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DOCÊNCIA EM

SAÚDE
DOENÇAS NEUROMUSCULARES
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Portal Educação

P842d Doenças neuromusculares / Portal Educação. - Campo Grande: Portal


Educação, 2012.

217p. : il.

Inclui bibliografia
ISBN 978-85-8241-270-1

1. Deficiências neuromotoras. I. Portal Educação. II. Título.

CDD 616.744
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ÀS DOENÇAS NEUROMUSCULARES ...........................................................5


2

1.1 Princípios de anatomia, histologia e fisiologia ......................................................................5

1.1.1 O Sistema Esquelético ...............................................................................................................5

1.1.2 O Sistema Muscular ...................................................................................................................6

1.1.3 O Sistema Nervoso ...................................................................................................................12

2 CONTROLE MOTOR ........................................................................................................29

2.1 Informação sensorial e controle motor .................................................................................30

2.2 Níveis de controle motor.........................................................................................................31

2.3 Desenvolvimento e aprendizagem motora ............................................................................34

3 DOENÇAS NEUROMUSCULARES: CONCEITOS E CONTEXTO ..........................................37

3.1 Classificação das doenças neuromusculares ....................................................40

4 A SÍNDROME DA CRIANÇA HIPOTÔNICA ............................................................................43

4.1 Conceitos e manifestações clínicas .....................................................................................43

4.2 Classificação: causas centrais e periféricas .........................................................................49

5 AMIOTROFIA ESPINHAL INFANTIL (AME) ............................................................................53


5.1 Conceitos e contexto ..............................................................................................................53

6 POLINEUROPATIAS NA INFÂNCIA ........................................................................................62

7 MIOPATIAS INFANTIS .............................................................................................................65

8 DISTROFIAS MUSCULARES CONGÊNITAS (DMC) ..............................................................73 3

9 MIOPATIAS METABÓLICAS E MITOCONDRIOPATIAS ........................................................84

10 DOENÇAS NEUROMUSCULARES NA CRIANÇA MAIOR, ADOLESCENTE E ADULTO .....88

11 SÍNDROMES MIOTÔNICAS ....................................................................................................102

11.1 Doenças inflamatórias do músculo ......................................................................................107

11.2 Paralisias periódicas ..............................................................................................................115

12 MIASTENIA GRAVE ................................................................................................................119

13 ESCLEROSE LATERAL AMIOTRÓFICA (ELA) .....................................................................124

14 NEUROPATIAS SENSITIVO-MOTORAS ................................................................................128

15 ASSISTÊNCIA NAS DOENÇAS NEUROMUSCULARES .......................................................136

15.1 Medicina nas doenças neuromusculares .............................................................................139

15.2 Psicologia e as doenças neuromusculares .........................................................................140

15.3 Fisioterapia e as doenças neuromusculares .......................................................................142

15.4 Terapia Ocupacional nas doenças neuromusculares .........................................................144

15.5 Enfermagem nas doenças neuromusculares.......................................................................146


15.6 Fonoaudiologia nas doenças neuromusculares..................................................................148

15.7 Nutrição e doenças neuromusculares ..................................................................................151

16 INTERVENÇÃO FISIOTERAPÊUTICA NAS DOENÇAS NEUROMUSCULARES .................153

16.1 Avaliação fisioterapêutica ....................................................................................................153 4

16.2 Fisioterapia respiratória e ventilação mecânica ..................................................................163

17 IMOBILISMO X INTERVENÇÃO MOTORA .............................................................................171

18 TÉCNICAS FISIOTERAPÊUTICAS: PRINCÍPIOS BÁSICOS .................................................177

18.1 Facilitação Neuromuscular Proprioceptiva (FNP) – Kabat .................................................177

19 ADEQUAÇÃO POSTURAL .....................................................................................................195

20 ÓRTESES ................................................................................................................................198

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................................199
1 INTRODUÇÃO ÀS DOENÇAS NEUROMUSCULARES

1.1 Princípios de anatomia, histologia e fisiologia

1.1.1 O Sistema Esquelético 5

O esqueleto pode ser definido como conjunto de ossos e cartilagens que se interligam
para formar o arcabouço do corpo do animal e desempenhar diversas funções, tais como:
proteção, sustentação e conformação do corpo, local de armazenamento de íons cálcio, fosfato e
outros, sistema de alavancas (que movimentadas pelos músculos permitem os deslocamentos
corporais) e local de proteção de certas células sangüíneas.

O tecido ósseo é um tipo especializado de tecido conjuntivo composto pela matriz


óssea, um conjunto de células e material extracelular calcificado. Suas células são: os
osteócitos, situados em cavidades ou lacunas na matriz óssea sendo fundamentais para sua
manutenção; os osteoblastos, produtores da parte orgânica da matriz; e os osteoclastos, células
gigantes, móveis e multinucleadas que reabsorvem o tecido ósseo, participando do processo de
remodelação óssea.

Todos os ossos são recobertos, nas superfícies interna e externa, por camadas de
tecido com células osteogênicas: endósteo internamente e periósteo externamente.

Macroscopicamente verifica-se que o osso é formado por partes sem cavidade visíveis
- osso compacto - e por partes com muitas cavidades intercomunicantes - osso esponjoso
(Figura 1).
6
Fig. 1 – Osso compacto e osso esponjoso. Reproduzida de JUNQUEIRA, L.C. E CARNEIRO, J.
Histologia Básica, Guanabara Koogan: 10ª ed., 2004, p.140.

1.1.2 O Sistema Muscular

As células musculares, de origem mesodérmica, especializam-se para as propriedades


de contração e relaxamento, o que determina a movimentação de membros e vísceras. Elas
estão agrupadas em feixes para formar massas macroscópicas, os músculos.

O tecido muscular é constituído por células alongadas, que contém grande quantidade
de filamentos citoplasmáticos de proteínas contráteis, geradoras das forças necessárias para a
contração desse tecido, utilizando a energia contida nas moléculas de ATP.

Normalmente as células musculares estão sob o controle do sistema nervoso. Cada


músculo possui seu nervo motor, o qual se divide em muitos ramos para controlar todas as
células do músculo. As divisões microscópicas destes ramos terminam num mecanismo
especializado, a placa motora. Quando o impulso nervoso passa através do nervo, a placa
motora transmite o impulso às células musculares determinando sua contração.

A estrutura macroscópica do músculo ajuda a determinar sua ação muscular e afeta


sua resposta ao alongamento. As fibras musculares são arranjadas em feixes denominados
fascículos, cujos arranjos e inserções variam anatomicamente.

Existem duas divisões principais da estrutura macroscópica: fusiforme e peniforme.


Nos fusiformes ou em fuso, as fibras são arranjadas paralelas à linha desde a origem até a
inserção, e os fascículos terminam nas pontas dos músculos em tendões planos. Nos
peniformes, as fibras são inseridas obliquamente dentro do tendão ou tendões que se estendem
pelo comprimento dos músculos de um lado ou através do ventre muscular. Um terceiro arranjo,
em forma de leque, é provavelmente uma modificação dos outros dois, mas apresenta
significância clínica distinta.

Também de acordo com suas características morfológicas e funcionais, distinguem-se 7


três tipos principais de tecido muscular: musculaturas estriada esquelética, estriada cardíaca e
lisa (Figura 2). Os seres humanos possuem mais de 600 músculos esqueléticos, os quais
diferem em forma e tamanho, conforme a tarefa que cada um desempenha, sendo assim de
controle voluntário. O músculo cardíaco forma a maior parte do coração dos vertebrados e
carece de controle voluntário. Os músculos lisos revestem as paredes de órgãos internos e
executam funções involuntárias como: forçar a passagem do bolo alimentar pelos intestinos,
contrair o útero durante o parto e controlar o fluxo sangüíneo para os diversos tecidos.

Figura 2 - Estrutura dos três tipos de tecido muscular. Reproduzida de


JUNQUEIRA, L.C. E CARNEIRO, J. Histologia Básica, Guanabara Koogan: 10ª ed., 2004, p.
184.
O músculo estriado esquelético é formado por feixes de células cilíndricas muito longas
e multinucleadas, que apresentam estriações transversais, e têm contração rápida e vigorosa. O
músculo estriado cardíaco é formado por células alongadas e ramificadas, também com estrias
transversais, que se unem por meio dos discos intercalares (estruturas encontradas apenas no
músculo cardíaco) e tem contração rítmica e vigorosa. O músculo liso é composto de
aglomerados de células fusiformes sem estriações transversais e seu processo de contração é
lento. 8

Assim, o sistema muscular esquelético constitui a maior parte da musculatura do


corpo, recobre totalmente o esqueleto e está presa aos ossos, sendo responsável pela
movimentação corporal (Figura 3).

Fig. 3 – Sistema Muscular Esquelético. Reproduzida de


http://www.afh.bio.br/sustenta/Sustenta4.asp
 A fibra muscular esquelética

Todos os músculos esqueléticos são formados por numerosas fibras. Cada fibra por
sua vez, é formada por subunidades sucessivamente menores (Fig. 4).

O sarcolema consiste em uma verdadeira membrana celular da fibra muscular


9
(membrana plasmática), com um revestimento externo composta por material polissacarídeo,
com numerosas fibrilas de colágeno.

Cada fibra muscular contém várias centenas a vários milhares de miofibrilas (círculos
pequenos no corte transverso da Figura 4). Cada miofibrila por sua vez, contém disposta lado a
lado, cerca de 3000 filamentos de miosina e cerca de 3000 filamentos de actina, ambas
responsáveis pela contração muscular.

Como os filamentos de actina e miosina ficam parcialmente interligados, a miofibrila


apresenta faixas claras e escuras. As claras só apresentam filamentos de actina e são
chamadas faixas I, já às escuras contêm os filamentos de miosina e as extremidades dos
filamentos de actina que se entremeia com os de miosina, denominadas faixas A. As pequenas
projeções dos lados dos filamentos de miosina são as pontes cruzadas, importantes para o
mecanismo de contração muscular.
10

Fig. 4 - Estrutura dos três tipos de tecido muscular. Reproduzida de GUYTON, A.C. E HALL,
J.E. Text book of Medical Physiology, Elvesier: 11ª ed., 2006, p. 73.

A figura acima também mostra os discos Z, onde as extremidades dos filamentos de


actina estão presas e, a partir dos quais esses filamentos se estendem em ambas as direções,
para se interdigitarem com os filamentos de miosina. A parte da miofibrila situada entre dois
discos Z sucessivos é chamada sarcômero, que é capaz de gerar força de contração.

Mecanismo da contração muscular

 Mecanismo geral 11
1) Potencial de ação → nervo motor até as terminações nas fibras musculares.

2) Secreção de acetilcolina (Ach) → fixação aos receptores colinérgicos.

3) Abertura dos canais protéicos (Ach-dependentes).

4) Influxo de Na+ → potencial ação na fibra muscular.

5) Propagação do potencial de ação na fibra muscular.

6) Potencial de ação → liberação de Ca++ p/ as miofibrilas.

7) Íons Ca++ → geram forças atrativas entre os filamentos de actina e miosina.

8) Íons Ca++ são bombeados de volta ao Retículo Sarcoplasmático (retículo


citoplasmático da fibra muscular), onde serão armazenados até a chegada de um novo potencial
de ação.

 Mecanismo de deslizamento (molecular)

Durante a contração muscular ocorre um “encurtamento” do sarcômero, ocasionado


não pela mudança do comprimento dos filamentos de actina e miosina, mas pela sobreposição
desses filamentos, ou seja, o deslizamento dos filamentos na contração muscular. Os
sarcômeros se encurtam porque os filamentos finos (actina) deslizam ativamente por entre os
filamentos grossos (miosina), deslocando os filamentos de actina mais para o centro do
sarcômero “puxando” os discos Z, causando assim o “encurtamento” do sarcômero (Figura 5).
12

Figura 5 – Estados de relaxamento e contração muscular – deslizamento dos filamentos


de actina e miosina.

Os deslizamentos dos filamentos de actina em direção ao centro do sarcômero por


entre os filamentos de miosina são resultados de forças mecânicas geradas pela interação das
pontes cruzadas dos filamentos de miosina com os de actina. Nas condições de repouso, essas
forças são inibidas, mas, quando um potencial de ação passa pela membrana da fibra muscular
faz com que o retículo sarcoplasmático libere grandes quantidades de íons Ca++, que
rapidamente alcançam as miofibrilas. Por sua vez, esses íons Ca++ ativam as forças entre os
filamentos de miosina e actina, dando início à contração. Mas também é necessária energia para
o processo contráctil, que é derivada das ligações ricas em energia do ATP (trifosfato de
adenosina), degradado do ADP (difosfato de adenosina) para liberar a energia exigida.

1.1.3 O Sistema Nervoso

Tudo o que somos e fazemos depende de como funciona o nosso sistema nervoso,
desde as mais simples às mais complexas e variadas funções, tais como percepção, análise,
coordenação, planejamento, execução de movimento e memória resultam das interações
neuronais.
A maioria das funções de controle do corpo é desempenhada pelo sistema nervoso,
que recebe informações dos diferentes órgãos sensoriais e, integra-os para determinar a
resposta a ser dada pelo organismo. No entanto, um funcionamento normal depende em grande
parte dos processos normais de desenvolvimento.
No recém-nascido o sistema nervoso ainda é imaturo, desse modo, todas as funções
desenvolvidas pelo sistema nervoso dependem de um processo de desenvolvimento longo para
atingir seu funcionamento completo, com etapas sucessivas de complexidade crescente e em 13
uma seqüência fixa.
Essa seqüência de desenvolvimento neural leva progressivamente à especialização
dos neurônios jovens, à sua agregação e estabelecimento de circuitos neurais entre eles, que
serão discutidos mais adiante (em Neuroplasticidade).

O sistema nervoso pode ser dividido em sistema nervoso central (SNC), que engloba
as estruturas neurais que se encontram dentro do crânio e da coluna vertebral, e sistema
nervoso periférico (SNP), que reúne àquelas distribuídas pelo organismo.
Dessa forma, o SNC é formado pelo encéfalo e medula espinhal, e o SNP pelos nervos
e por pequenos agregados de células nervosas, os gânglios nervosos. Os nervos são
constituídos principalmente por prolongamentos dos neurônios situados no SNC ou nos gânglios
nervosos.
No tecido nervoso, os neurônios são células importantes do ponto de vista funcional.
Eles têm forma e tamanho variável e são constituídos por um corpo celular (pericário), onde se
encontra o núcleo e por prolongamentos celulares: dendritos e axônios (Figura 6).

Os dendritos possibilitam uma expansão considerável da superfície neuronal e neles


faz contato a maioria dos prolongamentos de outras células. A informação captada pelo
neurônio, geralmente, vai dos dendritos até o pericário neuronal e propaga-se até o axônio. Este
tem um trajeto sem ramificações até sua porção terminal, onde têm origem numerosas
terminações que irão estabelecer contato com outras células.

A maior parte dos neurônios encontrada no sistema nervoso é envolvida por uma
bainha de mielina. As fibras mielinizadas conduzem o impulso muitas vezes mais rapidamente
que uma fibra amielínica.
14

Figura 6 – Tipos de neurônios. Reproduzida de KANDEL, E.R.; SCHWARTZ, J.H.; JESSELL,


T.M. Principles of Neural Science, McGraw Hill: 4ª ed., 2000, p. 24.

A célula nervosa tem moléculas na membrana que são bombas ou então canais para o
transporte de íons para dentro e para fora do citoplasma. O axolema (membrana plasmática do
axônio) bombeia Na- para fora do axoplasma, mantendo uma concentração de Na- que é apenas
um décimo da concentração no fluido extracelular. Ao contrário, a concentração de K+ é mantida
muito mais baixa do que no fluido extracelular. Dessa forma, existe uma diferença de potencial
de -65mV através da membrana, sendo o interior negativo em relação ao exterior. Este é o
potencial de membrana.

Quando o neurônio é estimulado, os canais iônicos se abrem e ocorre um rápido


influxo do Na- extracelular. Esse influxo modifica o potencial de repouso de -65mV para +30mV.
O interior do axônio se torna positivo em relação ao meio extracelular, originando o potencial de
ação ou impulso nervoso.

A sinapse é responsável pela transmissão unidirecional dos impulsos nervosos. É


constituída por uma terminação axonal dilatada cuja membrana, chamada pré-sináptica, está
justaposta à membrana de outra célula: a membrana pós-sináptica.

A maioria das sinapses transmite informações por meio da liberação de 15

neurotransmissores, que são substâncias que, quando se combinam com proteínas receptoras,
abrem ou fecham canais iônicos ou então desencadeiam uma cascata molecular na célula pós-
sináptica que produz segundos mensageiros intracelulares.

O neurotransmissor vai agir nos receptores farmacológicos da membrana pós-


sináptica. A interação, neurotransmissor x receptor altera a permeabilidade da membrana a
determinados íons, determinando uma mudança da polaridade elétrica da membrana, que pode
propagar-se a partir do ponto excitado, originando um impulso nervoso.

Vale lembrar que, o efeito do neurotransmissor liberado não é necessariamente excitar


a célula pós-sináptica gerando potenciais de ação, podendo haver inibição da célula que recebe
o transmissor químico. A soma das influências excitatórias e inibitórias determinará o ajuste
gradual da função neural.

 Vascularização encefálica
O metabolismo cerebral necessita de um adequado suprimento de glicose e oxigênio
para seu funcionamento, o que requer um fluxo sanguíneo elevado. Para o suprimento
sanguíneo cerebral, o encéfalo conta com uma vascularização peculiar, com vasos penetrando
no crânio por vários pontos, sendo dividida em circulação de território anterior e posterior
(Figuras 7 e 8).

• Circulação Anterior → Carótidas Bilaterais


• Circulação Posterior → Sistema Vértebro-Basilar
• Carótida Interna → Artéria Cerebral Anterior, Média, comunicante posterior,
coroidéia anterior e oftálmica.

16

Figura 7 – Vascularização cerebral. Reproduzida de CARVALHO, S.M.F. Contribuição da


Imagem Funcional por Ressonância Magnética para o estudo da Reorganização do Córtex
Motor pós-AVCI, Ribeirão Preto: 2006, p. 06.

• Circulação posterior → via artéria vertebral bilateralmente → artéria cerebelar


póstero-inferior que se unem formando a artéria basilar → artérias cerebelar anterior inferior,
artéria cerebelar superior e artéria cerebral posterior.
17

Figura 8 – Vascularização cerebral. Reproduzida de CARVALHO, S.M.F. Contribuição da


Imagem Funcional por Ressonância Magnética para o estudo da Reorganização do Córtex
Motor pós-AVCI, Ribeirão Preto: 2006, p.07.

 Organização hierárquica do córtex motor


A organização hierárquica do córtex cerebral refere-se à ação dos centros
considerados superiores, seja por estimulação ou inibição, sobre centros inferiores (tálamo,
cerebelo, medula espinhal).

O córtex motor cerebral é dividido em três grandes áreas: córtex motor primário, córtex
pré-motor e área motora suplementar (Figura 9).
18

Figura 9 – Divisão do córtex motor cerebral. Reproduzida de: http://brainconnection.com/

Córtex motor primário:

• Anatomicamente: maior parte do giro pré-central = área 4 de Brodmann.


• Histologicamente → células piramidais gigantes → fibras que compõem o feixe
piramidal dos tratos córtico-espinhal e corticonuclear.
• Análises intracelulares: conexões pelo córtex motor primário, responsáveis por
agrupar neurônios com funções semelhantes, favorecendo a construção de novos mapas
motores e providenciando a base para a modulação dinâmica da arquitetura funcional.

Córtex pré-motor:

• Anatomicamente: anteriormente ao córtex motor primário, situado no lobo frontal


= área 6 de Brodmann.
• Projeções para a formação reticular → trato retículo-espinhal (que controla a
musculatura axial e proximal dos membros) e via tálamo → aferências do cerebelo e de outras
áreas cerebrais por meio das fibras associativas e comissurais.
• Age na preparação e execução dos movimentos + Área Motora Suplementar
contribuem para o controle da função motora, grande número de fibras descendentes e
diretamente conectadas ao trato córtico-espinhal.
Área motora central:

• Anatomicamente: face medial do giro frontal superior, acima do giro do cíngulo.


Conexões com o corpo estriado e córtex motor primário.
• Somatotopia: região rostral → antecipação e/ou seqüenciamento de
movimentos complexos, região caudal → execução da tarefa motora.

19

Outras regiões merecem destaque, devido suas inter-relações com o córtex motor
primário, como estruturas do lobo parietal, gânglios da base, tálamo e cerebelo.

• Lobo Parietal: percepção sensorial, gestos simbólicos, idealização dos


movimentos e organização visuoespacial. Emite eferências sensitivas ao córtex motor primário.
Lesão: Síndrome da Negligência.
• Corpo estriado: controle motor, planejamento e execução de comportamentos
paralelos ou seqüenciais, aspecto cognitivo à realização de uma tarefa motora.
• Tálamo: retransmissão de todos os impulsos aferentes destinados aos neurônios
corticais. Ação modificadora sobre as atividades motoras, semelhante às cerebelares.
• Cerebelo: por intermédio das fibras tálamo-corticais mantém contato com o
córtex cerebral. Responsável pela manutenção do equilíbrio corporal, postura e controle do
tônus. Age na programação antecipada da contração muscular (rapidez e precisão aos
movimentos voluntários) Tem papel importante na aprendizagem motora.

A junção neuromuscular

As fibras musculares esqueléticas são inervadas por grossas fibras nervosas


mielinizadas, que se originam dos grandes motoneurônios das pontas anteriores da medula
espinhal.

As terminações nervosas motoras vão estabelecer contato entre as fibras nervosas e


os efetuadores: músculos ou glândulas. Elas poderão ser chamadas junções neuromusculares
ou junções neuroglandulares. Morfologicamente estas terminações se assemelham às sinapses
entre os neurônios, ali havendo a liberação de neurotransmissor que irá atuar na membrana do
efetuador.
A fibra nervosa ramifica-se, próximo à sua extremidade, para formar um complexo de
terminais nervosos ramificados que se invaginam na fibra muscular, embora permaneçam por
fora da membrana da fibra muscular (Figura 10). Essa estrutura, em seu conjunto, é chamada
placa motora.

20

Figura 10 – Placa motora. Reproduzida de GUYTON, A.C. E HALL, J.E. Text book of Medical
Physiology, Elvesier: 11ª ed., 2006, p. 86.

 Estágios da transmissão neuromuscular

1. Impulso nervoso → potencial de ação que se propaga ao longo do axônio

2. Despolarização do terminal nervoso

3. Liberação do neurotransmissor na fenda sináptica

4. Potencial da placa motora → despolarização da fibra muscular

5. Contração muscular

1. Neuroplasticidade

Conceitos
Plasticidade neural é a capacidade do sistema nervoso em modificar as conexões
sinápticas. É um conceito amplo que se estende desde as respostas às lesões traumáticas
destrutivas até as sutis alterações resultantes dos processos de aprendizagem e memória.

“Plasticidade neural pode ser definida como uma mudança adaptativa na estrutura e
nas funções do sistema nervoso, que ocorre em qualquer estágio da ontogenia, como função de
interações com o ambiente interno ou externo ou, ainda, como resultado de injúrias, de 21
traumatismos ou de lesões que afetam o ambiente neural.” (PHELPS, 1990).

“A plasticidade cerebral é a denominação das capacidades adaptativas do SNC sua


habilidade para modificar sua organização estrutural própria e funcionamento. É a propriedade
do sistema nervoso que permite o desenvolvimento de alterações estruturais em resposta à
experiência, e como adaptação a condições mutantes e a estímulos repetidos.” (LUNA et al,
2002).

Estudos recentes referem que a unidade funcional do sistema nervoso não é mais
centrada apenas no neurônio, mas concebida como uma imensa rede de conexões sinápticas
entre unidades neuronais, além de células gliais (células não envolvidas diretamente na
recepção e condução de impulsos nervosos). Essas conexões são modificáveis em função da
experiência individual, ou seja, do nível de atividade e do tipo de estimulação recebida.
Dessa forma, a plasticidade neural pode envolver alterações exclusivamente funcionais
ou anátomo-funcionais, ocorrer em uma faixa temporal muito ampla (millisegundos a vários
anos), e envolver diversos mecanismos moleculares estritamente dependentes das interações
neurônio-neurônio e neurônio-glia.
A neuroplasticidade pode resultar em recuperação de uma função perdida devido à
lesão, chamada plasticidade benéfica ou compensatória; como também pode gerar funções mal
adaptadas ou patológicas, a plasticidade maléfica.

Tipos de plasticidade neural

Existem cinco tipos de plasticidade neural: plasticidade axônica, dendrítica, somática,


sináptica e regeneração.
Existe uma etapa da vida em que há um período de maior neuroplasticidade, chamado
período crítico, que ocorre por meio da plasticidade axônica ou ontogenética. Este período
compreende a fase que vai de zero a dois anos de idade (para a maioria dos autores), sendo
fundamental para um desenvolvimento normal do sistema nervoso.

A plasticidade dendrítica é caracterizada por alterações no número, no comprimento,


na disposição espacial e na densidade das espinhas dendríticas, principalmente nas fases 22
iniciais de desenvolvimento do indivíduo. As espinhas dendríticas constituem-se de
micropetídeos privilegiados que concentram íons e pequenas moléculas influentes na
transmissão de informações entre os neurônios.

A plasticidade somática pode ser entendida como a capacidade de regular a


proliferação ou a morte de células nervosas. Somente o sistema nervoso central embrionário é
dotado de tal capacidade, e ele não responde a influências do meio externo. Dessa forma, uma
das esperanças na recuperação somática está na utilização de células-tronco. Este tipo de célula
pode se diferenciar, constituindo diferentes tecidos no organismo, além de gerar cópias idênticas
de si mesmas.

A plasticidade sináptica é caracterizada por alterações nas sinapses entre as células


nervosas. O postulado de que o nível de atividade pode modificar a força da conexão sináptica
entre dois neurônios, remonta ao psicólogo canadense Donald Hebb (1949). A chamada lei de
Hebb consiste em uma espécie de “musculação sináptica” e envolve um mecanismo de detecção
de coincidências temporais nas descargas neuronais: se dois neurônios estão simultaneamente
ativos, suas conexões são reforçadas; caso apenas um esteja ativado em dado momento, suas
conexões são enfraquecidas.

A plasticidade regenerativa consiste no recrescimento de axônios lesados. Sua


ocorrência é maior no sistema nervoso periférico e é facilitada pelas células não neurais que
compõem o microambiente dos tecidos. As novas sinapses formadas são funcionantes.

No sistema nervoso central, entretanto, a dificuldade ou mesmo a impossibilidade de


regeneração tem se constituído em um grande enigma da neurobiologia. Ao contrário do sistema
nervoso periférico, as reações regenerativas do sistema nervoso central, se ocorrem, de um
modo geral, não conseguem garantir recuperação funcional, embora existam regiões restritas do
sistema nervoso central adulto que mantêm capacidade proliferativa de neurônios que
degeneram.

Plasticidade e desenvolvimento

23

O grau de plasticidade neural varia com a idade do indivíduo. Durante o


desenvolvimento o sistema nervoso é mais plástico, principalmente nas fases denominadas de
períodos críticos, em que é mais suscetível a transformações.

Para criar o sistema nervoso adulto influências genéticas e ambientais estimulam o


crescimento, a migração e a diferenciação das células durante todo o processo de
desenvolvimento, alguns durante a vida intra-uterina, outros durante os primeiros anos após o
nascimento.

A diferenciação celular do sistema nervoso em desenvolvimento depende de sinais que


controlam a transcrição de genes específicos e são regulados por fatores herdados pela célula
ou fornecidos por outras células no ambiente local.

A maturação provoca mudanças progressivas na estrutura e outras relacionadas na


função. Ao nascimento, os órgãos do sistema nervoso já estão praticamente formados
anatomicamente, mas suas funções estão somente esboçadas, ou seja, todas as vias de
comunicação entre os centros do organismo já estão constituídas, embora as conexões
funcionais entre os neurônios (sinapses) não estão estabelecidas.

As sinapses são capazes de transmitir mensagens entre duas células, assim como
bloqueá-las ou modificá-las, realizando o processamento da informação. Daí a importância da
maturação nervosa para a aprendizagem: aprender significa ativar sinapses normalmente não
utilizadas.

A formação de contatos sinápticos, ou sinaptôgenese, envolve uma série de interações


entre a terminação nervosa e suas células-alvo. Nas regiões de contato, ou botões sinápticos, se
forma uma trama molecular que possibilita a comunicação entre os neurônios.
Durante os períodos críticos, isto é, intervalos de tempo em que os axônios (parte
terminal do neurônio) estão competindo por sítios sinápticos, que durante o desenvolvimento,
são cruciais ao funcionamento normal dos sistemas neurais e dependentes de experiências
adequadas.

Dessa forma, o padrão de organização cerebral muda com o tempo e com a


experiência, o que faz da maturação cerebral um sistema dinâmico que se forma a partir da 24
influência decisiva do meio envolvente.

Assim, a maturidade depende tanto do que foi herdado quanto do que foi adquirido
pelas experiências vividas. Contudo, uma criança não aprenderá conhecimentos para os quais
não tenha atingido maturidade suficiente.

Os neurônios maduros não têm as capacidades de divisão ou regeneração, entretanto


o sistema nervoso apresenta uma característica de neuroplasticidade, que é definida como
qualquer modificação não periódica do sistema nervoso, com duração maior que poucos
segundos, ou seja, está relacionada com a recuperação da função nervosa.

A neuroplasticidade pode estar relacionada ao jogo de feedbacks reguladores ou com


as possibilidades de adaptação frente a novas situações, que cria novos esquemas de
coordenação e os fixa na estrutura nervosa.

O feedback pode ser entendido como a aprendizagem por intermédio da observação,


ou ainda, uma variável no processo de aprendizagem de habilidades em que se verifica a
informação transmitida e a combinação com outras variáveis, tais como instrução e
demonstração. O feedback é um impulso ao desenvolvimento de fonte interna, em que a
satisfação do acerto prepara a criança para a próxima etapa. Assim, nos informa sobre o
ambiente e nossas relações com ele, principalmente quando se refere a um objetivo. Essas
informações provenientes de fontes internas e externas levam-nos a conhecer o desempenho e
os resultados.

Por causa da plasticidade, os neurônios são capazes de adaptar sua função e sua
forma, em resposta à ação do meio externo. A plasticidade é maior durante o desenvolvimento e
diminui gradualmente até a vida adulta, mas não se extingui completamente. Ela pode ser
benéfica, mas nem sempre isso ocorre, pois as transformações neuronais em resposta ao
ambiente podem não restaurar funções perdidas.

Portanto, a maturação e a experiência juntamente com o crescimento e a adaptação


estão inter-relacionados com o desenvolvimento humano, em seus aspectos motores, cognitivos
e afetivos.

25

Mecanismos de recuperação funcional após lesões cerebrais

Encontramos várias teorias sobre como se dá a recuperação das funções perdidas em


uma lesão cerebral: poderia ser mediada por partes adjacentes de tecido nervoso que não foram
lesadas, e o efeito da lesão dependeria mais da quantidade de tecido poupado do que da
localização da lesão; pela alteração qualitativa da função de uma via nervosa íntegra,
controlando uma função que antes não era sua; estratégias motoras diferentes para realizar uma
atividade que esteja perdida, sendo o movimento recuperado diferente do original, embora o
resultado final seja o mesmo.

A lesão promove no SNC vários eventos que ocorrem, simultaneamente, no local da


lesão e distante dele. Em um primeiro momento, as células traumatizadas liberam seus
aminoácidos e seus neurotransmissores, os quais, em alta concentração, tornam os neurônios
mais excitados e mais vulneráveis à lesão.

Neurônios muito excitados podem liberar o neurotransmissor glutamato, o qual alterará


o equilíbrio do íon cálcio e induzirá seu influxo para o interior das células nervosas, ativando
várias enzimas que são tóxicas e levam os neurônios à morte. Esse processo é chamado de
excitotoxicidade.

O glutamato é um neurotransmissor que desempenha um papel-chave na plasticidade


neural. Ele age sobre dois tipos de receptores, NMDA e AMPA. Os receptores AMPA são
mediadores das respostas produzidas quando o glutamato é liberado de uma membrana pré-
sináptica, ao passo que os receptores NMDA permanecem com seus canais bloqueados.
Quando existe uma estimulação elétrica mais forte, ela acaba por abrir os canais do
receptor NMDA. Esta abertura permite um influxo de íons de Ca+2 no neurônio pós-sináptico,
iniciando uma cascata de eventos bioquímicos em que esta célula nervosa gera estímulos mais
intensos para outras. Esta série de eventos intracelulares pode durar de horas a dias e possui
funções importantes nos processos da memória e aprendizagem.

Após o evento lesivo, ocorre também a ruptura de vasos sanguíneos e/ou isquemia 26
cerebral, diminuindo os níveis de oxigênio e glicose, que são essenciais para a sobrevivência de
todas as células. A falta de glicose gera insuficiência da célula nervosa em manter seu gradiente
transmembrânico, permitindo a entrada de mais cálcio para dentro da célula, ocorrendo um efeito
cascata.

De acordo com o grau do dano cerebral, o estímulo nocivo pode levar as células
nervosas à necrose, havendo ruptura da membrana celular, fazendo com que as células liberem
seu material intracitoplasmático e, então, lesem o tecido vizinho; ou pode ativar um processo
genético denominado apoptose (morte celular programada).

A apoptose é desencadeada na presença de certos estímulos nocivos, principalmente


pela toxicidade do glutamato, por estresse oxidativo e alteração na homeostase do cálcio.

A lesão promove, então, três situações distintas: uma em que o corpo celular do
neurônio foi atingido e ocorre a morte do neurônio, sendo, neste caso, o processo irreversível; o
corpo celular está íntegro e seu axônio está lesado ou o neurônio se encontra em um estágio de
excitação diminuído.

Os mecanismos de recuperação após lesão incluem:

• Recuperação da eficácia sináptica: processo que consiste em fornecer ao tecido


nervoso um ambiente mais favorável à recuperação. Assim, nesta fase, a recuperação é feita por
drogas neuroprotetoras, que visam a uma melhor oferta do nível de oxigenação e glicose, à
redução sanguínea local e do edema.
• Potencialização sináptica: processo que consiste em manter as sinapses mais
efetivas, por meio do desvio dos neurotransmissores para outros pontos de contatos que não
foram lesados.
• Supersensitividade de denervação: quando ocorre denervação, a célula pós-
sináptica torna-se quimicamente supersensível. Dois possíveis mecanismos são responsáveis
pelo fenômeno: desvio na supersensitividade (pré-sináptica) causando acúmulo de acetilcolina
na fenda sináptica; alterações na atividade elétrica das membranas. Estas formas de
regeneração no SNC são crucialmente dependentes do ambiente tissular, no qual os novos
axônios estão crescendo. Eles podem não conseguir estabelecer conexões sinápticas
apropriadas, devido aos fatores tróficos, condições desfavoráveis de substratos extracelulares, 27
barreiras mecânicas, como de cicatrizes gliais densas, ou outros mecanismos inibitórios.
• Ativação de sinapses latentes: no nosso organismo, em situações fisiológicas,
existem algumas sinapses que, morfologicamente, estão presentes, mas que, funcionalmente,
estão inativas. Essas sinapses são ativadas ou recrutadas quando um estímulo importante às
células nervosas é prejudicado. No caso de lesão das fibras principais de uma determinada
função, outras fibras que estavam dormentes poderão ser ativadas.
• Brotamentos: é definido como um novo crescimento a partir de axônios. Envolve
a participação de vários fatores celulares e químicos: a resposta do corpo celular e a formação
de novos brotos; o alongamento dos novos brotos; a cessação do alongamento axonal e
sinaptogênese.
Existem dois tipos de brotamento – regenerativo e colateral. O brotamento regenerativo
ocorre em axônios lesados e constitui a formação de novos brotos provenientes do segmento
proximal, pois o coto distal, geralmente, é rapidamente degenerado. O crescimento desses
brotos e a formação de uma nova sinapse constituem sinaptogênese regenerativa. O brotamento
colateral ocorre em axônios não lesionados, em resposta a um estímulo que não faz parte do
processo normal de desenvolvimento. Este brotamento promove uma sinaptogênese reativa
(Figura 11).
28

Figura 11 – Brotamento colateral mostra um mesmo neurônio inervando duas placas


motoras. Ref. LUNA et al. O papel da plasticidade cerebral na fisioterapia. Revista Cérebro e
Mente, 2002.

Essas alterações sinápticas difusas podem ser o mecanismo fisiológico subjacente a


uma reaprendizagem ou processo compensatório. O brotamento é caracterizado por uma fase
inicial rápida, seguida de outra muito mais lenta que duram meses. Brotamentos a partir de
axônios preservados aparecem e se propagam sobre os campos próximos, entre quatro a cinco
dias após a lesão. Outra característica do fenômeno é sua seletividade tanto em termos do local,
quanto do tipo de fibras que sofrem o processo.

Além do conhecimento dos fenômenos neurobiológicos fundamentais de plasticidade


neural é preciso levar em consideração também algumas variações inter-individuais que afetam
a recuperação funcional após lesões do sistema nervoso central.

As variáveis que afetam a recuperação funcional são: localização da lesão, extensão e


severidade do comprometimento neuropsicológico, etiologia e curso de progressão do processo
patológico, idade de início, tempo transcorrido desde o início do quadro, variações na
organização cerebral das funções, condições ambientais, sociodemográficas e estilo de vida,
fatores agravantes internos ou externos.
2 CONTROLE MOTOR

Quando realizamos um movimento no espaço, vários processamentos precisam


ocorrer nos níveis moleculares, celulares, musculares e neurais para dar vida à ação motora. Em
cada um destes níveis, a quantidade de subprocessamentos é muito grande, mesmo quando se
trata da execução de movimentos simples. 29

Mecanismos neurais que integram a postura com o movimento são difundidos ao longo
do sistema nervoso central, e são recrutados em padrões que são tarefa e contexto
dependentes.

As informações sensoriais são integradas em todos os níveis do sistema nervoso e


causam respostas motoras apropriadas, começando na medula espinhal com reflexos
relativamente simples, estendendo-se para o tronco cerebral com respostas ainda mais
complexas e, finalmente, estendendo-se até o cérebro, onde são controladas as respostas mais
complicadas.

Dessa forma, o sistema motor gera movimentos de três tipos, que diferem entre si em
sua complexidade e grau de controle voluntário. São eles: reflexos, padrões motores rítmicos e
movimentos voluntários (Tabela 1).

Tab. 1 – Tipos de movimentos do sistema motor


Os movimentos reflexos têm respostas simples, rápidas, estereotipadas, involuntárias,
que são integradas na medula espinhal. A substância cinzenta medular é a área de integração
não apenas dos reflexos da medula espinhal, mas também de outras funções motoras.

Os padrões motores rítmicos combinam características de movimentos reflexos e


voluntários. Podem ser modificados ou interrompidos por impulsos provenientes do encéfalo ou
informações sensoriais da periferia. 30

Os movimentos voluntários são proposicionais, tem caráter complexo e sua execução


melhora com a prática. Virtualmente todos os movimentos voluntários implicam atividade
consciente no córtex cerebral. Contudo, a maior parte do controle pelo córtex compreende uma
ativação simultânea de múltiplos padrões funcionais armazenados em áreas inferiores, e estes
centros enviam a maioria dos sinais ativadores específicos para os músculos.

Deste modo, as funções do controle motor seriam:

• Controlar a contração de músculos individuais,

• Controlar o momento de execução de um movimento,

• Planejar ajustes posturais adequados para determinados movimentos,

• Compensar a inércia dos membros e a disposição mecânica dos músculos, ossos e


articulações antes de iniciar o movimento.

