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Manual

a ançado

DANIELLE BASTOS E SAMANTHA CECCON


Por que intubar? ....................................................................................................................................04

Problemas na Oxigenação/Ventilação........................................................................................06

Previsão de evolução desfavorável..............................................................................................07

Proteção da via aérea........................................................................................................................08

Posicionamento.......................................................................................................................................11

Pré-oxigenação.........................................................................................................................................15

Laringoscopando como um especialista........................................................................................21

Ventilação sob máscara.......................................................................................................................29

Máscara Laríngea ..................................................................................................................................36

Introdução às drogas na Sequência Rápida de Intubação.....................................................44

Hipnóticos..............................................................................................................................................45

Propofol...................................................................................................................................................46

Midazolam..............................................................................................................................................47

Etomidato...............................................................................................................................................48

Cetamina.................................................................................................................................................49

Opióides..................................................................................................................................................50

Fentanil...................................................................................................................................................50

Bloqueadores Neuromusculares...................................................................................................52

Succinilcolina........................................................................................................................................54

Rocurônio...............................................................................................................................................57

Sequência Rápida de Intubação........................................................................................................59

BÔNUS: Indução em Sequência Atrasada ....................................................................................67

BÔNUS: Via aérea difícil - Como reconhecer e conduzir.........................................................71

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a ançado
MANUAL AVANÇADO DE VIA AÉREA - Danielle Bastos e Samantha Ceccon

Tenho 2 notícias para você: Não é admissível ser médico e não


dominar a teoria e a prática a respeito de intubação orotraqueal.
Essa é a rotina dos plantões, seja em emergência ou CTI. Não me
venha com esse papo que você atende só sala verde. Na Medicina
qualquer paciente pode evoluir com descompensação
independente da sua cor de classificação e você precisa saber O
QUE e COMO fazer. E mais, posso te garantir que enquanto isso
não for natural para você, aquele frio na barriga e o aperto no peito
pré-plantão não irão passar. O conhecimento gera segurança.

Mas a segunda notícia é melhor e vai preencher essa lacuna. Não


precisa ficar desesperado.Vamos pegar a sua mão e te ensinar o
passo-a-passo do caminho para o sucesso para intubar de
primeira. E quando eu falo tudo, é tudo mesmo. Não existe a
possibilidade de você terminar esse manual sem estar mais
seguro em suas escolhas e na técnica na hora da intubação.

Não perca mais tempo e venha com a gente desmistificar o


mundo da intubação. É com muito carinho que fizemos esse
manual pensando em você, com todas as dicas práticas que um
anestesiologista poderia dar para um colega não especialista. Leia
atentamente cada capítulo, cada tópico, e você será outro com
seus pacientes após dominar esse manual.

Vamos lá!

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POR QUE INTUBAR?

QUADRO 1 - Indicações de Intubação

Manutenção da patência da via aérea (no paciente rebaixado).


Insuficiência respiratória aguda grave e refratária.
Hipóxia e/ou hipercapnia.
Glasgow ≤ 8 (vulgo rebaixamento de consciência) no contexto de trauma.
Instabilidade hemodinâmica grave ou parada cardiorrespiratória.
Antecipação na piora clínica em pacientes com visível desconforto
respiratório que poderão fadigar musculatura respiratória.

Ficamos tão ansiosos para realizar o procedimento em si que muitas


vezes esquecemos o quão difícil é decidir por intubar. Você se sente
seguro na sua decisão?

Não há outra maneira de começar esse manual sem te dizer que o
manejo bem sucedido das vias aéreas depende da tomada de decisão
competente (estudo) e do desempenho de habilidades (técnica +
prática). É para isso que estamos aqui: lhe tornar a pessoa certa para
fazê-lo, com habilidades certas, no momento certo e pelas razões
certas!

COMO ATINGIR O ÁPICE DA EXCELÊNCIA NA IOT!

PRÁTICA

TÉCNICA “Horas de voo”


ESTUDO
Como fazer

Decisão
competente

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A primeira dica é: quando a sorte bater à porta, esteja preparado!

Perceba que, num contexto clínico, assistimos o paciente em 3


situações principais:

Corrigir anormalidades de troca gasosa (problemas de


oxigenação/ventilação).

Garantir a via aérea precocemente face ao risco de deterioração


clínica ou evolução desfavorável.

Proteção da via aérea (VA): Mantê-la segura e pérvia.

Agora imagine as seguintes situações: dessaturação (SaO2 < 90%) ou


PaO2 < 60 mmHg, Glasgow < 8 e evolução com instabilidade
hemodinâmica. Já pensou que se você tirasse uma foto dessas cenas
que descrevi acima, elas poderiam ser indicativas de intubação, mas
se fosse um vídeo, não?

Existem situações transitórias que podem ser abordadas inicialmente


com outras medidas. Vejamos 3 exemplos:

Paciente asmático em franco broncoespasmo saturando 70%, o


qual irá melhorar com terapia broncodilatadora.

Paciente com SaO2 > 94%, mas em franca taquidispneia e FiO2


altíssima, que irá fadigar invariavelmente.

Paciente com hipoglicemia e rebaixado, que após o tratamento


recobre o nível de consciência.

Ou seja, não existe receita de bolo!

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Vamos esquematizar a decisão de intubação? Pense SEMPRE nessa


pirâmide.

Problemas na
1 Oxigenação/Ventilação

QUANDO
Previsão de Evolução INTUBAR?
Proteção da VA
Desfavorável
2 3

1 Problemas na Oxigenação/Ventilação. Lê-se insuficiência respiratória

Falha nas trocas gasosas (SaO2 < 90%; PaO2 < 60 mmHg; com PCO2 <35 ou >
50 mmHg)
Taquidispneia (FR > 30 irpm e/ou esforço ventilatório franco)

Existem situações que representam uma falha nas trocas


independente da saturação. Isso mesmo... Independente. A saturação
é um dos parâmetros a ser avaliado, mas nunca deve ser vista
isoladamente. Tenha sempre uma visão global da situação.

Tire uns minutos para observar potenciais incapacidades do sistema


respiratório em promover adequadamente as trocas gasosas. E como
fará isso? Pelo oximetro de pulso (SaO2 <90%), nível de consciência
(agitação/rebaixamento), cianose, taquidispneia ou por parâmetros da
gasometria arterial (GSA). Pela GSA, é sinal de alarme se PaO2 < 60
mmHg, associada ou não a PaCO2 > 50 mmHg ou < 35mmHg.

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Simples né? Não? Não te dá a sensação de que a história está sendo


contada incompleta? Mas é isso mesmo! A visão deve ser integrada. A
decisão de intubar é mais do que uma adequação a uma determinada
faixa de referência. É uma soma de parâmetros gasométricos, exame
físico, condutas não invasivas já realizadas e evolução do quadro...

É nesse momento que entra o outro ponto da pirâmide.

DICA: até aqui, saiba identificar de forma objetiva sinais de


insuficiência respiratória e os integre!

2 Previsão de Evolução Desfavorável

Faça a si mesmo 3 perguntas:

1- Como está o estado clínico do paciente?

2- O que já foi feito de não invasivo até agora?

3- Qual a velocidade de progressão do quadro?

Lembra daquela história da FOTO x VIDEO que falamos há pouco?

Avalie o estado clínico do paciente.

É um paciente com uma taquidispnéia importante, que satura bem,


mas que não vai aguentar por muito mais tempo? É um paciente com
história de TCE com Glasgow < 8 e sem perspectiva de melhora
rápida? É um idoso sem reserva funcional em franca insuficiência
respiratória? Acenda luz vermelha para possível intubação.

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O segundo ponto é saber os possíveis desfechos daquela doença de


base. É um acometimento que regride em horas, dias ou meses? Ou
simplesmente não regride? O desfecho, em geral, é positivo para
manutenção das trocas e/ou do nível da consciência? Há resposta
rápida e favorável a medidas não invasivas?

Observe as seguintes situações:

AVC hemorrágico extenso e Gasglow < 8 X estado pós ictal.

COVID 19 em franca insuficiência respiratória aguda X crise de


asma grave com melhora após terapia broncodilatadora.

Perceba o padrão dessas comparações: avalie se o acometimento é


reversível ou não com medidas não invasivas.

Outro ponto a ser discutido: Você já prevê o desfecho desfavorável?


Antecipe-se! Melhor você intubar em um cenário eletivo, com todo
material organizado e com um quadro sob controle do que esperar seu
paciente deteriorar e ser obrigado a intubar em um contexto
totalmente desfavorável.

Faça um exercício: Qual o filme que passa na sua cabeça diante


daquela patologia?

3 Manutenção e proteção da Via aérea (VA)

Glasgow ≤ 8: Intubação orotraqueal (IOT) mesmo que SaO2 > 90%, mas
antes...

Avaliar causas reversíveis!

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Um paciente saturando > 90% não é garantia de que não precisará ser
intubado. Você deve avaliar outros parâmetros antes de decidir por
não abordar essa via aérea.

Como está o nível de consciência? Ele possui todos os reflexos de via


aérea presentes? Fique atento: Você pode ter um paciente saturando
bem em ar ambiente e ter indicação de intubação devido a
incapacidade de manter a via aérea pérvia.

E qual a forma mais conhecida para avaliar o nível de consciência? A


escala de coma de Glasgow (Figura 2). Se ≤ 8 pontos e afastadas
todas as causas reversíveis (hipoglicemia, alcoolismo, delirium
hipoativo, estado pós ictal, entre outras...), intube, principalmente se
num contexto de trauma.

VARIÁVEIS ESCORE

Espontânea 4
À voz 3
ABERTURA OCULAR À dor 2
Nenhuma 1

Orientada 5
Confusa 4
RESPOSTA VERBAL Palavras inapropriadas 3
Palavras incompreensivas 2
Nenhuma 1

Obedece comandos 6
Localiza dor 5
Movimento de retirada 4
RESPOSTA MOTORA Flexão anormal 3
Extensão anormal 2
Nenhuma 1

TOTAL MÁXIMO TOTAL MÍNIMO

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Essa decisão é baseada no fato de que provavelmente os reflexos de


via aérea responsáveis por evitar a broncoaspiração estão ausentes,
transformando um problema em dois: paciente com rebaixamento do
nível de consciência e a possibilidade real de broncoaspiração. Grave:
o paciente inconsciente não tem proteção da via aérea!

Uma outra forma de avaliar se os reflexos protetores estão intactos é


pela observação da deglutição (espontânea ou voluntária) e da
presença de secreções na orofaringe posterior, buscando verificar o
risco de aspiração por falha nos mecanismos protetores.

Entretanto, vale reforçar que devem sempre ser revisadas as causas


reversíveis antes de intubar. Quem nunca atendeu um idoso no pronto
atendimento com rebaixamento de nível de consciência e HGT Low?

Agora que você já tem consciência crítica sobre quando intubar, vem
com a gente aprender o passo a passo de como realizá-la da melhor
maneira!

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POSICIONAMENTO

Quem nunca presenciou uma intubação com coxim interescapular e a


cabeça pendente? Já vimos diversas vezes, mas isso não quer dizer
que seja o correto. Saber posicionar seu paciente é um dos principais
passos para você conseguir intubar com sucesso.

A melhor forma de explicar o porquê de se posicionar corretamente


vem lá da física. A luz não faz curva. Logo, para uma melhor
visualização da fenda glótica deve haver uma linha de visão direta
desde os dentes maxilares até a laringe.

Partindo deste princípio, Magill em 1930 propôs a famosa posição


olfativa, ou “sniff position”. objetivando alinhar os 3 eixos contidos
dentro da cavidade oral: eixo oral, faríngeo e laríngeo. Sem uma
estratégia de posicionamento, estes apontam para direções
completamente diferentes. Preciso alinhá-los para conseguir visualizar
as pregas vocais de forma ideal (Figura 3).

Figura 3 - Alinhamento dos eixos intraorais

Há, ainda, diversas outras vantagens de se posicionar corretamente.


Observa-se um aumento da abertura da boca (o que vai facilitar a
inserção do laringoscópio), deslocamento da epiglote para fora do
campo visual (direcionando linha direta de visão) e diminuição da
resistência à passagem do ar (facilitando a ventilação sob máscara
facial caso haja falha na primeira tentativa de intubação).

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Sei que está parecendo muito teórico e pouco prático, mas por incrível
que pareça, posicionar de forma ideal é super simples. O travesseiro
que o paciente vem da enfermaria não serve como estratégia porque o
coxim deve ser rígido. Em geral utilizamos lençóis dobrados para
apoiar a região occipital com o objetivo de alinhar o meato acústico
externo ao manubrio esternal. Coloque quantos forem necessários e
não economize para alinhar essas duas estruturas (Figura 4 e 5).

A B

Figura 4 - Posicionamento. A – Incorreto: ausência


de coxim. B – Incorreto: coxim insuficiente.

