemente o paciente.

2. PARA PENSAR
a) Qual seria o raciocínio diagnóstico (sindrômico, topográfico,
nosológico e etiológico) do caso descrito?
b) Esse paciente poderia apresentar melhora após realizar a
retirada de um pouco de líquor? Justifique.
c) Qual a importância de realizar um exame de imagem nesse
paciente?
d) Quais importantes diagnósticos diferenciais devem ser
considerados?

3. DISCUSSÃO
3.1. Diagnóstico Sindrômico
a) Síndrome Cognitiva: o paciente se apresenta com algumas
dificuldades no MEEM, tais como memória recente e problemas
com cálculo, o que causa um certo estranhamento, conhecendo
a profissão exercida por ele. Configura-se, portanto, como uma
síndrome cognitiva.
b) Síndrome de Apraxia da Marcha: percebe-se, pela dificuldade
na marcha, que o paciente possui algum grau de apraxia na
marcha. A instabilidade postural somada às dificuldades de
realizar alguns movimentos caracteriza uma síndrome de
apraxia da marcha.

3.2. Diagnóstico Topográfico


Topografia provável: córtex (difusamente)
Nesse paciente, temos a combinação de sintomas motores com
sintomas cognitivos, o que nos leva a pensar no córtex como região
acometida. Essa hipótese, além de conseguir explicar o
acometimento motor e cognitivo, é sustentada principalmente pela
presença das dificuldades cognitivas do paciente. Além disso, é
preciso considerar a queixa urinária, a qual também pode estar
associada a uma disfunção cortical, dada a importância dessa
região na fisiologia da micção. Em suma, um comprometimento
cortical difuso conseguiria explicar os sintomas do paciente,
considerando-se, também, a ausência de outros sinais, como
hemiparesia, déficit na força ou na sensibilidade.

3.3. Diagnóstico Nosológico


Compressiva
Assumindo que nesse caso há um acometimento cortical focal,
nota-se que tal processo afetou difusamente o córtex do paciente;
portanto, é importante buscar um diagnóstico nosológico que
explique o acometimento difuso. No caso supracitado, uma etiologia
compressiva seria capaz de explicar os sinais e sintomas do
paciente, apesar de, paradoxalmente, sintomas do aumento da
pressão intracraniana não estarem presentes nesse paciente
(papiledema, cefaleia, vômitos, p. ex.). A hipótese de compressão
também é sustentada pelo fato de que a retirada de LCR aliviou os
sintomas do paciente. A ausência de sinais e sintomas sistêmicos
desfavorece etiologias como inflamação ou neoplasias. O curso
arrastado não corrobora uma origem vascular. Não há relato de uso
de drogas, traumas, crises convulsivas. Também não há achados
que sugiram um efeito de massa secundário a uma neoplasia.
Outros sinais motores ou sensitivos que levariam à suspeita de
síndromes medulares ou síndromes de neurônio motor superior e/ou
inferior não se fazem presentes.

3.4. Diagnóstico Etiológico e Diferencial


Hidrocefalia de Pressão Normal
O caso clínico apresentado satisfaz a tríade clássica da HPN:
problemas na marcha, incontinência urinária e síndrome demencial.
Individualmente, os sintomas da tríade são inespecíficos para o
estabelecimento de um diagnóstico, mas o sintoma cardinal da
doença é a dificuldade motora. A apresentação clínica também é
variada – a literatura traz que menos de 60% dos pacientes se
apresentam com a tríade clássica –, o que pode retardar o
diagnóstico. Na hipótese de HPN, a coleta de líquor é um exame de
suma importância por também configurar como uma “prova
terapêutica”, uma vez que a literatura relata melhora dos pacientes –
principalmente dos sintomas motores – logo após a punção lombar,
apresentando alto valor preditivo positivo.¹
Um ponto importante que deve ser considerado antes da
realização de uma punção lombar é avaliar se a presença sinais de
aumento da pressão intracraniana, tais como papiledema, cefaleia e
vômitos, configura um sinal de alerta por risco de herniação caso a
punção seja feita; portanto, indica-se a realização de um exame de
imagem antes de seguir com o procedimento². O paciente em
questão, todavia, não apresentava nenhum desses sinais, além de
apresentar uma pressão de abertura normal no exame de punção
lombar, o que também corrobora o diagnóstico de HPN. Outro ponto
importante que favorece a hipótese de HPN é a idade do paciente.
A literatura traz que a idade mais comum para o aparecimento
dessa etiologia é a partir dos 65 anos, havendo algumas
divergências quanto à idade média dos pacientes acometidos.³
No exame neurológico apresentado, a avaliação da marcha é
uma importante norteadora do raciocínio clínico. A literatura
caracteriza a marcha na HPN como um movimento no qual os pés
parecem colados ao chão; o paciente pouco levanta os pés para
caminhar e a dificuldade em fazer curvas também é descrita.4
Outros sinais e sintomas também podem ser encontrados no exame
neurológico, como reflexo plantar em extensão, reflexo palmoplantar
positivo, reflexo glabelar inesgotável, dentre outros achados. Devido
à associação entre comprometimento motor e síndrome demencial,
é importante considerar as etiologias que se manifestam com
síndromes parkinsonianas como diagnósticos diferenciais
importantes. É, pois, imprescindível buscar por sinais de
parkinsonismos no paciente (bradicinesia, rigidez, tremor e
instabilidade postural), bem como perguntar ativamente ao paciente
se há alucinações visuais, objetivando descartar uma Demência por
Corpos de Lewy.4,5
Em casos como o apresentado, a idade do paciente torna os
diagnósticos de delirium, depressão e demência prováveis,
entretanto, o acometimento motor torna improvável etiologias como
delirium e depressão. O paciente apresenta, contudo, uma síndrome
demencial que deve ser valorizada. Nesse contexto, é importante
descartar causas reversíveis de demência (hipotiroidismo,
neurossífilis, deficiências vitamínicas, p. ex.), o que justifica a
realização de uma série de exames laboratoriais. O exame de
imagem também é útil para sinalizar algumas possíveis etiologias
prováveis, considerando a faixa etária e/ou a apresentação clínica
do paciente, como é o caso de demências vasculares, demência de
Alzheimer ou processos neoplásicos. O histórico de hipertensão do
paciente favorece hipóteses de etiologia vascular, porém, sem
achados sugestivos no exame de imagem, considera-se HPN a
principal hipótese diagnóstica.
Quadro 1. Achados do exame de imagem e possíveis etiologias
associadas.
Achados sugestivos do exame de
Etiologia
imagem

Demência de Alzheimer Atrofia hipocampal importante

Demência vascular Lesões em substância branca

Hidrocefalia de Pressão Normal Dilatação ventricular simétrica

Neoplasias Massas tumorais

Fonte: Autora.

O exame do líquor nesses pacientes também tem sua


importância, pois, como mencionado, fornece uma prova
terapêutica, além de auxiliar a descartar etiologias inflamatórias ou
infecciosas. Os pacientes que apresentam melhora após a punção
lombar, sinalizando para uma HPN, se beneficiam de uma cirurgia de
derivação ventriculoperitoneal, o que auxilia na redução da
quantidade de líquor nos ventrículos cerebrais do paciente,
drenando-o para a cavidade abdominal.5
a) Exames complementares:

• Hemograma, glicemia, eletrólitos, função renal, hepática e


tireoidiana, vitamina B1 e B12, sorologias para HIV, sífilis e
hepatites: normais.

• Exame de imagem (RM): a ressonância mostrou um


alargamento simétrico dos ventrículos, sem que houvesse
acentuação dos sulcos. Não foi notada perda de massa no
hipocampo ou qualquer outro sinal que justificasse uma
hidrocefalia ex-vácuo. Não foram notadas quaisquer outras
anormalidades.

• Líquor: pressão de abertura de 180 mm de água, celularidade,


glicemia, proteínas e lactato estavam dentro dos parâmetros
normais.
b) Tratamento e desfecho: Após a retirada de líquor, observou-
se uma melhora importante na marcha do paciente. Ele foi,
portanto, encaminhado para a neurocirurgia para avaliar a
possibilidade de realização de uma derivação
ventriculoperitoneal.

3.5. Considerações Finais


A HPN deve sempre ser lembrada em pacientes que se
apresentem com a tríade: síndrome demencial, problemas de
marcha e incontinência urinária. Pode ser usado o mnemônico dos
“3 Ms” para recordar os sinais: marcha, memória, molhado. Apesar
de não ser uma patologia muito frequente, identificar seus sinais e
sintomas favorece uma intervenção precoce e, consequentemente,
um retorno às atividades cotidianas do paciente, visto que a doença
traz uma série de limitações funcionais, restringindo a autonomia e
comprometendo, assim, a qualidade de vida.

4. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
a) Conhecer a tríade clássica associada à HPN.
b) Aprender a importância de se organizar o raciocínio clínico,
podendo pensar o diagnóstico de forma sindrômica, topográfica
e etiológica, bem como os diagnósticos diferenciais possíveis
para, assim, solicitar exames de forma racional, evitando onerar
o serviço de saúde.
5. DICAS PRÁTICAS
a) A tríade clássica aparece de forma insidiosa (três ou mais
meses), e apenas uma minoria dos casos apresenta os três
sintomas de maneira clássica.
b) Em pacientes com mais de 40 anos, com queixa de alteração
de marcha e/ou incontinência urinária, na ausência de outros
diagnósticos que expliquem os sintomas, considerar o
diagnóstico de HPN.
c) Se após a punção liquórica (Tap Test) o paciente apresentar
melhora de sintoma motor/cognitivo, há boas chances de ser
HPN, devido ao valor preditivo positivo do tap test ser alto.

REFERÊNCIAS
1. Espay AJ, Da Prat GA, Dwivedi AK, Rodriguez-Porcel F, Vaughan JE, Rosso M, et al.
Deconstructing normal pressure hydrocephalus: Ventriculomegaly as early sign of
neurodegeneration. Ann Neurol. 2017; 82(4): 503-13.
2. Engelborghs S, Niemantsverdriet E, Struyfs H, Blennow K, Brouns R, Comabella M, et
al. Consensus guidelines for lumbar puncture in patients with neurological diseases.
Alzheimers Dement (Amst). 2017; 8: 111-26.
3. Isaacs AM, Hamilton MG, Williams MA. Idiopathic Normal Pressure Hydrocephalus. In:
Limbrick Jr. D, Leonard J. (eds). Cerebrospinal Fluid Disorders. Switzerland: Springer,
Cham; 2019.
4. Stolze H, Kuhtz-Buschbeck JP, Drücke H, Jöhnk K, Illert M, Deuschl G. Comparative
analysis of the gait disorder of normal pressure hydrocephalus and Parkinson’s
disease. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2001; 70(3): 289-97.
5. Hebb AO, Cusimano MD. Idiopathic normal pressure hydrocephalus: a systematic
review of diagnosis and outcome. Neurosurgery. 2001; 49(5): 1166–86.
Caso 5

Fraqueza, Irritabilidade e
Agressividade
Autora: Danyela Martins Bezerra Soares
Orientador: Dr. Pedro Braga Neto

1. APRESENTAÇÃO DE CASO
a) Anamnese: Paciente feminino, negra, 70 anos, com relato de
alteração da fala e dificuldade de controle emocional,
apresentando depressão e mudanças de humor. Familiares
relatam que a paciente vem apresentando dificuldade de
concentração e dificuldade de obedecer a comandos, estando
alheia ao que acontece ao seu redor, além de incontinência
urinária e fecal de instalação progressiva no último ano, com
acentuação dos sintomas na última semana.
b) Antecedentes pessoais: Relata dois episódios de Acidente
Vascular Cerebral Isquêmico há dois anos e Acidente Isquêmico
Transitório (AIT) há 3 meses. Diabética e hipertensa. Tabagista
há 50 anos, consumindo 1 maço/3 dias. Ex-etilista há 20 anos.
Possui dislipidemia.
c) Histórico familiar: Pai e dois irmãos diagnosticados com
Doença de Alzheimer.
d) Exame físico geral: Estado geral regular. Afebril, anictérica,
acianótica, eupneica, face atípica.
e) Exame neurológico: Desorientada no tempo e espaço.
Disartria espástica. MEEM: 22, perdendo pontos no domínio de
orientação, cálculos e atenção. Mímica facial prejudicada à
esquerda, sem demais alterações de nervos cranianos.
Apresenta hemiparesia à esquerda completa, sem alterações de
sensibilidade. Força grau 4 em MSD e MID, e força grau 1 em
MSE e MIE. Ausência de sinais meningorradiculares. Dismetria e
decomposição do movimento em membro superior esquerdo.
Marcha atáxica.

2. PARA PENSAR
a) Qual seria o raciocínio diagnóstico (sindrômico, topográfico,
nosológico e etiológico) do caso descrito?
b) Que manifestação se apresenta como guia para o
diagnóstico?
c) Quais as complicações futuras que a paciente poderá
apresentar?
d) Quais orientações devem ser passadas aos familiares?

3. DISCUSSÃO
3.1. Diagnóstico Sindrômico
a) Síndrome Cognitiva: Caracterizada pela desorientação no
tempo e espaço e pela labilidade emocional, apresentando
quadros depressivos e de mudança repentina do humor.
b) Síndrome de Neurônio Motor Superior: Caracterizada pela
hemiparesia esquerda completa
c) Síndrome Atáxica: Caracterizada pela presença de dismetria
com decomposição do movimento no membro superior
esquerdo e pela alteração na marcha, possuindo base alargada
e passos lentificados.
d) Síndrome Autonômica: Caracterizada pela presença de
déficit esfincteriano, evidenciada na queixa de incontinência
urinária e fecal.
3.2. Diagnóstico Topográfico
Encéfalo (córtico/subcortical) e cerebelo
As manifestações súbitas e abruptas de sinais piramidais,
hemiparesia e déficits neuropsicológicos evidenciam a presença de
acometimento das áreas corticais e subcorticais. Infarto cerebral
devido à oclusão das artérias responsáveis pela irrigação cerebral
também pode cursar com incontinência de esfíncteres, confusão e
desorientação espacial. Infartos lacunares nos gânglios da base, na
cápsula interna ou no tálamo causam o estado lacunar que é
caracterizado pela presença de prejuízo da memória, retardo
psicomotor, apatia, depressão e parkinsonismo. Mais detalhes
podem ser vistos no Quadro 1.
Há também lesão cerebelar à esquerda, uma vez que há
presença de dismetria e marcha atáxica. As alterações do
comportamento e cognitiva podem levar à topografia de várias
regiões corticais e subcorticais.
Quadro 1. Manifestações clínicas de acordo com a localização da
oclusão do vaso

Vaso ocluído Lesão encontrada

Abulia, afasia motora transcortical, prejuízo de


Artéria cerebral memória, dispraxia, hemiparesia contralateral,
anterior perda hemissensorial em extremidades inferiores
e incontinência de esfíncteres.

Afasia grave, alexia, agrafia, discalculia, psicose,


Artéria cerebral
sinais piramidais contralaterais, hemiparesia,
média
perda sensorial e déficits do campo visual.

Artéria cerebral Amnésia, agitação psicomotora, alucinações


posterior visuais, confusão, agnosia e déficits visuais.

Afasia, déficits visuoespaciais, hemiparesia


Artéria carótida
contralateral e perda hemissensorial.

Ramos que
Afasia, prejuízo de memória e atenção e perda
perfundem a área
motora e sensorial variáveis.
talâmica
Fonte: CRUZ, TAVARES2.

3.3. Diagnóstico Nosológico


Vascular
Devido à apresentação súbita do caso e ao avanço rápido e
progressivo dos sintomas, deve ser investigada a etiologia vascular.
Ao ocorrer um evento de comprometimento vascular no encéfalo, a
chance de recidiva é alta, principalmente em pacientes com
comorbidades associadas, vícios e idade avançada.1 No presente
caso, a paciente já teria apresentado três quadros de acidentes
vasculares, com prejuízo importante na irrigação cerebral,
aumentando mais as chances de desenvolver outros quadros
semelhantes.

3.4. Diagnóstico Etiológico


Demência Vascular
A demência vascular é a segunda maior causa de demências no
mundo, podendo ser causada por múltiplos infartos, lesões únicas
em territórios estratégicos ou alterações crônicas da
microvasculatura cerebral. As manifestações mais comuns
correspondem a quadros de disfunção executiva, que atrapalham as
atividades diárias do paciente, com impossibilidades de manipular
corretamente objetos e planejar ações. O pensamento também é
atingido, com alterações de humor, labilidade emocional e quadros
depressivos. Podem estar presentes também sinais motores focais,
alterações de marcha, alterações esfincterianas e lentificação
psicomotora.
Comumente quadros de demência vascular e de demência de
Alzheimer são vistos associados em um mesmo paciente, já que
ambas as condições compartilham os mesmos fatores de risco,
aspectos clínicos e mecanismos de patogênese. A demência
vascular aumenta mais de dez vezes o risco de demência clínica nos
pacientes que possuem lesões por demência de Alzheimer
confirmada. Essa associação recebe o nome de demência mista,
possuindo uma apresentação somatória dos sintomas das duas
doenças.
Para elaborar corretamente o diagnóstico, é necessário que o
paciente preencha alguns critérios.2

Demência vascular provável

• Associação entre sinais de demência e doença


cerebrovascular, apresentando pelo menos um dos seguintes:
quadro demencial três meses após episódio de Acidente
Vascular Encefálico e/ou deterioração ou flutuação abrupta
das funções cognitivas, com déficit progressivo.

• Presença de distúrbios de marcha, instabilidade ou quedas


frequentes, perda do controle do esfíncter urinário sem a
presença de uma doença urológica.

• Flutuações de humor e outros sintomas psiquiátricos.


Demência vascular possível

• Sinais neurológicos focais sem a comprovação de doença


cerebrovascular através de imagem radiológica cerebral.

• Demência com sinais focais sem relação direta entra a


demência e o AVC prévio.

• Demência de início súbito, oscilando entre melhora e


estabilidade dos déficits cognitivos, na presença de doença
cerebrovascular confirmada.

Demência vascular definitiva

• Fechar critérios para demência vascular provável.


• Evidência de doença cerebrovascular, obtida através de
exame histopatológico feito após autópsia ou biópsia.

• Ausência de transtornos clínicos ou patológicos que sejam


capazes de causar quadros demenciais.

• Quantidade de placas neuríticas e emaranhados


neurofibrilares dentro do esperado para a faixa etária.
a) Exames complementares:

• Vitamina B : 300 pg/mL


12

• Hemoglobina glicada: 7,2%


• Eletrólitos, hemograma, TSH, sorologia para HIV e VDRL:
normais

• Ressonância Magnética de Crânio: Ressonância


evidenciando presença de infartos múltiplos: infarto cortical
parieto-occipital, infartos na substância branca e cerebelo
esquerdo. Também foram evidenciados infartos pequenos
com lacunas múltiplas no tálamo, gânglios da base e na
substância branca ou comprometimento isquêmico de
extensão variável da substância branca.
b) Tratamento: a família foi orientada quanto à necessidade de
cuidados para prevenção de novas lesões cerebrovasculares,
bem como estruturação do ambiente e vigilância constante à
paciente.

3.5. Considerações Finais


O diagnóstico precoce da demência vascular e dos fatores de
risco envolvidos tem a capacidade de permitir a elaboração de
estratégias preventivas, capazes de retardar a evolução da doença,
melhorando o quadro do paciente, assim como a possibilidade de
orientação à família, oferecendo o apoio necessário para que
realizem os cuidados com o paciente acometido.3

4. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
a) Conhecer as principais manifestações da Demência Vascular
e seu diagnóstico no raciocínio neurológico.
b) Identificar, através do exame físico, sinais de acometimento
neurológico que apontem para doenças degenerativas
vasculares.
c) Identificar os quadros demenciais e suas diferentes causas.

5. DICAS PRÁTICAS
a) A demência vascular é mais comumente evidenciada em
quadros de demência mista (estando presentes tanto a
demência vascular quanto a demência de Alzheimer).
b) Existe a escala de Hachinski para avaliação da etiologia da
demência, sendo que uma pontuação maior ou igual a 7 é
consistente com demência vascular; entre 5 e 6 seria uma
demência com etiologia mista, e menor ou igual a 4, seria
compatível com demência de Alzheimer.4

REFERÊNCIAS
1. Kasper DL, Hauser SL, Jameson JL, Fauci AS, Longo DL, Loscalzo J. Harrison
Medicina Interna. 19. ed. Porto Alegre: MCGraw-Hill Brasil; 2016.
2. Cruz LCVB, Tavares A. Aspectos clínicos da demência vascular. Rev Méd Minas
Gerais. 2003; 13(2): 115.
3. Smid J, Nitrini R, Bahia VS, Caramelli P. Caracterização clínica da demência vascular:
avaliação retrospectiva de uma amostra de pacientes ambulatoriais. Arq Neuro-
Psiquiatr. 2001; 59(2B): 390-3.
4. Andre C. Demência vascular: dificuldades diagnósticas e tratamento. Arq. Neuro-
Psiquiatr. 1998; 56(3A): 498-510.
Capítulo 8

Síndrome Álgica
Autores: Franklin de Castro Alves Neto, Amanda Colaço Morais
Teixeira, Jorge Luiz de Brito de Souza, Milena Vieira Madeira,
Danyela Martins Bezerra Soares e Gabriel de Albuquerque
Vasconcelos
Orientadores: Pedro Braga Neto, Samuel Ranieri Oliveira Veras,
Ggilnard Caminha M. Aguiar e Paulo Reges O. Lima

Caso 1. Cabeça e nuca


Caso 2. Cefaleia na madrugada
Caso 3. “Dor em facadas”
Caso 4. Cefaleias recorrentes no dia a dia
Caso 5. Uma dor fatal
Caso 6. Dor cervical
Caso 1

Cabeça e Nuca
Autor: Franklin de Castro Alves Neto
Orientador: Dr. Pedro Braga Neto

1. APRESENTAÇÃO DE CASO CLÍNICO


a) Anamnese: homem, 79 anos, chegou à emergência com queixa de
cefaleia holocraniana com irradiação nucal, piora progressiva, assim
como associação a vômitos e “febre” há 6 horas. Relata que reside
apenas com a esposa e nega histórico recente de viagens, diabetes,
hipertensão ou outras comorbidades.
b) Exame Físico Geral: pressão arterial de 125 x 85 mmHg, eupneico,
taquicárdico (110 bpm) e febril (39,2°C). Não apresenta outros
sintomas constitucionais.
c) Exame Neurológico:

• Nível de Consciência: orientado no tempo e no espaço, com 15


pontos na Escala de Coma de Glasgow (ECG);

• Nervos Cranianos: ausência de nistagmo, edema de papila e de


déficits olfativos ou do campo visual; sem indícios de paralisias das
musculaturas oculares intrínseca e extrínseca, dos músculos da
face ou da musculatura da língua;

• Motricidade: força grau 5 globalmente;


• Reflexos: reflexos bicipital, patelar e aquileu com graduação 2 de 4
bilateralmente; reflexo tricipital ausente bilateralmente;

• Sensibilidade: ausência de déficits sensitivos profundos ou


superficiais;
• Sinais de Irritação Meníngea e Radicular: sinais de Brudzinski,
Kernig e Lasègue positivos, sendo os dois últimos bilateralmente.

2. PARA PENSAR
a) Quais síndromes neurológicas podem ser identificadas no caso?
b) Que local do sistema nervoso seria responsável pelo quadro clínico
acima caso fosse afetado?
c) Que nosologia condiz com o quadro apresentado?
d) Que etiologia é capaz de desencadear o cenário clínico em questão?
e) Quais sinais e sintomas apontam mais fortemente para o
diagnóstico?
f) Como tratar o paciente?

3. DISCUSSÃO
3.1. Diagnóstico Sindrômico
a) Síndrome de Irritação Meníngea: sinais de irritação meníngea
(Brudzinski, Kernig, Lasègue e rigidez de nuca) positivos;
b) Síndrome Álgica: cefaleia relatada pelo paciente.

3.2. Diagnóstico Topográfico


As queixas do paciente e o exame neurológico indicam irritação
meníngea. Apesar de os sinais de Kernig e Lasègue positivos também
levantarem a possibilidade de radiculopatias, elas se apresentariam de
forma unilateral a esses sinais,5 o que não ocorre no caso. Portanto, a
topografia mais provável é nas meninges.

3.3. Diagnóstico Nosológico (VINTAMINDECG)


Apesar do tempo condizente, a ausência de fatores de risco torna a
nosologia vascular (V) menos provável. Não há histórico de trauma (T).
Diante do tempo de evolução e pela ausência de sinais clínicos,
descartam-se desordens autoimunes (A), metabólicas (M), neoplásicas
(N), degenerativas (D), epilépticas (E), congênitas (C) ou genéticas (G).
Portanto, tendo em vista todos os fatores supracitados, o diagnóstico
nosológico mais provável é de cunho infeccioso (I).

3.4. Diagnóstico Etiológico


Analisando-se a cefaleia, seu início e curso rápidos e progressivos em
consonância com o resto do quadro e a irradiação para a nuca são
altamente sugestivos de meningite. A febre, o rebaixamento do nível de
consciência e a rigidez de nuca denotam claramente o diagnóstico.
Entretanto, variados agentes podem ser seus causadores (bactérias, vírus,
fungos etc.). Mediante essa dúvida, lembre-se de que a etiologia
bacteriana deve ser descartada, apesar da prevalência semelhante com os
vírus,1 devido ao potencial lesivo que pode trazer ao paciente.
O predomínio de PMN, a baixa proporção dos níveis de glicose
liquórico/sérico e a proteinorraquia1 tornariam a hipótese mais provável,
mas, ainda assim, existe uma série de organismos que devem ser
considerados. Todavia, tendo em vista questões epidemiológicas, pensa-
se, principalmente, em dois agentes: Streptococcus pneumoniae e Listeria
monocytogenes, sendo eles incluídos, respectivamente, por ser mais
prevalente entre os idosos e imunossuprimidos e por ser mais comum
entre a população não pediátrica, exceto nos indivíduos entre 11 e 17 anos,
que têm a Neisseria meningitidis com maior expressividade.2
Portanto, o diagnóstico etiológico mais provável é meningite bacteriana
aguda por Streptococcus pneumoniae ou Listeria monocytogenes.
O diagnóstico final só será possível após análises de culturas e/ou
coloração de Gram, o que não é palpável para uma resolução emergencial.
a) Exames Complementares: A coleta de sangue foi realizada na
admissão e demonstrou glicemia de 105 mg/dL. É cabível destacar a
ausência de sítios infecciosos adjacentes ao local de punção, lesão
conhecida no SNC, uso de heparina, contagem plaquetária inferior a
20.000/mm3 ou trauma vertebral, que contraindicam a realização de
punção lombar (PL). Além disso, não é possível notar sinais
neurológicos focais, convulsões sem histórico prévio, papiledema,
malignidades, suspeitas de lesões massivas no SNC, histórico de
doenças focais do SNC (AVCs, infecções, tumores), alteração do
estado mental e déficit imunológico, os quais indicam, pela suspeita
de aumento da pressão intracraniana e possível herniação
subsequente, a realização de tomografia computadorizada (TC) antes
desse procedimento.3 A idade maior que 60 anos, apesar de também
sugerir neuroimagem prévia,3 não é, isoladamente, suficiente para
atrasar o exame. Desse modo, a PL foi prontamente realizada e
mostrou aspecto turvo, pressão de abertura de 35 cmH2O, pleocitose
(142 céls/μL) com predomínio polimorfonuclear (95%), glicose de 35
mg/dL e proteinorraquia (112 mg/dL).
Tabela 1. Características do LCR à punção lombar em diferentes etiologias
de meningite.

