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AS MELHORES

ANÁLISES
JURÍDICAS
DOS ÚLTIMOS
12 MESES.

DIREITO PENAL
APLICADO À VIDA REAL -
ALEXANDRE ZAMBONI.

1.
ANÁLISE 1

EM ALTO PARAÍSO DE GOIÁS,


PROFESSORA AFIRMA TER
SIDO DEMITIDA APÓS TER
FOTOS ÍNTIMAS SUAS
VAZADAS POR ALUNOS.

Segundo notícias (fonte: G1), a professora de história Bruna Flor de Macedo


Barcelos afirmou que teve fotos em que ela estava nua vazadas por estudantes
após eles acessarem pastas privadas do celular pessoal dela.

Após o ocorrido, a professora foi demitida da Escola na qual lecionava.

“Me senti violada, violentada. Na sequência, a gestão da escola criou um


ofício dizendo que os estudantes se sentiam constrangidos de assistirem às
minhas aulas por terem visto minha foto nua. Uma inversão de quem foi
vítima na situação”, disse a professora.

Bruna explicou que emprestou o aparelho para que os alunos pudessem tirar
fotografias de um evento escolar que, posteriormente, seriam usadas em uma
atividade pedagógica.

No entanto, eles acessaram pastas particulares e compartilharam as imagens


com os demais colegas.

Sobre o caso, ALGUNS esclarecimentos JURÍDICOS:

Questões trabalhistas à parte quanto a demissão da professora (sou um ASNO


em Direito do Trabalho), irei me ater ao aspecto jurídico-criminal do fato.

Partindo da premissa de que os estudantes possuem idades inferiores a 18


anos, não há que se falar em cometimento de CRIME, no máximo ato
infracional análogo a crime (art. 103 do ECA).

2.
ANÁLISE 1

Quanto à tipificação do ocorrido, enxergo, clarividentemente o tipo penal do


artigo 218-C do Código Penal, haja vista que divulgaram, sem consentimento,
imagens da vítima em situação de nudez.

Daí, há ato infracional análogo ao crime de divulgação não autorizada de


“nudes” (art. 218-C do Código Penal c/c art. 103 do ECA).

Quanto ao acesso das fotos privadas dela no smartphone, pode-se cogitar do


tipo penal previsto no art. 154-A do Código Penal.

Eis o que ele diz (negritei e sublinhei as partes aplicáveis ao caso em comento):

“Invadir dispositivo informático de uso alheio, conectado ou não à rede de


computadores, com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou
informações sem autorização expressa ou tácita do usuário do dispositivo ou
de instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita.”

“Alexandre, mas ela entregou o aparelho desbloqueado para eles”.

Não importa, sobretudo quando interpretamos o tipo penal à luz do bem


jurídico que ele tutela: a inviolabilidade de segredos, espécie do gênero direito
à privacidade.

Ou seja: por mais que ela tenha dado o aparelho desbloqueado para eles, pela
versão dela não houve autorização para que eles acessassem pastas de
arquivos privados.

Assim, a meu ver, o acesso a arquivos não autorizados em dispositivo


informático (smartphone) é conduta apta a configurar a conduta de INVADIR.

Em suma, portanto, enxergo a existência dos seguintes atos infracionais


análogos a crime: artigos 218-C e 154-A, ambos do Código Penal, c/c art. 103
do ECA.

3.
ANÁLISE 2

ALGUNS ESCLARECIMENTOS
JURÍDICOS ACERCA DA
PRISÃO DOS MANDANTES
DO HOMICÍDIO DE
MARIELLE FRANCO.

Segundo notícias, por ordem do Ministro Alexandre de Moraes, três pessoas


foram presas em decorrência do descobrimento da resposta a uma das
perguntas mais famosas dos últimos anos:

"Quem mandou matar Marielle?"

Bom, vamos por partes:

1) FINALMENTE, QUEM MANDOU MATAR MARIELLE?

