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SINOPSE DO CASE: O crime de Guto contra Laura1

Josué Felipe Bomfim Gouveia2


Maria do Socorro Almeida de Carvalho3

1 DESCRIÇÃO DO CASO:

Em 15 de junho de 2019, o delegado do 4º Distrito Policial recebeu um aviso sobre


um crime ocorrido naquela manhã. Um jovem havia assassinado uma senhora usando um facão,
e um espectador que passava pelo local o deteve e testemunhou o evento. O delegado e sua
equipe foram imediatamente ao local do crime para realizar investigações preliminares. O corpo
da vítima, Laura, foi encaminhado para o Instituto Médico Legal (IML) para um exame
necroscópico, enquanto o jovem, Guto, foi levado à delegacia para o registro da prisão em
flagrante.
Após ouvir o depoimento de Guto, bem como das testemunhas e a coleta de outras
evidências necessárias, o delegado concluiu que o motivo do crime foi o roubo do celular da
vítima. No entanto, Guto não conseguiu levar o celular após matar Laura, pois uma das
testemunhas o impediu, tomando o aparelho e efetuando sua prisão. Posteriormente, foi
revelado que Guto foi condenado a 32 anos de prisão e começaria a cumprir sua pena em regime
fechado, com a possibilidade de progressão de regime apenas após cumprir 60% da pena.

2 INDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO:

2.1 Descrição das decisões possíveis:

A) Guto cometeu o crime de latrocínio consumado;


B) Guto cometeu o crime de latrocínio tentado;
C) Guto cometeu o crime de homicídio qualificado consumado;

2.2 Argumentos capazes de fundamentar cada decisão:

A) Guto cometeu o crime de latrocínio consumado


A doutrina, na figura de Fernando Capez (2004) compreende que a situação
predominante é o crime realizado contra à vida, e mesmo que o crime contra o patrimônio não

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Case apresentado à disciplina de Direito Penal Especial I do Centro Universitário Unidade de Ensino Superior
Dom Bosco-UNDB.
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Aluno do quinto período do curso de direito da UNDB.
3
Professora, orientadora.
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tivesse efeito, ambos os crimes estariam consumados. Concernente a esse entendimento, o


Supremo Tribunal Federal (STF), na súmula 610, afirma que há o crime de latrocínio, quando
o homicídio é consumado, ainda que a subtração dos bens da vítima seja frustrada. Nesse
sentido, em casos criminais enquadrados com a mesma conduta de Guto, a jurisprudência
majoritária tipifica como latrocínio consumado.
Nessa perspectiva, o latrocínio constitui um crime complexo, ou seja, aquele que
lesa mais de um bem jurídico, nesse caso, a vida e o patrimônio. O art. 157, § 2º, VII, caracteriza
uma causa de aumento de pena para Guto por realizar o crime com a posse de um facão, no §
3º, II, está a pena de 20 a 30 anos, e multa, designada no crime de latrocínio. O crime de
latrocínio é diversas vezes referenciado em HCs com um crime complexo que não pode ser
fragmentado, porém, o entendimento atual é de que o crime estará caracterizado desde que
consumado o crime-meio de homicídio (PESSOA; MOREIRA, 2022).
A pena imposta a Guto com uma porcentagem de 60% de cumprimento para
progressão de regime está incorreta, uma vez que o crime foi cometido antes da promulgação
da Lei 13.964 (Pacote Anticrime), por essa razão, considerando que Guto é reincidente em
crime hediondo, Guto deveria cumprir 3/5 da pena para progressão de regime. Além disso, o
que pode justificar a pena imposta a Guto ser maior que a prevista no tipo penal, para o crime
cometido por ele, é a determinação da dosimetria da pena na segunda e terceira fases, pois há a
possibilidade de aumentar a margem da pena base.