A B

Figura 5 - Posicionamento com coxim. A – Coxim adequado, porém ausência de


hiperextensão. B - Posicionamento correto. Coxim de altura adequada + Hiperextensão
cervical. Perceba o alinhamento entre o meato acústico externo e esterno.

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Vamos ver isso na prática. Feche os olhos e imagine o trajeto que o


tubo orotraqueal deve fazer para atingir seu destino. Imaginou? Agora
olhe essas duas imagens abaixo.

A B

Figura 6 - A - Eixos na posição neutra. B - Eixos alinhados.

Quando você não posiciona o seu paciente e o mantém em posição


neutra, a cavidade oral e a laringe se encontram praticamente em
ângulo de 90 graus, configurando uma posição claramente
desfavorável à intubação por laringoscopia direta. (Figura 6A).

Agora, observe o paciente bem posicionado (leia-se: com coxim de


tamanho adequado abaixo da cabeça e em hiperextensão cervical) e
como isso facilita a visualização das estruturas laríngeas (Figura 6B).
Há uma tendência ao alinhamento dos eixos intraorais proporcionando
uma linha de visão e um direcionamento luminoso para o local exato
da passagem do tubo.

Uma outra dica valiosa é o ajuste da altura da mesa/cama de forma


que a cabeça do paciente se mantenha ao nível da cicatriz umbilical
do laringoscopista. Assim, durante a laringoscopia, você manterá uma
posição ereta, não sendo necessário se abaixar para visualizar as
pregas vocais. (Figura 7).

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Figura 7 - Altura da maca

No obeso, o objetivo é semelhante com uma estratégia um pouco


diferente. O meato auditivo externo deve se alinhar ao esterno, mas
somente com o coxim occipital isso não será possível!

O paciente obeso possui com frequência o pescoço curto (mesmo que


proporcionalmente), circunferência cervical larga e redundância de
tecido torácico. O ideal é posicioná-lo em formato de rampa, com
objetivo de “ganhar pescoço”. Basta associar lençois dobrados atrás
das costas e ainda mais lençóis atrás da cabeça, até formar uma
rampa que alinhe meato acústico externo ao esterno. Veja. (Figura 8 e
9).

Figura 8 - Posicionamento com lençóis para o paciente obeso. Perceba a presença de coxim
subescapular, em adição ao suboccipital.

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Figura 9 - Posicionamento com rampa pré-moldada (Trapézio de Simoni)

Com todas essas dicas, você̂ já́ está pronto para passar para o
próximo passo...

Para não esquecer como o posicionamento deve ser!

Para nunca mais esquecer

Coxim occipital RÍGIDO


Meato auditivo externo na mesma altura do esterno + hiperextensão
cervical
Alinhamento dos 3 eixos: oral, faríngeo e laríngeo
Cabeça do paciente ao nível da cicatriz umbilical do laringoscopista

Pré-oxigenação

A pré-oxigenação é a forma que você tem de manter seu paciente por


mais tempo em apneia sem dessaturar enquanto você tenta a
laringoscopia.

Vale lembrar que pré-oxigenar NÃO é o mesmo que simplesmente


ofertar oxigênio. A intenção é substituir todo o ar do pulmão do
paciente por APENAS O2 e nada mais!
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Vamos então entender como funciona a dessaturação durante a


intubação?

Logo que administramos o indutor e o bloqueador neuromuscular, o


paciente entrará em apneia (isso é algo desejado, porque só dessa
maneira você aumenta a chance de intubação na primeira tentativa, e
ainda sem lesar cordas vocais).

Portanto, durante o momento da laringoscopia não há oferta de


oxigênio contínuo, certo? Logo o paciente utiliza as próprias reservas
pulmonares de O2. Após utilizá-las por completo, a SaO2 no sangue
começa a cair paulatinamente (ou bem rapidamente, dependendo da
relação reserva x demanda de O2 do paciente). O tempo de apneia
seguro é o tempo enquanto o paciente mantém a saturação acima de
90% durante a apneia (Figura 10).

Figura 10: Tempo de apneia seguro em diferentes perfis clínicos (adaptado de Benumof JL,
Dagg R, Benumof R. Critical hemoglobin desaturation will occur before return to unparalyzed
state from 1 mg.kg-1 succinylcholine. Anesthesiology, 1997; 87:979-82). FaO2 – Fração
arterial de O2. Tempo de VE – tempo de ventilação espontânea.

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Perceba que o tempo até a dessaturação é substancialmente menor


(dessatura mais rápido) em pacientes obesos e crianças comparados
a um adulto saudável. E nesse pacote também se incluem grávidas e
pacientes com doença pulmonar aguda ou crônica.

Antes de seguirmos, quero te recordar uma coisa (física te mandou


saudades):

O ar ambiente não possui apenas oxigênio, certo? Seria muito bom (ou
não, na verdade) se isso acontecesse. O ar atmosférico é composto de
21% oxigênio, 78% nitrogênio, 1% argônio, e 0,03% dióxido de carbono
(Figura 11).

Figura 11 – Composição dos gases atmosféricos.

Para você ter o máximo de reserva de oxigênio nos pulmões de modo


que seu paciente não dessature rápido durante a apneia, e se
trocássemos esses “gases não O2” pelo próprio O2? Esse é o objetivo
da pré-oxigenação!

É necessário, primeiramente, ofertar O2 a 100%. Então não pense que


eu poderia colocar uma máscara de Hudson com 02 num fluxo
razoável no rosto do paciente e eu estaria pré-oxigenando.

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Para garantir FiO2 de 100%, você precisa de uma máscara que lhe
permita ao máximo com que o O2 que você fornece não escape ou se
misture com o ar ambiente intruso de fora da máscara. Como consigo
isso? Com a clássica máscara facial da bolsa-válvula-máscara, o
famoso AMBU® (Figura 12).

Figura 12 – Dispositivo bolsa-válvula-máscara.

Ela oferece uma vedação perfeita ao rosto, fazendo com que nenhum
gás entre ou saia do circuito. Você irá acoplá-la ao rosto do paciente e
deixar com que ELE ventile espontaneamente! Pode pedir para que
“respire fundo”, “encha o peito de ar” se estiver consciente. Se com
pouca ou nenhuma interação, vai deixar que ele somente respire
espontaneamente, sem fazer pressão positiva (ou seja, sem apertar o
balão - “ambuzar”).

Fazendo isso por 3 a 5 minutos, você irá trocar todo (ou grande parte)
o ar da via aérea (incluindo a capacidade residual funcional) por
oxigênio a 100% (desnitrogenar) fazendo com que se atinja PaO2 mais
alta possível, garantindo boa reserva de oxigênio.

Ok, então acoplei a máscara ao rosto do paciente e assim vou deixar


com que ele respire espontaneamente por 3 a 5 minutos... e quanto de
O2 eu forneço?

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Você irá abrir o fluxômetro o máximo que puder, e deixá-lo totalmente


aberto, isso é vantajoso em relação ao padrão “deixe em 10 a
15L/min”.

E se eu não conseguir permanecer com a máscara acoplada por esses


minutos no paciente? Seja porque está agitado, seja porque é pouco
cooperativo? Nesse momento, eu te digo que “o feito é melhor do que
o perfeito”.

Não conseguiu pré-oxigenar da maneira ideal?

A máscara não reinalante com reservatório (Figura 13) possui duas


saídas valvuladas na lateral e teoricamente permite que se chegue a
uma FiO2 em torno de 100% com um fluxo de 15 L/min, mas, diferente
do que muita gente pensa, ela não é tão perfeita assim: primeiro
porque o paciente reinala parte do ar expirado, segundo porque ela
não consegue, na realidade, ofertar O2 100% justamente por não
permanecer totalmente vedada ao rosto do paciente!

Figura 13: Máscara não reinalante com reservatório

O cateter nasal de alto fluxo (CNAF), principalmente por garantir uma


FiO2 muito próxima a 100% e por gerar fluxo de O2 alto (chegando a
70 l/min), pode ser uma boa opção de pré-oxigenação. Porém as
evidências atuais divergem sobre seu real benefício, além de ser um
dispositivo raro no Brasil (Figura 14).

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Figura 14: CNAF

A Ventilação Não Invasiva (VNI) pode funcionar como um mecanismo


semelhantemente eficaz de pré-oxigenação. Caso o paciente se
encontre em VNI, não precisa retirá-la para então pré-oxigenar com a
bolsa-válvula-máscara. É possível manter a VNI como pré-oxigenação,
ok?

Entenda que esses últimos dispositivos são modos alternativos e


infinitamente menos eficazes de pré-oxigenar alguém. Te dou essas
opções somente se por algum motivo não conseguir fazer a pré-
oxigenação da maneira como deve ser feita.

Para finalizar, ao tentar comparar a pré-oxigenação com o paciente a


0º ou com cabeceira elevada, foi visto que esses últimos demoram
mais para dessaturar. Sendo assim, pré-oxigene com a cabeceira
elevada em 30º!

A partir de hoje você não tem mais desculpas para não pré-oxigenar
seus pacientes, garanta a segurança deles e ganhe tempo de
laringoscopia!

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Quadro 7 - Para nunca mais esquecer

Cabeceira elevada 30º


Abra o oxigênio no máximo do fluxômetro
Acople a máscara do sistema bolsa-válvula-máscara AO
MÁXIMO no rosto do paciente (talvez essa seja a frase mais
importante desse módulo)
Deixe-o respirar espontaneamente por 3 a 5 minutos

Laringoscopando como um especialista

Como laringoscopar do modo certo, para ver a fenda vocal


perfeitamente e intubar com pouco estímulo em tempo abreviado?

“Precisa de força para laringoscopar direito, não precisa?”

Essa é uma pergunta que recebemos MUITO sobre o manejo da


intubação, e nossa resposta é sempre um claro e bom NÃO.
Laringoscopia é técnica, não força, e iremos provar isso. Você vai sair
muito melhor preparado depois de ler esse manual.

Como laringoscopo, então?

Veja, você irá empunhar o laringo sempre com a mão ESQUERDA


(independente de ser destro ou canhoto), e com sua mão direita, nesse
momento, hiperextenda a cabeça do paciente (se não houver
risco/lesão de coluna cervical, ok?).

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Posso te dar uma dica de anestesista que faz toda a diferença? Muitas
vezes as pessoas até lembram de hiperextender a cabeça do paciente
no momento em que laringoscopam, mas como ele está bloqueado,
essa hiperextensão se perde porque ele retorna com a cabeça à
posição neutra.

Então a partir de agora você irá usar seu próprio corpo para apoiar na
cabeça hiperextendida e impedir com que ela retorne à posição neutra!
Isso mesmo, hiperextendeu com a mão direita e apoiou seu abdome
na cabeça do paciente “imobilizando” a cabeça naquela posição e
deixando suas duas mãos livres! Acredite, no início da curva de
aprendizado isso faz toda a diferença.

Após introduzir o laringoscópio na cavidade


oral, seu objetivo é excluir do campo de visão
duas estruturas que “escondem” a fenda
glótica de você: Língua e Epiglote!

Sua primeira conduta será afastar a língua


lateralmente! E como faço isso? Rechaçando-
a para a esquerda (Figura 16). Desse modo,
você faz com que a língua fique “presa” entre
a face lateral da lâmina e a porção lateral da
boca, e saia da sua visualização.

Após movimentar a língua para o lado, progrida com a lâmina até que
a ponta encoste na valécula. Aquele espaço mesmo, anterior à
epiglote, que termina numa espécie de fundo cego. Lá é exatamente o
lugar que a ponta da sua lâmina deve repousar. Desse modo, você
traciona o ligamento glossoepiglótico e suspende o segundo elemento
que te “atrapalha”, a epiglote, de forma com que ela saia do caminho!

Figura 15: Perceba que a laringoscopia é feita com a mão esquerda enquanto, com a mão direita, se hiperextende a
cervical. Após a hiperextensão, até se sentir mais seguro em laringoscopar com a esquerda sem qualquer ajuda da outra
mão para afastar lábios ou abrir a boca, apoie seu tronco na cabeça mantendo-a hiperestendida, enquanto sua mão
direita fica livre!

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Figura 16: Nas imagens A e B o laringoscopista não soube manusear corretamente a língua e ela o
atrapalhou (e muito) ficando à direita da lâmina (A) e em cima da lâmina (B). Veja que o correto (C) é
introduzir o laringoscópio da direita para a esquerda, afastando a língua do campo de visão, de modo que
NENHUMA porção da língua permaneça à direita da lâmina.

A próxima orientação é: a forma como você segura o laringoscópio faz


toda a diferença! Devemos segurar o cabo na sua porção mais inferior,
o mais próximo possível da lâmina. Desse modo você fará menos
força na hora de intubar. E o porquê disso é simples.

Quanto mais sua empunhadura está mais baixa no cabo, menor é o


torque. Lembra o que é torque?

τ = rFsenθ

Essa fórmula muito complicada nada mais diz que o torque é a força
aplicada sobre uma alavanca. Quanto mais longe do centro você
segura essa alavanca, mais força terá que fazer para que o movimento
ocorra. Então não é ao acaso que você observa colegas experientes
intubando e segurando o cabo do laringoscópio quase encostado na
lâmina, e não lá em cima!

