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NIDAL AHMAD

ARNALDO QUARESMA
LETÍCIA NEVES
MAURO STÜRMER

PENAL
TEORIA, PRÁTICA, PEÇAS E QUESTÕES
2a Fase • Exame de Ordem
Prática e Treino


EDIÇÃO
Reformulada,
revista,
atualizada
e ampliada

JUS2880-Ahmad-Penal-6ed - CEISC.indb 3 05/06/2023 14:23:12


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 TEMAS DE DIREITO MATERIAL


PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

I
PARTE
1.1. INTRODUÇÃO praticado pelo agente se amolda à conduta
proibida descrita no art. 155 do CP. Eis a tipici-
O princípio da insignificância, também de- dade formal.
nominado crime de bagatela, guarda relação
Todavia, a adequação do fato à norma penal
com o princípio da intervenção mínima e da
não é suficiente. É necessário, ainda, que o fato
fragmentariedade, no sentido de que ao Direito
praticado atinja bem jurídico suficientemente
Penal cumpre a proteção de bens jurídicos que,
relevante para ensejar a atuação do Direito Pe-
por sua relevância, efetivamente necessitam de
nal. A conduta do agente, pois, deve ser mini-
tutela penal.
mamente suficiente para causar lesão ou peri-
O Direito Penal não deve incidir quando a go de lesão a um bem juridicamente relevante.
conduta do agente não for suficientemente Eis a tipicidade material.
capaz de causar lesão ou ao menos perigo de
Se, conquanto prevista na norma penal
lesão a um determinado bem jurídico. Em sín-
como proibida (tipicidade formal), a conduta
tese, o Direito Penal não se presta para atuar
desenvolvida pelo agente atingir bem jurídico
diante de condutas que atingem bens jurídicos
irrelevante, o fato será materialmente atípico,
irrelevantes e de natureza ínfima.
incidindo, assim, o princípio da insignificância.
A natureza jurídica do princípio da insigni-
Tomemos como exemplo a subtração de
ficância é de causa de exclusão da tipicidade
uma barra de chocolate no valor de R$ 5,00
material. Embora a conduta seja formalmente
(cinco reais) em uma grande rede de supermer-
típica, será materialmente atípica, diante da
cados. Tal fato é formalmente típico, já que ins-
ausência de lesão ou perigo de lesão ao bem
culpido como proibido no art. 155 do CP, mas
jurídico. Explica-se.
será materialmente atípico, uma vez que o bem
A tipicidade penal é formada pela junção da jurídico atingido, por seu ínfimo valor, é irrele-
tipicidade formal com a tipicidade material. vante para o Direito Penal.
A tipicidade formal nada mais é do que a
adequação do fato praticado ao modelo legal 1.2. REQUISITOS
de conduta proibida descrito na norma penal.
É o enquadramento do fato praticado à con- A incidência do princípio da insignificância
duta descrita no dispositivo penal. Assim, o não se dá de forma indiscriminada e sem cri-
fato de o agente subtrair determinado objeto térios.
se enquadra na norma penal que prevê como Para o reconhecimento da atipicidade mate-
crime de furto a conduta de subtrair, para si ou rial do fato em decorrência do princípio da in-
para outrem, coisa alheia móvel. Ou seja, o fato significância, devem estar presentes requisitos

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de ordem objetiva, relacionados ao fato, bem 1.2.2. Requisitos subjetivos


como de caráter subjetivo, relacionados ao
agente, considerando sempre o caso concreto. Além dos requisitos objetivos, relacionados
aos fatos, deve-se, ainda, verificar a presença
dos requisitos subjetivos, relacionados ao autor
1.2.1. Requisitos objetivos
da infração penal e à vítima do delito.
O STF1 e o STJ2 apontam quatro requisitos
a) Em relação ao autor da infração penal
objetivos para a incidência do princípio da in-
significância: a) mínima ofensividade da con- A possibilidade de aplicação do princípio
duta; b) ausência de periculosidade social da da insignificância em relação ao autor do fato
ação; c) reduzido grau de reprovabilidade do passa pela análise no sentido de verificar se é
comportamento; d) inexpressividade da lesão reincidente ou criminoso habitual.
jurídica. Quanto ao agente reincidente, os tribunais
Os Tribunais Superiores elencam tais requi- divergem sobre a possibilidade de aplicação do
sitos, sem, no entanto, estabelecer a diferen- princípio da insignificância.
ça entre eles e especificar o alcance de cada O STJ considera inaplicável o princípio da
um. Há, ainda, quem entenda que tais requisi- insignificância, salvo quando as instâncias or-
tos são tautológicos, que, em síntese, dizem a dinárias, analisando o caso concreto, entende-
mesma coisa. rem ser recomendável a incidência dessa causa
E, na verdade, parece-nos que não seria re- de exclusão da tipicidade. Nesse particular, o
almente adequado estabelecer critérios rígidos STJ confirmou entendimento do Tribunal de 2º
e absolutos para cada requisito, já que os parâ- grau que manteve decisão de rejeição da de-
metros estabelecidos para aferição da incidên- núncia oferecida contra réu reincidente, aten-
cia do princípio da insignificância podem variar tando para as circunstâncias do caso concreto.3
a depender das circunstâncias do caso concre- Verifica-se, pois, que, como regra, não se
to, como, por exemplo, o valor do bem atingido, aplica o princípio da insignificância ao réu rein-
a situação econômica da vítima, as condições cidente, salvo em casos excepcionais, atentan-
pessoais do autor do fato, bem como as pecu- do-se às particularidades do caso concreto.
liaridades da prática delituosa. Assim, a reincidência do acusado não é motivo
Em outras palavras, a valoração conjunta suficiente para afastar a aplicação do princípio
desses requisitos pode variar de caso a caso, da insignificância, ressalvados casos específi-
o que pode parecer insignificante num caso, cos, que dependem da análise do contexto fá-
pode não ser em outro semelhante, ou seja, tico concreto.
furtar um objeto no valor de R$ 100,00 (cem Em relação ao multirreincidente4 e ao rein-
reais) pertencente a uma pessoa com situação cidente específico, o STF5 e o STJ6 consideram
financeira confortável pode ensejar a incidên- inaplicável o princípio da insignificância, diante
cia do princípio da insignificância, ao passo que da maior reprovabilidade da sua conduta.
subtrair uma velha bicicleta, avaliada em R$
100,00 (cem reais), pertencente a um modesto b) Em relação à vítima
trabalhador que a utiliza como meio de trans-
A aplicação do princípio da insignificância
porte para se deslocar até o local de trabalho,
depende, ainda, das condições e características
pode não incidir tal princípio.
pessoais da própria vítima.

3. STJ, AgRg no REsp nº 1804399/SP, rel. Min. Reynaldo Soares


da Fonseca, 5ª T., j. 4-6-2019.
4. STJ, AgRg no AgREsp nº 1307157/MG, rel. Min. Felix Fis-
cher, 5ª T., j. 21-8-2018.
5. STF, HC nº 153980 AgRg/MS, rel. Min. Dias Toffoli, 2ª T., j.
1. STF, RHC nº 163009 AgRg/SC, rel. Luiz Fux, 1ª T., j. 7-12- 18-5-2018.
2018. 6. STJ, AgRg no REsp nº 1427296/MG, rel. Min. Joel Ilan Pa-
2. STJ, HC nº 502912/SP, rel. Ribeiro Dantas, 5ª T., j. 4-6-2019. ciornik, 5ª T., j. 4-6-2019.

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1  princípio da insignificância

Além da presença dos vetores objetivos, de- A maior incidência do princípio da insignifi-
ve-se verificar o contexto que envolve a vítima, cância ocorre, inexoravelmente, em relação ao
como, por exemplo, sua condição econômica, crime de furto, já que praticado sem violência
a importância que o bem jurídico representa ou grave ameaça, atingindo, não raras vezes,

 TEMAS DE DIREITO MATERIAL


para ela, o valor sentimental, as circunstâncias objeto de valor ínfimo.
e as consequências do delito. A propósito, nesse aspecto, convém regis-
Com efeito, o que pode ser irrelevante para trar que não há um valor máximo limitando a
uma determinada vítima, pode não ser em rela- incidência do princípio da insignificância, pois,
ção à outra. A extensão do prejuízo provocado como dito, além do valor do objeto do crime,
pela subtração de um botijão de gás de uma deve-se, ainda, considerar as condições finan-
residência ocupada por família de excelente ceiras da vítima, a importância do objeto ma-
condição financeira não é, evidentemente, a terial, bem com as circunstâncias do caso con-

I
mesma em relação a uma família com modesta creto.