Normal Bacteriana Viral Tuberculosa Fúngica

Pressão de Normal/
abertura 5-20 Aumentada levemente Aumentada Aumentada
(cmH2O) aumentada

Purulenta,
Límpida ou Límpida ou
Aparência Límpida turva, Límpida
nebulosa nebulosa
nebulosa

Leucócitos Aumentada Aumentada Aumentada Aumentada


<5
(células/μL) (> 100) (5-1000) (5-100) (5-100)

Células Sem
Neutrófilos Linfócitos Linfócitos Linfócitos
predominantes predominância

Proteínas Levemente Marcadamente


20-45 Aumentada Aumentada
(mg/dL) aumentada aumentada

Razão da
concentração Normal/levemente
50-60% Muito baixa Muito baixa Baixa
de glicose baixa
LCR/plasma

Glicose Normal/levemente
40-70 Muito baixa Muito baixa Baixa
(mg/dL) baixa

Fontes: Griffiths, Avelino.1,4

b) Diagnósticos Diferenciais: Cabe ressaltar outras etiologias que


podem causar irritação meníngea, tanto infecciosas, como as
meningites e meningoencefalites virais ou fúngicas, quanto não
infecciosas, como a hemorragia subacracnoidea e a meningite
induzida por medicamentos. Ademais, é necessário atentar para
outras patologias que possam cursar com rebaixamento do nível de
consciência, doenças cerebrovasculares, abscessos ou neoplasias
cerebrais.2
c) Tratamento: Ceftriaxona (2 g IV Por 12h) E Ampicilina (2 g IV Por
4h).1
O tratamento empírico com antibióticos deve ser rápido devido ao
grande aumento na mortalidade que o atraso oferece, mesmo que indícios
de hipertensão intracraniana atrasem a realização da punção lombar.2 A
ceftriaxona deve ser utilizada na suspeita de infecção por Streptococcus
pneumoniae e a ampicilina, quando há susceptibilidade à Listeria
monocytogenes.1
Posteriormente, para um tratamento mais direcionado e,
consequentemente, eficaz, é importante realizar coloração Gram e culturas
dos materiais coletados no líquor para afastar ou confirmar a presença do
microrganismos levantados na suspeita clínica.1

3.5. Considerações Finais


As meningites infecciosas, considerando o potencial letal e/ou mórbido
que apresentam, devem ser manejadas de forma rápida e eficaz por parte
do clínico, principalmente em cenários de emergência.

4. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
a) Reconhecer os principais sinais e sintomas da meningite bacteriana
aguda.
b) Introduzir o raciocínio neurológico na prática clínica.
c) Ilustrar a utilidade dos exames complementares em neurologia.
d) Elencar os principais diagnósticos diferenciais do cenário em
questão.
e) Introduzir as principais formas de tratamento dos pacientes com
quadro semelhante ao mostrado.

5. DICAS PRÁTICAS
a) Cefaleia aguda, holocraniana, juntamente com irradiação e rigidez
na nuca, são altamente sugestivas de meningite bacteriana aguda.4
b) Atentar para maior susceptibilidade com histórico recente de
viagens1 ou convívio em ambientes com muitas pessoas.1,2
c) Apenas 41% dos pacientes apresentam a tríade clássica de febre,
rigidez de nuca e alteração do estado mental.1 Portanto, a ausência de
um deles não exclui o diagnóstico de meningite.
d) Sinais de irritação meníngea nem sempre estão presentes e a sua
ausência não exclui o diagnóstico de meningite.2
e) Sempre investigar a presença de sinais que contraindiquem ou
atrasem a realização da PL para evitar maiores complicações.
Na ausência deles, realizar o procedimento o mais rápido possível.
f) Pleocitose com predomínio PMN e aspecto purulento ou turvo no
líquor são altamente indicativos de etiologia bacteriana, enquanto
outras etiologias possuem, principalmente, pleocitose com predomínio
linfocitário e aspecto turvo ou límpido.1
g) Suspeitar de infecção por Listeria monocytogenes em grupos como
idosos ou imunossuprimidos.

REFERÊNCIAS
1. Griffiths MJ, McGill F, Solomon T. Management of acute meningitis. Clin Med. 2018; 18(2): 164-
9.
2. Runde TJ, Anjum F, Hafner JW. Bacterial Meningitis. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island:
StatPearls Publishing; 2020.
3. Jane LA, Wray AA. Lumbar puncture. In: StarPearls [Internet]. Treasure Island: StatPearls
Publishing; 2020.
4. Avelino MA. Exame do Líquido Cefalorraquidiano. In: Neurologia para o clínico-geral. Barueri:
Manole; 2014. p. 55-58.
5. Campbell WW. Sinais Neurológicos Diversos. In: Campbell WW. DeJong, O Exame Neurológico.
Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2007. p. 517-20.
6. Olensen J, Bousser M, Diener H, Dodick D, First M, Goadsby PJ, et al. The International
Classification of Headache Disorders, 3. ed. Cephalalgia. 2018; 38(1): 1–211.
Caso 2

Cefaleia na madrugada
Autora: Amanda Colaço Morais Teixeira
Orientador: Dr. Pedro Braga Neto

1. APRESENTAÇÃO DE CASO
a) Anamnese: mulher, 35 anos, procurou atendimento
neurológico com a queixa de que, nos últimos treze dias,
apresentou seis episódios de cefaleias muito intensas. Relatou
que o surgimento das cefaleias ocorria pela madrugada, quando
ainda estava finalizando papeladas do trabalho que trazia para
casa. O abajur que utilizava para concluir suas tarefas, segundo
ela, passava a incomodá-la intensamente, de maneira que,
quando as dores tinham início, ela se obrigava a interromper
suas atividades e ir para o quarto escuro tentar dormir, porém
sem sucesso. A paciente disse, também, que não foi a primeira
vez que experimentou esse tipo de dor, tendo vivenciado algo
bastante parecido há cerca de quinze anos, durante a época do
vestibular, mas que havia desaparecido após alguns dias.
Quando indagada sobre outras possíveis manifestações nos
recentes episódios, relatou que em dois deles, cerca de uma
hora antes da dor, começou a ver luzes estranhas no olho
direito, mas que sumiram com o surgimento da cefaleia.
Mencionou, ainda, que as dores eram unilaterais e pulsáteis,
com duração de cerca de oito horas, mas que, com o término da
cefaleia, sentia muita fadiga, tendo, por isso, faltado a vários
dias de trabalho.
b) Exame físico geral: frequência cardíaca de 87 bpm, pressão
sistólica de 120 mmHg e pressão diastólica de 80 mmHg.
Ausculta pulmonar normal e ausência de febre.
c) Exame neurológico: sem alterações.

2. PARA PENSAR
a) Quais os possíveis diagnósticos sindrômico, topográfico e
nosológico?
b) Quais sintomas precedem e acompanham as dores de
cabeça?
c) O que pode ter contribuído para o aparecimento das crises?
d) Há red flags para cefaleias secundárias?

3. DISCUSSÃO
3.1. Diagnóstico Sindrômico
a) Síndrome Álgica: identificada pela presença das dores
relatadas, que, no caso, são unilaterais e pulsáteis.

3.2. Diagnóstico Topográfico


• Centros de processamento da dor: sistema
trigeminovascular, tronco cerebral e córtex.¹

3.3. Diagnóstico Nosológico


Neurovascular, provavelmente, por ser a hipótese aceita em
quadros de enxaqueca, sendo o caso apresentado bem
característico para esse tipo de cefaleia primária. Essa hipótese
aponta dois fatores como nosologias enxaquecosas: a estimulação,
por parte de neurônios hipotalâmicos responsivos a alterações na
homeostasia, do núcleo salivatório superior, o qual, por meio da
liberação de acetilcolina, peptídeo intestinal vasoativo e óxido nítrico
nos terminais meníngeos do gânglio esfenopalatino, promove a
vasodilatação dos vasos intracranianos, o extravasamento de
proteínas plasmáticas e a liberação local de substâncias
inflamatórias capazes de ativar os nociceptores meníngeos
(a importância desse mecanismo na fisiopatologia da cefaleia em
questão fica evidente quando ocorre alívio parcial ou completo da
dor perante o bloqueio do gânglio esfenopalatino); e a redução do
limiar para condução nociceptiva de sinais trigeminovasculares do
tálamo em direção ao córtex por neurônios do hipotálamo e do
tronco responsivos ao desvio da homeostase.2

3.4. Diagnóstico Etiológico e Diferencial


Enxaqueca com aura
A enxaqueca é um tipo muito comum de cefaleia primária
incapacitante, acometendo cerca de 1 bilhão de pessoas ao redor do
mundo. Afeta mais comumente mulheres, na faixa etária dos
dezoito aos cinquenta anos, com prevalência de 20,7% no público
feminino e 9,7% no público masculino.3 Vale ressaltar, nesse
contexto, a diferença entre as cefaleias primárias e as secundárias,
que consiste na presença, no caso das secundárias, de um distúrbio
subjacente distinto responsável pela geração da dor, como trauma,
infecção ou neoplasia.4
O diagnóstico dessa cefaleia é feito com o cumprimento de dois
entre os quatro critérios estabelecidos pela Internacional Headache
Society (IHS): mínimo de 5 episódios vivenciados; duração de quatro
a 72 horas (período sem tratamento ou com intervenção falha); dor
com duas das quatro seguintes características: unilateralidade,
pulsação, intensidade moderada ou severa e piora com a realização
de simples atividades físicas, como andar ou subir escadas;
presença de um dos seguintes sintomas associados: náusea,
vômitos, fotofobia e fonofobia.3
A enxaqueca pode ser acompanhada por alterações neurológicas
focais momentâneas, as quais constituem a chamada aura, que
acomete, em algumas das crises, cerca de um terço das pessoas
com enxaqueca. A aura pode se apresentar de diferentes maneiras,
com manifestações visuais, sensoriais, linguísticas, hemiplégicas,
retinais ou indicativas de topografia no tronco cerebral. A mais
comum é a aura visual, caracterizada por cintilâncias ou figuras em
zigue-zague no hemicampo visual direito ou esquerdo. O diagnóstico
da aura também é definido pela IHS, devendo haver presença de três
das seguintes características: pelo menos um dos sintomas na aura
se espalha gradualmente ao longo de cinco minutos ou mais; cada
sintoma aural dura de cinco a sessenta minutos; dois ou mais
sintomas aurais ocorrem em sucessão; pelo menos um sintoma é
unilateral; ao menos um sintoma é positivo; é acompanhada ou
seguida, após cerca de uma hora, pela cefaleia.3 Acredita-se que o
fenômeno chamado de depressão alastrante cortical de Leão (DAC)
seja o evento subjacente à aura da enxaqueca, consistindo em uma
onda de forte despolarização que se autopropaga pelo córtex,
provavelmente devido à disfunção de canais iônicos e a mudanças
na permeabilidade celular.1
Vale ressaltar, ainda, que a aura deve ser diferenciada dos
sintomas premonitórios que costumam aparecer até 24 horas antes
das crises, como mudanças de apetite e de humor e fadiga, e que
ela aumenta a probabilidade de acidente vascular cerebral
isquêmico, de maneira que mulheres com aura têm o uso de
anticoncepcional oral suspenso, visto que este método
contraceptivo é, por si só, outro fator de risco para AVC.1,3
Esse tipo de cefaleia primária pode ser classificada em
episódica, quando se apresenta por menos de quinze dias por mês,
ou crônica, quando se manifesta por mais de quinze dias por mês,
podendo a primeira apresentar um processo de cronificação e sendo
a segunda mais associada ao desenvolvimento de incapacidades e
comorbidades.3
O início das crises sofre influência de fatores chamados de
gatilhos, como duração reduzida ou falta de qualidade do sono,
estresse, jejum, bebidas ou alimentos específicos e mudanças
hormonais (período menstrual) ou climáticas.¹,3
Os principais diagnósticos diferenciais de outras cefaleias
primárias são a cefaleia tensional e a trigêmino-autonômica em
salvas. A cefaleia tensional pode ser desencadeada por estresse e
ser acompanhada por dor no pescoço assim como a enxaqueca,
porém sua duração é de trinta minutos a sete dias e a dor é bilateral,
não pulsátil, leve ou moderada e não agravada por exercícios físicos,
além de ser percebida como uma pressão ou “aperto”.3 Já a cefaleia
em salvas tem duração de três horas ou menos, apresenta longos
períodos de remissão em sua forma episódica, manifesta-se
geralmente várias vezes por dia e é acompanhada por inquietação
(enquanto pessoas com enxaqueca buscam o repouso) e por
sintomas autonômicos unilaterais (enquanto na enxaqueca são
bilaterais). Além disso, a cefaleia em salvas pode apresentar
manifestações típicas da enxaqueca, como fonofobia, náusea e
fotofobia, sendo esta, porém, unilateral no caso da cefaleia
trigêmino-autonômica.5
É essencial estar atento, ainda, a possíveis red flags que apontem
para a possibilidade de cefaleias secundárias e para a consequente
necessidade de neuroimagem: sintomas sistêmicos, como febre,
mialgia, sudorese, perda de peso e presença de HIV; sintomas
neurológicos persistentes, como diplopia, ataxia, nível de
consciência reduzido, fraqueza e alterações de sensibilidade; início
súbito de cefaleia severa após os cinquenta anos; mudança de
padrão da dor. Destaca-se que nenhum desses sinais estava
presente na paciente em questão, de modo que não se justifica a
realização de exames complementares de imagem.4
a) Tratamento e desfecho: O tratamento da enxaqueca pode ser
não farmacológico, incluindo atividades de relaxamento,
biofeedback e terapia cognitivo-comportamental, e
farmacológico. Enxaquecas leves costumam ser controladas
por remédios inespecíficos, mas eventos mais severos exigem a
prescrição de anti-inflamatórios não esteroidais ou de
medicamentos mais específicos, como os antieméticos
(metoclopramida, prometazina e proclorperazina) e os triptanos,
estes compondo a primeira linha de tratamento disponível. Vale
destacar que, quando a terapia abortiva da dor se mostra
insuficiente, é necessária a implementação de uma terapia
profilática, que pode se dar por meio dos seguintes
medicamentos: valproato, topiramato, propranolol e metoprolol.3
Foi prescrito Sumatriptano e indicado exercício de terapia
cognitivo-comportamental, além de suspenso o uso de
anticoncepcional oral. A paciente, ao longo do tratamento,
apresentou queda na frequência das crises, as quais cessaram
após cerca de dois meses. Como terapia profilática, foi prescrito
Propranolol.

3.5. Considerações Finais


A enxaqueca é um tipo de cefaleia incapacitante altamente
prevalente, de maneira que seu estudo é imprescindível para a
definição de um diagnóstico precoce que proporcione uma melhor
qualidade de vida para o paciente acometido.

4. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
a) Conhecer os critérios diagnósticos para a enxaqueca.
b) Compreender o conceito de aura.
c) Dominar os red flags para cefaleia secundária.

5. DICAS PRÁTICAS
a) A enxaqueca tem duração de quatro a 72 horas, tem dor
unilateral e pulsátil agravada com atividades físicas e pode ser
acompanhada por sintomas premonitórios, aura, sobretudo
visual, e manifestações como náuseas, vômitos, fotofobia e
fonofobia.1,3
b) Os principais diagnósticos diferenciais para enxaqueca são a
cefaleia em salvas, cuja característica de inquietação é chave
para a diferenciação com a enxaqueca, e a cefaleia tensional,
cuja dor é bilateral, em aperto e sem piora com atividade
física.3,5
c) As red flags para cefaleias secundárias formam o mnemônico
SNOOP:4

• S (systemic symptoms, illness or condition): febre, mialgia,


perda de peso, sorologia positiva para HIV, gestação etc.
• N (neurological symptoms): diplopia, ataxia, nível de
consciência reduzido, alterações de sensibilidade, fraqueza
etc.

• O (older): após os 50 anos.


• O (onset): início súbito.
• P (pattern): mudança no padrão da cefaleia.

REFERÊNCIAS
1. Speciali JG, Fleming NRP, Fortini I. Primary headaches: dysfunctional pains. Rev Dor.
2016; 17(1): 72-4.
2. Burstein R, Noseda R, Borsook D. Migraine: multiple processes, complex
pathophysiology. J Neurosci. 2015; 35(17): 6619-29.
3. Burch R. Migraine and Tension-Type Headache: Diagnosis and Treatment. Med Clin
North Am. 2019; 103(2): 215-33.
4. Tabatai RR, Swadron SP. Headache in the Emergency Department: Avoiding
Misdiagnosis of Dangerous Secondary Causes. Emerg Med Clin North Am. 2016;
34(4): 695-716.
5. Burish MJ, Rozen TD. Trigeminal Autonomic Cephalalgias. Neurol Clin. 2019; 37(4):
847-69.
6. Speciali JG, Kowacs F, Jurno ME, Bruscky IS, Carvalho JJF, Fantini FGMM, et al.
Protocolo Nacional para Diagnóstico e Manejo das Cefaleias nas Unidades de
Urgência do Brasil. Academia Brasileira de Neurologia – Departamento Científico de
Cefaleia Sociedade Brasileira de Cefaleia; 2018.
Caso 3

“Dor em Facadas”
Autor: Jorge Luiz de Brito de Souza
Orientador: Pedro Braga Neto

1. APRESENTAÇÃO DE CASO
a) Anamnese: Paciente, homem, 42 anos, procurou atendimento
médico com Neurologista por queixas de “dor de cabeça” há 3
semanas. Estas se caracterizavam por serem em ‘’facadas’’,
com intensidade de 10/10 na escala de dor (pior dor que sentira
na vida), a qual se propagava pela região hemicraniana e frontal
direita. Sua duração média era de cerca de 90 minutos,
predominantemente à noite e de madrugada. Em associação à
dor, observou-se vermelhidão ocular, lacrimejamento e,
eventualmente, corrimento nasal e sudorese restritos ao lado
direito. Há relato de quadro semelhante há 3 anos com duração
de 4 semanas e que cessou espontaneamente. Não foram
percebidos fatores de melhora e o quadro tendia a piorar se o
indivíduo permanecesse imóvel. Durante as crises havia
extrema inquietação e, algumas vezes, foto e fonofobia estavam
presentes. Refere ainda uso de bebida alcoólica como
desencadeantes das crises. Por fim, o paciente revelou que as
dores muitas vezes atrapalhavam seus afazeres cotidianos, o
que interferia no seu bem-estar físico, financeiro e relacional.
Nega qualquer outra condição ou dor associada, assim como
nega história familiar semelhante.
b) Exame físico geral: Pressão arterial 120 x 80 mmHg em
ortostase. Com exceção da cefaleia, não há febre ou qualquer
outro sintoma constitucional. Sem sinal de trauma externo.
c) Exame neurológico: Pupilas isocóricas e fotorreagentes;
fundo de olho normal; força grau V global; reflexos normoativos
e simétricos. Provas cerebelares normais. Sem sinais de
irritação meníngea.

2. PARA PENSAR
a) Quais os diagnósticos sindrômico, topográfico, nosológico e
etiológico observados no caso?
b) O que é marcante dentre os sinais e sintomas observados?
c) Quais as principais nosologias a serem consideradas e/ou
excluídas do raciocínio?
d) Que importantes diagnósticos diferenciais devem ser
considerados?
e) Qual a relação entre a dor e a disfunção autonômica?

3. DISCUSSÃO
3.1. Diagnóstico Sindrômico:
a) Síndrome álgica: caracterizada pelas fortes dores
hemicranianas referidas pelo paciente.
b) Síndrome autonômica: caracterizada pela injeção conjuntival,
sudorese e/ou rinorreia (em alguns episódios), o que sugere
possíveis paroxismos parassimpáticos.

3.2. Diagnóstico Topográfico


Para chegar ao diagnóstico topográfico, devemos relacionar as
duas síndromes do caso: álgica e autonômica. A respeito da
síndrome álgica, tendo em vista que a dor se propaga pelo território
de inervação do Nervo Trigêmeo NC V (Região da Fronte e
Hemicraniana direita), podemos pensar em uma topografia
relacionada à aferência deste ramo. Esta algia, dessa forma, pode
ter uma correlação direta com o comprometimento dos ramos
periféricos (principalmente o oftálmico), da raiz ou dos núcleos
centrais associados ao trigêmeo (no Tronco Encefálico), já que
alterações nas vias sensitivas ou a interferência em seus centros
integradores podem desencadear tal quadro. A ausência de
incontinência, nível sensitivo e para/hemiparesia permite excluir
quadros medulares. Além disso, ao se observar a síndrome
autonômica, o reflexo trigêmino-autonômico, que relaciona as vias
aferentes trigeminais e eferentes do Nervo Facial (NC 7), que será
discutido mais à frente, nos faz restringir ainda mais o foco para a
raiz nervosa. Por fim, apesar de o nível de consciência estar bem
estabelecido e haver ausência de sinais focais, a topografia
telencefálica não pode ser descartada, tendo em vista que é a região
de predomínio álgico. Dessa forma, Telencéfalo, Tronco Encefálico e
extensão do NC V são as principais suspeitas topográficas.

3.3. Diagnóstico Nosológico


Alguns diagnósticos nosológicos podem ser pensados. Um deles
é uma possível condição compressiva das estruturas trigeminais ou
do tronco encefálico, já que isto poderia desencadear muito do
espectro sintomatológico. Outro é a condição neoplásica – apesar
de a marca temporal já ter se estendido muito, não podemos
descartá-la; afinal, é uma condição que também pode desencadear o
quadro clínico esperado. Entretanto, uma condição idiopática pode
estar presente, sendo necessários exames complementares para
futuras confirmações.
A partir do quadro, percebe-se que outros diagnósticos
nosológicos são menos prováveis, como vasculares (não são
sugestivos do caso, pois as dores normalmente são súbitas) e
traumáticos (não sugestivos do quadro, pois o paciente
aparentemente apresentava normalidade das faculdades físicas e
mentais, sem lapsos memoriais). Além disso, quadros infecciosos
ou inflamatórios podem ser relegados, pois há ausência de febre,
vermelhidão, edema, meningismo, infecção por HIV (Vírus da
Imunodeficiência Humana), por exemplo. Por fim, é importante
salientar, como já citado, a necessidade de exames como
Ressonância Magnética ou Tomografia de Crânio, a fim de uma
investigação mais criteriosa para o quadro nosológico.

3.4. Diagnóstico Etiológico e Diferencial


Nosso caso fecha como Cefaleia em Salvas (CS), uma Cefaleia
Primária pertencente ao grupo das Cefaleias Trigêmino-
autonômicas (CTAs), cujo diagnóstico é geralmente clínico.
As Cefaleias Trigêmino-autonômicas (Cefaleia em Salvas,
Hemicrânia Paroxística, Hemicrânia Contínua e SUNCT/SUNA), em
geral, são hemicranianas e costumam ser acompanhadas de
alterações nas respostas autonômicas decorrentes de reflexos
trigeminais; por exemplo, lacrimejamento, injeção conjuntival,
sudorese e rinorreia. A duração e a frequência dos episódios são
essenciais para a identificação da etiologia dentro desse grupo de
cefaleias. A Cefaleia em Salvas, caracteristicamente, possui a maior
duração dos episódios (15-180 min) e as menores frequências (1-3
por dia).1-3
Mas, na prática clínica, basear-se apenas nessas peculiaridades
poderia levar o clínico à confusão. O que então seria ainda mais
peculiar dessa etiologia?
A Cefaleia em Salvas é bastante reconhecida não só por ser a
mais comum de todas as CTAs, mas por ser considerada pelos
pacientes como a pior dor de todas, ao menos em termos
dolorosos.1 O paciente, na tentativa de aliviar de algum modo essa
dor, se torna extremamente inquieto (agitado) enquanto expia as
crises; a inquietação é um achado frequente desta condição,
estando presente em pelo menos 90% dos casos. Além disso, os
gatilhos químicos por inalação de substâncias voláteis, como álcool
e nitroglicerina, podem ser levados em consideração, o que
provavelmente está relacionado à ativação do ramo olfatório do
trigêmeo.1,2 Entretanto, algo que chama muito a atenção nessa
doença é a sua característica sazonal. Isso é observado, pois muitos
pacientes costumam apresentar o ciclo das crises em algum
período específico do ano, como num mês, num contexto ou data
específica (no caso em questão, o paciente apresentava as crises,
usualmente, no segundo semestre do ano). Isto, em parte, se explica
por sua relação fisiopatológica com o hipotálamo, responsável,
dentre muitas outras coisas, pelo controle de marcadores
cicardianos.1
A síndrome autonômica desencadeada no quadro de Cefaleia em
salvas advém principalmente da disfunção do denominado Reflexo
Trigêmino-autonômico. Neste reflexo, fibras aferentes trigeminais,
após serem processadas centralmente, redistribuem respostas por
meio do Nervo Facial (NC VII), as quais agem diretamente nas
Glândulas Mucosas Nasofaríngeas, Seios Paranasais e Glândulas
Lacrimais, o que explica alguns dos sintomas presentes.1,2
É importante ter em mente que as CTAs, além de serem
incomuns entre as Cefaleias Primárias, geralmente estão
associadas com causas secundárias. Dentre estas causas, as
compressivas, as vasculares e as neoplásicas (principalmente o
adenoma hipofisário) são recorrentes em relação a esses quadros.
Dessa forma, considerando a sua raridade e a possibilidade de
serem, na verdade, Cefaleias Secundárias, o profissional deve, se
possível, pedir uma Ressonância Magnética de Crânio, a fim de
confirmar a possível nosologia.1,2
A foto e a fonofobia podem confundir o Médico com um possível
quadro de Enxaqueca. Porém, deve-se ficar atento ao fato de que a
CS é estritamente unilateral e, caso a dor hemicrânica alterne de
lado, sua síndrome autonômica e as características migranosas
também alternam a localização. A ausência de papiledema também
exclui causa hipertensiva intracraniana,4 que poderia levar a um
quadro semelhante. Além disso, a tabela abaixo mostra, de maneira
geral, como diferenciá-la entre as CTAs.
Tabela – Características clínicas das diferentes Cefaleias Trigêmino-
autonômicas.

Tipos/ Cefaleia em Hemicrânia SUNCT/ Hemicrânia


Característica Salvas Paroxística SUNA Contínua

Pouco intensa
Forte ou de base, mas
Severidade Forte Moderada/Forte
Muito forte fortes
exacerbações
Tipos/ Cefaleia em Hemicrânia SUNCT/ Hemicrânia
Característica Salvas Paroxística SUNA Contínua

Constante > 3
Duração 15-180 min 2-30 min 1 – 600s
meses

Constante por
Ao menos 1/
Frequência 1-8 por dia > 5 por dia mais de 3
dia
meses

Disautonomia + + + +

Inquietação + + - +

Resposta à
- 100% - 100%
indometacina

Padrão
82% Raro Raro Raro
Cicardiano

Gatilho por
+ + - +
álcool

Gatilho por
+ + - Raro
nitroglicerina

Gatilho por
Movimentos - + + -
cervicais

Gatilho por
movimentos - - + -
cutâneos

Fonte: Adaptado de Burish.1

Por fim, para as Cefaleias Primárias em Geral, devemos sempre


considerar diagnósticos diferenciais em situações de:5

• Cefaleias + Início abrupto/repentino: pensar, principalmente


se presente uma cefaleia no formato Thunderclap, em uma
Nosologia vascular arterial ou venosa, sendo as principais
etiologias: AVCh (Acidente Vascular Cerebral Hemorrágico),
DAC (Dissecção de Artéria Carótida) ou TVC (Trombose
Venosa Cerebral). Outros diagnósticos que podem ser
considerados são a Hipotensão Intracraniana Espontânea e a
Síndrome da Vasoconstrição Cerebral Reversível.

• Cefaleia + Déficit Neurológico Focal e/ou Status Mental


Alterado: considerar acometimentos Traumáticos,
Infecciosos, Vasculares ou qualquer quadro que leve a um
aumento na Pressão Intracraniana.

• Cefaleia + HIV ou algum Status imunossupressivo: este


quadro é bastante sugestivo de alguma doença intracraniana,
principalmente no indivíduo portador do HIV, devendo ser
sugeridas sempre causas infecciosas, como meningite e
toxoplasmose, ou não infecciosas, como os linfomas.