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Você está, então, dentro da boca do paciente com seu laringoscópio e


já desviou a língua. Então qual o movimento exato para você
suspender a epiglote sem lesionar o paciente e ter a visualização
perfeita e correta: UP n’ FORWARD. Você irá fazer pressão para
FRENTE e para CIMA! Seu movimento nesse momento jamais vai ser
basculado.

Lembra do que é uma báscula? É uma janela que se abre girando


sobre o seu próprio eixo. Se você faz movimento semelhante com o
laringoscópio, além de poder traumatizar o paciente, vai te atrapalhar a
chegar onde quer: visualizar a glote e ter passagem livre para o tubo
orotraqueal (TOT).

VISÃO DIRETA

Figura 17: observe o movimento, perceba como o cabo do laringo não faz uma alavanca para cima e para
baixo. O cabo permanece parado na posição horizontal, enquanto o conjunto todo (cabo e lâmina) caminha
para frente e para cima.

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Apenas tente passar o tubo quando estiver visualizando corretamente


as cordas vocais. Se tentar introduzir sem essa visualização com
certeza o tubo irá para o esôfago.

Pois então, com a mão DIREITA passe o tubo (Figura 18). Mais uma
dica: Depois que ver as cordas vocais, NÃO retire mais os olhos delas.
Estenda o braço e peça a algum auxiliar que te entregue o tubo. E
então você o introduz.

Figura 18: Quando o TOT se aproxima da fenda glótica, você irá vê-lo se aproximando lateral e
superiormente! Nesse momento, se paciente com boca/lábios pequenos, peça para que alguém puxe os
lábios lateralmente para você, isso pode te dar espaço para introduzir o tubo com mais folga.

Até quando progrido o TOT? Até que a primeira linha preta ultrapasse
as cordas vocais (Figura 19).

Figura 19: Tubo orotraqueal: observe as duas linhas pretas. O exato posicionamento acontece quando a
fenda glótica fica posicionada entre elas.

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Esse é o momento exato para parar de progredir o TOT, caso contrário,


você terá uma intubação seletiva, na qual o tubo não está mais na
traqueia, e sim em um dos dois brônquios fonte.

Com a fenda glótica posicionada exatamente entre as duas linhas


pretas, geralmente na comissura labial o TOT está na posição 20 ou
22. Lembre que o tubo é centimetrado e você possui esses números
para guiar o posicionamento dele na traqueia.

Ao descrever sua IOT, ao final, coloque o tubo posicionado em ___ cm


na comissura labial (20, 22, 24) para saberem que aquela é a posição
correta em que o tubo certamente não está seletivo.

Agora iremos ensinar algo muito importante para que você, caso
precise de ajuda, saiba transmitir exatamente o que está enxergando
de modo que um colega entenda a situação e pense em como pode te
ajudar! Vamos lá.

O grau de visualização da laringe durante a laringoscopia direta foi


classificado por Cormack e Lehane, a conhecida “escala de Cormack”
(Figura 20).

Epiglote
Corda vocal
Aritenóide

Figura 20: Classificação de Cormack-Lehane. Classe I: Visão completa da glote. Classe II: Parte da glote é
visível. Classe III: Apenas epiglote é visível. Classe IV: Nem glote e epiglote são visíveis.

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MANUAL AVANÇADO DE VIA AÉREA - Danielle Bastos e Samantha Ceccon

Essa visualização pode ser consideravelmente melhorada com a


utilização de manobras específicas, como o BURP (backward, upward,
rightward, pressure) (Figura 21) e a laringoscopia bimanual (ou
manobra laríngea externa), que nada mais é quando você mesmo
laringoscopa e com sua outra mão movimenta a laringe externamente
de modo que encontre uma melhor posição desta.

De todos esses, te falo que o artifício mais simples, que REALMENTE


funciona, e comumente na nossa rotina diária será a pressão firme em
direção posterior sobre a cartilagem cricóide ou tireoide, a manobra
laríngea externa, porque ela que gera deslocamento posterior da
laringe. Essa manobra nada mais é do que um “BURP sem regra” você
irá mobilizar a laringe externamente até achar a posição na qual você
tem a melhor visualização da corda vocal.

Após você ter feito essa manobra e ter encontrado um melhor ponto
em que enxerga a corda vocal, irá pedir para que uma segunda pessoa
segure naquela exata posição que você colocou, e então você
introduzirá o tubo com uma visão muito mais otimizada.

Figura 21: BURP – Pressão para cima, para trás e para direita.

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Quando você falar “estou vendo um Cormack 3” por exemplo, seu


colega irá entender rapidamente o que está acontecendo e conseguirá
te ajudar melhorando o posicionamento, ou fazendo uma manobra
laríngea externa, ou te aconselhando a usar um bougie, dentre muitas
coisas.

Você também passará a ter uma visão muito mais crítica sobre a sua
própria laringoscopia.

“Estou visualizando um Cormack 3, só vejo as aritenóides, de repente


usando um bougie e pedindo para que alguém faça um BURP isso irá
mudar minha visão da glote e deixará com que ela fique menos
anteriorizada!”

Então, antes de tudo, saiba o que você está visualizando, grave MUITO
BEM as imagens da visão da laringoscopia, e saiba transmitir para um
colega o que você enxerga naquele momento. Isso fará com que você
seja muito mais bem compreendido num momento difícil e você irá
chegar à solução de uma maneira muito mais direta e objetiva!

Depois que introduzir o tubo, insufle o cuff com cerca de 5 a 7 ml e


ausculte o paciente.

Sempre comece auscultando o estômago, com o estetoscópio no


epigástrio. É preciso antes de tudo saber se o tubo está de fato na via
aérea. Depois, siga a ordem: base de pulmão direito, base de pulmão
esquerdo, ápice de pulmão direito e ápice de pulmão esquerdo.

Para nunca mais esquecer

Confirmando a ausculta

1 - Estômago
2 - Pulmão direito
3 - Pulmão esquerdo

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Ventilação sob Máscara

Pontos chave!

Existem duas pegas clássicas na máscara facial: C e V clamp;


Apoie seus dedos em proeminências ósseas apenas;
Hiperextenda o pescoço no momento em que ventil;
A técnica V clamp é muito vantajosa por fornecer maior vedação e
vantagem nos obesos!
A técnica de ventilação a quatro mãos fornece maior vedação, vantajosa
numa ventilação difícil.

Engano seu se pensa que pode pular esse módulo. Não cometa o erro
gigante de ignorar a ventilação sob máscara. Já parou para pensar
que ventilar sob máscara é o que salvará seu paciente da parada por
hipóxia se você não conseguir intubá-lo?

Pois é isso mesmo. Não conseguir intubar não matará seu paciente,
porém não conseguir ventilar, sim. Portanto fique bem atento a tudo o
que falaremos agora.

Muitas pessoas pensam que ventilar sob máscara é algo tão intuitivo
quanto fácil: só acoplar a máscara ao rosto do paciente e “apertar” a
bolsa ventilatória. Existe técnica para fazê-lo.

Pensa comigo: você provavelmente induziu em sequência rápida para


não ventilar o paciente, certo? E então pensa: “quis evitar a ventilação
por conta do estômago cheio e agora se eu não conseguir intubar vou
ventilar?”

Sim! Isso mesmo! E sabe porquê? É melhor, nesse momento, você


ofertar O2 mesmo que com pressão positiva do que ele parar por
hipóxia! É uma questão de risco benefício.
29
MANUAL AVANÇADO DE VIA AÉREA - Danielle Bastos e Samantha Ceccon

E como você vai fazer isso? Você sabe segurar a máscara facial?

Ao fim desse módulo você perceberá que ventilar adequadamente sob


máscara nada mais é do que a todo momento tentar maximizar a via
aérea superior para transitar ar e evitar obstruções.

Como regra, aprendemos geralmente algo que chamamos de “EC


clamp”, ou somente “C clamp”. É realmente um jeito simples de
começar e se parece com isso: (Figura 22 e 23).
c

E
Figura 22: C clamp – segurando a máscara facial
c

Figura 23: C clamp – com uma mão

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MANUAL AVANÇADO DE VIA AÉREA - Danielle Bastos e Samantha Ceccon

Em teoria, isso nos permite pressionar a máscara contra o rosto do


paciente (usando um “C” entre nosso polegar e indicador) enquanto
anteriorizamos a mandíbula (usando um “E” com o restante dos
dedos), restando uma mão livre para apertar a bolsa ventilatória.

Em teoria.

Na verdade, isso é complicado na melhor das hipóteses. Em parte, é


porque estamos tentando selar as bordas de um círculo pressionando
apenas um lado, o que geralmente resulta em um vazamento de ar do
outro lado. Em outra parte é porque, anteriorizar a mandíbula, uma
ação altamente necessária, exige alguma quantidade de força.

Se você estiver sozinho, esse será o modo como irá segurar a


máscara facial. Muito importante notar que, os dedos que formam o
“E” pressionam o ÂNGULO da mandíbula. Não pressione as partes
moles abaixo dele, senão haverá uma obstrução de via aérea alta feita
por você mesmo, já que está pressionando as partes moles
submandibulares, o que impede que ocorra a passagem de ar que
você fornece pela máscara (Figura 24).

Figura 24: Perceba o modo como os dedos NÃO estão tracionando o ângulo da mandíbula e sim as partes
moles submandibulares. Não faça isso.

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MANUAL AVANÇADO DE VIA AÉREA - Danielle Bastos e Samantha Ceccon

A técnica “C clamp” funciona? Sim. No entanto, se você achar que não


está funcionando, não se surpreenda. Qual é a alternativa?

Use as duas mãos, e faça a ventilação a quatro mãos! A maior


dificuldade em ventilar da pinça em C é amplamente sabida há muito
tempo, apesar do fato de muitos na medicina de emergência
ignorarem esse fato.

Quando você passa então a acoplar a máscara com duas mãos ao


invés de uma, você aumenta o poder de anteriorização da mandíbula
(tem mais força para fazê-lo) e reduz os vazamentos, já que a máscara
estará mais acoplada ao rosto do paciente. Tudo isso enquanto uma
segunda pessoa comprime a bolsa externamente.

Porém, quero te ensinar uma técnica que muitos desconhecem, mas já


vem sendo citada em muitos artigos como uma técnica mais eficaz
que a técnica em C, que é a chamada “V clamp”. Como funciona?

Coloque as duas mãos na máscara, com os polegares em direção aos


pés do paciente, e o restante dos dedos fazendo uma pinça na
mandíbula (Figuras 25 e 26). Veja.

v
v

Figura 25: Técnica V clamp de acoplamento da máscara facial. Particularmente muito útil em obesos!

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MANUAL AVANÇADO DE VIA AÉREA - Danielle Bastos e Samantha Ceccon

Figura 26: Técnica V clamp - visão frontal e inferior da pega.

Dessa forma, você possui mãos em ambos os lados da máscara,


conseguindo facilmente obter uma melhor vedação (e se houver um
vazamento, ele é facilmente localizado), ao mesmo tempo em que
fornece uma forte pegada bilateral para anteriorizar a mandíbula. Você
pode manter essa posição por muito tempo e, como um bônus, ela
tende a abrir a boca do paciente ao invés de fechar, como ocorre na C
clamp.

A desvantagem é que as duas mãos estão ocupadas. Idealmente,


outra pessoa deve apertar a bolsa. Isso permite que você se concentre
na manutenção das vias aéreas enquanto o outro se concentra na
ventilação suave e em um ritmo apropriado. Na cena, você geralmente
tem pessoal suficiente para isso; peça ao(à) enfermeiro(a) ou
fisioterapeuta.

Você pode e eu recomendo fortemente que você peça ajuda se


precisar. Lembre-se que usar duas pessoas para ventilar não é um
fracasso e não desmerece você no procedimento.

Permaneça na ventilação de resgate (o que você fará se, ao


laringoscopar e não conseguir, a SaO2 cair < 90%), até que o paciente
recupere a SaO2, e então tente novamente a laringoscopia. Esse
período deve ser tão abreviado quanto possível por dois motivos:

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MANUAL AVANÇADO DE VIA AÉREA - Danielle Bastos e Samantha Ceccon

Primeiro que, infelizmente, ao fazer pressão positiva na via aérea,


inevitavelmente haverá alguma distensão gástrica que pode aumentar
a chance de broncoaspiração. O segundo motivo é que, as drogas que
você administrou em sequência rápida possuem um pico e um
decaimento sérico. Então infelizmente você não pode e nem deve
permanecer eternamente ventilando para tentar novamente outra
laringoscopia. Pense: nesse momento tempo é droga.

Alguns dispositivos podem te ajudar a manter a via aérea pérvia


enquanto ventila, e o mais encontrado em emergência/CTI, quando
disponível (o que ainda sim é raro) é a cânula de Guedel (Figuras 27 e
28).