Um dos executores do crime (Ronnie Lessa), em acordo de delação premiada,


entregou às autoridades os nomes dos mandantes do assassinato da então
vereadora.

Segundo a delação, os mandantes foram:

DOMINGOS BRAZÃO, atual Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio


de Janeiro e CHIQUINHO BRAZÃO, deputado federal eleito pelo estado do Rio
de Janeiro.

2) ALÉM DELES, MAIS ALGUÉM FOI PRESO?

Sim, um delegado de polícia chamado Rivaldo Barbosa.

Segundo a investigação, ele "combinou" de não investigar o caso.

4.
ANÁLISE 2

3) POR QUE O CASO ESTÁ NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL?

Como um dos envolvidos é Deputado Federal, é consabido que parlamentares


do Congresso Nacional (deputados federais e senadores) possuem foro por
prerrogativa de função no STF (art. 102, I, "b", da Constituição Federal).

Ocorre que o próprio STF decidiu, em plenário, o seguinte:

"O foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos
durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas."
(STF. Plenário. AP 937 QO/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em
03/05/2018, informativo 900).

Assim, considerando que o atual Deputado Federal Chiquinho Brazão era, à


época do crime, um VEREADOR, o foro por prerrogativa perante o STF não
deveria se aplicar a ele (segundo as regras estabelecidas pelo próprio
Supremo Tribunal Federal).

"Alexandre, isto significa, então, que o caso deveria estar na Justiça comum
em 1ª instância?"

Não, por um simples detalhe:

Este entendimento do STF somente vale para cargos ELETIVOS (deputados,


senadores, prefeitos, governadores).

Para outros cargos (magistrados, membros do ministério público, ministros do


STF e STF), o foro é absoluto, ou seja, não importa se o fato se deu em época na
qual o sujeito não detinha o cargo, tampouco importa se o fato tem ou não
tem a ver com a função.

Exemplos:

- Se um sujeito que hoje é Deputado Federal roubou alguém na época que


não era Deputado Federal, o foro dele perante o STF não será aplicado;

- Se um sujeito que hoje é Desembargador roubou alguém na época que não


era Desembargador, o foro dele perante o STJ será aplicado;

Daí, ocorre que o STJ entende que este mesmo raciocínio aplicado aos
magistrados, membros do ministério público, ministros do STF e STF, também
se aplica aos CONSELHEIROS DE TRIBUNAIS DE CONTAS:

5.
ANÁLISE 2

"As mesmas garantias e prerrogativas outorgadas aos Desembargadores dos


Tribunais de Justiça devem ser estendidas aos Conselheiros estaduais e
distritais, no que se inclui o reconhecimento do foro por prerrogativa de
função durante o exercício do cargo, haja, ou não, relação de causalidade
entre a infração penal e o cargo." (STJ. Corte Especial. AgRg na Rcl
42.804/DF, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 16/8/2023, informativo 783).

Assim, como Domingos Brazão é conselheiro do TCE/RJ, o foro perante o STJ


(art. 105, I, "a", da Constituição Federal) se aplica independentemente de se na
época do fato ele detinha ou não esse cargo e se o crime teria ou não a ver com
as funções.

Daí, interpretando a súmula 704 do STF, tudo isso deveria estar no STJ (por
causa do Domingos e o resto iria com ele para lá), não no STF, haja vista que,
em que pese um dos envolvidos ser Deputado Federal, este não ostentava
esse cargo na época do crime.

4) QUAL O MOTIVO DO CRIME?

Segundo apontam as investigações, o crime teria a ver com a atividade de


expansão das milícias no Rio de Janeiro.

O filme Tropa de elite 2 está se mostrando bem atual, né?

(Não resisti, ao ler tudo só lembrei do filme)

5) DELAÇÃO PREMIADA (CHAMAMENTO DE CORRÉU).