• Cefaleia + Idade Avançada: este grupo é importante, pois


pacientes nesta condição possuem alto risco de hemorragia
intracraniana, trauma, arterite de células gigantes e
malignidade.

• Cefaleia + Gravidez: o estado protrombótico associado à


gravidez aumenta o risco para AVC e TVC. Todavia, esta
condição também pode estar associada à pré-eclâmpsia.

• Cefaleia + Coagulopatia: pelo risco de formação de trombos.


• Cefaleia + Malignidade: pode ocorrer por um efeito de massa
do tumor por si só.

• Cefaleia + Febre: sugere quadro infeccioso, assim como


alguma doença sistêmica
• Cefaleia + Déficit Visual: pode sugerir uma causa vascular
como DAC, neurite óptica, Hipertensão Idiopática
Intracraniana e massas intracranianas.
Este conjunto de diagnósticos diferenciais podem ser
repensados durante o raciocínio neurológico de Cefaleias Primárias
a partir de um mnemônico simples denominado SNOOP, o qual nos
leva a associar uma possível causa secundária subjacente. Este
mnemônico é caracterizado por:

• S (Systemic) – Sinais sistêmicos como febre, perda de peso,


anticoagulação, toxemia, rigidez nucal, infecção por HIV, rash
cutâneo, neoplasia ou usuários de imunossupressores.

• N (Neurologic) – Presença de déficits ou alterações ao exame


neurológico, como papiledema, sinais neurológicos focais,
função motora e/ou cerebelar alteradas, assimetria/alteração
funcional dos NC, meningismo.

• O (Older) – Se a cefaleia se iniciar numa idade acima de 50


anos, deve-se repensar uma causa secundária.

• O (Onset) – Se a cefaleia foi a primeira da vida e/ou teve


início súbito, considerar secundariedade.

• P (Pattern) – Alteração no padrão da cefaleia quantitativa ou


qualitativamente, ou uma cefaleia refratária, ou progressiva.
a) Exames complementares

• Hemograma, glicemia, eletrólitos, função renal, hepática e


tireoideana, vitamina B1 e B12: normais

• Exame do líquor: normal


• Ressonância Magnética do Cérebro (RMC): sem alterações
relevantes
b) Tratamento e desfecho: durante os episódios, o indivíduo foi
tratado com sumatriptano subcutâneo concomitantemente à
oxigenioterapia, com resolução das crises agudas. Tratamento
preventivo com Verapamil foi proposto a fim de evitar
recorrência do quadro. Após algumas semanas, o paciente
relatou redução da frequêcia e da intensidade das crises. Foi
sugerido retorno no segundo semestre dos anos posteriores
para reavaliações caso houvesse alteração no quadro

3.5. Considerações Finais


A Cefaleia em Salvas é uma condição clínica de extrema
relevância, pois, além de ser a mais comum entre as CTAs, possui
um forte espectro sintomatológico e está associada a causas
secundárias recorrentes, sendo necessário um bom olhar clínico
para caracterização sintomatológica e um exame de imagem para
descartar causas intracranianas. Isso favorecerá o reconhecimento
e, por fim, um tratamento mais direcionado e qualitativo para o
paciente.

4. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
• a) Conhecer a forma de apresentação clínica característica
da Cefaleia em Salvas, assim como o raciocínio neurológico
que deve ser mantido.

• b) Saber identificar suas principais manifestações clínicas,


como a inquietação, a intensidade (pior dor da vida) e a sua
temporalidade (15-180 min).

• c) Ser capaz de correlacionar a síndrome autonômica com os


reflexos trigêmino-autonômicos, afunilando o raciocínio
topográfico.

• d) Conhecer os principais diagnósticos diferenciais


associados a esta condição.

5. DICAS PRÁTICAS
• a) A cefaleia em salvas geralmente é caracterizada como a
pior dor da vida de um indivíduo, estando diretamente
associada a um estado de forte inquietação por parte do
mesmo.

• b) Se secundária, pode advir de diversas nosologias; por isso,


vale a atenção ao mnemônico SNOOP a fim refinar o
diagnóstico sindrômico e topográfico do indivíduo.

• c) Existe uma forte relação temporal na CS, que costuma


acontecer durante datas ou épocas precisas ao longo dos
anos.

• d) Os tratamentos relacionados à CS variam de indivíduo para


indivíduo e são divididos em: tratamento agudo, preventivo e
de ponte. A oxigenioterapia e o sumatriptano subcutâneo são
geralmente eficientes para evitar as crises agudas, o que pode
auxiliar no manejo do paciente.

• e) A CS se diferencia da Enxaqueca principalmente pela


unilateralidade da síndrome autonômica e álgica, de maneira
que, caso haja alternância de lado de uma das duas
síndromes, a outra também alterna.

REFERÊNCIAS
1. Burish MJ, Rozen TD. Trigeminal Autonomic Cephalalgias. Neurol Clin. 2019; 37(4):
847-869.
2. Newman LC. Trigeminal Autonomic Cephalalgias. Continuum (Minneap Minn). 2015;
21(4 Headache): 1041-57.
3. Kasper DL. Medicina interna de Harrison. 19. ed. Porto Alegre: AMGH Editora; 2017.
4. Speciali JG, Kowacs F, Jurno ME, Bruscky IS, Carvalho JJF, Fantini FGMM, et al.
Protocolo nacional para diagnóstico e manejo das cefaleias nas Unidades de
Urgência do Brasil – 2018. São Paulo: Academia Brasileira de Neurologia –
Departamento Científico de Cefaleia. Sociedade Brasileira de Cefaleia; 2018.
5. Tabatabai RR, Swadron SP. Headache in the Emergency Department: Avoiding
Misdiagnosis of Dangerous Secondary Causes. Emerg Med Clin North Am. 2016;
34(4): 695-716.
Caso 4

Cefaleias recorrentes no dia a dia


Autora: Milena Vieira Madeira
Orientador: Dr. Samuel Ranieri Oliveira Veras

1. APRESENTAÇÃO DE CASO
a) Anamnese: Paciente feminino, 35 anos, previamente hígida,
refere quadro de cefaleia com frequência de 4 dias por semana
nos últimos 4 meses, interferindo nas atividades diárias, mas
sem interrompê-las, em aperto, bilateral e fronto-occipital. Não
se agrava com esforços físicos habituais nem com barulhos,
mas piora com estímulos luminosos. Relata também que as
cefaleias antes eram esporádicas e tornaram-se frequentes
gradualmente, chegando a ser praticamente diárias nos últimos
dois anos e agravando nos últimos meses. Não apresenta
náuseas nem vômitos nas crises. A paciente associa a piora
com o excesso de cobrança no trabalho. Toma analgésicos
combinados e anti-inflamatórios em todos os dias em que
apresenta as crises.
b) Exame físico geral: Pressão arterial 120 x 80 mmHg. Sem
sinais sistêmicos ou outro tipo de sintoma constitucional.
c) Exame neurológico: Funções corticais superiores sem
alterações. Sem alterações no exame dos nervos cranianos.
Reflexos normais, sem alteração na marcha e na sensibilidade.

2. PARA PENSAR
a) Qual seria o raciocínio diagnóstico (sindrômico, topográfico,
nosológico e etiológico do caso descrito?
b) Qual síndrome é bastante característica para o diagnóstico
dessa entidade clínica?
c) Existem variantes clínicas desse diagnóstico?
d) Quais características do quadro são consideradas pontos-
chave para o diagnóstico?

3. Discussão
3.1 . Diagnóstico Sindrômico
a) Síndrome Álgica: caracteriza-se pela presença de dores.
No caso da paciente, as dores são de intensidade moderada,
bilateral e em aperto, sendo recorrentes.

3.2. Diagnóstico Topográfico


No caso das cefaleias, o diagnóstico topográfico está
relacionado com as estruturas cranianas e pericranianas que fazem
aferência de dor para o núcleo espinhal trigeminal, assim como
estruturas cerebrais associadas à modulação inibitória da dor. Isso
inclui estruturas intracranianas, que compreendem as meninges,
artérias na porção da base do crânio, nervos cranianos com
aferência sensitiva geral, seios durais e substância cinzenta
periaquedutal; e extracranianas, como pele, periósteo, olhos, seios
da face, músculos faciais, nucais e cervicais, articulação
temporomandibular, dentes, artérias cervicais e vértebras e suas
articulações cervicais.

3.3. Diagnóstico Nosológico


As cefaleias dividem-se em primárias e secundárias, sendo as
primárias de nosologia idiopática e as secundárias causadas por
doenças vasculares intracranianas ou cervicais. A partir do quadro,
percebe-se que alguns diagnósticos nosológicos são menos
prováveis, como, por exemplo, vascular (que seria uma dor súbita), e
traumáticas, pois no caso não há história sugestiva. Além disso,
quadros infecciosos ou inflamatórios podem ser também menos
considerados, pois, de acordo com o exame físico e com as queixas
da paciente, não houve febre ou outros sintomas relacionados.
Dessa forma, de acordo com os sintomas relatados, sua
caracterização e levando em consideração a possibilidade de uma
cefaleia primária (ou seja, não há outros diagnósticos sugestivos
subjacentes que expliquem essas dores, exceto pelo uso
excessivo/frequente de medicações analgésicas), é possível
pensarmos em cefaleia primária complicada por etiologia tóxica
associada ao uso excessivo de medicações analgésicas, como
sugere a história clínica.

3.4. Diagnóstico Etiológico e Diferencial


Cefaleia do Tipo Tensão
Cefaleia primária, caracterizada como dor de cabeça em aperto
ou pressão, localizada bilateralmente, com intensidade leve a
moderada, não agravada por atividades físicas e sem características
associadas marcantes. Afeta cerca da metade da população em
algum momento da vida e possui prevalência igual entre os
gêneros.1
A cefaleia do tipo tensão, ou cefaleia tensional, é um tipo de dor
de cabeça muito comum, com provável associação a distúrbio na
modulação do grau de contração muscular pericraniana, cervical e
na interpretação alterada à dor, que pode acontecer principalmente
associada a comorbidades psiquiátricas típicas de síndromes de dor
crônica, quando muito frequente. Pode ou não estar associada a
eventos estressantes; contudo, o tipo tensional refere-se à
característica da dor: uma faixa tensa em aperto no crânio, sem
enjoos e sem hipersensibilidade a múltiplos estímulos sensoriais
concomitantes.
Este tipo de dor de cabeça pode ser classificado em três
subtipos, de acordo com a frequência com que surge:
• Cefaleia tipo tensão infrequente: acontece no máximo 1 vez
entre um mês e outro;

• Cefaleia tipo tensão frequente: acontece pelo menos 1 vez ou


mais, mensalmente;

• Cefaleia tipo tensão crônica: acontece mais que 15 dias por


mês, por mais de 3 meses seguidos, podendo também durar
meses ou anos.2
O diagnóstico não é complexo, mas é importante ficar atento aos
diagnósticos diferenciais que cursam com os sintomas
semelhantes, principalmente em ambientes de emergência
hospitalar. A enxaqueca é o diferencial mais importante, sendo a
cefaleia primária que mais leva à busca de assistência médica
devido à sua característica incapacitante. A enxaqueca caracteriza-
se principalmente por ser uma cefaleia “enjoada e hipersensível” na
qual o paciente se encontra bastante incomodado com estímulos
sensoriais do ambiente, podendo causar interrupção das atividades
e reclusão em local mais calmo e escuro para repousar.
As cefaleias primárias, quando complicam com suas formas
crônicas, geralmente apresentam um tipo de cefaleia secundária
associada, causada pelo uso excessivo de medicação analgésica,
sendo os dois diagnósticos contemplados para o mesmo paciente,
já que essa cefaleia secundária consiste numa complicação comum
de cefaleias primárias cronificadas. No caso, a paciente em questão
apresenta os dois diagnósticos.
O tratamento, segundo as Diretrizes da Federação Europeia de
Sociedades Neurológicas, consiste no tratamento da crise aguda e
no tratamento profilático. Para a crise de dor, usamos
medicamentos que, em geral, podem ser comprados sem
prescrição, como paracetamol, aspirina, ibuprofeno e naproxeno,
classificados como nível A de evidência (eficaz) para o tratamento
agudo da cefaleia do tipo tensão. Devem-se evitar analgésicos
combinados quando as cefaleias forem muito frequentes.
Ademais, a possibilidade de tratamento profilático deve ser
considerada, quando a frequência da cefaleia atinge 2 dias por
semana ou mais. No entanto, essa medida depende muito do nível
da incapacidade associado às dores de cabeça e da preferência do
paciente. Desse modo, os antidepressivos tricíclicos, incluindo
amitriptilina, possuem a melhor evidência para a prevenção das
cefaleias do tipo tensional. Também é importante mencionar que o
tratamento implica mudanças no estilo de vida, as quais consistem
na prática de atividades físicas diárias, alimentação saudável e
disponibilização de tempo para o lazer, que podem ajudar a lidar
melhor com a dor, assim como ajudar a reduzir as comorbidades.
Se houver abuso de analgésico, o paciente deverá evitar o uso
precipitante por, idealmente, 2 meses, ou reduzir gradualmente seu
consumo neste período, existindo estratégias diversas e específicas
para essa retirada.
Tabela 1. Principal diagnóstico diferencial nas cefaleias primárias.

Tipo de dor de cabeça

Enxaqueca Dor de cabeça tipo tensão

Número de
Pelo menos 5 Pelo menos 10
ataques

4-72h
30 min a
Duração (não tratado ou tratado sem
7 dias
sucesso)

Dor Pelo menos 2 dos 4:


característica – Localização unilateral Pelo menos 2 dos 4:
– Qualidade pulsante – Localização bilateral
– Moderada ou grave – Pressionando ou em aperto
intensidade da dor – Intensidade leve ou
– Agravamento por ou moderada
causando evasão de rotina – Não agravada pela rotina
com atividades física (por (atividade física, como
exemplo, caminhar ou subir caminhar ou subir escadas)
escadas)
Tipo de dor de cabeça

Enxaqueca Dor de cabeça tipo tensão

Durante a dor cabeça, pelo


Ambos os seguintes:
menos
– Sem náuseas ou vômitos,
1 dos seguintes:
não mais do que um entre
– Náusea e/ou vômito
fotofobia ou fonofobia
– Fotofobia e fotofobia

Fonte: Adaptado de International Headache Society (IHS).3

3.5. Considerações Finais


A cefaleia tensional é a cefaleia primária mais prevalente na
população; portanto, faz parte do dia a dia do médico generalista.
Assim, seus critérios diagnósticos (quadro clínico típico e
diagnóstico diferencial com enxaqueca) e seu tratamento precisam
ser conhecidos para o correto manejo do paciente no consultório ou
na atenção primária.

4. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
a) Conhecer as principais características clínicas de uma
cefaleia tensional.
b) Ter em mente os achados da história clínica e do exame
físico que apontam para outros diagnósticos.
c) Conhecer os principais diagnósticos diferenciais relacionados
a essa condição.
d) Conhecer os subtipos de cefaleias tensionais de acordo com
a frequência e duração dos sintomas.

5. DICAS PRÁTICAS
a) A cefaleia do tipo tensão é o tipo de cefaleia mais prevalente
em todo o mundo, especialmente a forma infrequente. Contudo,
a enxaqueca costuma ser o tipo de cefaleia que mais leva os
pacientes a procurar assistência médica devido ao seu caráter
mais incapacitante. Mesmo assim, a forma crônica da cefaleia
do tipo tensão costuma ser uma das principais causas de
procura a atendimento especializado de neurologia devido ao
grande prejuízo que ela causa à qualidade de vida dos
pacientes.
b) A cefaleia tensional é um tipo de cefaleia primária que não
possui sintomas associados subjacentes.
c) O diagnóstico é essencialmente clínico.
d) O tratamento é dividido em agudo e de prevenção.
e) Geralmente não há complicações em quadros de cefaleia
tensional, mas pode haver confusão no diagnóstico de acordo
com a sintomatologia semelhante de outro tipo de cefaleia
primária, e, nas formas crônicas, é comum a associação com
um tipo de cefaleia secundária: a cefaleia associada ao uso
excessivo de analgésico.

REFERÊNCIAS
1. Hale N, Paauw DS. Diagnosis and treatment of headache in the ambulatory care
setting: a review of classic presentations and new considerations in diagnosis and
management. Med Clin North Am. 2014; 98(3): 505-27.
2. da Cruz MC, da Cruz LC, da Cruz MCC, Camargo RP.. Cefaleia do tipo tensional: revisão
de literatura. Archives of Health Investigation, 6(2).
3. Headache Classification Committee of the International Headache Society (IHS). The
International Classification of Headache Disorders, 3. ed. Cephalalgia. 2018; 38(1): 1-
211.
Caso 5

Uma Dor Fatal


Autora: Danyela Martins Bezerra Soares
Orientador: Dr. Gilnard Caminha M. Aguiar

1. APRESENTAÇÃO DE CASO
a) Anamnese: Paciente feminino, 59 anos, negra, relata que
estava limpando sua casa há 15h quando sentiu uma cefaleia
súbita e explosiva, em aperto, em região frontal, tornando-se
rapidamente holocraniana, classificando-a como “a pior dor de
cabeça de sua vida”. Relata episódios de náuseas e vômitos
repetidos, negando perda de consciência ou déficit motor focal.
Nega febre ou outras queixas sistêmicas.
b) Antecedentes pessoais: Hipertensa. Tabagista de 20
maços/ano. Nega etilismo.
c) Exame neurológico: Paciente consciente e desorientada, com
14 pontos na escala de coma de Glasgow (Resposta ocular: 4,
Resposta verbal: 4, Resposta motora: 6), sem apresentar déficits
neurológicos focais, eufásica e eupráxica. Pupilas isocóricas e
fotorreagentes. Força muscular grau V global. Sensibilidade
preservada. Marcha não testada devido à suspeita de ruptura de
aneurisma. Apresenta rigidez de nuca com sinal de Kernig
presente.

2. PARA PENSAR
a) Qual seria o raciocínio diagnóstico (sindrômico, topográfico,
nosológico e etiológico) do caso descrito?
b) Qual população está mais sujeita a esse tipo de
acometimento?
c) Qual sua principal etiologia?
d) Quais exames complementares devem ser solicitados diante
da suspeita clínica dessa patologia?
e) Qual o manejo do paciente?

3. DISCUSSÃO
3.1. Diagnóstico Sindrômico
a) Síndrome álgica: Devido à presença de dor intensa que a
impossibilitou de deambular.
b) Síndrome Confusional Aguda: devido à desorientação da
paciente.

3.2. Diagnóstico Topográfico


Cefaleia de instalação súbita vasos/meninges
A avaliação de pacientes com queixas de cefaleia deve ser
focada principalmente na história clínica detalhada da dor,
investigando o momento e as circunstâncias de instalação, horário
de início, intensidade, localização da dor, irradiação, tempo de
duração, fatores de melhora e de piora, histórico de cefaleias,
correlação com o sono e o impacto da cefaleia nas atividades de
vida diária. As cefaleias oriundas de acometimentos vasculares
podem apresentar-se de várias formas; por exemplo, em casos
isquêmicos, a dor precede a ocorrência de isquemia em 10% das
vezes, e em casos hemorrágicos, a dor surge num intervalo inferior a
60 minutos na maioria das vezes, acompanhada de
comprometimento de consciência, vômitos e rigidez de nuca.1

3.3. Diagnóstico Nosológico


Vascular
A origem vascular é evidenciada devido ao quadro súbito e ao
avanço rápido dos sintomas. Em acometimentos vasculares,
Rouanet e Silva2 apontam uma possibilidade alta de recidiva,
chegando a 15% nas primeiras 24 horas com 70% de mortalidade e
7 a 22% de chance de ressangramento nos três primeiros dias.
Essas chances aumentam principalmente em pacientes que
possuem comorbidades associadas e vício de longo prazo, sendo a
hipertensão arterial e o tabagismo os fatores de risco mais
associados.

3.4. Diagnóstico Etiológico


Hemorragia Subaracnoidea (HSA)
A Hemorragia Subaracnoidea pode ser definida como o
extravasamento súbito de sangue no interior do espaço
subaracnoideo, sendo a rotura de aneurismas a causa mais comum
de HSA espontânea. Outras etiologias de HSA incluem
malformações arteriovenosas, trombose venosa cerebral,
traumatismos, dissecção de artérias intracranianas e o uso de
cocaína. O diagnóstico diferencial da HSA deve ser feito
descartando-se as outras etiologias de cefaleia súbita, através da
pesquisa por exames de imagem e do líquor.
A HSA pode ser classificada baseada no quadro clínico do
paciente através da escala de Hunt e Hess (Tabela 1), que foi
desenvolvida visando a avaliar o risco cirúrgico dos pacientes, sendo
a pontuação obtida correlacionada à gravidade da hemorragia.
Também pode ser avaliado o risco de vasoespasmo através dos
exames de imagem pelo escore de Fisher (Tabela 2). No caso, a
paciente estaria no grau IV pela escala de Hunt e Hess.
Tabela 1. Escala de Hunt e Hess.
Paciente assintomático ou com leve cefaleia e leve rigidez
Grau I
nucal

Grau II Paralisia de NC, cefaleia de moderada a grave e rigidez nucal

Grau III Déficit focal leve, letargia ou confusão


Grau IV Estupor, hemiparesia variando de moderada a grave e rigidez
de descerebração precoce

Coma profundo, rigidez de descerebração e aspecto


Grau V
moribundo

Fonte: Rouanet.2

Tabela 2. Escore de Fisher.

Grau 1 Nenhum sangue subaracnoideo detectado

Grau 2 Camadas difusas ou verticais < 1 mm de espessura

Grau 3 Coágulo localizado e/ou camada vertical > 1 mm

Coágulo intracerebral ou intraventricular com HSA difusa ou


Grau 4
sem HSA

Fonte: Rouanet.2

a) Exames complementares:

• Tomografia de crânio sem contraste: hemorragia


subaracnoidea na fissura inter-hemisférica frontal e nas
fissuras sylvianas bilateralmente, sem sinais de hidrocefalia
ou hipertensão intracraniana. Grau 2 pela escala de Fisher.

• Angiografia digital por subtração dos 4 vasos cerebrais:


aneurisma sacular em segmento oftálmico da artéria carótida
interna esquerda de 11 x 6 mm em seus maiores diâmetros e
colo de 3 mm. Aneurisma sacular em segmento comunicante
posterior da artéria carótida interna direita de 5 mm e colo de
3 mm. Dilatação infundibular na origem da artéria
comunicante posterior esquerda de 3 mm. Tortuosidade
acentuada dos vasos cervicais, sem placas ou estenoses
significativas. Ausência de vasoespasmo.
b) Tratamento: Embolização do aneurisma oftálmico à esquerda
por ser o de maior tamanho e tratamento do aneurisma
contralateral no dia seguinte à primeira cirurgia. Realizada
clipagem microcirúrgica do aneurisma comunicante posterior à
direita.

3.5. Considerações Finais


O manejo da HSA por aneurisma possui dois pilares: 1) evitar o
ressangramento e 2) diminuir o risco de vasoespasmo. Modi3
recomenda que para evitar o ressangramento, além da clipagem
precoce do aneurisma, existem algumas medidas essenciais a
serem tomadas, como a elevação da cabeça do paciente, evitar
compressão das veias do pescoço, trocar de decúbito
frequentemente, fisioterapia e cuidados com a boca, intestino e
bexiga. O vasoespasmo é uma condição em que ocorre a
diminuição do calibre das grandes artérias cerebrais, em
consequência da presença de sangue no espaço subaracnoideo e
de alguns processos fisiopatológicos do organismo, dando origem a
um processo isquêmico quando não tratado. O tratamento deve ser
feito por via endovenosa o mais rápido possível, podendo ser
utilizada a Papaverina (mais potente), o Verapamil, a Nicardipina ou
a Nimodipina. A pressão arterial também é uma importante parte no
tratamento da HSA, devendo-se manter seus níveis abaixo de 160
mmHg, sendo o tratamento com nitroprussiato de sódio utilizado
associado às mediações de controle da pressão quando necessário.

4. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
a) Conhecer o diagnóstico e a abordagem terapêutica da HSA.
b) Lembrar que, quanto mais rápido o manejo clínico, melhor o
prognóstico.
c) Investigar e elucidar, através dos exames complementares, as
principais hipóteses diagnósticas.
d) Direcionar corretamente as perguntas da anamnese para a
queixa principal desses pacientes.
5. DICAS PRÁTICAS
a) Exames de imagem como Tomografia Computadorizada,
Ressonância Magnética ou angiografia convencional podem ser
usadas como rastreio de aneurismas subjacentes.
b) Os principais fatores de risco para formação de aneurisma
são tabagismo, HAS e genética.
c) Paciente com queixa de cefaleia de início súbito, descrita
como “a pior da vida”, acompanhada ou não de déficits
neurológicos focais, merece ser submetido à TC de crânio sem
contraste.
d) A hipertensão intracraniana é uma complicação frequente,
podendo cursar de forma tardia com edema cerebral,
ressangramentos e hidrocefalia, que podem ser evitados através
de manobras como elevação da cabeceira da cama, sedação e
analgesia, ventilação normal e, em casos refratários, hipotermia,
derivação ventricular externa em casos de hidrocefalia em
pacientes graves e craniectomia descompressiva.4

REFERÊNCIAS
1. Kasper DL, Hauser SL, Jameson JL, Fauci AS, Longo DL, Loscalzo J. Harrison
Medicina Interna. 19. ed. Porto Alegre: MCGraw-Hill Brasil; 2016.
2. Rouanet C, Silva GS. Aneurysmal subarachnoid hemorrhage: current concepts and
updates. Arq Neuro-Psiquiatr. 2019; 77(11): 806-14.
3. Modi NJ, Agrawal M, Sinha VD. Post-traumatic subarachnoid hemorrhage: A review.
Neurol India. 2016; 64: 8.
4. Martins MA, Carrilho FJ, Alves VAF, Castilho EA, Cerri GG, Wen CL. Clínica Médica.
Volume 6 – USP. 2. ed. Barueri: Manole; 2015.
Caso 6

Dor Cervical
Autor: Gabriel de Albuquerque Vasconcelos
Orientador: Dr. Paulo Reges O. Lima

1. APRESENTAÇÃO DE CASO
a) Anamnese: Paciente masculino, 39 anos, chega ao
consultório com queixa de dor cervical direita, há 6 dias,
progressiva, em queimação, 8/10 na EVA, com irradiação para
ombro direito, que melhora à abdução dos braços e piora à
flexão do pescoço, associada a parestesias em MMSS direito
(região dorsal e central do braço, antebraço e mão). Nega
histórico de trauma, febre, sudorese noturna ou doença
reumática. Percebeu, também, fraqueza no braço direito, com
dificuldade para pentear os cabelos.
b) Exame físico geral: Fácies de dor. Sem outras alterações
dignas de nota.
c) Exame neurológico: Força 4/5 à extensão do antebraço
direito e à flexão do punho direito. Reflexo tricipital direito
ausente. Hipoestesia tátil e dolorosa na região correspondente
ao dermátomo C7. Teste de Spurling e teste de Hoffman
negativos.

2. PARA PENSAR
a) Quais os principais diagnósticos (sindrômico, topográfico,
nosológico e etiológico) observados?
b) Qual a chave do diagnóstico topográfico?
c) Quais as principais topografias acometidas pela mesma
etiologia do caso?
d) Quais exames devem ser solicitados para um paciente como
o do caso apresentado?
e) Quais os principais fenótipos clínicos das diferentes
manifestações da etiologia do caso?
f) Como deve ser o manejo de pacientes com esse diagnóstico?

3. DISCUSSÃO
3.1. Diagnóstico Sindrômico
a) Síndrome Álgica: dor cervical com irradiação para o ombro.
b) Síndrome Sensitiva (superficial e profunda): hipoestesia
superficial (sensibilidade dolorosa) e profunda (tato epicrítico),
bem como parestesias no dermátomo C7.
c) Síndrome do Neurônio Motor Inferior: fraqueza da
musculatura relacionada ao miótomo de C7 (flexor radial do
carpo, flexor ulnar do carpo, palmar longo e tríceps), com reflexo
tricipital abolido.