2.1 Informação sensorial e controle motor

O controle adequado da função muscular requer não apenas a excitação do músculo


pelos neurônios motores anteriores (localizados em cada segmento da ponta anterior da medula
espinhal, dão origem às fibras nervosas que inervam as fibras musculares esqueléticas), mas
também do feedback sensorial contínuo de informações a partir de cada músculo para a medula
espinhal, a respeito do estado de cada músculo a cada instante.
Assim, os receptores sensoriais serão responsáveis por informar o que está
acontecendo no ambiente, à posição e a orientação do corpo e seus segmentos, além do grau
de contração muscular. São receptores sensoriais: os fusos neuromusculares e os órgãos
tendinosos de Golgi.

A manifestação mais simples da função do fuso neuromuscular é o reflexo de


estiramento (também chamado reflexo miotático). Sempre que um músculo é estirado, a 31
excitação dos fusos causa a contração reflexa das grandes fibras musculares esqueléticas do
mesmo músculo e dos músculos sinergistas mais próximos. O objetivo dessa contração
simultânea é duplo: impedir o que o comprimento da porção receptora do fuso neuromuscular se
altere e, portanto, impede o fuso neuromuscular de se opor à contração; manter a função
moderadora adequada do fuso neuromuscular a despeito da alteração do comprimento do
músculo.

A diferença principal entre a excitação do fuso neuromuscular e o órgão tendinoso de


Golgi é que o fuso detecta o comprimento muscular e suas alterações, enquanto o órgão
tendinoso detecta a tensão mecânica sobre os tendões.

Os sinais a partir de órgãos tendinosos são transmitidos por fibras nervosas grandes,
que conduzem rapidamente. Essas fibras transmitem sinais para as áreas locais da medula
espinhal, cerebelo e córtex cerebral.

Tanto os fusos neuromusculares quanto os órgãos tendinosos de Golgi também são


capazes de informar os centros superiores de controle motor sobre alterações que estejam
ocorrendo nos músculos.

Outro reflexo relacionado aos receptores sensoriais é o reflexo flexor ou de retirada. É


provocado mais poderosamente pela estimulação das terminações para a dor, também chamado
estímulo nociceptivo. Contudo, também pode ser estimulado por receptores táteis, com resposta
mais fraca e lenta.

2.2 Níveis de controle motor


O controle da motricidade acontece em vários níveis do sistema nervoso,
especialmente na medula espinhal, tronco encefálico e córtex motor.

As unidades neuronais da motricidade medular incluem:

• Neurônios sensoriais aferentes (proprioceptores, nociceptores e outros receptores


somestésicos),
32
• Neurônios associativos ou interneurônios (excitatórios e inibitórios),

• Neurônios motores.

• Motoneurônios alfa: recebem uma cópia da informação proprioceptiva e realizam


ajustes automáticos reflexos necessários. As unidades ordenadoras (os motonêuronios)
recebem informações a cerca da tensão e da variação do comprimento das fibras musculares
(relacionadas com os fusos musculares e órgãos tendinosos de Golgi). São responsáveis,
portanto, pela transmissão de impulsos nervosos para os músculos esqueléticos e sua
estimulação.

• Motoneurônios gama: transmitem impulsos para pequenas fibras musculares


esqueléticas, as fibras intrafusais, que são parte do fuso neuromuscular. Assim, sua função é
regular a sensibilidade do fuso durante a contração muscular.
33

Desse modo, os circuitos neuronais medulares são responsáveis por movimentos


reflexos e rítmicos, sobretudo o reflexo de estiramento, que se relaciona com a regulação do
tônus muscular, e o reflexo de retirada, associado às reações de proteção.

Já o tronco encefálico modula os neurônios motores e os interneurônios da medula


espinhal por meio de vias descendentes laterais e mediais. A via descendente lateral controla o
grupo dorsolateral de neurônios motores espinhais que inerva os músculos distais, responsáveis
pelos movimentos dos braços e das mãos. As vias descendentes mediais são os tratos
tectoespinhal, retículo espinhal e vestíbulo-espinhal e controlam respectivamente os músculos
do pescoço, a postura e o equilíbrio.

Quanto ao córtex motor, cada área cortical motora desempenha uma tarefa:
• Córtex motor primário: codifica a força e a direção do movimento.

• Córtex suplementar: programa seqüências motoras e coordena movimentos


bilaterais.

• Córtex pré-motor: controla os movimentos proximais que projetam o braço em direção


a seu alvo.
34
Além disso, os sinais motores são transmitidos diretamente do córtex para a medula
espinhal pelo feixe corticoespinhal (feixe piramidal) e, indiretamente, por múltiplas vias
acessórias que compreendem os gânglios da base, o cerebelo e vários núcleos do tronco
cerebral.

Resumidamente, os gânglios da base são responsáveis pelo planejamento de


estratégias motoras complexas. O cerebelo controla a precisão dos movimentos, participa do
aprendizado motor e corrige erros motores.

2.3 Desenvolvimento e aprendizagem motora

O desenvolvimento normal de um bebê depende de sua capacidade de se movimentar.


No movimento há um significado, porque o ser humano recebe e transmite informações diversas,
agindo e se expressando por meio do seu corpo por meio dos movimentos, que são
manifestações de seus vários sistemas biológicos, especialmente do sistema nervoso. Além
disso, o indivíduo não apenas aprende a se movimentar, como também se movimenta a fim de
aprender.

O processo de desenvolvimento revela-se basicamente por alterações no


comportamento motor da criança. O desenvolvimento motor normal é definido como um
despertar das habilidades latentes de uma criança de forma gradual, em que seus movimentos
iniciais e bastante simples tornam-se mais variados e complexos.
O resultado do aprendizado e da habilidade adquirida na execução dos atos até
mesmo do cotidiano, corresponde ao desenvolvimento da motricidade, o qual melhora com a
prática, que é determinada por hábitos culturais, ambiente ou treino específico.

O aparecimento das atividades motoras inicia-se na cabeça, segue-se pelos membros


superiores, tronco e membros inferiores, por isso o controle dos movimentos da cabeça deve
preceder às novas aquisições do restante do corpo. 35

Nos primeiros seis anos é que os padrões motores fundamentais aparecem na criança
e se aperfeiçoam de acordo com o desenvolvimento, ao nível dos movimentos de estabilidade,
locomoção e manipulação de objetos. Depois dos primeiros seis ou oito anos segue-se uma
continuação do processo de maturação. O desenvolvimento pode assim ser encarado como um
processo extenso desde o nascimento até a idade adulta.

Dessa forma, com o desenvolvimento gradativo dos padrões motores a criança tem
como objetivo principal alcançar um desempenho motor maduro que caracteriza o adulto.

O movimento é comandado pela ação conjunta e, coordenada das regiões periférica,


medular, tronco encefálico/cerebelar e cerebral, que é adequada por um contexto específico e
guiada pelas intenções do indivíduo. Por isso, os atos motores básicos desenvolvem-se a partir
das interações entre maturação nervosa, crescimento e meio ambiente, que levam ao
aparecimento das habilidades motoras em conseqüência da melhora da organização e da
eficácia para realização de qualquer atividade.

As habilidades motoras fundamentais podem ser selecionadas em três grupos:


estabilizadoras, locomotoras e manipulativas.

As habilidades motoras estabilizadoras relacionam-se aos movimentos que envolvem


um aspecto de estabilidade, ou seja, manter em equilíbrio a relação indivíduo e força da
gravidade.

A locomoção é a capacidade de projetar o corpo no espaço e alterar sua posição


relativa aos pontos fixos da superfície, o que caracteriza as habilidades motoras locomotivas.

As habilidades motoras manipulativas englobam a relação do indivíduo com o objeto,


sua aplicação e recepção de força. Com isso, são classificados em propulsores, quando o objeto
é movimentado para longe do corpo, e amortecedores, quando o corpo ou parte dele é
posicionado com o propósito de parar ou desviar o objeto.

O aprendizado e o controle desses movimentos dependem da adaptação da produção


de força e do padrão de ativação dos músculos às necessidades da tarefa em questão, ou seja,
para interação voluntária adequada com o ambiente, é necessário controlar de forma ativa e 36

independente a contração muscular e os movimentos dos segmentos de seu corpo.


3 DOENÇAS NEUROMUSCULARES: CONCEITOS E CONTEXTO

37

As doenças neuromusculares incluem um grupo de desordens, de etiologia hereditária


ou adquirida, que podem afetar a unidade motora, o trato córticoespinhal, o cerebelo e as vias
espinocerebelares.

“Sob a denominação genérica de doenças neuromusculares, agrupam-se diferentes


afecções decorrentes do acometimento primário da unidade motora, composta pelo
motoneurônio medular, raiz nervosa, nervo periférico, junção mioneural e músculo” (REED,
2002).

De caráter progressivo as doenças neuromusculares englobam um conjunto de mais


de 40 patologias diferentes já identificadas, abrangendo as doenças dos músculos (miopatias),
doenças dos nervos (neuropatias) doenças dos cornos anteriores da medula (atrofias espinhais)
e as perturbações da junção neuromuscular (miastenias). Apesar das diferentes designações,
todas têm em comum a falta de força muscular.

As doenças neuromusculares são consideradas raras, devido à sua taxa de incidência


no índice populacional, no entanto, estão presentes mundialmente e afetam em geral uma em
cada mil pessoas.

Em Portugal, dados recentes de um inquérito realizado em 11 das 13 Consultas de


Neuropediatria existentes no país revelaram a existência, nos últimos 10 anos, de 659 doentes
com doenças neuromusculares em idade pediátrica. Estima-se que, no total, cinco mil
portugueses sofram desta patologia.

Em seu conjunto, as enfermidades neuromusculares afetam todas as etapas da vida


humana: infância, adolescência, adulta e senil, em ambos os sexos. Seus efeitos podem ir desde
a perda gradual da mobilidade e da independência, até causar incapacidade severa e a morte.

As principais doenças que afetam o trato córtico-espinhal são a esclerose lateral 38

amiotrófica e doença de Strümpell. As ataxias hereditárias são as doenças neuromusculares que


envolvem o cerebelo e as vias cerebelares. O comprometimento do neurônio motor inferior é
verificado, na amiotrofia espinhal progressiva e nas neuropatias periféricas hereditárias ou
adquiridas. A miastenia grave inclui o acometimento da placa motora e as distrofias musculares
são geradas pela deficiência de proteínas específicas do tecido muscular. As miopatias
congênitas podem ser estruturais, distrofias musculares congênitas com ou sem deficiência da
merosina e as miopatias metabólicas.

Várias ferramentas diagnósticas são necessárias para a avaliação adequada de um


paciente com suspeita de uma desordem neuromuscular. Por exemplo, testes genéticos são
indispensáveis para o diagnóstico de neuropatias e miopatias hereditárias.

A avaliação de um paciente com doença neuromuscular inclui um histórico completo


dos sintomas, duração, histórias médica passada, social, familiar, detalhes sobre sua ocupação,
comportamentos e hábitos. A documentação dos sinais e sintomas também será útil ao
monitoramento da progressão da doença e pode guiar decisões terapêuticas.

A anamnese é seguida por um exame clínico que avaliará sinais de fraqueza muscular,
reflexos e anormalidades sensoriais e mudanças autonômicas, bem como informações sobre dor
e prejuízo funcional.

A hipótese diagnóstica desenvolvida pela história e exame clínico pode ser confirmada
por intermédio de testes específicos. Estes testes também são utilizados para monitorar a
estabilização ou progressão da doença e o impacto de terapias.

Testes eletrofisiológicos padrões incluem NCV (teste de velocidade de condução do


nervo), EMG (eletromiografia), e estimulação nervosa repetitiva. Os testes laboratoriais como
creatinofosfoquinase (CPK), avaliação de eletrólitos e testes de anticorpos podem ser
necessários.

Os testes de neuroimagem também fornecem informações diagnósticas. A ressonância


magnética pode ser usada para verificar a inflamação ou atrofia muscular e a compressão ou
inchaço dos nervos periféricos.

39

Provas genéticas se tornaram ferramentas importantes nos últimos vinte anos, e


podem ser usadas em muitas doenças para dar um diagnóstico preciso. Os avanços em biologia
molecular têm contribuído de maneira significativa para a compreensão dessas doenças. O
diagnóstico molecular tem sido fundamental para evitar outros exames invasivos, identificar
casais em risco e prevenir o nascimento de novos afetados (a partir do aconselhamento genético
e do diagnóstico pré-natal).

Atualmente, a prática clínica nas doenças neuromusculares também está sofrendo


mudanças enormes como um resultado direto da riqueza de recentes descobertas genéticas
moleculares.

Realmente, a maioria das descobertas genéticas na área neurológica relaciona-se a


desordens neuromusculares. A descoberta de novos genes e proteínas abriu caminho para
linhas de pesquisa inexploradas em terapias para estes pacientes.

No caso das distrofias musculares progressivas, já foram mapeados genes


responsáveis por mais de 30 formas, cuja herança pode ser autossômica dominante,
autossômica recessiva e ligada ao X. Além disso, sabe-se que existem formas ainda não
identificadas.

O impacto imediato destas descobertas é que uma base diagnóstica a partir do DNA se
torna possível, podendo fornecer aos pacientes um prognóstico acurado e facilitar a elaboração
de programas de reabilitação.

Infelizmente, muitos pacientes elegíveis ainda não se beneficiam ou não têm acesso a
tal precisão diagnóstica, embora isto esteja mudando.
Apesar de serem fisicamente incapacitantes, na maioria dos casos, estas doenças não
afetam as aptidões intelectuais ou cognitivas dos seus portadores. Estes doentes são
diariamente confrontados com diversas dificuldades que, com o apoio de equipes
multidisciplinares podem ser minimizadas.

Até o presente momento não há tratamento definitivo para a maioria das doenças, mas
há muito que fazer para melhorar a qualidade de vida e a independência desses pacientes.
Afinal, incurável não quer dizer intratável.
40

A maioria destas doenças vem sendo tratada apenas com métodos paliativos de
reabilitação motora e cirurgias ortopédicas corretivas das retrações fibrotendíneas e
deformidades esqueléticas.

As metas de reabilitação dos pacientes com doenças neuromusculares são maximizar


suas capacidades funcionais, prolongar ou manter sua independência funcional e locomoção,
inibir ou prevenir deformidades físicas e proporcionar sua total integração social.

Uma esperança futura de cura para inúmeras doenças neurodegenerativas encontra-


se nas células-tronco, que são células que possuem a capacidade de se dividir dando origem a
células semelhantes às progenitoras e de se transformar (num processo também conhecido por
diferenciação celular) em outros tecidos do corpo, como ossos, nervos, músculos e sangue.

O principal objetivo das pesquisas com células-tronco é usá-las para recuperar tecidos
danificados por essas doenças e traumas. São encontradas em células embrionárias e em vários
locais do corpo, como no cordão umbilical, na medula óssea, no sangue, no fígado, na placenta
e no líquido amniótico.

Contudo, por mais que sejamos favoráveis ao uso destas células no tratamento das
doenças neuromusculares, trata-se de uma tecnologia que necessita de muita pesquisa antes de
ser aplicada no tratamento clínico.

3.1 Classificação das doenças neuromusculares


Em 1988, o comitê de pesquisa do grupo de pesquisa em doenças neuromusculares
da Federação Mundial de Neurologia produziu uma revisão atualizada de sua classificação de
doenças neuromusculares, com primeira publicação em 1968, que compreende várias centenas
de doenças, ocupando 27 páginas do Journal of the Neurological Sciences.

Por sua grande extensão, essa classificação foi considerada pouco prática e a partir
dela surgiram outras classificações mais simples e abreviadas.

41

A classificação que se segue, foi apresentada no boletim da Aliança Européia das


Associações de Distrofias Musculares (EAMDA) de março de 1992 (Tabela 2).

Tab. 2 – Classificação resumida da EAMDA para doenças neuromusculares.

Outra classificação baseada nas diferentes topografias dentro da unidade motora foi
proposta por Reed (2002), além da diferenciação entre as miopatias:
42

Tab. 3 e 4 reproduzidas de REED, U.C. Doenças Neuromusculares, Jornal de Pediatria - Vol.


78, Supl.1, 2002, p. S90.

Há ainda uma classificação de acordo com a fisiopatologia das desordens


neuromusculares, dividindo-as em: distrofias musculares, miopatias congênitas benignas,
citopatias mitocondriais, doenças de acúmulo, miopatias inflamatórias, miopatias metabólicas e
vasculites (Tabela 5).
43
Tab. 5 – Classificação baseada na fisiopatologia das doenças neuromusculares

4 A SÍNDROME DA CRIANÇA HIPOTÔNICA

4.1 Conceitos e manifestações clínicas

A síndrome da criança hipotônica é uma entidade bem reconhecida entre os pediatras


e neonatologistas. Essa condição se refere ao infante com hipotonia generalizada presente no
nascimento ou no início da infância.

O termo “floppy baby” ou “floppy infant” apareceu na literatura na segunda década do


século XX e é usado para denotar uma criança com diminuição do tônus muscular afetando
membros, tronco e a musculatura crânio-facial, que resulta em uma inabilidade para manter a
postura normal durante o movimento ou repouso. Incluem-se nessa denominação doenças de
etiologias variadas, que desde o período neonatal tem pobre movimentação ativa, posturas não
habituais e que em idades posteriores apresentariam atraso do desenvolvimento.

Atualmente, os métodos de investigação sobre a criança hipotônica têm mudado


significativamente, em razão dos avanços em biologia molecular e testes genéticos, assim como
pelo conhecimento crescente sobre as proteínas envolvidas com a integridade do sarcolema.
Hoje, nos casos que permitem a confirmação por meio de marcadores genéticos
moleculares, exames mais agressivos como a eletromiografia (EMG) e a biópsia muscular são
inicialmente pospostos, enquanto se aguarda o resultado da genética molecular.

Entretanto, convém lembrar que tais técnicas moleculares estão disponíveis apenas
para uma parte das doenças neuromusculares e, além disso, são acessíveis apenas em centros
especializados.

Outros exames utilizados para o diagnóstico diferencial envolvem: CPK, análise de 44


DNA, lactato sérico e liquórico, exames metabólicos, entre outros.

A síndrome da criança hipotônica compreende dois grupos semiológicos: o grupo não-


paralítico (afecções do sistema nervoso central ou de causas sistêmicas não-neurológicas) e o
grupo paralítico (acometimento primário da unidade motora).

No grupo não-paralítico, observa-se freqüentemente grau de alerta precário, resposta


pobre a estímulos auditivos e visuais, sucção e deglutição não coordenadas, distúrbios
metabólicos, crises epilépticas ou, ainda, antecedentes pré e perinatais que sugerem sofrimento
cerebral.

No grupo paralítico, a hipotonia muscular associa-se a déficit motor e a hiporreflexia ou


arreflexia, geralmente estando normal o grau de alerta.

No recém-nascido com hipotonia muscular do grupo paralítico, ou seja, com doença


neuromuscular, a hipotonia é particularmente valorizada, já que, em contraste com a hipertonia
fisiológica em semiflexão recém-nascido saudável, transmite a impressão de um bebê
gravemente comprometido.

Já no lactente, a ocorrência de hipotonia fisiológica no segundo e terceiro trimestres de


vida, o retardo ou a não-aquisição das etapas do desenvolvimento motor constitui o aspecto
mais valorizável, sendo a falta de resistência à movimentação passiva e ao balanço passivo dos
membros, a principal característica semiológica que traduz a hipotonia nesta fase etária.
Dependendo do tipo de doença neuromuscular, algumas crianças gravemente
comprometidas manifestam dificuldade para sugar e deglutir, bem como insuficiência
respiratória.

Assim, considerando-se os aspectos clínicos na síndrome da criança hipotônica temos


diferentes tipos de acometimento:

1. Acometimento grave com freqüente dificuldade de sucção e respiratória. 45

2. Acometimento moderado com retardo do desenvolvimento motor e graus variáveis


de fraqueza e atrofia muscular.
3. Acometimento leve, compatível com atividade praticamente normal.

De modo geral, no recém-nascido ou lactente com hipotonia grave, a suspensão


ventral evidencia ausência de sustento da cabeça e membros pendentes em deflexão.

Quando a criança é levada de decúbito dorsal à posição sentada, por uma tração pelas
mãos, há um proeminente atraso da posição da cabeça, ou seja, ela não consegue fletir
ativamente a cabeça acompanhando o movimento (Figura 1).
Fig. 1 – Proeminente atraso da cabeça quando a criança com hipotonia
generalizada é puxada para sentar. Reproduzida de PRASAD E PRASAD .The floppy infant:
contribution of genetic and metabolic disorders. Brain & Development, 27 (2003) 457–76, p. 459.

Não há resistência muscular à movimentação passiva dos membros em membros


superiores durante a manobra da “echarpe”, em que os cotovelos cruzam-se além da linha 46

média, sem que se formem ângulos articulares.

A maioria destas crianças apresenta uma postura característica dos membros


inferiores com total abdução e rotação externa, conhecida como “posição de abandono” ou
“atitude em batráquio” (Figura 2).

Fig. 2 – Recém-nascido com atitude em batráquio de MMII. Reproduzida de


JOHNSTON, The floppy weak infant revisited. Brain & Development, 25 (2003) 155–158, p.156.

O dismorfismo facial, com palato em ogiva e boca em formato de “carpa”,


comprometimento da musculatura facial e ocular, sobretudo ptose palpebral, e a rara ocorrência
de artrogripose multiplex congênita, evidenciada já ao nascimento são manifestações que, em
qualquer idade, são altamente sugestivas de doença neuromuscular e constituem dados
semiológicos importantes entre as diversas doenças neuromusculares possíveis e as diferentes
causas (Figura 3).

47

Fig. 3 – Dismorfismo facial da criança com hipotonia. Reproduzida de PRASAD E


PRASAD .The floppy infant: contribution of genetic and metabolic disorders. Brain &
Development, 27 (2003) 457–76, p. 459.

A criança maior com doença neuromuscular, particularmente apresenta a síndrome de


cinturas, que consiste de déficit motor e hipotrofia de predomínio proximal na cintura escapular e
pélvica.

As crianças que adquirem marcha nas fases iniciais dos processos distróficos
geralmente apresentam quedas freqüentes e dificuldade para correr e subir escadas, além da
alteração da marcha, que se acompanha de báscula de quadril. O comprometimento
preferencialmente proximal afetando a musculatura de pernas, quadril e coluna acarretam
acentuação da lordose lombar e o característico sinal do levantar miopático - sinal de Gowers
(Figura 4), que consiste de levantar-se do chão fixando cada segmento dos membros em
extensão, como se a criança estivesse se escalando.
48

Figura 4 – Manobra de Gowers. Reproduzida de


http://www.fcm.unicamp.br/deptos/anatomia/musduchenne.html

Embora a maioria das crianças com hipotonia grave, a manifestem já no período


neonatal, ocasionalmente há um intervalo de meses durante o qual a criança parece
inteiramente normal.

Tal aspecto pode ser notado em alguns casos de amitrofia espinhal tipo I, que se
manifestam no segundo trimestre, e é particularmente evidente nas crianças com a forma
intermediária da amiotrofia espinhal tipo I ou tipo II, exemplo de doença grave que se manifesta
no segundo semestre de vida, quando a criança já permanece sentada, parecendo inicialmente
lentamente progressiva, e passando a apresentar curso rapidamente evolutivo com grave atrofia,
deformidades esqueléticas e insuficiência respiratória, a partir da idade escolar.
Dependendo da época de instalação da sintomatologia e do grau de progressão da
doença, o déficit motor e a atrofia muscular acompanham-se de retrações fibrotendíneas e de
deformidades esqueléticas (Figura 5).

Os modos de instalação e evolução também ajudam a evocar determinadas doenças


neuromusculares.

49

Figura 5 – Criança hipotônica com retrações fibrotendíneas e deformidades. Reproduzida


de REED, U.C. Doenças Neuromusculares, Jornal de Pediatria - Vol. 78, Supl.1, 2002, p. S92.

Curso flutuante com piora da fraqueza no decorrer do dia ou após um período de maior
atividade sugere fenômeno miastênico, característico das afecções da junção mioneural;
evolução em surtos, desencadeados por infecções, atividade física, tipo de alimentação, stress e
medicamentos, sugere diferentes tipos de miopatias metabólicas, tais como: mitocondriopatias,
distúrbios da beta-oxidação, glicogenoses, paralisias periódicas (canalopatias). Ainda nas
miopatias metabólicas, é relativamente comum a queixa de fadiga fácil, dores musculares e,
eventualmente, cãibras.

Já um modo de instalação agudo ou subagudo, de caráter ascendente ou, ao contrário,


acometendo preferencialmente a musculatura cervical e bulbar, eventualmente associado a uma
história de infecção prévia ou a alterações cutâneas de caráter eritematoso, são dados
indicativos das principais doenças neuromusculares adquiridas.

Ao tentar estabelecer o diagnóstico diferencial das doenças neuromusculares das


crianças, vale lembrar que a maioria destas entidades pode exibir curso clínico altamente
variável quanto ao espectro de gravidade, embora na mesma família em geral se mantenha o
mesmo fenótipo, porém não exclusivamente.

50

4.2 Classificação: causas centrais e periféricas

A hipotonia é o fenótipo de várias condições clínicas e é definida como uma redução


do tônus postural. Pode ser a manifestação de uma doença envolvendo o sistema nervoso
central, periférico ou ambos.

Dessa forma, é classificada como central ou periférica de acordo com as


manifestações clínicas: qualidade do movimento antigravitacional dos membros, reflexos
tendinosos profundos e resposta psicossocial da criança.

Em crianças com hipotonia cerebral ou central, o histórico pré, peri ou pós-natal pode
envolver lesão do sistema nervoso central e geralmente há atraso no desenvolvimento
neuropsicomotor. Algumas possíveis causas centrais seriam: alterações hipóxico-isquêmicas,
encefalopatia crônica não progressiva, meningite, hemorragia cerebral, entre outras. Além de

doenças genéticas, síndromes congênitas, erros inatos do metabolismo e doenças


neurometabólicas.

As causas periféricas da hipotonia relacionam-se a afecções neurogênicas como a


doença de Wedning-Hoffman, afecções musculares, tais como as distrofias musculares e
miopatias, e afecções da placa mioneural como as miastenias.

A hipotonia congênita é frequentemente diagnosticada já no período neonatal. Como


pode ser um sinal de outras anormalidades sérias, com possível risco de hipertermia maligna e
outros riscos específicos em algumas desordens neuromusculares, é essencial que um
diagnóstico específico seja feito.
As razões para um diagnóstico acurado também envolvem as implicações genéticas
para a família, o prognóstico, os procedimentos de intervenção e a conscientização da família na
tomada de decisões em relação à criança. Contudo, o diagnóstico em muitas circunstâncias é
complexo e requer a avaliação multidisciplinar.

A avaliação deve incluir uma anamnese detalhada e a documentação dos fatores de


risco pré-natais: histórico de exposição a drogas, redução de movimentos fetais, doenças
maternas, etc. A importância da idade dos pais, consangüinidade, histórico familiar de doença
neuromuscular e a identificação de outros irmãos afetados não pode ser subenfatizada. Detalhes 51

sobre trauma perinatal, anóxia neonatal, APGAR baixo e o início da hipotonia devem ser
cuidadosamente verificados. Crianças que necessitaram de assistência ventilatória precoce após
o nascimento para manter a respiração em adição com a hipotonia sugerem a presença de
significante fraqueza muscular.

Crianças com severas anormalidades no sistema nervoso central desenvolvem sinais


de comprometimento do nível de consciência, dificuldades alimentares, apnéias, posturas
anormais e movimentos oculares anormais, em adição à hipotonia. A presença de más
formações congênitas, dismorfismos ou fáceis sindrômicas pode ajudar a estabelecer o
diagnóstico.

Diferentes estudos longitudinais sustentam a opinião de que a maioria dos recém-


nascidos hipotônicos tem hipotonia de origem central, alguns têm desordens genéticas e

distúrbios metabólicos, enquanto a minoria tem desordens neuromusculares e do tecido


conectivo.

O exame neurológico direciona o clínico na localização da lesão, seja do neurônio


motor superior ou da unidade motora periférica. A presença de fraqueza muscular profunda
associada à hipotonia sugere lesão de neurônio motor inferior. A fraqueza muscular é incomum
na hipotonia central (exceto em estágios muito avançados) e pode ser facilmente detectada pela
dificuldade de chorar ou gritar, diferente do choro vigoroso visto na criança saudável. Há também
uma escassez de movimentos antigravitários.
Além disso, crianças com doenças neuromusculares são visualmente mais alertas que
aquelas com lesão central, em que a depressão do nível de consciência é quase sempre
presente.

A presença de padrões característicos da fraqueza muscular pode favorecer algumas


etiologias. Na hipotonia central a fraqueza muscular axial é marcante. A relativa preservação da
força muscular com hipotonia e hiperreflexia sugerem uma origem central para a hipotonia,
enquanto que a combinação de fraqueza muscular nos músculos antigravitários dos membros e
hipo/arreflexia indicam uma desordem neuromuscular. 52

Entretanto, fazer uma clara distinção nem sempre é possível e as características


podem sobrepor-se nas condições em que a patologia afeta tanto o sistema nervoso central
quanto periférico.

O diagnóstico diferencial da síndrome da criança hipotônica depende


fundamentalmente da idade da criança e da distinção entre as condições nas quais a hipotonia é
intrínseca daquelas nas quais a hipotonia é secundária.

A hipotonia intrínseca ou primária, genericamente denominada de doença


neuromuscular, acontece pelo acometimento da unidade motora desde o motoneurônio medular
até o músculo. Suas causas são mais raras do que as causas sistêmicas e cerebrais; entretanto,
devem sempre ser investigadas dentro da abordagem da criança hipotônica.

A hipotonia secundária envolve o contexto clínico de doenças sistêmicas, síndromes


genéticas ou afecções neurológicas com comprometimento supranuclear.

No recém-nascido a observação do estado de alerta em alguns casos é o principal


indício, porém não o único, para caracterizar a hipotonia como de causa primária ou secundária.
Já no lactente, o dado semiológico mais importante da síndrome da criança hipotônica passa a
ser o atraso do desenvolvimento motor, que pode ser isolado ou integrante de um quadro global
de retardo do desenvolvimento neuropsicomotor, no qual o controle postural, do equilíbrio e as
funções psíquicas podem estar comprometidos.
53

5 AMIOTROFIA ESPINHAL INFANTIL (AME)

5.1 Conceitos e contexto


Amiotrofia espinhal infantil, amiotrofia espinhal progressiva, atrofia muscular espinal
são algumas das várias denominações de uma mesma doença genética que afeta o corpo do
neurônio motor do corno anterior da medula espinhal.

A AME é a segunda desordem autossômica recessiva fatal, depois da fibrose cística


(1:6000), afetando aproximadamente um em 10.000 nascidos vivos, com uma freqüência de 1/40
a 1/60 portadores e maior incidência no sexo masculino.

Os caracteres autossômicos recessivos são transmitidos por ambos os progenitores. 54


Dessa forma, os casais que tiveram uma criança afetada têm 25% de risco de recorrência em
cada gravidez subseqüente. Nos casamentos consangüíneos, há uma probabilidade maior de
nascerem filhos com caráter recessivo, pois indivíduos aparentados têm maior probabilidade do
que os não parentes de serem heterozigotos para o mesmo gene mutante.

Antes dos recentes avanços em genética molecular na AME, seus aspectos clínicos
não foram alvo de interesse por um período longo e apenas um número pequeno de publicações
apareceu antes da década de 1990, quando foi identificado o gene responsável situado no
cromossoma 5q.

Cinco anos depois, no começo de 1995, dois genes foram identificados, o SMN
(survival motor neuron) e o NAIP (neuronal apoptosis inhibitory protein), permitiram então em
muitos casos a confirmação do diagnóstico de AME por meio da análise do DNA. Hoje se sabe
que aproximadamente 80 a 95% dos casos de AME são causados por mutações e/ou deleções
no gene SMN.

O locus do SMN consiste de dois genes homólogos, uma cópia centromérica (SMNC) e
uma cópia telomérica (SMNT). Na presença de deleção de alguns exons do gene telomérico,

situação em que a doença se expressa, a quantidade do gene centromérico é o fator


determinante da gravidade do quadro.

Os genes da "sobrevida do neurônio motor" – SMN1 E SMN2 - foram localizados no


cromossomo 5; eles produzem uma proteína de 254 aminoácidos que tem função muito
importante na estrutura de certos neurônios que se iniciam na medula, os neurônios motores
inferiores. Quando menos do que 50% da proteína SNM é produzida, a pessoa terá a AME.
A partir da definição genético-molecular da doença, passou-se a utilizar mais este
parâmetro no diagnóstico desta doença neuromuscular e em 1999 os critérios de diagnóstico
foram revistos.

Análises de acoplamento e deleção na forma clássica de AME e suas variantes foram


assunto de várias revisões sistemáticas. Estes estudos permitiram uma definição mais detalhada
do espectro clínico da AME e deixou claro que os achados moleculares não são capazes de
definir o curso clínico e a progressão da doença.
55
Porém, a presença da deleção no gene SMN em indivíduos com fraqueza muscular
simétrica de tronco e membros elimina a necessidade de outros exames complementares.

Entretanto, no Brasil o acesso ainda é restrito ao método de diagnóstico genético-


molecular, tornando os critérios adicionais, clínicos e laboratoriais necessários em muitos
centros.

O diagnóstico da AME é dado pelo quadro clínico, pelos resultados da


eletroneuromiografia, da biópsia muscular e da investigação genética.

Hipotonia, paralisia, arreflexia, amiotrofia e miofasciculação constituem os sinais e


sintomas marcantes das AMEs, que são subdivididas em três grupos conforme a idade de início
e a gravidade do comprometimento motor. O quadro clínico evolui tão mais rapidamente quanto
mais cedo começam.

Clinicamente, a hipotonia e a fraqueza muscular difusa com predomínio das porções


proximais dos membros são notadas. Os músculos bulbares e paravertebrais são
caracteristicamente afetados, ao contrário dos músculos faciais e oculares que tendem a ser
poupados.

Tipos de AMEs

Como citado anteriormente, a considerável variação da idade de início e curso clínico


em diferentes pacientes, permitiu a classificação em três tipos de AME na infância (baseados
num consenso internacional).

Em 1992, o Consortium Internacional de AME adotou as idades definidas como início


dos sintomas e morte como um critério para a seguinte classificação (Tabela 1):
1. AME tipo I (severo):
Início do nascimento aos seis meses.

Os pacientes nunca serão capazes de sentar


sem apoio.

Morte geralmente aos dois anos.


56
2. AME tipo II (intermediário):
Início antes dos 18 meses.

Os pacientes podem sentar, mas são incapazes


de permanecer em pé ou andar sem apoio.

Morte comumente após os dois anos.

3. AME tipo III (moderado):


Início após os 18 meses.

Pacientes capazes de permanecer em pé e


caminhar.

Morte acontece na maioridade

Tabela 1 – Classificação da AME.

Tipo I ou Werdning-Hoffman

O tipo I constitui a doença de Werdning-Hoffman, ou forma grave e é caracterizado por


início precoce (antes dos seis meses de vida) e evolução rápida com grave comprometimento
motor e respiratório.
Sua transmissão, como nas outras formas, é autossômica recessiva e está altamente
relacionada à consangüinidade.

A incidência do tipo I é de 1/25000 nascimentos e aproximadamente 50% dos


pacientes com AME apresentam a doença de Werdning-Hoffman.

As alterações celulares essenciais são: depleção do número de neurônios e sua


degeneração funcional, neuronofagia e infiltração glial e astrocitose. Assim haverá rarefação dos
neurônios do corno anterior da medula, em especial nos segmentos cervicais e lombares, além 57
de uma rarefação neuronal nos núcleos dos nervos cranianos, especialmente dos V motor, VI,
VII, X, XI e XII.

Antes do nascimento notam-se movimentos fetais intra-útero diminuídos ou ausentes.


No nascimento verifica-se a hipotonia neonatal e pode haver contraturas congênitas, como
malformação da parede torácica, luxação congênita do quadril, retrações osteotendíneas, pé
torto congênito e artrogripose.

Os primeiros meses de vida podem apresentar um desenvolvimento aparentemente


normal, que será seguido de uma involução das habilidades psicomotoras.

A síndrome caracteriza-se por déficit motor grave associado a uma hipotonia simétrica
importante, com acometimento dos músculos do quadril, cintura escapular, pescoço, membros
superiores e inferiores.

As extremidades tornam-se flácidas, encontrando-se as inferiores em rotação externa e


as superiores em abdução, ao contrário das grandes articulações, que, freqüentemente, estão
contraídas. Os membros inferiores geralmente são mais acometidos que os superiores.

A coluna vertebral apresenta acentuada cifoescoliose e há deformidade também do


tórax, na forma de sino. O peito apresenta-se colapsado, as costelas são finas e a respiração é
diafragmática.

Há um severo acometimento da musculatura de tronco e pescoço com inabilidade de


levantar a cabeça e sentar sem apoio, bem como adquirir outras capacidades psicomotoras mais
avançadas.
Ocorrem, ainda, fasciculações visíveis principalmente na língua, poliminimioclonia
(tremores finos e rítmicos nos dedos), coxins de tecido adiposo, contrações fibrilares, diminuição
dos reflexos profundos ou arreflexia, acometendo a musculatura bulbar nas fases finais da
doença. O VII e XII pares cranianos são também acometidos.

A ausência do reflexo da tosse predispõe ao acúmulo de secreções e aspirações,


assim constantes infecções respiratórias. Há dificuldades de deglutição e alimentação.

A sensibilidade cutânea e profunda, o controle de esfíncteres e a inteligência são 58


normais na maioria dos pacientes. O estado de alerta também não é alterado (“olhar vivo”),
revelando bom nível perceptivo.

O diagnóstico é clínico, sendo confirmado por biópsia muscular associada à


microscopia eletrônica identificando um tecido com atrofia neurogênica.

Os exames revelam:

• CK – normal
• LCR – normal
• EMG – atividade espontânea regular (5-15c/s), inclusive no sono; fibrilações e
fasciculações raras. Na contração, traçado pobre com potenciais de grande amplitude e longa
duração.
• Biópsia muscular – pequenas fibras arredondadas agrupadas na vizinhança de
feixes normais e hipertróficos.

A evolução e o prognóstico são desfavoráveis, com o óbito ocorrendo freqüentemente


no primeiro ano de vida, devido, principalmente, a quadro de pneumonia hipostática ou
aspirativa.

Os pacientes que atingem faixas etárias maiores ficam completamente imobilizados. O


óbito ocorre geralmente antes dos três anos de idade → “eixo letal”.
Tipo II ou forma intermediária

O tipo II ou forma intermediária, também conhecida como doença de Dubowtiz,


apresenta sintomatologia menos intensa, com início antes dos 18 meses de vida. A maioria dos
autores refere à idade de instalação dos sintomas entre seis a 18 meses.
59
A forma intermediária tem incidência de 1/24100 nascimentos e correspondem de 25 a
45% dos casos de AME (estudos não concordam em um valor). O diagnóstico e os exames
complementares são semelhantes ao do tipo I.

A evolução é progressiva no início do quadro, porém, com posterior estabilização. Os


pacientes apresentam grave quadro amiotrófico e é freqüente o aparecimento de contraturas
musculares e deformidades esqueléticas, especialmente nas articulações coxofemoral, joelho e
pés.

Com o início da hipotonia e da debilidade muscular (principalmente em membros


inferiores) a criança conserva a habilidade para sentar-se, embora raramente chegue a andar.

O comprometimento inicialmente moderado dos membros superiores e dos músculos


intercostais agrava-se lentamente, ao longo dos anos, sendo que contraturas musculares e
deformidades esqueléticas aparecem tardiamente, perto da adolescência.