Eu sei que não são poucas as críticas direcionadas a este instituto.

Mas não há como negar que, SE BEM UTILIZADO E COM RESPEITO ÀS NORMAS
LEGAIS, esse instituto do "Direito Premial" tem potencial para ser um aliado
importantíssimo na obtenção de prova em situações demasiadamente
complexas, como se mostra este caso da Marielle.

O crime, sobretudo o organizado, cada vez mais se especializa no sentido de


conseguir, quase sempre, ficar a "10 passos à frente do Estado".

Assim, a meu ver, a delação premiada funciona como uma importante arma
(repito: desde que bem utilizada e com respeito às normas legais) para o
Estado conseguir chegar em núcleos nos quais as técnicas tradicionais de
investigação não chegariam.

6.
ANÁLISE 2

Na história do mundo, vários são os exemplos de utilização de mecanismos


como o da delação premiada em situações complexas, a exemplo:

- Estados Unidos: este instituto foi bastante utilizado durante uma dura
batalha travada contra o crime organizado (plea bargain);

- Na Itália: este instituto foi utilizado com êxito no combate às máfias


(pattegiamento).

Eu, Alexandre Zamboni, sou A FAVOR do instituto da delação premiada, DESDE


QUE esta se dê de forma correta, sem extorsão estatal, e com respeito aos
requisitos e fins buscados pela lei, sobretudo quanto à análise criteriosa da
credibilidade e fidedignidade das informações prestadas pelo delator.

7.
ANÁLISE 3

SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL X CONGRESSO
NACIONAL X "PEC DAS
DROGAS".
Vamos a ALGUNS esclarecimentos JURÍDICOS:

Bom, vamos por partes:

Como é amplamente sabido, o STF está julgando uma ação cujo resultado está
pendendo para que haja uma descriminalização da conduta de PORTE e/ou
POSSE de "maconha" para consumo pessoal.

Em suma, para passar a considerar ATÍPICA a conduta prevista no artigo 28 da


Lei 11.343/06.

A bem da verdade, a posição ora dominante no âmbito do STF é para que tal
"descriminalização" ocorra tão somente quando a conduta se dê em relação à
maconha.

Basicamente, a posição ora vencedora diz o seguinte:

Se a conduta do artigo 28 da Lei 11.343/06 tiver como objeto material


MACONHA, o fato é atípico;

Lado outro, se a conduta do artigo 28 da Lei 11.343/06 tiver como objeto


material QUALQUER OUTRA DROGA (cocaína, ecstasy, crack, etc), o fato
continua criminoso.

Entendido até aqui? Se sim, prossigamos.

Considerando que compete ao Poder Legislativo (Congresso Nacional) legislar


e compete ao Poder Executivo (ANVISA) dizer quais substâncias são "drogas" e
quais não são, criou-se o sentimento de que o STF estaria usurpando a
competência de outros poderes.

Em CLARA REAÇÃO, o Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, apresentou


uma PEC (proposta de emenda à constituição), com o seguinte texto, a ser
inserido no corpo do artigo 5º da Constituição Federal:

"A lei considerará crime a posse e o porte, independentemente da


quantidade, de entorpecentes ou drogas afins sem autorização ou em
desacordo com determinação legal ou regulamentar, observada a distinção
entre o traficante e o usuário, por todas as circunstâncias fáticas do caso
concreto, aplicáveis a este último penas alternativas à prisão e tratamento
contra dependência”.
8.
ANÁLISE 3

Ou seja: a intenção é a de inserir um MANDADO CONSTITUCIONAL EXPLÍCITO


DE CRIMINALIZAÇÃO.

A Constituição Federal não pode criminalizar condutas (quem faz isso é lei),
mas pode mandar que o poder legislativo criminalize (mandado constitucional
de criminalização).

Exemplo: as condutas que configuram crime de racismo não foram


tipificadas pela Constituição, mas ela mandou o Poder Legislativo tipificar
(art. 5º, XLII), que o fez por intermédio da Lei 7.716/89.