3.2. Diagnóstico Topográfico


Raiz Nervosa de C7
O ponto de partida para tal diagnóstico deve ser o fato de que a
síndrome sensitiva e a síndrome motora são limitadas,
respectivamente, a um dermátomo e a um miótomo. Pela descrição
da localização das parestesias (região dorsal e central do braço,
antebraço e mão) e da musculatura acometida (tríceps braquial e
flexores do punho), conclui-se que a raiz nervosa afetada é a C7. A
Síndrome do Neurônio Motor Inferior (SNMI) corrobora esses
achados, já que só pode ser encontrada em algum ponto entre a
coluna anterior e o músculo.
Diante disso, um acometimento de coluna anterior seria
acompanhado por outros achados relacionados à lesão medular. Ao
sair da medula, a raiz nervosa de C7 é integrada ao plexo braquial,
no qual as fibras são ‘’misturadas’’ e ‘’distribuídas’’ para diferentes
nervos. Por isso, o acometimento do plexo nervoso em diante é
pouco provável, já que não seguiria o padrão dermatômico ou
miotômico e seria acompanhado de outros achados relacionados a
outras fibras contidas nessas estruturas.
Só nos resta, portanto, o diagnóstico topográfico de raiz nervosa,
corroborado pela síndrome álgica, com características de dor
neuropática e alívio à abdução do MMSS. Cabe ressaltar que, acima
de C8, todas as raízes nervosas saem acima da vértebra
correspondente, enquanto a raiz de C8 sai abaixo da vértebra C7 e, a
partir de T1, as raízes saem abaixo da vértebra correspondente.

3.3. Diagnóstico Nosológico


Degenerativo. Compressivo
Apesar da ausência de histórico de trauma, o exame clínico
sugere, evidentemente, que a lesão é causada por compressão
mecânica. Tendo em vista a idade de início, o tempo de evolução e a
topografia bem localizada, nosologias vasculares ou
congênitas/genéticas são pouco prováveis. Algumas doenças
metabólicas, tóxicas, endocrinológicas, infecciosas ou autoimunes
poderiam causar sintomas compressivos de determinadas
estruturas, mas, ao exame clínico, não há indício dessas classes de
doenças. Talvez deva ser considerada uma hipótese diagnóstica
neoplásica, já que tumores são diagnósticos diferenciais para casos
com sintomas compressivos. Contudo, a ausência de outros
sintomas associados (febre, sudorese noturna, perda ponderal), bem
como o início relativamente recente, afasta tal hipótese diagnóstica.
Considerando as opções do mnemônico ‘’VINTAMINDEC’’, resta
considerar a possibilidade de quadro degenerativo, não
necessariamente degeneração do Sistema Nervoso Central ou da
raiz nervosa, mas, possivelmente, de estruturas adjacentes, que
podem sofrer deslocamento e comprimir a raiz nervosa de C7.

3.4. Diagnóstico Etiológico e Diferencial


Hérnia de Disco Cervical de C6/C7
A Hérnia de Disco, quando crônica, é causada por degeneração
do ânulo fibroso do disco intervertebral relacionada à protrusão do
núcleo pulposo para o canal vertebral. Quando aguda, geralmente,
tem causa traumática.1-3 É mais comum a protrusão posterolateral
(com compressão da raiz nervosa), devido à ausência da proteção
do ligamento longitudinal posterior.1-3 Pode haver, também, protrusão
central, com compressão da medula espinhal (colunas cervical e
torácica) ou da cauda equina (coluna lombar).1-3
Os possíveis achados dos caso de radiculopatia estão listados
na Tabela 2, enquanto os achados de mielopatia envolvem,
essencialmente, síndromes motora, sensitiva e autonômica.1,2
Exames complementares, como hemograma, Velocidade de
Hemossedimentação e proteína C-Reativa, devem ser pedidos para
investigar possíveis causas inflamatórias.1,3 Radiografia
(anteroposterior, lateral e oblíqua) faz parte da avaliação inicial, mas
Tomografia Computadorizada é o exame mais sensível para avaliar
lesão óssea, e RM, o mais sensível para avaliar hérnia discal; por
isso, na presença de sinais de alarme para hérnia discal, deve ser
solicitado.1-3 Seguem algumas considerações e diagnósticos
diferenciais da hérnia discal em cada uma das 3 principais
topografias (cervical, torácica e lombar).1-3

Hérnia de Disco Cervical


Mais comum entre as vértebras C5-C6 (achados ao nível espinhal
de C6) e C6-C7 (achados ao nível espinhal de C7).1 O quadro clínico
típico é de dor cervical, que irradia para o MMSS, com sinais
neurológicos sugestivos de radiculopatia, com distribuição
dermatômica e/ou miotômica no MMSS. Existe a possibilidade de
haver mielopatia, mas é menos comum e associada a pior
prognóstico.1 O Teste de Spurling é realizado pela extensão cervical,
seguida por flexão cervical para o lado acometido, o que causa
estreitamento do forame intervertebral e compressão da raiz
acometida, desencadeando ou piorando, em certos casos, os
sintomas de compressão radicular.1 O Teste de Hoffman é usado
para a pesquisa de sinais de mielopatia e é positivo se, ao realizar
flexão abrupta da falange distal do terceiro quirodáctilo, ocorrer
flexão de outros quirodáctilos e adução do primeiro quirodáctilo.
Diante da queixa de dor cervical, devem ser investigados alguns red
flags (Tabela 1) que sugerem outras causas para a dor, como
acidente vascular, inflamação, malignidade ou infecção.1 Seguem
exemplos de diagnósticos diferenciais:

• Lesão do plexo braquial 1

• Espondilose cervical degenerativa 1

• Tensão muscular 1

• Síndrome de Parsonage-Turner 1

• Compressão de nervo periférico 1

• Tendinopatias do ombro 1

Tabela 1 – Red flags para hérnia de disco cervical.

Febre Sudorese noturna

Linfadenopatia Perda ponderal

Rigidez nucal e/ou sinais de irritação


Sinais de mielopatia
meníngea

Dor matutina ≥ 1 hora, com melhora à


Início súbito
movimentação

Fonte: Autor.

Hérnia de Disco Torácica


É menos comum, já que, devido à cifose fisiológica e à
articulação entre processos transversos mais estável, é menos
sujeita à degeneração traumática.2 A maioria dos casos é
assintomática (diagnosticados acidentalmente por RM) e, na
minoria sintomática, os sintomas (dor torácica, epigástrica ou
inguinal) costumam ser inespecíficos, levando o médico a
considerar outra etiologia mais comum; logo, é um diagnóstico de
exclusão.2 Isso ocorre porque a dor não é devida à compressão em
si, mas à inflamação do disco intervertebral e das adjacências.2
Compressão radicular é mais comum, mas os casos de compressão
medular costumam ser mais graves, já que a medula torácica ocupa
mais espaço no canal vertebral que a medula cervical e lombar.2 A
inflamação crônica, com calcificação do disco, pode causar
aderência com a dura-máter, erodindo-a e levando a uma perda de
líquor, o que pode causar cefaleia, hipotensão intracraniana e
hipotensão ortostática.2 Seguem exemplos de diagnósticos
diferenciais:

• Neuropatia diabética 2

• Herpes zóster 2

• Neurofibromatose 2

• Fratura de costela, articulação ou clavícula


2

• Lesão do músculo oblíquo 2

Hérnia de Disco Lombar


É a região da coluna vertebral acometida com maior frequência
por essa etiologia devido à lordose fisiológica e à maior carga
suportada, que predispõem a lesões.3 Os discos intervertebrais mais
frequentemente acometidos são L4-L5 e L5-S1, que correspondem a
95% dos casos de hérnia de disco lombar.3 Dor lombar e sinais de
compressão radicular (dor, parestesias, fraqueza), com piora ao
tossir ou sentar-se, e limitação à flexão do tronco são achados
típicos.3 Devem ser investigados os mesmos red flags citados para
dor cervical, a fim de excluir outras possíveis causas da dor
lombar.1,3 O diagnóstico pode ser confirmado na presença do Sinal
de Lasègue (dor à elevação, inferior a 45 graus, do MMII acometido)
e no cumprimento das regras de Hancock (pelo menos três dos
quatro seguintes: dor, déficit sensorial, alteração de reflexos e
fraqueza no território da raiz acometida).3 Seguem exemplos de
diagnósticos diferenciais:

• Dor lombar por causa mecânica 3

• Tensão muscular 3

• Osteófitos 3

• Espondilolistese 3

• Estenose espinhal degenerativa 3

• Síndrome de Cauda Equina 3

• Abscesso epidural 3

• Hematoma epidural 3

• Amiotrofia diabética 3

• Metástase 3

• Espondilite anquilosante 3

• Cisto sinovial 3

• Neurinoma 3

Tabela 2 – Achados sugestivos da topografia da lesão.


Raiz
Quadro clínico
acometida

Cefaleia, histórico de artrite reumatoide ou instabilidade


C2
atlantoaxial.1

Dor cervical vaga e espasmos e/ou dor no músculo


C3, C4
trapézio.1

Dor em pescoço, ombro e escápula.1 Parestesias em


C5 região lateral do braço.1 Fraqueza à abdução e à flexão do
ombro, bem como à flexão do cotovelo e à supinação do
antebraço.1 Reflexo bicipital diminuído.1

Dor em pescoço, ombro e escápula.1 Parestesias em


região lateral do braço e do antebraço.1 Fraqueza à flexão
C6
do cotovelo e à extensão do punho.1 Reflexo braquiorradial
diminuído.1

Dor em pescoço e ombro.1 Parestesia em região posterior


do antebraço e em terceiro quirodáctilo.1 Fraqueza à
C7
flexão do punho e à extensão do antebraço.1 Reflexo
tricipital diminuído.1

Dor em pescoço e ombro.1 Parestesia em região medial do


C8 antebraço, mão e dois quirodáctilos mediais.1 Fraqueza à
flexão do dedo, preensão e extensão do polegar.1

Dor em pescoço e ombros.1 Parestesia em região medial


T1 do antebraço.1 Fraqueza à abdução e à adução dos
quirodáctilos.1

T2 Dor que irradia para axila (maioria assintomático).2

Dor que irradia para região do mamilo (maioria


T4
assintomático).2

Dor que irradia para região periumbilical (maioria


T10
assintomático).2

Dor que irradia para região inguinal (maioria


T12
assintomático).2
Raiz
Quadro clínico
acometida

Dor e hipoestesia na região inguinal. Reflexo cremastérico


L1
abolido.3

Hipoestesia em região anterior do terço proximal da coxa


L2, L3
(L2) e em região anterior do terço médio da coxa (L3).3

Dor e parestesia em região anterior e medial da perna.3


L4 Fraqueza à flexão do quadril, à adução do quadril e à
extensão do joelho.3 Reflexo patelar diminuído.3

Dor em região superior das nádegas, lateral da coxa,


lateral da perna, dorso do pé e hálux.3 Hipoestesia entre
primeiro e segundo quirodáctilos, dorso do pé e lateral da
L5 perna.3 Fraqueza à abdução do quadril, à flexão do joelho,
à dorsiflexão (pé caído), à dorsiflexão do hálux, à inversão
do pé e à eversão do pé.3 Reflexo
3
semitendíneo/semimembranoso diminuído.

Dor em região de sacro e nádegas que irradia para região


posterolateral de coxa e perna, região plantar e lateral do
pé e períneo.3 Hipoestesia em perna e região lateral e
S1 plantar do pé.3 Fraqueza à flexão plantar, à extensão do
quadril e à flexão do joelho.3 Reflexo aquileu diminuído.3
Pode haver incontinência urinária e fecal, bem como
disfunção sexual.3

Fonte: Autor.

O manejo, independentemente da topografia, deve ser


inicialmente conservador, com repouso e uso de AINEs para alívio da
dor, seguido por fisioterapia, o que resolve o quadro na maioria dos
casos. A minoria que persistir sintomática (com dor) após essas
medidas ou apresentar sinais focais neurológicos à apresentação
ou ao acompanhamento, deve ser encaminhada para a cirurgia.
a) Exames complementares: A Ressonância Magnética (RM)
revelou hérnia de disco posterolateral em C6/C7, com
compressão da raiz nervosa direita de C7.
b) Tratamento: Imobilização com colar cervical e repouso foram
mantidos por curto período, junto com o uso de Anti-
Inflamatórios Não Esteroidais (AINEs). Após remoção do colar
cervical, o paciente recebeu acompanhamento por sessões de
fisioterapia, com posterior remissão espontânea do quadro.

3.5. Considerações Finais


A Hérnia de Disco é uma causa importante de prejuízo funcional
para muitas pessoas e, em certos casos, pode ter consequências
mais graves. Por isso, é essencial o reconhecimento e o manejo
adequado dessa condição a fim de evitar complicações e propiciar
melhor qualidade de vida ao paciente.

4. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
a) Saber reconhecer as principais síndromes apresentadas por
pacientes com hérnia discal.
b) Conhecer as topografias acometidas com maior frequência
por hérnias de disco.
c) Lembrar as principais técnicas que devem ser realizadas ao
exame físico de pacientes com história clínica de hérnia discal,
bem como os exames complementares a serem solicitados e os
diagnósticos diferenciais que precisam ser excluídos.
d) Saber manejar um paciente com hérnia discal.

5. DICAS PRÁTICAS
a) Apesar da evolução benigna na maioria dos casos, é
necessário o acompanhamento do paciente após repouso e
sessões de fisioterapia, a fim de detectar possível complicação
ou necessidade de cirurgia.
b) Sempre descartar possíveis diagnósticos diferenciais de dor
cervical, torácica, abdominal ou lombar, possivelmente
causadas por hérnia de disco, a partir de anamnese (detalhar
bem as características da dor) e exame físico bem feitos,
associados à solicitação dos exames corretos.
c) A radiografia da região acometida pode fazer parte da
avaliação inicial, confirmando a hipótese de hérnia discal ou
sugerindo a solicitação de outros exames, como Tomografia
Computadorizada (TC) ou Ressonância Magnética (RM).1,3 A TC
é o exame mais sensível para alterações na coluna vertebral e a
RM, o mais sensível para degeneração e hérnia discal.1,3 Devem
ser solicitados em casos de dúvida diagnóstica.1,3 Exames
laboratoriais gerais, como marcadores inflamatórios (PCR e
VHS), podem sugerir alguma causa inflamatória relacionada.1,3 A
eletroneuromiografia pode sugerir possível causa de
radiculoneuropatia.1,3
d) Exames complementares devem ser solicitados apenas se
houver red flags que sugiram algum diagnóstico diferencial
possivelmente mais grave. Pode haver indicação de cirurgia se
houver sinal neurológico focal ou se a dor persistir mesmo
depois do período de repouso e imobilização.
e) Dor que piora com movimentação do tronco ou do pescoço
(mobilização da coluna vertebral) e/ou com manobras que
aumentem a pressão no espaço subaracnoideo, como tossir,
corrobora a hipótese diagnóstica de hérnia discal.
f) No exame da sensibilidade, é necessário seguir um sentido
(geralmente, craniocaudal), bem como sempre comparar a
simetria da sensibilidade entre os lados direito e esquerdo.
Importante ressaltar que não basta perguntar se o paciente
sente algo, mas perguntar se os estímulos dos dois lados são
iguais.
g) O padrão de acometimento dermatômico e miotômico
podem, em caso de dúvida, ser consultados em tabelas
acessíveis pelo smartphone, por exemplo. Contudo, é válido
memorizar o quadro clínico das principais raízes afetadas em
hérnias de disco lombares (L4-S1).

REFERÊNCIAS
1. Sharrak S, Al Khalili Y. Cervical Disc Herniation. In: StatPearls [Internet]. Treasure
Island: Stat Pearls Publishing; 2021.
2. Fogwe DT, Petrone B, Mesfin FB. Thoracic Discogenic Syndrome. In: StatPearls
[Internet]. Treasure Island: StatPearls Publishing; 2021.
3. Al Qaraghli MI, De Jesus O. Lumbar Disc Herniation. In: StatPearls [Internet]. Treasure
Island: StatPearls Publishing; 2021.
Capítulo 9

Síndrome de Nervos Cranianos


Autores: Jorge Luiz de Brito de Souza, Franklin de Castro Alves Neto, Amanda Colaço
Morais Teixeira, Fábio Rolim Guimarães, Rodrigo Montenegro Barreira e Gabriel de
Albuquerque Vasconcelos
Orientadores: João Brainer Clares de Andrade, Pedro Braga Neto, Paulo Reges O. Lima,
Gilnard Caminha M. Aguiar e Danilo Nunes Oliveira

Caso 1. Os 3 Ds súbitos
Caso 2. “Fraqueza cruzada”
Caso 3. Face fora de controle
Caso 4. “Visão borrada”
Caso 5. A grande imitadora
Caso 6. Paroxismos de dor
Caso 7. Surdez progressiva
Caso 8. Dor de cabeça e ombro caído
Caso 9. Olhos paralisados
Caso 1

Os 3 Ds Súbitos
Autor: Jorge Luiz de Brito de Souza
Orientador: Dr. João Brainer Clares de Andrade

1. APRESENTAÇÃO DE CASO
CLÍNICO
a) Anamnese: Mulher, 65 anos, tabagista desde os 15 anos de
idade, foi encaminhada para o Departamento de Emergência
com quadro súbito (início há menos de 2 horas) de vômito,
náusea e vertigem. Dentro do Departamento de Emergência,
teve piora do estado geral e evoluiu com perda de sensibilidade
térmica e dolorosa em membros inferiores e nos superiores à
esquerda, perda de sensibilidade térmica e dolorosa em
hemiface direita e incoordenação do hemicorpo direito. Havia
uma evidente dificuldade em engolir líquidos e a úvula se
encontrava desviada para a esquerda, com reflexo nauseoso
reduzido. Não articulava bem a fala. Familiares negaram uso de
ilícitos ou quaisquer medicamentos.
b) Exame Físico Geral: Pressão arterial 180 x 90 mmHg. Exame
cardiovascular, respiratório e abdominal normais. Sem sinal de
trauma externo. A frequência cardíaca era de 68 bpm.
A temperatura axilar era de 36,5°C.
c) Exame Neurológico: Conteúdo e nível de consciência
preservados.

• Motricidade: Trofismo, tônus, velocidade e força globalmente


preservados.
• Reflexos: Reflexos superficiais e profundos normais. Reflexo
nauseoso diminuído.

• Exame da sensibilidade: Hipoestesia esquerda de Tronco,


Braços e Pernas.

• Exame da coordenação: Dismetria evidente nos testes Índex-


Nariz e Calcanhar-Joelho do lado direito; o indivíduo tendia à
queda para este lado quando em ortostase.

• Exame dos nervos cranianos: Ptose, Miose e Anidrose à


direita. Nistagmo típico de acomodação e esgotável.
Movimentação extrínseca ocular preservada. Hipoalgesia e
hipoestesia térmica e dolorosa na hemiface direita.

2. PARA PENSAR
a) Quais são os diagnósticos (sindrômico, topográfico,
nosológico e etiológico) possíveis?
b) Quais são os principais Nervos Cranianos e Núcleos
possivelmente afetados?
c) Como se constrói o raciocínio topográfico a partir dos déficits
cruzados e não cruzados?
d) Qual é a conduta em relação a este tipo de caso?
e) Existe alguma relevância no não comprometimento motor?

3. DISCUSSÃO
3.1. Diagnóstico Sindrômico
a) Síndrome Sensitiva: Hipoestesia de Hemicorpo esquerdo.
b) Síndrome Cerebelar: Evidenciada pela Dismetria dos testes
de coordenação e pela tendência à queda unilateralmente.
c) Síndrome de Nervos Cranianos: Disfagia, Disartria e Sinal da
Cortina à esquerda. Hipoestesia Térmica e Dolorosa da face à
direita. Reflexo nauseoso diminuído.
d) Síndrome de Horner: Ptose, Miose e Anidrose à direita.

3.2. Diagnóstico Topográfico


Há uma ampla gama de sinais e sintomas que podem ser
topografados neste caso. Vamos começar analisando o quadro
motor. Não há fraqueza generalizada ou localizada; assim, muito
provavelmente a condição não afetou o Trato Corticoespinhal, que
parte do Giro Pré-Central (Área motora primária) ou do córtex de
maneira geral. Pela ausência de paresia ou paralisia de musculatura
facial ou extraocular, além de não haver evidência de envolvimento
de neurônio motor superior ou inferior, a condição do caso não
afetou as porções anteriores (motoras) do Sistema Nervoso Central
após saída do cérebro; ou seja, a base do pedúnculo mesencefálico,
a porção anterior da ponte, as pirâmides bulbares e, por fim, o
funículo anterior ou lateral medular provavelmente estarão
inalterados.
Uma dica importante neste caso é analisar a Síndrome dos
Nervos Cranianos, que nos leva prontamente à associação com o
Tronco Encefálico. É importante lembrar, entretanto, que o primeiro e
segundo nervos cranianos têm emergência real na região cerebral, e
não se associam com lesões do Tronco Encefálico. Considerando
essa topografia, conseguiríamos especificar onde (Mesencéfalo,
Ponte ou Bulbo) essa lesão poderia estar presente? Para isto, vamos
verificar os outros sintomas.
Disfagia e Disartria são condições por vezes associadas a um
quadro denominado “Síndrome Bulbar” (com ataxia, vômitos,
soluços etc.). Esses sintomas estão geralmente relacionados ao
envolvimento do Núcleo Ambíguo, responsável por originar as fibras
eferentes viscerais especiais para a musculatura da laringe e da
faringe. Ademais, o reflexo nauseoso diminuído também é um
indicador de lesão nesse núcleo. Até agora, temos forte indicativo
de que a lesão do caso pode ser uma lesão bulbar.
No Bulbo também está alocado o Núcleo do Hipoglosso ao nível
do Trígono do Hipoglosso. Apesar de uma característica importante
de sua disfunção ser o desvio da língua para o lado da lesão (não
presente no caso), ele também auxilia na articulação da fala,
mastigação e deglutição, que estão comprometidas no caso.
Ao Associar o Núcleo Ambíguo e o Núcleo do Hipoglosso,
sugere-se que a lesão está se estendendo para a região
posterolateral do bulbo, o que vai ao encontro do que já discutimos,
já que as vias motoras estão aparentemente preservadas (ou seja, a
parte anterior não sofreu interferência).
Figura 1. Representação dos núcleos e estruturas bulbares
acometidos em vermelho.
Fonte: Autor. Feito com Biorender.com®.

A paciente apresenta hipoestesia cruzada (acometendo o


hemicorpo de um lado e a hemiface do outro). Esse quadro reforça a
topografia de envolvimento do Tronco Encefálico. Há hipoalgesia e
hipoestesia térmica do lado esquerdo do corpo, o que sugere lesão
do Trato Espinotalâmico Lateral, responsável por carrear as fibras
relacionadas com dor e temperatura. Essas fibras se cruzam
imediatamente no segmento medular em que adentram, fletindo
cranialmente no funículo lateral da medula e seguindo este trajeto à
região encefálica.
Como já hipotetizamos uma região do tronco encefálico, mais
especificamente o bulbo, devemos raciocinar que, sendo o
acometimento do lado esquerdo do corpo e considerando o
cruzamento do Trato Espinotalâmico Lateral (TEL) logo no nível
medular, esperamos que a lesão se encontre, assim, na região bulbar
lateral à direita. Reforçando essa topografia, há a hipoestesia
térmica e dolorosa em hemiface direita. Devemos lembrar que o
Nervo Trigêmeo (NC V) está relacionado com as diferentes
sensibilidades faciais. Acontece que as fibras aferentes
relacionadas ao trigêmeo se deslocam para três núcleos contidos
no Tronco Encefálico, sendo o relacionado à dor e à temperatura
distribuído principalmente pelas suas regiões mais inferiores, como
o Bulbo.
A vertigem pode ser advinda do comprometimento dos Núcleos
Vestibulares, situados na região mais posterior do bulbo, enquanto a
ataxia evidente nessa paciente pode vir do envolvimento das vias
espinocerebelares relacionadas ao Pedúnculo Cerebelar Inferior.
Assim, observamos que, além de topografar o Tronco Encefálico,
conseguimos pontuar uma de suas partes específicas (o Bulbo) e,
por fim, localizar, dentro desta região, qual a localização
(posterolateral) da lesão. Por fim, pelo cruzamento imediato do TEL
na medula e outros achados, sabemos que a lesão ocorreu à direita.
Figura 2. Representação dos acometimentos ipsi e contralaterais à
Lesão Bulbar Posterolateral à direita.
Fonte: Autor. Feito com Biorender.com®.

3.3 Diagnóstico Nosológico


O Principal Diagnóstico Nosológico que pode ser pensado neste
caso é a Nosologia Vascular! Quadros mais “arrastados”, como os
processos neurodegenerativos, neoplásicos ou genéticos,
geralmente são colocados em segundo plano em situações como
essa. Apesar de uma condição tóxica aguda por uso ou exposição a
alguma substância não ser impossível (apesar de improvável), foi
relatado pelos familiares que a paciente em questão utilizava
apenas o tabaco de longa data – essa informação, na verdade, até
nos ajuda a reforçar a nosologia vascular. Condições alérgicas
também estão fora de questão, já que processos imunomediados
talvez tivessem demonstrado algum sinal ao longo dos anos
(a paciente possui 65 anos). A ausência de outros sintomas
sistêmicos ou imunossupressão de base, o tempo de instalação dos
sintomas e a sua topografia deixam também em segundo plano
alguma condição infecciosa.
3.4. Diagnóstico Etiológico
Nosso caso fecha como Síndrome de Wallenberg ou Síndrome
Bulbar Lateral (SBL), uma síndrome contida em um grupo maior
associado à etiologia de Infartos Bulbares, os quais podem ser
divididos em Síndrome Medial, Lateral ou resultantes das duas
(Infarto Hemibulbar). Ela decorre do dano ao segmento lateral do
bulbo posterior. É uma das isquemias de circulação posterior mais
típicas, sendo a mais prevalente síndrome de AVC isquêmico
posterior.1,2
É ocasionada principalmente por oclusão da Artéria Vertebral ou
da Artéria Cerebelar Posterior Inferior (ACPI). Pode ser resultante de
arterosclerose, mas, principalmente, em se tratando de pacientes
mais jovens, a dissecção de Artéria Vertebral é reconhecida como
uma importante etiologia.1,2
A situação em questão traz um caso ilustrativo, já que,
tipicamente, a síndrome está associada a pacientes mais idosos
com fatores de risco vasculares; além disso, como discutido no
diagnóstico nosológico, a condição vascular tem o tempo de início
dos sintomas como característica principal.2
Dentre os principais fatores de risco para o mecanismo
arterotrombótico estão a hipertensão (mais prevalente), seguida
pelo fumo e pela diabetes; enquanto isso, o mecanismo de
dissecção pode ter fatores de risco como a injúria (trauma, por
exemplo) cervical e Síndrome de Marfan. Vale lembrar que a maioria
das dissecções das artérias vertebrais ocorre de forma idiopática,
com envolvimento dos segmentos mais distais e, portanto, mais
susceptíveis à movimentação da cabeça.1
A apresentação clínica geralmente se baseia em um amálgama
de sinais e sintomas, a saber:

• Síndrome de Horner Ipsilateral (Anidrose da Hemiface


Ipsilateral, Miose, Ptose Palpebral e Enoftalmia), usualmente
incompleta, por lesão das vias hipotalâmicas descendentes
dirigidas aos neurônios pré-ganglionares em associação com
a pupila.1,3
• Ataxia Ipsilateral de Membros decorrente da lesão do Trato
Espinocerebelar (pode ser de infarto cerebelar, mas não é
possível dizer somente com a clínica) associado ao
pedúnculo cerebelar Inferior, com tendência à queda do
mesmo lado da lesão.1-3 Aqui, pode-se considerar também
lesão concomitante do hemisfério ou pendúnculo cerebelar
por embolia distal do trombo.