Podem ocorrer atrofia e fasciculações da língua. É comum a observação de tremor


irregular e intermitente (minipolimioclonias), mais facilmente evidenciado na hiperextensão das
mãos e dos dedos.

Na segunda década de vida, a progressão se acelera e o quadro torna-se altamente


limitante, com risco letal. O prognóstico e a expectativa de vida passam a ser dependentes do
grau de comprometimento respiratório. A sobrevida destes pacientes muitas vezes é mantida
com suporte da ventilação mecânica.
Desse modo, os principais fatores prognósticos na forma intermediária de AME são a
insuficiência respiratória e a escoliose.

A escoliose é a sua principal complicação ortopédica e ocorre devido ao


comprometimento dos músculos paravertebrais, em muitos casos correção cirúrgica tem se
mostrado fundamental para melhorar a qualidade de vida, a função respiratória e a sobrevida
destas crianças.

Contudo, os graus de envolvimento são variáveis e as condutas de tratamento são 60


estabelecidas de acordo com o nível de dificuldade de cada criança.

Tipo III ou Doença de Kugelberg–Welander

O tipo III, também chamado de doença de Kugelberg-Welander, corresponde à forma


leve de AME, com um quadro clínico mais brando e início após os dois anos de vida.

A idade de aparecimento dos sintomas é referida entre dois e 17 anos, mas a maioria
manifesta-se entre os 18 meses e o início da primeira infância.

A forma clínica do tipo III é de caráter nitidamente proximal, com acometimento lento
da cintura pélvica e, posteriormente, da cintura escapular, confundindo-se com algumas formas
de distrofia muscular progressiva, embora com menor gravidade, particularmente na eventual
presença de pseudo-hipertrofia muscular e CPK levemente elevada. Por isso, ao realizar o
diagnóstico diferencial deve-se lembrar da similaridade com a distrofia muscular progressiva tipo
Becker.

Outros pacientes não apresentam este caráter pseudomiopático, evoluindo, sobretudo,


com atrofia generalizada. A doença pode progredir rapidamente durante a adolescência, levando

à invalidez na segunda década, enquanto outras vezes se limita a um discreto comprometimento


da musculatura proximal dos membros, compatível com vida praticamente normal.

Apesar do curso mais benigno do tipo III, observa-se uma evolução lentamente
progressiva do quadro motor. Os pacientes serão capazes de manter a posição ortostática em
algum ponto do curso da doença, mas com freqüência tornam-se cadeirantes durante a
adolescência ou fase adulta, apesar de manter a marcha por um longo período.

O envolvimento dos membros superiores é tardio, menos evidente e seletivo, com


predileção dos músculos grande denteado, deltóide e supinador longo.

As alterações posturais comuns relacionam-se ao acometimento dos músculos da


nuca e paravertebrais, resultando em escoliose (Figura 6) ou cifoescoliose, além dos pés em
eversão. 61

Em alguns casos pode haver déficit de nervos bulbares XI e XII, tremor fino de dedos e
fasciculações ocasionais.

Figura 6 – Paciente com acentuada escoliose e seu raio-x panorâmico antero-posterior da


coluna vertebral. Reproduzida de ROSO et al. Tratamento cirúrgico da escoliose na amiotrofia
espinhal progressiva. Arq Neuropsiquiatria 2003; 61(3-A):631-638, p. 632.

Para o diagnóstico, os exames solicitados devem apresentar:

• CK - normal ou discretamente elevado


• EMG – atividade espontânea, fibrilações e fasciculações, grandes potenciais lentos
positivos presentes principalmente em membros inferiores. Potenciais breves polifásicos
presentes nas formas prolongadas.
• Biópsia muscular – fibras atróficas com modificações pseudo-miopáticas nas fases
crônicas e lesões de denervação.
A expectativa de vida normalmente não é reduzida neste grupo de pacientes. Há
também alguns pacientes que tem a manifestação dos primeiros sintomas na infância tardia ou
na maioridade. 62

6 POLINEUROPATIAS NA INFÂNCIA
As neuropatias hereditárias constituem um importante capítulo da neurologia e podem
ser desdobradas em duas formas principais: as polineuropatias hereditárias sensitivo-motoras
(PHSM) e as neuropatias sensitivas autonômicas hereditárias (NSAH).

Contudo, entre as inúmeras formas de neuropatias hereditárias, poucas são


características da infância.

As PHSM compõem um grupo variável de doenças, transmitidas geneticamente, que 63

afetam o nervo periférico. Suas principais representantes são a PHSM I – Doença de Charcot-
Marie-Tooth e a PHSM III – Doença de Dejerine Sottas.

Porém, a Doença de Charcot-Marie-Tooth não faz parte, didaticamente, da síndrome


da criança hipotônica, que por definição inclui síndromes clínicas raras, com grave hipotonia de
início até os dois anos de idade.

Análises de genética molecular nestas polineuropatias com diferentes tipos de herança


evidenciaram alterações na função de duas proteínas implicadas no metabolismo da mielina, que
são a proteína 22 da mielina periférica (PMP22), ligada ao locus 17p11.2-12, e a proteína zero
da mielina (P0), ligada ao locus 1q22-23. Múltiplos tipos de mutações nestes dois locus
associam-se, por mecanismo de dosagem gênica, a diferentes efeitos quanto à gravidade
fenotípica.

As NSAH podem ser classificadas em cinco tipos, segundo o seu modo de


transmissão, idade de início, quadro clínico predominante e evolução da doença (Tabela 2).

Tipo Idade de Início Transmissão Particularidades


NSAH 1 2ª a 3ª décadas Autossômica Déficit térmico-doloroso,
de vida dominante acropatia úlcero-mutilante, principalmente
MMII, com evolução lentamente
progressiva.

NSAH 2 Infância Autossômica Déficit táctil maior que térmico-


recessiva doloroso, distúrbios tróficos MMSS e
MMII, ausência de disautonomia.
64
NSAH 3 (Síndrome Riley- Infância Autossômica Disautonomia insensibilidade à
Day) recessiva dor

NSAH 4 (neuropatia Infância Autossômica Anidrose, insensibilidade à dor,


congênita com anidrose) recessiva retardo mental moderado.

NSAH 5 (insensibilidade Infância Autossômica Comprometimento seletivo da


congênita à dor) recessiva dor, disautonomia.

Tabela 2. Formas clínicas de neuropatia sensitiva e autonômica hereditária (NSAH), segundo


Dyck.

Doença de Dejerine-Sottas (DS)

Dejerine-Sottas (DS) é uma doença do sistema nervoso periférico causado por defeitos
nos genes para proteínas encontradas na proteção isolante da bainha de mielina, resultando em
eventuais perdas ou afinamento da bainha e subseqüente perda de condutividade nos nervos
periféricos.
Descrita pela primeira vez em 1890 por Joseph Jules Dejerine e Jules Sottas, a doença
foi posteriormente reclassificada como um subtipo da CMT, pois ambas as doenças relacionam-
se a diferentes defeitos nos mesmos genes.

A doença de DS compartilha também consideráveis características clínicas,


eletrofisiológicas e patológicas com a CMT tipo 1: o início na infância, a severidade do
comprometimento motor e velocidades de condução nervosa.

Inicialmente, a doença de DS era considerada de caráter autossômico recessivo. 65


Porém, várias mutações de herança dominante no gene da proteína 22 de mielina periférica e no
gene da proteína zero foram relatadas em pacientes com a doença.

Como os pesquisadores tentam criar uma classificação coerente para as doenças


neuromusculares, DS também é conhecida como PHSM tipo III. Alguns pesquisadores
argumentam que ela é realmente uma variante do CMT tipo 1. Embora tal discussão ainda seja
objeto de debate, talvez seja pouco útil à investigação da doença e pouco tem sido pesquisado.

A doença de DS abrange uma rara forma congênita grave, com hipotonia proeminente
desde o nascimento, dificuldade alimentar e respiratória, bem como, eventualmente,
artrogripose, e a forma infantil clássica, que se inicia antes dos dois anos de idade e cursa com
retardo do desenvolvimento motor moderado.

Assim, diferenciam-se de outras formas de CMT por ser de início precoce (embora na
infância), fraqueza distal severa e progressão mais rápida.

As crianças com DS adquirem os marcos do desenvolvimento lentamente e alguns


nunca serão capazes de andar. Outros começam a deambular em idade pré-escolar ou mais
tarde, mas muitos se tornam cadeirantes na adolescência.

A escoliose e a ataxia (dificuldade de coordenação e equilíbrio) é comum, assim como


a atrofia muscular, contraturas, deformidades nos pés e nas mãos, anormalidades nas pupilas,
ptose e nistagmo. DS geralmente não afeta o sistema nervoso central, coração, músculos
respiratórios, embora haja exceções.
7 MIOPATIAS INFANTIS

As miopatias infantis correspondem às doenças musculares próprias da infância, que


cursam com hipotonia muscular congênita e fraqueza muscular precoce. Histologicamente, a
característica básica é a destruição das fibras musculares.
66
Em crianças, 1/3 dos casos são miopatias tratáveis e as miopatias congênitas
benignas compõem a sua maioria.

A mais encontrada é a distrofia muscular progressiva ligada ao sexo, forma de


Duchenne, que se torna evidente e lentamente progressiva a partir dos quatro anos de idade.
Além desta, encontramos a distrofia muscular congênita, as miopatias congênitas, as miopatias
metabólicas e a forma congênita da distrofia miotônica ou doença de Steinert (Tabela 4).

Miopatias infantis

Distrofia muscular congênita: formas merosina-negativa, hipotônico-esclerótica


(Ullrich), espinha rígida, Fukuyama, músculo-óculo cerebral, Walker-Warburg e outros subtipos
de distrofia muscular congênita merosina-positiva.

Distrofia miotônica congênita

Distrofia fácio-escápulo-umeral (forma infantil).

Miopatias congênitas: “Central core”, Nemalínica, Miotubular, Desproporção congênita


de fibras, alterações mínimas, outras.

Miopatias metabólicas: miopatias por acúmulo de lípides, glicogenoses, defeitos de


oxidação de ácidos graxos, mitocondriopatias.

Tabela 4 – Miopatias Infantis


Novamente, reforçamos a importância da anamnese e da investigação da história
familiar para o diagnóstico de doenças relacionadas à síndrome da criança hipotônica.

O histórico familiar pode revelar algumas características próprias de algumas


enfermidades e auxiliar no prognóstico:

• Transmissão recessiva ligada ao sexo: Duchenne e Becker.


• Transmissão autossômica recessiva: Distrofia Miotônica.

67

• Apresentação ao nascer: geralmente benigna e não-progressiva.


• Apresentação na infância: geralmente progressiva.

• Remissão: miastenia gravis.


• Não-progressão: miopatia nemalínica, central core, miopatia miotubular,
miopatia mitocondrial e outras miopatias congênitas.
• Progressão: distrofias musculares.

No exame clínico algumas limitações físicas são peculiares: dificuldade de levantar os


braços acima do nível dos ombros, levantar de uma cadeira, subir uma escada, agachar sobre
os joelhos e o sinal de Gowers.

Outros sinais também são importantes como a pseudohipertrofia, a miastenia (fraqueza


aos exercícios ou fatigabilidade fácil) e a miotonia (dificuldade de relaxar um músculo após sua
contração).

Os últimos dez anos têm oferecido enormes avanços no entendimento das miopatias.
As aplicações das técnicas de genética molecular permitiram a identificação da análise
mutacional do gene afetado, do reconhecimento da heterogeneidade intragênica e intergênica,
da patogênese e da correlação genótipo/fenótipo em muitas das miopatias de origem genética. O
valor desses achados na prática clínica têm sido de valor considerável. Dificuldades nos
diagnósticos: pré-natal ou pré-clínico, no aconselhamento genético e no prognóstico estão
começando a fazer parte do passado.
No momento, a atenção está baseada no melhor entendimento da patogênese e em
algumas formas de terapia gênica. A terapia gênica tem recebido muita publicidade, mas,
infelizmente, ainda sem sucesso convincente em qualquer desordem gênica já definida. Um
grande número de tentativas, especialmente na distrofia muscular de Duchenne, ou com
transplante de mioblastos ou com uso de adenovírus carregando "minigenes", mesmo ainda
ineficazes, tem oferecido a perspectiva de um futuro mais promissor, especialmente se o
tratamento for instituído, teoricamente, o mais precocemente possível.

As terapias com uso de drogas, já tão eficazes em outros campos da medicina, têm-se 68

mostrado paliativas, com resultados parciais nos sintomas da grande maioria das miopatias.

Miopatias Congênitas

As miopatias congênitas ou “estruturais” são um grupo heterogêneo de doenças


neuromusculares com achados histopatológicos característicos na biópsia muscular.

A incidência das miopatias congênitas é calculada ao redor 6.0/100,000 nascidos


vivos. Estudos regionais no norte da Irlanda ou na Suécia ocidental sugerem uma prevalência
entre 3.5–5.0/100,000 na população pediátrica.

Este grupo de miopatias é composto por enfermidades hereditárias, que se


caracterizam por início ao nascimento e curso geralmente benigno. Na maioria das vezes são
quadros não progressivos, de gravidade mediana, cuja sintomatologia clínica é pouco marcada
no período neonatal.

Clinicamente, o quadro é multiforme e não obrigatoriamente benigno, podendo


manifestar formas graves, até fatais, além de existirem formas de início tardio ou em adultos.

Geneticamente, há variados tipos de herança e de locus, inclusive para a mesma


forma clínica. Entre as muitas subformas de miopatias congênitas, a central core, a nemalínica e
a miotubular são as mais bem definidas quanto ao tipo de anormalidade estrutural.

Contudo, a variação fenotípica dificulta a classificação das miopatias congênitas.


Recentemente, as doenças musculares foram reclassificadas de acordo com os
últimos conhecimentos sobre sua etiologia ou patogenia, a partir do descobrimento de genes e
proteínas a elas relacionadas:

1. Miopatias com alteração na maturação ou desenvolvimento muscular:

a) Miopatia miotubular ligada ao cromossomo X.

b) Desproporção congênita de tipos de fibras.


69

2. Miopatias com anormalidades nucleares:

a) Miopatias centronucleares.

3. Miopatias com alteração das proteínas miofibrilares e citoesqueléticas:

a) Miopatias com “cores”:

– Central core.

– Multiminicores.

b) Miopatia nemalínica.

Existem outras miopatias congênitas de aparecimento menos freqüentes e pouco


definidas, que são separadas em três grupos diferentes:

1. Prováveis: alguns casos familiares descritos.

a) Miopatia com espirais cilíndricas.

b) Miopatia com corpos em “huella dactilar”

c) Miopatia com agregados tubulares.

d) Miopatia com corpos hialinos.


e) Miopatia vacuolar associada com cardiomiopatia e retardo mental.

2. Possíveis: vários casos esporádicos descritos.

a) Enfermidade com estruturas “em gorro” (cap disease).

b) Miopatia com corpos redutores.

c) Miopatia com filamentos de actina.

70

3. Duvidosas: descritos somente casos isolados.

a) Miopatia com corpos lamilares.

b) Miopatia com corpos em cebra.

c) Miopatia com banda A.

Dessa forma, reconhecem-se fundamentalmente as miopatias congênitas estruturais e


não estruturais, dependendo das anormalidades serem ou não derivadas dos componentes
normais das fibras musculares, e as formas mistas.

Central Core

A miopatia tipo Central Core (CCD) é uma desordem neuromuscular hereditária,


marcada por apresentar áreas com atividade oxidativa reduzida, junto ao eixo longitudinal da
fibra muscular (“cores centrais”). O aspecto específico da fibra muscular consiste de focos
centrais de miofibrilas anômalas, que se coram por métodos específicos (Figura 8).

A CCD foi descrita originalmente em uma família com hipotonia congênita, fraqueza
não progressiva e áreas centrais de aparecimento amorfo dentro das fibras musculares. O termo
CCD foi posteriormente introduzido e reflete a característica da ausência da atividade enzimática
na área central devido à depleção mitocondrial.
71

Figura 8 - Aspecto histopatológico típico da CCD. Reproduzido de JUNGBLUTH. Central


Core Disease. Orphanet Journal of Rare Diseases 2007, 2:25, p. 4.

A apresentação clínica da CCD é tipicamente marcada por hipotonia de início na


infância, com atraso no desenvolvimento motor; mas uma marcada variabilidade clínica,
frequentemente na mesma família, foi reconhecida.

A distribuição da fraqueza muscular é tipicamente proximal, com proeminente


envolvimento da cintura pélvica e os músculos axiais. O comprometimento facial é moderado e o
envolvimento bulbar não é típico na forma dominante, mas ambas as características podem ser
observadas nos neonatos afetados pela forma recessiva.

Apesar de fundamentalmente benigna, com pequeno comprometimento da cintura


escapular e eventualmente da musculatura facial, associa-se comumente à luxação congênita do
quadril, necessitando eventualmente de correção cirúrgica.

As complicações ortopédicas são comuns na CCD, incluindo a luxação congênita de


quadril, escoliose, que pode estar presente ao nascimento, e deformidades nos pés como
equinovaro e pés planos. Muitos indivíduos com frouxidão ligamentar ocasionalmente
desenvolvem instabilidade patelar.
Qualquer procedimento cirúrgico em pacientes com central core, deve considerar o
elevado risco de hipertermia maligna durante indução anestésica com halotano e succinilcolina.
Predisposição a este grave fenômeno, freqüentemente fatal, cuja prevenção é intensivamente
estudada de forma multicêntrica, é ligada ao locus 19 q como a central core. O gene codifica
proteínas reguladoras do metabolismo do cálcio intracelular que, quando alterado, desencadeia
a cascata citotóxica, com morte celular e extensa rabdomiólise, além da hipertermia.

Quase todos os pacientes com CCD alcançam a habilidade de caminhar


independentemente, exceto os casos neonatais mais severos ou em alguns casos de luxação 72

congênita de quadril.

Miopatia Nemalínica

A miopatia nemalínica caracteriza-se por acúmulo de corpúsculos bastonetiformes em


fibras musculares. Comumente o acúmulo é subsarcolemal, na periferia da fibra (Figura 9).

Figura 9 – Fibra muscular corada com MGT, demonstrando o acúmulo subsarcolemal.


Reproduzido de SHARMA et al. Nemaline rod myopathy: a rare formo f myopathy. Neurology
Índia, 2007, 55:1, p. 72.
Podem ser difíceis de identificar na hematoxilina-eosina (HE), mas são bem nítidos no
tricrômico de Gomori modificado (MGT), onde se coram em vermelho, em contraste com as
miofibrilas coradas em verde. Na ATPase são notados como imagens negativas (não reagem).
Esta falta de diferenciação em fibras de tipos 1 e 2 é notada também em outras miopatias
congênitas.

A patogênese da miopatia nemalínica é ainda pouco conhecida. Já foram descritos


modos de herança autossômica dominante e recessiva, e mutações em genes diferentes que
codificam proteínas musculares. 73

O defeito primário da miopatia nemalínica pode ser decorrente de mutações em pelo


menos seis diferentes genes: alfa-tropomiosina-3 (1q22-23), nebulina (2q21.1-q22), actina
(1q42), tropomiosina 2 (9p13), troponina T1 (19q13.4) e cofilina-2 (14q21). O efeito destas
mutações na expressão das proteínas musculares e o mecanismo de formação das estruturas
em bastão não estão ainda definidos.

O gene da nebulina é o maior gene humano e sua identificação, clonagem e triagem de


mutações em pacientes com miopatia nemalínica é somente realizada pelo Consórcio
Internacional de Miopatia Nemalínica, sediado na Finlândia. Por causa da dificuldade de se
estudar este gene, mutações foram encontradas em cerca de 25% das famílias afetadas. Os
pacientes com mutações no gene da nebulina apresentam mais freqüentemente herança
autossômica recessiva e o quadro típico da miopatia nemalínica.

A segunda forma mais freqüente, responsável por aproximadamente 15% dos casos, é
decorrente de mutações no gene da alfa-actina, observando-se tanto um padrão de herança
recessiva como dominante e quadro clínico mais grave. Os outros genes já identificados foram
encontrados em famílias esporádicas.

Clinicamente, há um amplo espectro de gravidade que inclui formas pré ou neonatais


gravíssimas, formas congênitas típicas de início na infância e gravidade variável,
comprometendo freqüentemente a respiração e a deglutição, formas intermediárias entre a
neonatal e a congênita e, ainda, formas tardias, mais benignas.

A principal expressão da miopatia nemalínica é a fraqueza nos músculos proximais,


principalmente os músculos respiratórios (do tronco e do pescoço). Em todos os tipos a
debilidade muscular é predominantemente proximal, mas as alterações distais também são
freqüentes, inclusive o pé caído.

Pessoas com a forma severa são, obviamente, afetadas desde o nascimento, com
debilidade respiratória e dificuldade de deglutição. Em casos excepcionais pode haver
artrogripose. Enquanto aquelas com casos moderados ou suaves podem, a princípio, parecer
saudáveis. As formas de início tardio podem apresentar como primeiro sintoma um transtorno da
marcha.
74
Bebês freqüentemente chamam a atenção por serem “frouxos” e hipotônicos. Crianças
com miopatia nemalínica normalmente ganham alguma força quando crescem, mas os efeitos da
fraqueza muscular na formação do corpo tornam-se mais evidentes com o passar do tempo.
Adultos apresentam um físico delgado bastante característico (Figura 10).
75

Figura 10 – Manifestações clínicas: A) Paciente com debilidade facial (dificuldade para


abertura ocular, boca com contornos invertidos) e de cinturas. B) Debilidade de cinturas,
com predomínio escapular e escápula alada. BOTELHO, et al. Miopatía congénita nemalínica:
manifestaciones clínicas y hallazgos histopatológicos em nueve pacientes. Ver Neurol, 2001, 32
(4): 309-14, p. 310-11.
O dismorfismo facial é comum e muito característico, se manifesta por um rosto
alongado e sem expressão, com o lábio superior em forma de V invertido e palato ogival. Os
músculos extra-oculares não estão afetados.

O curso da doença em geral é muito lentamente progressivo e a maior parte dos


pacientes pode levar a uma vida ativa, mas há exceções.

Miopatia Miotubular 76

A miopatia miotubular (centronuclear) recessiva ligada ao cromossomo X (MTM1) é


uma miopatia congênita, do período neonatal, fazendo parte de um grupo clínico e
geneticamente heterogêneo de miopatias, que partilham o mesmo padrão de alterações
histológicas musculares.

Na miopatia centronuclear, o aspecto específico é a ocorrência de miotúbulos fetais,


estruturas sugestivas de atraso do amadurecimento do sistema sarcotubular, dispostos
centralmente.

Distinguem-se diferentes formas clínicas. A classificação faz-se em três grupos com


base nas características clínicas e genéticas: a forma grave ligada ao cromossomo X, com início
pré ou neonatal; a forma autossômica recessiva, com início na infância; e a forma autossômica
dominante, mais rápida, com início tardio.

Na forma de herança recessiva ligada ao sexo, o locus genético é em Xq28, e a


proteína miotubularina está implicada com mecanismos que afetam a miogênese tardia. Essa
forma é extremamente grave, com dificuldade alimentar e respiratória desde o nascimento,
sendo possíveis o diagnóstico fetal e a identificação das portadoras.

Nas formas menos graves, de herança autossômica dominante ou recessiva, verifica-


se variabilidade do quadro clínico, que ora é grave, de início precoce com importante retardo do
desenvolvimento, ora é insidioso e apresenta início mais tardio e pouca limitação. O achado
freqüente de semiptose palpebral e a eventual associação com comprometimento do SNC
(convulsões e deficiência mental) são dados indicativos do diagnóstico.
A classificação faz-se em três grupos com base nas características clínicas e
genéticas: a forma grave ligada ao cromossomo X, com início pré ou neonatal; a forma
autossômica recessiva, com início na infância; e a forma autossômica dominante, mais ligeira,
com início tardio. Por vezes há sobreposição de quadros clínicos, nem sempre sendo possível
prever o tipo de transmissão genética tendo em conta a apresentação clínica.

Todas estas formas de apresentação da doença são extremamente raras, com uma
prevalência mundial global de 1:50.000 nascidos-vivos.
77
Os primeiros sintomas da MTM1 têm início in útero, com diminuição dos movimentos
fetais e polihidrâmnios; há geralmente apresentação pélvica. Na história familiar materna podem
existir abortos, partos prematuros do sexo masculino e óbitos neonatais não esclarecidos. Por
vezes, as mães portadoras apresentam alterações fenotípicas, nomeadamente ptose palpebral
(Figura 11) e diplegia facial.

Figura 11 – Ptose palpebral esquerda. Reproduzida de ALEXANDRA et al. Miopatia miotubular


ligada ao cromossoma X – caso clínico. Acta Pediatr Port 2006:37(4):162-4, p. 163.

A biópsia muscular é essencial ao diagnóstico, apresentando alterações muito


sugestivas desta patologia: núcleos centrais circundados por um halo de elementos oxidativos
centrais contendo mitocôndrias e glicogénio e pequena quantidade de miofibrilhas. As fibras
musculares são tendencialmente menores e mais arredondadas do que as dos indivíduos sem
patologia, lembrando miotubos fetais. A quantidade de núcleos centralizados e de elementos
oxidativos é muito variável (entre 25-95%). Outros achados constantes são: hipotrofia e
predomínio das fibras tipo 1; hipertrofia das fibras de tipo 2; abundância de vimentina, desmina,
utrofina e laminina (Figura 12).

78

Figura 12 - Biópsia Muscular (aspecto histológico com coloração de HE (40X) e


PAS (40X)) mostrando grande variabilidade do diâmetro de fibras com a presença de
numerosas fibras atrofiadas; grande proporção de fibras com centralizações nucleares,
sem necrose ou fibrose; estrutura interna das fibras normal, diferenciando-se de forma
habitual nos seus diferentes tipos. Reproduzida de ALEXANDRA et al. Miopatia miotubular
ligada ao cromossoma X – caso clínico. Acta Pediatr Port 2006:37(4):162-4, p. 163.

Os critérios de diagnóstico foram definidos no século XX Congresso Europeu de


Doenças Neuromusculares (1994), por Wallgren--Pettersson e Clarke, e são: sexo masculino,
início perinatal, hipotonia e atrofias musculares generalizadas e graves, bem como insuficiência
respiratória.
Dificuldade na deglutição, arcos costais finos, anquiloses, oftalmoplegia, fácies
miopático e criptorquidia são também aspectos clínicos associados. O prognóstico é reservado,
habitualmente com morte no primeiro ano de vida, por insuficiência respiratória ou qualquer das
suas complicações.

79
8 DISTROFIAS MUSCULARES CONGÊNITAS (DMC)

As distrofias musculares são doenças hereditárias, lenta ou rapidamente progressivas, 80


que afetam principalmente o músculo estriado e tem em comum um padrão distrófico de
necrose-regeneração característico na biópsia muscular.

A distrofia muscular congênita (DMC) compõe um grupo de miopatias caracterizadas


por comprometimento muscular notado já ao nascimento, ou no primeiro ano de vida, com
prevalência de 1:60.000 ao nascimento, e de 1:100.000 na população geral.

Trata-se de um grupo heterogêneo de doenças degenerativas, primárias e


progressivas, do músculo esquelético. Histologicamente apresenta alterações distróficas dos
músculos (intensa variabilidade do calibre das fibras, proliferação dos tecidos intersticiais, grau
variável de necrose e degeneração das fibras musculares), na ausência de anormalidades
estruturais específicas.

Clinicamente, marcadas por acentuada hipotonia muscular, fraqueza generalizada com


retardo do desenvolvimento motor, retrações fibrotendíneas intensas e precoces,
freqüentemente distúrbios respiratórios e dificuldade alimentar.

As principais características clínicas incluem hipotonia, atrofia e fraqueza musculares


estacionárias ou com mínima progressão, associadas com deformidades músculo - esqueléticas
diversas. A fraqueza muscular predomina nas porções proximais dos membros. Os músculos
paravertebrais, cervicais, mastigatórios e faciais são também acometidos.

A eletroneuromiografia revela na maioria dos casos um padrão tipicamente miopático.


A biopsia de músculo apresenta grande variação do tamanho das fibras, aumento do colágeno
endomesial e raras necroses. Muitos desses pacientes apresentam ressonância nuclear
magnética de crânio com hipodensidade difusa da substância branca, semelhante àquela
encontrada nas leucodistrofias.
O diagnóstico é baseado na clínica, com presença de hipotonia neonatal, atraso no
desenvolvimento motor e contraturas articulares. O prognóstico depende do grau do
comprometimento da musculatura respiratória e do desenvolvimento de deformidades da coluna
vertebral.

A DMC possui herança autossômica recessiva, estando a anomalia localizada no


cromossomo 6 (6q22-23).

Quase a metade dos casos é causada por mutações no gene da cadeia β2 da laminina- 81
2, chamada de merosina, uma proteína da matriz extracelular que se relaciona com as proteínas
intracitoplasmáticas, como a distrofina, por meio de interações com o complexo distroglicano na
membrana da fibra muscular.

Outras formas mais raras de DMC são causadas pela deficiência genética de diversas
proteínas, tais como o colágeno VI (DMC forma de Ullrich); selenoproteína-N1(DMC forma com
espinha rígida); fukutina (doença de Fukuyama); O-manose β-1,2-N-acetilglucosamiltransferase
(doença muscle-eye-brain) e O-mannosyltransferase 1 (doença de Walker Warburg).

Existe ainda um grupo heterogêneo de pacientes com DMC, cujo defeito genético, ou a
deficiência protéica, ainda não foram identificados. Estes pacientes são incluídos no subgrupo
chamado de DMC com merosina presente.

A merosina é encontrada nas fibras do músculo de esquelético, na periferia da


membrana das células de Schwann e em vasos sanguíneos cerebrais. Portanto, um paciente
com deficiência de merosina pode desenvolver anormalidades da substância branca.

As DMC têm sido subclassificadas com base no envolvimento clínico do SNC. A DMC
de Fukuyama, a Síndrome de Walker-Warburg e a doença Muscle-Eye-Brain, estão associadas
a atraso mental grave e a malformações complexas do SNC. Designou-se de DMC clássica aos
casos que não apresentavam envolvimento clínico do SNC:DMC pura (Tabela 5).

Contudo, foi reconhecido que alguns destes doentes apresentavam alterações na


substância branca, atraso mental e epilepsia. Em 1994, descobriu-se que a cadeia alfa-2-
laminina da merosina era deficiente nos doentes com alterações da substância branca, devido a
mutações do gene LAMA2 situado no cromossoma 6q24.
82

Tabela 5 – Classificação das DMC. Reproduzida de REED, UC. Doenças Neuromusculares.


Jornal de Pediatria - Vol. 78, Supl.1, 2002, S. 98.

Após a descoberta da merosina, a DMC clássica foi subdividida em DMC merosina-


negativa e DMC merosina-positiva.

Os pacientes com deficiência da merosina, em torno de 40-50% dos casos,


apresentam um fenótipo mais grave. A maioria não chega a deambular e o comprometimento
respiratório é mais intenso. Outro achado característico nesses pacientes é o comprometimento
da substância branca do SNC, embora o nível cognitivo seja normal na maioria das crianças
(Figura 13).
83

Figura 13 - Imagem coronal de RM de crânio (T2-WI) revelando a presença de hipersinal na


substância branca periventricular nas regiões frontais, parietais e occipitais. Reproduzida
de ROCCO et al. Avaliação da função motora em crianças com distrofia muscular congênita com
deficiência de merosina. Arq Neuropsiquiatria 2005; 63(2-A), p. 300.

As crianças com deficiência de merosina apresentam intenso e difuso


comprometimento muscular, notado antes dos seis meses de vida, e com grave atraso nas
aquisições motoras (Figura 14).

Figura 14 - Criança com distrofia muscular congênita com deficiência da merosina.


Reproduzida de ROCCO et al. Avaliação da função motora em crianças com distrofia muscular
congênita com deficiência de merosina. Arq Neuropsiquiatria 2005; 63(2-A), p. 300.
Os estudos que apresentam dados quanto à evolução destas crianças, revelaram que,
apesar da gravidade motora, o padrão de força muscular é relativamente estável, ou com mínima
progressão. No entanto, as perdas funcionais observadas durante a vida da criança estão mais
relacionadas com a ocorrência de deformidades musculoesqueléticas, especialmente de
retrações musculares, e também do comprometimento respiratório.

Nos pacientes com a forma clássica, a maioria dos pacientes merosina-positiva tem
quadro clínico moderado e é deambulante, ao passo que quase todos os pacientes merosina-
negativa têm quadro clínico mais grave e não chegam a andar. 84

A maioria das crianças merosina-positiva mostra ampla variabilidade fenotípica: atrofia


e fraqueza muscular, leves ou moderadas, com padrão de predomínio proximal e retrações de
predomínio distal; poucos têm retrações mais difusas e cifoescoliose, ou exibem a mesma
gravidade dos merosina-negativa, embora sem dismorfismo facial tão evidente.

Os pacientes merosinas-negativa apresentam fenótipo característico: dismorfismo e


debilidade facial bilateral, pálato ogival, hipotonia muscular acentuada e difusa, com fraqueza
muscular geralmente grau três, retrações fibrotendíneas generalizadas e precoces, atrofia
muscular intensa com cifoescoliose, inteligência normal ou limítrofe e exames neurorradiológicos
mostrando alteração difusa, raramente focal, da substância branca cerebral.

Até o presente momento não há tratamento definitivo para estas crianças. Apesar dos
avanços em genética molecular, ainda não se conhece perfeitamente a correlação clínico-
genética das diferentes formas de DMC, existindo formas não-classificáveis, principalmente do
tipo merosina-positivas.
9 MIOPATIAS METABÓLICAS E MITOCONDRIOPATIAS

As miopatias metabólicas são enfermidades que afetam exclusiva ou


predominantemente o músculo esquelético, devido a um déficit enzimático conhecido,
geneticamente determinado. 85

Estas desordens raramente apresentam a hipotonia como uma característica exclusiva.


Geralmente essas condições afetam órgãos de múltiplos sistemas e estão associadas a
características dismórficas e malformações múltiplas.

Em geral constituem formas graves, com início neonatal ou infantil precoce, e


manifestações dramáticas, tais como dificuldade alimentar e respiratória, distúrbios metabólicos
freqüentemente fatais e acometimento multissistêmico.

As formas moderadas ou leves podem evoluir com quadro miopático crônico de maior
ou menor gravidade ou sob forma de surtos agudos, recorrentes e reversíveis de fraqueza
muscular, intolerância aos exercícios, cãibras e, eventualmente, fenômeno miotônico e
mioglobinúria.

As miopatias metabólicas ocorrem por alteração do metabolismo do glicogênio, das


mitocôndrias ou dos canais iônicos. Assim, são geradas por um déficit na dinâmica da contração
muscular, devido à falta de recursos energéticos como conseqüência de alterações bioquímicas,
tanto no metabolismo dos hidratos de carbono, como dos lipídios, no transporte ou na beta-
oxidação mitocondrial.

Portanto, podem-se classificar as miopatias metabólicas em três grandes grupos:

A) miopatias por alterações do metabolismo do glicogênio (glicogenoses).

B) miopatias por alterações do metabolismo lipídico.

C) miopatias devido a deficiências de enzimas da cadeia respiratória mitocondrial


(mitocondriopatias).
Glicogenoses

O glicogênio é um conjunto de cadeias de moléculas de glicose. Sua utilização como


substrato energético se realiza mediante passos sucessivos que necessitam da intervenção de
diversas enzimas. A falta de atividade enzimática em alguns destes passos origina uma carência
energética e um acúmulo de glicogênio nos tecidos.

A classificação é baseada nas alterações bioquímicas e se tornou possível quando as


vias metabólicas foram desvendadas. Nos últimos 50 anos praticamente se tem descrito todas 86
as proteínas implicadas na síntese ou degradação do glicogênio e sua regulação, que poderiam
produzir algum tipo de doença de depósito.

Hoje há cerca de 12 formas conhecidas, com ampla variedade de apresentações


clínicas e são ordenadas numericamente pela ordem cronológica a que foram descobertas.

A freqüência das glicogeneses na Europa é estimada em 1 por 25.000 nascimentos,


sendo mais freqüentes os tipos I, II, III e VI (90% do total).

A forma II, por deficiência da maltase ácida ou doença de Pompe, de herança


autossômica recessiva, é a mais grave e apresenta um subtipo que pode estar evidente em
alguns meses ou já ao nascimento, por meio de comprometimento multissistêmico (muscular,
cardíaco e visceral, SNC e sistema nervoso periférico).

Miopatias Lipídicas

Estas doenças se caracterizam pela alteração no transporte dos ácidos graxos de


cadeia longa ao interior da mitocôndria, onde são metabolisados mediante um processo
denominado β-oxidação, proporcionando a energia necessária ao músculo.

Além do músculo, podem estar afetados outros tecidos, especialmente o fígado,


coração e o SNC, dando lugar a quadros clínicos diferentes.

Mitocondriopatias
As mitocondriopatias representam um vastíssimo e complexo campo de afecções
clinicamente e geneticamente heterogêneas, dependentes de defeitos no metabolismo das
mitocôndrias, que podem ser de diferentes tipos.

A maior parte das enfermidades mitocondriais é de herança materna devido a


mutações no DNA mitocondrial. São descritos casos de herança autossômica por mutações no
DNA nuclear, que codifica proteínas mitocondriais.

A biópsia muscular é bem característica, com fibras “ragged-red” ou “vermelhas- 87


rasgadas” e o aumento da atividade da succinato desidrogenase indicativa de proliferação
mitocondrial e fibras citicromo oxidativas negativas.

A grande maioria se manifesta na idade adulta, mas os seguintes quadros podem


aparecer na infância ou na adolescência: oftalmoplegia externa progressiva, Síndrome de
Kearns-Sayre, Epilepsia mioclônica com fibras ragged-red (MERRF).

Na maioria das mitocondriopatias, o comprometimento muscular é absolutamente


heterogêneo: generalizado, podendo ser grave e precocemente fatal; de predomínio em cinturas,
fácio-escápulo-umeral, ou musculatura ocular; estático, progressivo ou em surtos de intolerância
aos exercícios, com ou sem mioglobinúria e distúrbios metabólicos.

Além do quadro muscular, as mitocondriopatias são freqüentemente multisistêmicas,


podendo afetar o SNC, a retina, o coração, os rins, o fígado, o pâncreas e o sistema endócrino.

A heterogeneidade genética se traduz por casos esporádicos, herança materna


associada a múltiplas mutações do DNA mitocondrial, herança autossômica dominante,
recessiva e recessiva ligada ao sexo.

As mitocondriopatias por defeitos do transporte e subseqüente a β-oxidação dos ácidos


graxos para o interior das mitocôndrias são denominadas distúrbios da ß-oxidação.

Destes, o déficit primário de carnitina, que associa miopatia com miocardiopatia,


responde bem à administração oral de carnitina; o déficit de carnitinapalmitil-transferase II, em
crianças maiores e adolescentes, mostra quadro clínico benigno, semelhante ao de algumas
glicogenoses, com surtos de dor muscular após exercícios físicos ou jejum prolongado.
Nos demais defeitos, afetando o metabolismo de diversos ácidos graxos de cadeia
curta, média, longa ou muito longa, o início ocorre em qualquer idade, instalando-se
gradativamente debilidade muscular de predomínio proximal e, eventualmente,
comprometimento da musculatura inervada pelos nervos cranianos, polineuropatia e retinopatia.

Em alguns pacientes, o quadro é grave, ou até fatal, com surtos precoces de


hipoglicemia hipocetótica e comprometimento hepático, cardíaco e encefalopático.