Para essa PEC ser aprovada, ela precisa passar por dois turnos de votação no
plenário do Senado, seguir para a Câmara, onde também vai tramitar pela CCJ,
comissão especial e outras duas votações no plenário.

Uma PEC, ao contrário de uma LEI, não precisa de sanção presidencial (logo
não tem como haver veto presidencial), o próprio Congresso Nacional a
promulga e publica, ocasião em que ela começa a valer.

A meu ver, entretanto, essa questão da maconha é somente um pretexto para


algo bem mais profundo.

O que está ocorrendo na minha opinião, é um claro exemplo do que a história


mundial já presenciou muitas vezes: a politização da justiça.

Em apertada síntese, não é de hoje que há uma impressão maciça de que o


órgão máximo do Poder Judiciário estaria utilizando seus poderes para legislar
no lugar do Parlamento.

Só que há um enorme PORÉM nesse movimento por parte do Congresso


Nacional.

As emendas constitucionais nascem por intermédio de algo que se conhece por


"poder constituinte derivado reformador".

Esse poder constituinte derivado reformador foi criado pelo poder


constituinte originário para possibilitar que, com o passar do tempo, houvesse
mecanismos para acrescer, modificar ou suprimir normas constitucionais sem
que para isso tivéssemos que trocar a Constituição como um todo.

Só que, ao contrário do Poder Constituinte Originário (que levanta uma


constituição nova), o Poder Constituinte Derivado Reformador possui uma
série de limitações, que foram impostas pelo próprio PCO (poder constituinte
originário).

9.
ANÁLISE 3

Por exemplo, são PROIBIDAS emendas constitucionais que tendam a abolir ou


restringir:

- a forma federativa de Estado;

- o voto direto, secreto, universal e periódico;

- a separação dos Poderes;

- os direitos e garantias individuais.

E, ainda, existe possibilidade de que uma emenda constitucional SEJA


DECLARADA INCONSTITUCIONAL.

E a quem competiria declarar a inconstitucionalidade de uma emenda


constitucional?

Ao STF.

O STF já assentou o entendimento de que é admissível a ação direta de


inconstitucionalidade de emenda constitucional, quando se alega, na inicial,
que esta contraria princípios imutáveis ou as chamadas cláusulas pétreas da
Constituição originária (art. 60, § 4º, da CF). Precedente: ADI 939 (RTJ 151/755).

Vejamos, ainda:

"As normas de uma Emenda Constitucional, emanadas, que são, de


constituinte derivada, podem, em tese, ser objeto de controle, mediante ação
direta de inconstitucionalidade, pelo Supremo Tribunal Federal, quando
confrontadas com normas elaboradas pela Assembléia Nacional
Constituinte (originária) (art. 102, I, a)” (Ementa da Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 926-5 - DF)."

"Uma Emenda Constitucional, emanada, portanto, de Constituinte derivada,


incidindo em violação à Constituição originária, pode ser declarada
inconstitucional, pelo Supremo Tribunal Federal, cuja função precípua é de
guarda da Constituição (art. 102, I, a, da CF)” (Ementa da ADIN nº 939-7 –
DF)."

Ou seja: ainda que esta "PEC DAS DROGAS" seja aprovada, promulgada e
publicada pelo Congresso Nacional, algum dos legitimados à propositura de
uma ADI (ação direta de inconstitucionalidade) poderão propô-la perante o
STF, o qual poderá julgá-la procedente e declarar como inconstitucional essa
emenda constitucional pretendida pelo Presidente do Senado.

10.
ANÁLISE 4

EM SÃO PAULO, POLICIAL


CIVIL USA VIATURA PARA
LEVAR ESPOSA A UM JANTAR
E VEÍCULO ACABA SENDO
FURTADO!
Ê Braaaasil!