• Hipoestesia Hemifacial Ipsilateral envolvendo dor e


temperatura, pela lesão do trato espinhal Trigeminal e seu
núcleo mais inferior do Nervo Trigêmeo, de grande extensão.
Paresia, ainda inexplicada, pode estar presente.1,3,4

• Disfagia, Disfonia e Disartria (que podem ser lembradas


como 3Ds), assim como a perda do Reflexo Nauseoso, devido
à lesão do núcleo ambíguo, ocasionando fraqueza ou
paralisia dos músculos da faringe e laringe, afetando o palato
e as cordas vocais.1-3

• Perda de Sensibilidade Contralateral pelo acometimento do


Trato Espinotalâmico.1,3

• Vertigem que pode ser ocasionada pela lesão no núcleo


vestibular ou por suas conexões. Um Nistagmo Central
também poderia advir dessa lesão.1,2

• Soluços podem estar presentes pelo envolvimento do Centro


Respiratório Bulbar, assim como o impedimento da sensação
de sabor pela lesão do Núcleo do Trato Solitário.1,2
Como usualmente a síndrome não se associa a quadros de
pare/paralisia, esta condição é muitas vezes mal diagnosticada ou
esquecida.2 O quadro de hipoestesia cruzada (hemiface direita e
hipoestesia de tronco, braços e pernas à esquerda, neste caso),
conjuntamente ao quadro de Síndrome Bulbar, auxilia bastante na
caracterização topográfica. Quando a lesão é mais extensa
longitudinalmente, pode comprometer inferiormente e depois do
cruzamento do trato corticoespinhal; assim, além de todos os
achados típicos na Síndrome de Wallenberg, há envolvimento motor
com hemiplegia ipsilateral. Essa condição recebe o nome de
Síndrome de Opalski.4,5
Os testes de imagem podem ser úteis, sendo a Tomografia de
Crânio geralmente o exame inicial que, usualmente, oferece uma
visualização dificultosa das estruturas da fossa posterior. A IRM
melhora a visualização dos infartos bulbares, sendo a IRM
ponderada por difusão uma boa forma de detectar infarto nos
estágios iniciais. Lembremo-nos de que, mesmo com IRM normal,
não é possível descartar a existência da lesão. Portanto, exame
físico e topografia congruentes definem a presença da lesão.5
Os diagnósticos diferenciais são muito importantes; dentre eles,
podemos citar: neuronite vestibular aguda, AVC hemorrágico (menos
comum na topografia bulbar), Esclerose Múltipla (geralmente os
pacientes são mais jovens) e até mesmo Enxaqueca Vestibular.
Malignidade e Vasculite de pequenos e médios vasos também são
possíveis. Ademais, poderíamos pensar em outras síndromes
associadas ao bulbo, como o Infarto Bulbar Medial (Síndrome de
Djérine) ou o Hemibulbar (Síndrome de Reinhold); todavia, estes
quadros estão associados à hemiparesia contra ou ipsilateral, que,
apesar de não ser de impossível ocorrência na Síndrome de
Wallenberg, é extremamente incomum.1-3,5
Em relação ao tratamento e manejo, assim como qualquer AVC,
devemos partir da máxima de que “Tempo é Cérebro”, apesar do
quadro bulbar. Uma rápida avaliação é essencial, conjuntamente a
um intenso monitoramento. Ademais, o uso da Trombólise
Intravenosa (IV) com ativador de Plasminogênio Tecidual IV e o uso
da trombectomia mecânica são algumas opções. A avaliação da
Fala, a profilaxia de Trombose Venosa Profunda e o controle de
glicemia são terapias médicas gerais importantes. Por fim, após um
bom desfecho, a profilaxia secundária do AVC deve ser prontamente
instituída.2,5
a) Exames Complementares
Hemograma, eletrólitos, glicemia, funções renal, hepática e
tireoideana e vitaminas B1, B9 e B12 normais.
A Tomografia de Crânio foi normal.
A Imagem de Ressonância Magnética (IRM) demonstrou uma
área com restrição à difusão verdadeira no bulbo posterolateral
à direita.
A Angiografia por Ressonância Magnética demonstrou uma
dissecção da artéria vertebral direita no segmento V4.
b) Tratamento e Desfecho: Foi realizado o tratamento agudo
com ativador de plasminogênio tecidual intravenoso, e em cerca
de 36 horas houve uma melhora evidente em todas as funções,
melhora da disfagia e da dismetria, assim como dos outros
sintomas. Houve o aconselhamento acerca do uso do tabaco e
iniciou-se o uso de Varfarina como medida preventiva pela
dissecação aguda. Nos retornos, houve melhora completa e a
paciente pôde retornar às suas atividades laborais.

3.5. Considerações Finais


A Síndrome de Wallenberg ou Síndrome Bulbar Lateral é uma
condição clínica extremamente relevante e rica em sintomas, sendo
a principal síndrome relacionada a isquemias de Circulação
Posterior. A pronta identificação dessa condição reduz o tempo
necessário para instituir as terapias de reperfusão possíveis, além
da prevenção secundária.

4. OBJETIVOS DA APRENDIZAGEM
a) Conhecer as principais manifestações da Síndrome Bulbar
Lateral (de Wallenberg), assim como o processo de raciocínio
neurológico a ela relacionada.
b) Reconhecer os principais núcleos e vias associadas às
manifestações sindrômicas, a fim de topografar corretamente o
local afetado.
c) Compreender que, apesar de uma grande parte do
diagnóstico poder ser feita clinicamente, ele é bastante
corroborado com achados dos exames complementares,
principalmente os advindos do exame de imagem.
d) Conhecer os principais diagnósticos diferenciais da Síndrome
Bulbar Lateral (de Wallenberg) e diferenciá-la das outras
síndromes bulbares.

5. DICAS PRÁTICAS
a) A Síndrome Bulbar Lateral é uma condição de Nosologia
Vascular, cujo tempo de início dos sintomas é um dos primeiros
fatores a serem destacados.
b) Apesar da rica sintomatologia, é sempre importante demarcar
a hipoestesia cruzada (citada no texto) conjuntamente ao que
aqui denominamos 3Ds (Disartria, Disfagia e Disfonia), que
podem levar à suspeita da lesão dos núcleos bulbares já
comentados e apontar para a possibilidade desta síndrome.
c) A tomografia de crânio é pouco sensível, sendo a IRM mais
útil para identificar essa condição, embora ela não deva se
sobrepor ao diagnóstico clínico.
d) A Síndrome de Horner, a Hipoestesia da Hemiface e a Ataxia
são IPSILATERAIS à lesão. Se presente em uma condição mais
rara, a hemiplegia também é ipsilateral (Síndrome de Opalski).
e) O manejo do caso deve ser feito o mais rápido possível,
assim como o raciocínio clínico, a fim de que a janela de uso de
trombolítico ainda seja viável; além disso, quanto mais rápida a
intervenção, melhor pode ser o prognóstico.

REFERÊNCIAS
1. Silva SP, Christoph DH, Bogousslavsky J, Freitas RG. Síndromes Vasculares
Isquêmicas In: Neto B, Pereira J, Takayanaguy OM. Tratado de neurologia da
Academia Brasileira de Neurologia. Rio de Janeiro: Elsevier; 2013. p. 383.
2. Lui F, Tadi P, Anilkumar AC. Wallenberg Syndrome. In: StatPearls. Treasure Island (FL):
StatPearls Publishing; 2020 Jan.
3. Machado ABM. Neuroanatomia Funcional. 3. ed. São Paulo: Atheneu; 2014.
4. Campbell WW, Dejong R. DeJong, O Exame Neurológico. 7. ed. Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan; 2014.
5. Saleem F, M Das J. Lateral Medullary Syndrome. In: StatPearls. Treasure Island (FL):
StatPearls Publishing; 2020 Jan.
6. Sciacca S, Lynch J, Davagnanam I, Barker R. Midbrain, Pons, and Medulla: Anatomy
and Syndromes. Radiographics. 2019; 39(4): 1110-25.
Caso 2

“Fraqueza Cruzada”
Autor: Franklin de Castro Alves Neto
Orientador: Dr. João Brainer Clares de Andrade

1. APRESENTAÇÃO DE CASO
CLÍNICO
a) Anamnese: Mulher, 45 anos, advogada, casada, deu entrada
no pronto-socorro com queixa de “desvio para dentro e
afundamento do olho esquerdo”, além de dificuldade na
movimentação da face à esquerda, com fraqueza no lado direito
do corpo e dificuldade de audição no ouvido esquerdo.
Os sintomas tiveram início repentino há cerca de duas horas.
Relata história pregressa de hipertensão arterial sistêmica e
dislipidemia.
b) Exame Físico Geral: Pressão arterial de 130 x 96 mmHg,
eupneica e frequência cardíaca de 100 bpm. Não tinha febre ou
outras alterações sistêmicas.
c) Exame Neurológico:

• Nervos Cranianos: Paralisa do olhar conjugado horizontal à


esquerda, esotropia e miose no olho esquerdo, além de ptose
da pálpebra superior à esquerda. Hipoestesias térmica e
dolorosa, paralisia das musculaturas superior e inferior com
anidrose em hemiface esquerda. Teste de Weber com
lateralização para a direita e teste de Rinne positivo
bilateralmente.
• Motricidade: Hemiparesia contralateral (2/5).
• Reflexos: Reflexos patelares, tricipitais e bicipitais
aumentados (3/4) em hemicorpo direito.

• Coordenação: Dismetria na prova índex-nariz e


disdiadococinesia em membro superior esquerdo, além de
prova calcanhar-joelho com incoordenação no mesmo lado.

• Sensibilidade: Hipopalestesia e propriocepção comprometida


à direita.

2. PARA PENSAR
a) Quais síndromes neurológicas podem ser identificadas no
caso?
b) Que local do sistema nervoso seria responsável pelo quadro
clínico caso fosse lesado?
c) Qual nosologia é mais provável?
d) Quais as etiologias possíveis?
e) Quais sinais e sintomas sugerem a principal hipótese?
f) Como manejar a paciente?

3. DISCUSSÃO
3.1. Diagnóstico Sindrômico
a) Síndrome de Nervos Cranianos: Hipoestesia térmica e
dolorosa em hemiface esquerda (NC V), paralisia do olhar
conjugado horizontal à esquerda e esotropia do olho esquerdo
(NC VI), paralisia facial periférica à esquerda (NC VII) e déficit
neurossensorial no ouvido esquerdo (NC VIII).
b) Síndrome Autonômica: Miose com semiptose em olho
esquerdo, além de anidrose na hemiface esquerda (Síndrome de
Horner).
c) Síndrome do Neurônio Motor Superior: Hiper-reflexia
unilateral à direita.
d) Síndrome Sensitiva (Superficial e Profunda): Déficits das
sensibilidades térmica e dolorosa (superficial) na hemiface
esquerda e das sensibilidades vibratória e proprioceptiva
(profunda) no hemicorpo direito.
e) Síndrome Cerebelar: Disdiadococinesia e outras provas
cerebelares alteradas em hemicorpo esquerdo.

3.2. Diagnóstico Topográfico


Pelo acometimento cruzado (sinais de nervos cranianos
contralaterais aos sinais apendiculares), a localização de tronco
encefálico é a mais provável. Para localização mais específica
dentre mesencéfalo, ponte ou bulbo, podemos usar a regra prática
“4-4-4” (Tabela 1):
Tabela 1. Regra prática “4-4-4” para localização dos nervos
cranianos.

Localização principal dos


Nervos Cranianos Número de nervos
núcleos

NC I e NC II: córtex
cerebral
NC I – NC IV 4
NC III e NC IV:
mesencéfalo

NC V – NC VIII Ponte 4

NC IX – NC XII Bulbo 4

Fonte: Autor.
Há envolvimento dos nervos cranianos V, VI, VII e VIII. Entretanto,
resta dúvida sobre se as lesões seriam nas suas porções periféricas
ou centrais (núcleos). A paralisia do olhar conjugado horizontal à
esquerda associada à esotropia no mesmo lado sugere lesão para o
núcleo abducente esquerdo, pois essa estrutura é necessária tanto
para o tônus do músculo reto lateral quanto para a manutenção do
olhar conjugado horizontal à esquerda. Além disso, o caráter
periférico da paralisia facial esquerda, o déficit neurossensorial da
audição no ouvido esquerdo e a hipoestesia térmica e dolorosa na
hemiface esquerda concomitantes sugerem a proximidade entre
todos esses nervos no local afetado. Assim, considerando as
divergências presentes nos caminhos tomados por cada nervo
craniano ao sair do tronco encefálico, percebe-se que a lesão está
localizada nos núcleos desses nervos.
Ademais, os tratos córtico-ponto-cerebelar e corticoespinal,
assim como o lemnisco medial, os quais possuem fibras que
transitam na ponte, são lesados nesse caso, causando,
respectivamente, as síndromes cerebelar, piramidal e sensitiva.
O caráter cruzado da segunda e da última se deve à decussação das
pirâmides e ao desvio contralateral do lemnisco medial presentes
apenas no bulbo, indicando que a topografia da lesão deve estar
acima dele no tronco encefálico. Ademais, é cabível destacar a
síndrome de Horner (autonômica) advinda da lesão das fibras
simpáticas descendentes, que também transitam na ponte,
causando a tríade clássica de ptose, miose e anidrose ipsilaterais.
Portanto, com o envolvimento desses nervos cranianos, as
lesões de vias ascendentes e descendentes, assim como o caráter
cruzado das síndromes motora e sensitiva em um hemicorpo, a
lesão está na porção inferomedial esquerda da ponte.
Figura 1. Anatomia da ponte.
FLM: fascículo longitudinal medial. NC: nervo craniano.

Fonte: Adaptado de Khazaal.1

3.3. Diagnóstico Nosológico (Mnemônica


VINTAMINDECG)
Não há histórico de trauma (T). O exame físico e a evolução
clínica (tempo e sintomas associados) não sugerem infecção (I) ou
autoimunidade (A). Pelo tempo de evolução, história prévia e familiar
e pela ausência de sinais, as desordens metabólicas (M),
neoplásicas (N), epilépticas (E), congênitas (C) ou genéticas (G)
ficam menos prováveis.
Portanto, tendo em vista o início súbito, o pequeno tempo de
evolução (2h) e os fatores de risco previamente citados, a nosologia
mais provável é a vascular (V).

3.4. Diagnóstico Etiológico


Perante o início súbito do quadro, da topografia, dos achados
clínicos e dos fatores de risco, a síndrome de Foville é o diagnóstico
mais provável.
A síndrome se caracteriza por um evento agudo decorrente de
doença cerebrovascular dos ramos perfurantes paramedianos da
artéria basilar que irrigam a porção inferior da ponte,1 originando
sinais que indicam acometimento nos núcleos dos nervos V, VI, VII e
VIII, do trato piramidal, lemnisco medial, trato córtico-ponto-
cerebelar e das vias simpáticas descendentes.
a) Exames Complementares: Coleta de sangue realizada na
admissão mostrou HbA1C de 8,3% e triglicerídeos de 210
mg/dL.
b) Diagnósticos Diferenciais: Quaisquer processos que estejam
localizados na porção inferomedial da ponte, incluindo
neoplasia, hemorragia, inflamação ou malformações
vasculares.1
c) Tratamento: Pacientes elegíveis e dentro de janela
terapêutica não devem ter o tratamento com trombolítico
intravenoso postergado. Nos casos que evoluem para oclusão
da artéria basilar, trombectomia mecânica pode ser indicada,
dentro de 8h após o início dos sintomas de oclusão. Para os
casos não elegíveis a essas terapias de reperfusão, a profilaxia
secundária com antiplaquetários deve iniciada dentro das
primeiras 48h, além do controle de fatores de risco e
modificação de estilo de vida.
Geralmente, os casos de síndrome de Foville possuem bom
prognóstico, sendo necessário atentar às possíveis intercorrências
durante a internação.1

3.5. Considerações Finais


As doenças cerebrovasculares são as condições que mais levam
à incapacidade funcional no mundo. É importante conhecer suas
manifestações, manejo e estratégias terapêuticas, atenuando a
mortalidade e o comprometimento funcional.

4. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
a) Reconhecer os principais sinais e sintomas da síndrome de
Foville.
b) Introduzir o raciocínio neurológico na prática clínica.
c) Exemplificar e ilustrar o uso de exames complementares em
Neurologia.
d) Considerar os principais diagnósticos diferenciais do quadro
em questão.
e) Conhecer as formas de tratamento para os pacientes com
cenário clínico semelhante ao mostrado.

5. DICAS PRÁTICAS
a) Sempre buscar, no diagnóstico topográfico, apesar de ser um
quadro clínico bastante diverso, um local de maior proximidade
entre todas as estruturas possivelmente afetadas.
b) Atentar para fatores de risco cardiovasculares.
c) Síndromes de nervos cranianos contralaterais a síndromes
motoras e/ou sensitivas profundas em um hemicorpo indicam
topografia de tronco cerebral pelos cruzamentos do trato
piramidal e do lemnisco medial no bulbo, o que não ocorre em
grande parte dos nervos cranianos.

REFERÊNCIAS
1. Khazaal O, Marquez DL, Naqvi IA. Foville Syndrome. In: StatPearls. Treasure Island:
StatPearls Publishing; 2020 Aug.
Caso 3

Face Fora de Controle


Autora: Amanda Colaço Morais Teixeira
Orientador: Dr. Pedro Braga Neto

1. APRESENTAÇÃO DE CASO
a) Anamnese: homem, 42 anos, procurou atendimento
neurológico com queixa de dificuldade de movimentação facial
há três dias no lado direito do rosto. Segundo ele, o início do
quadro se deu repentinamente, atingindo seu pico no terceiro
dia. Além da dificuldade de fechar os olhos e movimentar a
boca, relatou, ainda, grande incômodo com sons antes inócuos,
alterações de paladar e dores ao redor da orelha. O paciente
negou histórico de trauma ou de síndromes genéticas.
b) Exame físico geral: frequência cardíaca de 90 bpm, pressão
120 x 80 mmHg. Ausculta pulmonar normal. Sem febre.
Otoscopia normal.
c) Exame neurológico: hipotonia bastante visível. Presença de
ptose. Sobrancelha e boca desviadas para baixo no repouso e
dificuldade em movimentá-las. Fechamento incompleto do olho,
com desvio ocular superior durante a tentativa. Constatação de
ressecamento ocular. Todas essas manifestações estavam
presentes apenas no lado direito.

2. PARA PENSAR
a) Quais os possíveis diagnósticos sindrômico, topográfico e
nosológico para o quadro em questão?
b) Como se deu o desenvolvimento do quadro?
c) Que partes da face foram acometidas?
d) Quais achados do exame neurológico são de especial
importância?
e) É necessária a realização de exame de imagem?
f) Qual o possível diagnóstico etiológico e seus diagnósticos
diferenciais?

3. DISCUSSÃO
3.1. Diagnóstico Sindrômico
a) Síndrome Álgica: caracterizada pela manifestação de dores,
presentes ao redor da orelha no caso apresentado.
b) Síndrome de Nervos Cranianos: marcada por alterações em
funções especificamente atribuídas, neste caso, ao VII nervo
craniano (nervo facial), com paralisia dos músculos da mímica
facial, hiperacusia e hipogeusia.

3.2. Diagnóstico Topográfico


VII nervo craniano à direita
Deve-se, aqui, levar em conta a inervação da face, a qual é
ipsilateral em sua maior parte, no que se refere à origem do nervo
facial em seu respectivo núcleo no tronco encefálico, mas bilateral
na região da fronte (observe a imagem a seguir). Quando há um
acometimento central, a paralisia afeta somente a região inferior da
face em relação à fronte, pois um AVC, por exemplo, não chegaria a
ser tão extenso a ponto de lesar as áreas motoras de ambos os
lados do córtex. Quando há um acometimento periférico, ou seja, no
nervo que conduz os comandos centrais, mesmo que haja inervação
por parte de ambos os lados do córtex, não há chegada do impulso
à região alvo, pois há lesão no nervo que faria essa condução.
Portanto, conclui-se que o caso consiste em um acometimento
periférico de nervo craniano, mais especificamente do NC VII, ou
seja, do nervo facial, visto que ele é responsável pela motricidade
dos músculos da expressão facial (a qual se mostrou
predominantemente afetada no caso clínico em questão), e de
músculos como o estapédio, envolvido na regulação da audição, da
sensibilidade somática da região ao redor da orelha e da
sensibilidade especial do paladar nos ⅔ anteriores da língua (mais
especificamente, por meio de sua raiz sensitiva, que é menor,
chamada de nervo intermédio).1
Figura 1. O nervo facial tem origem em núcleos da ponte e do bulbo,
fazendo comunicação com neurônios centrais vindos de
hemisférios contralaterais. Observe que ocorre inervação bilateral na
fronte, ou seja, cada lado da fronte é inervado por ramos do nervo
facial vindos de núcleos de ambos os lados do tronco encefálico,
enquanto o restante da face é inervado apenas por ramos vindos de
núcleos ipsilaterais do tronco.
Fonte: Autor.

3.3. Diagnóstico Nosológico


Infeccioso
Como não há história de trauma ou de mutações congênitas nem
red flags para neoplasias, suspeita-se de algum agente infeccioso,
como a bactéria da Doença de Lyme (que não se encaixa no quadro,
por não haver relato de viagem a áreas endêmicas ou de lesões
eritematosas características da doença, como será discutido mais à
frente) e o possível vírus da herpes simples para a Paralisia de Bell.
Poderia se pensar também em uma nosologia autoimune, a exemplo
da Síndrome de Miller-Fisher (uma variante da Síndrome de Guillain-
Barré, a qual também não se encaixa no caso, como será visto mais
adiante), ou inflamatória, a exemplo da sarcoidose.

3.4. Diagnóstico Etiológico e Diferencial

Síndrome de Bell
A Síndrome de Bell é a paralisia facial mais comum por
acometimento de neurônio motor inferior e ocorre por lesão na parte
motora do nervo facial (NC VII). Ela se manifesta de maneira aguda
e unilateral, atingindo seu pico cerca de 72 horas após o início dos
sintomas. Tem incidência aproximada de 11,5 a 40,2 por 100.000
pessoas, sendo semelhante entre homens e mulheres e entre os
lados direito e esquerdo da face. O aparecimento mais típico no
público feminino ocorre abaixo dos 20 anos e no público masculino,
acima de 40 anos, sendo a faixa etária de maior incidência aquela
compreendida entre os 15 e os 45 anos.2
A raiz sensitiva (nervo intermédio) termina no núcleo do trato
solitário e no núcleo espinal do trigêmeo, enquanto as fibras
motoras (nervo facial propriamente dito) emergem do núcleo facial
no ângulo cerebelopontino. Após emergir, o NCVII entra no meato
acústico interno, onde é acompanhado pelo nervo vestibulococlear,
ou seja, o NCVIII. Dentro do osso temporal, o nervo facial dá origem
aos três primeiros ramos, o nervo petroso maior, que envia fibras
secretomotoras para a glândula lacrimal, o nervo para o músculo
estapédio e o nervo corda do tímpano, que inerva os ⅔ anteriores da
língua e as glândulas submandibular e sublingual. Depois, atravessa
o forame estilomastoideo, tornando-se extratemporal, dando origem
ao nervo auricular posterior e a fibras para os ventres posteriores
dos músculos digástrico e estilo-hioideo. Em seguida, passa através
da glândula parótida (sem inervá-la), onde se divide em ramos
frontozigomático e cervicofacial, os quais, subsequentemente,
originam os ramos frontal, zigomático, bucal, mandibular marginal e
cervical em direção aos músculos da expressão facial.2,3
Acredita-se que a etiologia da Paralisia de Bell seja decorrente da
ativação do vírus do herpes simples (HSV-1) que fica alojado nos
gânglios de nervos periféricos, como no gânglio geniculado do nervo
facial, provocando inflamação, edema, compressão e até
degeneração.2 Ademais, suspeita-se que mecanismos imunes e
isquêmicos possam contribuir para o desenvolvimento da patologia,
além de serem considerados fatores de risco a gestação, a pré-
eclâmpsia severa, a diabetes, a hipertensão, a obesidade e as
infecções do trato respiratório superior. Porém, apesar das
hipóteses, ainda não há uma etiologia clara e definida, de maneira
que a Paralisia de Bell é considerada idiopática.1,2
Por acometer o nervo facial, essa patologia tem como sintoma
predominante a dificuldade na motricidade facial, sendo
característicos os sinais de ptose, incompleto fechamento do olho e
ressecamento da córnea, epífora e queda da sobrancelha e do lábio
(com dificuldade para erguer o supercílio e para discursar e
mastigar). Vale destacar a existência do chamado “fenômeno de
Bell”, presente em 75% dos pacientes, em que se observa a rotação
superior do globo ocular na tentativa ineficaz de fechamento dos
olhos. Para determinação do grau de paralisia do paciente, são
utilizadas várias escalas, principalmente a escala de House-
Brackmann (HB).2
O tratamento de pacientes com Paralisia de Bell é feito com
corticosteroides, como a prednisona, com o objetivo de reduzir a
inflamação e o edema e facilitar a recuperação funcional do nervo.
O uso combinado desse tipo de medicamento com antivirais não
tem comprovação de eficácia e não costuma ser recomendado, a
menos que o paciente tenha valores mais elevados na escala de HB.
A cirurgia de descompressão não constitui a primeira linha de
tratamento, por seu custo, riscos e falta de evidências de eficiência e
benefício. Vale ressaltar que 85% dos pacientes apresenta alguma
recuperação após três semanas, enquanto 15%, após três a cinco
meses, havendo recuperação completa em 70% do total. É de
fundamental importância, ainda, saber que, após a recuperação,
uma parte dos pacientes apresenta a chamada sincinesia, isto é, a
movimentação involuntária de um grupo de músculos concomitante
à movimentação voluntária de um outro grupo de músculos. Por
exemplo, ao dar risada, o indivíduo pode involuntariamente fechar os
olhos. Ainda não se tem certeza da causa para esse fenômeno, mas
acredita-se que se deva a uma regeneração equivocada do nervo
lesionado. A sincinesia é tratada com fisioterapia, biofeedback e
injeções de toxina botulínica, por exemplo.2
Alguns sinais são red flags para uma investigação mais
aprofundada frente à suspeita de Paralisia de Bell e para a
realização de exames de imagem, com o objetivo de eliminar
possíveis diagnósticos diferenciais. São eles: flutuação ou
progressão lenta no desenvolvimento do quadro e manifestação
bilateral, recorrente ou prolongada (manifestação essa que pode ser
indicativa de neoplasia, por exemplo). Alguns diagnósticos
importantes para exclusão são: a Síndrome de Ramsay-Hunt,
geralmente associada a um quadro mais severo com dor facial
significativa; surgimento de vesículas auriculares e bucais e
histórico de catapora (reativação do vírus varicela-zóster);1 a
Síndrome de Guillain-Barré, paralisia flácida aguda que costuma
ocorrer com sintomas de sensibilidade e fraqueza que progridem
das pernas aos braços e músculos do crânio, os quais geralmente
atingem seu auge dentro de um período de duas semanas e ocorrem
devido a uma resposta aberrante a uma infecção, junto a alterações
como aumento de proteínas, e não de células, no líquido
cerebrospinal; Síndrome de Miller-Fisher, uma variante da Síndrome
de Guillain-Barré, caracterizada por oftalmoplegia, ataxia e
arreflexia;4 Doença de Lyme, a qual é causada por uma bactéria
transmitida por picada de carrapato e que tem como sintoma inicial
um eritema vermelho de cinco a quarenta centímetros de diâmetro e
como sintomas mais avançados a disseminação bacteriana para
outros sistemas, com o aparecimento, por exemplo, de sintomas
neurológicos como a paralisia facial;5 a sarcoidose, doença
granulomatosa que acomete vários órgãos, incluindo os do SNC,
onde pode gerar apresentações clínicas como a febre
uveoparotídea, caracterizada por uveíte, inchaço da parótida, febre e
paralisia facial; e a neuropatia craniana, que costuma afetar o nervo
facial e o nervo óptico.6 Além disso, a paralisia identificada em um
paciente pode decorrer de um trauma ou de uma mutação genética
congênita, por exemplo.1
a) Tratamento e desfecho: foi prescrito prednisona 60 mg (1
mg/kg), com melhora parcial durante a consulta de retorno 3
semanas depois, além de realização de fisioterapia e
biofeedback. Não houve total recuperação dos movimentos,
havendo manifestação de sincinesia.