O tratamento baseia-se em dieta pobre em gordura, utilizando triglicérides de cadeia 88


média, que independem da carnitina para entrar nas mitocôndrias.
10 DOENÇAS NEUROMUSCULARES NA CRIANÇA MAIOR, ADOLESCENTE E ADULTO

Distrofias musculares progressivas

As distrofias musculares progressivas constituem um grupo heterogêneo de doenças 89

neuromusculares caracterizadas pela degeneração progressiva e irreversível da musculatura do


indivíduo.

Formam um grupo de doenças caracterizadas clinicamente por fraqueza e atrofia


musculares progressivas, com grande variação quanto à intensidade do comprometimento motor
e da época de início das manifestações.

Em geral, são doenças ocasionadas por mutações em vários genes, podendo ser
transmitidas por heranças autossômicas ou ligadas ao cromossomo X, que resultam na
deficiência ou perda de função de proteínas musculares de importância significativa para o bom
funcionamento do músculo.

Atualmente, mais de 30 formas de distrofia muscular já foram identificadas. Elas se


diferenciam pelo mecanismo de herança genética, idade em que se manifestam os primeiros
sintomas (desde o nascimento, na infância, na adolescência ou na idade adulta) e gravidade
destes sintomas, velocidade de progressão da doença, e músculos preferencialmente afetados.
As distrofias musculares tomadas em conjunto são comuns e não há tratamento eficiente para
impedir a progressão da doença.

A partir da década de 90, avanços contínuos na área de imunohistoquímica e genética


molecular têm permitido sua classificação de acordo com o defeito molecular. A maioria dos
defeitos moleculares reconhecidos envolve a função do complexo distrofina-glicoproteínas,
associadas que liga o citoesqueleto subsarcolemal com a matriz extracelular do músculo
esquelético, permitindo estabilização e reforço da membrana da fibra muscular.
O déficit parcial ou total das proteínas distrofina, laminina alfa-2 da matriz extracelular
(merosina) e sarcoglicanas correspondem, respectivamente, às distrofias progressivas tipo
Duchenne e Becker, à forma mais grave de distrofia muscular congênita clássica é uma parte
das síndromes de cinturas.

As distrofias musculares podem ser subdivididas em vários tipos, obedecendo a


critérios como tipo de herança, grupo muscular inicialmente envolvido, curso e gravidade da
fraqueza muscular, e ainda, idade do paciente.
90
Outros autores classificam as distrofias de acordo com o grupo de músculos
envolvidos. Há ainda um tipo de classificação associado à gravidade da doença, o modelo de
herança e a progressão da enfermidade (Figura 1).

Fig. 1 - Distribuição da fraqueza de acordo com a musculatura predominante em


diferentes tipos de distrofia: Fileira de cima da esquerda para direita (Duchenne/Becker,
tipo congênita, tipo cinturas), fileira de baixo da esquerda para direita
(facioscapulohumeral, distal, oculofaríngea). Reproduzida de EMERY, A. E. H. The Muscular
Dystrophies. British Medical Journal, Devon, v. 317, Outubro, 1998. p. 993.
Vasquez et al. sugere uma classificação baseada na forma de herança de cada tipo de
distrofia. As doenças são classificadas em:

• Distrofias musculares ligadas ao cromossomo X


• Distrofias musculares autossômicas dominantes
• Distrofia muscular autossômica recessiva

No grupo das distrofias musculares ligadas ao cromossomo X estariam as distrofias de 91


Duchenne, de Becker e de Emery-Dreifuss. Já nas distrofias musculares autossômicas
dominantes estariam relacionadas à distrofia muscular de cinturas, fascio-escápulo-umeral, distal
e do tipo Bethlem. E no último grupo estaria a distrofia muscular de cintura autossômica
recessiva.

Distrofia muscular de Duchenne (DMD)

A DMD é uma doença genética, que se manifesta por fraqueza muscular simétrica e
progressiva, inicialmente nas pernas, com os músculos das cinturas escapular e pélvica, mais
comprometidos que pés e mãos.

É uma desordem recessiva que afeta predominantemente meninos (1: 3,5), com
incidência de aproximadamente 1: 3.500 nascidos vivos do sexo masculino. A DMD tem alta
prevalência (3: 100.000) e no Brasil ocorrem cerca de 700 novos casos por ano.

Estudos epidemiológicos indicam uma taxa de incidência de DMD no Japão de 1,7 a


2,6 em cada 100.000 habitantes. Esse índice é o mesmo em quase todos os outros países.

Embora as mulheres não desenvolvam o quadro clínico clássico da doença, elas


podem ser responsáveis pela transmissão para 50% dos seus filhos homens. Por isso, o
aconselhamento genético para mães e irmãs é fundamental.
Ainda assim, as mulheres portadoras podem apresentar uma forma clínica mais
branda, com níveis de enzima creatinoquinase elevados e eventualmente comprometimento
cardíaco.

É causada por mutações no gene da distrofina (por isso também chamada


distrofinopatia), que é o maior no genoma humano, cerca de 2.6 milhões de pares na base do
DNA, com 79 exons. A distrofina é uma proteína da membrana da fibra muscular, a qual é
responsável por manter a integridade da fibra.
92
O gene da distrofina tem um alto índice de mutação, com aproximadamente 1/3 de
todos os casos novos de DMD resultado de uma mutação espontânea.

Portanto, sabe-se hoje que constitui um distúrbio genético, de caráter recessivo, com
alta taxa de mutação de um gene localizado no braço curto do cromossomo X, na região Xp21
sendo por este fato, denominada como distrofia Xp2.

Caracteriza-se por um distúrbio progressivo e irreversível principalmente da


musculatura esquelética, podendo acometer a musculatura cardíaca e o sistema nervoso.

Dessa forma, a deficiência mental ocorre em cerca de 1/3 dos meninos com DMD e,
em mais da metade dos casos ocorre miocardiopatia, acometendo a parede póstero-lateral do
ventrículo esquerdo, o que leva ao comprometimento valvular e distúrbios de ritmo.

As manifestações clínicas, normalmente, têm início na infância, em torno de três a


quatro anos de idade. Os sintomas em geral estão presentes antes dos cinco anos e o atraso no
início da marcha é usualmente observado.

Inicialmente os pacientes apresentam quedas freqüentes, dificuldades para correr,


subir escadas e levantar-se do chão. O clássico sinal de Gower’s (Figura 2A) está presente.

A DMD se manifesta na cintura pélvica entre dois e quatro anos de idade, sendo
evidente, já anteriormente, a clássica hipertrofia de panturrilhas.

O aumento do volume muscular é causado pela proliferação anormal do tecido


intersticial (ou infiltração conjuntivo-gordurosa) em fibras do músculo gastrocnêmio, produzindo
firmeza e resistência à palpação da massa muscular. Esta alteração é denominada
pseudohipertrofia muscular (Figura 2B), pode envolver outros grupos musculares como os
músculos masseteres, deltóides, serrátil anterior, quadríceps femural e com menor incidência,
outros músculos.

93

A
Fig. 2 – Paciente com DMD. 2A – Sinal de Gower’s. 2B Pseudohipertrofia de panturilha.
Reproduzida de FREZZA et al. Atualização do tratamento fisioterapêutico das distrofias
musculares de Duchenne e Becker. RBPS 2005; 18 (1), p. 47.

Cerca de metade das crianças com DMD conseguem adquirir marcha independente
até os 18 meses de idade. Embora existam variações na evolução do quadro clínico,
normalmente os afetados por DMD não são capazes de andar após os 16 anos.

A fraqueza muscular, devido à perda contínua e irreversível da musculatura


esquelética, resulta na necessidade de tornar-se cadeirante por volta dos dez anos de idade e
óbito próximo à segunda década de vida, por complicações pulmonares.

A maior causa de morte é a falha respiratória ou infecção pulmonar, que ocorre em


cerca de 75% dos casos.

A presença de escoliose é freqüente em estágios avançados da doença e constitui em


fator agravante por desencadear complicações respiratórias. Os músculos respiratórios são
sempre afetados, e juntamente com as escolioses e deformidades torácicas diminuem
marcadamente a capacidade respiratória da criança.
A capacidade vital começa a decair aos sete anos de idade; com 14 anos chega a
atingir 50% e aos 21 anos atinge aproximadamente 20%. Nestes pacientes, o diafragma parece
ser o último músculo a ser funcionalmente acometido, o que pode ser considerado uma
vantagem, pois é o principal músculo da respiração.

As deformidades ortopédicas geralmente são progressivas, surgindo contraturas e


retrações fibrotendíneas, sobretudo nas articulações do tornozelo e cotovelo, tornando-se
evidentes em torno do sétimo e oitavo anos de vida. Observa-se uma hiperlordose com a marcha
assemelhando-se a de ganso ou anserina. 94

A sugestão do diagnóstico é alta pela herança ligada ao sexo, pela cronologia peculiar
do quadro clínico e pelos altos níveis de CPK, comumente acima de 10.000 UI/l.

O diagnóstico definitivo é obtido pela detecção de deleções no gene da distrofina,


demonstração da ausência da distrofina no tecido muscular obtido por biópsia e analisado por
técnicas imunohistoquímicas e Western blot.

Para diagnóstico pré-natal, a análise molecular é mais segura do que a detecção


imunohistoquímica de distrofina, sendo o procedimento sempre bem sucedido nos casos de
deleções já identificadas em outro irmão acometido.

O tratamento das distrofinopatias inclui métodos paliativos, tais como fisioterapia,


cirurgias ortopédicas corretivas das retrações fibrotendíneas e da deformidade da coluna, além
de corticoterapia, sobretudo em casos de DMD; inúmeras pesquisas em andamento tentam
descobrir métodos efetivos de tratamento, como por exemplo, o transplante de mioblastos e a
terapia gênica.

Distrofia Muscular de Becker (DMB)

A DMB foi descrita em 1955, como uma distrofia similar à DMD quanto à apresentação
clínica, porém mais discreta na gravidade. Possui o mesmo padrão de herança recessivo ligada
ao X, com altos níveis de creatinoquinase no soro e achados eletromiográficos semelhantes,
com padrão miopático, porém de quadro clínico mais benigno e curso lentamente progressivo.
Assim, a DMB é menos comum, mas a fraqueza muscular é semelhante, histológica e
anatomopatologicamente, com períodos de início (média: 11anos) e de morte (média: 42 anos)
mais tardios.

A incidência é cerca de 10 vezes menor do que a da DMD, ocorrendo um caso a cada


30.000 nascimentos masculinos.

A DMB também corresponde a uma distrofinopatia, mas seu quadro clínico é mais
leve, pois a deficiência de distrofina é parcial. Diferentes tipos de mutações no gene da distrofina 95
em Xp21 são evidenciáveis em 75% dos casos de DMB.

Na DMB, os miócitos possuem distrofina em quantidade normal, porém com estrutura


anormal. As alterações cromossômicas permitem a ancoragem do músculo à membrana basal.

As fibras musculares tipo IIB se mantêm normais e não há o predomínio de fibras tipo I.
Além disso, o processo necrose-regeneração-proliferação-conjuntiva-involução gordurosa é mais
leve (Figura 3).

Fig. 3 – Paciente com DMB, em algumas áreas as fibras musculares sofreram necrose e
degeneração. Reproduzida de RAMELLI et al, Becker muscular dystrophy with marked
divergence between clinical and molecular genetic findings: case series. SWISS MED WKLY
2006; v. 136, p. 190.
O diagnóstico diferencial entre DMD e DMB é realizado por imunorreação da distrofina,
no qual há falhas segmentares quando é DMB, e negativo quando é DMD.

A detecção de deleção no gene da distrofina confirma o diagnóstico e está presente


em 65% dos casos. Esta proteína encontra-se alterada em seu músculo quantitativa ou
qualitativamente.

Nos casos em que não são encontradas as deleções, o diagnóstico é confirmado pela
demonstração de deficiência parcial da distrofina no tecido muscular pelas técnicas 96
imunohistoquímicas e Western blot.

Os filhos de sexo masculino de um homem com DMB nunca serão afetados pela
doença, mas todas as suas filhas serão obrigatoriamente portadoras assintomáticas do gene, e
poderão transmitir a doença a seus descendentes do sexo masculino (com uma probabilidade de
50%). Além disso, a mãe e as irmãs de um paciente com DMB também poderão ser portadoras e
transmitir o gene defeituoso para seus filhos homens.

Os primeiros sintomas são observados entre cinco e 20 anos de idade, caracterizam-


se por fraqueza e atrofia musculares simétricas e progressivas, inicialmente em membros
inferiores.

A musculatura proximal dos membros é mais acometida que a distal. A


pseudohipertrofia está presente na grande maioria dos casos.

A velocidade da evolução é variável e os pacientes podem sobreviver até a idade


adulta deambulando e com moderada incapacidade física. O quadro clínico da DMB apresenta
uma variabilidade muito maior que o da DMD, podendo haver, em uma mesma família, pacientes
que apresentam diferentes graus de comprometimento. A maioria dos pacientes perde a
capacidade de andar após 16 os anos de idade e alguns se queixam apenas de câimbras ou de
dores musculares após exercícios físicos. A expectativa de vida supera dos 40 anos.

As alterações respiratórias são mais discretas, mas o acometimento cardíaco é mais


sério (hipertrofia ventricular direita e/ou esquerda – HVD/HVE) que na DMD e esses
comprometimentos estão diretamente relacionados ao prognóstico desses pacientes.
Existem casos de DMB que só mostram miocardiopatia, sem debilidade muscular
significativa. Expressam-se entre os 20 e 40 anos. Geralmente, se associam a concentrações
elevadas de CPK.

Distrofias Musculares de Cinturas (DMC)

97
As DMC constituem um grupo de doenças bastante complexo e heterogêneo, formam
um grupo de miopatias de caráter progressivo com grande variabilidade clínica e genética.

A DMC recebeu esta denominação na década de 50 para designar as distrofias


caracterizadas por fraqueza predominantemente na cintura pélvica (quadris e coxas) e escapular
(ombros e braços) e que se diferenciavam das já conhecidas distrofias ligadas ao cromossomo X
(Duchenne e Becker) e a distrofia fáscio-escápulo-umeral.

Hoje sob esta denominação engloba-se um grande número de distrofias, com


características diferentes entre elas, que pode atingir crianças, adolescentes e adultos.

A DMC afeta igualmente ambos os sexos e tem incidência de 1/10.000 a 20.000


nascimentos.

Este grupo é o grupo de enfermidades neuromusculares em que se observam os


maiores progressos em conhecimento nos últimos 10 anos. Assim, depois da descrição da
primeira sarcoglicanopatia, surgiram sucessivas descrições de novas doenças por deficiência em
diversas proteínas sarcolemais e subsarcolemais.

Várias formas de DMC já foram identificadas, sendo que cada uma delas é causada
por uma mutação genética específica, que pode ocorrer em diferentes cromossomos. Estas
formas foram classificadas de acordo com a cronologia de sua identificação e com o mecanismo
de herança envolvido, que pode ser autossômico dominante ou recessivo.

As formas autossômicas dominantes (classificadas como 1) correspondem a menos de


10% dos casos e foram classificadas até agora como formas 1 A a 1 G. As formas autossômicas
recessivas (classificadas como 2) representam mais de 90% dos casos diagnosticados. Até
agora, foram identificadas 10 formas autossômicas recessivas distintas (2 A a 2 J). Destas, as
formas 2 A, 2 B, 2 G, 2 H , 2 I e 2 J são em geral mais leves, enquanto que as formas mais
graves são as chamadas Sarcoglicanopatias (formas 2 C, 2 D, 2 E, e 2 F).

As mutações genéticas responsáveis por cada uma das formas de DMC levam à
deficiência de proteínas musculares específicas, como: Sarcoglicanas, Calpaína, Disferlina,
Teletonina, Titina e outras.

Não é possível diferenciar as várias formas de DMC apenas por exame clínico. Por 98
isso, é importante identificar o defeito molecular primário (a mutação genética responsável) ou a
proteína muscular deficiente em cada caso, pois os riscos de repetição da doença na família
serão muito diferentes, dependendo do mecanismo de herança envolvido.

Assim, constituem um grupo heterogêneo de doenças caracterizadas por uma fraqueza


proximal das cinturas dos membros (cintura pélvica e escapular) e do tronco, sem
comprometimento dos músculos faciais ou da inteligência.

Os sintomas se iniciam com fraqueza nas pernas, dificuldades para subir escadas e
levantar de cadeiras e após um período, que pode ser bem prolongado, apresentar sintomas de
ombros e braços como dificuldade para erguer objetos. A época do início das manifestações é
variável: poucos apresentam sintomas já no primeiro ano de vida; a maioria aparece após a
primeira década.

Envolvimento do músculo cardíaco é pouco freqüente e em alguns casos apresentam


características semelhantes à DMD. Dentre as formas recessivas, o subgrupo das
sarcoglicanopatias é normalmente associado a um quadro clínico mais severo, semelhante à
forma Duchenne e por isso classificadas como "Duchenne-like".

O comprometimento motor também é variado, podendo evoluir com fraqueza muscular


lentamente progressiva sem comprometimento das atividades de vida diária.

Distrofia Fácio-escápulo-umeral (FSH)


A FSH é definida como uma doença hereditária autossômica dominante, podendo
manifestar-se em ambos os sexos, com idade de início, gravidade e o curso de ampla variedade.
A denominação reflete a distribuição característica da fraqueza, com uma grande probabilidade
de afetar a face do portador, progredindo para a cintura escapular.

É uma distrofia muscular muito rara, devido a um defeito molecular no locus 4q,
existindo relação entre o tamanho da deleção e a gravidade do quadro clínico, bem como a
idade de início, sendo também notado o fenômeno da antecipação, com deleções cada vez
maiores em gerações sucessivas. 99

Contudo, a FSH é uma das formas mais benignas das distrofias musculares
progressivas, sendo o terceiro distúrbio neuromuscular hereditário mais comum, perdendo
apenas para a DMD e a distrofia miotônica.

No Reino Unido a prevalência é de 1,5 - 3/100.000 e a estimativa é de 1,5-2/100.000


na Europa e América do Norte, na Alemanha cerca de 4:1 milhão de casos /nascidos vivos.

A FSH inicia-se na primeira ou segunda década de vida e manifesta-se por discreta


fraqueza facial que evolui progressivamente em um considerável espaço de tempo a uma
fraqueza escápulo-umeral. A fraqueza facial pode ser observada pela dificuldade em franzir os
lábios, um sorriso transversal e ao incompleto fechamento das pálpebras.

Um achado característico inclui não possuir a capacidade de assobiar ou encher um


balão. São características a escápula alada e a boca de tapir. O acometimento da cintura pélvica
é variável.

No ombro a abdução dos membros superiores reflete atrofia dos músculos serrátil
anterior, do trapézio e do rombóide. Posteriormente, os músculos bíceps e tríceps braquial são
afetados. Os músculos deltóides são preservados em 50% dos casos, mas mesmo se não
ficarem comprometidos, perdem sua vantagem mecânica, devido à falta de estabilidade do
membro superior, causando limitação da abdução e flexão ativas.

Formas pediátricas, de início precoce, podem ser muito graves, tanto na face, que fica
praticamente paralisada, como nos membros, ocorrendo invalidez já no fim da primeira década,
e existindo ocasionalmente associação com surdez e síndrome de Coat, que é uma
degeneração vascular oxidativa da retina.
O pé torto pode ocorrer no início da doença, devido à fraqueza dos músculos fibular e
tibial anterior. A atrofia dos músculos dos membros inferiores pode progredir para a perda da
deambulação.

O nível de CPK é em geral moderadamente elevado, e o diagnóstico de certeza é pelo


estudo molecular.

100

Distrofia Miotônica (Doença de Steinert)

A distrofia miotônica (DM) ou doença de Steinert é uma doença neuromuscular,


herdada de forma autossômica dominante, descrita pela primeira vez em 1909, sendo a mais
comum das síndromes miotônicas.

É a forma muscular mais comum na fase adulta, com prevalência aproximada de 5:


100.000. Porém, os índices de prevalência variam entre dois e 14 casos por 100.000 habitantes,
com incidência de um caso para cada 8.000 nascimentos.

É uma doença primariamente neurológica, com comprometimento multissistêmico,


transmitida por herança autossômica dominante e caracterizada por miotonia. Em geral a
manifestação da doença ocorre entre a segunda e quarta décadas de vida.

O mecanismo molecular da doença envolve a expansão do trinucleotídeo CTG


localizada no cromossomo 19q13. Indivíduos normais podem ter de cinco até 37 repetições e os
pacientes afetados podem ter de 50 até 8.000 repetições.

A DM tem como característica principal presença de miotonia, que é a persistência da


contração ativa do músculo esquelético, após ter cessado o esforço voluntário ou a estimulação
elétrica, em associação ocorre fraqueza muscular progressiva e atrofia muscular. A miotonia se
manifesta especialmente em mãos e língua.

As manifestações clínicas são variadas como catarata, miocardiopatia, distúrbios de


condução atrioventricular, disritmias cardíacas malignas (taquicardia e fibrilação ventriculares),
doença pulmonar restritiva, apnéia do sono, disfagia, esvaziamento gástrico retardado,
colelitíase, constipação, pseudo-obstrução intestinal, disfunção cognitiva, retardo mental, calvície
frontal (nos homens), hipotireoidismo, hipogonadismo primário, infertilidade e diabetes melitus.

O envolvimento cardíaco é uma das características principais da evolução da doença,


sobretudo no que se refere aos distúrbios do ritmo e da condução. Raramente ocorre
insuficiência cardíaca ou morte.

Os pacientes portadores da doença de Steinert apresentam também maior 101


probabilidade de desenvolverem hipertermia maligna. Portanto, todos os agentes passíveis de
desencadeá-la devem ser evitados.

De acordo com a idade de início e a severidade da doença podem se delimitar três


formas clínicas distintas:

• Forma congênita
• Forma com início na infância (manifestações neonatais discretas ou ausentes)
• Forma com início na vida adulta
A forma mais grave é a congênita e a forma mais leve se apresenta ao final da idade
adulta, com cataratas e calvície frontal, com discreta afecção muscular. Por último, a forma do
adulto jovem é muito heterogênea, predominando em alguns casos a miotonia, atrofia e
debilidade muscular ou retardo mental.

Em geral, o primeiro sintoma a ser observado é a miotonia. Mais tardiamente, surgem


a atrofia e a fraqueza e o comprometimento sistêmico. Todas as manifestações tendem a
progredir lentamente. A catarata pode ser a única manifestação presente nos casos cujo início é
mais tardio, na vida adulta.

O envolvimento da musculatura esquelética é difuso, com predomínio da fraqueza e da


atrofia nos músculos distais dos membros, flexores cervicais, mastigatórios, faciais e bulbares.
Posteriormente, a musculatura ocular extrínseca também é afetada.

Observa-se a debilidade da musculatura facial com ptose palpebral, oftalmoplegia


externa e boca entreaberta (figura 4). Estes pacientes podem apresentar dificuldades para
deglutição e disartria.
102
Figura 4 - Face típica de uma criança com Doença de Steinert. APARICIO-MEIX,
JM. Distrofias Musculares y Síndromes Miotónicos. Medicine 1998; 7(100), p. 4654.
11 SÍNDROMES MIOTÔNICAS

As síndromes miotônicas representam um grupo heterogêneo de entidades


nosológicas, cujo substrato eletrofisiológico mostra alterações da excitabilidade da membrana da
fibra muscular (atividade elétrica repetitiva), com característica clínica comum de relaxamento
muscular lento após contração voluntária (ação miotônica) ou estimulação mecânica (miotonia 103

de percussão).

Dessa forma, a palavra miotonia foi usada pela primeira vez em 1891, referindo-se a
um transtorno do músculo esquelético de aumento no tempo de relaxamento após uma
contração ou ante um estímulo mecânico, o que provocaria incapacidade transitória de realizar o
movimento antagônico.

As doenças que apresentam o fenômeno miotônico exibem quadro muscular e


evolução diversa. São divididas em dois grupos (Tabela 1):

• Miotonias distróficas (mutações dos genes que codificam proteinoquinases)


• Miotonias não distróficas ou canalopatias (alterações em genes de codificação
dos canais de sódio e cloro).

Tipo de doença locus

Miotonia distrófica 19q 13-3

Doença de Steinert

Miotonias não distróficas (gen SCN4A); 17q

Enfermidades do canal de sódio

Paralisia periódica hipercaliêmica

Paramiotonia congênita
Outras formas de miotonia sem debilidade

Enfermidades do canal de cloro (gen CLCN1): 7q-35

Miotonia congênita tipo Thomsen (autossômica


dominante)

Miotonia congênita tipo Becker (autossômica 104


recessiva)

Tabela 1 – Classificação das síndromes miotônicas.

A distrofia miotônica ou Doença de Steinert foi à primeira entidade clínica descrita que
se caracteriza por miotonia, miopatia, opacidade policromática do cristalino, anormalidades
cardíacas e envolvimento de outros órgãos (multisistêmica).

A maioria das desordens miotônicas pode ser classificada como canalopatias de cloro,
com ou sem fraqueza muscular, e canalopatias de sódio. A miotonia congênita clássica pode ser
de dois tipos: a doença de Thomsen (autossômica dominante) e a miotonia generalizada
autossômica recessiva (doença de Becker). Há três desordens envolvendo os canais de sódio: a
paramiotonia congênita, a paralisia periódica hipercaliêmica e a miotonia flutuante, que foram
descritas em 1994 por Ricker.

A excitabilidade da membrana é essencial para a função muscular e se regula por


canais iônicos voltagem-dependente, portanto, estes canais envolvem-se na patogênese das
doenças do musculoesquelético.

Clinicamente, as canalopatias do músculo esquelético aparecem como episódios


repetidos de rigidez muscular ou debilidade, produzidos por circunstâncias típicas tais como frio,
exercício, carga oral de potássio ou fármacos. A miotonia ou rigidez muscular melhoram com
exercício e podem associar-se com debilidade transitória durante movimentos rápidos e duram
poucos segundos.
As doenças dos canais iônicos se manifestam por fenômenos miotônicos com marcada
sensibilidade aos níveis de potássio ou ao frio. Nos quadros miotônicos, o sintoma predominante
de rigidez muscular é produzido por descargas espontâneas contínuas de potenciais de ação.

Os fenômenos miotônicos também são conseqüência de uma redução da condutância


do íon cloro da membrana das fibras musculares.

Assim, podemos dividir essas doenças pelos sintomas provocados, ou seja, se


correspondem a síndromes miotônicas puras, sem distrofias nem paralisias musculares 105
(mutações do canal de cloro) ou se são quadros mistos com miotonia e paralisia periódica
(mutações do canal de sódio).

Miotonias do canal de sódio

A paralisia periódica hipercaliêmica com ou sem miotonia, a paramiotonia congênita e


outras formas de miotonia sem debilidade (miotonias flutuantes, miotonia agravada por potássio,
miotonia permanente) se devem a distintas mutações do gene SCN4A, localizado no
cromossomo 17q, que codifica a subunidade do canal de sódio voltagem-dependente do
músculo esquelético.

A paralisia periódica hipercaliêmica ou doença de Gamstorp é herdade de maneira


autossômica dominante. Das seis mutações encontradas nessa doença, a maioria (60%) tem
como conseqüência a substituição de treonina por metionina em S5D2 e em 30% dos casos a
mutação provoca substituição de metionina por valina em S6D4.

A forma hipercaliêmica é a mais observada em crianças. Benigna, caracteriza-se por


surtos de fraqueza muscular de duração de até 4 horas, em geral limitada aos membros, sem
intercorrências respiratórias. Os níveis de potássio elevam-se durante a crise, porém,
freqüentemente, não ultrapassam o limite superior do normal. Repouso logo após exercício
prolongado é fator desencadeante habitual, de modo que se aconselha a prática de exercícios
de forma regular, não extenuante.
A idade de início da paralisia periódica hipercaliêmica costuma ser durante a primeira
década de vida. Caracteriza-se por episódios de paralisia que afetam primeiro a musculatura de
membros inferiores (panturrilha) e, posteriormente os membros superiores, podendo se estender
também para os músculos faciais e da deglutição (em ataques mais severos), mas geralmente
preserva os músculos respiratórios.

Os ataques podem ser diurnos, duram ao redor de uma hora e variam em freqüência,
desde várias vezes ao dia a uma vez ao ano, diminuindo com a idade. Desencadeiam-se no
repouso após exercício prolongado (cerca de 20-30 minutos após o término), pela exposição ao 106

frio, tensão emocional. A debilidade dura de um a dois dias.

Com o passar do tempo, alguns pacientes mostram debilidade permanente nos


períodos intercríticos, localizada nos flexores de quadril e tríceps. Pode existir hipertrofia das
panturrilhas.

O tratamento preventivo consiste na administração de diuréticos, tipo clorotiazida e,


mais raramente, acetazolamida, que provoca maior número de efeitos colaterais. Em quadros
mais graves pode ser administrada glicose endovenosa, associada ou não à insulina
subcutânea.

A paramiotonia congênita corresponde a um transtorno da subunidade do canal de


sódio e é de caráter autossômico dominante, que se manifesta desde o nascimento. Predomina
no sexo feminino. O fenômeno muscular se incrementa com movimentos repentinos e podem
durar várias horas.

Os músculos mais comprometidos são os do rosto, joelho e antebraço. As crises


paramiotônicas se iniciam com incremento de potássio.

Esta entidade está ligada ao gene do canal de sódio no cromosomo 17q. Na


paramiotonia congênita a arginina no domínio IV54 substitui a histidina, a cisteína ou a prolina. A
gravidade dos sintomas é maior quando a troca se produz por prolina.

Inicia-se geralmente na primeira década e se caracteriza por produzir uma miotonia


que paradoxalmente se agrava com exercício (paramiotonia), pelo frio ou pelo exercício em um
ambiente frio. Alguns pacientes têm episódios breves de debilidade matutinos,
independentemente da temperatura, facilitados pela ingestão de potássio.
Há predomínio da miotonia no rosto, joelho e músculos distais dos membros
superiores.

Fisiopatologicamente, a paramiotonia e os episódios de paralisia se devem a uma


alteração dependente da temperatura da condutância de sódio na membrana celular. A
diminuição da temperatura aumenta a permeabilidade do sódio e produz uma despolarização
progressiva da membrana muscular.

107

Miotonias do canal de cloro

As miotonias do canal de cloro ocorrem por mutações localizadas no locus do gene


CLCN1, que codifica os canais de cloro do músculo esquelético, no cromossomo 7q35. El gen
CLCN1 é composto de 23 exons.

As duas formas mais importantes de miotonia congênita obedecem a mutações


distintas do gene CLCN1 que, alterando os canais de cloro, induzem uma diminuição da
condutância do sarcolema.

A miotonia congênita se caracteriza por miotonia indolor e hipertrofia muscular.


Caracteristicamente, a miotonia melhora com o exercício, o que se denomina “warm up”.

Existem duas formas clínicas: uma de herança autosômica dominante (enfermidade de


Thomsen) e outra recessiva (enfermidade de Becker).

A doença de Becker se difere da enfermidade de Thomsen pelo início mais tardio (6-12
anos), associa debilidade muscular proximal e é lentamente progressiva.

Em ambas as entidades se evidenciam ausência das fibras tipo IIB na biópsia


muscular.

A miotonia condrodistrófica (síndrome de Schwartz-Jampel) se herda de forma


autossômica recessiva e em algumas famílias foi localizado no locus do cromossomo 1p34-
p36.1.
Existem duas formas clínicas: uma de apresentação neonatal e de evolução severa, e
outra própria da infância (forma clássica) de evolução mais benigna. Caracterizam-se por
neuromiotonia (atividade contínua da fibra muscular de origem neural), blefarofimose,
condrodisplasia e hipocrescimento.

A síndrome de Isaac é esporádica ou de herança autossômica dominante. Caracteriza-


se por rigidez e câimbras musculares de predomínio nas extremidades inferiores.

108

11.1 Doenças inflamatórias do músculo

As miopatias inflamatórias idiopáticas da infância são um grupo relativamente


heterogêneo de doenças que apresentam o comprometimento muscular como característica
comum. Possuem infiltrados celulares inflamatórios mononucleados no tecido da musculatura
esquelética e são marcados por fraqueza e fadiga muscular.

O infiltrado celular no tecido muscular é composto principalmente por linfócitos T e


macrófagos, mas também em alguns casos por linfócitos B. Esta observação, frequentemente
descoberta junto com os auto-anticorpos, sugere que as miopatias inflamatórias sejam imune-
mediadas. Acredita-se que elas podem ser ativadas por fatores ambientais em indivíduos
geneticamente suscetíveis.

Entre as miopatias adquiridas, as miosites inflamatórias de natureza auto-imune são


entidades de fácil reconhecimento quando manifestam os característicos cursos: agudo ou
subagudo com predomínio cervical da fraqueza, dor muscular, eritema na região malar e
palpebral com edema periorbitário, bem como elevação acentuada dos níveis de CPK e das
outras enzimas musculares. A biópsia muscular mostra, além do infiltrado inflamatório
característico, atrofia perifascicular, porque a agressão auto-imune à microvasculatura muscular
atrofia preferencialmente as fibras mais periféricas do fascículo.

As miopatias inflamatórias idiopáticas constituem o grupo mais freqüente de miopatias


adquiridas na idade adulta, com uma incidência de cinco a dez casos novos por milhão de
habitantes ao ano. Na idade infantil encontramos cerca de três casos novos por milhão de
habitantes e ano.
Com as formas clínicas variadas e diferentes características histopatológicas
predominantes, como a localização e fenótipos do infiltrado inflamatório, sugerem que há
diversos mecanismos histofisiológicos que conduzem a miosite.

As miopatias inflamatórias podem ser estudadas em três grupos principais, divididos


por seus aspectos clínicos e histopatológicos: polimiosites (PM), dermatomiosites (DM) e
miosites por corpos de inclusão.

Classicamente incluíam-se no mesmo grupo a PM e a DM, diferenciando-se apenas 109


pela presença ou não de afecção cutânea. No princípio dos anos 80, se iniciou a separação
dessas entidades, uma vez que a DM constitui uma vasculite mediada por auto-anticorpos e a
PM é um transtorno mediado por outras células.

Além disso, a DM é um grupo homogêneo, tanto do ponto de vista clínico quanto


anatomopatológico e a PM constitui um grupo heterogêneo e é dez a 20 vezes menos freqüente
que a DM.

A fraqueza muscular proximal e, infiltrados inflamatórios dentro do músculo esquelético


caracteriza a polimiosite. Quando a miosite é acompanhada por lesões de pele características é
chamada de dermatomiosite. As manifestações de pele incluem erupções cutâneas nas
pálpebras superiores com edema, erupções cutâneas vermelhas planas na face e tronco
superior, e eritema das articulações, poiquilodermia violácea (erupção escamosa) - sinal de
Gottron.

A miosite esporádica por corpos de inclusão e as miopatias hereditárias por corpos de


inclusão são doenças progressivas e debilitam profundamente o músculo. A característica
morfológica mais marcante dessas doenças é a degeneração vacuolar de fibras musculares,
acompanhada de agrupamentos interfibras de filamentos emparelhados helicoidais e por
acúmulo de várias proteínas características de um cérebro de paciente com doença de
Alzheimer.

A incidência da PM, DM e miosite por corpos de inclusão é aproximadamente


1:100.000. A causa dessas doenças ainda é ignorada, mas a existência de fatores genéticos e
mecanismos auto-imunes são conhecidos. Infecções virais e bacterianas, assim como o uso de
algumas drogas, podem estar relacionadas com a etiologia das miopatias inflamatórias, mas
esse tipo de condição precisa ser distinguido das formas idiopáticas.

O diagnóstico da DM, PM ou miosite por corpos de inclusão depende de uma


combinação de características clínicas, resultado de investigações laboratoriais (inclusive níveis
de enzimas musculares associadas, sorologia, eletromiografia e biópsia muscular) e respostas
ao tratamento. Raramente todas as características típicas da doença estão presentes
simultaneamente, e o diagnóstico correto só pode ficar aparente com o tempo.
110
A DM e a PM, ao contrário da miosite por corpos de inclusão, são doenças de múltiplas
especialidades, e esses pacientes são tratados por reumatologistas, neurologistas,
dermatologistas e especialistas em medicina interna.

O tratamento é tradicionalmente longo e, nos casos típicos, pode ser iniciado com
corticoterapia, mesmo antes do resultado da biópsia muscular, adotando-se, quando necessário,
outras medidas imunossupressoras mais drásticas, tais como azatioprina, ciclofosfamida,
metotrexate e ciclosporina. Nos casos de instalação crônica sem alterações cutâneas e sem
aumentos consistentes dos níveis enzimáticos, o diagnóstico diferencial com as diferentes
formas de DMP pode ser difícil, e a EMG que, dentro de um padrão miogênico de alteração,
mostra alguns aspectos peculiares, bem como a biópsia muscular, devem ser efetuadas antes
de introduzir o tratamento.

Polimiosites

A PM é uma doença crônica, sistêmica do tecido conjuntivo, cujo achado clínico


predominante é a fraqueza muscular proximal e simétrica, além de inflamação com dor e
deteriorização muscular.

Manifesta-se quase sempre em adultos entre os 40 e os 60 anos, ou em crianças dos


cinco aos 15 anos de idade. As mulheres têm o dobro de probabilidades dos homens de contrair
esta doença. Possui incidência variável geograficamente, com cerca de um caso para cada 100
mil habitantes, havendo predominância no sexo feminino.
Nos adultos, pode aparecer de forma isolada ou fazer parte de outros problemas do
tecido conjuntivo.

Sua fisiopatologia é desconhecida, mas dentre os mecanismos mais prováveis sugere-


se injúria muscular mediada por vírus ou insulto microvascular por auto-antígenos musculares. É
possível que os vírus ou certas reações auto-imunes desempenhem um papel importante no
desenvolvimento deste processo.

Os sintomas da PM são semelhantes em todas as idades, mas a doença, em geral, 111


desenvolve-se de maneira mais abrupta nas crianças do que nos adultos. Os sintomas, que
podem começar durante ou imediatamente após uma infecção e incluem fraqueza muscular
(particularmente nos braços, quadris e coxas), dor articular e muscular e fenômeno de Raynaud
(fenômeno de constrição de pequenas artérias, desencadeando alterações da cor da pele e das
extremidades, ora palidez, ora cianose, seguidas ou não de hiperemia reacional).

A fraqueza muscular é o principal sintoma que induz a suspeita diagnóstica, sendo


simétrica, bilateral e proximal, acometendo músculos da cintura escapular e pélvica e
progredindo para a musculatura proximal dos membros.

O início é freqüentemente gradual e progressivo. O comprometimento da musculatura


esquelética da parede posterior da faringe e do terço proximal do esôfago pode dar origem à
disfagia alta, com refluxo de alimentos para vias aéreas altas e disfonia.

A fraqueza muscular pode começar lentamente ou de maneira repentina e piorar ao


longo de algumas semanas ou meses. Dado que os músculos próximos do centro do corpo são
os mais afetados, tarefas como levantar os braços acima dos ombros, subir escadas e levantar-
se de uma cadeira podem ser difíceis.

O comprometimento do flexor do pescoço ocorre em dois terços dos casos, o que pode
ocasionar dificuldade para sustentar o pescoço. A fraqueza nos ombros ou quadris pode confinar
a pessoa a uma cadeira de rodas ou à cama.

Os músculos lesados na parte superior do esôfago causarão dificuldade para a


deglutição dos alimentos e para a regurgitação dos mesmos. Contudo, os músculos das mãos,
dos pés e da face não são afetados.
Os sintomas constitucionais incluem fadiga, febre baixa, perda de peso, artralgia ou
artrite de pequenas e médias articulações. A dor e a inflamação das articulações aparecem em
quase um terço das pessoas afetadas.

O envolvimento cardíaco geralmente se traduz por taquicardia, arritmias, defeitos da


condução átrio-ventricular e bloqueios de ramos. Raramente há insuficiência cardíaca
congestiva, seja por miocardite, seja por fibrose miocárdica.