Segundo notícias (fonte: CNN), um investigador da Polícia Civil de São Paulo


utilizou uma viatura da corporação para levar a esposa para jantar em
comemoração ao dia das mulheres e o veículo foi furtado.

O policial chegou a registrar um boletim de ocorrência no 1° Distrito Policial de


Guarulhos, relatando o furto da viatura descaracterizada, com placas
reservadas e descreveu que equipamentos como rádio, sirene, além do
distintivo de investigador foram levados.

Sobre o caso, ALGUNS esclarecimentos JURÍDICOS:

Em primeiro lugar, quero destacar que o policial NÃO praticou CRIME algum
com relação ao USO do CARRO.

A conduta dele é doutrinariamente considerada como sendo um "peculato de


uso".

Nessa conduta, o agente público não pega a coisa pública para dela se
apropriar, mas sim para USAR e depois devolver.

Contudo, tal conduta NÃO é considerada criminosa.

A única situação na qual um peculato de uso é considerado crime se dá quando


quem o pratica é PREFEITO (art. 1º, II, do Decreto-Lei n.° 201/67).

Agora dizer que tal conduta não é criminosa não é sinônimo de dizer que ela é
correta.

Muito ao contrário disso, aliás.

Além de configurar transgressão disciplinar no âmbito do direito


administrativo, há possibilidade de configuração de ato de improbidade
administrativa no âmbito cível.

Isso com relação ao uso do CARRO, beleza?

Com relação ao uso da gasolina, há entendimentos no sentido de que é


possível a configuração do crime de peculato, mas isso não é pacífico.
11.
ANÁLISE 5

JURISPRUDÊNCIA
IMPORTANTÍSSIMA PARA A
ADVOCACIA CRIMINAL.
Já se prepara para enviar este post para todos/as advogados/as
criminalistas que você conhece!

Olha, no tocante ao cumprimento de mandados judiciais de violação domiciliar,


a Constituição sempre foi clara:

Somente pode ocorrer durante o período diurno.

Diz a Constituição (grifo meu), no artigo 5º, inciso XI:

“A casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem


consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou
para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”

Ocorre que POR MUITO TEMPO nunca tivemos horários estabelecidos para
que soubéssemos quando é DIA e quando é NOITE.

Daí, em 2019, a Lei nº 13.869 nos trouxe, no artigo 22, § 1º, III, tais horários.

Dia: 5h às 21h.

Noite: 21h às 5h.

Contudo, a 6ª turma do STJ decidiu, à unanimidade, o seguinte:

"Embora não configure o crime de abuso de autoridade, mesmo que


realizada a diligência depois das 5h e antes das 21h, continua sendo ilegal e
sujeito à sanção de nulidade cumprir mandado de busca e apreensão
domiciliar se for noite."

(Processo em segredo de justiça, Rel. Ministra Laurita Vaz, Rel. para acórdão
Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por maioria, julgado em
5/12/2023, DJe 15/12/2023)

Ou seja: cumprimento de mandado de busca e apreensão domiciliar às 20h


(exemplo), embora NÃO configure CRIME de abuso de autoridade, é diligência
ILEGAL.

Por que?

Porque 20h tá escuro (é noite).

Assim, por este entendimento, as buscas e apreensões domiciliares somente


podem ocorrer enquanto o céu estiver claro (é dia).
12.
ANÁLISE 6

AGULHADAS NO CARNAVAL.

Fernanda (nome fictício), de 18 anos, conta que estava aproveitando o carnaval


de Olinda quando sentiu uma "queimação" no braço.

No dia seguinte, ela precisou fazer exames de sangue para HIV e hepatite.

Isso não foi um caso isolado.

Segundo notícias, no carnaval de 2024 dezenas de foliões denunciaram terem


levado "agulhadas" nas festas no Recife e em Olinda.