B) Guto cometeu o crime de latrocínio tentado


Em contrapartida, Sebastian Mello (2003) se manifesta contrário à súmula do STF,
pois entende que, havendo defeitos na legislação, o juízo deve utilizar as circunstâncias judiciais
e legais subjetivas do réu a seu favor, por mais que a vida seja um importante bem jurídico, não
é correto aderir a uma jurisprudência com interpretação em prejuízo ao réu, pugnando pela
aplicação do latrocínio tentado. Além disso, destaca os princípios constitucionais da legalidade
irrestrita e da proporcionalidade para dosagem da pena. Entretanto, vale ressaltar que as
jurisprudências existentes com entendimento similar ao do doutrinador para o crime de
latrocínio são minoritárias.
Ademais, o latrocínio é um crime classificado, em essência, como de natureza
patrimonial e complexo, portanto, para que seja considerado consumado, é necessária a
execução de todo o tipo penal, uma vez que o objetivo principal de Guto é cometer o roubo do
celular de Laura, sendo o homicídio uma mera ocorrência do fato. Dessa forma, como Guto não
conseguiu subtrair para si o bem, pois foi rapidamente impedido por um terceiro, não há de se
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falar em latrocínio consumado. Ademais, a Teoria do Ablatio defende que a subtração


patrimonial e consequente inversão da posse deve ocorrer como tranquila e com o usufruto do
bem distante de seu verdadeiro proprietário (PIERANGELI, 2005).
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro já decidiu em favor da aplicação do
latrocínio tentado quando ocorre homicídio consumado e subtração tentada, pois entende que o
art. 14 do CP deve incidir sobre a pena a diminuição aplicada ao crime tentado (TJRJ - AC -
Rel. Cláudio Vianna de Lima - RT 515/424).

C) Guto cometeu o crime de homicídio qualificado consumado


Uma parcela minoritária da doutrina acredita que no caso de Guto, onde ocorre
homicídio consumado e subtração tentada, acontece, na verdade, homicídio qualificado.
Segundo Nelson Hungria (1956), a solução mais razoável para o caso seria aplicação exclusiva
da pena mais gravosa, considerando os crimes separados, ou seja, homicídio qualificado
consumado, ficando abstraída a pena advinda do crime menos grave.

2.3 Descrição dos critérios e valores:

- Crime de Latrocínio: É um crime derivado do crime de roubo, em que o homicídio é o


crime-meio, admitindo casos em que decisões apoiaram latrocínio consumado e tentado;
- Homicídio Qualificado: É o crime doloso que apresenta algumas circunstâncias capazes de
tornar sua pena mais grave;
- Teoria do Ablatio: É uma teoria que afirma que a consumação do crime de roubo se dá
quando o sujeito remove o objeto que se pretende subtrair para o local destinado.
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REFERÊNCIAS

BRASIL. Decreto-Lei nº 2848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal.

BRASIL. LEI Nº 13.964, DE 24 DE DEZEMBRO DE 2019. Aperfeiçoa a legislação penal e


processual penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-
2022/2019/lei/L13964.htm. Acesso em 18 set. 2023.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – Parte Especial. V.2. 3 ed. São Paulo: Saraiva,
2004. p.398.

HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal. Volume VII, 3. Ed., Rio de Janeiro:
Forense, 1956

MELLO, Sebástian Borges de Albuquerque. Latrocínio tentado: o lógico x o axiológico. Jus


Navegandi, Teresina, a. 7, n. 65, mai. 2003.

PESSOA, Fátima; MOREIRA, Hélio. DISCURSO E ENUNCIAÇÃO NO CONTEXTO DE


TRABALHO JURÍDICO PENAL: A SÚMULA 610-STF. Lingüística, v. 38, n. 1, p. 105-
122, 2022. Disponível em: http://www.scielo.edu.uy/scielo.php?pid=S2079-
312X2022000100105&script=sci_arttext. Acesso em: 18 set. 2023.

TJRJ - AC - Rel. Cláudio Vianna de Lima - RT 515/424

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