O comprometimento pulmonar decorre da fraqueza primária dos músculos torácicos, 112


que favorece um acúmulo de secreções e hipoventilação alveolar, e também pela doença
pulmonar intersticial, que em sua forma mais severa é caracterizada por lesão alveolar difusa,
usualmente associada à presença de anticorpos anti-Jo-1 ou outra t-RNA sintetase. Pode haver
também sofrimento pulmonar em decorrência de múltiplos episódios de aspiração conseqüente
ao refluxo esofágico.

Dermatomiosites

A DM é uma doença do tecido conjuntivo, de etiologia desconhecida, apresentando


sinais clínicos e laboratoriais de miopatia inflamatória em músculos extensores de proximais,
poiquilodermia violácea em áreas foto expostas, além de telangectasias periungueais. Em
aproximadamente 10% dos pacientes, as manifestações cutâneas permanecem por muitos anos
sem alterações clínicas ou enzimáticas dos músculos.

Os critérios diagnósticos para essa doença são:

• Perda de força muscular simétrica e proximal com ou sem disfagia ou alteração da


musculatura respiratória;
• Elevação das enzimas musculares séricas, especialmente da CK, mas também das
transaminases, da desidrogenase láctica e da aldose;
• Eletroneuromiografia com: unidades de motores polifásicos de pequena amplitude e
curta duração; fibrilações, ondas pontiagudas positivas, aumento da irritabilidade após inserção
de agulha; descargas espontâneas, bizarras e de alta freqüência;
• Exame anatomopatológico de biópsia muscular com anormalidades como
degeneração, regeneração, necrose, fagocitose, infiltrado mononuclear intersticial;
• Alterações cutâneas típicas da DM: heliotropo, pápulas de Gottron, eritema violáceo
descamativo simétrico em ombros, joelhos, maléolos ou dorso e tronco.
A DM é uma doença relativamente rara, com incidência de dois a sete casos novos por
milhão de habitantes por ano e prevalência de dez a 60 casos por milhão de habitantes/ano.
Apresenta dois picos de maior incidência: um na infância entre cinco e 14 anos, outro na fase
adulta, entre 45 e 65 anos. A incidência tende a aumentar com a idade. A DM é 113
excepcionalmente encontrada no recém-nascido. Na DM juvenil a incidência é de um a 3,2 de
casos novos por milhões de crianças por ano.

A DM juvenil é a miopatia inflamatória idiopática mais freqüente na infância e


caracteriza-se por alterações multissistêmicas agudas e crônicas com inflamação não supurativa
linfocítica de musculatura esquelética, da pele e do trato gastrintestinal. A forma juvenil está
associada a uma vasculopatia afetando pequenos vasos: capilares, vênulas e pequenas
arteríolas.

O curso clínico da DM juvenil é variável e correlaciona-se com a severidade da


vasculopatia. A maioria das crianças apresenta um curso não-progressivo, monocíclico com
duração de meses e remissão completa, podendo ocorrer exacerbações com remissões parciais.
Alguns pacientes apresentam a forma crônica ou persistente com duração de anos.

A etiologia da DM está relacionada com a auto-imunidade, fatores genéticos


associados a antígenos de histocompatibilidade. Fatores virais, tais como: o vírus influenza A,
vírus da hepatite B, Coxsakie e picomavírus, pode ser precipitante.

As lesões cutâneas da DM precedem à fraqueza muscular característica da doença em


56% dos casos; a fraqueza precede as lesões cutâneas em 16% dos casos.

As lesões cutâneas podem ser divididas em patognomônicas, características e


compatíveis. A lesão cutânea clássica é uma mácula eritemato-violácea com distribuição
simétrica. Esta lesão pode se tornar poiquilodérmica e endurecida devido a depósito secundário
de mucina. As lesões cutâneas patognomônicas ocorrem em aproximadamente 70% dos casos
e são a pápula de Gottron, que é a pápula violácea sobre as articulações interfalangeanas ou
metacarpofalangeanas, cotovelos ou joelhos, e o sinal de Gottron que consiste em eritema
violáceo sobre a mácula ou placa atrófica nessas mesmas distribuições.

Lesões cutâneas características incluem as telangectasias periungueais e distrofias


cuticulares, rush ou mácula eritemato-vionhosa, edematosa em região periorbital, conhecida
como heliotropo, e máculas eritemato-poiquilodérmicas distribuídas nos ombros, braços, “V” do
decote ou costas, denominadas sinal do xale. 114

O envolvimento muscular inclui perda de força proximal, principalmente quadríceps e


tríceps, ocorrendo de forma simétrica e acentuando-se progressivamente de semanas a meses.

Geralmente a miopatia tem caráter subagudo, podendo ocorrer a forma aguda em


alguns casos. O paciente se queixa de dificuldade para pentear os cabelos e/ou subir escadas.

Disfagia, disfonia e fadiga são sintomas comuns secundários ao envolvimento dos


músculos faríngeo e flexor da boca. Mialgias ocorrem em quase metade dos pacientes,
especialmente em fases agudas. A minoria dos pacientes relata artralgia e as alterações
articulares são geralmente não erosivas, não deformantes e sem sinovites.

Os reflexos tendinosos não se alteram com o decorrer da doença, mas a lordose e


atrofia muscular podem ocorrer nas fases tardias da doença.

Manifestações respiratórias podem ter complicações diretas da doença neuromuscular


como aspiração e hipoventilação. Apresentam-se ainda, como doença pulmonar intersticial, e
podem ser secundárias ao tratamento.

No aparelho cardiovascular podem ocorrer anormalidades de condução cardíaca,


arritmias, insuficiência cardíaca congestiva, pericardite, derrame, tamponamento periocárdico,
miocardite e endomiocardiofibrose.

No sistema gastrointestinal são comuns o refluxo esofágico, disfagia, dismotilidade


esofágica, alterações no peristaltismo e incontinência retal.

Manifestações oculares incluem edema conjuntival, nistagmo, alterações nos músculos


extra-oculares, irite, episclerite, conjuntivite, uveite, glaucoma, atrofia de nervo óptico e
pseudopolipose conjuntival.
Os pacientes com DM apresentam fatores que predispõem um maior risco de
infecções. São eles: envolvimento esofágico, miosite de musculatura torácica, calcinose cutânea
e uso de agentes imunossupressores.

Miosites por corpos de inclusão


115

O termo miosite por corpos de inclusão foi introduzido em 1971 por Yunis e Samahal,
para descrever um subconjunto de pacientes com miosite crônica, cujas biópsias musculares
mostraram, além de inflamação, fibras musculares contendo vacúolos anormais e inclusões
características de filamentos no citoplasma e núcleo.

A miosite esporádica por corpos de inclusão é reconhecida hoje como a doença


muscular mais comum da idade adulta, de início após os 50 anos. É caracterizada por uma
miopatia distal e proximal, de cauda desconhecida, que leva progressivamente a inabilidade.

Em 1993, o termo miopatias hereditárias por corpos de inclusão foi introduzido para
designar doenças musculares hereditárias com características musculares patológicas
notavelmente semelhantes àquelas das miosites esporádicas, com exceção da falta de
inflamação linfocítica.

A miosite hereditária por corpos de inclusão cerca várias síndromes autossômicas


recessivas e dominantes com fraqueza muscular progressiva e outras apresentações clínicas,
mas com características semelhantes na biópsia muscular. O início clínico dessa doença
normalmente está por volta da segunda ou terceira década de vida.

Dessa forma, as miosites por corpos de inclusão hereditária e esporádica são doenças
musculares progressivamente debilitantes. Apesar dos consideráveis progressos recentes, a
patogênese detalhada não é conhecida e um tratamento consistentemente bem-sucedido não
está disponível.

O conhecimento sobre os genes anormais que causariam as formas hereditárias e


como eles afetam a fibra muscular, associada a análises detalhadas dos possíveis fatores
causadores da miosite esporádica, poderiam ajudar na identificação dos mecanismos que
produzem a degeneração vacuolar da fibra muscular.

Nos últimos anos foram produzidos rápidos avanços no conhecimento sobre o


envelhecimento cerebral e o possível papel do stress oxidativo nas neurodegenerações.
Contudo, não há estudos relativos a aspectos moleculares do envelhecimento muscular humano
e sua prevenção. É possível predizer que assim como a expectativa de vida da população 116
aumenta a miosite por corpos de inclusão se tornará uma causa de inaptidão mais comum.

Estudos adicionais sobre o envelhecimento muscular poderiam aumentar a


compreensão da patogênese dessas doenças e conduzir a objetivos moleculares para
intervenção terapêutica mais precisa.

11.2 Paralisias periódicas

As paralisias periódicas pertencem a um grupo de patologias denominadas doenças


musculares dos canais iônicos, tendo-se até o momento identificado três tipos de canais iônicos
cujos distúrbios seriam responsáveis pelo aparecimento destas doenças: os canais de cálcio,
sódio e potássio (como algumas miotonias já descritas anteriormente).

As paralisias periódicas por anormalidade dos canais de íons nos músculos


(canalopatias) constituem miopatias metabólicas raras, particularmente na infância, com quadro
clínico muito sugestivo.

O canal de cálcio está relacionado a paralisias periódicas hipocalêmicas, ataxia


episódica tipo 2 e enxaqueca hemiplégica familiar; o canal de sódio relaciona-se a paralisias
periódicas hipercalêmicas, paramiotonia congênita e miotonia acetazolamida-responsiva,
estando o canal de potássio associado a ataxia episódica tipo 1 e ataxia episódica com
coreoatetose.
A função principal dos canais iônicos é a condução, reconhecimento e a seleção de
íons específicos. Eles se abrem e cerram a relação da resposta ao estímulo elétrico, mecânico e
químico, atuando na excitação ou transmissão de tecidos diversos.

As manifestações clínicas e moleculares das canalopatias são variadas e usualmente


se evidenciam de forma contínua ou paroxística.

A alteração dos canais de cálcio causa transtornos do músculo: a paralisia periódica 117

com ou sem câmbios do potássio, miastenia ou desordens miastênicas, e a hipertermia maligna.


Cloro e sódio produzem alterações como: as enfermidades miotônicas: Thomsen, Becker e
paramiotonias, a paralisia sensível ao potássio, miotonia congênita flutuante e a Síndrome de
Andersen.

As canalopatias também produzem vários tipos de ataxia: episódica tipo 1, tipo 2,


espinocerebelosa tipo 6 e outras.

Movimentos paroxísticos anormais são causados por canalopatias: a distonia noturna


episódica e a discinesia paroxística. Em algumas famílias se associam movimentos episódicos
anormais e epilepsia.

Várias síndromes epilépticas também estão relacionadas com os transtornos dos


canais iônicos: a epilepsia noturna do lóbulo frontal, coreoatetose-epilepsia, as convulsões
benignas neonatais, etc.

Quanto à etiologia, as paralisias periódicas dividem-se em formas familiares e


esporádicas, cuja apresentação fenotípica é indistinta: surtos de paresia muscular (para ou
tetraparesia), mialgias e hiporreflexia, com arreflexia nos casos mais graves.

As formas familiares são patologias genéticas, de penetrância autossômica dominante,


a manifestação dos sintomas se dando por defeitos hereditários dos canais iônicos no sarcolema
celular, estando às formas esporádicas relacionadas à disfunção dos canais iônicos causadas
por distúrbios eletrolíticos.

Uma série de alterações clínicas pode estar relacionada às formas esporádicas, como
o hiperaldosteronismo, uso de drogas que causem perda renal de potássio, diabetes mellitus,
acidose tubular renal, doença de Addison, hipertireoidismo e patologias gastrointestinais que
levem a depleção de potássio.

Portanto, os transtornos dos canais iônicos voltagem - dependentes se relacionam a


enfermidades com fenômenos episódicos ou permanentes no tecido muscular ou nervoso com
manifestações clínicas e genéticas heterogêneas.

118

Paralisias periódicas hipocalêmicas

As paralisias periódicas hipocalêmicas podem ser divididas em dois grupos: o tipo I,


que constitui formas autossômicas dominantes e ocorrem por mutações de um gene ligado aos
canais de cálcio no cromossomo 1; e o tipo II, que são autossômicas dominantes e ocorrem por
mutações de um gene ligado aos canais de sódio no cromossomo 17. Ambas apresentam
manifestações clínicas semelhantes.

Casos esporádicos são relativamente comuns e representam novas mutações. Além


disso, alguns pacientes podem ter paralisia periódica hipocalêmica secundária a algumas
condições sistêmicas como hipertireoidismo, hiperaldosteronismo ou uso crônico de esteróides.

Os ataques periódicos de fraqueza iniciam na adolescência ou juventude. Eles são


desencadeados pelo frio, ingestão de carboidratos, álcool, estresse e repouso após exercício. Os
ataques de fraqueza são mais longos que os da paralisia periódica hipercalêmica. Em alguns
pacientes pode haver fraqueza bulbar e respiratória, fato que também não ocorre na
hipercalêmica. Ao contrário da paralisia periódica hipercalêmica, os pacientes não apresentam
miotonia clínica ou eletromiográfica.

Semelhantemente à paralisia periódica hipercaliêmica, o frio e o repouso após


exercício precipitam ataques.

Os níveis de potássio estão diminuídos durante os ataques e arritmias cardíacas


podem ocorrer. Alguns pacientes apresentam níveis normais de potássio durante os ataques.
Embora as arritmias cardíacas sejam um risco, a maior causa de morte desses
pacientes durante um ataque é a paralisia bulbar e respiratória.

Muitos testes eletrofisiológicos podem ser realizados para diferenciar as miopatias


miotônicas distróficas das não-distróficas, além de diagnosticar as diferentes formas de
paralisias periódicas. O protocolo para avaliação das miopatias miotônicas e paralisias
periódicas deve seguir a seguinte seqüência: estudo da condução nervosa de rotina; EMG de 119
agulha dos músculos proximais e distais de um membro superior e inferior; EMG da face e
músculos paraespinhais, teste do resfriamento, teste do exercício curto se os testes acima não
forem diagnósticos, teste do exercício longo se o teste do exercício curto for normal.

Os ataques de paralisia periódica hipocalêmica podem ser prevenidos com ingestão de


dieta pobre em carboidratos, evitando exercícios extenuantes ou consumo exagerado de álcool.
Acetazolamida é útil para reduzir a freqüência e a severidade dos ataques. Diuréticos
poupadores de potássio como triantereno e espironolactona podem ser efetivos nos pacientes
que não respondem a acetazolamida. Uso de cloreto de potássio oral diariamente também é
recomendado.

As crises de paralisia são tratadas com potássio oral na dose de 0,25 mEq/Kg a cada
meia hora até a melhora da fraqueza. Monitorização dos níveis de potássio é obrigatória.
Potássio endovenoso deveria ser evitado.
12 MIASTENIA GRAVE

A miastenia grave é doença da junção neuromuscular com sintomas de fraqueza e


fatigabilidade fácil da musculatura ocular isolada ou associada com outros músculos de forma 120
generalizada.

As palavras “Myasthenia gravis” têm origem grega e latina, “mys” = músculo, “astenia”
= fraqueza e “gravis” = pesado, severo. Contudo, a fraqueza muscular (myasthenia) não tem que
ser grave (gravis) para ser miastenia. Na literatura médica foram muitas as denominações, a
partir de 1887, para esta doença, destacando-se:

• Oppenheim: paralisia bulbar sem achado anatômico


• Strümpell: paralisia bulbar astênica
• Goldflam: síndrome paralítico bulbo-espinhal possivelmente curável
• Marinesco: paralisia bulbar subaguda descendente
• Simpson: síndrome de Erb Goldflam
• Roques e Ballet: síndrome de Erb
• Raymond: miastenia bulbar espinhal
• Kalischer: poliomesencefalomielite
• Tilney e Smith: neuromiastenia grave
• Finizio: hipocinesia de Erb
• Autores ingleses: myasthenia gravis.

Atualmente, não há razões para se usar outras denominações que não a já


consagrada miastenia grave.

Embora a miastenia grave seja rara, sua prevalência tem aumentado ao longo dos
anos e é mostrada na literatura com diferentes taxas que variam de 0,5 a 14,2:100.000
habitantes.
A incidência varia de 2.0 a 10.4:1.000.000 habitantes. A doença pode ocorrer em
qualquer faixa de idade, do nascimento aos 80 anos, tendo maior comprometimento aos 26 anos
nas mulheres e 31 anos nos homens. Nos vários estudos, as mulheres são mais acometidas do
que os homens até quarta década, variando de 2 a 4:1.

A miastenia grave pediátrica é muito rara. A forma juvenil é uma desordem auto-imune,
enquanto a forma congênita resulta de mutações genéticas que prejudicam a transmissão 121
neuromuscular. A miastenia neonatal transitória é um distúrbio autolimitado relacionado à
transferência de anticorpos placentários da miastenia grave auto-imune materna. Pode ser difícil
fazer a distinção entre as formas congênita e juvenil, particularmente na presença de uma
história clara de ptose e outras manifestações de hipotonia ao nascimento que sugestionem
doença genética.

Assim, apresenta-se sob as formas: congênita familial ou esporádica, neonatal e


congênita e auto-imune adquirida. A etiopatogênese é diferente nas formas neonatal e
congênita. As adquiridas têm caráter auto-imune, com produção de auto-anticorpos anti-
receptores de acetilcolina (AAChR) que bloqueiam os receptores de acetilcolina (AchR) na placa
motora pós-sináptica, comprometendo sua função. Com base etiopatogênica classifica-se a
doença em dois grupos: miastenia grave não timomatosa e timomatosa. Na primeira situação há
três tipos básicos: neonatal, congênita e auto-imune adquirida.

Outra classificação proposta por Osserman divide a miastenia grave em quatro tipos,
de acordo com a localização e grau de comprometimento (Tabela 2). O tipo I refere-se a
miastenia ocular e ocorre em 15 a 20% dos casos. O tipo II é subdivido em: a) miastenia
generalizada moderada com progressão lenta; sem crises, responsiva a drogas (30%) e b)
generalizada moderadamente grave; grave comprometimento bulbar e dos músculos somáticos,
sem crises; resposta a drogas menos satisfatórias (25%). O tipo III corresponde a miastenia
aguda fulminante; progressão rápida de sintomas graves, sem crises respiratórias e resposta
pobre a drogas; alta incidência de timoma; alta mortalidade (15%). E o tipo IV a miastenia tardia
grave, semelhante ao item III, mas progressão por mais de d dois anos da classe I para a classe
II (10%).
Grau Descrição

I Localizada

II Generalizada Leve

III Generalizada Grave


122
IV Crise Miastênica

Tabela 2 – Classificação de Osserman

Os sintomas são decorrentes de uma fraqueza muscular característica, que piora com
esforço, melhora com repouso e drogas anticolinesterásicas.

Em cerca de 2/3 dos pacientes, os músculos oculares extrínsecos são primeiramente


acometidos. Os músculos extra-oculares são particularmente sensíveis às alterações da junção
neuromuscular que ocorrem na miastenia grave, as quais podem provocar oftalmoplegia e ptose
palpebral, poupando a pupila e a acomodação.

Dessa forma, a miastenia grave afeta mais comumente os músculos da face, como os
do globo ocular, causando muitas vezes visão dupla, ou os das pálpebras, causando ptose, ou
ainda o masseter, que comanda o maxilar, causando dificuldades na fala e na mastigação.

Também ataca com freqüência os músculos do pescoço e os músculos respiratórios.


São ainda comumente afetados músculos dos braços e pernas, causando dificuldades de
locomoção aos portadores.

Portanto, os principais sintomas que podem aparecer são: visão dupla, ptose palbebral,
podem acometer músculos da face, mastigação, da fonação e deglutição, dificuldade de
sustentação da cabeça, fraqueza nos músculos dos membros (predomínio proximal), déficit
motor em atividades prolongadas ou repetidas (fraqueza evidente durante atividade contínua),
melhora com repouso, reflexos profundos preservados, sensibilidade preservada, nível de
consciência preservado e pares cranianos sem alterações.
Os sintomas geralmente progridem afetando os outros músculos como os bulbares e
dos membros, resultando numa fraqueza generalizada.

Alguns fatores podem ser desencadeantes de um eventual início rápido, tais como
stress, drogas, gravidez, puerpério, etc. Também algumas doenças podem estar associadas à
miastenia grave, são elas: timomas, anemia aplástica, hiperplasia linfofolicular da medular do
timo, lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatóide, síndrome de Sjögren, doença mista do 123
tecido conjuntivo, anticorpos anticardiolipina, polimiosite.

O diagnóstico é feito por meio de aspectos clínicos, testes farmacológicos (prostigmina


e edrofônio), eletromiografia, anticorpos anti-RACh, anticorpos antimúsculo estriado. A maior
dificuldade para diagnosticar a miastenia grave é que esses sintomas normalmente aparecem
isoladamente ou com pouca intensidade. Assim, é comum que sejam atribuídos a outras
doenças e, portanto, tratados inadequadamente.

Embora ainda não haja cura para miastenia grave, a maioria dos tipos da doença
podem ser tratados e mantidos sob controle com orientação médica adequada.

Nos casos de miastenia grave auto-imune são comuns os inibidores de colinesterase,


que agem na junção neuromuscular, e também imunossupressores, capazes de aumentar as
contrações musculares. Alguns tipos de miastenia grave congênita não reagem a essa
medicação. Algumas drogas experimentais, como a 3,4-Diaminopiridina (3,4-DAP), ou ainda a
fluoxetina, são eficazes em alguns tratamentos.

Como parte do tratamento, também pode se indicar algum tipo de atividade física,
como fisioterapia, hidroterapia ou terapia ocupacional, que permitirão a adaptação às tarefas
cotidianas e a manutenção da saúde cardiovascular.

O Timo é responsável pela produção de anticorpos que podem estar relacionados à


presença de miastenia gravis. A sua remoção cirúrgica (timectomia) resulta em melhora da
qualidade de vida de cerca de 70% dos pacientes. Essa glândula é muito ativa na infância, mas
com o passar do tempo, involui e vai perdendo suas funções. Quando isso não acontece, sua
remoção pode ser recomendada.

A plasmaférese é um processo de filtragem do sangue do organismo para que sejam


retirados os anticorpos que impedem a comunicação natural entre nervos e músculos. O sangue
é retirado do organismo e passa por um equipamento dotado de uma série de filtros, retornando
em seguida. Trata-se de um procedimento caro e demorado, mas que pode ser útil nos casos
em que a miastenia grave auto-imune represente risco de morte.

124
13 ESCLEROSE LATERAL AMIOTRÓFICA (ELA)

A ELA é uma doença que afeta os neurônios do trato córtico – espinal e do corno
anterior da medula espinhal. Portanto, é caracterizada por sinais e sintomas tanto de
comprometimento do neurônio motor inferior quanto superior.
125
Assim, é uma doença do sistema nervoso, degenerativa e incapacitante, caracterizada
por perda de neurônios motores no córtex, tronco cerebral, e medula espinhal.

Apesar de ser uma doença rara e complexa, ELA já é estudada desde o século 19. Os
indícios de um mal que causava paralisia progressiva dos membros e da língua nas pessoas
começaram a se configurar em 1830, ao ser retratado por Sir Charles Bell, anatomista e cirurgião
britânico. Já em 1848, François Aran, clínico e autor de textos médicos, descreveu uma nova
síndrome, caracterizada por fraqueza muscular progressiva de natureza neurológica.

Para a literatura médica, o ano de 1853 acenou com o primeiro caso reconhecível de
ELA: o de Prosper Laconte, dono de um circo francês. Mas somente 16 anos depois, em 1869,
as características essenciais para o reconhecimento da ELA foram determinadas, após uma
série de estudos realizados por dois médicos franceses: Joffroy e Jean-Martin Charcot. O Dr.
Charcot foi o primeiro a ligar os sintomas com um grupo de células especificamente afetadas
pela doença - os neurônios motores. Também coube a Charcot a descrição da paralisia bulbar
progressiva (PBP) e da esclerose lateral primária (ELP), consideradas por ele distintas da
esclerose lateral amiotrófica.

Várias pesquisas foram realizadas por inúmeros médicos e cientistas, na tentativa de


avançar sobre os conhecimentos da doença. Foi assim que, em 1933, Brain introduziu o termo
doença do neurônio motor para todas às doenças, aparentemente distintas. E foram também
Brain, junto com outro médico de nome Walton que, em 1939, consideraram doença do neurônio
motor e ELA sinônimas.

Cada tipo de doença degenerativa afeta uma determinada região do sistema nervoso.
Os sinais e sintomas clínicos serão decorrentes deste duplo acometimento neuronal, contudo, a
atrofia muscular global com uma conseqüente paralisia é uma característica evidente.
Na ELA, há perda dos neurônios motores, cuja perda progressiva afeta todos os
músculos do corpo, provocando perda da força, paresia e atrofia dos músculos afetados.

A incidência anual da ELA é de 2/100.000 e a prevalência é de 6/ 100.000. Usualmente


é esporádica, mas entre 5 a 10% dos casos são herdados de forma autossômica dominante.
Embora a ELA afete mais frequentemente pessoas acima dos 40 anos, 10% dos casos
envolvem pacientes com menos de 40 e 5% com idade inferior a 30 anos. A ELA é mais 126
freqüente em homens, numa proporção aproximada de 1,2-1,6:1.

A idade média de início se situa ao redor dos 56 anos. A duração média da


enfermidade é estimada em três anos, com uma sobrevida maior que cinco anos somente em
20% dos pacientes e, maior que dez em 10%.

Na literatura médica estão descritos alguns fatores preditivos da sobrevida, como a


idade de início, o sexo e a apresentação clínica, assim como o tipo de progressão. A idade de
início parece ser o fator preditivo de maior relevância, já que os mais jovens têm uma sobrevida
significativamente maior.

Assim, a ELA é uma doença progressiva, com óbito ocorrendo em geral de dois a cinco
anos após o início da doença, sendo a insuficiência respiratória a principal causa de morte.

A ELA manifesta-se de modo excepcionalmente freqüente em certas áreas do Pacífico


leste como a Ilha de Guam, a península Kii do Japão, e oeste de Nova Guinea, Groote Eylenad
na Austrália e a região de Viluisk no leste da Sibéria.

De causa e patogênese ainda desconhecidas, nos últimos quinze anos tem sido
sugeridos mecanismos etiopatológicos diversos: morte celular por agressão auto-imune nos
canais do cálcio e incremento do cálcio intracelular, infecção viral, estresse oxidativo, dano por
radicais livres, neurotoxicidade por glutamato e disfunção das mitocôndrias ou dos mecanismos
de transporte axonal.

Há um componente genético óbvio em apenas 10% dos casos de ELA; esses casos
exibem significante heterogeneidade genética e fenotípica. Pelo menos 12 locus, com padrões
de herança dominante, recessivo e ligado ao X foram associados com a ELA da forma familiar e
outras síndromes relacionadas.
Desse modo, as formas hereditárias ou familiares são as únicas doenças do neurônio
motor que se conhecem as causas. As formas familiares de ELA correspondem de cinco a 10%
dos casos. Nos casos em que a doença é hereditária, estão identificados três locus de
transmissão autossômica dominante (21q22, 9q34 e 9q21-q22) e dois de transmissão
autossômica recessiva (2q33 e 15q15-q21).

Clinicamente, a doença evolui causando debilidade e atrofia progressiva da 127


musculatura respiratória e dos membros, espasticidade, distúrbios do sono, estresse
psicossocial e sintomas de origem bulbar como disartria e disfagia, podendo finalmente resultar
em morte ou ventilação mecânica permanente.

No começo da doença, os pacientes referem perda de força lentamente progressiva, a


princípio em uma extremidade, com debilidade e diminuição da massa muscular de predomínio
distal. Podem apresentar câimbras com mais freqüência do que o habitual, sobre tudo para a
prática de exercícios. Posteriormente, a afecção de uma extremidade se estende para a
contralateral. Também é comum a presença de fasciculações que aparecem inclusive em
músculos não paréticos.

Com o passar do tempo, a afecção muscular vai se tornando simétrica nos quatro
membros e transcorrido aproximadamente um ano, a maioria dos pacientes apresenta
tetraparesia em maior ou menor grau. Podem ser encontradas ainda a espasticidade e a
hiperreflexia, que associadas à ausência de déficits sensitivos constituem características
importantes para estabelecer o diagnóstico clínico.

Em alguns pacientes, o envolvimento da musculatura bulbar pode ser a manifestação


predominante, ou mesmo a única anormalidade. Em cerca de 25% dos casos, a ELA se
manifesta com sintomatologia bulbar, mas quase sempre, depois de um período de tempo
variável, se observam manifestações clínicas nas extremidades.

Os pacientes não apresentam comprometimento sensitivo, autonômico ou visual. Os


nervos que controlam os movimentos oculares e os segmentos sacrais inferiores da medula
espinhal, que controlam os esfíncteres, não são afetados. As funções corticais superiores, como
inteligência e memória, não são comprometidas. Os pacientes podem apresentar labilidade
emocional e depressão.
Considerada sem tratamento e incurável no passado, importantes avanços científicos
têm permitido terapias específicas que, em alguns casos, limitaram o curso natural da doença e
proporcionaram esperança de cura efetiva.

O tratamento desses pacientes é baseado na reabilitação e depende de uma


abordagem multidisciplinar. O tratamento reabilitador, portanto, permite prolongar a capacidade
funcional destes doentes, promoverem sua independência e garantir a melhor qualidade de vida 128
possível durante todo o processo assistencial.
14 NEUROPATIAS SENSITIVO-MOTORAS

O sistema nervoso periférico é constituído por todos os componentes nervosos que se


localizam fora do sistema nervoso central. São seus componentes os nervos cranianos, com 129
exceção do II, os componentes simpático e parassimpático do sistema nervoso autônomo, as
raízes nervosas, os nervos espinhais, os nervos periféricos, as terminações nervosas ao nível
dos músculos e dos fusos musculares, das glândulas e vasos sanguíneos e os receptores de
estímulos periféricos.

Qualquer afecção que acometa componentes do sistema nervoso periférico recebe a


denominação de neuropatia periférica.

As neuropatias periféricas podem ter início abrupto, com comprometimento de


intensidade máxima, evolução clínica variável entre aguda, subaguda e crônica.

O quadro clínico típico inicia-se com sintomas localizados nas plantas dos pés, com
sensação de picada, formigamento ou queimação, alterações na sensibilidade, ascendente e
simétrica (sensibilidade vibratória e termoalgesia), déficit motor (dificuldade para dorsiflexão de
ambos os pés e marcha com os pés caídos), sintomas em quirodáctilos bilateral e
simetricamente.

As neuropatias periféricas podem ser divididas em tipos específicos, de acordo com a


seletividade funcional:

• Neuropatias com predomínio de comprometimento motor (síndrome de Guillain


Barré, porfiria, difteria, neuropatia desmielinizante inflamatória crônica)
• Neuropatias com predomínio de comprometimento sensitivo (hanseníase,
diabetes mellitus, amiloidose, deficiência de B12, neuropatia sensitiva hereditária, heredoataxias
espinhais)
• Neuropatias mistas (sensitivo-motoras)
• Neuropatias periféricas paraneoplásicas (comprometimento com características
das três condições anteriores)
• Neuropatias com predomínio de comprometimento no sistema nervoso
autônomo (amiloidose, diabetes mellitus, síndrome de Riley- Day)
As neuropatias hereditárias sensitivo-motoras são um grupo heterogêneo de
desordens dos nervos periféricos com uma grande prevalência. Elas têm uma grande
variabilidade fenotípica e clínica entre os membros de uma mesma família e entre famílias.

A variabilidade fenotípica parece estar bem relacionada com a grande quantidade de


mutações em genes diferentes, mas a classificação exata de esta entidade necessita dos 130

avanços tecnológicos da genética molecular.

Doença de Charcot-Marie-Tooth (CMT)

A doença de CMT é um dos grupos mais comuns de neuropatias genéticas,


aparecendo com uma prevalência relativamente alta uma a 2500 pessoas nos EUA, 10.8 casos
por 100.000 habitantes no Japão, 17.5 casos a cada 100.000 habitantes na Itália e 28.2 por
100.000 pessoas na Espanha.

Em 1886, Professor Jean Martin Charcot de França (1825-1893) e o estudante dele


Pierre Marie (1853-1940) publicaram a primeira descrição de fraqueza muscular distal
começando nas pernas, a que deram o nome de atrofia muscular peroneal.

Howard Henry Tooth (1856-1926) descreveu a mesma doença em sua dissertação de


Cambridge em 1886, chamando a condição de atrofia muscular peroneal progressiva. Ele foi o
primeiro a os atribuir sintomas corretamente a uma neuropatia ao invés de mielopatia, como
alguns médicos fizeram anteriormente.

Em 1912, Hoffman identificou um caso de atrofia muscular peroneal com nervos


engrossados. Esta doença foi chamada de doença de Hoffman e posteriormente ficou conhecida
como Doença de Charcot-Marie-Tooth-Hoffman.

A CMT apresenta uma heterogeneidade genética muito grande, isto é, mutações


genéticas localizadas em diferentes cromossomos podem produzir quadros clínicos muito
semelhantes.
Quanto ao mecanismo de herança, a maioria dos casos familiares é transmitida por
herança autossômica dominante. Porém, há descrições de famílias com herança recessiva ou
ligada ao cromossomo X.

O avanço dos estudos moleculares, nos últimos anos, tem colaborado na melhor
caracterização e no diagnóstico de vários tipos e subtipos das neuropatias periféricas
hereditárias de CMT e também da neuropatia hereditária sensível à compressão. 131

A forma mais freqüente de neuropatia de CMT é a forma 1 (CMT1), de herança


autossômica dominante, que é causada por uma duplicação de uma região específica do
cromossomo 17, denominada 17p11.2-p12. Ao contrário da duplicação, uma deleção desta
mesma região é responsável pela neuropatia hereditária sensível a compressão.

Pelo fato da variabilidade clínica ser bastante ampla e as variações entre os diferentes
tipos de CMT serem sutis, o diagnóstico diferencial entre eles só é possível por meio de exames
moleculares (exames de DNA).

As medidas da velocidade de condução nervosa motora (VCN), obtidas por intermédio


da ENMG, são utilizadas para classificar a CMT em dois grupos principais: tipo 1 (CMT1), na
qual os pacientes têm VCN diminuída, e tipo 2 (CMT2), onde a VCN é normal ou um pouco
aumentada.

A CMT1 é conhecida como forma hipertrófica devido ao extenso processo de des e re


– mielinização segmentar produzindo um espessamento do nervo. Já a CMT 2 é caracterizada
por degeneração axonal, sem desmielinização segmentar.

Independente do tipo, as manifestações clínicas da CMT são fraqueza e atrofias


musculares, predominando nas porções distais dos membros superiores e inferiores.

Os sintomas começam na primeira ou segunda décadas de vida, manifestando-se por


marcha escarvante, queda da ponta dos pés e pés cavos.

As atrofias distais das pernas conferem um aspecto de “pernas de cegonha” (Figura 7)


e posteriormente ocorre atrofia dos músculos intrínsecos dos pés, ocasionando um aumento do
arco medial e dedos em garra.
132

Figura 7 – Deformidades dos pés de um menino de 16 anos com CMT tipo 1.

Reproduzida de http://www.emedicine.com/pmr/topic29.htm

As deformidades dos pés são freqüentes, podendo constituir a única manifestação da


doença nos pacientes com comprometimento leve. A atrofia dos músculos intrínsecos das mãos
ocorre mais tardiamente.

Nota-se uma grande variação quanto ao grau de comprometimento motor entre os


pacientes, inclusive dentro de uma mesma família.

Os pacientes com comprometimento leve permanecem deambuladores por longos


períodos e até mesmo por toda a vida. As alterações sensitivas quando presentes são discretas,
e os reflexos são diminuídos ou abolidos. Eventualmente nota-se tremor das extremidades e a
escoliose pode surgir com a evolução da doença.

Ao investigar a presença da doença durante a anamnese os pacientes podem reclamar


inicialmente de dificuldades para caminhar, com tropeços e quedas freqüentes devido à fraqueza
distal nos membros inferiores. Os pais podem informar que a criança é desajeitada ou
simplesmente não muito atlética. A dor, tanto musculoesquelética como neuropática, pode estar
presente.
Resumidamente, a doença de Charcot-Marie-Tooth manifesta-se na criança a partir
dos três anos, por meio de comprometimento tibial anterior lentamente progressivo, que leva ao
peculiar aspecto de pé caído e à marcha escarvante. Gradativamente, instala-se atrofia de
predomínio distal, importante deformidade dos pés bilateralmente e, mais tardiamente, fraqueza
dos músculos das mãos.

133

Neuropatias periféricas adquiridas – Síndrome de Guillain-Barré

As neuropatias periféricas (NP) adquiridas são um grupo heterogêneo de processos


cuja etiologia pode ter múltiplas causas, potencialmente associáveis.

Sua abordagem depende do diagnóstico e dos processos a que se relaciona. Por isso,
devem-se distinguir entre os quadros, aqueles em que a NP é a apresentação semiológica
principal e aqueles em que ela é secundária entre os diversos sintomas de um processo
sistêmico.

Estudos epidemiológicos mostram que as NP adquiridas representam de 40 a 50% do


total das neuropatias, não se encontrando uma etiologia definida em 13 a 24% dos casos.

Existe um grupo de polineuropatias adquiridas de predomínio desmielinizante de


grande transcendência clínica. A complexa patogenia deste grupo de NP tem sido estudada por
modelos experimentais. O mecanismo primário é o aparecimento da resposta auto-imune frente
às moléculas de carboidratos presentes em glicolipídios da mielina neural.

Essa síndrome é caracterizada por paralisia flácida, rapidamente progressiva e


arreflexia. Foi inicialmente descrita por Wardrop e Oliver entre 1834 e 1837. Jean B. O. Landry
indicou com certeza, em 1859, que o processo estava localizado nos nervos periféricos e que
teria uma evolução aguda e ascendente. Mais tarde, em 1891, os médicos militares franceses
Guillain e Barré (com auxílio de Strohl) verificaram achados característicos de dissociação
albumino-citológica no líquor.
Hoje, a síndrome de Guillain-Barré (SGB) inclui diversas formas clínicas (tabela 3), das
quais a mais freqüente é a polineuropatia inflamatória desmielinizante aguda, denominada forma
“clássica” de SGB.

A SBG atinge de 1 a 2 indivíduos por 100.000 habitantes, sendo mais freqüente em


homens e em qualquer faixa etária. Esta doença aparece freqüentemente associada há dias ou
semanas após sintomas pregressos de uma infecção virótica respiratória superior ou 134
gastrointestinal, ou ainda raramente após intervenções cirúrgicas.

Tabela 3 – Formas clínicas e variantes da Síndrome de Guillain-Barré.


Reproduzida de ARAGUZ. Neuropatias periféricas adquiridas. Medicine 1998; 7(98): 4554-4564,
p. 4556.

A etiologia deste tipo de polineuropatia é auto-imune, pois se acredita que o sistema


imune do portador gera anticorpos que passam a destruir a camada de mielina circundante dos
axônios, reconhecendo a mesma como um agente estranho ao organismo, culminando em uma
propagação do impulso nervoso, cada vez mais lenta até a sua célula-alvo. O ciclo evolutivo
desta síndrome é autolimitado apresentando-se em três fases: a fase inicial (fase de instalação
neurológica), a qual persiste por sete a dez dias, período de estado que se caracteriza por maior
evidência dos sinais e sintomas tendo uma duração de duas a quatro semanas, e a última fase
de resolução da sintomatologia que ocorre de duas a três semanas do período de estado.

Devido à agressão constante à camada de mielina, a fraqueza muscular se torna então


a principal característica da SGB sendo de caráter progressivo, simétrica e ascendente, em que
a intensidade varia de fraqueza mínima em membros inferiores, até paralisia total dos quatro 135
membros, tronco, dos músculos envolvidos na respiração, paralisia bulbar e facial.