Figura 27: Cânula de Guedel. Funciona como um pertúito entre a boca e a via aérea inferior fazendo com que
a língua não obstrua a passagem. Para escolher o tamanho adequado, meça entre a comissura labial até o
ângulo da mandíbula.

Figura 28: medindo o tamanho adequado da cânula de Guedel.

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MANUAL AVANÇADO DE VIA AÉREA - Danielle Bastos e Samantha Ceccon

E você sabe como posicionar a cânula de Guedel?

Você irá inicialmente introduzi-la com a concavidade voltada para o


céu da boca, e depois que sentir alguma resistência gire 180 graus, de
modo com que a concavidade se torne para frente (apontada para a
base da língua) (Figura 29).

Figura 29: inserindo a Guedel. Perceba que inicialmente a “ponta” da Guedel está
voltada para você e só depois de girar ela aponta para a via aérea inferior.

A cânula de Guedel é um dispositivo que pode te ajudar na ventilação,


mas se você não tiver acesso a uma dessas, não se preocupe. Tente
otimizar ao máximo a técnica ventilatória em si para tirar o fator
obstrutivo da língua e adjacências no momento da ventilação.

Parabéns, você acabou de salvar seu paciente de uma PCR iminente


por hipóxia.

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Máscara Laríngea

Pontos Chaves - Como usar?

1. Pré-testagem para verificar vazamentos


2. Lubrificação com gel hidrossolúvel
3. Deixar a ML nem cheia, nem vazia
4. Não precisa da Sniff position! Apoie em uma superfície rígida.
5. Passagem da ML com sua mão dominante
6. Força contínua para trás e para baixo
7. Confirmação da posição

E se você não conseguir nem ventilar e nem intubar? Só de pensar dá
um frio na barriga né?

E se eu te falar que nessas situações você pode passar uma máscara


laríngea? Ela é um plano alternativo na via aérea falha por ser uma
forma fácil e rápida de oxigenar seu paciente. Trata-se de um
dispositivo supraglótico que se instala na hipofaringe, fornecendo
rápido acesso às vias áreas inferiores, e funcionando como estratégia
de resgate. Confia em mim!

Desde 1995 está inclusa no Algoritmo de via aérea difícil da Sociedade


Americana de Anestesiologia (ASA), e na Sociedade de Via Aérea
Difícil (DAS), nas situações de emergência (não ventilo e não intubo) e
de urgência (não intubo, mas ventilo).

Consiste em um tubo curvo, semelhante ao tubo endotraqueal,


acoplado a um coxim pneumático elíptico em forma de máscara na
extremidade distal. O seu objetivo é sobrepor às estruturas
supraglóticas e se alojar na hipofaringe, fazendo uma PONTE entre a
extremidade para ventilação da máscara laríngea e a abertura glótica,
contornando as vias aéreas superiores (Figura 30).

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Figura 30 - Posicionamento da Máscara Laríngea

Suas indicações são as mais variadas: ventilação em cirurgia eletiva,


resgate na ventilação em via aérea difícil e resgate de via aérea em
ambiente pré hospitalar.

Mas você deve estar pensando: “Não sei sequer escolher a máscara”.
Calma! E se eu te disser que vem tudo escrito na própria máscara?
Tanto o tamanho, a faixa de peso a qual aquele tamanho corresponde,
qual o volume de ar a ser insuflado... Tudinho. (Figura 31).

Figura 31: Observe que todas as informações necessárias vêm escritas na própria máscara laríngea.

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E sabe o melhor? Não precisa colocar o paciente na posição olfativa.


Diferente da intubação, na qual você precisa direcionar o feixe
luminoso para a fenda glótica e, dessa forma, conseguir a melhor
visualização, a passagem da máscara laríngea é um procedimento às
cegas.

O pulo do gato para melhorar sua passagem é tirar qualquer coxim


que o paciente venha da enfermaria. Aquele travesseiro mole? Tira!
Você vai apoiar a região occipital do paciente numa superfície rígida.

Antes de falarmos da técnica em si, preciso que você tenha em mente


os dois tipos disponíveis no mercado, visto que muda um pouquinho
de uma para outra. O que é comum entre as duas é que não precisa de
laringoscópio e nem de relaxante muscular para a sua inserção.

Existem 2 gerações. As de primeira geração foram, obviamente, as


primeiras a serem criadas, e são menos rebuscadas, além de um
design mais simples (leia-se rudimentar). Possuem apenas a abertura
ventilatória distal, e com conformação mais retificada (Figura 32).

Figura 32 - Máscara Laríngea de primeira geração

As de segunda geração possuem um canal para aspiração gástrica, e


possuem um formato pré-moldado bem anatômico.

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MANUAL AVANÇADO DE VIA AÉREA - Danielle Bastos e Samantha Ceccon

A presença dessa via acessória para aspiração gástrica aumenta a


eficácia e segurança da ventilação, oferece uma forma de drenar o
conteúdo gástrico, reduz o risco de regurgitação e aspiração pulmonar
e ajuda a confirmar o posicionamento (ao passar uma sonda gástrica
por essa via, percebe-se facilmente o posicionamento incorreto se a
sonda não avançar). Obviamente por toda essa descrição que ela
possui preço mais elevado (Figura 33).

Figura 33 - Máscara Laríngea de segunda geração

Lembre-se que a manipulação da via aérea com máscara laríngea em


um paciente em plano superficial pode gerar estímulo a
laringoespasmo e/ou broncoespasmo. Portanto o paciente precisa
estar induzido, mas não necessariamente com bloqueador
neuromuscular.

Além disso, a máscara laríngea NÃO é um dispositivo de via aérea


definitiva, ok? Ela é apenas uma estratégia de resgate que poderá
funcionar como ponte para a via aérea definitiva.

Como inserir então?

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TESTE SUA MÁSCARA:


Esvazie e encha novamente para testar possíveis vazamentos. Ao insuflar,
procure manter suas bordas lisas e com formato uniforme (cuidado para
não formar dobras).

PREPARAÇÃO DA MÁSCARA:
Deixe-a nem tão cheia e nem vazia, e lubrifique com gel hidrossolúvel sua
porção distal posterior. A lubrificação tem objetivo de facilitar o deslizar
contra o palato e a curvatura posterior da faringe (Figura 34).

Atenção:
Não lubrifique a parte que permanecerá em contato direto com a fenda glótica devido ao risco de gerar
laringosespamo pela secreção direto na laringe. E, se utilizar lidocaína gel, esta ainda pode levar a retardo
no retorno dos reflexos protetores, importantes durante a remoção da ML, além do ressecamento da
mucosa.

POSIÇÃO DA CABEÇA:
Faça a extensão da cabeça com a sua mão não dominante (lembrando que
a região occipital está apoiada em uma região rígida).

PASSAGEM DA MÁSCARA LARÍNGEA


Segure com a sua mão dominante (primeira geração: como uma caneta
mantendo o dedo indicador na junção do manguito e o tubo. As de segunda
geração não precisam desse auxílio: segure-a como um tubo orotraqueal
apenas.)

A B

Figura 34 - Detalhes da passagem da Máscara Laríngea (ML). (a) Introdução. (b) Insulflando o cuff com o
volume descrito na própria ML.

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ABERTURA DA BOCA
Se tiver outra pessoa junto a você, peça auxílio para abrir a boca do
paciente. Se você estiver sozinho, solte momentaneamente a mão que está
fazendo a hiperextensão da cabeça para abrir a boca e introduza a máscara
gentilmente. Faça a extensão novamente da cabeça em seguida. (Figura 34)

MOVIMENTO
Faça uma força contínua para trás e para baixo (nada de ficar rodando a
máscara) em direção ao palato duro até encontrar uma resistência (Figura
35).

Figura 35 - Sentido do movimento na inserção da máscara laríngea.

INSUFLANDO A MÁSCARA
Insufle a máscara com o volume de ar indicado na própria máscara. Não se
empolgue. Se insuflar demais pode gerar compressão de estruturas
perilaríngeas, principalmente nervo hipoglosso e laríngeo recorrente
bilateral, assim como necrose de mucosa!

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MANUAL AVANÇADO DE VIA AÉREA - Danielle Bastos e Samantha Ceccon

POSIÇÃO IDEAL
É normal observar um retrocesso de 1 a 1,5 cm do tubo de silicone, devido
ao acomodamento do coxim da máscara laríngea sobre as estruturas
supraglóticas. Este é, inclusive, um dos sinais de que está adequadamente
posicionada.

Se corretamente posicionada, a face convexa posterior da máscara laríngea


estará em contato com a parede da faringe e a anterior, sobreposta às
estruturas supraglóticas (laringe), de forma a permitir a ventilação. Sua
ponta se aloja sobre o esfíncter esofagiano superior.
OBS. Uma dica que ajuda MUITO é: tracione com a mão não dominante a língua do paciente com
uma gaze se tiver dificuldade de introduzir. “Puxe-a” para fora! Isso vai facilitar a inserção.

Acabou? Não! Agora observe se está adequadamente inserida pela


expansão torácica e ausculta bilateral. Tudo certo? Não. E se estiver
vazando? Retire-a e insira de novo um tamanho diferente. Maior ou
menor (com muita frequência, maior).

Lembre-se sempre das limitações da máscara laríngea. Se de um lado


ela pode te livrar de uma situação de caos, funcionando como uma
estratégia de resgate à oxigenação, do outro ela não protege contra
broncoaspiração e laringoespasmo.

Então ligue um alerta em alguns perfis de pacientes:

Pacientes com alta chance de refluxo gastroesofágico (DRGE,


obstrução intestinal), abertura de boca reduzida, doenças de
laringe/faringe, baixa complacência pulmonar ou ventilação (fibrose
pulmonar, DPOC, obesidade mórbida, broncoespasmo, edema
pulmonar, trauma torácico), grávidas com mais de 14 semanas,
impossibilidade de extensão cervical (espondilite anquilosante,
instabilidade da coluna cervical). Nesses, a estratégia com a máscara
laríngea deve ser revista.

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MANUAL AVANÇADO DE VIA AÉREA - Danielle Bastos e Samantha Ceccon

A incidência de broncoaspiração estimada é de 0,02% e, comparada


com a chance durante a indução para intubação que é de 0,01-0,06%,
não é tão ruim assim, né?

Não posso deixar de te falar que podem existir pelo caminho


possibilidades como: dificuldade de inserção (em geral por
desconhecimento da técnica), mau posicionamento ou deslocamento,
vazamento, traumas, sangramentos, obstrução da via aérea e
hipoventilação...

Advinho o que você está pensando: “Ah! Mas se ela não protege
contra a broncoaspiração..."

Pense comigo: Você irá usá-la em uma situação de CRISE. É melhor


seu paciente broncoaspirar do que parar por hipóxia. É o mesmo
pensamento do resgate com a ventilação. Você vai usá-la como uma
medida de ponte para oxigenar seu paciente até a medida definitiva
(conseguir um profissional mais habilitado que consiga intubar, por
exemplo, ou uma própria cricotireoidostomia).

Lembra quando falamos no capítulo “Por que intubar” sobre antecipar


situações? Funciona da mesma maneira aqui. Se conheço as
possíveis complicações inerentes a um procedimento e sei tratá-las ou
manejá-las, estou apto a fazê-lo.

Por isso, se possível, tenha uma máscara laríngea ao seu lado quando
for intubar, e não pense 2 vezes antes de usar como plano B numa via
aérea falha!

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MANUAL AVANÇADO DE VIA AÉREA - Danielle Bastos e Samantha Ceccon

Introdução às drogas
na Sequência Rápida de Intubação (SRI)

Pode confessar para nós que quando você começa a lembrar o nome
das drogas utilizadas na intubação já vem logo um arrepio.

A intenção aqui não é esgotar o assunto como num livro de


farmacologia, mas que você saia ao fim desse ponto sabendo
exatamente onde está a função de cada fármaco e onde ele se
encaixa na estratégia de intubação em sequência rápida.

Antes de tudo, para você dominar farmacologicamente a intubação, há


um tripé que deve ser cercado, e a função de cada droga não é
substituível.

Por exemplo, em uma intubação onde não houvesse o hipnótico, o


opióide não conseguiria ocupar o lugar da hipnose, do mesmo jeito
que, na ausência de relaxante neuromuscular, o hipnótico não é capaz
de exercer a função de relaxamento, e esse benefício se perde.

Esse tripé é formado por Hipnose + Analgesia e Controle Simpático +


Bloqueio neuromuscular
(Figura 36).
Analgesia e
controle simpático

Bloqueio
Hipnose
neuromuscular

Figura 36 - Tripé medicamentoso da Intubação Orotraqueal.

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MANUAL AVANÇADO DE VIA AÉREA - Danielle Bastos e Samantha Ceccon

HIPNÓTICOS

Hipnótico nada mais é do que uma droga que induz o sono. Os que
mais usamos são Etomidato, Midazolam, Propofol e Cetamina.