3.5. Considerações Finais


A Paralisia de Bell é o tipo de paralisia facial periférica mais
comum, sendo de grande importância no processo investigativo a
exclusão de diagnósticos diferenciais e a instituição mais precoce
possível do tratamento, de maneira a proporcionar a maior e melhor
recuperação possível ao paciente.

4. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
a) Dominar a anatomia e as funções do nervo facial.
b) Ser capaz de identificar os sintomas característicos da
Paralisia de Bell.
c) Conhecer os fatores de risco para a Paralisia de Bell.
d) Diferenciar paralisia por lesão periférica e por lesão central.
e) Conhecer as red flags e os possíveis diagnósticos
diferenciais.

5. DICAS PRÁTICAS
a) O nervo facial possui uma pequena raiz sensitiva, formando o
chamado nervo intermédio, e uma grande raiz motora. Ele
emerge no ângulo cerebelopontino e atravessa o meato
acústico interno, o canal facial, o forame estilomastoideo e a
glândula parótida (que serve apenas como passagem, não
como alvo). Tem como funções a motricidade dos músculos da
expressão facial, a regulação auditiva, a sensibilidade somática
da orelha externa e a sensibilidade especial nos ⅔ anteriores da
língua.2,3
b) Os sintomas da Paralisia de Bell, que é idiopática, são
repentinos e se desenvolvem em um período de 72h, sendo
característicos: o acometimento hemifacial unilateral, ptose,
queda da sobrancelha e da boca, ressecamento ocular, epífora e
fenômeno de Bell (rotação superior ocular durante tentativa de
fechamento palpebral).2
c) Os fatores de risco para Paralisia de Bell são gravidez, pré-
eclâmpsia severa, obesidade, hipertensão, diabetes e infecções
do trato respiratório superior.2
d) A paralisia facial por causa periférica se manifesta em toda
uma hemiface, enquanto a paralisia por causa central não
acomete a fronte.1
e) As red flags para maior investigação são desenvolvimento
lento da patologia e manifestação recorrente, prolongada ou
flutuante. Os diagnósticos diferenciais podem ser do tipo
congênito, como doenças genéticas, ou adquiridos, como
trauma, neoplasia, inflamação ou infecção.1

REFERÊNCIAS
1. Eviston TJ, Croxson GR, Kennedy PG, Hadlock T, Krishnan AV. Bell’s palsy: aetiology,
clinical features and multidisciplinary care. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2015;
86(12): 1356-61.
2. Vakharia K, Vakharia K. Bell’s Palsy. Facial Plast Surg Clin North Am. 2016; 24(1): 1-10.
3. Moore KL, Dalley AF, Agur AMR. Anatomia Orientada para a Clínica. 7. ed. Rio de
Janeiro: Guanabara Koogan; 2014. Parte 9, Resumo dos Nervos Cranianos.
4. Leonhard SE, Mandarakas MR, Gondim FAA, Bateman K, Ferreira MLB, Cornblath DR, et
al. Diagnosis and management of Guillain-Barré syndrome in ten steps. Nat Rev
Neurol. 2019; 15(11): 671-83.
5. Sanchez JL. Clinical Manifestations and Treatment of Lyme Disease. Clin Lab Med.
2015; 35(4): 765-78.
6. Ibitoye RT, Wilkins A, Scolding NJ. Neurosarcoidosis: a clinical approach to diagnosis
and management. J Neuro. 2017; 264(5): 1023-8.
Caso 4

“Visão Borrada”
Autor: Fábio Rolim Guimarães
Orientador: Dr. Pedro Braga Neto

1. APRESENTAÇÃO DE CASO
CLÍNICO
a) Anamnese: Mulher, 33 anos, previamente hígida, procura
serviço de neurologia devido à “visão embaçada e dor atrás do
olho esquerdo” há uma semana. Paciente relata perda
progressiva da acuidade visual na última semana,
acompanhada de dor retro-orbital. Além disso, afirma que a dor
piora com a movimentação ocular e que está com dificuldade
de diferenciar as cores, especialmente a cor vermelha. Nega
histórico de trauma, intoxicação, infecções, febre e mal-estar.
Nega história familiar semelhante.
b) Exame físico geral: Pressão arterial 130 x 80 mmHg em
decúbito. Ausência de febre e de outros sintomas
constitucionais. Inspeção ocular normal.
c) Exame neurológico: Acuidade visual de OD normal e de OE
20/80. Campo visual do olho esquerdo encontra-se reduzido
difusamente. Oftalmoscopia direta: normal. Presença de defeito
pupilar aferente relativo à esquerda com sinal de Marcus-Gunn.

2. PARA PENSAR
a) Qual a topografia da lesão? Como a presença de defeito
pupilar aferente relativo ajuda a topografar a lesão?
b) Quais os diagnósticos nosológico e etiológico?
c) Quais os diagnósticos diferenciais para o caso? Quando
suspeitar deles?

3. DISCUSSÃO
3.1. Diagnóstico Sindrômico
a) Síndrome de Nervos Cranianos: Evidenciada pela diminuição
da acuidade visual e pelo defeito pupilar aferente relativo (pupila
de Marcus-Gunn). A pupila de Marcus-Gunn é pesquisada pelo
teste da luz alternante. Neste teste, o examinador inicialmente
realiza um estímulo luminoso com a lanterna em um olho e
avalia a resposta pupilar. Em seguida, depois de esperados 3 a 5
segundos para a estabilização pupilar, o examinador
rapidamente direciona o foco da lanterna ao outro olho,
podendo, assim, avaliar o reflexo pupilar por comparação. Pode-
se repetir esse movimento para uma melhor comparação.
Quando o estímulo luminoso incide sobre o olho normal, as
pupilas de ambos os olhos contraem rapidamente por reflexo
fotomotor direto e consensual. Em pacientes com pupila de
Marcus-Gunn, quando o estímulo luminoso é incidido no lado
afetado, ocorre uma leve dilatação da pupila dos dois olhos.
A pupila de Marcus-Gunn sugere um déficit na parte aferente do
reflexo fotomotor, sendo classicamente associado a lesões do
nervo óptico (NC II); porém, o acometimento da retina e de
outras estruturas oculares envolvidas na recepção do estímulo
luminoso também pode manifestar tal sinal.1
b) Síndrome álgica: Demonstrada pela dor retro-orbital à
esquerda.

3.2. Diagnóstico Topográfico


Topografia de nervo óptico
A paciente apresenta uma diminuição da acuidade visual do olho
esquerdo. Logo, infere-se que a lesão se encontra ao longo do
trajeto da via visual do olho esquerdo, que começa no próprio olho
(o órgão receptor luminoso), até o córtex visual, passando
intermediariamente por estruturas como nervo óptico, quiasma
óptico, trato óptico, corpo geniculado lateral e radiações ópticas.
A presença do defeito pupilar aferente relativo indica uma lesão na
parte aferente do reflexo fotomotor; assim, podem-se excluir corpo
geniculado lateral, radiações ópticas e córtex visual como possíveis
topografias para a lesão. Como o defeito pupilar aferente relativo se
localiza à esquerda, é mais provável que a lesão se localize em
nervo óptico ou globo ocular esquerdos, uma vez que o quiasma
óptico e o trato óptico possuem fibras provenientes de ambos os
nervos ópticos. Como não foi identificada nenhuma anormalidade
de globo ocular, a topografia mais provável é a do nervo óptico
esquerdo.

3.3. Diagnóstico Nosológico


Inflamatório
A evolução durante uma semana sem histórico patológico
pregresso gera a suspeita de causas inflamatórias, autoimunes e
infecciosas. Etiologias infecciosas, como toxoplasmose,
bartonelose, HIV, histoplasmose, sífilis, tuberculose, doença de
Lyme, dengue, vírus herpes simples, vírus varicela zóster, dengue,
sarampo, caxumba e rubéola são causas raras de inflamação do
nervo óptico, sendo consideradas mais intensamente diante de um
quadro clínico com manifestações sistêmicas, como febre, e com
inflamação de estruturas anatomicamente próximas ao nervo óptico,
causando retinite, uveíte, meningite, encefalite e paralisia de nervos
cranianos, por exemplo.2

3.4. Diagnóstico Etiológico e Diferencial


Neurite óptica idiopática
Neurite óptica é uma causa comum de diminuição unilateral da
acuidade visual. Geralmente está associada à dor periocular ou
retro-ocular que piora com a movimentação ocular. Esta dor pode se
apresentar antes ou concomitantemente à perda da capacidade
visual. Outras características típicas da neurite óptica são:
discromatopsia (dificuldade na diferenciação de cores), alteração na
sensibilidade ao contraste, perda de campo visual e defeito pupilar
aferente relativo. A neurite óptica está fortemente relacionada à
esclerose múltipla, apesar de existirem diversas etiologias de
caráter inflamatório, infeccioso, autoimune e paraneoplásico, por
exemplo, que causem esse distúrbio do nervo óptico.
As características típicas de neurite óptica associada à esclerose
múltipla são: unilateralidade, evolução de 1 a 2 semanas,
fundoscopia normal (aproximadamente 2/3 dos casos), lesão
retrobulbar curta restrita ao segmento anterior do nervo óptico na
RM e perda da acuidade visual leve ou moderada que melhora
substancialmente mesmo sem tratamento.2 A paciente do caso
descrito apresenta características típicas de uma neurite óptica
associada à esclerose múltipla. Entretanto, de acordo com o critério
de McDonald de 2017 para diagnóstico de esclerose múltipla, a
paciente não preenche o critério de disseminação no espaço.
Ressalte-se que a paciente preenche o critério de disseminação no
tempo, visto que apresenta bandas oligoclonais no líquor. Ela
também apresenta testes sorológicos negativos para causas
secundárias de neurite óptica. Portanto, o diagnóstico atual da
paciente é neurite óptica idiopática.3 Pode-se pensar em
diagnósticos alternativos para a paciente diante das seguintes
situações (red flags):

• Ausência de dor e instalação súbita: NOIA (neuropatia óptica


isquêmica anterior).4

• Neurite óptica bilateral: NMOSD (doenças do espectro da


neuromielite óptica), anti-MOG e neurite óptica
parainfecciosa.
• Perda grave da acuidade visual (20/200 ou pior): neurite
óptica associada à NMOSD, à anti-MOG e à sarcoidose, e
CRION.

• Realce extenso do nervo óptico na neuroimagem (> 50% do


comprimento do nervo óptico) ou acometimento de quiasma
ou trato óptico: NMOSD, anti-MOG e sarcoidose.

• Perineurite óptica (realce da bainha do nervo óptico na RM):


frequente em neurite óptica associada à anti-MOG, mas pode
estar presente em casos de sífilis, tuberculose, sarcoidose e
granulomatose com poliangiite (granulomatose de Wegener).

• Inflamação grave de papila, hemorragias de papila ou


inflamação ocular: suspeitar de doenças infecciosas (sífilis,
tuberculose e infecções virais, por exemplo), doenças
granulomatosas (sarcoidose, granulomatose de Wegener) e
neurite óptica associada à anti-MOG.

• Evolução prolongada do quadro de neurite óptica: neurite


óptica paraneoplásica e sarcoidose.5
Tabela 1. Características típicas e atípicas da neurite óptica.

Neurite óptica típica Neurite óptica atípica

Unilateral Bilateral

Dolorosa (piora com movimentação


Indolor
ocular)

Fundoscopia normal (2/3) ou edema de


Edema de papila significativo
papila leve (1/3)

Progressão de semanas a
Progressão de poucos dias a semanas
meses
Neurite óptica típica Neurite óptica atípica

Atraso ou ausência de
Melhora dos sintomas após um mês
melhora

Diminuição da acuidade e discromatopsia Acuidade de 20/200 ou pior

Fonte: Abel.5

Tabela 2. Comparação de aspectos clínicos da neurite óptica e da


neurite óptica isquêmica anterior (NOIA).

Neurite óptica isquêmica


Neurite óptica
anterior (NOIA)

Idade 20-50 anos > 50 anos

Mais comum no sexo Não possui predileção


Gênero
feminino significativa por um gênero

Dor Sim Não

Súbito e o déficit visual


Tempo de
tende a progredir ao longo Súbito não progressivo
instalação
de 1 a 2 semanas

Prognóstico Boa recuperação visual Geralmente não melhora

Defeito de campo
Variável Tipicamente altitudinal
visual

Fonte: Campbell.1

a) Exames complementares:

• Hemograma, glicemia, eletrólitos, função renal, hepática e


tireoidiana, vitamina B12, FAN, FR, c-ANCA, ECA e VDRL:
normais.

• Anti-MOG IgG: negativo.


• Antiaquaporina-4 IgG: negativo.
• Ressonância magnética do cérebro com contraste de
gadolínio: Imagem pós-contraste em T1 com supressão de
gordura revela hiperintensidade em região retrobulbar do
nervo óptico esquerdo. Não foram encontradas outras
anormalidades no exame.

• Exame do líquor: Aspecto límpido, incolor. Leucócitos:


4/mm3. Citologia: 90% de linfócitos e 10% de monócitos.
Proteína: 30 mg/dL. Glicose: 60 mg/dL. Índice de IgG:
elevado. Presença de bandas oligoclonais.

• Potencial evocado visual: Latência de P100 prolongada com


amplitude levemente reduzida.
b) Tratamento e desfecho: Paciente foi tratada com
metilprednisolona EV em altas doses (1000 mg por dia durante
3 dias) seguida de prednisona oral por 10 dias (1 mg/kg por
dia). Após 4 semanas do início do tratamento, a acuidade visual
do OE da paciente se encontrava em 20/20.

3.5. Considerações finais


Neurite óptica é um diagnóstico para se ter em mente em
situações de perda unilateral da acuidade visual associada a dor e a
um defeito pupilar aferente relativo. É importante conhecer os sinais
de alerta para diagnósticos diferenciais de neurite óptica, uma vez
que o estabelecimento de um diagnóstico preciso e,
consequentemente, de um tratamento adequado pode impactar na
recuperação da capacidade visual dos pacientes.

4. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
a) Reconhecer achados clínicos típicos de uma neurite óptica.
b) Identificar sinais de alerta para hipóteses diagnósticas
diferentes de neurite óptica idiopática.

5. DICAS PRÁTICAS
a) A neurite óptica é mais comum em mulheres adultas. Neurite
óptica em homens e em maiores de 52 anos ou menores de 18
anos são apresentações atípicas da doença.
b) O diagnóstico de neurite óptica idiopática é um diagnóstico
clínico e de exclusão.
c) Em até 10% dos casos diagnosticados com neurite óptica
idiopática, o diagnóstico é errado. Ressalte-se a importância de
uma maior atenção para casos com características atípicas.
d) O prognóstico de neurite óptica idiopática é geralmente bom,
independentemente do tratamento. O tratamento com
metilprednisolona EV seguida de prednisona oral mostrou uma
maior rapidez de recuperação da acuidade visual, mas uma
melhora visual após 6 meses não foi comprovada.

REFERÊNCIAS
1. Campbell W. O exame neurológico. 7. ed. Rio de janeiro: Guanabara Koogan; 2014.
2. Bennett J. Optic Neuritis. Continuum (Minneap Minn). 2019; 25(5): 1236-64.
3. Thompson A, Banwell B, Barkhof F, Carroll W, Coetzee T, Comi G, et al. Diagnosis of
multiple sclerosis: 2017 revisions of the McDonald criteria. Lancet Neurol. 2018;
17(2): 162-73.
4. Weerasinghe D, Lueck C. Mimics and chameleons of optic neuritis. Pract Neurol. 2016;
16(2): 96-110.
5. Abel A, McClelland C, Lee M. Critical review: Typical and atypical optic neuritis. Surv
Ophthalmol. 2019; 64(6): 770-9.
Caso 5

A grande imitadora
Autor: Rodrigo Montenegro Barreira
Orientador: Dr. Pedro Braga Neto

1. APRESENTAÇÃO DE CASO
CLÍNICO
a) Anamnese: Homem, 41 anos, HIV+ diagnosticado há 3 anos,
em uso de tenofovir, lamivudina e dolutegravir (esquema TDF +
3TC + DTG), com carga viral indetectável e último CD4+ de
825/mm³, buscou atendimento em uma emergência neurológica
com queixa de cefaleia, fotofobia, turvação visual,
formigamento em hemiface esquerda e leve fraqueza no lado
esquerdo do corpo há uma semana. O paciente relatou que não
recorda o momento exato em que os sintomas iniciaram,
percebendo-os à medida que realizava suas atividades diárias.
A cefaleia era holocraniana associada com fotofobia e aliviava
com analgésicos. Quando questionado, revelou que há 7 meses
percebeu o surgimento de pequenas lesões cutâneas
eritematopapulares nas palmas das mãos e nas solas dos pés,
que foram tratadas como alergia e regrediram em menos de um
mês. Paciente negou febre, náuseas, vômitos e episódios
anteriores semelhantes.
b) Exame físico geral: Pressão arterial 120 x 70 mmHg, FC = 82
bpm, FR = 19 irpm. Temperatura axilar 37,2°C.
Micropoliadenopatia generalizada. Ausência de lesões de pele e
de mucosas oral e genital. Presença de rigidez cervical ao
exame.
c) Exame neurológico: Vigil, orientado em tempo e espaço.
Acuidade visual 20/100 olho esquerdo (OE) e 20/20 olho direito
(OD). Campos visuais sem alterações. Fundoscopia revelou
edema de papila em OE. OD sem alterações. Defeito pupilar
aferente relativo à esquerda. Movimentação ocular extrínseca
preservada. Hipoestesia tátil, térmica e álgica à esquerda, nos
territórios dos ramos trigeminais maxilar e mandibular. Paralisia
facial periférica à esquerda. Demais nervos cranianos sem
alterações. Sensibilidade preservada. Força grau 4 – em
membro superior esquerdo (MSE) e membro inferior esquerdo
(MIE), força grau 5 à direita. Reflexos tendinosos profundos
vivos à esquerda e normais à direita. Reflexo cutâneo-plantar
extensor (sinal de Babinski) à esquerda. Provas cerebelares e
marcha sem alterações.

2. PARA PENSAR
a) Quais síndromes neurológicas estão envolvidas no caso
apresentado?
b) Qual a possível topografia para os achados descritos nos
exames físico e neurológico?
c) Diante do cenário epidemiológico em que está inserido o
paciente, quais os possíveis diagnósticos nosológicos para o
caso?
d) Quais as prováveis etiologias para o caso apresentado? Quais
as principais alterações neurológicas em pacientes com
HIV/AIDS?

3. DISCUSSÃO
3.1. Diagnóstico Sindrômico
a) Síndrome do Neurônio Motor Superior à Esquerda:
caracterizada por hiper-reflexia, sinal de Babinski e hemiparesia
proporcionada em hemicorpo esquerdo.
b) Síndrome de Múltiplos Nervos Cranianos: neurite óptica,
neuropatia da raiz sensitiva do nervo trigêmeo e paralisia facial
periférica à esquerda.
c) Síndrome Álgica: cefaleia holocraniana associada à
fotofobia.

3.2. Diagnóstico Topográfico


Analisando primeiramente a síndrome de múltiplos nervos
cranianos, no caso do paciente apresentado, a queixa de “turvação
visual” justifica-se pela baixa acuidade visual à esquerda, observada
ao exame neurológico, cuja causa pode ser topografada no nervo
óptico – topografia que é fortalecida pelo edema de papila e pelo
defeito pupilar aferente relativo. Além de doenças do nervo óptico,
maculopatias e coriorretinites também podem baixar a acuidade
visual. Contrariamente, cabe citar que patologias quiasmáticas e
retroquiasmáticas unilaterais (trato óptico, corpo geniculado lateral,
radiações ópticas e córtex calcarino) não costumam causar redução
da acuidade visual, mas, sim, defeito em campo visual, dica valiosa
para o diagnóstico topográfico.
A paralisia facial periférica, que acometeu o andar superior e o
inferior da hemiface esquerda, dificultou a avaliação de uma
possível paralisia facial central concomitante, que auxiliaria bastante
no diagnóstico topográfico da lesão no SNC, já que, caso presente,
sinalizaria para lesões na cápsula interna ou no córtex. Ou seja,
podemos pensar assim: “será que a paralisia facial do paciente é
apenas por lesão periférica (nervo facial) ou existe alguma lesão
central contralateral, por exemplo, em córtex ou cápsula interna,
concomitante?”.
A associação de cefaleia, rigidez cervical e paralisia de múltiplos
nervos cranianos deve chamar atenção para possível acometimento
meníngeo, já que as meninges são responsáveis por parte do
revestimento do nervo óptico e dos demais nervos cranianos na
base do crânio. Os nervos cranianos comumente envolvidos na
inflamação das meninges são VII, VIII, VI e II. No caso apresentado,
os nervos cranianos acometidos foram II, V e VII.
Analisemos agora a síndrome do neurônio motor superior à
direita: em hemiparesias dimidiadas (hemiface e hemicorpo
acometidos ipsilateralmente), a lesão provavelmente estará
localizada na via motora acima do tronco encefálico, ou seja, na
cápsula interna ou no córtex/coroa radiada, pois, caso a lesão
estivesse no tronco encefálico, o acometimento seria cruzado
(hemiface contralateral ao hemicorpo acometido) e, caso estivesse
abaixo do tronco encefálico, a face seria poupada. Caso a
hemiparesia seja proporcionada (membros superiores e inferiores
acometidos igualmente), a cápsula interna será a provável
topografia da lesão, dada a proximidade das fibras motoras que irão
para os membros superiores e inferiores. De modo contrário, lesões
corticais costumam se apresentar como hemiparesia
desproporcionada, devido à maior separação das fibras motoras
distribuídas por toda a superfície do córtex motor primário. Cabe
citar, ainda, que a presença de déficit cruzado (hemiface e
hemicorpo contralaterais) é característica de lesões em tronco
encefálico.
No paciente do caso apresentado, a força grau 4 – em MSE e
MIE, marcando um déficit proporcionado, torna a topografia de
cápsula interna direita mais provável.
Portanto, o diagnóstico topográfico para o caso apresentado
seria de meninges (justificando a síndrome de múltiplos nervos
cranianos) e cápsula interna direita (justificando a síndrome do
neurônio motor superior à esquerda).

3.3. Diagnóstico Nosológico


A história de HIV+, embora muito bem controlada no caso
apresentado (paciente com ótima contagem de CD4 e carga viral
indetectável), fortalece as nosologias infecciosas, inflamatórias e
neoplásicas. As possíveis etiologias serão discutidas no próximo
tópico.
Além disso, o tempo de evolução dos sintomas exclui quadros
vasculares súbitos por tromboembolismo e quadros neoplásicos,
que tenderiam a evoluir de forma mais insidiosa.
Assim, em um paciente HIV+, com CD4 normal, baixa carga viral,
com sintomas há poucas semanas, devem-se valorizar eventos
inflamatórios/infecciosos do SNC por germes não oportunistas.
O provável diagnóstico nosológico para o caso apresentado é
inflamatório/infeccioso.

3.4. Diagnóstico Etiológico e Diferencial


Uma das principais infecções associadas ao HIV, não
oportunista, com inúmeras possibilidades de manifestações
neurológicas, é a sífilis, apelidada de “a grande imitadora” por Sir
William Osler devido às inúmeras apresentações clínicas possíveis.
Inicialmente, devemos lembrar que neurossífilis não é sinônimo de
sífilis terciária, pois as manifestações neurológicas podem
acontecer em qualquer fase da doença. Além disso, na era pós-
penicilina, os casos de neurossífilis tardia (paresia geral do insano
ou demência sifilítica e tabes dorsalis) reduziram bastante, dada a
efetividade do tratamento, ocorrendo décadas após o contágio.
Porém, com a epidemia de HIV/AIDS, os casos de sífilis voltaram a
aumentar, dessa vez com manifestações clínicas mais precoces,
como a meningite sifilítica e a sífilis meningovascular, que podem
ocorrer em menos de dois anos do aparecimento das lesões
primárias. As lesões cutâneas relatadas pelo paciente
correspondem às típicas pápulas da sífilis secundária.
A meningite sifilítica possui manifestações clínicas como
cefaleia, rigidez cervical, fotofobia, letargia e confusão mental, com
líquido cefalorraquidiano (LCR) típico de meningite asséptica
(hiperproteinorraquia, leve pleocitose linfomonocitária e glicose
normal)¹. A sífilis meningovascular se manifesta com meningite
associada a eventos isquêmicos por inflamação dos vasos cerebrais
(vasculite) causada pela invasão das células endoteliais pelas
espiroquetas² (Quadro 1). Aqui, por se tratar de um evento
inflamatório que leva a uma isquemia por proliferação lenta da
camada íntima do vaso, o déficit pode ser apenas transitório ou se
manifestar de forma menos abrupta, como seria esperado em um
quadro vascular tromboembólico, que obstrui rapidamente o vaso.
Portanto, a sífilis deve entrar no diagnóstico diferencial de AVC
isquêmico em jovens.
Outros diagnósticos diferenciais para paralisia de múltiplos
nervos cranianos seriam tuberculose meníngea (principalmente em
um cenário de paciente HIV+ com alta carga viral e CD4 baixo),
infecção viral da família herpesviridae (especialmente o varicela-
zóster, responsável por quadros de paralisia facial com queixas
auditivas e por vasculite do SNC), meningite pelo próprio HIV,
hanseníase (clínica de alterações dermatológicas associada à
mononeurite múltipla, podendo acometer o nervo facial e o nervo
trigêmeo), sarcoidose (doença granulomatosa que pode se
apresentar com paralisia facial, uveíte anterior e meningite),
meningite por infiltração linfomatosa (história de paciente HIV+ mal
controlado) e tumor do ângulo pontocerebelar (clínica de paralisia
facial com queixas auditivas).
Além disso, devemos lembrar que o paciente com HIV/AIDS é
constantemente inflamado, tendo, portanto, risco aumentado para
lesões ateroscleróticas e déficits isquêmicos no SNC. O Quadro 2
apresenta as diversas manifestações possíveis em um paciente
com HIV/AIDS, sendo as patologias primárias causadas pelo próprio
HIV e as patologias oportunistas, por outros agentes etiológicos.
Quadro 1. Formas clínicas da neurossífilis e suas manifestações.

Fase Forma clínica Manifestações clínicas

Cefaleia, rigidez cervical, náuseas, vômitos,


Meningite sifilítica confusão mental, papiledema, paralisia de
múltiplos nervos cranianos.
Precoce
Isquemia, meningismo, paralisia de nervos
Sífilis
cranianos, mielopatia com disfunção
meningovascular
esfincteriana.

Tardia Demência progressiva, alteração do


Paresia geral do comportamento, mania, depressão, psicose
insano (demência com delírios de grandeza, tremores, pupila
sifilítica) de Argyll Robertson e paraparesia flácida e
imobilidade nos estágios finais.
Fase Forma clínica Manifestações clínicas

Ataxia sensitiva, Sinal de Romberg, marcha


Tabes dorsalis
tabética, perda da propriocepção,
(degeneração do
sensibilidade vibratória e tato epicrítico,
cordão posterior da
incontinência urinária, pupilas de Argyll
medula)
Robertson, paraparesia flácida.

Fonte: Autor.

Quadro 2. Manifestações neurológicas típicas da infecção por


HIV/AIDS.