Porém, outros sinais compõem o quadro clínico tais como: parestesia e dor em
queimação, comprometimento da propriocepção articular, principalmente ao nível de membros
inferiores; desregulação autonômica com a flutuação da pressão arterial, da freqüência cardíaca
e hipotensão ortostática; hiporeflexia principalmente bicipital e patelar ou até mesmo arreflexia
distal; hipersensibilidade ao toque; comprometimento dos nervos cranianos resultando em
diplegia facial, disfagia e disartria.

Um dos principais agravantes para o óbito destes pacientes é a insuficiência


respiratória, devido à rápida ascensão da paresia que podem levar à necessidade de assistência
ventilatória, uma vez que podem atingir a musculatura diafragmática, a intercostal, músculos da
faringe, laringe e língua. Tal circunstância pode culminar em alteração do drive respiratório,
aumento da freqüência cardíaca, respiração paradoxal, diminuição do reflexo de tosse, alteração
da relação ventilação/perfusão, hipoventilação, atelectasia e hirpercapnia.

O diagnóstico é feito a partir da investigação da sintomatologia devendo fechar um


quadro de desenvolvimento agudo de neuropatia sensitivo-motora simétrica após episódios
viróticos ou intervenção cirúrgica, associada a exame do líquido cefalorraquidiano (LCR) e
achados de eletroneuromiografia.

No exame de líquor a contagem de proteínas comumente está aumentada


apresentando valores entre 100 a 300 mg/dL (normalidade entre 15 a 50mg/dL), sendo que essa
elevação se dá porque a permeabilidade das raízes nervosas na medula espinhal está alterada,
potencializando a entrada de proteínas da corrente sanguínea ou impedindo que as mesmas
sejam absorvidas pelo LCR. E a eletroneuromiografia registra a acentuada queda dos potenciais
de ação musculares, representando a lentificação da condução nervosa pelo axônio.
Quanto à recuperação da síndrome, esta é acelerada pela instituição imediata de
plasmaferese ou com a terapia imunoglobulínica endovenosa (IgEV), assim como com a
intervenção de uma equipe multiprofissional.

A plamaferese constitui o processo de filtração do plasma sanguíneo para a remoção


dos anticorpos agressores circundantes, com a retirada de 50ml/kg de, em cada uma de cinco
sessões, onde o plasma é substituído por albumina, a fim de que o paciente não fique 136
imunossuprimido e mais vulnerável a infecções.

Já a terapia imunoglobulínica endovenosa (IgEV) consiste na administração em doses


de 0,4g/Kg/dia durante cinco dias consecutivos, exercendo a função de anticorpos destruindo
realmente as proteínas estranhas ao organismo.

Apesar de a maioria dos casos apresentarem cura espontânea, 15-20% ficam com
déficit residual, 15-30% necessitam assistência ventilatória, 5-20% vão a óbito.
15 ASSISTÊNCIA NAS DOENÇAS NEUROMUSCULARES

Reabilitação em Equipe

Reabilitação expressa a recuperação das condições funcionais nos pacientes 137

portadores de incapacidades. Assim, é o conjunto de procedimentos diagnósticos e terapêuticos


aplicados ao indivíduo portador de incapacidade, de etiologia e graus variados, transitória ou
definitiva, que objetivam o restabelecimento da funcionalidade do indivíduo, no que diz respeito
as suas capacidades físicas, psíquicas, sociais e profissionais, possibilitando-lhe a retomada dos
papéis na família e na sociedade.

Entretanto, quando se fala de reabilitação em pediatria, especialmente de bebês e


crianças com problemas congênitos, o termo fica inadequado, pois se trata de uma habilitação
das funções e capacidades psicomotoras, já que as mesmas não foram adquiridas
anteriormente.

Mas, tanto reabilitar como habilitar são tarefas multiangulares, dada a variedade de
comprometimentos que podem coexistir em decorrência de uma lesão. São processos de
consolidação de objetivos terapêuticos, não caracterizando área de exclusividade profissional, e
sim uma proposta de atuação multiprofissional voltada para a recuperação e o bem-estar
biopsicossocial do indivíduo.

O diagnóstico anatômico e o reconhecimento de lesões estáveis ou em evolução é


tarefa que pode necessitar da concorrência de médicos de várias especialidades.

Uma vez feito o diagnóstico, uma equipe de profissionais da saúde entra em cena para
acompanhar a melhora da qualidade de vida do paciente, incluindo monitorização da ingestão de
alimentos e líquidos, cuidados respiratórios, hidratação, controle de hipersalivação, constipação
e micção, assim como maiores cuidados pessoais, tais como, apoio emocional, manutenção e
controle da dor.

A partir daí deve-se definir os objetivos terapêuticos, detalhar os cuidados, que devem
ser múltiplos e focados por diferentes ângulos, de modo que a assistência seja desenvolvida por
um grupo de profissionais voltados às necessidades do paciente, seu desenvolvimento motor,
estimulação da fala e da linguagem, estímulos cognitivos, adequação de aspectos emocionais e
afetivos, prevenção de deformidades, orientação aos cuidadores no sentido de compreender as
limitações e aceitá-las.

Este grupo de terapeutas, habilitados e especializados, constitui a equipe


multiprofissional. 138

O principal aspecto positivo da atuação em equipe é a possibilidade de colaboração de


várias especialidades que denotam conhecimentos e qualificações distintas. Esse mesmo
aspecto, entretanto, pode dificultar a compreensão mútua e a possibilidade de uma tarefa
uniforme, pelas diferenças próprias de cada área, tanto em nível do conhecimento em si, como
da própria tarefa.

A equipe multiprofissional é, hoje, uma realidade necessária em todos os espaços


onde se praticam ações que visam melhorar a qualidade de saúde e de vida das populações. A
questão é como fazê-la funcionar de modo homogêneo, democrático, agregador e cooperativo.

Para o trabalho da equipe, três fatores devem ser abordados: capacitação profissional,
a interface do trabalho dos profissionais e a autonomia dos profissionais.

A equipe deverá ter uma composição variada segundo as possibilidades permitidas


pelas disponibilidades dependendo da instituição ou do tipo de clientela.

Os profissionais que podem integrar a equipe multiprofissional são: médico, psicólogo,


fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, enfermeira, fonoaudiólogo, nutricionista, e eventualmente,
pedagogo, educador físico e assistente social.

Para o sucesso do trabalho em equipe são fundamentais: ação conjunta da equipe,


direcionando esforços para pontos específicos a cada momento; interação paciente/equipe;
interpretação do diagnóstico, da incapacidade e do prognóstico da reabilitação; definição das
ações que serão levadas a efeito; definição do tempo proposto para a aplicação destas;
definição do que se pretende atingir por meio de suas aplicações.
Em se tratando de doenças neuromusculares, em muitos casos a assistência domiciliar
se faz necessária. Deve-se considerar, ainda, a colaboração desse sistema para a melhoria da
qualidade de vida do paciente e de seus familiares.

O atendimento domiciliar poderá acelerar a recuperação do paciente e promover


redução dos custos, sendo uma saída mais humana e econômica para os portadores de
doenças crônicas ou de longa duração. Outro fator importante é que o paciente ficará afastado 139
do risco de infecções hospitalares e do estresse da internação, sendo ainda beneficiado com a
atenção de seu médico de confiança e de todos os recursos necessários, incluindo uma equipe
multiprofissional.

Assim, se faz necessária a definição de alguns termos:

• Assistência domiciliar: termo genérico usado para qualquer ação em saúde que
se processe em domicílio, sem levar em conta a complexidade ou objetivo do atendimento, indo
de uma orientação simples até suporte ventilatório invasivo domiciliar.

• Internação domiciliar: relacionada com o cuidado intensivo e multiprofissional no


domicílio, caracterizado por deslocamento de uma parte da estrutura hospitalar para a casa do
paciente, promovendo um cuidado de moderada a alta complexidade, semelhante a um hospital
em casa.

• Atendimento domiciliar: abrangendo os cuidados de saúde, multiprofissionais ou


não, semelhantes a um consultório em casa.

Contudo, as variações de conceitos estão ligadas ao contexto sociocultural do paciente


e às diferenças de interpretação que variam de uma empresa para outra, ou de um serviço para
outro.

Seja no atendimento domiciliar, no centro de reabilitação ou em clínicas devem-se


diferenciar as necessidades reais do paciente dos anseios da equipe, assim como estar atento
as reais interesses e à realidade do paciente (inclui aspectos econômicos, sociais, familiares,
culturais e ambientais).

As equipes de reabilitação buscam sempre melhorar a qualidade de vida de seus


pacientes, de modo que por intermédio de suas ações, promovam independência, auto-
suficiência, auto-estima, profissionalização e outros.
15.1 Medicina nas doenças neuromusculares

Quando citamos o profissional médico e sua atuação nas doenças neuromusculares,


lembramos de seu papel no diagnóstico e aconselhamento genético. 140

A biologia molecular tem contribuído de maneira significativa para a compreensão de


como nossos genes funcionam, quando normais e por que causam doenças quando alterados.
Além disso, o diagnóstico molecular para um número crescente de patologia tem sido fantástico
para evitar outros exames invasivos, identificar casais em risco e prevenir o nascimento de
novos afetados (a partir do aconselhamento genético e do diagnóstico pré-natal). Entender como
nossos genes funcionam é o primeiro passo para o tratamento dessas patologias.

Casais ou famílias que já tiveram filhos ou parentes afetados por uma doença genética
podem, por meio de testes genéticos, saber se correm o risco de vir a ter outros descendentes
com o mesmo problema e planejar a sua futura prole. Os casais em risco que desejam ter seus
próprios filhos podem se submeter ao diagnóstico pré-natal. Este permite diagnosticar ao redor
da décima semana de gestação se o feto herdou o gene mutado.

Na investigação de doenças neuromusculares, suas causas são classicamente


avaliadas por meio da determinação das enzimas musculares, principalmente
creatinofosfoquinase, da eletromiografia e da biópsia muscular, ou ainda por marcadores
moleculares.

O diagnóstico leva em consideração também os dados colhidos na anamnese, como


histórico familiar, início e modos de instalação da doença, sintomatologia e grau de progressão
da doença entre outros.

Além do diagnóstico e aconselhamento genético, os médicos de diversas


especialidades (neurologistas, ortopedias, fisiatras, etc.), devem atuar tanto no controle da
doença de base, quanto na abordagem das incapacidades de maneira integral.

A avaliação da incapacidade engloba a sua identificação e a definição dos cuidados


que deverão ser observados, a fim de evitar eventuais agravamentos. Também a avaliação da
funcionalidade do paciente deve ser feita, verificando quais as atividades ele consegue realizar e
o modo como as realiza, se são capacidades remanescentes, o grau de dependência e o
impacto causado pela instalação da deficiência.

15.2 Psicologia e as doenças neuromusculares


141

A atuação do psicólogo se faz necessária aos pacientes neuromusculares, pais,


cuidadores e profissionais da equipe de reabilitação. Nas famílias em que um de seus membros
esteja doente, três subsistemas estariam interagindo: o paciente e sua enfermidade, a família e
sua rede social e os serviços de saúde. A intervenção psicológica deve orientar-se para o que
ocorre em cada um e entre esses subsistemas.

As doenças neuromusculares são doenças crônicas que provocam graves limitações


físicas e influências no aspecto emocional dos pacientes, sendo que algumas têm prognósticos
negativos e fazem com que o paciente conviva com a perda progressiva de suas funções
motoras e podem levar ao óbito.

A doença crônica se caracteriza por seu curso demorado, progressão, necessidade de


tratamentos prolongados e pelo seu impacto na capacidade funcional do paciente. Embora o
tratamento médico para as doenças neuromusculares tenha evoluído e as taxas de sobrevida
tenham aumentado de forma significativa, o paciente geralmente precisa passar por
procedimentos médicos aversivos, hospitalizações e agravamento de sua condição física.

A complexidade da doença, o seu tratamento, o uso e o acesso às tecnologias


influenciam a trajetória da doença crônica. Assim, algumas fases da doença podem ser
previsíveis, e outras, incertas, porém todas causam impactos e danos à criança e família. Cada
fase tem tarefas próprias, requerendo delas mudanças de comportamento, de atitude e
readaptações.

Existem três fases na história da doença crônica: a fase de crise, caracterizada pelo
período sintomático até o início do tratamento, ocorrendo uma desestruturação na vida do
paciente e da família; a fase crônica, marcada pela constância, progressão e remissão do quadro
de sinais e sintomas, quando o paciente e a família procuram dar autonomia e reestruturação às
suas vidas, e a fase terminal, abrangendo desde o momento em que a morte parece inevitável,
até a morte propriamente dita.

A doença neuromuscular impõe modificações na vida do paciente e sua família,


exigindo readaptações frente à nova situação e estratégias para o enfrentamento. Esse processo
depende da complexidade e gravidade da doença, da fase em que eles se encontram e das 142
estruturas disponíveis para satisfazer suas necessidades e readquirir o equilíbrio.

Assim, o tratamento psicológico torna-se necessário para auxiliar paciente e família na


luta diária contra as múltiplas perdas proporcionadas pela doença, entre elas: fala, deglutição,
respiração, movimentação e realização das atividades de vida diária.

A depressão, raiva, negação, hostilidade, desesperança, incertezas são características


presentes na vida destes pacientes; portanto, o psicólogo e os diversos profissionais que o
acompanham devem avaliá-los em cada estágio, direcionando seu tratamento para suprir a
necessidade atual do paciente ou do familiar.

Quando nos referimos à criança, o esperado é que ela viva situações de saúde, para
crescer e desenvolver-se dentro dos limites da normalidade, porém quando, nos defrontamos
com ela, na condição de doente, como todo ser humano, tem seu comportamento modificado.
Sua reação diante dessa experiência desconhecida, que é a doença, pode lhe trazer
sentimentos de culpa, medo, angústia, depressão e apatia, e ameaçar a rotina do seu dia-a-dia.

Nos casos crônicos, especialmente, a criança e o adolescente têm seu cotidiano


modificado, muitas vezes, com limitações, principalmente físicas, devido aos sinais e sintomas
da doença e podem ser freqüentemente submetidos a hospitalizações para exames e tratamento
à medida que a doença progride. Assim, a hospitalização permeia seus processos de
crescimento e desenvolvimento, modificando, em maior ou menor grau, o cotidiano, separando-
os do convívio de seus familiares e ambiente.

A contextualização do estresse familiar associado à doença neuromuscular,


especialmente o parental, precisa levar em conta as próprias características das mães e pais e a
percepção que eles possuem com relação à doença do filho. As diferentes respostas que as
famílias têm com relação ao estresse podem ser muito influenciadas pela rede de apoio
psicológico que possuem.

O isolamento social da família em que um dos membros é portador de doença crônica


é um acontecimento freqüente que pode deixar o doente mais vulnerável a transtornos
emocionais, perpetuar o estigma da doença e criar problemas para o enfrentamento da
enfermidade. Isso pode ocorrer por diversas razões, dentre elas a natureza da própria doença e 143
o estigma social.

Às repetidas visitas a médicos, hospitais e a necessidade de assegurar que as


medicações sejam dadas em horas específicas são fatores que potencializam o estresse dessas
mães e pais com um filho com doença neuromuscular. Eles sentem seus papéis parentais muito
mais exigidos do que nas situações em que a criança é saudável. Mesmo assim, é importante
que eles sejam encorajados desde cedo a participar das rotinas de cuidados e remédios com a
criança.

Dessa forma, é fundamental que, na assistência do paciente neuromuscular, o cuidado


contemple não somente os aspectos técnicos, mas também suas necessidades físicas,
emocionais e sociais e que, por meio de estratégias, minimize o estresse ocasionado pelas
intervenções, tanto físicas quanto emocionais.

Eles precisam se ajustar a limitações físicas, alimentares e de socialização, nesse


processo da doença e tratamento, e os pais/cuidadores e os profissionais da saúde devem
estimulá-los a manter a autonomia e a independência.

15.3 Fisioterapia e as doenças neuromusculares

Apesar da incapacidade ocasionada diante de doenças degenerativas e de caráter


progressivo, o fisioterapeuta, assim como toda a equipe de reabilitação, tem papel de
fundamental importância, na tentativa de estabelecer uma melhor qualidade de vida, mediante
ao trabalho com o paciente e sua família.
A fisioterapia é fator de extrema importância do ponto de vista motor e respiratório,
proporcionando atenção especial às crianças que apresentam doenças neuromusculares,
atuando na prevenção e no tratamento de deformidades ósseas e distúrbios respiratórios,
resultando em melhora da qualidade de vida.

A intervenção deve ser realizada pela fisioterapia motora, respiratória e em alguns


casos, pela hidroterapia. Associa-se um conjunto de finalidades formadoras de todos os planos 144
terapêuticos com seus objetivos bem direcionados (de curto, médio e longo prazo), os quais
garantem orientações particulares e coletivas, por exemplo, familiar, desenvolvimento de
habilidades motoras funcionais, estática e dinâmica, para a conquista ou manutenção da
independência funcional.

A atuação fisioterapêutica irá variar de acordo com o estágio da evolução clínica. Os


objetivos da reabilitação de doentes neuromusculares são maximizar as capacidades funcionais,
prolongar ou manter as funções e a locomoção independente, inibir ou prevenir deformidades
físicas e proporcionar a reintegração social.

Na perspectiva de desenvolver/manter habilidades motoras específicas para a


independência funcional, a conquista de autonomia, bem-estar e saúde, o fisioterapeuta deve:

• Melhorar/manter a qualidade e a quantidade de movimentos realizados de


acordo com a necessidade funcional vigente;

• Promover a capacitação em movimentos de caráter funcional utilizáveis em


tarefas cotidianas e desportivas (paradesporto);

• Orientar a respeito da importância do estímulo ao uso funcional das habilidades


aprendidas, que visa não apenas a manutenção das capacidades físicas adquiridas, mas
também o autodesenvolvimento das adaptações necessárias;

• Estimular o encorajamento para a realização de atividades mais complexas e


interativas, como jogos, competições, brincadeiras, que necessitam de uma presença física mais
evidente, bem como a vontade motivadora de conseguir um resultado positivo;

• Promover o gosto pela prática regular da atividade reabilitacional, buscando de


maneira variável, e de acordo com o entendimento, salientar a compreensão da importância do
tratamento na dimensão individual e social (autonomia, independência funcional, bem-estar,
saúde, cultura, sociabilidade, integração);
• Promover a formação de habilidades motoras para auxiliar a construção e
estruturação de hábitos, atitudes e conhecimentos relativos à interpretação e participação social
no seio das quais se desenvolvem as atividades cotidianas.

Não há um programa de tratamento estabelecido, cada paciente necessita de uma


abordagem específica, de acordo com suas necessidades individuais, a fim lhe proporcionar
conforto e bem-estar. Mas, em geral as condutas fisioterapêuticas envolverão os seguintes
objetivos: 145

• Melhorar/manter/retardar a perda de força muscular,

• Evitar/reduzir contraturas e deformidades,

• Promover/estimular/prolongar a marcha,

• Manter/melhorar a função respiratória,

• Estimular a independência e as funções físicas,

• Promover a educação pais – filhos,

• Melhorar a qualidade de vida social, fomentando uma plena participação em


atividades de lazer.

Contudo, diante do caráter progressivo da maioria das doenças neuromusculares, o


conhecimento prévio sobre o curso da doença é importante e permite ao fisioterapeuta
determinar os objetivos a cada paciente, salientando suas possibilidades e potencialidades, sem
que ocorra uma maior evidência das dificuldades, evitando-se frustrações desnecessárias.

15.4 Terapia Ocupacional nas doenças neuromusculares

A terapia ocupacional tem papel importante nas doenças do neurônio motor, uma vez
que avalia o paciente na sua rotina de vida diária e a partir daí realiza o planejamento visando à
independência deste indivíduo em suas atividades sociais, laborativas e recreacionais.

O paciente com uma enfermidade do sistema nervoso sofre limitações na execução de


suas atividades de vida diária, e o trabalho do terapeuta ocupacional pode ajudá-lo a obter um
maior grau de funcionalidade, a ser mais independente e a desfrutar de uma vida mais plena.
Cabe ao terapeuta ocupacional criar estratégias que incentivem o indivíduo a continuar
agindo sobre o mundo, mantendo sua capacidade de criar, expressar e produzir, buscando
conhecimento, superação ou diminuição do impacto de suas limitações em seu cotidiano e fazer
surgir suas capacidades e potencialidades.

Assim como os procedimentos fisioterapêuticos, a intervenção da terapia ocupacional


dependerá dos aspectos individuais do paciente. Após a avaliação, que inclui as atividades 146
motoras, as funções dos membros superiores, os aspectos percepto-cognitivos e sensoriais, o
desempenho funcional e os aspectos emocionais, são traçados objetivos específicos do
tratamento.

De maneira geral, os objetivos da terapia ocupacional nas doenças neuromusculares


são:

• Manter/melhorar a força muscular;

• Manter amplitude de movimento;

• Prevenir encurtamentos, contraturas e deformidades;

• Manter/melhorar a função manual;

• Realizar estimulação percepto-cognitiva;

• Estimular a consciência corporal, organização temporo-espacial e imagem


corporal;

• Estimular a maior independência possível nas atividades de vida diária;

• Orientar sobre o posicionamento adequado;

• Prescrever adaptações em mobiliários e utensílios, quando preciso;

• Prescrever órteses, quando necessário;

• Orientar a família e/ou cuidadores.

A terapia ocupacional deve orientar e planejar junto ao paciente e sua


família/cuidadores as estratégias de simplificação de tarefas e conservação de energia, por meio
do estabelecimento de prioridades, alternando períodos de descanso, evitando tarefas repetidas
com carga, realizando modificações no meio por meio de adaptações. As adaptações podem
facilitar as atividades de alimentação, vestuário, higiene, sono, brincar/lazer e escola/trabalho.
15.5 Enfermagem nas doenças neuromusculares

A enfermeira na reabilitação do paciente neuromuscular é responsável por avaliar e dar


as orientações necessárias, relacionando as condições higiênicas, ambientais, medicamentosas
e outras medidas preventivas.
147
Após a identificação das dificuldades do paciente, o enfermeiro escolhe os cuidados
mais adequados. Os problemas mais comuns encontrados nas doenças neuromusculares e os
respectivos cuidados de enfermagem são (Tabela 1):

Problemas neuromusculares Cuidados de enfermagem


comuns

Insuficiência respiratória Manter cabeceira do leito do paciente elevada, para


evitar pneumonia por aspiração de corpo estranho ou fluídos
(Padrão respiratório ineficaz
para os pulmões;
devido à disfunção neuromuscular/fadiga
muscular). Posicionar o paciente de forma a promover o
conforto, segurança e expansão pulmonar;

Examinar a respiração do paciente e avaliar quanto à


dificuldade;

Observar cianose periférica e de extremidades;

Avaliar distensão abdominal.

Dificuldade de deglutição Supervisionar o suporte nutricional;

Manter a cabeceira elevada durante as refeições para


evitar broncoaspiração;

Monitorar as refeições para avaliar o nível de


dificuldade de deglutição;

Avaliar o ressecamento da mucosa oral;

Atentar para adaptação do paciente à dieta prescrita.

Mobilidade física prejudicada Dar apoio psicológico ao paciente e seus familiares, e


relacionada a prejuízos sensório- fornecer informações sobre a doença; 148
perceptivos, musculoesqueléticos e
Providenciar apoio para os pés e mãos, para
neuromusculares.
prevenção de deformidades, caso o paciente não tenha
órteses;

Evitar neuropatias compressivas por posturas


viciosas;

Evitar úlceras de decúbito com a mudança do cliente


no leito de 2/2h;

Prevenir trombose venosa profunda e embolia


pulmonar com a administração de medicamentos
anticoagulantes de acordo com a prescrição médica;

Promover alívio da dor com a administração de


fármacos como a prescrição médica.

Dificuldade para urinar Realizar balanço Hídrico rigoroso;

(eliminação urinária prejudicada Implementar sonda vesical de demora, quando


ligada ao dano sensório-motor) necessário;

Administrar líquidos com segurança, conforme


prescrição médica;

Estar atento à administração de medicamentos e


seus efeitos;

Notificar ao médico sobre o débito urinário diminuído;


Compreender e aceitar as ansiedades básicas do
cliente agudamente traumatizado.

Inquietação Providenciar tratamento rápido e confiável;

(ansiedade ligada à angústia Manter a família informada sobre a condição do


respiratória e à situação de risco de vida) paciente e o tratamento que está sendo administrado;

Fornecer explicação simples e franca sobre a doença


149
e o tratamento que está sendo realizado;

Incentivar a participação ativa e apoiar os esforços


para aderir ao plano de tratamento.

Tabela 1 – Cuidados de enfermagem nas dificuldades de pacientes


neuromusculares.

15.6 Fonoaudiologia nas doenças neuromusculares

O fonoaudiólogo avaliará e realizará a terapêutica relacionada aos problemas do


aparelho fonoarticular e alimentar dos pacientes com doença neuromuscular. As informações
relacionadas a este conhecimento permitem a contribuição da fonoaudiologia na definição de
diagnósticos e condutas terapêuticas que propiciem melhor qualidade de tratamento.

As disfunções neurológicas podem afetar a ação muscular responsável pelo transporte


do bolo alimentar da cavidade oral para o esôfago que denominamos de disfagia neurogênica.

Disfagia é um distúrbio da deglutição que pode afetar qualquer momento do processo,


desde a preparação do alimento, diminuição da peristalse faríngea, até alterações
anatomofisiológicas do esôfago. Não é uma doença, mas um sintoma de uma patologia de base.

Pacientes neuromusculares, especialmente crianças hipotônicas, têm dificuldades


específicas com a deglutição e alimentação, como tosse, engasgos freqüentes e dificuldades
com algumas consistências.
A maior dificuldade está relacionada com a manipulação oral da comida, onde
pacientes tem dificuldades de levar a comida à boca ou abrir a boca seguida de deficiências da
musculatura facial, sendo estes problemas com a propulsão oral e faríngea, relacionadas com
envolvimento bulbar (presentes na ELA, AME, etc.).

A ocorrência de aspiração é um dos principais indicativos de disfagia e ao mesmo


tempo o mais preocupante nas doenças neuromusculares, pois pode levar a comprometimentos 150
pulmonares (pneumonia, doenças do parênquima pulmonar, bronquiectasias). O fato da via
aérea ser próxima do canal alimentar e o ar utilizar, no seu trajeto, a mesma passagem que o
alimento (cavidade oral e faringe) fazem com que o risco de aspiração exista mesmo para
crianças com estruturas e funções normais.

Para evitar aspirações, os pulmões contam com três mecanismos reflexos de proteção:
tosse, fechamento laríngeo e deglutição. Em pacientes com doença neuromuscular os reflexos
de proteção estão geralmente ausentes ou alterados, as aspirações são mais freqüentes.

Alguns dos sinais indicativos de distúrbios da deglutição são: período de alimentação


maior que 30 a 40 minutos, sucção fraca, alteração brusca da respiração durante a alimentação,
reflexo de vômito exagerado ou tosse durante a alimentação, irritabilidade ou problemas
comportamentais durante a alimentação, movimentos de boca exagerados durante mastigação
e/ou deglutição, sobra de alimento na língua ou vestíbulo após a deglutição, baba excessiva,
pigarro depois de comer ou beber, alterações vocais durante ou depois da alimentação
(rouquidão), refluxo nasal, recusa inexplicável de alimentos, expectoração mucopurulenta e
infecção pulmonar recorrente.

Além da disfagia, muitos pacientes neuromusculares têm comprometimento


respiratório e dependem de ventilação mecânica invasiva por meio da traqueostomia, que
interfere em sua fala.

Durante a inspiração, parte do volume gerado pelo ventilador é desviada para as rotas
superiores, elevando as pressões subglóticas e permitindo a produção da fala. Mas, a fala em
pacientes ventilados é dependente do ciclo ventilatório e só é possível durante a inspiração e
numa pequena parte da expiração, ao contrário da fala normal que ocorre durante a expiração.
Assim, pensando em melhoria da qualidade de vida, otimizar da fala é um objetivo terapêutico
importante.
Dependendo da condição neurológica, alguns pacientes podem perder gradual ou
repentinamente a fala ou a capacidade lingüística e passam a fazer uso da comunicação
alternativa e ampliada – CAA (Figura 1). O termo CAA é utilizado para definir outras formas de
comunicação como o uso de gestos, língua de sinais, expressões faciais, o uso de pranchas de
alfabeto ou símbolos pictográficos, até o uso de sistemas sofisticados de computador com voz
sintetizada.
151

Figura 1 – Comunicação Alternativa Ampliada. Reproduzido de HOLMOY, T.;


WORREN, T. Communication aids in amyotrophic lateral sclerosis. Tidsskr Nor Laegeforen.
2006, 126(19), p. 2524.

É necessário que se dê importância a esses sinais para que a partir dos indícios e
dificuldades aparentes em cada paciente, este possa ser encaminhado a profissionais
responsáveis que sejam capazes de intervir no processo de deglutição e linguagem, fazendo
adaptações com o decorrer da doença de acordo com as necessidades de cada paciente. Por
intermédio dessas condutas, poderá haver melhora na qualidade de vida, melhorando o
processo de alimentação e fala, interferindo significativamente para que haja uma menor
desordem durante o processo degenerativo.
15.7 Nutrição e doenças neuromusculares

A função do nutricionista nas doenças neuromusculares é atuar na busca de qualidade


de vida, por meio da alimentação, informando e educando.

De acordo com a doença e quadro clínico do paciente, o nutricionista orienta sobre a 152
escolha dos alimentos e sua forma mais aceitável, tanto para o paciente como para sua família.

Em muitos casos, evitar a obesidade favorece a melhor atuação do músculo


enfraquecido pela doença, por isso o ganho podero-estatural deve ser monitorado.

Em função da atrofia da massa muscular própria destas doenças o peso tende a estar
em percentil abaixo daquele em que se encontra a estatura, sendo esta adequada para a idade
cronológica. Caso o peso e a altura estejam em percentil igual isto denota o excesso de tecido
adiposo, o que é ruim para a função motora dada a fraqueza muscular. Caso haja parada de
ganho ponderal, sinaliza maior perda de massa muscular por desnutrição, sendo indicativo de
gastrostomia.

Diante disto é necessário monitoramento constante do peso dos pacientes com doença
neuromuscular. Alguns precisam de atenção especial na composição da dieta. Excessos de
carboidrato podem aumentar a sobra energética para 20% e, portanto a entrada do total
energético não pode combinar com o aumento de peso.

Por outro lado, em algumas doenças, como a ELA, muitos fatores contribuem com a
má-nutrição. Dentre os comprometimentos, destaca-se a disfagia, que induz diminuição de
massa corporal, desidratação e desnutrição. Associada à diminuição da ingestão alimentar,
observa-se aumento da taxa de metabolismo basal e das necessidades nutricionais, que
determinam perda ponderal nesses indivíduos. Reconhecer o perfil nutricional e intervir
precocemente pode ser um diferencial no tratamento.

A anorexia é comumente atribuída ao estresse psicológico, depressão e a


polimedicação. A fraqueza dos músculos abdominais e pélvicos, a atividade física limitada, a
auto-restrição de fluidos e a baixa ingestão de fibras na dieta podem resultar em constipação,
que também pode exacerbar a perda de apetite.
Além disso, a nutrição enteral se faz necessária, como método de alimentação em
doenças crônicas como as neuromusculares, para manter ou melhorar a integridade
gastrointestinal e reduzir a incidência de comprometimento de outros órgãos.

O apoio à família é fundamental em função do grau de insegurança e ansiedade que


este procedimento provoca. As preocupações são, na maioria das vezes, referentes à:
prognóstico, necessidade e conseqüências do uso de sonda (nasogástrica (SNG), orogástrica 153
(SOG), e gástrica (SG), aspectos relativos à alimentação, nutrição e sentimentos de impotência
frente ao problema.
16 INTERVENÇÃO FISIOTERAPÊUTICA NAS DOENÇAS NEUROMUSCULARES

16.1 Avaliação fisioterapêutica

154

A avaliação fisioterapêutica é necessária para traçar os objetivos da terapia da maneira


mais adequada e de acordo com as necessidades e interesses reais do paciente. Engloba o
conhecimento do curso da doença, a verificação das dificuldades e das potencialidades do
paciente.

Durante a avaliação são identificados os déficits existentes e as funções que deverão


ser abordadas durante a reabilitação. Devemos identificar suas necessidades com um olhar
global, atentos aos aspectos físicos (motores, sensitivos e funcionais), emocionais, familiares e
sociais, de modo a propor um programa de atendimento abrangente, auxiliando a superar suas
dificuldades. Além disso, constatamos as habilidades que o paciente apresenta, estimulando a
recuperação funcional.

Há alguns anos, a avaliação do fisioterapeuta se confundia com a do neurologista e por


esse motivo não fornecia todos os dados que deveriam nortear o planejamento terapêutico. A
partir da evolução das teorias neurofisiológicas e especialmente das teorias sobre controle
motor, a abordagem terapêutica tomou novos rumos e como conseqüência, o processo de
avaliação passou a ter outro enfoque.

As propostas terapêuticas aplicadas até a década de 90 eram vistas como uma


seqüência de exercícios de difícil aplicabilidade nas atividades de vida diária, não contribuindo
desta maneira, para o processo de aprendizagem e memória. Atualmente, o paciente é abordado
sob o aspecto funcional, e para isso, considera-se além da plasticidade do sistema nervoso, a
plasticidade do sistema músculo esquelético, os sistemas sensoriais e de auto-regulação, a
motivação e o ambiente.
A partir desse momento, a avaliação fisioterapêutica passou a abordar desde as
manifestações sensório-motoras a cognitivas como conseqüência do evento neurológico,
interferindo na realização das tarefas funcionais.

Nesse contexto é possível afirmar que a atuação do fisioterapeuta que trabalha com
pacientes neurológicos deve ser focada nas manifestações e seqüelas neurofuncionais, e não
apenas na doença neurológica. Por intermédio da análise de tarefas motoras funcionais é 155
possível identificar os problemas que estão interferindo na sua realização, como por exemplo, a
diminuição da força e mobilidade, o aumento de tônus e a falta de graduação de movimento. A
partir disso, deve-se elaborar um programa terapêutico voltado para as reais necessidades do
paciente.

A importância da avaliação é a tomada de decisões visando condutas de tratamento


individuais e específicas para cada paciente. A avaliação vai demonstrar a efetividade do
tratamento, indicando a melhor maneira de realizá-lo em cada circunstância em relação à
duração, freqüência e local ideal.

A avaliação deve iniciar-se pela anamnese, que consiste da queixa principal, história
da doença atual, história da doença pregressa, história funcional. Um interrogatório
complementar identificando fatos relevantes de sua história pessoal, social e profissional, além
dos dados de antecedentes familiares, é importante na determinação das condutas e orientações
que serão feitas. Para uma boa anamnese é fundamental ouvir o paciente (ou seus
pais/cuidadores) e documentar suas preocupações.

A anamnese é importante para conhecer a rotina do paciente e da família, conhecer o


seu desenvolvimento (se criança), identificar o nível de dependência, os fatores que podem
interferir no tratamento e as barreiras sociais que podem limitar a conduta terapêutica.

Porém, as informações colhidas na anamnese podem ser incompletas e, portanto não


confiáveis. Isso ocorre devido ao envolvimento de fatores emocionais e socioculturais da família,
que conseqüentemente omite ou torna irrelevantes as informações que seriam essenciais.

Baseados nas informações que foram reunidas desde a anamnese, podemos agora
identificar cada problema que está interferindo na função e suas atividades cotidianas.
O próximo passo da avaliação é o exame físico, que deve objetivar achados diretos ou
indiretos resultantes da doença e/ou incapacidades e de maneira geral verifica os sinais vitais; os
aspectos neuromotores: tônus muscular, trofismo muscular, reflexos osteotendinosos, equilíbrio,
coordenação, força muscular, motricidade voluntária; os aspectos musculoesqueléticos:
mobilidade e sensibilidade; aspectos cognitivos; postura, trocas posturais, transferências e
marcha.
156
Em se tratando de doenças neuromusculares, é importante a verificação dos sinais
vitais, não apenas durante a avaliação, mas em todo o processo terapêutico. A pressão arterial,
freqüência cardíaca e respiratória, além da temperatura e saturação sempre que necessário.

Devemos lembrar que a parte respiratória, muitas vezes está severamente


comprometida, pela fraqueza muscular, hipotonia ou ainda instalação de deformidades de coluna
ou pelo imobilismo. Por isso, o comprometimento pulmonar deve ser avaliado.

Na avaliação do paciente com doença neuromuscular é importante identificar doenças


respiratórias associadas, miocardiopatias e distúrbios da deglutição. Na anamnese é
fundamental detectar sinais e sintomas compatíveis com hipoventilação alveolar: cefaléia
matinal, fadiga, despertar noturno freqüente com dispnéia e taquicardia, sonolência, pesadelos
relacionados com dificuldades respiratórias (sufocação, afogamento), dificuldade de
concentração, ansiedade, depressão, náuseas, hiporexia, perda ou ganho de peso, dificuldade
de mobilizar as secreções das vias aéreas, e em casos mais avançados hipertensão pulmonar,
ICC, e policitemia.

No exame físico considerar que quanto maior o acometimento da musculatura dos


membros superiores, maior a possibilidade de acometimento dos músculos respiratórios. A
presença de deformidades torácicas e de padrão paradoxal sugere acometimento mais grave.

A avaliação do tônus exige repetidos exames, porque são comuns as flutuações devido
ao estado constantemente mutante da excitabilidade do sistema nervoso central. Durante a
observação inicial do paciente, pode-se perceber a presença de movimentos anormais ou de
posturas dos membros, ou do corpo. Padrões motores estereotipados, movimentos flutuantes
involuntários e ausência de movimentos espontâneos indicam a presença de anormalidade do
tônus. A postura em posições fixas, antigravitacionais sugere espasticidade. Membros com
completa ausência de movimentos e um aspecto frouxo indicam baixo tônus. A palpação revela
informações sobre o estado de repouso dos músculos.

Grande parte das doenças neuromusculares apresenta hipotonia, ou seja, os membros


não vão apresentar resistência à movimentação passiva, como na manobra do cachecol, e
permanecerão em posturas de abandono, como a abdução + flexão + rotação externa de quadril.

A avaliação dos movimentos passivos e dos reflexos miotático revela informações 157

sobre as respostas dos músculos a um estímulo de alongamento. A movimentação passiva


fornece informações sobre as características de extensibilidade e a passividade. Isto pode ser
realizado pedindo ao paciente um completo relaxamento, e em seguida é realizada a
movimentação passiva dos diversos segmentos dos membros. O balanço passivo das
articulações é outra forma de avaliação do tônus, sendo realizado ao nível dos segmentos distais
dos membros, permitindo apreciar oscilações amplas no caso de hipotonias até oscilações de
pequena ou ausência de oscilação, demonstrando hipertonias.

A avaliação do controle do movimento voluntário pode trazer informações adicionais


sobre a influência das anormalidades do tônus sobre o controle motor. Durante a realização de
atividades envolvendo a motricidade voluntária, os movimentos devem ser bem analisados
quanto à interferência do tônus.

Trofismo é definido como massa muscular, sendo o grau de hipertrofia do músculo, é


possível avaliá-lo por meio da inspeção visual, palpação e perimetria. Na inspeção visual
observamos o abaulamento da massa hipertônica ou o achatamento da massa hipotônica; a
palpação destina-se à confirmação dos achados na inspeção visual e a perimetria deve ser
medida em intervalos regulares ao longo do eixo longitudinal da parte do corpo. Uma
protuberância óssea é usada como um ponto de referência para reavaliação do estado do
paciente. Em pacientes neuromusculares podemos encontrar hipotrofia, hipertrofia,
pseudohipertrofia ou normotrofia.