Eles foram atendidos no Hospital Correia Picanço, na Tamarineira, na Zona


Norte do Recife, onde passaram por protocolos de saúde por causa do risco de
infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), como hepatite e HIV, vírus
causador da Aids.

Como um ataque assim é feito de forma rápida, para que a vítima não veja
quem fez, não se sabe o que tinha nas agulhas, nem se elas estavam
contaminadas com algum vírus.

(Fontes: G1 e UOL)

Sobre o caso, ALGUNS esclarecimentos JURÍDICOS:

Essa prática das "agulhadas", também conhecida como "carimbadas" é triste e


antiga.

Do ponto de vista jurídico-criminal, a responsabilidade pode vir a ser branda e


a dificuldade probatória é imensa.

A dificuldade probatória é imensa porque é muito difícil a identificação dos


autores das agulhadas, considerando o modus operandi (muito rápido e em
aglomerações) e o instrumento utilizado (minúsculo).

A responsabilidade, caso encontrem os autores, pode vir a ser branda pelo


seguinte:

Caso não haja algo maléfico a ser transmitido, o crime é lesão corporal de
natureza leve (art. 129, caput, do Código Penal), cuja pena prevista é
detenção, de 3 meses a 1 ano.

13.
ANÁLISE 6

Caso haja algo maléfico e grave a ser transmitido, não tendo havido o efetivo
contágio, o crime é perigo de contágio de moléstia grave (art. 131 do Código
Penal), cuja pena prevista é reclusão, de 1 a 4 anos, e multa.

Caso tenha havido o efetivo contágio, depende do que foi efetivamente


transmitido.

Se foi HIV, por exemplo, o crime é lesão corporal de natureza gravíssima, pois
se trata de lesão à saúde que ocasionou enfermidade incurável (art. 129, § 2º,
II, do Código Penal), cuja pena prevista é reclusão, de 2 a 8 anos.

Caso tenha havido o contágio de algo que venha a levar a vítima à morte, o
crime seria lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3º, do Código Penal),
cuja pena prevista é reclusão, de 4 a 12 anos.

14.
ANÁLISE 7

ESCLARECIMENTOS
JURÍDICOS SOBRE A
CONDENAÇÃO DE DANIEL
ALVES.
Vamos por partes:

1) QUANTO A CONDENAÇÃO EM SI.

- Como é amplamente sabido, Daniel Alves foi CONDENADO pela prática dos
crimes de agressão sexual (lá na Espanha o nome do crime é esse) e lesão
corporal leve.

- A pena que lhe foi imposta foi 4 anos e 6 meses de prisão no tocante ao crime
de agressão sexual e quanto ao crime de lesão corporal leve a pena foi
pecuniária: pagar uma multa de 9 mil euros, mediante o depósito de 150 euros
diários durante dois meses.

- Para ALÉM destas penas, impuseram uma vigilância de 5 anos após este
cumprir sua pena e, ainda, condenaram-no a pagar uma indenização de mais
de 150 mil euros à vítima.

- Obviamente, Daniel PODE e IRÁ recorrer.

- Ele tem direito a dois recursos: primeiro, recorre ao Tribunal Superior de


Justiça da Catalunha (TSJC); se mantida a condenação, em tese, ele poderá
recorrer ao Supremo Tribunal da Espanha.

- Segundo o noticiado, ele irá aguardar PRESO a interposição e julgamento dos


recursos que vierem a ser interpostos.

- Na Espanha, a conduta descrita adequa-se ao artigo 179 do Código Penal


Espanhol (agresión sexual), cuja redação é a seguinte:

"Cuando la agresión sexual consista en acceso carnal por vía vaginal, anal o
bucal, o introducción de miembros corporales u objetos por alguna de las dos
primeras vías, el responsable será castigado como reo de violación con la
pena de prisión de cuatro a doce años."