Patologias primárias Patologias oportunistas

Meningite asséptica aguda Meningite por tuberculose

Leucoencefalopatia multifocal
Polineuropatia sensitiva distal
progressiva

Mielopatia vacuolar Linfoma primário do SNC

Ataxia sensitiva Neurotoxoplasmose

Demência relacionada ao HIV Meningite criptocócica

Fonte: Autor.

a) Exames complementares: hemograma revelando leucopenia


leve à custa de linfócitos. Glicemia 90 mg/dL. Função renal e
hepática, eletrólitos, VHS, PCR, B12 e folato normais. Doppler de
Carótidas e Vertebrais, ecocardiograma transtorácico e Holter
24h sem alterações relevantes. Sorologias VDRL reagente 1:512
e FTA-ABS reagente. FAN não reagente. A punção lombar
revelou alta pressão de abertura (26 cm de H2O), glicose 60
mg/dL, leve pleocitose linfomonocitária (15 células/mm³),
hiperproteinorraquia (204,7 mg/dL), VDRL positivo,
bacterioscopia negativa, pesquisa de Mycobacterium
tuberculosis negativa, pesquisa de Cryptococcus neoformans
negativa.
b) Exames de imagem: raio X de tórax normal. RM ponderada
em T1 com contraste revelou realce no nervo óptico, trigêmeo e
facial esquerdos. A RM revelou ainda pequena área de restrição
à difusão sugestiva de infarto lacunar subagudo na cápsula
interna direita, justificando os achados da síndrome do primeiro
neurônio motor proporcionada à esquerda.
c) Diagnóstico: sífilis meningovascular.
d) Tratamento e desfecho: optou-se pelo tratamento com
penicilina G cristalina 4 milhões UI, IV, 4/4h, por 14 dias, com
ótima melhora clínica e laboratorial.

3.5. Considerações finais


No atendimento do paciente HIV+, devem-se buscar sinais de
imunodepressão, questionar sobre adesão ao tratamento, efeitos
colaterais de drogas e solicitar exames, como contagem de CD4 e
carga viral. Nos pacientes com boa resposta ao tratamento e baixa
carga viral, como o do caso apresentado, o raciocínio clínico deve
considerar patologias comuns da população geral, já que as
doenças oportunistas não são comuns nos imunocompetentes.

4. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
a) Compreender as possíveis topografias acometidas diante de
pacientes com queixa de “turvação visual” e diferenciar
acuidade visual e defeito de campo visual.
b) Conhecer outras formas de apresentação das meningites que
não a meningite bacteriana aguda.
c) Assimilar o quadro clínico da neurossífilis em suas diferentes
fases.
d) Compreender os diversos acometimentos neurológicos do
HIV/AIDS, a depender do grau de resposta ao tratamento,
adesão, contagem de CD4 e carga viral.

5. DICAS PRÁTICAS
a) A neurossífilis pode ocorrer em qualquer fase da doença.
No entanto, com o crescente número de pacientes
diagnosticados e tratados corretamente, as formas terciárias se
tornaram mais raras atualmente.
b) O acometimento de múltiplos nervos cranianos deve levar à
hipótese de meningite, tendo esta diversas nosologias (virais,
neoplásicas, autoimunes).

REFERÊNCIAS
1. Ropper AH. Neurosyphilis. N Engl J Med. 2019; 381(14): 1358–63.
2. Marra CM. Neurosyphilis. Contin Lifelong Learn Neurol. 2015; 21(6): 1714–28.
Caso 6

Paroxismos de Dor
Autora: Amanda Colaço Morais Teixeira
Orientador: DR. PAULO REGES O. LIMA

1. APRESENTAÇÃO DE CASO
a) Anamnese: mulher, 62 anos, buscou atendimento médico com a queixa de dores
fortes, súbitas e temporárias no lado direito do rosto, mais especificamente na
bochecha e na região do lábio superior, há duas semanas, várias vezes ao dia. Disse,
ainda, que as dores se assemelhavam a choques e que apareciam repentinamente
durante atividades cotidianas simples, como escovar os dentes ou conversar.
Questionada pelo neurologista acerca de procedimentos dentários ou traumas
recentes, negou ambas as situações. Além disso, negou lacrimejamento ou sintomas
parecidos durante os ataques de dor.
b) Exame físico geral: frequência cardíaca de 83 bpm, pressão sistólica de 120
mmHg e pressão diastólica de 80 mmHg. Ausculta pulmonar normal e ausência de
febre.
c) Exame neurológico: reflexo corneano presente (ao tocar a córnea superior com um
chumaço de algodão, foi gerado o ato de piscar). Reflexo esternutatório presente
(a estimulação da mucosa nasal com algodão causou reação de enrugamento do
nariz e expiração forçada). A dor foi desencadeada por toque leve do médico no lado
direito da face, após o qual não pôde ser desencadeada novamente. O restante do
exame apresentou-se normal.

2. PARA PENSAR
a) Quais os possíveis diagnósticos sindrômico, topográfico, nosológico e etiológico
para o caso apresentado?
b) Quais características apresentadas no relato da paciente e constatadas no exame
neurológico são importantes para a exclusão de diagnósticos diferenciais?

3. DISCUSSÃO
3.1. Diagnóstico Sindrômico
a) Síndrome de Nervos Cranianos: acometimento do território sensitivo do V nervo
craniano, ou seja, do nervo trigêmeo.
b) Síndrome Álgica: identificada pela presença de episódios de dor, caracterizada, no
caso, por ser unilateral, temporária, forte e em choque.

3.2. Diagnóstico Topográfico


Raiz sensorial direita (comumente mais afetada que a raiz esquerda)1 do nervo
trigêmeo, com alteração do limiar de ativação dessa alça aferente e desencadeamento de
dor por estímulos anteriormente inócuos.
O nervo trigêmeo é um nervo misto, com uma pequena raiz motora e uma grande raiz
sensitiva, as quais emergem na lateral da ponte. É o principal responsável pela
sensibilidade da face e possui 4 núcleos: núcleo motor do nervo trigêmeo, núcleo
mesencefálico, núcleo sensitivo principal e núcleo espinhal do trigêmeo. A raiz sensitiva,
após o gânglio trigeminal ou semilunar localizado na parte petrosa do temporal, divide-se
em três ramos: oftálmico, que supre pele e túnicas mucosa e conjuntiva da parte anterior
da cabeça e nariz; maxilar, que inerva pele e túnicas mucosas da região maxilar, como
dentes maxilares, pálpebra inferior, parte anterior da bochecha, lábio superior e pele da
região lateral do nariz; e mandibular, que faz a inervação sensitiva do assoalho da boca, dos
dentes mandibulares, do lábio inferior, da orelha externa, da mucosa dos dois terços
anteriores da língua, entre outras estruturas.2

3.3. Diagnóstico Nosológico


Poderia se pensar em uma nosologia vascular, inflamatória/autoimune ou neoplásica.
Quanto à nosologia vascular, a compressão da porção sensitiva do nervo trigêmeo por
uma artéria poderia ser a causa das manifestações de dor. Já no que se refere às
nosologias inflamatória/autoimune e neoplásica, poderia ser trabalhada a ideia de que os
sintomas decorreriam de uma manifestação aguda de uma esclerose múltipla em curso ou
do crescimento de um tumor no ângulo pontocerebelar.

3.4. Diagnóstico Etiológico e Diferencial


Nevralgia do trigêmeo
A nevralgia do trigêmeo ou neuralgia do trigêmeo consiste em episódios recorrentes de
dor súbita unilateral engatilhados por estímulos normalmente inócuos ao longo de um dos
ramos da parte sensorial do nervo trigêmeo. É classificada em clássica (75-80% dos
casos), idiopática (10%) ou secundária (15%), podendo esta ser causada por esclerose
múltipla, tumores e aneurismas, por exemplo.1
A incidência dessa neuropatia varia entre os estudos em uma escala de 4,3 a 27 novos
casos por cem mil pessoas a cada ano, enquanto a prevalência foi medida em 0,16 a 0,3%.
Costuma se apresentar a partir dos 53 anos, principalmente entre as mulheres, com a
incidência aumentando progressivamente a partir dessa idade.1
A causa associada à nevralgia clássica do trigêmeo é o conflito neurovascular, em que
há compressão da raiz do nervo por um vaso, geralmente uma artéria, como a cerebelar
anterior inferior ou cerebelar superior, na cisterna cerebelopontina.1,3 Uma área
especialmente vulnerável é a chamada “área de transição”, a qual corresponde à região de
entrada do nervo na ponte, em que há sucessivas mudanças da célula responsável pela
mielinização do neurônio, o oligodendrócito na parte central e a célula de Schwann na parte
periférica. A compressão vascular é geralmente a causa atribuída à desmielinização da
porção que antecede a entrada na ponte, podendo ainda causar atrofia, distorção ou
deslocamento neuronal, enquanto patologias como a esclerose múltipla, que compõem
casos secundários de neuralgia, são responsáveis pela lesão da mielina na parte do nervo
localizada no interior do sistema nervoso central.4,5 Seja por conflito neurovascular ou por
patologia subjacente, gera-se lesão da mielina e progressiva desmielinização, de maneira a
facilitar o fluxo de íons pela membrana e a perturbar o potencial de repouso, que fica mais
difícil de ser mantido, criando uma hiperexcitabilidade do neurônio. Além disso, pulsações
arteriais também contribuem para a geração de impulsos e a facilidade de excitação
neuronal.1
A nevralgia do trigêmeo costuma acometer as regiões inervadas pelo segundo (maxilar)
ou terceiro (mandibular) ramo e se manifesta de maneira unilateral. Vale ressaltar que, em
aproximadamente metade dos pacientes e principalmente entre as mulheres, há
manifestação de dor contínua de menor intensidade entre os paroxismos de dor. Além
disso, nessa patologia, pode haver desenvolvimento de períodos de remissão completa que
duram meses ou anos, associados à redução da excitabilidade por possível remielinização
parcial.1
Vários diagnósticos diferenciais devem ser levados em conta quando a nevralgia do
trigêmeo é suspeitada, principalmente quando os sintomas são bilaterais, o que não
costuma ocorrer na neuralgia em questão, ou quando acometem o terço posterior do couro
cabeludo, a orelha externa (com exceção do tragus), ou a pele do ângulo da mandíbula,
visto que essas regiões não são abrangidas pelo trigêmeo.5 Entre os possíveis diagnósticos
diferenciais, estão: a herpes-zóster, que, ao contrário da neuralgia em questão, acomete
mais frequentemente o nervo oftálmico e que é caracteristicamente acompanhada por
erupções cutâneas ao longo do trajeto do nervo afetado; neuropatia trigeminal pós-
traumática, causada por procedimentos dentários invasivos ou fraturas faciais; esclerose
múltipla e processos neoplásicos, patologias que podem ser descartadas por
neuroimagem; neuralgia glossofaríngea, com dor na região posterior da língua, no palato
mole e na faringe;1 cefaleias trigêmino-autonômicas, como SUNCT (short-lasting unilateral
neuralgiform headache attacks with conjunctival injection and tearing) e SUNA (short-lasting
unilateral neuralgiform headache attacks with cranial autonomic symptoms), as quais, assim
como a nevralgia do trigêmeo, são geradas por estímulos faciais inócuos e duram apenas
alguns segundos, mas que, ao contrário da neuralgia trigeminal, apresentam sintomas
autonômicos associados, como lacrimejamento e injeção conjuntival (que podem estar
presentes na neuralgia do trigêmeo por ativação do reflexo trigêmino-autonômico, mas
apenas eventualmente e em alguns pacientes), afetam principalmente o ramo oftálmico e
não manifestam período refratário (na nevralgia trigeminal, logo após a crise, uma nova
submissão ao gatilho não desencadeia uma nova dor paroxística, o que pode ocorrer
apenas depois de um período de tempo chamado de refratário).6
a) Exames complementares:

• Hemograma, glicemia, eletrólitos, função renal, hepática e tireoidiana, vitaminas B1

e B12, sorologias: normais.

• Exame do líquor: sem alterações.


• Ressonância magnética: compressão da raiz direita do nervo trigêmeo pela artéria
cerebelar superior.
b) Diagnóstico final: nevralgia do trigêmeo.
c) Tratamento e desfecho: O tratamento da neuralgia trigeminal é iniciado geralmente
com carbamazepina ou oxcarbazepina. Se houver refratariedade ao tratamento
medicamentoso, contraindicação ao uso das medicações tradicionais (por presença
de arritmia cardíaca, por exemplo) ou efeitos colaterais importantes, podem ser
usados medicamentos de segunda linha como adjuvantes. Caso ainda não haja
resolução, vários procedimentos cirúrgicos estão disponíveis, como descompressão
microvascular (a mais indicada entre as opções de cirurgia atualmente disponíveis),
lesão distal ao gânglio ou ao nível do gânglio do nervo ou lesão da raiz por
radiocirurgia estereotáxica.4 Foi prescrita carbamazepina, havendo progressiva
redução na frequência dos episódios de dor paroxística até o completo
desaparecimento.

3.5. Considerações Finais


A neuralgia do trigêmeo leva a episódios diários de dores intensas que interferem na
realização de atividades simples e necessárias, como escovar os dentes, mastigar ou
conversar. Assim, afetam profundamente o cotidiano de seus pacientes, sendo necessários
o estudo dessa patologia para um diagnóstico efetivo, com a exclusão de diagnósticos
diferenciais, e um tratamento eficiente.

4. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
a) Conhecer a anatomia do nervo trigêmeo, incluindo sua localização central e a
distribuição de seus ramos.
b) Ser capaz de identificar as principais características da neuralgia do trigêmeo.
c) Distinguir a nevralgia trigeminal de seus principais diagnósticos diferenciais.

5. DICAS PRÁTICAS
a) O nervo trigêmeo apresenta uma pequena raiz motora e uma grande raiz sensitiva,
as quais emergem na ponte. A raiz sensitiva se divide nos nervos oftálmico, maxilar e
mandibular.
b) A neuralgia do trigêmeo clássica acomete principalmente os ramos maxilar ou
mandibular de maneira unilateral por conflito neurovascular, manifesta paroxismos de
dor súbitos e rápidos que ocorrem várias vezes ao dia, apresenta período refratário e
períodos de remissão e tem maior incidência entre mulheres a partir da quinta década
de vida.
c) Em suspeita de nevralgia trigeminal, deve ser investigada a ocorrência de traumas
e procedimentos odontológicos recentes e a possibilidade de herpes-zóster, neuralgia
glossofaríngea, SUNCT e SUNA.
d) Em suspeita de nevralgia do trigêmeo, sempre solicitar um exame de
neuroimagem, de preferência uma ressonância magnética de crânio, com o objetivo
de descartar causas secundárias e de, até mesmo, flagrar o conflito neurovascular.

REFERÊNCIAS
1. Maarbjerg S, Di Stefano G, Bendtsen L, Cruccu G. Trigeminal neuralgia – diagnosis and treatment. Cephalalgia.
2017; 37(7): 648-57.
2. Moore KL, Dalley AF, Agur AMR. Anatomia Orientada para a Clínica. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan;
2014.
3. Campbell WW, Dejong R. DeJong, O Exame Neurológico. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2007.
4. Yadav YR, Nishtha Y, Sonjjay P, Vijay P, Shailendra R, Yatin K. Trigeminal Neuralgia. Asian J Neurosurg. 2017;
12(4): 585-97.
5. Cruccu G, Di Stefano G, Truini A. Trigeminal neuralgia. NEJM. 2020; 383(8): 754-62.
6. Burish MJ, Rozen TD. Trigeminal Autonomic Cephalalgias. Neurol Clin. 2019; 37(4): 847-69.
Caso 7

Surdez Progressiva
Autor: Jorge Luiz de Brito de Souza
Orientador: Dr. Pedro Braga Neto

1. APRESENTAÇÃO DE CASO
a) Anamnese: Mulher negra, 18 anos de idade, foi encaminhada
para avaliação neurológica com uma história de 1 ano de
redução da acuidade auditiva à direita, até progressão para
anacusia alguns dias antes da avaliação. A própria paciente
também declarou não sentir quase toda a região da face direita
ao tocá-la. Por fim, também foram alegados constantes
episódios de cefaleia à direita, de caráter moderado, com até 1
hora de duração, sem fatores de melhora e acompanhados por
vômitos desde o surgimento do quadro. Nega qualquer outra
condição ou dor associada, assim como nega história familiar
semelhante.
b) Exame Físico Geral: Paciente em estado normalizado no
geral. Pressão arterial 120 x 80 mmHg em ortostase. Com
exceção da cefaleia, não há febre ou qualquer outro sintoma
constitucional. Sem sinal de trauma externo. Exame da
membrana timpânica íntegro. Dados vitais: FC: 75 BPM,
temperatura: 36,0°.
c) Exame Neurológico:

• Exame da motricidade: trofismo e força muscular


globalmente normais, com ausência de movimentos
involuntários. Não havia rigidez, mas análise da marcha
mostrou desequilíbrio associado ao lado direito do corpo.

• Reflexos: reflexos profundos e cutâneos normais.


• Exame dos nervos cranianos: hipoestesia tátil na região
superior direita da face (provável acometimento do Nervo
Trigêmeo – NC V). Redução da mímica facial à direita, com
possível disfunção do Nervo Facial (NC VII). Anacusia à
direita. Teste de Rinne foi positivo, com Condução Auditiva >
Condução Óssea, e Teste de Weber lateralizado para o lado
esquerdo.

• Exame cognitivo: normal.


• Não havia sinal de papiledema que pudesse sugerir aumento
da pressão intracraniana.

2. PARA PENSAR
a) Quais são os diagnósticos (sindrômico, topográfico,
nosológico e etiológico) observados?
b) Qual a topografia que deve ser prontamente pensada neste
quadro clínico?
c) A análise do tempo de evolução é importante neste caso?
d) Que diagnósticos diferenciais podemos considerar?

3. DISCUSSÃO
3.1. Diagnóstico Sindrômico
a) Síndrome Atáxica: devido à alteração da marcha.
b) Síndrome dos Nervos Cranianos: caracterizada pelo
acometimento do V, VII e VIII nervos cranianos à direita.
Á
c) Síndrome Álgica: advinda da dor de cabeça relatada.

3.2. Diagnóstico Topográfico


A principal topografia em que podemos pensar a respeito deste
caso advém do conhecimento neuroanatômico de uma região
denominada ângulo pontocerebelar no Tronco Encefálico. Como o
próprio nome sugere, esta região, entre a ponte e o cerebelo, na
fossa posterior do cérebro, é de extrema importância clínica, pois,
margeando-a, encontram-se nervos cranianos extremamente
relevantes, dentre eles o V, VI, VII e VIII pares. Algumas condições
podem comprometer as estruturas desta região de maneira
generalizada, o que explicaria, em parte, o quadro clínico do
indivíduo – hipoestesia facial (NC V), redução da mímica facial (NC
VII), alteração neurossensorial acústica (NC VIII) e alteração da
marcha (comprometimento do cerebelo e/ou NV VIII), todos à
direita. Como não há nenhum sinal de rigidez, alteração do nível de
consciência ou comprometimento da inteligência do indivíduo, a
topografia cerebral foi descartada, assim como a topografia medular
e periférica, pela ausência de sinais motores, disautonomia,
paraparesia e parestesias. A cefaleia pode ser explicada pelo
comprometimento dos ramos do Nervo Trigêmeo, mantendo a
topografia no nível do Tronco Encefálico. Ausência de fraqueza
muscular proximal, dificuldades com exercício e mioglobinúria
reduzem a probabilidade de uma miopatia ou comprometimento da
junção neuromuscular.

3.3. Diagnóstico Nosológico


Algumas das principais nosologias a serem descartadas são as
infecciosas, as vasculares, as autoimunes e tóxicas, pela evolução
insidiosa do caso, além da ausência de outros sinais mais
sistêmicos e/ou alteração do nível de consciência. As principais a
serem consideradas se voltam mais para neoplasia, malignidade ou
compressão, pela relação entre a evolução e a progressividade
(piora) do quadro clínico da paciente. Apesar de não poderem ser
descartadas, as condições neurodegenerativas possuem,
geralmente, uma evolução ainda mais lentificada, enquanto as
genéticas podem ser repensadas pela ausência de história familiar
ou de alguma sintomatologia específica que levantasse a suspeita
do clínico. Para que se possa concluir a Nosologia, exames
complementares serão necessários.

3.4. Diagnóstico Etiológico


O caso em questão fecha como uma condição denominada
Schwannoma Vestibular (SV), ou neuroma do acústico, um tumor
benigno primário comum derivado histologicamente das Células de
Schwann da região vestibular do oitavo par de nervos cranianos (NC
VIII).1-3 Devido ao direcionamento deste nervo, a condição tumoral
pode se propagar para o Canal Auditivo Interno (CAI), assim como
acometer o Ângulo pontocerebelar (APC).1,3,4 Pode ocorrer de
maneira esporádica ou associado à Neurofibromatose tipo 2 – neste
caso, costuma ocorrer bilateralmente.1,3 Seguindo a lógica
neuroanatômica, a clínica se revela com um padrão sequencial de
distúrbios conjuntos de nervos cranianos e cerebelares, como perda
auditiva progressiva, zumbidos, dores occipitofrontais, instabilidade
postural (para tumores pequenos) e hipoestesia ou
parestesia/paralisia facial, principalmente em grandes tumores.1-5
No caso em questão, a perda auditiva era o principal sintoma,
mas mesmo em situações de distúrbio majoritariamente vestibular
deve ser realizado teste audiométrico, assim como uma
Ressonância Magnética (RM) do CAI envolvido, pois a perda auditiva
neurossensorial unilateral ratifica a presença de um distúrbio
periférico, como é o caso do Schwannoma Vestibular. Entretanto,
quadros como vertigem se tornam mais raros pela compensação
central do déficit vestibular.2 Clinicamente falando, a assimetria da
perda auditiva pode ser importante para se pensar nesta etiologia.
A paralisia do Nervo Facial (NC VII) é rara, mas pode acontecer; no
entanto, ela pode ocorrer em tumores do Nervo Facial, mimetizando
sintomatologicamente o Schwannoma Vestibular.1 Atenção também
é requerida para o fato de que o zumbido pode ser o primeiro
sintoma do SV. Para alguns acometimentos retrococleares, como o
SV, meningioma e outros, a RM pode ser mais esclarecedora do que
uma possível Tomografia de Crânio.2
Vale ressaltar que, no caso em questão, a paciente não era
portadora da anteriormente citada Neurofibromatose tipo 2 (NF2),
que é um distúrbio autossômico dominante raro uma das principais
etiologias causadoras do Schwannoma Vestibular Bilateral. Apesar
de ser mais costumeiramente diagnosticada entre os 20-30 anos, as
características geralmente se instalam por muitos anos antes do
seu real diagnóstico. Para crianças, outros sinais (como as famosas
manchas café com leite) devem ser procurados, pois o tumor pode
ser relativamente pequeno.1-3 No caso em questão, a unilateralidade,
a ausência de casos na família e de outros sintomas relacionados à
NF2 sugeriram fortemente que o SV não compreendia uma
Nosologia genética.
O diagnóstico geralmente é feito a partir de um exame de
imagem, sendo uma Ressonância Magnética contrastada com
Gadolínio o padrão-ouro para isso.1 O manejo é realizado por meio
da observação clínica e de imagem, assim como por meio de
ressecção tumoral e/ou radioterapia estereotáxica. Todavia, em
casos de destruição do oitavo nervo por traumatismo ou
schwannomas vestibulares bilaterais (p.e., neurofibromatose tipo 2),
a melhora auditiva pode advir de implantes auditivos na região do
tronco encefálico, próximo ao núcleo coclear.1,2,5
a) Exames Complementares

• Hemograma, eletrólitos, glicemia, função renal, hepática,


tireoideana e B1 e B12: normais.

• Avaliação audiométrica demonstrou perda neurossensorial


severa no ouvido direito, estando o esquerdo dentro da
normalidade, o que sugere dano ou disfunção no ramo do
Nervo Vestibulococlear (NC VIII) direito.

• Ressonância Magnética contrastada com Gadolínio foi


solicitada e revelou processo expansivo sólido no interior do
conduto auditivo interno.
b) Tratamento e desfecho: Depois de identificada a real
etiologia pelo auxílio da imagem, a paciente foi encaminhada
para o neurocirurgião, que decidiu por acompanhamento clínico
do caso. Após a extração do tumor, houve melhora significativa
da paciente, de maneira que o retorno clínico após alguns
meses não indicou nenhuma recidiva clínica ou de imagem pelo
tumor.

3.5. Considerações Finais


O Schwannoma Vestibular é uma importante condição clínica
associada, geralmente, a um conjunto de sintomatologias
características da sua distribuição neuroanatômica. Dessa forma, a
observação médica deve ser bem elaborada, analisando-se a
progressividade, distribuição, assim como os sinais e sintomas mais
característicos, a fim de ratificar o acometimento da região do APC,
ou próximo a ela. Ademais, atenção para as diferentes nosologias,
assim como etiologias que estão associadas à sua patogênese, é
necessária, principalmente em se tratando da Neurofibromatose
Tipo 2.

4. OBJETIVOS DA APRENDIZAGEM
a) Conhecer as principais manifestações do Schwannoma
Vestibular, assim como o processo de raciocínio neurológico
relacionado a essa condição.
b) Reconhecer a associação entre a sintomatologia e a
neuroanatomia clínica do APC.
c) Compreender que, apesar de uma grande parte do
diagnóstico poder ser feito clinicamente, ele é corroborado por
achados dos exames complementares, principalmente os
advindos da Ressonância Magnética com contraste.
d) Conhecer as principais nosologias a serem consideradas,
principalmente a genética, cuja etiologia causadora de SV mais
comum é a Neurofibromatose tipo 2.

5. DICAS PRÁTICAS
a) Para um paciente com queixa de perda auditiva
neurossensorial unilateral progressiva, é extremamente
relevante associá-la com um possível caso de SV.
b) Outros sintomas, como perda da sensibilidade e/ou
motricidade facial, podem ocorrer, assim como náuseas, dores
de cabeça e instabilidade postural; por isso, o clínico deve ficar
atento.
c) Estando a condição relacionada a uma tumoração, espera-se
uma piora progressiva, e uma relevante associação da
neuroanatomia do APC com a clínica pode sugerir um possível
SV.
d) É necessário ter atenção para quadros que podem mimetizar
essa condição, como o Schwannoma Facial ou o Paraganglioma
Facial.1
e) Não esquecer que, geralmente, se trata de um tumor benigno
que pode ser acompanhado e possivelmente extraído. Por isso,
é relevante um bom conhecimento clínico a fim de se realizar
um adequado acompanhamento e manejo do caso.