A avaliação dos reflexos osteotendinosos é realizada através da percussão dos


tendões. Tipicamente são examinados os reflexos bicipital, estilorradial, triciptal, patelar e
aquileu. O teste dos reflexos também revela informações sobre estados musculares hipertônicos
ou hipotônicos. Os reflexos serão classificados em ausentes quando não há resposta a
percussão; hipoativos quando a resposta é diminuída; presentes quando a resposta é normal;
vivo quando a resposta está aumentada; e exaltado quando apresenta resposta fora da área do
tendão (percussão do ventre muscular).

O equilíbrio é investigado com a pessoa em posição ereta (equilíbrio estático) e


durante a marcha. Se não for possível o paciente se manter em pé, o equilíbrio pode ser
analisado na postura sentada.

As reações de equilíbrio, endireitamento e proteção devem ser também avaliadas. 158

Devido à tentativa de manter-se contra a ação da gravidade, pela fraqueza muscular


generalizada e em algumas doenças pelas alterações de tônus, irão ocorrer alterações
biomecânicas ocasionando assim, déficits nas reações, principalmente em fases mais
avançadas dessas doenças.

Examinamos a coordenação através de algumas provas, as mais utilizadas e


conhecidas são: índex-nariz, índex-índex, calcanhar-joelho, braços estendidos, movimentos
alternados e do rechaço.

A força muscular deve ser avaliada nos vários segmentos, testando-se metódica e
comparativamente os grupos musculares interessados. Ela é usualmente graduada conforme a
tabela abaixo (Tabela 1), porém de forma subjetiva:

Grau 0 Não há contração (o músculo não tem esboço de contração)

Grau 1 Esboço de contração; não há movimento

Grau 2 Contração Muscular; com movimento a favor da gravidade

Grau 3 Contração muscular; com movimento contra a gravidade

Grau 4 Contração muscular; com movimento contra a gravidade ou não; pequena


resistência

Grau 5 Contração muscular; com movimento contra a gravidade ou não; grande


resistência

Tabela 1 – Graus de força muscular.


Geralmente, os pacientes neuromusculares apresentam diminuição global de força
muscular, que inicialmente acomete cintura pélvica e membros inferiores, porém com a
progressão da doença, a cintura escapular, membros superiores, cabeça e tronco, também
podem ser acometidos.

A motricidade voluntária, ou movimentação ativa, pode ser avaliada pedindo-se ao


paciente que realize uma série de movimentos em todos os segmentos do corpo. Deverão ser 159
analisadas a velocidade de execução dos movimentos, a força muscular, a amplitude do
movimento e a habilidade para realização do que é solicitado. Em crianças muito pequenas que
ainda não respondem aos comandos, ou em crianças com dificuldade de compreensão,
devemos estimular a motricidade com atividades lúdicas e então verificamos a qualidade dos
seus movimentos.

A avaliação da função de mobilidade busca determinar a disponibilidade de uma


adequada amplitude, por intermédio da aplicação de testes de amplitude de movimento passiva
e ativa e do funcionamento muscular. A mobilidade também pode ser avaliada mais
fidedignamente por testes, utilizando o goniômetro ou o flexímetro.

A visão, a audição, o comportamento, a cognição e a comunicação do paciente, são


itens avaliados desde a anamnese, mas são importantes para delimitar as condutas adotadas.

Quanto aos aspectos sensoriais testamos a sensibilidade tátil, térmica, dolorosa e


proprioceptiva. Para a sensibilidade tátil usamos algodão ou pincel macio que irão estimular
várias partes do corpo. A sensibilidade térmica requer um tubo com água gelada e outro com
água quente para testar diversos pontos do corpo. A sensibilidade dolorosa é testada com o
estilete rombo, capaz de provocar dor sem ferir o paciente. A proprioceptiva é explorada
deslocando suavemente qualquer segmento do corpo em várias direções; fixa-se o segmento em
uma determinada posição que deverá ser reconhecida pelo paciente.

A observação das posturas, trocas posturais e transferências são importantes no


processo reabilitacional. Aconselha-se que na avaliação inicial, além do registro escrito dessas
atividades, sejam feitos também registros fotográficos e filmagens dessas atividades para futura
comparação, pois um bom tratamento baseia-se em reavaliações constantes.
As trocas posturais observadas incluem as posições funcionais: rola de supino para
prono, rola de prono para supino, de supino para sentado, de prono para gato, mantém gato,
gato para ajoelhado, ajoelhado, semi-ajoelhado direito e esquerdo, de semi-ajoelhado para em
pé direito e esquerdo, manter-se em pé.

Observam-se muitas vezes sinais de comprometimento motor, tais como o atraso na


aquisição de marcha, dificuldade para subir e descer escadas e rampas, quedas freqüentes, 160
trocas posturais de difícil realização, além de controle cervical e de tronco deficitários.

A avaliação postural é fundamental para detectar os desequilíbrios musculares e


prevenir a instalação de deformidades, como a escoliose, comum em doentes neuromusculares.
A presença de retrações, encurtamentos musculares e deformidades ocorrem devido à
inatividade, desequilíbrio de forças musculares e uso excessivo da musculatura parcialmente
preservada, que irão comprometer a amplitude de movimento articular.

Além disso, devemos avaliar a capacidade de transferência de uma postura para outra.
Essa avaliação consta de onde o paciente inicia e desenvolve o movimento até assumir outra
postura, quais as compensações utilizadas. Deve constar também qual transferência é capaz de
realizar sozinho e em qual precisa de ajuda.

Podemos avaliar a capacidade de locomoção do paciente: restrito ao leito; locomove-


se na cadeira de rodas com auxílio de outrem; auto-suficiente na locomoção em cadeiras de
rodas, mas dependente nas transferências; auto-suficiente na locomoção com cadeira de rodas
e independente nas transferências; ortostatismo com órtese convencional; deambula com
órteses convencionais e apoio do andador; deambula com órteses e apoio de muletas ou
bengalas; deambula sem uso de órteses ou dispositivo auxiliar.

Quando há marcha, esta deve ser analisada solicitando que o paciente caminhe certa
distância, descalço com olhos abertos e fechados indo e voltando sob a observação do
examinador, sendo iniciada à entrada do paciente à sala de exame. São analisados os
componentes de movimento de cada segmento corporal durante as fases da marcha que são:
apoio inicial, apoio médio, apoio final, balanço inicial, balanço médio e balanço final.
Em muitas das doenças citadas, observamos o padrão miopático de marcha. Porém
cabe ressaltar, que outras alterações podem estar presentes, principalmente relacionadas ao
tônus.

Para podermos tomar decisões e planejar um tratamento efetivo é necessário que


saibamos organizar, analisar e interpretar os dados para concluir o estabelecimento de metas a
curto, médio e longo prazo, desenvolvendo um plano de tratamento apropriado para que as 161
metas sejam atingidas.

A determinação de objetivos terapêuticos apropriados é o passo mais difícil do


processo de planejamento do tratamento, exigindo habilidades na interpretação de dados da
avaliação e julgamento profissional. Objetivos em longo prazo definem o nível de desempenho
específico para o paciente no fim do processo de reabilitação.

Após ter sido formulado os objetivos apropriados, devemos determinar quais são os
procedimentos terapêuticos mais adequados para a aquisição das metas. A decisão do plano
terapêutico mais apropriado deve ser formulada levando em consideração uma série de fatores,
tais como: a interação com os outros profissionais da saúde, os custos financeiros, etc. Deve
também ser feita uma estimativa da duração total de tratamento, freqüência e duração de cada
sessão.

É importante que periodicamente, seja feita uma reavaliação do paciente, para que se
possa medir a eficácia ou não do tratamento. Além disso, propõe-se que ao início e término de
cada terapia seja analisada alguma função do paciente para estabelecer as prioridades da
abordagem fisioterapêutica diária, além de redirecionar os objetivos, caso o paciente não
responda favoravelmente a proposta terapêutica.

Avaliação do desenvolvimento infantil

O termo desenvolvimento pode ser entendido como um conjunto de variações que


ocorrem no indivíduo por força de disposições interiores e pela influência de fatores ambientais.
Assim, são diferentes as possibilidades de uma criança, seja ela deficiente ou não, que
vive em um ambiente estimulante, daquela que se encontra num ambiente desprovido de
recursos. Essa última poderá encontrar-se prejudicada tanto em seu desenvolvimento cognitivo
quanto motor.

O desenvolvimento parte da organização biológica e passa pelos níveis social,


histórico, cultural e chegando até o mundo físico exterior, ou seja, organismo e ambiente jamais 162
poderão ser separados na explicação do desenvolvimento.

O desenvolvimento abrange tanto a mudança quanto a continuidade ao longo do


tempo; existem dois tipos de mudanças no desenvolvimento: a mudança quantitativa (altura,
peso, etc.) e a mudança qualitativa (mudança de espécie como a natureza mutante da
inteligência), assim se tornando mais complexo. As mudanças qualitativas são ordenadas e
terminam com a maturação e as alterações funcionais que ocorrem nas células e em todo o
organismo. Assim, a criança se caracteriza por uma variação da taxa de crescimento, pelo
desenvolvimento das aptidões motrizes e do refinamento da discriminação perceptiva.

Dessa forma, os termos crescimento e desenvolvimento podem ser associados, porém


cada um apresenta um enfoque diferenciado. O crescimento físico refere-se a um aumento da
estrutura ou tamanho corporal, em função da multiplicação ou aumento de células, do indivíduo
em maturação. O desenvolvimento é definido como sendo modificações no nível do
funcionamento de um indivíduo ao longo do tempo é, portanto, um processo que começa na
concepção e termina na morte, em que todas as mudanças adaptativas (interações entre
indivíduo e ambiente) direcionam-se à habilidade e que durante a vida é necessário ajustar,
compensar ou mudar a fim de adquirir ou manter a habilidade.

O desenvolvimento e o crescimento são processos de uma organização integradora,


anatômica e funcional, que promovem a união produtiva da hereditariedade e do meio.

A aprendizagem e o desenvolvimento estão relacionados, pressupondo uma


dependência recíproca, complexa e dinâmica, estando ligados ao desenvolvimento do sistema
nervoso central. Nesse sentido, a aprendizagem pode ser definida como o processo por meio do
qual o indivíduo se apropria do conteúdo da experiência humana de forma ativa e para que isto
ocorra é necessária a interação com os outros.
Durante os processos de desenvolvimento e aprendizagem ocorrem muitas alterações,
entre elas marcos importantes são atingidos.

Os marcos do desenvolvimento são definidos como atividades que uma criança faz,
em certos períodos cronológicos, artificialmente isoladas e separadas de seu desenvolvimento
total; são usados para testar o progresso motor e mental, especialmente nos casos de desvio
patológico. 163

Entretanto, em qualquer estágio do desenvolvimento, ao atingir um marco específico, a


criança alcança também outras habilidades importantes pertencentes ao mesmo estágio. É
preciso que a criança possa integrar cada um de seus progressos antes de adquirir um novo.

Os marcos do desenvolvimento caracterizam-se pela maturação gradual do controle


postural com o aparecimento das reações de equilíbrio, retificação e outras. Essa maturação
acontece no sentido céfalocaudal e próximo-distal.

É importante lembrar que a evolução de uma criança não se realiza de modo regular e
progressivo, mas sim por saltos qualitativos que são seguidos de períodos de lenta maturação. É
por isso que nunca se deve ir depressa demais, é preciso levar em conta as relações mantidas
entre os diversos elementos do desenvolvimento.

Por isso, avaliar o desenvolvimento infantil é importante para se traçar objetivos de


uma intervenção precoce nas doenças neuromusculares.

Alguns instrumentos de avaliação são úteis na tarefa de não apenas julgar


qualitativamente as aquisições psicomotoras, quanto quantitativamente. Existem diversos
métodos de avaliação do desenvolvimento motor descritos atualmente na literatura e utilizados
com freqüência, entre eles Denver Developmental Screening Tests (DDST), o Bayley Motor
Scale (BMS), o Movement Assessment of Infants (MAI), o Infant Motor Screen (IMS), o Battelle
Developmental Inventory Screening Test (BDIST), o Peabody Development Motor Scale (PDMS).
Estas escalas, em sua maioria privilegiam a identificação precoce de crianças com sinais de
anormalidades.

Com esse objetivo principal estão o Denver, o BMS, o MAI, o IMS e o BDIST, cada
uma com suas peculiaridades. Somente o PDMS propõe-se a avaliação da evolução do
desenvolvimento em resposta à terapia, mas não cumpre completamente o proposto, pois não
responde às alterações no desenvolvimento ocorridas em curto prazo em crianças com um maior
comprometimento.

Além dessas escalas já validadas na literatura, outras escalas estão sendo construídas
atualmente. A Alberta Infant Motor Scale (AIMS) enfoca a seqüência do desenvolvimento do
controle postural por intermédio de 58 itens, propondo: identificar atrasos de desenvolvimento;
prover informações a médicos e pais a cerca das atividades motoras da criança; mensurar o 164
desempenho motor antes, durante e após o tratamento; medir pequenas mudanças na
performance não detectáveis por métodos tradicionais e atuar como um instrumento de pesquisa
apropriado para avaliar a eficácia de programas de reabilitação.

Outro instrumento de avaliação é o Inventário Portage Operacionalizado, descrito por


Williams e Aiello, com o intuito de colher informações sobre o desenvolvimento psicomotor de
cada criança. Esse guia é composto por um inventário comportamental, com 580 itens e enfatiza
o ensino de habilidades para crianças de zero até os seis anos de idade, divididas em cinco
grandes áreas: socialização, cognição, linguagem, desenvolvimento motor e autocuidados.

Contudo, em doenças de evolução benigna ou em doenças em que é possível adquirir


estabilidade do quadro motor e respiratório, a fisioterapia pode trazer benefícios. Por outro lado,
nas doenças de caráter progressivo e sujeitas a complicações ortopédicas e cardiorrespiratórias
muitas vezes não é possível alcançar por completo os objetivos propostos, mas ainda assim é
necessário o estabelecimento dessas metas, para que possamos traçar um plano de tratamento,
tentar retardar os efeitos deletérios, proporcionar a melhora da capacidade funcional e
consequentemente da qualidade de vida desses pacientes e seus familiares.

16.2 Fisioterapia respiratória e ventilação mecânica

A presença de fraqueza muscular generalizada, encurtamento da musculatura


acessória, presença de escolioses ou cifoescolioses, deformidades torácicas podem levar a
alterações na biomecânica respiratória, que torna o paciente neuromuscular mais suscetível às
intercorrências, como gripes freqüentes, pneumonias de repetição, fadiga respiratória, dispnéia,
apnéia, disfagia e alterações do sono.
Por isso, questionar o paciente e a família sobre o aparecimento dessas alterações é
de grande valor para a detecção e prevenção de intercorrências, pois elas podem agravar o
quadro geral do paciente, sendo a insuficiência respiratória a causa mais comum de mortalidade
precoce.

O acometimento da musculatura respiratória varia conforme a doença e a idade do


paciente. Basicamente manifesta-se por tosse ineficaz, distúrbio ventilatório restritivo e 165
insuficiência ventilatória agravada por infecções.

Inicialmente, a fraqueza muscular respiratória conduz a prejuízos na eficácia da tosse e


liberação das vias aéreas, assim esses pacientes ficam propensos a atelectasias periódicas e
infecções pulmonares. A fraqueza muscular inspiratória progressiva causa primeiramente
disfunções respiratórias noturnas, que se manifestam por despertares, fragmentação do sono e
hipoventilação relacionada ao sono. Subsequentemente, a hipercapnia se estende ao longo do
dia e resulta em fracasso respiratório.

Mas o tempo entre o comprometimento e a falência respiratória pode ser ampliado com
intervenções, tais como: manobras de higiene brônquica e eliminação de secreções ou
ventilação mecânica noturna, ou diminuída por doenças respiratórias agudas. A priori, o
tratamento da hipoxemia e hipercapnia de um paciente com doença neuromuscular
obrigatoriamente inclui técnicas que visem restabelecer uma adequada renovação do ar alveolar,
e não envolve necessariamente o uso de oxigênio. Na verdade, o oxigênio, empregado
isoladamente em situações de hipoventilação, pode levar o paciente à morte.

A progressão das complicações respiratórias para insuficiência respiratória crônica nos


doentes neuromusculares surge em geral como conseqüência direta de dois principais fatores:
fraqueza e fadiga dos músculos respiratórios (inspiratórios, expiratórios e de vias aéreas
superiores) e incapacidade de se manter as vias aéreas livres de secreções. Dentro de uma
classificação mais abrangente da insuficiência respiratória crônica, pode-se caracterizá-la como
um quadro de insuficiência respiratória crônica restritiva com hipoventilação.

A utilização da assistência ventilatória, em muitos casos, não invasiva, estende


consideravelmente a sobrevida de pacientes em certas condições, permite que crianças afetadas
por algumas desordens possam alcançar a maioridade e melhora a qualidade de vida da maioria
dos pacientes.
A espirometria, a oximetria de pulso, a capnografia, as medidas do pico de fluxo da
tosse, da pressão inspiratória máxima e da pressão expiratória máxima permitem ao clínico
prever quais pacientes necessitam de tosse assistida e suporte ventilatório.

Os benefícios proporcionados pela ventilação mecânica nos pacientes


neuromusculares, preferencialmente realizada de forma não invasiva estão bem consolidados na
literatura. A ventilação não invasiva proporciona melhora das trocas gasosas, corrigindo a 166
insuficiência ventilatória. Está indicada na presença de sinais de hipoventilação alveolar e pelo
menos um dos seguintes critérios funcionais: oximetria noturna ≤ de 88% por 5 minutos
consecutivos, PaCO2 ≥ 45 mmHg , Pimax < 60 cmH20 ou CV< 50% do previsto. Alguns autores
preconizam sua indicação em todos os pacientes com diagnóstico de Werdnig Hoffmann e
naqueles com doenças neuromusculares e tórax em sino com padrão paradoxal e em caso de
sintomas/sinais de hipoventilação e pelo menos um dos seguintes critérios funcionais: PetCO2 ≥
45 mmHg (medido pelo capnógrafo), oximetria noturna ≤ 95% por pelo menos uma hora.

Entre os aparelhos de ventilação mecânica não invasiva, que atuam no corpo, estão os
Negative Pressure Body Ventilators (Figura 1), que fazem uma pressão negativa intermitente ao
redor da parede torácica ou abdominal, facilitando a entrada do ar pela via aérea. São menos
práticos que os aparelhos de pressão positiva.

Fig. 1 – Negative Pressure Body Ventilators. Reproduzida de HESS, D.R. Noninvasive


Ventilation in Neuromuscular Disease: Equipment and Application. Respiratory Care, v. 51, n. 8,
2006, p. 896.
Existem também outros ventiladores cujas pressões são aplicadas diretamente no
corpo. Entre eles podemos citar o rocking bed, ventiladores de pressão abdominal intermitente,
que são cintos elásticos, infláveis, também chamados de cinto ou jaqueta pneumática, colocados
envolvendo o abdome, por fora da roupa, são inflados de forma intermitente através de um
ventilador de pressão positiva (Figura 2).

167

Fig. 2 – Rocking beds. Reproduzida de HESS, D.R. Noninvasive Ventilation in


Neuromuscular Disease: Equipment and Application. Respiratory Care, v. 51, n. 8, 2006, p. 897.

Outros aparelhos atuam aplicando pressões positivas nas vias aéreas. Por sua
praticidade, preço, portatibilidade, estes aparelhos (IPPV - Intermitent Pressure Positive
Ventilation) levam grande vantagem sobre os anteriores. Entre estes aparelhos, existem dois
grandes grupos: os ventiladores a pressão e os ventiladores a volume.

Os ventiladores a pressão deixam disponível um volume de ar até o ponto em que a


pressão limite seja atingida. Por outro lado, nos aparelhos ciclados a volume, só o volume
determinado está disponível, não importando a pressão com que atinja os pulmões.

Nos últimos anos os ventiladores a pressão do tipo BiPAP (Bilevel Positive Pressure
Airway – Figura 3) têm-se tornado mais populares por serem de manipulação simples e mais
baratos. Na falência ventilatória de pacientes neuromusculares, apenas a fase inspiratória (IPAP
- Inspiratory Positive Airway Pressure) é necessária. A fase expiratória (EPAP - Expiratory
Positive Airway Pressure) não pode ser zerada, uma vez que o BiPAP possui circuito único e
uma pressão positiva em torno de 4 a 5 mm Hg pode ser necessária para a exalação do CO2
através da válvula.

168

Fig. 3 – Bipap. Reproduzida de LECHTZIN, N. Respiratory Effects of Amyotrophic


Lateral Sclerosis: Problems and Solutions. Respiratory Care, v. 51, n. 8, 2006, p. 875.

Para a forma não invasiva de ventilar, há necessidade da escolha de interfaces (Figura


4) e esta opção deverá ser feita pelo profissional e pelo paciente de forma conjunta. A
experiência do profissional, a anatomia da face, problemas como obstrução nasal, falta de
dentes, grau de dependência do ventilador e tipo de ventilador são aspectos que devem ser
considerados para a escolha da melhor interface ou se haverá necessidade de mais de um tipo.
169

Fig. 4 – Interfaces nasais pediátricas. Reproduzida de PANITCH, H.B. Respiratory Respiratory


Issues in the Management of Children With Neuromuscular Disease. Respiratory Care, v. 51, n.
8, 2006, p. 889.

Os principais modelos de interfaces são: Interface oral, interface oral com lipseal,
interface nasal, interface oronasal, interface total face.

O uso de interfaces pode propiciar a formação de escaras em pontos de pressão.


Pode-se colocar protetor nasal (duoderm®, O'gel) ou mesmo produtos a base de ácidos graxos
essenciais (dersani). Com o aumento do número de horas na ventilação é necessário alternar
interfaces para evitar as escaras. Todos os pacientes com doença neuromuscular necessitam de
duas a três interfaces quando passam a fazer o uso de ventilação nas 24h.

Além da ventilação mecânica não invasiva, a terapia respiratória é constituída por


técnicas específicas, que visam manter a complacência pulmonar e aumentar a eficácia da
tosse.

Com a diminuição da capacidade vital apenas algumas porções do pulmão serão


expandidas durante cada respiração. O uso de espirômetros de incentivo ou respirações
profundas não expandirá o pulmão além de sua capacidade vital. Para a prevenção de
contraturas da caixa torácica, preservação de sua amplitude de movimentos e diminuição das
restrições pulmonares há necessidade de exercícios regulares de air-stacking.

Air-stacking são insuflações que são adicionadas aos pulmões de forma a expandi-los
até sua capacidade máxima. O paciente inspira profundamente e consecutivamente novos
volumes de ar são disponibilizados por meio das interfaces. Estes volumes são mantidos no
pulmão através do fechamento da glote até a expansão pulmonar e da caixa torácica se
completar e a retenção pela glote não mais puder ocorrer. Aparelhos como ambu, ventiladores a
volume e o Cough Assist® (Figura 5) são os mais indicados para fornecimento de ar para o
exercício.

170

Fig. 4 – Cough Assist®. Reproduzida DE PASCHOAL, I.A.; VILLALBA, W.O.;


PEREIRA, M.C. Insuficiência respiratória crônica nas doenças neuromusculares: diagnóstico e
tratamento. J Bras Pneumol, v.33, n. 1, 2007, p. 90.

O Cough-assist® ou IN-Exsufflator ® é um aparelho formalmente indicado nas


situações em que a força para tossir praticamente não existe para se fazer insuflação com
pressão positiva e aspiração, com pressão negativa, imediatamente após a expansão pulmonar.

Os exercícios de air-stacking devem ser realizados no mínimo três vezes ao dia, 10 a


15 vezes. Os objetivos primordiais desta prática são a manutenção da amplitude de movimento,
aumento da Capacidade Máxima de Insuflação para maximizar o Pico de Fluxo de Tosse,
manter ou aumentar a complacência pulmonar e torácica, prevenir ou eliminar atelectasias,
manter a possibilidade de uso de ventilação não invasiva.
Além do “air stacking”, outros recursos importantes de fisioterapia respiratória para os
doentes neuromusculares são as manobras de tosse manual. Devem ser utilizadas em pacientes
previamente treinados durante as intercorrências respiratórias que cursam com aumento das
secreções. A manobra de tosse manualmente assistida consiste em solicitar ao paciente uma
inspiração máxima, seguida de uma compressão abdominal e/ou torácica enérgica realizada
pelo cuidador, sincronizada com a tosse do paciente. Deve ser realizada cerca de duas horas
após as refeições. 171

Quanto à ventilação mecânica invasiva, a traqueostomia só deve ser indicada nas


situações de absoluta intolerância da ventilação não invasiva ou então por grave acometimento
da musculatura bulbar. Mesmo nesta última situação, pode-se ainda insistir com o suporte
pressórico não invasivo desde que estejam disponíveis a máquina de auxílio mecânico da tosse
e um oxímetro de pulso.

Traqueostomias prejudicam os mecanismos normais de defesa da traquéia, aumentam


a secreção, colonizam-se rapidamente com germes de difícil controle, prejudicam a deglutição e
dificultam a fonação, sendo necessário o uso de válvulas fonadoras (válvulas de fala).

Contudo, todas as possibilidades terapêuticas devem ser apresentadas ao paciente


portador de doença neuromuscular e à sua família. A indicação de cada uma delas deve ser
bastante discutida.
17 MOBILISMO X INTERVENÇÃO MOTORA

A síndrome do imobilismo ou síndrome do desuso é o conjunto de alterações que


ocorrem no indivíduo acamado por um período prolongado. As complicações da imobilização são
172
definidas como uma redução da capacidade funcional do sistema osteomuscular, tegumentar,
ósseo, articular, cardiovascular, respiratório, gastrointestinal, entre outros.

A imobilidade pode alterar o estado emocional do indivíduo independente da condição


que o levou ao decúbito prolongado, podendo apresentar ansiedade, apatia, depressão,
labilidade emocional, isolamento social entre outros.

Considera-se que de sete a 10 dias seja um período de repouso, de 12 a15 dias já é


considerado imobilização e a partir de 15 dias é considerado decúbito de longa duração.

A falta de atividade física pode levar o indivíduo ao descondicionamento físico global,


tornando-o suscetível a uma série de fatores de risco para a saúde como o aumento da pressão
arterial, aumento do peso corporal e diminuição da flexibilidade.

O sistema osteomuscular é geralmente o primeiro e principal acometido, mas por não


causar limitações funcionais no início da imobilização, muitas vezes, suas alterações são
negligenciadas.

As alterações osteomusculares decorrentes do imobilismo afetam o metabolismo


celular muscular, que conseqüentemente levam às limitações funcionais. Dessa forma, ocorrem:
diminuição do nível de glicogênio e ATP (trifosfato de adenosina); comprometimento da irrigação
sanguínea com baixa tolerância ao ácido lático e débito de O2, com diminuição na capacidade
oxidativa; diminuição da síntese protéica; atrofia das fibras musculares tipo I e II; diminuição do
número de sacômeros.

Essas alterações irão causar diminuição do torque e da força muscular. Para cada
semana de imobilização completa no leito um paciente pode perder de 10 a 20% de seu nível
inicial de força. Por volta de um mês, 50% da força inicial pode estar perdida. A fraqueza
generalizada pode resultar em incoordenação e má qualidade de movimento.
Assim, a inatividade afeta diretamente a força muscular e resistência à fadiga. Os
primeiros músculos a se tornarem fracos e atrofiados são os músculos de membros - inferiores e
tronco.

Em alguns casos, a imobilidade induz a um processo inflamatório tecidual, com


liberação de substâncias que estimulam os nociceptores locais, levando a dor ou desconforto,
principalmente à mobilização. 173

As contraturas e deformidades podem ser outros efeitos da imobilização, podendo


envolver músculos e tecidos moles e ocorrem quando os músculos não têm a atividade
necessária para manter a integridade de suas funções. A contratura é definida como a perda de
amplitude articular de movimento devido à limitação articular, muscular ou tecido mole. A
deformidade é a alteração estrutural fixa subseqüente à contratura, que dificulta a movimentação
articular. Três fatores desempenham um papel importante no desenvolvimento de contraturas e
deformidades: a posição do membro, a duração da imobilização e a mobilização das partes não
afetadas.

As contraturas e deformidades envolvem os músculos e outros tecidos moles que


rodeiam a articulação provocando atrofia e inabilidade funcional pelo desuso. Este efeito não é
apenas a redução do tamanho do músculo, mas também uma redução no movimento funcional,
alongamento, resistência e coordenação.

Posteriormente, as limitações funcionais no sistema osteomuscular podem prejudicar


as transferências, posturas e movimentos no leito e em cadeira de rodas, dificultar as atividades
de vida diária e de vida profissional, complicar cuidados gerais de enfermagem como
posicionamento e higiene, alterar e dificultar o padrão de marcha ou até impossibilitar.

Ainda quanto às alterações no sistema osteomuscular, temos o comprometimento


articular. O líquido sinovial lubrifica e nutre a cartilagem, mas necessita do movimento para que
haja circulação dos nutrientes, síntese e degradação da matriz e estímulos aos sensores
elétricos e mecânicos da articulação. Portanto, com a inatividade há atrofia da cartilagem com
desorganização celular nas inserções ligamentares, proliferação do tecido fibrogorduroso e
consequentemente espessamento da sinóvia e fibrose capsular.
O sistema tegumentar a formação de úlceras de decúbito (escaras) constituem a
principal alteração. São definidas como áreas localizadas de necrose celular causada por
isquemia, a qual privou os tecidos de oxigênio e nutrientes. A pressão constante, particularmente
em proeminências ósseas como o sacro, trocânteres femurais, tuberosidade isquiática e
calcanhares, comprimem e obstruem o fluxo-sanguíneo, causando isquemia ou anemia local do
tecido.
174
As escaras ocorrem quando uma pressão extrínseca sobre a pele supera a pressão
capilar média (32 mmHg), diminuição do fluxo sanguíneo e a oxigenação tecidual. Em pacientes
deitados à pressão sobre o sacro e o trocânter chegam até 100 - 150mmHg.

Uma vez instaladas as escaras, estas podem ser infectadas, sendo estas de difícil
cicatrização, podendo levar a complicações sérias como infecção óssea (osteomielite) ou até
mesmo a infecção generalizada (septcemia) que pode ocasionar o óbito do paciente.

Porém, as úlceras de decúbito e a atrofia de pele são alterações comumente


decorrentes da imobilidade e são influenciadas por: pressão, idade, umidade, estado nutricional,
edema, condições metabólicas, alterações sensitivas, aplicação de forças transversais
associadas ao aumento da fragilidade da pele, distúrbios neurológicos, colchão inadequado e
higiene corporal inadequada.

Além do sistema tegumentar, o tecido ósseo sofre com as alterações metabólicas do


imobilismo. Há predomínio do catabolismo com balanço negativo de nitrogênio, cálcio, fósforo,
enxofre, sódio e potássio, entre outros. Raramente a imobilidade isolada causa desequilíbrio
metabólico sério, exceto para o cálcio.

Outras alterações no tecido ósseo incluem a diminuição da massa óssea total (que
pode levar a osteopenia), devido ao aumento da atividade osteoclástica e diminuição da
atividade osteoblástica, e aumento da excreção de cálcio (máxima atividade osteoclástica em
torno de 16 semanas).

Como resultado de todas as alterações do sistema ósseo, articular e muscular, podem


surgir complicações como contraturas articulares, hipotrofia, atrofia muscular e osteoporose.

No imobilismo há também o comprometimento do desempenho cardiovascular com


aumento da frequência cardíaca de repouso, onde o pulso aumenta um batimento por minuto a
cada dois dias, refletindo a diminuição da eficiência cardíaca. Por razões ainda desconhecidas o
sistema circulatório é incapaz de montar uma resposta simpática adequada (há perda do
controle do sistema nervoso autônomo simpático), levando a um acúmulo de sangue em
membros inferiores, o enchimento ventricular não está completo e conseqüentemente há queda
na perfusão cerebral. Além disso, há uma elevação da pressão arterial sistólica pelo aumento da
resistência periférica, e o tempo de ejeção sistólico absoluto e de diástole é encurtado,
diminuindo o volume sistólico. 175

Diante dessas alterações podemos esperar algumas complicações como hipotensão


postural e trombose venosa profunda (TVP).

Os sintomas e sinais de hipotensão postural incluem palidez, tontura, sudorese, delírio,


decréscimo da pressão sistólica, aumento da frequência cardíaca e decréscimo da pressão do
pulso, podendo ocorrer desmaios. Durante o repouso prolongado e inatividade ocorre uma
redução progressiva da eficiência cardiovascular que é associada com a progressiva redução do
volume sistólico.

A TVP é um bloqueio de uma veia profunda pela formação de um trombo, ou seja, um


coágulo de sangue que permanece no local de origem, o qual é formado por deposição
intravascular de fibrina, hemácias, plaquetas e leucócitos, tendo geralmente inícios nas regiões
de fluxo turbulento das cuspídes valvares das veias profundas da panturrilha.

A redução das contrações musculares nos membros inferiores facilita a estase venosa
em partes do corpo que reduzem a velocidade da circulação venosa. Este fator somado à
pressão constante do peso do corpo no leito, compressão de capilares, aumento da pressão
interna dos capilares e hipercoagulantes do sangue, aumento da resistência das veias podem
causar a TVP. Os riscos da TVP incluem evolução para embolia pulmonar e até óbito.

Os eventos tromboembólicos revelam uma relação direta entre a freqüência de TVP e


a duração do repouso no leito. Dois desses três fatores são influenciados por imobilidade
prolongada. A estase no fluxo sanguíneo nos membros inferiores está diretamente relacionada
com a redução no efeito de bombeamento dos músculos da panturrilha. Um estado de
hipercoagulabilidade é induzido por redução no volume plasmático e desidratação.
A suspeita clínica de TVP surge quando há evidência clínica de edema localizado,
eritema, dor na panturrilha e tendões palpáveis no paciente imobilizado.

O sistema respiratório é o local de complicação ameaçadoras da vida durante


imobilidade prolongada. Pode haver: diminuição de volumes e capacidade respiratória, acúmulo
de muco e secreção, infecção e pneumonia hipoestática.

Fisiologicamente, ocorre diminuição do movimento diafragmático e da excursão 176

torácica com posterior perda da função muscular. Quando se associar ao déficit do mecanismo
de tosse e do movimento ciliar, causa um padrão respiratório superficial, dificultando a
eliminação de secreções e criando um terreno propício para o desenvolvimento de infecções e
conseqüentemente de atelectasias.

Ocorre uma redução do volume corrente, volume minuto, capacidade pulmonar total,
capacidade residual funcional, volume residual e volume expiratório forçado. Todas essas
funções estariam diminuindo de 25 a 50% no imobilismo.

Outros sistemas acometidos pela síndrome do imobilismo são o gastrointestinal e


geniturinário. A falta de movimento e estimulação provoca alteração em todo trato
gastrointestinal como: falta de apetite, redução do peristaltismo, causando absorção mais lenta
de nutrientes causada por um alto nível de atividade adrenérgica. Esse fator, aliado a perda de
volume plasmático e desidratação que acompanham o repouso no leito, geralmente resulta em
constipação. O esvaziamento da bexiga é comprometido pelo decúbito dorsal, devido à
dificuldade de gerar pressão intra-abdominal nessa posição. Ocorre enfraquecimento dos
músculos abdominais, restrição nos movimentos diafragmáticos e relaxamento incompleto do
assoalho pélvico, provocando a retenção urinária parcial.

A prevenção de tais complicações deve ser o princípio básico de qualquer plano de


tratamento, que para bons resultados, deve ter início precoce.

O fisioterapeuta nas doenças neuromusculares busca avaliar e prescrever exercícios


para a manutenção da amplitude de movimento, otimizar a função muscular ainda existente e
para prevenir as complicações decorrentes do imobilismo, para a manutenção do tônus
muscular, e prevenção de possíveis quadros álgicos e edemas.
São propostas duas a três sessões semanais com duração aproximada de 45 minutos
realizados por um profissional, em conjunto com um programa de exercícios diários realizados
pelos cuidadores.

São indicados exercícios de moderada para baixa resistência onde a prescrição é feita
de acordo com o quadro apresentado pelo paciente determinando intensidade, duração e
repetições apropriadas para cada situação, buscando evitar quadros de fadiga e dor, mobilização 177
passiva das articulações, técnicas neuromusculares proprioceptivas de facilitação e de
relaxamento muscular, exercícios de equilíbrio postural e dinâmico, alongamentos e massagem.

A utilização de órteses para prevenção da instalação de possíveis retrações ou


deformidades em membros superiores ou inferiores, assim como de colchões e almofadas
adequadas para prevenção de úlceras de decúbito devem ser indicadas.

É papel também do fisioterapeuta monitorar as habilidades funcionais dos pacientes,


determinar modos eficientes e efetivos para realizar suas atividades de vida diárias, explicar a
mecânica corporal com o intuito de facilitar as trocas posturais, ensinar as técnicas de
transferências para o paciente e cuidadores, avaliar o domicílio e solicitar mudanças no ambiente
com intuito de proporcionar ao paciente maior liberdade de movimentos seguros.

Independente do momento que se encontra o tratamento abrir um diálogo sincero e


objetivo com o paciente, e familiares, aliar-se a eles para poder proporcionar o melhor
atendimento, ensinar e esclarecer dúvidas são atos que, além de trazer benefícios reais ao
tratamento, aumentam a confiança e o respeito da família pelo fisioterapeuta, pois demonstram
não só o profissionalismo, mas também humanidade e solidariedade para com eles.
18 TÉCNICAS FISIOTERAPÊUTICAS: PRINCÍPIOS BÁSICOS

18.1 Facilitação Neuromuscular Proprioceptiva (FNP) – Kabat

178

O método Kabat é mais do que uma técnica. É uma filosofia de tratamento e a base
desta filosofia está no conceito de que todo ser humano, incluindo aqueles portadores de
deficiência, tem um potencial ainda não explorado.

FNP é um método que promove e acelera a resposta dos mecanismos


neuromusculares por meio da estimulação dos receptores do sistema nervoso. Baseia-se na
utilização de movimentos e posturas com fins terapêuticos e procura entender o movimento e a
postura normal para realizar a aprendizagem ou reaprendizagem quando estes movimentos ou
postura estão alterados.

Foi desenvolvida por Herman Kabat e seu trabalho foi continuado e expandido por
Margaret Knott. Herman Kabat estava interessado no tratamento de pacientes com “paralisia”, e
enfatizava a importância da excitação central. A força de contração muscular é diretamente
proporcional ao número de unidades motoras ativadas, as quais obedecem à lei do “tudo ou
nada”. O funcionamento destas é dependente do grau de excitação dos motoneurônios. Logo, o
principal alvo deste método é estimular o maior número de unidades motoras em atividade e
ativar todas as fibras musculares remanescentes.

As técnicas de FNP baseiam-se principalmente na estimulação dos proprioceptores


para aumentar a demanda feita ao mecanismo neuromuscular, para obter e simplificar suas
respostas. A importância dos proprioceptores, em particular do fuso muscular, foi reconhecida
como um fator-chave na facilitação da contração dos músculos.

Baseado nesta filosofia, certos princípios são básicos para o método:

 Qualquer ser vivo possui um potencial e para se desenvolver este potencial é


importante oferecer uma demanda.
 Cada indivíduo é considerado como um todo, integrando estímulos sensoriais,
motores e psicológicos, por isso todo o tratamento deve ser direcionado ao ser humano, e não a
um problema específico.

 A demanda sobre o paciente é orientada funcionalmente durante o tratamento.

 Se o paciente tem sucesso, acaba esforçando-se mais.

 O tratamento é iniciado no nível funcional do paciente, progredindo para atividades


179
mais complexas.