PARTE
condição econômica, que reside num acanhado Não obstante isso, em que pese não cons-
imóvel e cuja renda mensal não supera o valor tituir parâmetro absoluto, o STJ considera
de um salário-mínimo. aplicável o princípio da insignificância, se pre-
Em relação à família dotada de boa condi- sentes os demais requisitos, quando o valor do
ção econômica, pode-se aventar a incidência objeto material atingido não superar o equiva-
do princípio da insignificância, ao passo que em lente a 10% do salário-mínimo vigente à época
relação à família com situação financeira mo- do fato,10 rejeitando, por exemplo, a incidência
desta não parece razoável considerar a hipóte- do crime de bagatela em relação a furto de ob-
se de crime de bagatela. jeto com valor equivalente a 23% do salário-
Portanto, não há que se falar em reduzido -mínimo vigente à época do fato.11
grau de reprovabilidade da conduta do agente, Não há espaço, à evidência, para aplicação
se o valor do bem jurídico atacado não é irrisó- do princípio da insignificância em relação a cri-
rio diante das condições econômicas da vítima.7 mes hediondos ou equiparados, uma vez que o
Da mesma forma, ainda que inexpressivo legislador conferiu maior rigor ao tratamento
economicamente, o valor sentimental em rela- dado a agentes acusados por tais delitos, re-
ção ao bem jurídico atacado também é consi- conhecendo a gravidade das condutas, sendo,
derado para aquilatar a aplicação do princípio pois, incompatível com reduzida reprovabilida-
da insignificância, uma vez que, nesse caso, o de e grau de ofensividade ao bem jurídico ine-
dano suportado pela vítima ganha maior re- rentes ao crime bagatelar.
levância do que qualquer quantia pecuniária. Alguns delitos, por suas peculiaridades, me-
Esse é o entendimento do STF8 e do STJ.9 recem especial análise acerca da incidência ou
não do princípio da insignificância.
1.3. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA EM a) Crimes praticados com violência ou grave
ESPÉCIE ameaça à pessoa
Embora seja mais frequente em relação É pacífico o entendimento no sentido da
a crimes contra o patrimônio, a aplicação do inaplicabilidade do princípio da insignificância
princípio da insignificância não se limita a cri- em relação a crimes de roubo e a outros deli-
mes dessa natureza, podendo, se preenchidos tos praticados com violência ou grave ameaça
os requisitos, incidir sobre qualquer crime. à pessoa.

7. STJ, AgRg no AgREsp nº 813662/DF, rel. Min. Gurgel de Fa-


ria, 5ª T., j. 23-2-2016.
8. STF, HC nº 111017/RS, rel. Min. Ayres Britto, 2ª T., j. 7-2- 10. STJ, AgRg no RHC nº 106838/MG, rel. Min. Laurita Vaz, 6ª T.,
2012. j. 6-6-2019.
9. STJ, HC nº 60949/PE, rel. Min. Laurita Vaz, 5ª T., j. 20-11- 11. STJ, AgRg no HC nº 502019/SC, rel. Min. Rogério Schietti
2007. Cruz, 6ª T., j. 6-6-2019.

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PENAL • TEORIA, PRÁTICA, PEÇAS E QUESTÕES Nidal Ahmad, Arnaldo Quaresma, Letícia Neves e Mauro Stürmer

Isso porque, ainda que irrelevante o valor É o que se extrai da Súmula nº 599 do STJ,
do objeto material atacado, não se mostra ra- segundo a qual “o princípio da insignificância é
zoável considerar insignificante a conduta do inaplicável aos crimes contra a Administração
agente que emprega violência ou grave ame- Pública”.
aça contra a vítima. Ao contrário, tal conduta
revela maior periculosidade do agente, bem d) Crime de descaminho e crimes contra a
como elevado grau de ofensividade e reprova- ordem tributária
bilidade, afastando, por absoluto, a aplicação Não obstante estar inserido no capítulo dos
do princípio da insignificância. crimes contra a administração pública, o crime
Prevalece o entendimento, no entanto, da de descaminho (CP, art. 334) também ofende a
possibilidade da incidência do princípio da in- ordem tributária, já que o agente ilude, no todo
significância nos casos de lesão corporal leve ou em parte, o pagamento de tributo devido
e lesão corporal culposa, desde que a conduta pela entrada ou saída de mercadoria do País.
gere lesões absolutamente ínfimas, como, por Em razão disso, verifica-se a possibilidade
exemplo, pequenas escoriações, sem maior le- de aplicação do princípio da insignificância ao
sividade, salvo se praticado no contexto de vio- crime de descaminho, apesar do disposto na
lência doméstica e familiar contra a mulher. Súmula nº 599 do STJ.
b) Crimes contra a fé pública Ainda que possa parecer estranho num pri-
meiro momento, sobretudo por força do valor
Os crimes contra a fé pública estão previstos
considerado como parâmetro, admite-se a in-
nos arts. 289 a 311-A do CP.
cidência do princípio da insignificância no cri-
O bem jurídico tutelado é a legitimidade e me de descaminho quando o valor do tributo
a credibilidade depositada nos documentos, si- devido não for superior a R$ 20.000,00 (vinte
nais e símbolos que registram as relações jurí- mil reais).
dicas celebradas na sociedade organizada.
De fato, nos termos do art. 20 da Lei nº
Logo, diante da importância do bem jurídi- 10.522/2002, atualizado pelas Portarias do Mi-
co tutelado, não se mostra razoável nem pro- nistério da Fazenda nos 75/2012 e 130/2012,
porcional admitir a incidência do princípio da serão arquivados, sem baixa na distribuição,
insignificância em relação aos crimes contra a por meio de requerimento do Procurador da
fé pública. Fazenda Nacional, os autos das execuções
De fato, julgando crime de falsificação fiscais de débitos inscritos em Dívida Ativa da
de documento público (CP, art. 297), o STJ União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Na-
considerou inaplicável o princípio da insignifi- cional ou por ela cobrados, de valor consolida-
cância aos delitos cujo bem tutelado seja a fé do igual ou inferior àquele estabelecido em ato
pública.12 do Procurador-Geral da Fazenda Nacional.

c) Crimes contra a administração pública A Port. nº 130/2012, que alterou a Port. nº


75/2012, prevê que o Procurador da Fazenda
Sedimentando discussão doutrinária e juris- Nacional requererá o arquivamento, sem baixa
prudencial, o STJ pacificou entendimento no na distribuição, das execuções fiscais de débi-
sentido da inaplicabilidade do princípio da in- tos com a Fazenda Nacional, cujo valor con-
significância nos crimes praticados contra a ad- solidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00
ministração pública, já que, independentemen- (vinte mil reais), desde que não conste dos au-
te do valor material do bem atingido, busca-se, tos garantia, integral ou parcial, útil à satisfa-
no caso, tutelar a moralidade administrativa, ção do crédito.
insuscetível de mensuração econômica.
Em outras palavras, se o valor do tributo
iludido pelo agente for igual ou inferior a R$
20.000,00 (vinte mil reais), poderá, a princípio,
12. STJ, AgRg no AgREsp nº 1131701/SP, rel. Min. Rogério ser aplicado o princípio da insignificância.
Schietti Cruz, 6ª T., j. 17-4-2018.

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1  princípio da insignificância

Isso porque, se a Fazenda Nacional expres- Além disso, a conduta do agente que im-
samente considera irrelevante cobrar tribu- porta ou exporta mercadoria classificada como
to cujo valor não supera R$ 20.000,00, sendo, proibida ou ilícita com grau maior grau de re-
pois, insignificante na esfera fiscal, também provabilidade, não se coaduna, portanto, com

 TEMAS DE DIREITO MATERIAL


será, na ótica dos Tribunais Superiores, insigni- os vetores que autorizam o princípio da insig-
ficante na esfera penal. nificância.
Esse é o entendimento adotado pelo STJ e Por isso, os Tribunais Superiores possuem
pelo STF. entendimento consolidado de que o princípio
da insignificância não se aplica aos crimes de
Todavia, o princípio da insignificância em re-
contrabando de cigarros, por menor que possa
lação ao crime de descaminho não é aplicado
ter sido o resultado da lesão patrimonial, pois
de forma indiscriminada.
a conduta atinge outros bens jurídicos, como
O limite previsto na Lei nº 10.522/2002, atu-