Com exceção da cetamina e, em menor grau, do etomidato, todos


causam depressão respiratória dose dependente e diminuição da
resposta ventilatória ao acúmulo de CO2. Apneia após bolus rápido
pode ocorrer.

Os efeitos hemodinâmicos dos hipnóticos dependem do estado físico


do paciente, hidratação, dose/velocidade de infusão e drogas
associadas (você fará uma menor dose do Propofol se tiver feito
Midazolam, por exemplo). Em conjunto com os opióides, a resposta
hemodinâmica e hipotensão podem ser muito intensas.

E por que isso acontece? Eles causam depressão miocárdica direta e


intensa vasodilatação, além de alteração na resposta dos
barorreceptores (como se ficassem meio bobos e não conseguissem,
por exemplo, acelerar a frequência cardíaca mediante uma queda da
pressão arterial).

Mecanismo de ação:
Mas, ora, todos os hipnóticos agem na mesma via de inibição
cerebral? Muitos deles sim, o que não significa serem drogas idênticas
e com o mesmo efeito clínico quando administrados.

Propofol, Midazolam e Etomidato interagem com o sistema


neurotransmissor inibitório do ácido γ-aminobutírico (GABA). O GABA
é o principal neurotransmissor inibitório no sistema nervoso central.

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MANUAL AVANÇADO DE VIA AÉREA - Danielle Bastos e Samantha Ceccon

A elevada lipossolubilidade desses fármacos é a chave para o efeito


rápido no SNC.

Vamos falar rapidamente de cada um deles.

1.1 PROPOFOL

PROPOFOL

Apresentação: 1% (mais comum) - 10mg/ml (200mg/20ml)


e 2% - 20mg/ml (400mg/20ml)
Como diluir: Use sem diluir!
Dose: 1 a 3 mg/kg

O propofol é um indutor de início e despertar extremamente rápidos. O


tempo para pico do efeito é de 90 a 100 segundos, e a duração da
hipnose é dose dependente, entre 5 a 10 minutos. Ou seja, mesmo
após infusões prolongadas o despertar é rápido.

Muitas vezes é associado à dor à injeção, que pode ser reduzida com
injeção de lidocaína (20 a 40 mg) imediatamente antes da
administração do propofol. O uso de opióide prévio também diminui a
dor.

O poder do propofol em gerar instabilidade hemodinâmica é algo


classicamente conhecido, e tanto maior quando associado ao fentanil.
Isso porque causa intensa vasodilatação e depressão miocárdica.
Portanto, ele não é uma boa escolha para pacientes que se
apresentam instáveis hemodinamicamente momentos antes da
intubação! Nesses casos, prefira outros hipnóticos como o etomidato
ou o próprio midazolam, ok?

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MANUAL AVANÇADO DE VIA AÉREA - Danielle Bastos e Samantha Ceccon

O Propofol se apresenta em ampolas de 10 ml, sendo o Propofol 1%


(com 10 mg/ml – a mais comum) e 2% (com 20 mg/ml). A dose de
indução é de 1 a 3 mg/kg. Em pacientes mais frágeis, hipovolêmicos e
idosos, opte SEMPRE por menores doses. Use sem diluir.

1.2 MIDAZOLAM
MIDAZOLAM

Apresentação: 5mg/ml (ampola de 3ml - 15mg/3ml X


ampola de 10ml - 50mg/10ml)
Como diluir: 1 ampola de 3ml + 12ml AD (15ml de solução a
1mg/ml)
Dose: 0.2 mg/kg

É o benzodiazepínico de ação mais curta. O início da ação ocorre em


30 a 60 segundos, e o efeito máximo é obtido em 5 a 10 minutos. Ou
seja, é um indutor mais lento, e com muita frequência não intubamos
na SRI com o midazolam no seu pico de efeito.

Isso não significa prejuízo clínico, mas na verdade um alerta, visto que
a instabilidade hemodinâmica causada pelo pico do midazolam pode
acontecer após a IOT, e não no momento do procedimento como no
caso do propofol. Do mesmo jeito que o propofol e etomidato, não
possui propriedades analgésicas, fornece apenas sedação, hipnose e
amnésia.

O midazolam isolado não é uma droga que cause tanta instabilidade


hemodinâmica. O motivo para isso é que ele preserva os reflexos
compensatórios parcialmente. Porém os efeitos hemodinâmicos do
midazolam são dose dependentes e lembre-se que sempre
administramos em conjunto numa intubação.

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MANUAL AVANÇADO DE VIA AÉREA - Danielle Bastos e Samantha Ceccon

É disponível em ampolas de 3 ml ou 10 ml, e em duas concentrações:


5 mg/ml e 1mg/ml. A dose de indução é 0.1 a 0.2 mg/kg. Pode
administrar sem diluir.

1.3 ETOMIDATO

ETOMIDADO

Apresentação: 2 mg/ml (20mg/10ml)


Como diluir: Use sem diluir OU dilua 1 ampola + 10ml AD
(20ml de solução a 1mg/ml)
Dose: 0.3 mg/kg

É o indutor mais cardioestável e isso acontece devido a sua


inatividade sobre o sistema nervoso simpático e no reflexo
barorreceptor. Por isso é frequentemente o fármaco de escolha para
indução de pacientes instáveis hemodinamicamente ou com reserva
cardiovascular comprometida.

Náuseas e vômitos, dor no local da injeção (semelhante ao propofol),


mioclonias e soluços são alguns efeitos colaterais relativamente
frequentes.

Discute-se ainda o real benefício a longo prazo do etomidato em


pacientes críticos, principalmente quando em choque séptico. Devido
à inibição reversível e dose dependente da enzima 11β-hidroxilase, que
resulta na redução da síntese de cortisol.

O efeito inibitório sobre a enzima 11β-hidroxilase causa risco de


inibição adrenal (afetando a biossíntese do cortisol), que pode durar
até 72 horas. Motivo pelo qual o etomidato não pode ser administrado
em infusão contínua. Agora, e quando administrado em dose única?
Os estudos ainda são conflitantes. Atualmente não existe resposta
certa para essa pergunta, e muitos estudos mostraram seguro o uso!
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MANUAL AVANÇADO DE VIA AÉREA - Danielle Bastos e Samantha Ceccon

O etomidato é disponível em ampolas de 10ml, numa concentração de


2 mg/ml. A dose de indução é de 0,3 mg/kg. Administre sem diluir.

1.4 CETAMINA

CETAMINA

Apresentação: 50mg/ml (ampola de 2ml - 100mg/2ml X


ampola de 10ml - 500mg/10ml)
Como diluir: Use sem diluir!
Dose: 1,5 a 2 mg/kg

Ao contrário dos outros hipnóticos, não interage com receptores


GABA. Os efeitos sobre o SNC da cetamina parecem estar
essencialmente relacionados com a sua atividade antagonista no
receptor NMDA.

Atua também nos receptores nicotínicos, muscarínicos,


monoaminérgicos e receptores opióides kappa. Não é à toa que é
capaz de não só fornecer hipnose, mas analgesia e amnésia (que não
é tão intensa quanto a do midazolam).

O efeito clínico nos pacientes, que muitas vezes permanecem de olhos


abertos, parecendo estarem acordados, mas sem qualquer interação
com o meio externo, nada mais é do que pela dissociação funcional
entre os sistemas talamocortical e límbico, estado esse que
chamamos de “hipnose dissociativa”. É quando falamos que o
paciente está “dissociado”, apresentam profunda analgesia, mas
podem manter os olhos abertos e muitos reflexos, como corneal, de
tosse e de deglutição.

Tem efeitos simpaticomiméticos, e com pequena ação depressora no


sistema respiratório (característica muito útil e usada na Sequência de
Intubação Atrasada – continue lendo que vamos falar sobre ela mais à
frente).
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MANUAL AVANÇADO DE VIA AÉREA - Danielle Bastos e Samantha Ceccon

Os efeitos simpaticomiméticos (hipertensão e taquicardia) fazem da


cetamina uma droga interessante para a intubação em pacientes
instáveis por preservar a frequência cardíaca e pressão arterial.

Por sua vez, a broncodilatação faz da cetamina uma excelente escolha


para indução em pacientes com doença reativa das vias aéreas.

Mas talvez o que você não saiba é que a cetamina possui também
efeito cardiodepressor direto e inotrópico negativo, principalmente nos
pacientes hipovolêmicos e com pouca reserva de catecolaminas.
Nessas situações tenha cautela a usar e abusar da cetamina.

A cetamina é disponível em ampolas de 2 ml ou 10ml, mas sempre na


mesma concentração: 50 mg/ml. A dose de indução é de 1.5 a 2
mg/kg. Administre sem diluir.

OPIÓIDES

FENTANIL

Apresentação: 50 mcg/ml (250mcg/5ml)


Como diluir: Use sem diluir!
Dose: 2 a 3 mcg/kg

O fentanil é o opióide sintético mais potente. É 50 a 100 vezes mais


potente que a morfina. Produz analgesia profunda dose dependente,
depressão ventilatória (por redução da resposta ventilatória ao CO2), e
em altas doses sedação e inconsciência (dificilmente alcançamos tais
doses para estes últimos fins).

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É utilizado basicamente como adjuvante na indução para diminuir as


respostas hemodinâmicas da laringoscopia e intubação orotraqueal.
Funcionando então como uma espécie de “protetor simpático”.

Sozinho, o fentanil mantém extrema estabilidade hemodinâmica.


Porém, possui intenso sinergismo com todos os hipnóticos usados.
Em paciente vasoplégico, como no choque circulatório, pequenas
doses de fentanil somadas ao hipnótico podem ser responsáveis por
intensa instabilidade hemodinâmica, visto que esse paciente está
INTENSAMENTE dependente de compensação simpática para
manutenção da hemodinâmica.

Se você reduzir/cortar o pouco tônus simpático que o mantém


minimamente estável, haverá intensa instabilidade (por isso seja
econômico na dose de fentanil durante a IOT do paciente chocado!)

Seu pico de ação ocorre em 3 a 5 minutos e, por isso, o Fentanil deve


ser administrado no mínimo 3 minutos antes da laringoscopia para
apresentar maior efeito.

É disponível em ampolas de 2, 5 ou 10 ml, mas sempre na mesma


concentração: 50 mcg/ml. A dose de indução é 2 a 3 mcg/kg.
Administre lento sem diluir.

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BLOQUEADOR NEUROMUSCULAR

SUCCINILCOLINA ROCURÔNIO

Classe Despolarizante Não - Despolarizante

Frascos de 100mg Frascos de 100mg


Apresentação (diluir o pó em 10ml de água (diluir o pó em 10ml de água
(Concentração) bidestilada, o que originará uma bidestilada, o que originará uma
solução de 10mg/ml) solução de 10mg/ml)

Dose ISR 1 mg/kg IV 1,2 mg/kg IV

Início de Ação 45 a 60 segundos 45 a 60 segundos

Duração 6 a 10 minutos 45 a 60 minutos

Contra-indicada em situações Atentar para a dose aumentada


que aumentam o risco de (1,2 mg/kg IV)10 , pois assim
hipercalemia, por exemplo: alcance-se o mesmo tempo de
Particularidades grande queimado (após 72h) e início de ação da Succinilcolina.
trauma com esmagamento de
Lembrar que é necessário manter analgesia
membros e rabdomiólise (após e sedação pós-intubação por pelo menos 60
72h) minutos, pela longa duração do efeito do
rocurônio.

É comum num contexto de emergência você ver uma intubação sem


bloqueador neuromuscular. Isso acontece porque existe aquele medo
que discutimos antes: não conseguir intubar e nem ventilar e este, por
estar bloqueado e sem drive ventilatório, acabar evoluindo em uma
PCR por hipóxia.

O que não passa pela cabeça de quem toma tal decisão é que, muitas
vezes, essa opção é, na verdade, a causa da intubação mal sucedida.

O bloqueio neuromuscular fornece condições ideais para a


laringoscopia: relaxamento da musculatura mandibular e dos
músculos de orofaringe e, ainda, paralização total das cordas vocais
em abdução, com menor incidência de lesões.

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É comum num contexto de emergência você ver uma intubação sem


bloqueador neuromuscular. Isso acontece porque existe aquele medo
que discutimos antes: não conseguir intubar e nem ventilar e este, por
estar bloqueado e sem drive ventilatório, acabar evoluindo em uma
PCR por hipóxia.

O que não passa pela cabeça de quem toma tal decisão é que, muitas
vezes, essa opção é, na verdade, a causa da intubação mal sucedida.

O bloqueio neuromuscular fornece condições ideais para a


laringoscopia: relaxamento da musculatura mandibular e dos
músculos de orofaringe e, ainda, paralização total das cordas vocais
em abdução, com menor incidência de lesões.

No contexto da intubação em sequência rápida, contamos com duas


opções de drogas para bloqueio neuromuscular: a succinilcolina e o
rocurônio. Cada uma delas possui suas características
farmacocinéticas e farmacodinâmicas que lhe conferem propriedades
específicas.