Tradução:

"Quando a agressão sexual consistir em acesso carnal pela via vaginal, anal
ou oral, ou introdução de membros do corpo ou objectos por uma das duas
primeiras vias, o responsável será punido como recluso de violação com pena
de prisão de quatro a doze anos."

15.
ANÁLISE 7

- Ou seja: o jogador está sujeito, em tese, ao apenamento previsto neste artigo


179 do Código Penal Espanhol, cuja pena prevista é prisão de 4 a 12 anos.

- A ACUSAÇÃO queria uma pena de 9 anos de prisão, logo a condenação de 4


anos e 6 meses ficou bem distante do que a acusação queria.

- A pena sofreu diminuição, não pela embriaguez alegada pelo jogador (como
muitos supuseram que seria, conforme prevê a lei espanhola), mas sim porque
"antes do julgamento, a defesa depositou na conta do tribunal a quantia de
150.000 euros para ser entregue à vítima independentemente do resultado
do julgamento”, e esse fato expressa, segundo o tribunal, “uma vontade
reparadora”.

- Após o trânsito em julgado da condenação, não havendo modificação, inicia-


se a fase de execução da pena. Ainda há um detalhe a ser considerado: o
tempo que ele está preso preventivamente será abatido da pena a ser
cumprida (detração). Além disso, ele tem direito a progredir de regime.

- Ainda quanto ao mérito da condenação, a juíza sentenciante escreveu:

“O acusado agarrou bruscamente a denunciante, derrubou-a no chão e,


impedindo-a de se mover, penetrou-a vaginalmente, apesar de a
denunciante dizer que não, que queria ir embora". E entende que com isso se
configura a ausência de consentimento, com o uso de violência e com acesso
carnal. Para a existência de agressão sexual não é necessário que ocorram
lesões físicas, nem que haja uma oposição heroica por parte da vítima em
manter relações sexuais.”

2) EXISTE POSSIBILIDADE DE DANIEL ALVES CUMPRIR ESTA PENA NO


BRASIL?

Existir, EXISTE.

Há um instituto de Direito Internacional Público denominado de


TRANSFERÊNCIA DE PESSOAS CONDENADAS (TPC).

Este instrumento possui uma finalidade eminentemente humanitária: a de


permitir que pessoas condenadas definitivamente (sem mais possibilidades
de recurso) em um outro Estado soberano (país) possam cumprir a sua pena
no país de sua nacionalidade ou com o qual tenha vínculo pessoal ou
residência.

Para que isto tenha chance de acontecer, a pessoa condenada (no caso em
comento, o Daniel Alves) precisa externar, de forma expressa, a vontade de
cumprir sua pena no país de sua nacionalidade ou com o qual tenha vínculo
pessoal ou residência.

16.
ANÁLISE 7

No pedido (a ser feito à Espanha), segundo a Lei 13.445/17, faz-se necessário,


então, demonstrar cabalmente:

1) o vínculo do condenado (Daniel Alves) com o Estado Soberano para o qual


pleiteia a transferência (Brasil);

2) o trânsito em julgado da sentença que o condenou na Espanha;

3) a pena a ser cumprida precisa ser de no mínimo um ano na data da


apresentação do pedido ao Estado da condenação (o pedido é feito,
portanto, à Espanha);

4) precisa haver dupla tipicidade (ou seja, o crime pelo qual ele foi
condenado - 3stupro - precisa também ser considerado crime aqui no Brasil.
Sabemos que é);

5) precisa haver expressa anuência da condenada em ser transferida para


cumprir sua pena em seu país (Brasil)

E o MAIS importante:

6) Precisa haver a concordância de ambos os Estados Soberanos (no caso


que ora se comenta, Espanha e Brasil).

Sobre este requisito de número 6, sou obrigado a afirmar que a Espanha PODE
conceder o pedido, mas NÃO É OBRIGADA a conceder.

Concede SE quiser.

“Alexandre, e como seria feito este pedido à Espanha?”