I
a saúde, a segurança e a moralidade pública.15

PARTE
alizado pelas Portarias nos 75/2012 e 130/2012,
ambas do Ministério da Fazenda, para aplica- f) Crimes na Lei de Drogas – Lei nº 11.343/
ção do princípio da insignificância somente é 2006
aplicado em relação a tributos federais.13 Não A Lei de Drogas tutela a saúde pública. São
se aplica, pois, aos tributos estaduais e muni- crimes de perigo abstrato ou presumido, sendo,
cipais; primeiro, porque tais tributos não estão por isso, dispensável a comprovação do efetivo
abrangidos pela Lei nº 10.522/2002, que trata risco ao bem jurídico tutelado. Em relação ao
de tributos federais; segundo, porque a lesão crime de tráfico de drogas, delito equiparado
jurídica provocada pela elisão fiscal pode ser a hediondo, não se discute a inaplicabilidade
mais expressiva entre os entes federativos da do princípio da insignificância, diante do tra-
esfera estadual e municipal. tamento mais severo conferido pelo legislador
Além disso, não se admite a aplicação do aos delitos dessa natureza.
princípio da insignificância quando constatada Todavia, em relação ao delito de posse de dro-
a habitualidade delitiva nos crimes de desca- gas para consumo pessoal (Lei nº 11.343/2006,
minho, configurada tanto pela multiplicidade art. 28) há divergência acerca da aplicabilidade
de procedimentos administrativos quanto por ou não do princípio da insignificância.
ações penais ou inquéritos policiais em curso.14 O STJ, por sua 5ª Turma, adota o entendi-
e) Crime de contrabando mento no sentido de que a conduta de posse
de drogas para consumo pessoal está tipificada
O crime de contrabando, previsto no art. na Lei de Drogas, que, na sua íntegra, tutela a
334-A do CP, consiste em importar ou exportar saúde pública, bem jurídico que, a evidência,
mercadoria proibida. não pode ser considerado ínfimo. Além disso,
A prática do crime de contrabando não atin- o crime do art. 28 da Lei nº 11.343/2006 é de
ge unicamente o erário público, mas também perigo abstrato, sendo irrelevante a pequena
outros bens jurídicos, que, por sua relevância, quantidade de substância entorpecente apre-
não permitem a aplicação do princípio da insig- endida em poder do agente.16
nificância, tais como a saúde pública e a mora- De outro lado, o STF já admitiu o princípio
lidade administrativa. da insignificância em favor de agente condena-
do por portar 0,6 g de maconha.17

15. STJ, AgRg no REsp nº 1898529/RS, rel. Min. Ribeiro Dantas,


5ª T., j. 9-3-2021.
13. STJ, AgRg no REsp nº 1259739/SP, rel. Min. Joel Ilan Pacior- 16. STJ, AgInt no HC nº 372555/ES, rel. Min. Felix Fischer, 5ª T.,
nik, 5ª T., j. 30-5-2019. j. 15-8-2017.
14. STJ, AgRg no REsp nº 1834566/PR, rel. Min. Joel Ilan Pacior- 17. STF, HC nº 110.475/SC, rel. Min. Dias Toffoli, 1ª T., j. 14-2-
nik, 5ª T., j. 3-3-2020. 2012.

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g) Violência doméstica ou familiar contra a a inexpressividade da lesão jurídica provocada,


mulher bem como a diminuta ofensividade ao bem ju-
rídico tutelado.
Diante da relevância do bem jurídico pro-
tegido e da natureza protetiva da Lei nº Nesse contexto, o STJ considerou a incidên-
11.340/2006 não se mostra razoável ou pro- cia do princípio da insignificância ao agente fla-
porcional admitir a incidência do princípio da grado na posse de dois cartuchos de calibre .32,
insignificância no contexto de violência domés- desacompanhados de arma de fogo.18 O STF,
tica ou familiar contra a mulher, nem mesmo por sua vez, reconheceu o princípio da insignifi-
na hipótese de reconciliação do casal. cância em relação à conduta de portar, sem au-
É o que se extrai da Súmula nº 589 do STJ, torização legal, uma munição de uso proibido,
segundo a qual: “É inaplicável o princípio da in- consistente num cartucho calibre 0.40.19
significância nos crimes ou contravenções pe- Por outro lado, não se aplica o princípio da
nais praticados contra a mulher no âmbito das insignificância na hipótese de ser apreendida
relações domésticas”. razoável quantidade de munições, como, por
exemplo, 18 no total, sendo 5 projéteis de cali-
h) Posse e porte ilegal de munição bre .38 e 13 de calibre .380.20
Nos termos dos arts. 14 e 16, ambos da Lei
nº 10.826/2003, constitui crime possuir, man- 1.4. COMO PODE CAIR
ter sob sua guarda, portar, deter, adquirir, for-
necer, receber, ter em depósito, transportar, O princípio da insignificância já caiu como
ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, re- tese de peça e também em questões disserta-
meter, empregar, manter sob guarda ou ocultar tivas.
munição, de uso permitido, sem autorização e Por se tratar de causa de exclusão da tipi-
em desacordo com determinação legal ou re- cidade material, a tese envolvendo o princípio
gulamentar. da insignificância ensejará a absolvição do acu-
Os crimes de posse ou porte ilegal de muni- sado.
ção incidem mesmo que desacompanhada de
arma de fogo, já que se trata de crime de mera • Se for resposta à acusação: absolvição
conduta e de perigo abstrato. A inviabilidade sumária, com base no artigo 397, III, do
CPP.
do pronto uso da munição, por estar desacom-
• Se for memoriais ou apelação no proce-
panhada da arma, não desnatura o delito.
dimento comum: absolvição, com base
Isso não significa a impossibilidade do re- no artigo 386, III, do CPP.
conhecimento, em situações excepcionais, do
princípio da insignificância. Com efeito, ad-  Obs.: Deixamos de mencionar a absolvi-
mite-se a incidência do princípio da insignifi- ção sumária do artigo 415 do CPP, por-
cância quando se tratar de posse de pequena que está relacionada a crimes contra a
quantidade de munição, desacompanhada de vida, sendo, por isso, incabível o princí-
armamento capaz de deflagrá-la, uma vez que pio da insignificância nesse caso.
ambas as circunstâncias conjugadas denotam

18. STJ, HC nº 484121/MG, rel. Min. Reynaldo Soares da Fonse-


ca, 5ª T., j. 16-5-2019.
19. STF, HC nº 154390/SC, rel. Min. Dias Toffoli, 1ª T., j. 17-4-
2018.
20. STJ, AgRg no REsp nº 1915047/RJ, rel. Min. Ribeiro Dantas,
5ª T., j. 9-3-2021.

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1  princípio da insignificância

Ͼ 1.5. QUESTÕES PROVAS ANTERIORES


ƒ Exercício 1 ƒ Exercício 2
(QUESTÃO 2 – OAB FGV - 36º EXAME) David foi de- (Questão 4 – OAB FGV – XI Exame – 2013–3 – Rea-

 TEMAS DE DIREITO MATERIAL


nunciado pela prática do crime de descaminho (Art. plicação em Porto Alegre) O Ministério Público ofe-
334 do Código Penal), por supostamente ter impor- receu denúncia contra Lucile, imputando-lhe a prá-
tado contêiner contendo 1 tonelada de materiais tica da conduta descrita no Art. 155, caput, do CP.
têxteis de procedência estrangeira sem a quitação Narrou, a inicial acusatória, que no dia 18/10/2012
do imposto de importação devido à União, que soma Lucile subtraiu, sem violência ou grave ameaça, de
R$ 750,00 (setecentos e cinquenta reais). Na cota um grande estabelecimento comercial do ramo de
que acompanha a denúncia, o Ministério Público venda de alimentos, dois litros de leite e uma sacola
Federal se manifestou pelo não oferecimento de de verduras, o que totalizou a quantia de R$10,00
proposta de suspensão condicional do processo a (dez reais). Todas as exigências legais foram satisfei-
David, pois o acusado possui anotação na sua Folha tas: a denúncia foi recebida, foi oferecida suspensão

I
PARTE
de Antecedentes Criminais (FAC), relativa à conde- condicional do processo e foi apresentada resposta
nação definitiva à pena de multa pelo crime de ame- à acusação. O magistrado, entretanto, após conven-
aça (Art. 147 do Código Penal). Sobre a hipótese cer-se pelas razões invocadas na referida resposta à
apresentada, responda aos itens a seguir. acusação, entende que a fato é atípico. Nesse sen-
A) Qual é a tese de mérito que pode ser invocada tido, tendo como base apenas as informações con-
pelo Defensor técnico de David no caso concre- tidas no enunciado, responda, justificadamente, aos
to? Justifique. (Valor: 0,65) itens a seguir.
B) Qual é a questão preliminar ao mérito que pode A) O que o magistrado deve fazer? Após indicar a
ser invocada pelo Defensor técnico de David no solução, dê o correto fundamento legal. (Valor:
caso concreto? Justifique. (Valor: 0,60) 0,65)
B) Qual é o elemento ausente que justifica a alega-
Obs.: O(a) examinando(a) deve fundamentar as res- da atipicidade? (Valor: 0,60)
postas. A mera citação do dispositivo legal não con-
fere pontuação.