Quais as características ideais de um bloqueador neuromuscular?


Deve ter rápido início de ação, para minimizar o risco de aspiração, um
tempo de ação curto e previsível, para facilitar o retorno a ventilação
espontânea se houver falha na intubação, e mínimos efeitos
hemodinâmicos ou sistêmicos.

Como eu escolho? Avalie contraindicações e disponibilidade. A


succinilcolina é um bloqueador despolarizante ótimo para ser usado
em SRI, uma vez que possui início de ação e latência ultracurtos,
associado a um adequado relaxamento neuromuscular e boas
condições de intubação. No entanto, possui algumas desvantagens
importantes como a hipercalemia, reações alérgicas e um maior
número de contraindicações.

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Já o Rocurônio, bloqueador adespolarizante, tem baixa incidência de


reações alérgicas, não gera distúrbios iônicos e também proporciona
ótimo relaxamento neuromuscular; entretanto, com uma maior
latência nas doses usuais.

Para tentar compensar essa maior latência, na SRI aumenta-se a dose


para 1-1,2 mg/kg. E qual o problema disso? Reduz a latência, mas
prolonga bastante a duração do bloqueio neuromuscular (até duas
horas de bloqueio completo após 1,2 mg/kg), característica
desfavorável em caso de falha na intubação ou situações de “não
intubo, não ventilo”.

Se disponível, a dose de Sugammadex para reversão, logo após a


indução, é de 16mg/kg nessas situações.

Vamos conhecer melhor sobre a Succinilcolina?

1.1 SUCCINILCOLINA

SUCCINILCOLINA
Bloqueador Neuromuscular DESPOLARIZANTE
(Diluir o pó em 10ml de solução salina ou água bidestilada para gerar
Frasco-Ampola: 100mg (Pó)
uma concentração de 10mg/ml)

Dose na ISR: 1 mg/kg IV (Peso Total)


Início de ação: 45-60 segundos / Duração: 6-10 minutos

CONTRAINDICAÇÕES ABSOLUTAS:
Hipercalemia significativa (com alterações no ECG) Acidente Vascular Cerebral > 72 horas
Hipertermia Maligna (HP ou HF) Lesão na medula espinhal > 72 horas
Doença Neuromuscular que envolva a Desnervação Rabdomiólise
(ex: ELA, esclerose múltipla) Queimaduras > 72 horas
Distrofia Muscular Alergia

ISR: Intubação em sequência rápida; IV: intravenoso; ECG: eletrocardiograma; HP: história prévia; HF: história familiar,
ELA: esclerose lateral amiotrófica.

Figura 37 - Características da succinilcolina

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É um bloqueador neuromuscular despolarizante que consiste em duas


moléculas de acetilcolina unidas. Essa semelhança estrutural
possibilita a ligação a receptores nicotínicos, gerando um potencial de
ação a partir da abertura de canais de sódio. Ou seja, ao ligar ao
receptor gera uma despolarização inicialmente.

Aposto que você está se perguntando como a succinilcolina fornece


paralisia se ela gera despolarização e transmissão de estímulo.
Deveria gerar contração, não? Não. Após a despolarização
PROLONGADA da placa motora há consequente relaxamento.

Entendendo esse mecanismo de ação também fica bem claro o


motivo de ocorrerem miofasciculações alguns segundos após
administração: a despolarização, inicialmente, gera uma contração
passageira das fibras musculares, sendo um sinal verde para intubar.
Se já fasciculou, pode intubar!

Além disso, fica mais claro entender o porquê de suas famosas


contraindicações.

Durante a despolarização, há liberação de potássio para o meio


extracelular com aumento de cerca de 0,5 mEq/L dos níveis de
potássio sérico após 1 mg/kg de succinilcolina. Por isso, devemos
ficar sempre atentos a pacientes já hipercalêmicos ou com fatores de
risco para hipercalemia, como lesões traumáticas extensas por
esmagamento (risco de rabdomiólise) e paciente renal crônico em
diálise irregular, devido a possibilidade de consequências fatais.

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MANUAL AVANÇADO DE VIA AÉREA - Danielle Bastos e Samantha Ceccon

O risco de hipercalemia também está presente quando há up


regulation dos receptores de acetilcolina através da expressão da
isoforma imatura (receptores imaturos), dentro e fora da junção
neuromuscular, com consequente despolarização disseminada e
extensa liberação de potássio (esses receptores estão em maior
quantidade, fora da junção neuromuscular, e ficam por mais tempo
abertos!). Esse aumento do potássio é acentuado e pode ser
ameaçador à vida.

Devido a este risco, em pacientes com acidente vascular cerebral


(AVC) e/ou trauma raquimedular (TRM), acamados, distrofias
musculares, doenças com desnervação como Esclerose Lateral
Amiotrófica (ELA) o uso da succinilcolina é contraindicado. Vale
lembrar que grandes queimados, após 48-72 horas da queimadura,
também se enquadram neste grupo. Em todas essas situações há um
up regulation dos receptores imaturos numa tentativa de “receber” o
estímulo, resultando em um risco aumentado de hipercalemia.

A sua dose é de 1-1,5 mg/kg(calculado pelo peso TOTAL do paciente).


Seu início de ação é entre 45 e 60 segundos com duração do efeito de
6 a 10 minutos. Existem 2 apresentações de frasco: 100mg e 500mg.
O mais comum é o de 100mg. Dissolva o conteúdo do frasco em 10
ml.

Por esse perfil, a Succinilcolina agrupa tudo o que você precisa de um


bloqueador para uma indução em sequência rápida: rápido início de
ação, duração de ação curta, dando condições ideais para intubação e
retornando o drive ventilatório em causa de falha.

Agora vamos conhecer um pouco do Rocurônio?

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1.2 ROCURÔNIO

ROCURÔNIO
Bloqueador Neuromuscular NÃO - DESPOLARIZANTE
Frasco-Ampola: 5ml (concentração 10mg/ml)

Dose na ISR: 1 - 1,2 mg/kg IV (Peso Ideal)


Início de ação: 60 segundos / Duração: 45-60 minutos*

CONTRAINDICAÇÃO ABSOLUTA: APENAS ALERGIA


ARMAZENAMENTO:
Em geladeira: entre 2ºC e 8ºC (para durar até o prazo de validade).
Fora da geladeira: até 30ºC (com duração de até 12 semanas)

ISR: Intubação em sequência rápida; IV: intravenoso.


*Deve-se garantir analgesia e sedação pós intubação por pelo menos 60 minutos para evitar que ocorra consciência
durante o bloqueio neuromuscular.

Figura 38- Características do rocurônio

O rocurônio é uma boa alternativa por proporcionar condições de


intubação similares às geradas pela succinilcolina sem aquela lista de
contraindicações.

Se encaixa na classe dos bloqueadores neuromusculares


adespolarizantes, tendo um mecanismo de ação bem diferente da
succinilcolina. Ele age como antagonista competitivo da acetilcolina.
Em outras palavras: inibe competitivamente os receptores pós-
sinápticos de acetilcolina na placa motora neuromuscular, prevenindo
a despolarização da membrana e inibindo todas as funções
musculares.

A dose para conseguirmos condições de intubação semelhantes à da


succinilcolina, é de 1 a 1,2 mg/kg IV (calculado pelo peso IDEAL do
paciente). Seu início de ação é de 45 a 60 segundos e a duração do
efeito é de aproximadamente 60 minutos a 2 horas. Sua apresentação
é de 50mg em 5ml (10mg/ml). Não precisa diluir.

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A única contraindicação absoluta ao uso do rocurônio é a


hipersensibilidade aos componentes da fórmula.

Por isso, é uma ótima alternativa nos casos de contraindicação à


succinilcolina por não apresentar o efeito colateral da liberação de
potássio, afastando o risco de hipercalemia e parada
cardiocirculatória na indução.

1.3 ROCURÔNIO x SUCCINILCOLINA - Qual é melhor?

Ambos promovem boas condições de intubação, com mínima latência,


nas doses preconizadas. Não há superioridade de um em relação ao
outro.

Nosso objetivo deve ser conhecer bem cada um deles e utilizá-los


conforme a disponibilidade. O importante é dominar seus perfis, suas
contraindicações, doses e duração de ação, te deixando mais seguro
para o que der e vier.

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Sequência Rápida de Intubação (SRI)

Quadro 15- Pontos Chaves - Passo a Passo SRI


1. Cheque seu material (Não se esqueça da aspiração montada!)

2. Posicionamento – Sniff position

3. Pré-oxigenação – 3 a 5 minutos com máscara facial e O2 100% sob ventilação espontânea

4. Indução – Fentanil e Lidocaína 3 minutos antes da laringoscopia + Indutor + BNM

5. Laringoscopia

6. Utilize manobras auxiliares (Sellick, Manobra Laríngea externa, BURP)

7. Posicione o TOT e confirme! (Ausculte estômago e pulmões bilateralmente, nesta ordem)

Eu sei que você deve conhecer o famoso 7 Ps da Sequência Rápida de


intubação. Mas muitas vezes o que acontece é que, se a maioria não
lembra quais são cada Ps, quem dirá para quê servem, e isso acaba
mais atrapalhando do que ajudando.

Nosso objetivo aqui é fazer você ENTENDER cada etapa do processo,


e com isso, a sequência ficará lógica na sua cabeça!

Antes de tudo, intubação em sequência rápida não é a mesma coisa


que somente laringoscopar e intubar rápido, ok?

Quem nunca presenciou uma cena em que na hora da intubação, por


exemplo, foi administrado Midazolam e Fentanil, depois foi ventilado o
paciente com um AMBU e feita a intubação?

Isso com certeza é muito mais rápido que a chamada sequência


rápida de intubação. O problema é que essa estratégia gera uma
chance maior de fracasso na hora de intubar, aumentando o número
de tentativas, assim como a chance de broncoaspiração.

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MANUAL AVANÇADO DE VIA AÉREA - Danielle Bastos e Samantha Ceccon

O que é a famosa sequência rápida de intubação então?

Um método usado para controle PRECOCE da via aérea enquanto os


riscos de regurgitação e aspiração de conteúdo gástrico são
minimizados.

Já parou para pensar que a maioria dos pacientes que serão
intubados num cenário de urgência/emergência ou estarão
sabidamente de estômago cheio ou terão um jejum desconhecido?
Ninguém espera o horário do jejum para falar “Agora irei
descompensar, ok Doutor?”.

TODOS são considerados ESTÔMAGO CHEIO! E aí? Qual sua


estratégia?

A intenção é intubar esse paciente protegido farmacologicamente,


com ausência de ventilação. A sequência clássica de intubação
(realizada geralmente em pacientes eletivos, num ambiente de centro
cirúrgico) exige ventilação sob máscara por 2 a 4 minutos até o tempo
do pico dos fármacos. E aí inventaram uma técnica que “pulasse” essa
etapa, por isso o “rápida”, pegou?

Ventilar com uma pressão positiva pacientes com resíduo gástrico


aumentado irá incrementar (e muito!) a chance de broncoaspiração e,
assim, cresce uma bola de neve: tempo de internação e ventilação
mecânica aumentados, chance de infecção secundária...

Pensando assim, opta-se pela utilização de medicamentos e/ou


estratégias que preparem seu paciente para o cenário ideal de
intubação em até 60 segundos. Isso mesmo: em menos de 1 minuto,
seu paciente deve estar com uma via aérea garantida SEM ter sido
ventilado. Tem como não chamar isso de intubação em sequência
rápida?

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MANUAL AVANÇADO DE VIA AÉREA - Danielle Bastos e Samantha Ceccon

Porém, entenda, não é simplesmente laringoscopar e passar um tubo


endotraqueal na fenda glótica. É fazer escolhas conscientes, com o
tempo mínimo adequado, para que você possa afirmar com certeza
que a estratégia foi feita para deixar a via aérea desportegida sem um
cuff insulado pelo menor tempo possível.

A abordagem em uma sequência rápida é prioridade na emergência,


quando a via aérea está em risco. Não queremos que nosso problema
vire dois, certo?

Então vamos para o passo a passo? Entenda o porquê de cada etapa.

CHEQUE SEU MATERIAL


Parece enrolação, mas veja se tudo o que precisa está disponível
(Laringoscópio de tamanho adequado, tubo orotraqueal, dispositivo bolsa-
válvula-máscara, seringa para encher o cuff, rede de O2...) e... Confira se a
aspiração está montada!

Figura 39- Lembre sempre de checar seu material antes de induzir seu paciente.

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Lembre-se que existe uma chance importante de regurgitação de


conteúdo gástrico durante a indução! Muitas vezes na tensão da
situação esquecemos de checar nosso material, ou deixamos isso a
cargo de terceiros, e na hora do evento adverso... quem irá nos
defender? Então não deixe de conferir se a aspiração está montada e
se há uma sonda à mão.