 São utilizadas atividades que acompanham a seqüência do desenvolvimento motor


normal.

 O ser humano não se movimenta em plano reto, mas num movimento


tridimensional.

 Respeitar o tempo do movimento.

 Atingir a resposta máxima é a forma mais eficaz de alcançar consciência, força,


coordenação e endurance.

 A repetição da resposta é utilizada para aumentar ou promover e manter a


aprendizagem motora.

Didaticamente o método se divide em processos básicos, os quais fornecem ao


terapeuta ferramentas necessárias, para ajudar seus pacientes a atingir uma função motora
eficiente.

Essa eficiência não depende necessariamente da colaboração do paciente e esses


procedimentos são usados para: aumentar a habilidade do paciente em mover-se e permanecer
estável, guiar o movimento com a utilização de contatos manuais adequados e de resistência
apropriada, ajudar o paciente a obter coordenação motora e sincronismo, aumentar a histamina
do paciente e evitar a fadiga.

Os processos básicos são: padrão de facilitação, estímulo de estiramento, tração-


aproximação, reflexo de estiramento, contatos manuais, comando verbal, estímulo visual,
resistência, irradiação e reforço, sincronização de movimentos.

A aplicação correta da técnica consiste na utilização de todos os processos básicos,


porém em pacientes neuromusculares, dificilmente poderemos utilizar o método como um todo
em função do déficit de força muscular, fadigabilidade e demais complicações. No entanto,
alguns processos básicos são úteis aos treinos de - coordenação, manutenção de força e
estabilidade de tronco, realização de trocas posturais, entre outros.

O fisioterapeuta deve realizar a escolha e o uso dos processos básicos mais


adequados a cada caso. Também podemos associar processos básicos de FNP com
cinesioterapia convencional, por exemplo, utilizar o padrão de facilitação, contatos manuais
estímulo e reflexo de estiramento com exercícios ativo-assistidos. 180

Os padrões de facilitação são padrões de movimento tridimensionais, que provocam


facilitação ou inibição para se obter o máximo de aproveitamento da energia nervosa. O
componente fundamental é a rotação, quando um padrão é utilizado a resposta muscular é mais
fácil, mais coordenada e mais poderosa.

O estímulo de estiramento é a posição do começo do padrão, na qual são alongadas


ao máximo todas as estruturas musculares que intervém nesse padrão. Alongando ao máximo o
músculo, estamos estimulando os fusos neuromusculares e facilitando o reflexo de estiramento.
O estímulo de estiramento é importante para se obter um bom início de contração muscular.

A tração (separação das superfícies articulares) e a aproximação (compressão das


superfícies articulares) são duas manobras opostas, em ambas estimulam os receptores
articulares que são: os corpúsculos de Golgi que estão localizados nos planos de flexoextensão
das cápsulas articulares, corpúsculos de Hulfini que estão localizados nas partes laterais. Estes
receptores articulares fazem parte do sistema sinestésico que vai dar a sensibilidade profunda
consciente, a sensação da posição do seguimento no espaço. No tratamento, o uso da tração
parece promover movimento, enquanto a aproximação, estabilidade ou manutenção de postura.

O reflexo de estiramento pode ser provocado manualmente levando rapidamente à


parte do corpo mais adiante do ponto de tensão, tendo a certeza de que todos os componentes
estão estirados; especialmente de que a rotação está correta. Exatamente, no mesmo instante
em que se provoca o reflexo, o paciente tenta executar o movimento. O reflexo de estiramento
pode ser usado para iniciar o movimento voluntário, assim como para aumentar a força e
intensificar uma resposta mais rápida nos movimentos fracos.

O contato manual é o contato direto da mão do terapeuta nas zonas de propriocepção


do paciente. Para controlar o movimento e resistir à rotação, o terapeuta utiliza-se de contato
lumbrical. Usa-se um contato manual distal e outro proximal. Iremos atuar sobre os
esteroceptores, especialmente de pressão e cutâneo.

O comando verbal é a comunicação com o paciente para solicitar a atividade. É uma


forma de facilitação através da via auditiva. O comando verbal diz ao paciente o que fazer e
quando fazer. O comando dever ser dado para o paciente e não para a parte do corpo que está
sendo tratada. O volume no qual o comando é dado pode afetar a força do resultado de 181
contração muscular, por isso, o terapeuta deve utilizar um comando mais alto quando uma
contração muscular de maior intensidade é desejada e usar um tom mais calmo e tranqüilo
quando o objetivo é o relaxamento ou alívio da dor.

O estímulo visual é o acompanhamento do movimento pelos olhos e cabeça do


paciente, que precisa ver onde está indo e entender o que é esperado dele. É necessário olhar o
paciente e comunicar-se visualmente para observarmos se o paciente entendeu o que você
deseja e verificar também se ele expressa algum sinal de dor. O feedback fornecido pelo sistema
sensorial da visão pode promover uma contração muscular mais potente.

A resistência aplicada deve ser apropriada ou ótima e é utilizada para: facilitar a


habilidade do músculo em se contrair, aumentar o controle motor, ajudar o paciente a adquirir
consciência dos movimentos e aumentar a força muscular.

A resistência aplicada de forma apropriada resulta em irradiação e reforço. Irradiação


pode ser definida como a deflagração da resposta ao estímulo, esta resposta pode ser vista
como aumento da facilitação (contração) ou inibição (relaxamento) nos músculos sinérgicos e
padrões de movimento. A resistência ao movimento é responsável pela produção da irradiação.
O reforço é equivalente a “tornar mais fácil”, o terapeuta direciona o reforço para os músculos
fracos pela quantidade de resistência aplicada nos músculos fortes.

A sincronização dos movimentos refere-se à direção em que os movimentos serão


executados, de distal para proximal. Nos padrões habituais normais, a maior amplitude começa
distalmente, porém não podemos permitir toda a amplitude distal até não começar também a
movimentação intermediária e proximal.

A técnica constitui-se de padrões individuais de membros superiores e inferiores,


padrões de escápula, cabeça e pescoço, padrões de marcha, além de atividades integradas, que
são uma seqüência de aprendizagem tendo como base o processo de maturação cerebral e
desenvolvimento motor. O objetivo dessas atividades é dar independência ao paciente e ensiná-
lo novamente o “automático”. Para a realização das atividades integradas utilizam-se os
processos básicos durante a realização de trocas posturais e manutenção de posturas.

Método Bobath 182

Fisioterapeutas que trabalham com reabilitação neurológica têm vários procedimentos


disponíveis para que possam oferecer melhoras aos pacientes e que fundamentam sua
intervenção. O conceito Bobath tem sido relatado como o procedimento mais comumente
utilizado no atendimento fisioterapêutico de pessoas com problemas neurológicos. O início de
sua utilização foi baseado na experiência terapêutica de Berta Bobath (1970), com
embasamento teórico que é buscado em pesquisas neurológicas.

O método Bobath é também conhecido como tratamento neurovolutivo e fundamenta-


se no reconhecimento de dois fatores: a interferência na maturação normal do cérebro pela
lesão, levando a atraso ou ao impedimento de alguns ou de todos os aspectos do
desenvolvimento; a presença de padrões anormais de postura e de movimento, devido à
liberação da atividade postural reflexa anormal, ou à interrupção do controle normal dos reflexos
de postura e movimento.

A abordagem Bobath tem por objetivo inibir os padrões da atividade reflexa anormal e
facilitar padrões motores mais normais como uma preparação para uma maior variabilidade de
habilidades funcionais.

Muitas técnicas de inibição, facilitação e estimulação dentro do conceito Bobath foram


desenvolvidas e podem ser adaptadas a qualquer tipo de paciente. Essas técnicas têm que ser
ajustadas às necessidades individuais do paciente, baseadas em uma avaliação completa e
detalhada e em freqüentes reavaliações.

O tratamento da atividade reflexa postural anormal pela inibição é combinado em


muitas maneiras, com a facilitação e a estimulação de movimentos mais normais. Isso é feito
usando técnicas especiais de manuseio da criança, e pela condução de respostas, de uma forma
que estimule e desenvolva padrões de ajustamento aos movimentos mais normais.

No tratamento não é permitido ao paciente realizar movimentos e atividades no modo


anormal ou com esforço excessivo. Ele é preparado para atividades funcionais recebendo
padrões motores necessários para essas funções e trabalhando a habilidade funcional
específica. 183

Dessa forma, a modificação de padrões posturais anormais, aumenta a possibilidade


de mover-se com maior facilidade, diminui o esforço (gasto energético), pode aumentar a
amplitude de movimento, facilita o ganho de experiências sensório-motoras, aumentando assim
seu repertório de habilidades funcionais.

As técnicas fundamentais do método Bobath são os pontos-chaves e as técnicas de


estimulação tátil proprioceptiva (placing, holding,suporte de peso com ou sem pressão, tapping).
Essas técnicas devem ser usadas em combinação ou isoladamente, dependendo das
necessidades do paciente, podendo ser usadas alternadas ou simultaneamente.

Os pontos-chaves são partes do corpo por meio das quais o terapeuta pode controlar e
modificar, com maior eficácia, os padrões de postura e de movimentos em outras partes do
corpo. Eles podem ser usados para inibir, estimular e facilitar. São eles: cabeça, ombros,
cotovelos, punhos, polegares, quadris, joelhos e tornozelos.

As técnicas de estimulação tátil proprioceptivas podem ser utilizadas quando há déficit


sensorial com fraqueza muscular, devido à falta de input sensorial. Placing corresponde à
habilidade do paciente em interromper um movimento, em qualquer etapa, automática ou
voluntariamente. Holding é a adaptação automática dos músculos às mudanças de postura,
sendo parte necessária e inseparável do mecanismo de controle postural normal. No tratamento,
o paciente deve manter e controlar sem ajuda do corpo e, os membros quando colocados em
diferentes posições e amplitudes de movimento.

Os movimentos de ajustamento intrínsecos e automáticos devem ser obtidos por meio


de transferência de peso constante em grandes amplitudes, para os lados, para frente, para trás,
diagonalmente, enquanto damos pressão e resistência. Uma combinação de suporte de peso,
pressão e resistência pode ser usada em todos os casos para conseguir uma adequação do
tônus postural e manutenção das posturas contra a gravidade.

Tapping é o método de aumentar o tônus postural por meio da estimulação tátil e


proprioceptiva. Tem por objetivo capacitar o paciente a manter automaticamente uma posição
desejada ou movimento contra a gravidade. É aplicado a princípio em intervalos regulares em
rápida sucessão, e gradativamente quando as respostas ativas ocorrem, em intervalos regulares 184
e mais vagarosamente.

Há quatro tipos de tapping:

 Tapping de Inibição: é feito na direção do padrão funcional desejado. É utilizado


para aumentar a função de músculos que não conseguem se contrair pela atividade excessiva
de seus antagonistas.

 Tapping de pressão: é feito como uma co-contração para manutenção da


fixação postural, ou seja, para a ativação da contração simultânea de agonistas e antagonistas.

 Tapping alternado: é feito com os dedos do terapeuta estendidos como no


tapping de inibição. Melhora a graduação da contração e descontração dos agonistas e
antagonistas. Usado para o controle de movimento e equilíbrio nas diferentes posturas.

 Tapping de deslizamento: é feito com uma batida precisa e firme com os dedos
do terapeuta estendidos, pelo comprimento do músculo (ou em músculos que trabalham na
mesma direção).

O método Bobath nas doenças neuromusculares pode atuar nos sentidos de: aumentar
o tônus postural, trabalhar o controle e alinhamento de cabeça e tronco, trabalhar problemas
relacionados a atividades funcionais, orientar pais e cuidadores quanto ao posicionamento e
manipulação, conseguir atividades contra a gravidade, usar estimulações apropriadas, etc.

Reeducação Postural Global – RPG

A RPG é um método de tratamento fisioterapêutico das desarmonias do corpo


humano, com uma abordagem corretivo-preventiva, fundamentado na biomecânica moderna e
neurofisiologia, levando em consideração as necessidades de cada pessoa, já que todo
organismo reage de maneira diferente às agressões sofridas. Foi criada durante anos por
Philippe Emmanuel Souchard na década de 70 a partir de observações feitas por Francoise
Mezières sobre as cadeias musculares.

Consiste em ajustamentos posturais para reorganização dos segmentos do corpo


humano, através do alongamento do tecido muscular retraído, a fim de permitir a reorganização 185
das miofibrilas e o reequilíbrio dos músculos que mantêm a postura.

A RPG trata-se de um método de avaliação e tratamento das diversas disfunções


posturais e dos movimentos através de posturas globais e analíticas que tratam as cadeias
musculares em alteração, realizando um efeito proprioceptivo sobre a postura de indivíduo.

É um método fisioterapêutico de correção postural que trabalha sobre as cadeias de


tensão muscular utilizando posturas de alongamento em lugar de exercícios repetição. A
vantagem das posturas de alongamento é que elas evidenciam as cadeias de tensão que
bloqueiam o indivíduo em posição de desequilíbrio.

Nenhum músculo se move sozinho, sempre que um deles se contrai gera movimento e
acomodação em outros músculos formando um conjunto. Este conjunto denomina-se cadeia de
tensão muscular. Partindo deste conceito a R.P.G. trabalha globalmente o paciente de forma
pessoal e quantitativa, com a finalidade de ir do sintoma à causa das lesões, levando ao
relaxamento das cadeias musculares encurtadas, ao desbloqueio respiratório e ao reequilíbrio do
tônus postural. A R.P.G. trata o indivíduo e não a doença.

As cadeias musculares são: inspiratória, posterior, ântero-interna da bacia, anterior do


braço e a ântero-interna do ombro.

Esta técnica utiliza o estiramento muscular ativo, procurando alongar em conjunto os


músculos estáticos antigravitacionais, os músculos rotadores internos e os inspiratórios, por meio
de alongamento muscular, entende-se qualquer manobra terapêutica elaborada para alongar
estruturas de tecidos moles encurtados. Sua indicação mais freqüente se refere à necessidade
de alongar os encurtamentos sempre que estes interferirem com as atividades da vida diária.
As disfunções musculares e alterações posturais são fatores significantes nas doenças
neuromusculares, pois essas disfunções estão relacionadas às posturas inadequadas ou
compensatórias devido à fraqueza muscular generalizada.

Uma boa postura depende diretamente do conhecimento e do relacionamento dos


indivíduos em relação ao próprio corpo, ou seja, da imagem que cada um tem de si, em cada
momento. Desta forma, só é possível manter uma boa postura se tivermos um bom 186
conhecimento do corpo, associado a estímulos sensoriais e modelos posturais adequados.

Por isso, os exercícios de consciência corporal associados aos exercícios respiratórios


são indicados para auxiliar na formação da imagem e esquema corporal, além da estimulação da
autocorreção postural, com baixo gasto energético, nos pacientes neuromusculares.

Há uma grande quantidade de evidências científicas comprovando a eficácia do


treinamento do sistema muscular em pacientes que possuem dor crônica ou apenas uma
postura incorreta. Também em pacientes neuromusculares alguns princípios da técnica podem
ser utilizados de acordo com o quadro do paciente. Em geral, devem ser evitadas posturas que
levam à fadiga e desgaste muscular.

O fisioterapeuta deve avaliar cada paciente a procura do desequilíbrio muscular. Feito


o diagnóstico, é desenvolvido um programa de tratamento para corrigi-lo por meio de técnicas de
alongamento e fortalecimento de músculos posturais específicos.

Terapia manual e mobilização neural

O termo terapia manual pode referi-se a diferentes métodos de tratamento na


fisioterapia: mobilização e manipulação articular, massagem do tecido conectivo, massagem de
fricção transversa, entre outras. Mobilização e manipulação articular são métodos conservativos
de tratamento de dor, restrição de amplitude de movimento articular, e outras disfunções de
movimento do sistema musculoesquelético. A terapia manual usada no contexto deste artigo vai
referi-se apenas à mobilização e a manipulação articular.
Mobilização e manipulação são exercícios passivos acessórios de amplitude de
movimento executados por terapeutas. Existem dois tipos de exercícios passivos que podem ser
executados por terapeutas: movimentos acessórios e movimentos fisiológicos.

Movimentos fisiológicos são executados quando uma articulação é movida dentro dos
três planos cardinais cinesiológicos (coronal, sagital, e transverso). Os movimentos fisiológicos
são: extensão, flexão, rotação, adução, abdução, pronação, e supinação. 187

Movimentos acessórios podem apenas ser executados pelo terapeuta. Os movimentos


acessórios são: aproximação, separação, deslizamento, rolamento, e o girar.

Na fisioterapia, a manipulação e a mobilização geralmente referem-se a diferentes


técnicas de terapia manual. Mobilização refere-se a movimentos passivos acessórios de jogo
articular executados gentilmente em baixa velocidade pelo terapeuta. Estes últimos podem ser
executados ritmicamente numa série de oscilações ou num único movimento executado
vagarosamente. A suavidade de aplicação de movimentos de mobilização permite ao terapeuta
ajustar as técnicas ao conforto dos pacientes. Movimentos de mobilização são executados sobre
o controle dos pacientes.

Manipulação refere-se à execução de movimentos acessórios de jogo articular


executados em alta velocidade. A alta velocidade de aplicação de técnicas de manipulação não
permite que o paciente tenha controle da execução das mesmas. Por causa da alta velocidade
das técnicas de manipulação, o uso destas está associado a certos efeitos colaterais
(rompimento de vasos sangüíneos, lesão nervosa, entre outros). Portanto, somente terapeutas
habilidosos e com anos de experiência clínica deveriam executar a manipulação articular.

Os efeitos neurofisiológicos da terapia manual são utilizados no tratamento de dor


articular e tensão muscular. Fato que pode ser explicado pela função de receptores nervosos
articulares e a teoria da comporta de dor.

A mobilização neural refere-se a um conjunto de técnicas que visam colocar o


neuroeixo em tensão e alongá-lo por meio de mobilizações adequadas. Estas técnicas de
tratamento são uma evolução dos testes diagnósticos propostos por Elvey para verificar a
presença de tensão neural adversa. O tratamento consiste na aplicação de movimentos
oscilatórios e/ou brevemente mantidos ao tecido neural.
A mobilização neural é uma técnica que vem sendo recentemente usada no Brasil. Os
estudos atuais mencionam em suas referências basicamente os mesmos estudos dos mesmos
autores já publicados anteriormente.

A mobilização neural procura restaurar o movimento e elasticidade ao sistema nervoso,


o que promove o retorno as suas funções normais. Portanto, a técnica parte do princípio que se
houver um comprometimento da mecânica/fisiologia do sistema nervoso (movimento, 188
elasticidade, condução, fluxo axoplasmático) isso pode resultar em outras disfunções no próprio
sistema nervoso ou em estruturas musculoesqueléticas que recebem sua inervação. O
restabelecimento de sua biomecânica/fisiologia (neurodinâmica) adequada por meio do
movimento e/ou tensão permite recuperar a função normal do sistema nervoso assim como das
estruturas comprometidas. Esse restabelecimento dá-se por movimentos oscilatórios e/ou
brevemente mantidos direcionados aos nervos periféricos e/ou medula.

A técnica se aplica a todas as condições que apresentam um comprometimento


mecânico/fisiológico do sistema nervoso. Para se verificar a presença desse comprometimento,
uma avaliação específica deve ser realizada.

Eletroterapia

A Eletroterapia consiste no uso de correntes elétricas dentro da terapêutica. Embora


seu desenvolvimento tenha se aperfeiçoado mais apenas nas últimas décadas, já na Antigüidade
seu uso era empregado. Os registros mais antigos datam de 2.750 a.C., quando eram utilizados
peixes elétricos para produzir choques nos doentes e assim obter analgesia local.

Existe uma diversidade de correntes que podem ser utilizadas na eletroterapia, cada
qual com suas particularidades quanto a indicações e contra-indicações. Mas todas elas têm um
objetivo comum: produzir algum efeito sobre o tecido a ser tratado, que é obtido por meio das
reações físicas, biológicas e fisiológicas que o tecido desenvolve ao ser submetido à terapia.

Quando falamos em doenças neuromusculares o uso da eletroterapia fica restrito a


objetivos de analgesia e relaxamento muscular, além do tratamento de escaras.
O TENS ou estimulação elétrica transcutânea é uma valiosa técnica clínica não
invasiva, em que estímulos elétricos são aplicados na superfície da pele, para promover alívio
sintomático da dor de diversas origens. É um procedimento analgésico distinto das formas
convencionais, pois possui a vantagem de ser não farmacológico e, portanto não causa
dependência química ou reações adversas por interações medicamentosas.

O ultrassom pode ser de grande valia para a melhora do retorno venoso e linfático, 189
analgesia, além de ter ação anti-inflamatória. São ondas sonoras longitudinais, produzidas a
partir da transformação da corrente elétrica comercial em corrente de alta freqüência, que ao
incidir sobre um cristal de quartzo provoca compressão e expansão alternada do cristal.

O laser tem indicações no tratamento de úlceras de decúbito que podem surgir pelo
imobilismo ou posicionamento inadequado por tempo prolongado em cadeira de rodas. O laser é
uma radiação eletromagnética não ionizante, que promove efeitos a partir da interação da luz
com o tecido, influenciando as respostas celulares tais como estimulação ou inibição de
atividades bioquímicas, fisiológicas e proliferativas, além de ter efeito de biomodulação. Por meio
desses mecanismos, podemos obter respostas terapêuticas como efeitos analgésicos, anti-
inflamatório, antiedematoso e cicatrizante.

O uso de estimulação elétrica funcional não tem indicações na grande maioria dos
casos, uma vez que utiliza uma corrente elétrica externa e controlada na superfície cutânea, por
meio de eletrodos adequados, com o objetivo de atingir o músculo ou grupos musculares e/ou
seus terminais nervosos, produzindo neles uma contração muscular. Em muitas doenças
neuromusculares é preciso evitar a fadiga muscular e assim o uso dessa eletroestimulação não é
indicado. Além disso, em doenças do neurônio motor inferior essa corrente é ineficaz.

Liberação miofascial e pompagem

A liberação miofascial é uma técnica do método americano Rolfing®, que consiste na


mobilização digital profunda do tecido conjuntivo, em especial das fáscias, que formam a rede de
tecido fino e elástico existente em camadas contínuas por todo corpo, faz com que os músculos
se libertem de padrões habituais de tensão crônica, melhorando desconfortos musculares, dores
e mobilidade prejudicada.

A fáscia é o tecido mais penetrante no corpo, representando uma rede tridimensional


da cabeça aos pés. O tecido fascial liga e percorre todo o corpo, as áreas mais espessas
transmitem tensão em muitas direções, e sua influência é sentida em pontos distantes. Músculos
e fáscia são funcionalmente ligados combinando as propriedades de tecidos contráteis e não- 190
contráteis.

Quando o corpo não está em alinhamento, a fáscia pode realizar seu trabalho até um
ponto crítico. Então, se uma área da fáscia alcançou sua expansão máxima e não pode cobrir a
área designada, o restante da fáscia deve mover-se até aquela parte. A distorção da fáscia
causa em outra parte do corpo uma compressão pela parede da fáscia que a cobre. Enquanto as
outras áreas da fáscia tentam manter pressões iguais em todas as partes do corpo, a fáscia fica
totalmente alongada, e acomodações futuras não podem ser feitas. As partes que podem ser
comprimidas irão sustentar compressão máxima para compensar aquelas estruturas que não
podem ser comprimidas. A única maneira que o corpo pode permanecer ereto contra a
gravidade é adotando mais assimetrias posturais.

Não há deformidade única, isolada ou localizada, por isso, não pode haver correção
única, isolada ou localizada. Todo tratamento fisioterapêutico de uma deformidade ou de uma
simples limitação articular só pode ser global.

Liberar as restrições miofasciais pode afetar outros órgãos do corpo devido à liberação
de tensão no grande sistema fascial.

As massagens de liberação miofascial trazem benefícios aos pacientes


neuromusculares: libera sensivelmente as tensões e dores musculares crônicas; libera o
movimento das articulações e melhora a flexibilidade; modifica adequadamente a distribuição da
massa muscular; melhora a circulação e a respiração; promove mudanças progressivas nos
níveis: físico e emocional; aumenta a consciência corporal.

A pompagem é uma técnica que também atua nas fáscias do tecido conjuntivo,
desenvolvida pelo francês Marcel Bienfait. É um trabalho miotensivo com mobilização somada
ao deslizamento das fáscias, que tem como objetivo o relaxamento muscular, melhora na
nutrição circulatória dos tecidos moles e articulações, quebra de
contraturas/encurtamentos/retrações e restauração do formato ou comprimento normal das
estruturas miotendíneas.

Nos casos de contratura e retrações, quando as moléculas de actina e miosina


interpenetram-se excessivamente, há diminuição do comprimento muscular, no que são
seguidas pelos elementos conjuntivos do músculo. A pompagem, realizada no sentido das fibras 191
musculares, promove um deslizamento dessas moléculas em sentido contrário e aumenta o
comprimento total do músculo, promovendo o relaxamento muscular.

Se uma retração muscular, uma cicatriz, um edema provocarem uma estase, haverá
ausência de mobilidade entre as fáscias, e a circulação lacunar, não ocorre eficientemente,
porque depende da mobilidade entre os tecidos, visto não haver uma bomba a ela destinada.
Neste caso, a pompagem deve ser realizada com o objetivo de liberar os bloqueios e promover a
circulação lacunar.

Na região de uma dada articulação, podemos aplicar um tensionamento com o objetivo


de separar duas superfícies articulares, descomprimindo a articulação, provocando a entrada de
mais líquido sinovial, o que representa mais nutrição para o tecido cartilaginoso que depende
exclusivamente do aporte deste líquido para sua nutrição. Não é capaz de recuperar os
desgastes já produzidos, mas pode retardar a evolução da degeneração.

Drenagem linfática manual

O método de drenagem linfática manual foi desenvolvido em 1932 pelo terapeuta


dinamarquês Vodder que trabalhava junto com sua esposa na Riviera Francesa.

Vodder observou que a maioria de seus pacientes sofria de constipação, retenção de


líquidos e apresentavam os gânglios linfáticos alterados. Ele passou a tratar estes pacientes
intuitivamente com massagens que estimulavam estes gânglios atingindo grandes êxitos com
diversos pacientes.
Seu método foi desenvolvido e se tornou muito eficaz. Hoje a drenagem linfática
manual é usada na estimulação da circulação linfática que ajuda o corpo a eliminar toxinas e na
nutrição dos tecidos. A estagnação dos gânglios linfáticos pode causar dor. Embora todos os
tipos de massagem estimulem a corrente linfática, a técnica de Vodder é focada na drenagem do
excesso linfático.

A drenagem linfática é basicamente composta de dois processos ou procedimentos 192


que visam transportar e remover esse líquido de edema de volta à circulação sanguínea, são
eles:

 Evacuação: é o processo que se realiza em gânglios (ou linfonodos) e em outras


vias linfáticas com o objetivo de descongestioná-los.

 Captação: é a drenagem propriamente dita que é realizada principalmente dos locais


de edema em direção à desembocadura mais próxima.

As manobras da drenagem linfática manual são basicamente as seguintes: círculos


com os dedos ou com as mãos; círculos com o polegar; movimentos combinados; pressão em
bracelete.

A drenagem linfática pode ser indicada para pacientes com doenças neuromusculares
que apresentem edema, seja por imobilidade, pós-operatórios ou outra alteração. Dessa forma,
melhora a oxigenação e a defesa do organismo, aumenta o potencial reparador, dinamiza todos
os processos catalisadores de uma boa cicatrização, além de ter ação anti-inflamatória.

Mas, a drenagem linfática é contra-indicada nos casos de: infecções agudas;


insuficiência cardíaca descompensada; flebites; tromboses; tromboflebites; síndrome seno
carotídeo; hipertensão; certos tipos de afecções da pele; câncer, asma brônquia e bronquite
asmática; hipertiroidismo; parte do corpo inchada, dolorida e avermelhada.

Fisioterapia e atividades lúdicas

A criança com doença neuromuscular não vivencia experiências tanto pela sua
limitação como por falta de estímulos ambientais que agravam seu atraso. Por isso, a brincadeira
é um recurso que contribui para o desenvolvimento de habilidades motoras, perceptivas, visuais,
socais e cognitivas.

O tratamento da criança com distúrbio neurológico tem o intuito de estabelecer ou


restabelecer a função do movimento, ensinando a criança, especialmente pela promoção de
experiências motoras adequadas, mediando seu desenvolvimento. Assim, são aspectos
relevantes no tratamento: a motivação, a vontade e o brincar. Além disso, no tratamento dessas 193
crianças deve-se buscar que ela consiga fazer e executar ações, sendo as atividades lúdicas
fundamentais a essas ações.

A manifestação do lúdico no atendimento à criança pode apresentar caráter


terapêutico. Uma única atividade lúdica pode oferecer diversas funções, como promover melhor
interação criança/terapeuta e contextualizar o movimento desejado. É possível associar o brincar
e suas funções ao procedimento ou manuseio que desenvolve vários aspectos motores, dessa
forma potencializar e tornar o atendimento mais dinâmico.

O objetivo do lúdico no atendimento à criança é pontual: favorecer o desenvolvimento


físico e motor. A criança precisa envolver-se na atividade proposta e os brinquedos são atrativos
para uma resposta mais ativa durante as terapias, que devem gerar prazer para se obter
resultados eficazes e produtivos.

Assim, o atendimento deve ressaltar as necessidades da criança, levando em


consideração sua individualidade e suas possibilidades de aprendizagem. Para isso,
proporcionar experiências adequadas e atividades planejadas torna o atendimento motivador e
capacita a criança a participar ativamente do mundo em que está incluída. O lúdico torna-se,
então, elemento fundamental no tratamento de crianças com doença neuromuscular.

Sendo assim, acreditamos que o jogo e a brincadeira possam trazer oportunidades a


essas crianças de satisfazer uma série de necessidades e façam emergir valores como
curiosidade, autoaceitação e contatos sociais. Além disso, as atividades lúdicas são recursos
que podem facilitar o desenvolvimento de habilidades motoras e cognitivas.

O papel do brincar no desenvolvimento da criança é uma condição saudável do


processo neurovolutivo, uma manifestação das formas de organização da realidade da criança,
uma introdução gradual e prazerosa ao universo sociocultural e histórico, uma base ao processo
de ensino e aprendizagem. O brincar é um meio de exploração de várias experiências em
diversas situações, com determinados fins.

A brincadeira é o meio pelo qual a criança aprende e constitui uma válvula de escape
para a necessidade inata de atividade. O lúdico é um facilitador para a interação com o meio,
uma ferramenta que permite a inserção da criança na cultura e por meio do qual é possível
relacionar as vivências internas com a realidade externa. 194

Há quatro aspectos que explicam a atividade lúdica da criança: por prazer, para
expressar a agressividade, para dominar a angústia e para estabelecer contatos sociais.

Em todas as idades, o brincar é realizado por puro prazer e diversão, criando uma
atitude alegre em relação à vida e à aprendizagem. Isso certamente é uma razão suficiente para
valorizar o brincar.

O brincar para expressar sua agressividade envolveria satisfação das pulsões


destruidoras pela fantasia que subentende suas atividades. A agressividade e as pulsões
destruidoras exprimem-se de modo simultâneo por intermédio do brinquedo. A criança busca
resolver a angústia de situações conflituosas brotadas num mundo real na fantasia do brinquedo,
sendo possível afrontar, questionar, negar situações reais e adversas.

A brincadeira presume uma aprendizagem social: as formas, o vocabulário típico, as


regras, as habilidades específicas requeridas para cada brinquedo, os tipos de interações
condizentes.

Enquanto o processo de desenvolvimento mental ocorre vão se estabelecendo três


sistemas de jogos: de exercício, simbólico e de regras. O jogo de exercício é constituído pela
repetição dos movimentos do corpo pelo simples prazer de movimentar-se. Os jogos simbólicos
são regidos pela reação individual da criança a estímulos externos. Já o jogo de regras constrói
relações sociais e promove o ensino de regras.

Brincar faz parte do desenvolvimento normal da criança. O recém-nascido brinca ou


exercita seus potenciais sensoriais num circuito: intenção/ato/efeito.

O significado que as crianças e os adultos empregam ao brinquedo é distinto. Para o


adulto, o brinquedo muitas vezes significa conquista de algo que no passado não lhe foi
acessível e, munido de força palpável, pode por meio de o brinquedo fazer o “mundo vergar a
seus pés”. O adulto faz um movimento que se direciona de fora para dentro. Exatamente o
contrário da criança, pois ao manipular o brinquedo procura projetar-se no mundo, abrir-se para
a conquista. Trata-se então de um movimento de dentro para fora.

A brincadeira infantil é uma forma de compreender o mundo e as ações humanas nas


quais está inserida, uma atividade dominante na infância pela qual esta começa a aprender. Na 195
atividade conjunta, a criança e a mãe podem interagir num contexto promotor do
desenvolvimento emocional e de capacidades sociocognitivas.

A importância do uso do objeto brinquedo é desenvolver as habilidades dentro do meio


ambiente, o ajuste espacial e o ajuste temporal da criança, que: aprende, constrói e executa no
ato de brincar.
19 ADEQUAÇÃO POSTURAL

O conceito e a prática da adequação postural são recentes. Historicamente, a cadeira


de rodas tem sido associada com “invalidez”. Essa atitude prevaleceu por muitos anos, e assim
196
apenas recentemente têm estado disponível cadeira de rodas que proporcionam a máxima
função para atender aos vários graus de necessidade do usuário.

Uma cadeira de rodas bem prescrita objetiva aumentar mobilidade, autonomia,


conforto e segurança, porém uma cadeira de rodas sem adaptações acarreta em danos ao
paciente, podendo levar a uma postura inadequada com possíveis contraturas e deformidades;
prejudicar funções básicas como respiração, nutrição pela dificuldade de deglutição; alteração no
sistema circulatório dificultando o retorno venoso; surgimento de dores e assim refletir
diretamente nos aspectos psicossociais alterando a qualidade de vida do paciente.

Em virtude das necessidades dos usuários de cadeira de rodas é que surgiu um ramo
da ciência voltado para essa problemática a fim de melhorar a qualidade de vida do portador de
incapacidades. Esse ramo da ciência é chamado de tecnologia assistiva que é definido como
qualquer item de equipamento como peças ou produtos adquiridos comercialmente e feitos sob
medida.

Os aparelhos assistivos englobam inúmeros componentes que auxiliam na realização


de tarefas de vida diária, dispositivos para adaptação na comunicação, deambulação, no
posicionamento sentado, na condução de veículos, equipamentos sofisticados para construção
de cadeiras de rodas motorizadas, etc.

A adequação postural na cadeira de rodas ou seating irá intervir na escolha do modelo


de cadeira, no controle da postura e na administração de deformidades de modo a adequar o
portador de deficiência física no meio ambiente para que possa executar tarefas com maior êxito,
deslocar-se com facilidade, conforto e segurança.

O método de adequação postural possui objetivos fundamentais que visam melhor


independência e participação social do usuário, sendo eles: conforto, alívio de pressão, aumento
da função básica humana, suporte corporal, alterações e reajustes.
A escolha da cadeira de rodas, seja manual ou motorizada, deve levar em conta o
potencial motor do paciente, suas necessidades dentro da comunidade e condições
socioeconômicas. A adequação postural irá intervir na escolha do modelo da cadeira, no controle
da postura e na administração das deformidades de modo a adequar o paciente para deslocar-
se com independência, conforto e segurança.

Para isso, levamos em consideração as capacidades físicas, sensoriais e cognitivas do 197


paciente, além da natureza do diagnóstico e prognóstico de sua deficiência.

Indivíduos com incapacidades graves que não podem andar ou até mesmo sentar
sozinhos, podem passar a vida deitados ou sendo carregados, por esse motivo os profissionais
lançam mão do uso da cadeira de rodas. Para muitos, a cadeira de rodas é um estigma de
incapacidade e dependência, porém a liberdade de ir e vir estão diretamente relacionados à
melhor qualidade de vida e maior independência.

O mau posicionamento na cadeira de rodas pode levar o indivíduo a ter problemas


como: rigidez, contraturas, deformidades, restrição do movimento, úlceras de pressão além de
comprometer o desenvolvimento emocional e intelectual.

O bom posicionamento do indivíduo na cadeira de rodas aumenta a mobilidade,


autonomia, conforto e segurança levando a uma melhoria na postura sentada favorecendo
funções básicas como respiração, nutrição e fluxo sangüíneo, previne dores e, além disso,
melhora a sociabilidade.

O sucesso na prescrição da cadeira de rodas depende de vários fatores como:


expectativa do usuário, adequação do ambiente tanto físico como social e da cooperação da
família.

Os componentes da cadeira de rodas devem objetivar conforto e manutenção da


postura, para isso os elementos que compõem a cadeira de rodas não devem ser eleitos de
forma aleatória, pois se assim for esse meio de locomoção se converte em uma trava à
autonomia, incômodo ao usuário, prejudicando sua independência e interação com o meio.

Para o processo de adaptação da cadeira de rodas pode ser necessária a utilização de


alguns equipamentos como: cinto de segurança, apoio dos pés, abdutor de membros inferiores,
encosto, mesa de apoio, apoios laterais para tronco, apoio de cabeça, bloqueadores de joelhos,
protetor sacral entre outros.

No que se refere à adequação postural nas doenças neuromusculares, a maioria delas


causa perdas motoras e funcionais significativas e o aparecimento de deformidade é
incontrolável, portanto a intervenção da adequação postural deverá possibilitar freqüentes
ajustes e reajustes. 198

Num primeiro momento existe o controle cervical, o controle de tronco está presente ou
instável, não há deformidades instaladas, mas o paciente pode apresentar posturas
compensatórias (escoliose).

Nessa fase, o assento plano com base rígida e de densidades diferentes é utilizado
para obter o posicionamento adequado, favorecendo melhor acomodação da pélvis. O apoio
lateral de tronco em dois pontos tem a intenção de proporcionar suporte adequado, quando o
controle de tronco for insatisfatório e corrigir posturas compensatórias. O cinto de segurança é
um recurso adicional para auxiliar na estabilidade de tronco. O apoio de cabeça removível é útil
quando há necessidade de longa permanência na posição sentada ou durante a locomoção do
paciente em terrenos acidentados. O cavalo de abdução é utilizado para o alinhamento dos
membros inferiores, quando o paciente apresentar adução, e o apoio lateral para as coxas será
de utilidade para quando há tendência à abdução.

Em estágios mais avançados da doença o objetivo maior da adequação postural é o


conforto. Assento e encosto são moldados para garantir a acomodação do paciente e a
distribuição do peso corporal de maneira uniforme. As deformidades já estruturadas são apenas
absorvidas e acomodadas.
20 ÓRTESES

A palavra órtese deriva da palavra grega orthósis, que significa “tornar correto”. É todo
dispositivo destinado a sustentar todo ou parte do peso corporal, corrigindo e evitando
199
deformidades, imobilizar ou limitar movimentos de parte ou de todo o membro.

É um aparelho ortopédico utilizado para oferecer apoio, alinhar, evitar, ou corrigir


deformidades de uma parte do corpo ou para melhorar a função de partes móveis do corpo.

Porém, não há estudos que relacionem o uso de órteses de posicionamento e sua


eficácia na prevenção de deformidades nas doenças neuromusculares.

Em alguns casos a indicação de órteses é feita para uso noturno, com os objetivos de
evitar ou retardar o processo de encurtamento, retrações e deformidades, manter a amplitude
articular para facilitar a realização de algumas tarefas e facilitar a higienização. É preciso
monitorar o uso dessas órteses e fazer revisões periódicas.

A indicação de órteses nas doenças neuromusculares é mais freqüente para a doença


de Charcot-Marie-Tooth e distrofia muscular congênita. Há indicação de órteses para membros
superiores e inferiores na primeira e colar cervical na segunda.
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