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 TEMAS DE DIREITO MATERIAL


DO CRIME DOLOSO E CULPOSO

I
PARTE
2.1. DO CRIME DOLOSO desejasse, seria dolo direto), mas, mesmo pre-
vendo a realização do resultado, segue adiante
2.1.1. Dolo direto na sua conduta, assumindo o risco de produ-
zi-lo. No dolo eventual, o agente representa
Previsto na primeira parte do art. 18, I, do como possível o resultado não desejado, mas
CP, o dolo direto, também chamado dolo deter- assume o risco de provocar lesão a um bem ju-
minado, intencional, imediato ou incondiciona- rídico, seguindo adiante com a sua conduta, re-
do, é aquele que se caracteriza pela vontade do velando, assim, conformismo com a produção
agente estar dirigida especificamente à produ- do evento.
ção do resultado típico, abrangendo os meios
Tomemos como exemplo a conduta do
utilizados para tanto. No dolo direto, o agente
agente que, pretendendo a morte do seu desa-
quer o resultado por ele anteriormente repre-
feto, efetua um disparo em sua direção, mesmo
sentado.
visualizando que se encontrava conversando
Tomemos como exemplo o agente que, pre- com uma pessoa bem próxima a ele. O agente
tendendo subtrair coisa alheia móvel, median- prevê que também pode atingir a outra pessoa,
te emprego de grave ameaça, anunciou o assal- mas segue adiante na sua conduta, assumindo
to e desapossa a vítima dos bens que estavam o risco de errar o disparo contra o seu desafeto
em seu poder. Nesse caso, a vontade do agente e atingir a outra pessoa, sendo-lhe indiferente
é dirigida a produzir o resultado decorrente do quanto ao resultado que possa ser produzido
crime de roubo (CP, art. 157). em relação ao terceiro. Se efetuar disparos ma-
Da mesma forma, se o agente desfere gol- tando o seu desafeto e também a outra pessoa,
pes de faca na vítima com a intenção de matá- o agente responderá por dois crimes de homi-
-la, desenvolve sua conduta com o dolo direto cídio: o primeiro, a título de dolo direto (em re-
de praticar o crime de homicídio (CP, art. 121). lação ao desafeto); o segundo, a título de dolo
A primeira parte do art. 18, I, do CP, em que eventual (em relação ao terceiro).
o agente quis o resultado, abrange o dolo dire- Assim, no dolo eventual, o agente, embora
to de primeiro grau e de segundo grau. não deseje diretamente o resultado, age com
indiferença e desprezo na sua produção, acei-
2.1.2. Dolo eventual tando a sua ocorrência. Prefere arriscar-se a
produzi-lo a se abster e cessar a sua condu-
Ocorre o dolo eventual quando o sujeito ta. Age, pois, com dolo eventual o agente que
assume o risco de produzir o resultado, isto é, ofende a integridade física de mulher grávida,
admite e aceita o risco de produzi-lo. No dolo ciente do seu adiantado estado gravídico, cau-
eventual, o agente não quer o resultado (se sando-lhe o aborto. Note-se que o agente não

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JUS2880-Ahmad-Penal-6ed - CEISC.indb 29 05/06/2023 14:23:13


PENAL • TEORIA, PRÁTICA, PEÇAS E QUESTÕES Nidal Ahmad, Arnaldo Quaresma, Letícia Neves e Mauro Stürmer

quer o resultado, pois, se desejasse, agiria com De outro lado, se o resultado não for previ-
dolo direto, mas prevê como possível o aborto sível sob a ótica de uma pessoa com discerni-
e mesmo assim segue com a sua conduta, as- mento, que não teria condições de antever que
sumindo o risco de interromper a gravidez com da sua conduta poderia resultar um delito, o
a morte do feto. Nesse caso, além do crime de fato será atípico.
lesão corporal gravíssima praticado contra a
mulher (dolo direto), o agente também respon- 2.2.2. Modalidades de culpa
derá pelo crime de aborto sem consentimento
da gestante (dolo eventual), em concurso for- a) Imprudência
mal imperfeito.
É a prática de um fato perigoso. Há uma
conduta positiva. Ocorre simultaneamente à
2.2. DO CRIME CULPOSO ação.
2.2.1. Introdução Pratica o crime do art. 302, § 2º, do CTB, o
agente, que, ao dirigir embriagado colidiu na
Extrai-se do art. 18, II, do CP, que, no crime traseira de motocicleta, em face da falta ao
culposo, o agente desenvolve uma conduta vo- dever de cautela, na modalidade imprudên-
luntária, produzindo, no entanto, um resultado cia. Da mesma forma, age com imprudência o
involuntário (não querido ou aceito pelo agen- agente que limpa arma de fogo carregada pró-
te), mas que lhe era previsível (culpa incons- ximo a pessoas e, de forma descuidada, acio-
ciente) ou excepcionalmente previsto (culpa na o gatilho, matando alguém que estava ao
consciente) e poderia ser evitado se empregas- seu lado.
se a cautela necessária.
Também age com imprudência o agente que
Em geral, os tipos penais culposos não des- sai cansado do trabalho e, em virtude de sua
crevem a conduta, limitando-se a apontar que conduta descuidada, realiza um brusco movi-
determinado delito é culposo. Trata-se de um mento enquanto se dirigia para sua residência,
tipo penal aberto, sendo, por isso, necessário trombando com um transeunte, que rola de
empregar um juízo de valor acerca da conduta uma escadaria, sofrendo lesões gravíssimas.
do agente. Ex.: homicídio culposo, previsto no Trata-se, em tese, de lesão corporal culposa
art. 121, § 3º, CP. (CP, art. 129, § 6º), por conta da conduta im-
Nesse sentido, se determinado delito não prudente do agente, independentemente da
prever a modalidade culposa, o fato praticado gravidade da lesão.
será atípico.
b) Negligência
Ġ Exemplo:
O crime de dano (CP, art. 163) não prevê a mo- É a ausência de precaução ou indiferença
dalidade culposa. Logo, causar, por negligên- em relação ao ato realizado. Trata-se de uma
cia ou imprudência, dano ao patrimônio alheio inação. Ocorre antes da ação.
constitui fato atípico.
Tomemos como exemplo o condutor de
Nos crimes culposos, incide a denominada veículo que, antes de sair de viagem, deixa de
previsibilidade objetiva, ou seja, a possibilidade reparar os pneus e verificar os freios. Da mes-
de uma pessoa dotada de prudência e cautela ma forma, age com negligência o pai que deixa
exigida a todos prever que poderá gerar um re- arma de fogo ao alcance de uma criança. Agem,
sultado. Em outras palavras, exige-se a diligên- ainda, com negligência os pais, por culpa in vi-
cia necessária objetiva quando o resultado pro- gilando, que deixam a criança de tenra idade,
duzido era previsível para um homem comum, sem noção do perigo, caminhar vários metros
nas circunstâncias em que o sujeito realizou à sua frente, em acostamento de rodovia de
a conduta. O cuidado necessário deve ser ob- intenso tráfego, culminando o episódio com o
jetivamente previsível. É típica a conduta que trágico desfecho de um atropelamento, a atra-
deixou de observar o cuidado necessário obje- vessar o infante, repentina e abruptamente, a
tivamente previsível. pista asfáltica.

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1

 peças processuais
APELAÇÃO DAS DECISÕES
DO PLENÁRIO DO JÚRI

Vi
PARTE
1.1. IDENTIFICAÇÃO Quando a parte pretender recorrer de decisão
proferida no Tribunal do Júri deve apresentar
Após a decisão dos jurados no Plenário do logo na petição de interposição qual o motivo
Júri, o Juiz Presidente passa a proferir a senten- que o leva a apelar, deixando expressa a alínea
ça, restringindo-se, se for sentença condenató- eleita do inciso III do art. 593 do CPP, ficando vin-
ria, a fixar a pena. culado, nas razões de apelação aos argumentos
Assim, a apelação das decisões do Júri tem relacionados ao motivo declinado na interposi-
cabimento contra a decisão proferida pelo Juiz ção. Assim sendo, o Tribunal somente pode jul-
após o julgamento no Plenário do Júri. gar nos limites da interposição.
RA PARAR Nesse sentido é a Súmula 713 do STF: “O
IUP efeito devolutivo da apelação contra decisões do
D
júri é adstrito aos fundamentos da sua interpo-
PE

sição”.
Expressão mágica:
“SENTENÇA PLENÁRIO 1.3. PRAZO
DO JÚRI”
PAROU! O prazo para interposição é, em regra, de 5
Peça: (cinco) dias (CPP, art. 593), a contar da intima-
RECURSO DE APELAÇÃO ção, sendo 8 (oito) dias para arrazoar o recurso
(CPP, art. 600).
Nos termos da Súm. nº 710 do STF: “No pro-
1.2. BASE LEGAL cesso penal, contam-se os prazos da data da in-
timação, e não da juntada aos autos do mandado
• art. 593, inciso III, CPP
ou carta precatória ou ordem”.
A base legal do recurso de apelação contra
Convém ressaltar que, para fins de prova do
decisão do Plenário do Júri guarda relação com
Exame da OAB, a banca examinadora tem exigi-
o artigo 593, inciso III, do Código de Processo
do que a peça de interposição e as razões recur-
Penal, devendo, ainda, o recorrente mencionar
sais sejam datadas no mesmo dia. Isso porque a
a(s) alínea(s) pelo qual está recorrendo, ou seja,
peça de interposição é apresentada com as ra-
artigo 593, inciso III, alínea “a” e/ou alínea “b”
zões já inclusas.
e/ou alínea “c” e/ou alínea “d”, sem prejuízo da
possibilidade de recorrer por mais de um funda- Atenção especial deve ser dada ao Assistente
mento. de Acusação, que possui o prazo de 15 (quinze)