POSICIONAMENTO
Posicione na posição olfativa (Figura 40) através da colocação de um coxim
occipital rígido até que o meato auditivo externo atinja a altura do esterno.
Faça isso antes do paciente ser induzido, acredite em mim! Depois que você
administrar as drogas, a última coisa que irá ter tempo é de posicionar o
paciente.

Figura 40- Lembre que o posicionamento adequado gera o alinhamento dos 3 eixos da via aérea.

PRÉ-OXIGENAÇÃO
Pré-oxigenação com O2 à 100% por 3-5 minutos. A pré-oxigenação aumenta
seu tempo de apnéia sem hipóxia, e você já sabe disso.

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ADMINISTRAÇÃO DAS DROGAS


Administre as Drogas do tripé da intubação: Opióde + Hipnótico e Lidocaína
+ Bloqueador Neuromuscular.

Na hora de fazer suas escolhas: lembre-se que sua estratégia NÃO


DEVE piorar a condição hemodinâmica do paciente crítico que será
intubado. Por isso, muitas vezes optamos por indutores com maior
cardioestabilidade, como etomidato e cetamina, e reduzimos a dose
do fentanil ou até mesmo o excluímos da estratégia por possibilidade
de degeneração hemodinâmica grave.

Em outras palavras: O etomidato é favorável ao propofol em um


contexto de choque circulatório por gerar menor instabilidade
hemodinâmica. Já o fentanil, nesse mesmo contexto de choque, pode
agravar muito a instabilidade. Isso acontece porque ele faz uma
simpatólise química e, se você não esqueceu, não é o simpático que
mantém o seu paciente minimamente estável quando chocado devido
à taquicardia e vasoconstrição? Em um paciente compensado
hemodinamicamente, só terá benefícios, já no paciente em franco
choque circulatório, reduza a dose do fentanil. Opte por 1 a 2 mcg/kg.

Entenda que Sequência Rápida de Intubação é a escolha consciente


por drogas com latência curta e pico de ação rápido para facilitar a
sua intubação num estômago cheio, com ausência de ventilação.

Vamos fazer uma segunda análise em relação ao fentanil. É o opióide


mais disponível nos hospitais; entretanto, possui um grande problema:
seu pico de ação é de cerca de 4 minutos. Como faço uma medicação
que possui pico em 4 minutos, sendo que em menos de 1 minuto o
paciente já deve estar intubado?

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Entenda, se você optar por fazer todas as medicações juntas e


laringoscopar após 30 segundos, você NÃO terá o pico de ação do
fentanil naquele momento.

Ah, legal! E agora? Intubo sem opióide? Não! Embora outros opióides
com perfis mais favoráveis (início de ação mais rápido) como
Alfentanil e Remifentanil, sejam opções melhores, não estão
amplamente disponíveis fora do centro cirúrgico (alguns de vocês
provavelmente nunca tenham escutado esses nomes).

Do famoso “Quem não tem cão, caça com gato” vem: “Como usar o
Fentanil na sequência rápida”. A dose de intubação em geral é de 3-5
mcg/kg, sempre cerca de 3 minutos ANTES da laringoscopia,
enquanto você pré-oxigena seu paciente. Vamos optar, por tudo que
acabamos de discutir, em fazer uma dose menor de até 2 mcg/kg no
paciente chocado.

Dessa forma, durante a IOT já terá atingido o pico de ação da


medicação, alcançando analgesia e bloqueio simpático adequados
para laringoscopia. Porém, fique sempre atento à saturação do seu
paciente. Se o drive ventilatório for reduzido, estimule-o (se possível)
verbalmente para respirar (“Sr Manoel, respire fundo! Vamos lá!”).

Em relação aos bloqueadores musculares, temos duas opções:


Succinilcolina e Rocurônio. A succinilcolina possui um início de ação
de até 45 segundos, enquanto o Rocurônio em dose de SRI, cerca de
60 segundos. Perfeitos de acordo com nosso planejamento!

Voltando para nossa sequência de pensamento...


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LARINGOSCOPIA
Deve acontecer de forma suave, gerando respostas hemodinâmicas
mínimas, com menor estímulo de via aérea possível para evitar regurgitação
e vômito. Laringoscopia não é força. É direcionamento de vetores!

MANOBRAS AUXILIARES
Utilize manobras auxiliares: Algumas manobras, apesar de controversas,
podem ser usadas para reduzir o risco de regurgitação gástrica.

Manobra de Sellick (Figura 41). Já ouviu falar? Consiste na realização


de uma pressão na cartilagem cricóide com base no fato de, pela
anatomia, o esôfago encontrar-se posterior à traqueia. A aplicação de
força na face anterior da cartilagem cricóide comprime o esôfago
contra a coluna vertebral entre a quinta e a sexta vértebra cervical (C5
e C6), ocluindo o esôfago e impedindo a passagem do conteúdo
gástrico para a orofaringe.

Ou seja, você oclui o esôfago para que, caso após a indução, quando
os reflexos de via aérea forem perdidos, se houver algum resíduo
gástrico, este não seja regurgitado e broncoaspirado.

Segundo o próprio Sellick (chique, não?), você deve começar essa


compressão antes mesmo de induzir seu paciente. Mas atenção! A
força aplicada na cartilagem cricóide deve ser suficiente para ocluir o
esôfago, mas sem obstruir ou dificultar a ventilação ou passagem do
TOT. Na prática, quando feita, iniciamos logo após o paciente dormir.

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MANUAL AVANÇADO DE VIA AÉREA - Danielle Bastos e Samantha Ceccon

Figura 41 – Manobra de Sellick

Apesar de tudo o que conversamos até aqui, é uma manobra muito


polêmica. Alguns autores relatam que a oclusão do esôgago, em geral,
é incompleta, não tendo muito ganho, e que essa pressão aumentada
poderia propiciar a abertura do esfíncter esofagiano inferior facilitando
a regurgitação do conteúdo gástrico.

Além disso, a pressão cricoide pode aumentar a obstrução das vias


aéreas, comprometendo a ventilação sob máscara (no caso de
falência de IOT e dessaturação), e/ou alterar a visão glótica (por
distorção da anatomia pela pressão), aumentando a taxa de
dificuldade na dificuldade da intubação por fechamento das cordas
vocais.

Mas e aí? Faz? Sim! Apesar de controverso, não foi provada a


ineficácia desta manobra. E até que se prove o contrário existem mais
estudos falando da sua eficácia do que da sua falha. É utilizada de
rotina em diversos Hospitais.

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MANUAL AVANÇADO DE VIA AÉREA - Danielle Bastos e Samantha Ceccon

POSICIONAMENTO DO TUBO E CONFIRMAÇÃO


Confirme o posicionamento do TOT auscultando epigástrio, pulmão
esquerdo, pulmão direito, nesta ordem.

E se apesar de todo seu cuidado o paciente broncoaspirar? Posicione


imediatamente em posição Trendelemburg (cefalodeclive), aspire a
orofaringe, termine a sequência de drogas e laringoscope! Caso SaO2 < 90%,
após aspiração, ventile para recuperar oxigenação antes de laringoscopar.
Não é o ideal, mas agora você deve conter danos!

A radiografia de tórax deverá ser realizada precocemente após intubação,


mesmo que, em 25% dos casos, os sinais de broncoaspiração não sejam
evidentes, ok?

Depois de toda essa discussão, tenho certeza de que você nunca mais
vai resumir a intubação por sequência rápida em “intubar raṕido”.
Perceba que não precisa quebrar a cabeça decorando cada “P” que
sempre te fizeram decorar. Entenda cada etapa e tudo fará sentido!

Indução em Sequência Atrasada

Quadro 16:Intubação em sequência atrasada – Como fazer? RESUMÃO


!

1. Cetamina 1 mg/kg em bolus lento;

2. Posicionamento e Pré-oxigenação (paciente já dissociado);

3. Indução: dose adicional de cetamina 1mg/kg + Succinilcolina 1mg/kg ou Rocurônio 1,2mg/kg;

4. Laringoscopia e Intubação.

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MANUAL AVANÇADO DE VIA AÉREA - Danielle Bastos e Samantha Ceccon

Antes de entrarmos nesse tópico propriamente dito, preciso que você


recorde o que é via aérea fisiologicamente difícil. Vamos lá?

Somos treinados para identificar de forma antecipada vias aéreas


anatomicamente difíceis por diversos algoritmos e escores. E temos
diversos planos B no seu manejo. Porém, existe um outro tipo de
dificuldade de via aérea, que não a anatômica, que às vezes nem
temos consciência: a via aérea fisiologicamente difícil.

A via aérea fisiologicamente difícil acontece em um cenário onde


existem distúrbios metabólicos/fisiológicos que podem levar o
paciente ao colapso durante ou logo após a intubação. E o paciente
previamente hipoxêmico se encaixa nesse contexto!

E por que isso é importante de ser lembrado? Porque traz à tona a


indução em sequência atrasada, que não é tão nova, porém não é
muito disseminada entre os médicos, apesar de encontrar amplo
respaldo na literatura. Você já ouviu falar ou viu alguém fazendo?

Você deve estar pensando: “O que essa indução deve ter de tão
especial?” Tenho certeza de que você não esperava por isso: você vai
inverter a ordem da pré-oxigenação em relação à pré-medicação.

Pensa comigo nessa situação: Você tem um paciente internado por


um diagnóstico de etiologia pulmonar, agitado e não respondendo
bem às estratégias não invasivas. Qual o próximo passo? Intubação.

Tente visualizar como vai ser para esse paciente ficar parado e aceitar
ser pré-oxigenado por 3-5 minutos com máscara bem acoplada à face.
É uma pré-oxigenação um tanto difícil, né?
68
MANUAL AVANÇADO DE VIA AÉREA - Danielle Bastos e Samantha Ceccon

Por isso, inverter a ordem é uma boa estratégia. Ao fazer essa


alteração, vai possibilitar aumentar o limiar de tolerância para as suas
estratégias pré-intubação, otimizando o quadro clínico.

Isso é a mesma coisa que eu te dizer: crescer de forma exponencial o


sucesso na primeira tentativa da sua intubação, assim como uma
menor chance de instabilidade hipoxêmica ou hemodinâmica no
momento da instalação do tubo orotraqueal.

Intubar em sequência atrasada nada mais é que conseguir pré-


oxigenar com êxito um paciente agitado e laringoscopar um paciente
sem grandes dessaturações, devido à manutenção do drive
ventilatório até a realização do BNM (o que muitas vezes não acontece
com o fentanil).

E como você faz isso? Se todo esse meu esforço é para otimizar o
quadro clínico pré-intubação, de que adianta eu fazer drogas que
deprimam o drive ventilatório e/ou geram apnéia?

Por esse motivo, o nosso agente de escolha para desempenhar essa


função será a cetamina. Ela é capaz de gerar uma sedação
dissociativa mantendo os reflexos da via aérea e a ventilação
espontânea: um paciente que aceita as medidas iniciais pré-intubação
e evita a hipoxemia durante o procedimento.

A chave do sucesso na estratégia consiste no uso da cetamina, na


dose de 1 mg/kg, em bolus lento, seguida do posicionamento e pré-
oxigenação por 3-5 minutos. Administra-se mais 1mg/kg na hora da
indução para completar a dose indutora associada ao bloqueador
neuromuscular.
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Vale ressaltar aqui que o tripé da intubação, nesse cenário, se resume


a dois agentes. Não sei se você vai lembrar da nossa discussão sobre
o Fentanil e o quanto ele pode ser prejudicial ao gerar uma diminuição
do drive e/ou apnéia em pacientes com capacidade pulmonar
reduzida...

Aposto que você está pensando: “Mas e o estímulo álgico da


laringoscopia?” Aqui a cetamina toma conta disso. É uma medicação
utilizada cada vez mais como estratégia multimodal no tratamento da
dor através da sua ação nos receptores NMDA e opióides. Ou seja,
você está levando dois em um: analgesia e hipnose.

A Cetamina possui outras vantagens. Além disso tudo, ela é


broncodilatadora e é o único agente indutor que gera taquicardia e
aumento da PA, com consequente aumento do DC. Por isso, é uma
ótima escolha para manter o status hemodinâmico.

A possibilidade de uma sedação dissociativa prévia sem perda da


função pulmonar proporciona uma boa pré oxigenação com aumento
da reserva respiratória. No bom e velho Português: minutos valiosos
sem dessaturação!

Gostou dessa parte de ganhar uns minutos a mais né?

Mas óbvio que, aqui, também existem inconvenientes. A cetamina


possui efeitos adversos como possibilidade de agitação psicomotora
(paradoxal ao que queremos, eu sei, mas é possível!), sialorréia (o que
pode atrapalhar a laringoscopia em pacientes previamente secretivos)
e aumento do consumo de O2 pelo miocárdio (não sendo a melhor
escolha nos cardiopatas).
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Nos nossos tempos de pandemia, te digo que a cetamina se encaixa


muito bem na intubação do paciente COVID. Estratégia que usamos
com frequência.