REFERÊNCIAS
1. Kaul V, Cosetti MK. Management of Vestibular Schwannoma (Including NF2): Facial
Nerve Considerations. Otolaryngol Clin North Am. 2018; 51(6): 1193-212.
2. Machado ABM. Neuroanatomia funcional. 2. ed. São Paulo: Atheneu; 2014.
3. Kasper DL. Medicina interna de Harrison. 19. ed. Porto Alegre: AMGH; 2017.
4. Ardern-Holmes S, Fisher G, North K. Neurofibromatosis Type 2. J Child Neurol. 2017;
32(1): 9-22.
5. Bento RF, Pinna MH, Brito Neto RV. Schwannoma vestibular: 825 casos – 25 anos de
experiência. Int Arch Otorhinolaryngol. 2012; 16(4): 466-75.
Caso 8

Dor de cabeça e ombro caído


Autor: Gabriel de Albuquerque Vasconcelos
Orientador: Dr. Gilnard Caminha M. Aguiar

1. APRESENTAÇÃO DE CASO
a) Anamnese: Mulher, 58 anos, dona de casa, casada, chega ao ambulatório de
neurologia com queixa de “dor de cabeça e ombro caído”. Relata que, há 1 ano,
começou a apresentar engasgos à ingestão de líquidos e sólidos, inicialmente raros,
mas progressivamente mais frequentes. Três meses depois, os familiares
perceberam que sua voz estava mais rouca e que sua capacidade de articular as
palavras piorava progressivamente. Há 2 meses, relata início de crises de cefaleia
intensa (8/10 na EVA), unilateral (sempre à esquerda), geralmente noturna, por vezes
despertando do sono, com piora ao tossir. No mesmo período, apresentou dificuldade
para elevar o membro superior esquerdo (como ao levantar um objeto acima da
cabeça), que evoluiu, 1 mês depois, para queda do ombro esquerdo.
b) História Patológica Pregressa: Há 10 anos foi diagnosticada com câncer de
mama, quando realizou mastectomia total da mama direita, seguida de quimioterapia.
Portadora de diabetes mellitus tipo 2. Nega outras comorbidades.
c) História Familiar: Mãe e avó faleceram de câncer de mama. Pai e irmão são
diabéticos. Tem 4 filhos saudáveis.
d) Exame físico geral: Bom estado geral, fácies atípica, anictérica, acianótica e afebril,
orientada em tempo e espaço. PA: 130X90; FC: 80 bpm; FR: 16 rpm. Sem alterações
dignas de nota.
e) Exame neurológico: Ao exame dos Nervos Cranianos (NC), observou-se
sensibilidade reduzida no terço posterior da língua à esquerda, reflexo nauseoso
ausente à esquerda, desvio do palato à direita ao dizer “ah” de forma sustentada
(“sinal da cortina”[1]) e paresia dos músculos esternocleidomastoideo (força grau 3) e
trapézio (força grau 2) à esquerda. Sem outras alterações em nervos cranianos,
motricidade ou sensibilidade.

2. PARA PENSAR
a) Quais os principais diagnósticos (sindrômico, topográfico, nosológico e etiológico)
observados?
b) Quais as principais síndromes observadas que podem conduzir ao diagnóstico
topográfico?
c) Qual a principal etiologia a ser considerada diante do diagnóstico topográfico mais
provável?
d) Quais outros diagnósticos diferenciais devem ser feitos para pacientes com
resultados semelhantes ao exame clínico?
e) Quais exames devem ser solicitados para essa paciente e qual deles é o mais
importante para o diagnóstico etiológico?

3. DISCUSSÃO
3.1. Diagnóstico Sindrômico
a) Síndrome de Múltiplos Nervos Cranianos:

• NC IX (esquerdo): responsável pela sensibilidade ipsilateral do terço posterior da


língua e da região da faringe e laringe. Além disso, inerva a glândula parótida
ipsilateral. A perda da sensibilidade (tátil e gustativa) do terço posterior esquerdo
da língua e a perda do reflexo nauseoso (aferência: IX; eferência: X) esquerdo
revelam a disfunção desse nervo.

• NC X (esquerdo): além da importante função na inervação de vísceras torácicas e


abdominais, é responsável pela motricidade da região da faringe e da laringe
(fonação, deglutição e elevação do palato). O quadro de rouquidão, disartria e
disfagia, bem como o sinal da cortina*, revela a disfunção desse nervo.

• NC XI (esquerdo): inerva os músculos esternocleidomastoideo e trapézio


ipsilaterais. A fraqueza do músculo trapézio e do músculo esternocleidomastoideo
esquerdos sugere fortemente o acometimento dessas estruturas.

• Síndrome do Forame Jugular (SFJ) ou Síndrome de Vernet: Os três nervos


acometidos atravessam, junto a outras estruturas, o forame jugular. Por isso, o
acometimento concomitante dos NC IX, NC X e NC XI é conhecido por SFJ (mais
detalhes no subtópico de diagnóstico topográfico).
b) Síndrome Álgica: crises de cefaleia. Cabe destacar os principais red flags que
apontam para uma cefaleia secundária:

• Início das cefaleias após os 50 anos (a paciente tem 58 anos).


• Cefaleia unilateral persistentemente à esquerda (cefaleias primárias podem ser
unilaterais, mas, nesses casos, o lado da crise costuma se alternar).
• Piora da cefaleia à noite, associada a despertares noturnos e piora ao tossir
(manobra de Valsalva). Essas características da dor refletem um aumento da
pressão intracraniana (PIC), que é maior à noite (quando é maior o retorno venoso
e a pressão hidrostática nas veias, levando a uma menor drenagem de líquor e
aumento da PIC) e ao realizar a manobra de Valsalva (aumento da pressão
intratorácica com um esforço, como ao tossir e defecar, o que aumenta a pressão
hidrostática nas veias, levando a uma menor drenagem de líquor e ao aumento da
PIC).

• Presença de sinais neurológicos focais associados.

3.2. Diagnóstico Topográfico


IX, X e XI Nervos Cranianos (No nível do Forame Jugular Esquerdo)
Diante de uma síndrome de nervos cranianos, devemos sempre pensar que a causa da
lesão está no tronco encefálico (no núcleo do nervo ou em outras estruturas do tronco por
onde passam suas fibras) ou no trajeto periférico. Neste caso, diante da ausência de outros
sinais neurológicos focais (como síndrome motora, sensitiva ou atáxica) além da síndrome
de nervos cranianos, deve-se pensar em lesão periférica dos nervos.
Além disso, observa-se o acometimento de três nervos cranianos que seguem o mesmo
trajeto em um ponto anatômico específico na sua saída pela base do crânio, chamado
forame jugular. O forame jugular é uma estrutura situada lateralmente ao forame magno
(parte interna do crânio) e medialmente/posteriormente ao processo estiloide (parte
externa do crânio), pelo qual passam os nervos cranianos IX, X e XI, além da Veia Jugular
Interna, a principal estrutura responsável pela drenagem venosa cerebral.1 Veja a Figura 1.
As crises de cefaleia, possivelmente secundárias a uma Hipertensão Intracraniana
(HIC), curiosamente, corroboram a hipótese de diagnóstico topográfico, tendo em vista que
a compressão ou estenose da Veia Jugular Interna pode acarretar um aumento da PIC por
congestão venosa cerebral.
Figura 1. Passagem de Nervo Pelo Forame Jugular.
Fonte: Autor.

3.3. Diagnóstico Nosológico


Neoplásico
Diante de um quadro crônico (1 ano de início), com evolução progressiva e insidiosa dos
sintomas, em uma mulher mais velha, com história pregressa de câncer de mama e
significativo histórico familiar de câncer, a hipótese diagnóstica nosológica principal a ser
considerada é neoplásica. Além disso, sabe-se que, apesar da conclusão do tratamento
para o câncer de mama, é possível que ocorram metástases, principalmente para ossos
(como base do crânio), pulmão e fígado.
Causas vasculares (súbitas) e infecciosas ou autoimunes (subagudas) são pouco
prováveis, tendo em vista a cronicidade do quadro. Além disso, a ausência de histórico
compatível com trauma, intoxicação ou iatrogenia afasta essas hipóteses. Distúrbios
congênitos ou genéticos são menos prováveis em pacientes adultos mais velhos, como a
paciente do caso.
3.4. Diagnóstico Etiológico e Diferencial
Câncer de Mama Metastático na Base do Crânio (Forame Jugular Esquerdo)
Diante de um paciente com SFJ, devem ser elencadas as principais hipóteses de
diagnóstico etiológico. Além disso, outras síndromes de acometimento de nervos
cranianos são diagnósticos diferenciais a serem pensados, já que podem manifestar-se de
forma semelhante à SFJ (Quadro 1). Diante do objetivo do capítulo, serão discutidos os
principais diagnósticos diferenciais de SFJ, em vez de detalhar aspectos específicos do
câncer de mama metastático.
Lesões primárias benignas, como paragangliomas, meningiomas e schwannomas, são a
principal causa.2 Portanto, Ressonância Magnética (RM) de crânio com contraste é o
primeiro exame a ser solicitado em um paciente com SFJ para investigar essa hipótese e,
caso confirmada, para ajudar a planejar o tratamento cirúrgico.2
Metástases para a base do crânio não são comuns, mas são a segunda principal causa
de SFJ.2.3 Além disso, o câncer de mama (seguido pelo câncer de pulmão e o câncer de
próstata) é a principal neoplasia maligna responsável pela metástase para a base do
crânio.4 A Tomografia Computadorizada (TC) de crânio é outro exame que deve ser
solicitado a fim de investigar o acometimento ósseo e, possivelmente, vascular pela
neoplasia.2,4 Além disso, a biópsia do osso acometido pode confirmar o diagnóstico e deve
ser solicitada caso sejam evidenciadas lesões sugestivas de neoplasia na TC de crânio.4
Exacerbação de infecções virais pelo Vírus Varicela Zóster (VVZ) e pelo Vírus Herpes
Simples (VHS), seja por reativação viral ou por migração do vírus para outros sítios do
sistema nervoso, também pode levar à SFJ.2 Por isso, sorologias para tais vírus são exames
que devem ser solicitados para esses pacientes, principalmente os que tenham outros
achados que corroborem essa hipótese (como infecção prévia pelo VVZ, quadro subagudo
com elevação de marcadores inflamatórios, dentre outros).2
Além disso, diante de um paciente com síndrome de múltiplos nervos cranianos, é
importante descartar meningoencefalite por tuberculose. A formação de um exsudato por
inflamação meníngea na base do crânio pode levar à compressão de nervos cranianos,
além de infartos cerebrais por vasculite de pequenos vasos na base do crânio, cefaleia,
queda do nível de consciência e convulsões.
Deve-se considerar, também, o acometimento vascular como possível causa de SFJ.
A trombose de Veia Jugular Interna pode levar a uma dilatação da veia pelo seu trajeto no
forame, comprimindo outras estruturas.2 Cefaleia associada à hipertensão intracraniana,
bem como papiledema, pode corroborar o diagnóstico, mas é importante lembrar que a
obstrução da Veia Jugular Interna também pode ser por compressão extrínseca por alguma
massa (como foi observado no caso).2 Outras causas vasculares, como aneurismas
arteriais e vasculites, podem cursar com SFJ, mas são causas mais raras.2 Diante disso, a
angiografia é um exame a ser solicitado em pacientes com clínica sugestiva de
acometimento vascular, visto que pode fornecer informações valiosas sobre o diagnóstico
etiológico e o manejo terapêutico.2
Quadro 1. Diagnósticos diferenciais: outras síndromes de nervos cranianos.

Síndrome Sinais neurológicos


Síndrome Sinais neurológicos

Síndrome de Jackson Acometimento dos NC X, XI e XII

Síndrome de Collet-Sicard Acometimento dos NC IX, X, XI e XII

Síndrome de Villaret Acometimento dos NC IX, X, XI e XII + Síndrome de Horner

Síndrome de Tapia Acometimento dos NC X e XII

Paralisia de corda vocal e palato ipsilaterais, com


Síndrome de Avellis
hemianestesia termoalgésica contralateral

Síndrome de Schmidt Acometimento dos NC X e XI

Fonte: Adaptado de Das.2

O tratamento desses pacientes depende do diagnóstico etiológico. Cirurgia e/ou


radioterapia devem ser consideradas em casos de neoplasia (primária ou metastática).2
Aciclovir é o tratamento de escolha para as infecções virais, e a trombose de Veia Jugular
Interna pode ser tratada com anticoagulação.2
a) Exames complementares: Foram solicitadas RM e TC de crânio com contraste, que
revelaram massa, com captação de contraste, em áreas adjacentes ao forame jugular
no osso temporal, comprimindo os nervos cranianos IX, X e XII e a Veia Jugular
Interna.
b) Tratamento: A paciente foi encaminhada para o serviço de oncologia para a
investigação complementar e manejo terapêutico.

3.5. Considerações Finais


A SFJ é um diagnóstico sindrômico e topográfico que deve levar à investigação das
possíveis hipóteses de diagnóstico nosológico e etiológico. Diante disso, apesar de rara, é
importante conhecer suas causas, visto que algumas são graves e necessitam de
diagnóstico precoce e intervenção imediata.

4. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
a) Conhecer as estruturas que atravessam o forame jugular, bem como os sinais e
sintomas específicos de uma lesão nessa região (SFJ).
b) Conhecer os principais diagnósticos nosológicos e etiológicos possíveis para um
paciente com SFJ, bem como os achados no exame clínico que sugiram uma
etiologia específica.
c) Conhecer os exames complementares mais importantes a serem solicitados para
um paciente com SFJ, bem como os achados esperados para cada um deles.
d) Saber suspeitar de outros possíveis diagnósticos para síndromes de nervos
cranianos que podem ser confundidos com a SFJ.

5. DICAS PRÁTICAS
a) Sinais de acometimento dos NC IX (anestesia do terço posterior da língua, reflexo
nauseoso ausente), X (sinal da cortina, disfagia, rouquidão) e XI (fraqueza em
músculos esternocleidomastoideo e trapézio), associados ou não à congestão
venosa cerebral por compressão da veia jugular (cefaleia, papiledema), sugerem SFJ.
b) Exames de imagem e sorologias são de especial importância nessa síndrome, já
que podem ajudar a descartar ou confirmar as principais hipóteses diagnósticas
(neoplasia primária ou metastática, doença vascular e infecção viral).
c) Existem outras causas que podem ser clinicamente semelhantes à SFJ, com
acometimento de nervos cranianos, e devem ser consideradas, a depender do caso.
d) É importante saber encaminhar o paciente, principalmente em casos cirúrgicos e
oncológicos, em caso de suspeita de SFJ, para o manejo terapêutico especializado.

REFERÊNCIAS
1. Freitas CAF, Santos LRM, Santos AN, Amaral Neto AB, Brandão LG. Estudo anatômico do forame jugular no
pescoço. Braz J Otorhinolaryngol. 2020; 86(1): 44-8.
2. Das JM, Khalili YA. Jugular Foramen Syndrome. In: StatPearls. Treasure Island: StatPearls Publishing; 2020 Jan.
3. Ciavarro G, Bozzetti F, Falcioni M. Jugular Foramen Metastasis from Lung Cancer: A Case of “A Mass without
His Syndrome”. J Int Adv Otol. 2019; 15(3): 469-71.
4. Flis DW, Shah AT, Tracy JC, Heilman CB, O’Leary MA. Metastatic breast carcinoma of the jugular foramen: a rare
case of Villaret syndrome. Head Neck. 2015; 37(11): E146-9.
[1]
Sinal da cortina ocorre quando, ao pedir para o paciente realizar a fonação de uma vogal aberta (ah), ou
seja, realizar a elevação do palato mole, essa estrutura é desviada para um lado (lado são), porque o palato
contralateral está paralisado pelo acometimento do NC X que o inerva.
Caso 9

Olhos paralisados
Autor: Rodrigo Montenegro Barreira
Orientador: Dr. Danilo Nunes Oliveira

1. APRESENTAÇÃO DE CASO CLÍNICO


a) Anamnese: Homem, 60 anos, com história de hipertensão e diabetes com
tratamento irregular, infarto agudo do miocárdio prévio, buscou atendimento médico
com queixa de que há 3 dias teria apresentado quadro de início súbito de “dormência”
em membro superior direito (MSD) e metade esquerda da face, associado a “visão
borrada” de mesma duração. Relata melhora da “dormência” em face e membro há 1
dia, persistindo apenas com a “visão borrada” incapacitante. Nega febre, náuseas,
vômitos e vertigem. Sem queixas esfincterianas.
b) Exame físico geral: Pressão arterial 160 x 90 mmHg, FC = 68 bpm, FR = 16 irpm,
glicemia capilar = 233 mg/dL. Ausência de febre e de outros sintomas constitucionais.
c) Exame neurológico: Vigil, orientado em tempo e espaço. Acuidade visual preservada
em ambos os olhos. Fundoscopia sem alterações. Pupilas isocóricas e fotorreagentes.
Exame da motricidade ocular extrínseca apresentando, ao olhar para a direita, déficit
na adução do olho esquerdo (OE) com nistagmo do olho abduzido (olho direito) de
fase rápida para a direita e, ao olhar para a esquerda ou convergir o olhar, nenhum
déficit. Não apresentava desvios em posição primária do olhar. Ausência de ptose
palpebral. Demais nervos cranianos sem alterações. Força, tônus e trofismo sem
alterações. Sensibilidade preservada. Reflexos tendinosos profundos vivos
globalmente com cutâneo-plantares indiferentes. Provas cerebelares e marcha sem
alterações.

2. PARA PENSAR
a) Qual é a síndrome envolvida no caso apresentado?
b) Qual a possível topografia para os achados descritos nos exames físico e
neurológico?
c) Quais os possíveis diagnósticos nosológicos para o caso descrito?
d) Quais as prováveis etiologias para o caso apresentado?
3. DISCUSSÃO
3.1. Diagnóstico Sindrômico
Queixas como “dormência” e “formigamento” podem representar diferentes sintomas, a
depender do pano de fundo cultural e socioeconômico do paciente. Sendo assim, algumas
perguntas podem ajudar na distinção entre uma alteração de força e uma alteração de
sensibilidade, como: “O sr. tinha alguma dificuldade em segurar um objeto? Sentia quando
alguém lhe tocava?”. No caso do nosso paciente, após maior detalhamento da queixa,
tratou-se de um provável déficit motor temporário em hemiface esquerda e MSD, o qual não
revelou alterações no exame neurológico.
Portanto, o diagnóstico sindrômico é de uma síndrome de nervos cranianos,
caracterizada pelo déficit na movimentação ocular extrínseca evidenciado no exame
neurológico.

3.2. Diagnóstico Topográfico


O raciocínio clínico para o diagnóstico topográfico dessa síndrome de nervos cranianos
deve iniciar com o detalhamento da queixa de “visão borrada”. Tal queixa também requer
uma maior exploração, podendo significar baixa acuidade visual, diplopia etc. Com a
identificação de déficits na motricidade ocular extrínseca no exame neurológico dos nervos
cranianos, a diplopia binocular tornou-se o provável motivo da queixa de “visão borrada” do
paciente.
Nas diplopias binoculares, causadas por distúrbios na motricidade ocular extrínseca, a
diplopia cessa quando qualquer um dos olhos é ocluído, pois ela depende de uma
“confusão” visual que é eliminada ao ocluir qualquer um dos olhos. Caso a diplopia fosse
monocular, ou seja, presente mesmo quando ocluído um dos olhos, a lesão estaria
localizada em alguma estrutura ocular (por exemplo, córnea, cristalino ou retina). Para
exemplificar: imagine um paciente com descolamento de retina no OE; caso o OD seja
ocluído, a diplopia não cessará, já que o olho defeituoso continua aberto. Embora os
achados clínicos falem contra a diplopia monocular, a presença de diabetes mal controlada
poderia justificar uma maculopatia diabética ou um descolamento de retina secundário ao
diabetes, que são importantes causas de diplopias monoculares.
Para localizar a lesão causadora da diplopia binocular do nosso paciente, precisaremos
revisar brevemente o controle supranuclear do olhar horizontal. Acompanhe a Figura 1.
Figura 1. Esquema de via de controle supranuclear do olhar sacádico.
FRPP: formação reticular pontina paramediana; FLM: fascículo longitudinal medial; III e VI: núcleos dos nervos
cranianos oculomotor e abducente, respectivamente.

Fonte: Autor.

Por exemplo, o olhar sacádico horizontal, ao olhar para a direita, se inicia no lobo frontal
esquerdo, de onde fibras descem e decussam em direção à formação reticular pontina
paramediana direita (FRPP), a qual envia sinal para o núcleo do nervo abducente direito (VI),
que ativa o músculo reto lateral, abduzindo o olho direito. Para que o olho esquerdo
acompanhe o movimento do olho direito (olhar conjugado), o núcleo abducente direito (VI)
envia também impulsos para o fascículo longitudinal medial (FLM) esquerdo (contralateral),
que será responsável por levar o sinal para o núcleo oculomotor esquerdo no mesencéfalo,
ativador do músculo reto medial, aduzindo o olho esquerdo.
O olhar para o lado esquerdo segue o mesmo raciocínio.
Assim, podemos concluir que nosso paciente apresenta uma lesão no FLM esquerdo, já
que, ao olhar para a direita, o impulso que sairia do núcleo abducente direito em direção ao
núcleo oculomotor esquerdo para proporcionar a adução do olho esquerdo está bloqueado
com a lesão do FLM esquerdo. Logo, ao olhar para a direita, o olho direito abduz e o olho
esquerdo não o acompanha, estando o olhar para a esquerda totalmente preservado, como
mostra a Figura 2. O olhar convergente não está alterado, pois as vias supranucleares
responsáveis são distintas e estão intactas nesse caso. Ademais, a ausência de anisocoria,
de ptose palpebral ou de exotropia em posição primária do olhar, quando somadas, falam
contra a paralisia do nervo oculomotor (III NC)
Figura 2. Oftalmoplegia internuclear esquerda.

Fonte: Autor.

Uma breve analogia: seria como se o olho que estivesse abduzindo levasse o olho
contralateral para passear através de uma “coleira” (o FLM). A “quebra” dessa “coleira” faz
com que o olho que está abduzindo fique “tentando chamar” (nistagmo) o olho contralateral,
enquanto este fica estático, incapaz de aduzir.
Além disso, a síndrome motora cruzada (déficit em hemiface esquerda e hemicorpo
direito) é típica das lesões em tronco encefálico, neste caso em ponte, devido ao
acometimento das fibras do trato corticoespinhal que ainda não decussaram nas pirâmides
bulbares.
Portanto, a topografia acometida é o Fascículo longitudinal medial (FLM) esquerdo na
topografia de ponte.

3.3. Diagnóstico Nosológico


A apresentação súbita do quadro clínico, somada à idade e às comorbidades do paciente
(hipertensão, diabetes e infarto agudo do miocárdio prévio), torna a nosologia vascular
bastante provável para o caso descrito. Diante de um caso de oftalmoplegia internuclear,
deve-se sempre lembrar de causas autoimunes, como será visto a seguir.
Portanto, o diagnóstico nosológico para o caso apresentado é vascular.

3.4. Diagnóstico Etiológico e Diferencial


A ofltamoplegia internuclear (OIN) não é um diagnóstico etiológico final, mas sim um
achado clínico decorrente de uma lesão específica do FLM. Portanto, deve-se sempre
buscar a causa por trás desse achado. No nosso paciente, o infarto pontino foi o
responsável. No entanto, outra importante etiologia a se destacar é a Esclerose Múltipla,
responsável por OIN em pessoas mais jovens, inclusive bilateral (em inglês, WEBINO – Wall-
Eyed Bilateral Internuclear Ophthalmoplegia)¹. Também cabe citar outras causas menos
comuns de OIN, como traumas, neuroinfecções (cisticercose e sífilis), tumores e vasculites
(Lúpus Eritematoso Sistêmico e Síndrome de Sjögren), que terão como mecanismo a
mesma lesão estrutural do FLM, acrescidos ou não de outros achados de lesões de tronco
encefálico¹.
Além da lesão de FLM, a síndrome cruzada (déficit motor em face à esquerda e membro
superior direito) apresentada pelo paciente também nos indica a topografia de tronco, onde
fibras motoras e sensitivas se cruzam. A forma de apresentação, como já discutido, também
nos faz pensar em causas vasculares.
Os exames complementares abaixo confirmaram a hipótese de infarto pontino esquerdo.
O tratamento e o desfecho do caso seguem na sequência.
a) Exames complementares: Hemograma, eletrólitos e vitamina B12 normais. Glicemia
210 mg/dL. HbA1C 9,4%. Triglicerídeos 492 mg/dL. Colesterol total 272 mg/dL (HDL
27 mg/dL; LDL 156 mg/dL). Sorologias negativas. Função renal preservada. Doppler de
Carótidas e Vertebrais com estenose de 50-70% em carótidas internas bilaterais.
Ecocardiograma transtorácico e Holter 24h sem alterações relevantes. Ressonância
magnética revelou lesão pontina com restrição à difusão na topografia do FLM medial
esquerdo, sugestiva de infarto subagudo.
b) Diagnóstico: Oftalmoplegia internuclear causada por infarto pontino esquerdo.
c) Tratamento e desfecho: Optou-se por iniciar terapia antiagregante como profilaxia
secundária, bem como estatina de alta potência para controle de colesterol. Orientado
também controle glicêmico, pressórico e mudanças no estilo de vida, como forma de
prevenção secundária de novos eventos isquêmicos.

3.5. Considerações Finais


Por fim, cabe ressaltar que a oftalmoplegia internuclear não deve ser vista como
diagnóstico final, mas sim como uma apresentação clínica marcante que deve sempre ser
procurada em pacientes com diplopia através de um exame neurológico minucioso. Além
disso, é importante se lembrar dos seus vários diagnósticos diferenciais.

4. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
a) Compreender a abordagem ao paciente com queixa de “visão borrada” e suas
diferentes vertentes neurológicas.
b) Entender como é feito o controle supranuclear do olhar sacádico e suas aplicações
clínicas.
c) Diferenciar diplopia binocular e monocular.
d) Assimilar o papel do fascículo longitudinal medial no controle do olhar conjugado.
e) Compreender a principal topografia das síndromes motoras cruzadas.

5. DICAS PRÁTICAS
a) Sempre buscar esmiuçar os sintomas que podem causar confusão nos pacientes,
como “formigamento” e “vista embaçada”.
b) Sempre diferenciar as diplopias binoculares das monoculares, haja vista que
possuem causas completamente distintas.

REFERÊNCIAS
1. Kochar PS, Kumar Y, Sharma P, Kumar V, Gupta N, Goyal P. Isolated medial longitudinal fasciculus syndrome:
Review of imaging, anatomy, pathophysiology and differential diagnosis. Neuroradiol J. 2018; 31(1): 95–9.
Table of Contents
Capa
Rosto
Créditos
Agradecimentos
Autores
Sumário
Prefácio
1. Introdução ao Raciocínio Neurológico
2. Síndrome motora
Caso 1. Déficit Súbito
Caso 2. Perda gradual de força associada à dificuldade de elevar
braços
Caso 3. Síndrome do neurônio motor inferior aguda
Caso 4. Fraqueza Flutuante
Caso 5. Preguiçoso?
Caso 6. Cefaleia e fraqueza
3. Síndrome sensitiva
Caso 1. Bota e Luva
Caso 2. Mulher jovem com fraqueza nas mãos e alterações de
sensibilidade, um diagnóstico topográfico desafiador
4. Síndrome Autonômica
Caso 1. Disfunção Vesical
Caso 2. Dormência e fraqueza nos membros inferiores associadas
a um acometimento visual e esfincteriano
5. Síndrome atáxica
Caso 1. Dificuldade de deambular e alteração da motricidade
ocular
Caso 2. Ataxia em Paciente Jovem
Caso 3. Fraqueza e Quedas
6. Síndrome Extrapiramidal
Caso 1. Tremor e lentidão
Caso 2. Movimentos Involuntários
Caso 3. Manifestações sistêmicas de doenças neurológicas
Caso 4. Quedas frequentes
Caso 5. Amigdalofaringite seguida por movimentos involuntários
Caso 6. Tremor
7. Síndrome Cognitiva
Caso 1. O Labirinto da Memória
Caso 2. Um acúmulo de achados
Caso 3. Paranoia ou alucinação?
Caso 4. Os 3 Ms
Caso 5. Fraqueza, Irritabilidade e Agressividade
8. Síndrome Álgica
Caso 1. Cabeça e Nuca
Caso 2. Cefaleia na madrugada
Caso 3. “Dor em Facadas”
Caso 4. Cefaleias recorrentes no dia a dia
Caso 5. Uma Dor Fatal
Caso 6. Dor Cervical
9. Síndrome de Nervos Cranianos
Caso 1. Os 3 Ds Súbitos
Caso 2. “Fraqueza Cruzada”
Caso 3. Face Fora de Controle
Caso 4. “Visão Borrada”
Caso 5. A grande imitadora
Caso 6. Paroxismos de Dor
Caso 7. Surdez Progressiva
Caso 8. Dor de cabeça e ombro caído
Caso 9. Olhos paralisados

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