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PENAL • TEORIA, PRÁTICA, PEÇAS E QUESTÕES Nidal Ahmad, Arnaldo Quaresma, Letícia Neves e Mauro Stürmer

dias para recorrer caso não esteja habilitado ain- • reconhecer agravante da reincidência, em
da no processo, conforme consta no artigo 598 desacordo com o artigo 63 do CP.
do Código de Processo Penal. Caso já esteja ha- • os jurados absolvem o réu e o juiz profe-
re uma sentença condenatória, fixando a
bilitado, o prazo será de cinco dias. pena, e vice-versa;
• Os jurados afastam a qualificadora e o juiz
1.4. CONTEÚDO a aplica na dosimetria da pena;
• o júri reconhece uma privilegiadora e o
O recurso de apelação contra decisão proferi- juiz não faz a respectiva redução da pena;
da pelo Plenário do Júri somente poderá ser ma- • os jurados acolhem a tese defensiva de
nejado com base numa das hipóteses previstas desclassificação de homicídio doloso para
culposo e o juiz condena o réu por homi-
no artigo 593, III, do CPP. Ou seja, o conteúdo se cídio doloso;
limita: a) Nulidade posterior à pronúncia; b) deci-
são contra lei expressa ou à decisão dos jurados; Se der provimento ao recurso de apelação
c) houver erro ou injustiça no tocante à aplica- interposto com base nesta alínea, o próprio Tri-
ção da pena ou da medida de segurança; d) for a bunal ad quem procederá à retificação da sen-
decisão dos jurados manifestamente contrária à tença, sem necessidade de renovação do julga-
prova dos autos mento em plenário do Júri (art. 593, § 1º, CPP).

a) Nulidade posterior à pronúncia c) Quando houver erro ou injustiça no tocante à


aplicação da pena ou da medida de segurança
Tratando-se de nulidade anterior à pronún-
cia, a questão já foi analisada na própria decisão É outra hipótese que diz respeito, exclusiva-
ou em recurso contra ela interposto, operando- mente, à atuação do juiz-presidente, não impor-
-se, por conseguinte, a preclusão. Podemos citar tando em ofensa à soberania do veredicto po-
alguns exemplos: pular. Logo, o Tribunal pode corrigir a distorção
diretamente.
• a juntada de documentos fora do prazo
estipulado no art.479; A aplicação de penas muito acima do míni-
• participação de jurado impedido; mo legal para réus primários, ou excessivamen-
• inversão da ordem de oitiva das testemu- te brandas para reincidentes, por exemplo, sem
nhas de plenário;
ter havido fundamento razoável, ou medidas de
• produção, em plenário, de prova ilícita;
segurança incompatíveis com a doença mental
• uso injustificado de algemas durante o jul-
gamento; apresentada pelo réu podem ser alteradas pela
• referências, durante os debates, à decisão Instância superior.
de pronúncia ou posteriores, que julga-
ram admissível a acusação;
Se der provimento à apelação interposta com
base na alínea “c”, o Tribunal retificará a aplica-
• referências, durante os debates, ao silên-
cio do acusado, em seu prejuízo; ção da pena ou da medida de segurança, sem ne-
• defeitos na formulação dos quesitos. cessidade de renovação do Julgamento pelo Júri.
b) Sentença do juiz presidente contrária à letra
 OBSERVAÇÃO
expressa da lei ou à decisão dos jurados
Qualificadoras: Encontra-se pacificado o en-
O juiz está obrigado a cumprir as decisões do tendimento no sentido de que a discussão en-
Júri, não havendo supremacia do juiz togado so- volvendo o reconhecimento ou afastamento da
bre os jurados, mas simples atribuições diversas qualificadora deve ser abordada com base na
de funções. Os jurados decidem o fato e o juiz- alínea “d” do inciso III do art. 593. Isso significa
-presidente aplica a pena, de acordo com esta que, se der provimento ao recurso de apelação,
o réu será submetido a novo julgamento pelo
decisão, não podendo dela desgarrar-se.
Tribunal do Júri.
Ġ Exemplos:
• fixar o regime fechado para o réu primário Em síntese, a interposição do recurso de ape-
condenado a uma pena inferior a 8 anos; lação visando ao afastamento da qualificadora
• deixar de reconhecer atenuante da meno- deve ser com base no artigo 593, inciso III, alínea
ridade;
“d”, do Código de Processo Penal.

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JUS2880-Ahmad-Penal-6ed - CEISC.indb 376 05/06/2023 14:23:36


1  Apelação das decisões do PLENÁRIO DO júri

d) Quando a decisão dos jurados for manifes- ao Tribunal de Justiça do Estado... ou Tribunal Regio-
tamente contrária à prova dos autos nal Federal...
O presente recurso é tempestivo, visto que inter-
Contrária à prova dos autos é a decisão que posto dentro do prazo de 5 dias, na forma do artigo
não encontra respaldo em nenhum elemento de 593, caput, do Código de Processo Penal.
convicção colhido sob o crivo do contraditório. Nestes termos,
Não é o caso de condenação que apoia em ver- Pede deferimento.

 peças processuais
são mais fraca.
Local..., data...
Só cabe apelação com base nesse fundamen- ADVOGADO...
to uma única vez. Não importa qual das partes OAB...
tenha apelado, é uma vez para qualquer das
duas.
b) Peça de razões

Vi
Conforme o artigo 593, § 3º, do Código de

PARTE
Processo Penal, se a apelação se fundar no inciso A) EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO ... (se
III, alínea “d”, e o tribunal ad quem se convencer da competência da Justiça Estadual);
de que a decisão dos jurados é manifestamente B) EGRÉGIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA RE-
contrária à prova dos autos, dar-lhe-á provimen- GIÃO... (se da competência da Justiça Federal)
to para sujeitar o réu a novo julgamento; não se Apelante: FULANO DE TAL
admite, porém, pelo mesmo motivo, segunda
Apelado: MINISTÉRIO PÚBLICO
apelação.
Processo nº...

1.5. ESTRUTURAÇÃO RAZÕES DE RECURSO DE APELAÇÃO

Trata-se de peça bipartida, devendo a peça Egrégio Tribunal de Justiça do Estado...ou Egrégio
Tribunal Regional Federal
de interposição ser endereçada para o Juiz Presi-
Colenda Câmara Criminal ou Colenda Turma
dente do Tribunal do Júri e as razões para o Tri-
bunal de Justiça ou TRF. I) DOS FATOS2
a) Peça de interposição: endereçada ao juiz de II) DO DIREITO3
1º grau
III) DO PEDIDO
A) EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ PRESI- Ante o exposto, requer seja conhecido e provido o
DENTE DA ... VARA CRIMINAL DO TRIBUNAL DO JÚRI presente recurso, com a REFORMA DA DECISÃO DE 1º
DA COMARCA... (se crime da competência da Justiça GRAU, para o fim ...
Estadual) Alguns exemplos:
B) EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDE- a) Seja declarada a nulidade do processo a par-
RAL PRESIDENTE DO ... TRIBUNAL DO JÚRI DA SE- tir do ato tal ... e, por consequência, seja o réu
ÇÃO JUDICIÁRIA DE... (se crime da competência da submetido a novo Júri (se pela alínea “a”, do
Justiça Federal) Art. 593, inciso III, do CPP);
Processo nº... b) Seja retificada a decisão, a fim de que prevale-
ça a decisão dos jurados, no sentido de que (se
FULANO DE TAL, (não inventar dados), por seu pela alínea “b”, do Art. 593, inciso III, do CPP);
procurador infra-assinado, com procuração em ane- c) Seja retificada a pena, a fim de que seja fixada
xo, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Exce- no mínimo legal, fixado o regime carcerário se-
lência, inconformado com a decisão de fls..., interpor miaberto, etc (se pela alínea “c”, do Art. 593,
o presente RECURSO DE APELAÇÃO, com base no inciso III, do CPP);
artigo 593, inciso III (indicar a alínea)1, do Código de
d) Seja o réu submetido a novo Júri pelo Plená-
Processo Penal.
rio do Júri, nos termos do artigo 593, § 3º, do
Assim, requer seja recebido e processado o recur-
so, já com as razões anexas, remetendo-se os autos
2. Fazer breve relato dos fatos ocorridos, conforme os dados
do enunciado (não inventar nada nem simplesmente trans-
1. Cuidado: se for contra decisão do Tribunal do Júri indicar o crever o enunciado).
fundamento (uma das alíneas do inciso III, do Art. 593, do 3. Cuidado: Observar as hipóteses das alíneas do artigo 593,
CPP). Súmula 713 STF III, do CPP