Via aérea difícil – Como reconhecer e conduzir.

Como reconheço uma via aérea difícil (VAD)?

O que é uma Via Aérea Difícil? Será que a minha dificuldade para
intubar realmente define a via aérea daquele paciente como difícil?

Antes de tudo, entenda, você NÃO poderá classificar uma VA como


VAD se não realizou corretamente todos os passos de uma intubação
de modo adequado, e isso inclui posicionamento e uso de bloqueador
neuromuscular.

Se eu não bloquear na hora da intubação orotraqueal, muitas dessas


laringoscopias serão realmente muito mais difíceis porque tive medo
de relaxar e não por razões anatômicas. A culpa não é da via aérea.

Agora vamos diferenciar VAD e Via Aérea Falha.

Uma via aérea difícil é aquela em que a avaliação pré procedimento


identifica características que predizem dificuldade na intubação
traqueal, na ventilação sob máscara facial, no uso de dispositivo
supraglótico ou na abordagem cirúrgica da VA.

A Via Aérea Falha acontece quando o plano principal escolhido para


estabelecer a via aérea avançada falhou e é necessário lançar mão de
planos de resgate.

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MANUAL AVANÇADO DE VIA AÉREA - Danielle Bastos e Samantha Ceccon

Clinicamente, uma via aérea falha pode se apresentar de duas


maneiras:

“Não intubo, não ventilo” (NINV): a via aérea deve ser obtida
imediatamente devido à incapacidade de se manter uma
oxigenação adequada. É esse cenário que está a maior
indicação da máscara laríngea, preparando-se para uma via
aérea cirúrgica caso não tenha sucesso.

“Não Intubo, mas ventilo”: Você tem tempo para avaliar a


situação e decidir sobre as próximas ações a serem tomadas!

E, em geral, uma avaliação com fatores positivos para VAD pode vir a
ser uma via aérea falha, mas…

Na vida real, a maioria dos casos de VAD não é esperada e sempre


devemos um plano B em vez de um plano único para cada paciente,
mesmo que a avaliação inicial seja normal. A previsão de dificuldade
da VA continua sendo um desafio e por isso é importante sempre
estar preparado para dificuldades não esperadas.

Ok, se a maioria dos pacientes com VAD tem história e exame físico
normais, então por que avaliar? As consequências de uma situação
não intubo, não ventilo (NINV) são catastróficas e, quando você prevê
alguma dificuldade, você consegue entrar mais preparado!

Então, uma vez que você decidiu estabelecer uma via aérea, você deve
realizar as seguintes etapas:
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A Avaliar os preditores de via aérea difícil do paciente. A avaliação da VA é um


procedimento simples e rápido, que não precisa de nenhum equipamento
especial senão seu bom senso somado a alguns poucos exames realizados
em segundos, ou seja, à prova de desculpas!

B Decidir antecipadamente qual será o plano principal e os de resgate, e então,


você irá falar para toda a equipe seu plano!

Vamos iniciar te ajudando a avaliar uma via aérea do jeito mais fácil!
Preste atenção nesses mnemônicos:

LEMON
Laringoscopia Difícil

ROMAN RODS
Ventilação com Dificuldade com
máscara/ambu difícil dispositivos supraglóticos

Figura 42: Mnemônicos que te ajudarão a recordar os principais fatores de


risco para cada situação de via aérea difícil.

1 - LEMON - Laringoscopia difícil (Quadro 11)

Look Externally – É a SUA percepção sobre a dificuldade de

L intubação. Essa impressão pode ser devido a deformidades


anatômicas, sangramentos, obesidade, paciente agitado,
pescoço curto, entre outros.

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Evaluate – Avaliação 3-3-2 (Figura 43).

o primeiro “3” avalia a abertura da boca (Figura 38– A); um


paciente normal pode abrir a boca o suficiente para

E acomodar 3 dedos entre os incisivos superiores e inferiores;


o segundo “3” avalia a distância tireomento (Figura 38 – B.
Paciente normal é > 3 dedos).
O “2” avalia a distância entre hióide e tireoide (Figura 38– C.
Paciente normal > 2 dedos).

Mallampati – (Figura 44) – Classificação da abertura da boca


conforme visualização do palato mole e úvula; reflete a relação
M entre a abertura da boca, o tamanho da língua e o tamanho da
orofaringe. Os Mallampati III ou IV estão associados com mais
falhas de intubação (Figura 39)!

Obstruction – Obstrução de via aérea superior é um marcador

O importante de via aérea difícil. E nisso entra principalmente a


apneia do sono. Tente também buscar sobre massas faríngeas,
trauma com sangramento e distorção da orofaringe.

Neck mobility – Possibilidade de hiperextensão adequada do


N pescoço. Há rigidez cervical? Espondilite anquilosante, colar
cervical, RT prévia...

Figura 43: Avaliação 3-3-2.

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l ll lll lV

Figura 44: Escore de Mallampati. Mallampati I: Visualização completa do


palato mole. Mallampati II: Visualização completa da úvula. Mallampati III:
Visualização apenas da base da úvula. Mallampati IV: Apenas palato duro.

2 - ROMAN - VENTILAÇÃO Difícil (Quadro 12)

Radiação / Restrição – Radioterapia cervical prévia ou


R pacientes com complacência pulmonar baixa/resistência alta
(Asma, DPOC, EAP, SARA).

Obesidade / Obstrução / Apnéia do Sono – IMC > 26, gestantes,


O tumores, laringoespasmo, hematomas, distensão abdominal,
entre outros.

Selagem da máscara / Mallampati / Sexo Masculino – barba


M grande, sangue em via aérea, sondas naso/orogástricas, sexo
masculino e Mallampati III ou IV.

Age – > 55 anos tem mais chance de dificuldade de ventilação


A sob máscara por perda do tônus muscular das vias aéreas
superiores.

N No teeth – Ausência de dentes dificulta vedação adequada da


máscara no rosto.

OBS: Perceba como muitos dos fatores de laringoscopia difícil são os


mesmos na ventilação difícil!

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3 - RODS – Dificuldade na colocação de Dispositivo Supraglótico


(DSG) (Quadro 13)

R Restrição – pulmonar, de abertura da boca, de movimento da


coluna cervical.

O Obesidade / Obstrução – no nível da laringe ou glote, abaixo


das pregas vocais.

Disrupted or Distorted airway (via aérea interrompida ou

D distorcida) – tais como deformidade fixa em flexão da coluna,


lesão penetrante no pescoço com hematoma, epiglotite e
abcesso faríngeo.

S Short – (distância tireomentoniana curta)!

Memorize e ENTENDA esses fatores de risco e terá segurança para


avaliar e dizer “essa é uma via aérea difícil!”

A diferença, num contexto de emergência/terapia intensiva, entre uma


via aérea difícil PREVISTA e uma NÃO PREVISTA, é que na via aérea
prevista você não pode entrar desprevenido. Entre sempre armado!

Se há a possibilidade de intubar o paciente acordado, intube-o


acordado. Faça essa escolha se observar características de ventilação
sob máscara difícil. Esta é a única maneira de assegurar
completamente a ventilação espontânea sem cair na emergência de
não intubo e não ventilo em um paciente em apnéia.

Se não existe a possibilidade de intubação acordada por ser uma via


aérea emergencial, já solicite, se possível, dispositivos como
videolaringoscópio e bougie. Sabemos que o broncofibroscópio não é
um dispositivo amplamente disponível. E tenha sempre à mão uma
máscara laríngea.
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Se a intubação por laringoscopia convencional não obteve sucesso, ou


mesmo usando o videolaringoscópio ou bougie, estamos diante da
dita Via Aérea Falha (sendo prevista ou não).

E agora? O que fazer quando uma via aérea falha for identificada?

O primeiro passo é PEDIR AJUDA. Sabemos que a ajuda não está


disponível em todos os cenários, mas, pensando em um ambiente
ideal, peça! Peça ajuda para outro médico mais experiente, para a
equipe de enfermagem, fisioterapia – todos podem auxiliar de
diferentes formas nesse momento.

Uma coisa importante: caso você opte pela intubação do paciente no


departamento de emergência, diferentemente do paciente eletivo
cirúrgico, não é possível acordá-lo caso não consiga acessar a via
aérea, e “intubar depois”.

Portanto, a partir do momento em que você decidir que precisa intubar,


você deve se preparar para ir até o fim do algoritmo. E a palavra é
sempre PREPARAÇÃO. Por isso, repetimos: preparação é o cerne de
toda estratégia de intubação!

O segundo passo irá variar conforme a condição na qual o paciente se


encontra.

Se o paciente conseguir manter a oxigenação via bolsa-válvula-


máscara (BVM), há tempo para avaliar uma alternativa para manter
uma via aérea definitiva.

Obs. Via aérea definitiva é implica em uma sonda endotraqueal com


balonete (“cuff”) insuflado.

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Uma outra alternativa é manter o paciente com dispositivo


supraglótico (máscara laríngea, por exemplo), se bem ventilado,
temporariamente (lembre-se que o mesmo não deve ficar mais que
4hs a 6hs); ou até mesmo proceder à via aérea cirúrgica, entretanto,
sem a pressa que se daria caso o paciente não conseguisse ser
ventilado.

Então fixe…

Se não foi possível intubar, você está diante de uma via aérea falha. Tente um

resgate nesse paciente: veja se é possível manter sua oxigenação via BVM ou

máscara laríngea. Caso não seja possível manter a oxigenação, há

necessidade de AÇÃO IMEDIATA, e será necessário realizar o acesso à via

aérea por via cirúrgica (cricotireoidostomia).

Após a via aérea definitiva ser adquirida, deve-se proceder com o


manejo pós-intubação, como de costume.

Nós sabemos muito bem que dispositivos como videolaringoscópio e


broncofibroscópio não são amplamente disponíveis. Nossa dica é:
avaliou uma via aérea difícil em potencial e não sabe fazer
cricotireoidostomia? Peça ajuda do cirurgião para estar AO SEU LADO
no momento da intubação. Caso não consiga intubar, ou mesmo fazer
a colocação de um dispositivo supraglótico, ele irá fazer o acesso
cirúrgico imediato!

Mas lembre, o treinamento pessoal é MUITO importante se você é


médico(a) que está sob possibilidade de manipular via aérea.

Veja abaixo na figura abaixo o Algoritmo de Via Aérea Difícil baseado


nas diretrizes da DAS (Difficult Airway Society) (Figura 45).

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MANUSEIO DA INTUBAÇÃO TRAQUEAL DIFÍCIL EM PACIENTES ADULTOS

Plano A: Intubação traqueal

Otimizar posição da cabeça e pescoço.


Pré-oxigenar
Sucessso
Bloqueio neuromuscular adequado
Confirmar intubação traqueal
LD/videolaringoscopia (máximo de 3+1 tentativas )
Manipulação laríngea externa
Bougie
Remover compressão cricoide

DECLARAR FALHA NA INTUBAÇÃO E PEDIR AJUDA!

Plano B: Mantendo oxigenação: Inserção de DSG


PARE E PENSE:
Opções (avaliar riscos/benefícios)

Recomendado DEG de 2ª geração Sucessso


Manter com DSG como ponto até,
Trocar dispositivo ou tamanho (máx. 3 tentativas) por exemplo, traqueostomia ou
cricotireoidostomia de modo não
Oxigenar e ventilar emergêncial.

DECLARAR FALHA NA VENTILAÇÃO COM DSG

Plano C: Ventilação sob máscara facial

Se ventilação sob máscara for impossível , relaxar


Sucessso
paciente se ainda não feito. Última tentativa com VMF. Despertar o paciente
Use técnica com 2 pessoas e adjuvantes -
Guedel/Nasofaríngea.

DECLARAR NINV Cuidados pós-operatórios e


acompanhamento:
Plano D: Acesso cervical anterior emergencial
Formular plano de manuseio imediato da
VA;
Monitorar complicações;
Preencher formulário de alerta VAD;
Cricotireoidostomia cirúrgica/por punção Explicar aos familiares (verbalmente e por
escrito).

Figura 45: Algoritmo de Via Aérea Difícil baseado nas diretrizes da DAS (Difficult Airway
Society) 2015. VMF: ventilação sob máscara facial. NINV: não intubo não ventilo. LD:
laringoscopia direta; DEG: dispositivo extraglótico; DSG: dispositivo supraglótico; VMF:
ventilação sob máscara facial.

Nessas páginas deixamos nossos mais valiosos e práticos


ensinamentos, da nossa rotina, para você. Saiba que você não irá,
definitivamente, encontrar isso em qualquer material de literatura. Leia
e releia cada dica, cada recomendação, cada pulo do gato, e você vai
estar MUITO mais preparado para suas próximas intubações.

Não tenha dúvidas de que o salto será gigantesco! Ninguém irá te


ensinar isso que estamos te ensinando, da forma como estamos
ensinando. Queremos seu feedback, para cada vez mais melhorarmos
tudo o que fazemos!

E como sempre falamos: Vamos Juntos!


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