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JUS2880-Ahmad-Penal-6ed - CEISC.indb 377 05/06/2023 14:23:36


PENAL • TEORIA, PRÁTICA, PEÇAS E QUESTÕES Nidal Ahmad, Arnaldo Quaresma, Letícia Neves e Mauro Stürmer

Código de Processo Penal (se pela alínea “d”, em legítima defesa. No momento do julgamento,
do artigo 593, inciso III). os jurados reconheceram a autoria e materialidade
Nestes termos, e optaram por condenar Fernando pela prática do
pede deferimento.
delito de homicídio doloso. Após a prolação da sen-
tença condenatória, que impôs ao réu a pena de 06
Local..., data... (seis) anos, em regime semiaberto, a família de Fer-
ADVOGADO... nando toma conhecimento de que dois dos jurados
OAB... que atuaram no julgamento eram irmãos. A intima-
ção da sentença ocorreu na sessão plenária.
Com base nas informações acima expostas e naque-
las que podem ser inferidas do caso concreto, redija
1.6. PEÇA RESOLVIDA
a peça cabível, excluída a possibilidade de Habeas
ƒ Peça adaptada: Corpus, no último dia do prazo para interposição,
sustentando todas as teses jurídicas pertinentes.
Fernando foi pronunciado pela prática de um crime (Valor: 5.00 pontos)
de homicídio doloso consumado que teve como ví-
tima Henrique. No dia 07 de julho de 2015, numa Obs.: o examinando deve fundamentar suas respos-
terça-feira, em sessão plenária do Tribunal do Júri, tas. A mera citação do dispositivo legal não confere
todas as testemunhas asseguraram que Henrique pontuação.
iniciou agressões contra Fernando e que este agiu

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JUS2880-Ahmad-Penal-6ed - CEISC.indb 378 05/06/2023 14:23:36


1  Apelação das decisões do PLENÁRIO DO júri

 peças processuais
Vi
PARTE

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JUS2880-Ahmad-Penal-6ed - CEISC.indb 379 05/06/2023 14:23:36


JUS2880-Ahmad-Penal-6ed - CEISC.indb 380 05/06/2023 14:23:36
PARTE IX

PADRÃO DE
RESPOSTAS

JUS2880-Ahmad-Penal-6ed - CEISC.indb 749 05/06/2023 14:24:12


JUS2880-Ahmad-Penal-6ed - CEISC.indb 750 05/06/2023 14:24:12
PARTE I

 PADRÃO DE RESPOSTAs
TEMAS DE DIREITO MATERIAL

ix
PARTE
1. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA ƒ Exercício 2
(QUESTÃO 4 – OAB FGV- XXX Exame – 2019-3) Maria foi
ƒ Exercício 1 denunciada pela suposta prática do crime de descaminho,
(QUESTÃO 2 – OAB FGV - 36º EXAME) David foi denun- tendo em vista que teria deixado de recolher impostos que
ciado pela prática do crime de descaminho (Art. 334 do totalizavam R$ 500,00 (quinhentos reais) pela saída de
Código Penal), por supostamente ter importado contêiner mercadoria, fato constatado graças ao lançamento defi-
contendo 1 tonelada de materiais têxteis de procedência nitivo realizado pela Administração Pública. Considerando
estrangeira sem a quitação do imposto de importação de- que constava da Folha de Antecedentes Criminais de Ma-
vido à União, que soma R$ 750,00 (setecentos e cinquenta ria outro processo pela suposta prática de crime de roubo,
reais). Na cota que acompanha a denúncia, o Ministério Pú- inclusive estando Maria atualmente presa em razão dessa
blico Federal se manifestou pelo não oferecimento de pro- outra ação penal, o Ministério Público deixou de oferecer
posta de suspensão condicional do processo a David, pois proposta de suspensão condicional do processo. Após a
o acusado possui anotação na sua Folha de Antecedentes instrução criminal em que foram observadas as formalida-
Criminais (FAC), relativa à condenação definitiva à pena de des legais, sendo Maria assistida pela Defensoria Pública,
multa pelo crime de ameaça (Art. 147 do Código Penal). foi a ré condenada nos termos da denúncia. A pena aplica-
Sobre a hipótese apresentada, responda aos itens a seguir. da foi a mínima prevista para o delito, a ser cumprida em
regime inicial aberto, substituída por restritiva de direitos.
A) Qual é a tese de mérito que pode ser invocada pelo
Maria foi intimada da sentença através de edital, pois não
Defensor técnico de David no caso concreto? Justifi-
localizada no endereço constante do processo. A família
que. (Valor: 0,65)
de Maria, ao tomar conhecimento do teor da sentença,
B) Qual é a questão preliminar ao mérito que pode ser procura você, na condição de advogado(a) para prestar es-
invocada pelo Defensor técnico de David no caso clarecimentos técnicos. Informa estar preocupada com o
concreto? Justifique. (Valor: 0,60) prazo recursal, já que Maria ainda não tinha conhecimento
Obs.: O(a) examinando(a) deve fundamentar as respostas. A da condenação, pois permanecia presa. Na condição de
mera citação do dispositivo legal não confere pontuação. advogado(a), esclareça os seguintes questionamentos for-
mulados pela família da ré.
/ Gabarito comentado
A) Existe argumento de direito processual para questio-
A) A tese de mérito a ser invocada pelo defensor técnico nar a intimação de Maria do teor da sentença conde-
de David é a da atipicidade por insignificância da conduta, natória? Justifique. (Valor: 0,60)
pois a União está dispensada de ajuizar ações de cobran-
B) Qual argumento de direito material poderá ser apre-
ça de tributos cujo valor esteja aquém do patamar de R$
sentado, em eventual recurso, em busca da absolvição
20.000.00 (vinte mil reais), com as atualizações efetivadas
de Maria? Justifique. (Valor: 0,65)
pelas Portarias nº 75 e 130, ambas do Ministério da Fazen-
da. Note-se que o valor de R$ 1.000,00 (mil reais) segue Obs.: o(a) examinando(a) deve fundamentar suas respostas.
insignificante, se considerarmos o valor previsto no Art. 20, A mera citação do dispositivo legal não confere pontuação.
§ 2º, da Lei nº 10.522/02.
/ Gabarito comentado
B) A questão preliminar ao mérito a ser invocada pelo
defensor técnico de David é a da necessidade de remessa A questão exige do examinando conhecimento sobre uma
dos autos à autoridade superior do Ministério Público Fe- pluralidade de temas, mas em especial sobre os elementos
deral nos termos da Súmula nº 696 do STF, pois a conde- do fato típico e sobre as formas de intimação das senten-
nação anterior à pena de multa não inviabiliza a suspensão ças condenatórias. Narra o enunciado que Maria foi denun-
condicional do processo, por aplicação analógica do Art. ciada pela suposta prática de crime de descaminho, crime
77, § 1º, do Código Penal. esse que teria gerado um prejuízo aos cofres públicos no

751

JUS2880-Ahmad-Penal-6ed - CEISC.indb 751 05/06/2023 14:24:12


PENAL • TEORIA, PRÁTICA, PEÇAS E QUESTÕES Nidal Ahmad, Arnaldo Quaresma, Letícia Neves e Mauro Stürmer

valor de aproximadamente R$500,00 (quinhentos reais), B) Qual é a principal tese jurídica de direito material a ser
estando incursa nas sanções do Art. 334 do CP. alegada nas razões recursais? (Valor: 0,65)
A) O advogado, ao ser procurado pela família de Maria, Obs.: o examinando deve fundamentar suas respostas. A
deveria esclarecer que a intimação de Maria do teor da mera citação do dispositivo legal não confere pontuação.
sentença condenatória não foi correta, tendo em vista que
ela encontrava-se presa por outro crime, fato do conhe- / Gabarito comentado
cimento do Ministério Público. De acordo com o Art. 392 A) O recurso cabível da sentença do magistrado que con-
do CPP, a intimação da sentença deverá ser pessoal se o denou João é o recurso de apelação, cujo prazo de inter-
réu estiver preso, ainda que a prisão seja decorrente de ou- posição é de 05 dias e o fundamento é o Art. 593, inciso I,
tro processo. A intimação por edital deve ocorrer quando do Código de Processo Penal.
o réu estiver em local incerto e não sabido, quando não B) A principal tese jurídica a ser apresentada é o requeri-
for possível sua localização, ou em alguma das situações mento de absolvição do acusado, pois, em que pese ter ha-
previstas no Art. 392, incisos IV, V e V, do CPP, o que não foi vido violação do dever objetivo de cuidado, essa violação
o caso. A intimação por edital, como forma de intimação não representou incremento do risco no caso concreto,
ficta, prejudicou Maria, que ainda não tinha conhecimento pois, ainda que observada a velocidade máxima prevista
do teor da sentença condenatória. para a pista, com respeito ao dever de cuidado, o resulta-
do teria ocorrido da maneira como ocorreu. Dessa forma,
B) O argumento seria de que a conduta praticada por o examinando pode fundamentar o pedido de absolvição
Maria é atípica em razão da aplicação do princípio da insig- com base na ausência de incremento do risco, sendo essa
nificância. O conceito de crime envolve um fato típico, ilíci- ausência, de acordo com a Teoria da Imputação Objetiva,
to e culpável. Dentro da tipicidade, está a tipicidade mate- fundamento para absolvição. De qualquer maneira, o cer-
rial, que é a lesão relevante ao bem jurídico protegido. Em ne da resposta é a indicação de que não foi a violação do
relação aos crimes tributários, a jurisprudência é tranquila dever de cuidado a responsável pelo resultado lesivo, de
no sentido de que haveria atipicidade material sempre que modo que não deveria João ser por ele responsabilizado.
o valor do imposto sonegado não ultrapassar aquele que a A Banca também considerou como correta a resposta
Fazenda Pública considera baixo o suficiente para não jus- que indicava a inexistência de culpa, apesar da violação
tificar uma cobrança através de execução fiscal. Ainda que do dever objetivo de cuidado, em razão da ausência do
exista controvérsia se tal valor seria de R$ 10.000,00 ou elemento previsibilidade, sob a alegação de que João não
R$ 20.000,00, fato é que, na presente hipótese, conside- poderia prever que uma bicicleta atravessaria seu caminho
rando que o valor do tributo não ultrapassaria R$ 500,00, em uma rodovia de tráfego intenso, em local inadequado.
o princípio da insignificância deveria ser aplicado. A lesão
constatada não é grave o suficiente para justificar a inter-
venção do Direito Penal, diante de sua característica de ƒ Exercício 2
subsidiariedade/última ratio. (QUESTÃO 4 – OAB FGV – III Exame – 2010–3) Caio,
professor do curso de Segurança no Trânsito, motorista
extremamente qualificado, guiava seu automóvel tendo
2. DO CRIME DOLOSO E CULPOSO Madalena, sua namorada, no banco do carona. Durante o
trajeto, o casal começa a discutir asperamente, o que faz
ƒ Exercício 1 com que Caio empreenda altíssima velocidade ao automó-
(Questão 1 – OAB FGV – XIX Exame – 2016–1) João esta- vel. Muito assustada, Madalena pede insistentemente para
va dirigindo seu automóvel a uma velocidade de 100 km/h, Caio reduzir a marcha do veículo, pois àquela velocidade
em uma rodovia em que o limite máximo de velocidade não seria possível controlar o automóvel. Caio, entretan-
é de 80 km/h. Nesse momento, foi surpreendido por uma to, respondeu aos pedidos dizendo ser perito em direção e
bicicleta que atravessou a rodovia de maneira inesperada, refutando qualquer possibilidade de perder o controle do
vindo a atropelar Juan, condutor dessa bicicleta, que fale- carro. Todavia, o automóvel atinge um buraco e, em ra-
ceu no local em razão do acidente. Diante disso, João foi zão da velocidade empreendida, acaba se desgovernando,
denunciado pela prática do crime previsto no art. 302 da vindo a atropelar três pessoas que estavam na calçada,
Lei nº 9.503/97. As perícias realizadas no cadáver da ví- vitimando-as fatalmente. Realizada perícia de local, que
tima, no automóvel de João, bem como no local do fato, constatou o excesso de velocidade, e ouvidos Caio e Mada-
indicaram que João estava acima da velocidade permitida, lena, que relataram à autoridade policial o diálogo travado
mas que, ainda que a velocidade do veículo do acusado entre o casal, Caio foi denunciado pelo Ministério Público
fosse de 80 km/h, não seria possível evitar o acidente e pela prática do crime de homicídio na modalidade de dolo
Juan teria falecido. Diante da prova pericial constatando a eventual, três vezes em concurso formal.
violação do dever objetivo de cuidado pela velocidade aci- Recebida a denúncia pelo magistrado da vara criminal vin-
ma da permitida, João foi condenado à pena de detenção culada ao Tribunal do Júri da localidade e colhida a prova,
no patamar mínimo previsto no dispositivo legal. Conside- o Ministério Público pugnou pela pronúncia de Caio, nos
rando apenas os fatos narrados no enunciado, responda exatos termos da inicial. Na qualidade de advogado de
aos itens a seguir. Caio, chamado aos debates orais, responda aos itens a se-
A) Qual é o recurso cabível da decisão do magistrado, in- guir, empregando os argumentos jurídicos apropriados e a
dicando seu prazo e fundamento legal? (Valor: 0,60) fundamentação legal pertinente ao caso.

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  Temas de Direito MATERIAL

A) Qual(is) argumento(s) poderia(m) ser deduzidos em voluntária. Prevê o art. 15 do CP que o agente que volun-
favor de seu constituinte? (Valor: 0,4) tariamente desiste de prosseguir na execução responde
B) Qual pedido deveria ser realizado? (Valor: 0,3) apenas pelos atos já praticados e não pela tentativa do
crime inicialmente pretendido. Isso porque o agente opta
C) Caso Caio fosse pronunciado, qual recurso poderia ser por não prosseguir quando pode, ao contrário da tentativa,
interposto e a quem a peça de interposição deveria ser quando o agente não pode prosseguir por razões alheias
dirigida? (Valor: 0,3) à sua vontade. No caso, a execução já tinha sido iniciada

 PADRÃO DE RESPOSTAs
quando Andy empregou fraude. O benefício, porém, não
/ Gabarito comentado foi obtido, sendo certo que o crime não se consumou pela
A) Incompetência do juízo, uma vez que Caio praticou vontade do próprio agente. Assim, sua conduta se torna
homicídio culposo, pois agiu com culpa consciente, na me- atípica e deveria ele ser absolvido.
dida em que, embora tenha previsto o resultado, acreditou B) Não há vedação legal, podendo Andy fazer jus ao be-
que o evento não fosse ocorrer em razão de sua perícia. nefício da suspensão condicional do processo. O crime de
B) Desclassificação da imputação para homicídio culpo- estelionato possui pena mínima de um ano, o que está de
so e declínio de competência, conforme previsão do art. acordo com as exigências do art. 89 da Lei nº 9.099/1995.

ix
419 do CPP. Ademais, prevê o dispositivo que não caberá suspensão se

PARTE
C) Recurso em sentido estrito, conforme previsão do art. o agente já houver sido condenado ou se responder a ou-
581, IV, do CPP. A peça de interposição deveria ser dirigida tro processo pela prática de crime. Todavia, no caso, Andy
ao juiz de direito da vara criminal vinculada ao tribunal do havia sido condenado pela prática de contravenção penal,
júri prolator da decisão atacada. logo, não há vedação à concessão do benefício.

ƒ Exercício 2
3. DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA E ARRE-
PENDIMENTO EFICAZ (Questão 2 – OAB FGV – IX Exame – 2012-3) Wilson, ex-
tremamente embriagado, discute com seu amigo Junior na
ƒ Exercício 1 calçada de um bar já vazio pelo avançado da hora. A discus-
(Questão 3 – OAB FGV – XX Exame – 2016-2) Andy, jovem são torna-se acalorada e, com intenção de matar, Wilson
de 25 anos, possui uma condenação definitiva pela práti- desfere quinze facadas em Junior, todas na altura do ab-
ca de contravenção penal. Em momento posterior, resolve dômen. Todavia, ao ver o amigo gritando de dor e esvain-
praticar um crime de estelionato e, para tanto, decide que do-se em sangue, Wilson, desesperado, pega um táxi para
irá até o portão da residência de Josefa e, aí, solicitará a levar Junior ao hospital. Lá chegando, o socorro é eficiente
entrega de um computador, afirmando que tal requeri- e Junior consegue recuperar-se das graves lesões sofridas.
mento era fruto de um pedido do próprio filho de Josefa, Analise o caso narrado e, com base apenas nas informa-
pois tinha conhecimento que este trabalhava no setor de ções dadas, responda, fundamentadamente, aos itens a
informática de determinada sociedade. Ao chegar ao por- seguir.
tão da casa, afirma para Josefa que fora à sua residência A) É cabível responsabilizar Wilson por tentativa de ho-
buscar o computador da casa a pedido do filho dela, com micídio? (Valor: 0,65)
quem trabalhava. Josefa pede para o marido entregar o
B) Caso Junior, mesmo tendo sido socorrido, não se re-
computador a Andy, que ficara aguardando no portão.
cuperasse das lesões e viesse a falecer no dia seguinte
Quando o marido de Josefa aparece com o aparelho, Andy
aos fatos, qual seria a responsabilidade jurídico-penal
se surpreende, pois ele lembrava seu falecido pai. Em razão
de Wilson? (Valor: 0,60)
disso, apesar de já ter empregado a fraude, vai embora sem
levar o bem. O Ministério Público ofereceu denúncia pela
/ Gabarito comentado:
prática de tentativa de estelionato, sendo Andy condena-
do nos termos da denúncia. Como advogado de Andy, com Não, pois Wilson será beneficiado pelo instituto do arre-
base apenas nas informações narradas, responda aos itens pendimento eficaz, previsto na parte final do art. 15 do CP.
a seguir. Assim, somente responderá pelos atos praticados, no caso,
as lesões corporais graves sofridas por Júnior.
A) Qual tese jurídica de direito material deve ser alegada,
em sede de recurso de apelação, para evitar a punição Nesse caso, como não houve eficácia no arrependimento,
de Andy? Justifique. (Valor: 0,65) o que é exigido pelo art. 15 do CP, Wilson deverá responder
pelo resultado morte, ou seja, deverá responder pelo deli-
B) Há vedação legal expressa à concessão do benefício
to de homicídio doloso consumado.
da suspensão condicional do processo a Andy? Justifi-
que. (Valor: 0,60)
Obs.: o examinando deve fundamentar suas respostas. A 4. ARREPENDIMENTO POSTERIOR
mera citação do dispositivo legal não confere pontuação.
ƒ Exercício 1
/ Gabarito comentado: (Questão 1 – OAB FGV – XXXIV Exame – 2022-2) Geraldo,
A) A tese de direito material a ser alegada pelo advoga- 30 anos, constrangeu Eugênia, desconhecida que passava
do de Andy é que, no caso, não poderia ele ter sido puni- pela rua, mediante grave ameaça, a transferir R$ 2.000,00
do pela tentativa, tendo em vista que houve desistência (dois mil reais) para sua conta. Diante da grave ameaça,

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PENAL • TEORIA, PRÁTICA, PEÇAS E QUESTÕES Nidal Ahmad, Arnaldo Quaresma, Letícia Neves e Mauro Stürmer

Eugênia compareceu ao estabelecimento bancário com delitiva, o autor do fato procurou minorar as consequên-
Geraldo e fez a transferência devida, sendo liberada em cias de seu ato e reparou o dano, de modo que aplicável a
seguida. Eugênia, nervosa, compareceu à sede policial e atenuante antes mencionada. Não haveria de se falar em
narrou o ocorrido, sendo instaurado inquérito para iden- tentativa a justificar o reconhecimento de causa de dimi-
tificação do autor do fato. Ocorre que Geraldo, no dia se- nuição de pena, já que o crime se consumou por ocasião
guinte, antes de qualquer denúncia, arrependeu-se de sua do constrangimento. Ademais, mesmo a reparação tendo
conduta e transferiu de volta para a conta de Eugênia todo ocorrido antes do oferecimento da denúncia, não caberia
o valor antes obtido de maneira indevida. Confirmada a aplicação da causa de diminuição de pena do arrependi-
autoria, o Ministério Público ofereceu denúncia em face de mento posterior, prevista no Art. 16 do Código Penal, pois
Geraldo pela prática do crime de extorsão simples consu- o crime foi praticado com grave ameaça à pessoa.
mada (Art. 158, caput, do Código Penal), sendo decretada
sua prisão preventiva, em razão da gravidade do fato e da
reincidência. Durante audiência de instrução e julgamen- ƒ Exercício 2
to, foi ouvida a vítima, que confirmou os fatos narrados (Questão 1 – OAB FGV – XXXI Exame – 2020-3) Após rece-
na denúncia. O réu permaneceu em sala de audiência, e o ber informações de que teria ocorrido subtração de valores
reconhecimento foi realizado ao final da oitiva da vítima, públicos por funcionários públicos no exercício da função,
ainda no local, sob o argumento de que, como havia mui- inclusive com vídeo das câmeras de segurança da reparti-
tos presos no Fórum, não haveria policiais suficientes para ção registrando o ocorrido, o Ministério Público ofereceu,
transporte de presos até a sala de reconhecimento. Assim, sem prévio inquérito policial, uma única denúncia em face
Eugênia apenas apontou para o denunciado e disse que ele de Luciano e Gilberto, em razão da conexão, pela suposta
seria o autor. As demais testemunhas esclareceram que prática do crime de peculato, sendo que, ao primeiro, foi
não presenciaram o ocorrido. Com base no reconhecimen- imputada conduta dolosa e, ao segundo, conduta culposa.
to realizado, foi o réu condenado nos termos da denúncia, De acordo com a denúncia, Gilberto, funcionário público,
sendo aplicada pena base de 04 anos; pena intermediá- com violação do dever de cuidado, teria contribuído para a
ria de 04 anos e 03 meses em razão da reincidência, não subtração de R$ 2.000,00 de repartição pública por parte
sendo reconhecidas atenuantes ou outras agravantes; na de Luciano, que teria tido sua conduta facilitada pelo car-
terceira fase, não foram reconhecidas causas de aumento go público que exercia. Diante da reincidência de Gilberto,
ou de diminuição de pena. O regime inicial aplicado foi o já condenado definitivamente por roubo, não foram à ele
fechado. Intimado da sentença, esclareça, na condição de oferecidos os institutos despenalizadores. O magistrado,
advogado de Geraldo em atuação em recurso de apelação, de imediato, sem manifestação das partes, recebeu a de-
os itens a seguir.
núncia e designou audiência de instrução e julgamento. No
A) Qual argumento de direito processual poderá ser dia anterior à audiência, Gilberto ressarciu a Administração
apresentado para questionar a produção probatória do prejuízo causado. Com a juntada de tal comprovação,
em audiência? Justifique. (Valor: 0,65) após a audiência, foram os autos encaminhados às partes
B) Qual argumento de direito material poderá ser apre- para apresentação de alegações finais. O Ministério Pú-
sentado, caso mantida a condenação, em busca da re- blico, diante da confirmação dos fatos, requereu a conde-
dução da pena aplicada? Justifique. (Valor: 0,60) Obs.: nação dos réus nos termos da denúncia. Insatisfeito com
o(a) examinando(a) deve fundamentar suas respostas. a assistência técnica que recebia, Gilberto procura você
A mera citação do dispositivo legal não confere pon- para, na condição de advogado(a), assumir a causa e apre-
tuação. sentar memoriais. Com base nas informações expostas,
responda, como advogado(a) contratado por Gilberto, aos
/ Gabarito comentado itens a seguir.
A) O argumento de direito processual é o de que a pro- A) Existe argumento de direito material a ser apresenta-
dução de provas não foi integralmente válida, tendo em do em favor de Gilberto para evitar sua condenação?
vista que o reconhecimento do réu não foi realizado ob- (Valor: 0,60)
servando as formalidades legais. De acordo com o Art. 226
B) Qual o argumento de direito processual a ser apresen-
do CPP, o reconhecimento, em sendo possível, deverá ser
tado em memoriais para questionar toda a instrução
realizado na presença de outras pessoas com característi-
produzida? (Valor: 0,65)
cas semelhantes àquelas da pessoa a ser reconhecida. No
caso, o reconhecimento foi na própria sala de audiência, Obs.: o(a) examinando(a) deve fundamentar suas respostas.
apenas com o réu presente na condição de preso, então A mera citação do dispositivo legal não confere pontuação.
claramente foi viciado. Dessa forma, aquela prova não
poderia ser considerada na sentença condenatória. Havia / Gabarito comentado
outros presos disponíveis para serem colocados ao lado do A) Sim, o advogado de Gilberto poderá requerer a ime-
denunciado em sala especial para reconhecimento, não diata extinção da punibilidade, tendo em vista que houve
sendo o argumento de economia suficiente para afastar as reparação do dano antes de ser proferida sentença irre-
exigências legais. corrível. Gilberto foi denunciado pela prática do crime de
B) O argumento é o de que deveria ter sido reconhecida peculato culposo, delito esse previsto no Art. 312, § 2º, do
a atenuante da reparação do dano, prevista no Art. 65, in- Código Penal. O Art. 312, § 3º, do CP, prevê uma peculiari-
ciso III, alínea b, do CP. De acordo com o enunciado, antes dade para essa espécie de crime: a reparação do dano, se
mesmo do oferecimento da denúncia, logo após a prática precede à sentença irrecorrível, extingue a punibilidade do

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