Segundo o Ministério da Justiça Brasileiro, é o seguinte:

Primeiro: o brasileiro condenado precisa (por si próprio ou por meio de um


representante) pedir isso à autoridade competente no exterior ou diretamente
ao DRCI/SNJ (por exemplo, com o envio de carta ou e-mail).

Segundo: após analisar se o pedido atende aos requisitos formais (os 6 que
escrevi alhures), o DRCI/SNJ verificará se existe vaga em estabelecimento
prisional brasileiro que fique próximo aos familiares da condenada ou da
residência habitual dele.

(Observação: DRCI/SNJ significa “Departamento de Recuperação de Ativos e


Cooperação Jurídica Internacional da Secretaria Nacional de Justiça”)

17.
ANÁLISE 7

Terceiro: havendo esta vaga, será requerida a anuência do Estado da


condenação (Espanha) para se efetivar a TPC (transferência de pessoas
condenadas), com base em tratado bilateral ou multilateral do qual o Brasil
seja parte OU, na ausência deste tratado, mediante promessa de
reciprocidade (que o Brasil fará a mesma coisa por um espanhol se este vier a
estar, em solo brasileiro, na mesma situação que ele).

Se a ESPANHA aceitar mandar ela ao Brasil para cumprimento da pena que lhe
foi imposta, a execução desta pena seria de competência da Justiça Federal
(art. 105, § 1º da Lei 13445/17) e, como regra, seria utilizada a lei de execução
penal brasileira com relação ao cumprimento da pena.

Aqui, frise-se: o fato não poderia ser rediscutido no Brasil, este (o Brasil)
atuaria como mero Estado executor da condenação oriunda da Espanha.

18.
ANÁLISE 8

NA CIDADE DE TOLEDO/PR,
MULHER TIRA A BLUSA E
ESGUICHA LEITE MATERNO
EM POLICIAIS.
Minha gente, a gente morre e não vê tudo.

Entendamos o caso:

Segundo notícias (fonte: @plantao190), a Polícia Militar (PM) foi acionada para
investigar relatos de disparos de arma de fogo nas imediações de uma
conveniência local em Toledo no Paraná.

De acordo com informações recebidas pelo Centro de Operações Policiais


Militares (COPOM), o autor dos disparos estaria vestindo calção jeans,
camiseta azul e boné preto, acompanhado de uma mulher com saia branca e
top rosa, em um Chevrolet Celta.

Após patrulhamento na região, a equipe policial localizou um veículo


correspondente às características.

Ao retornarem ao local da conveniência, depararam-se com um casal que


coincidia com as descrições fornecidas.

Uma abordagem foi realizada, durante a qual a mulher desobedeceu


repetidamente às ordens policiais, agindo de forma rude.

Após identificação, uma busca pessoal foi conduzida no indivíduo masculino,


resultando na descoberta de objetos pessoais, incluindo uma chave do veículo
Chevrolet.

Questionados sobre sua presença no local, alegaram ter vindo de Uber do


distrito de Bragantina para se divertir em Toledo.

A posse da chave levantou suspeitas, levando a equipe a testá-la no veículo


Celta previamente localizado, onde um revólver calibre .38 foi encontrado
escondido sob o tapete do banco do motorista.

Durante a busca no veículo, a mulher tirou a blusa para fora deixando o seio à
mostra e, apertando-o, disparou jatos de leite (!!!!) nos policiais.

Durante o interrogatório, a mulher assumiu a responsabilidade pelos disparos,


afirmando ser a proprietária do veículo e da arma encontrada.

No entanto, testemunhas contradizem sua versão, afirmando que o homem foi


quem efetuou os disparos e portava a arma.

19.
ANÁLISE 8

Sobre o caso, ALGUNS esclarecimentos JURÍDICOS:

Há MUITAS informações jurídicas interessantes para explorarmos aqui.

Vou, por fins didáticos, dividir em partes, beleza?

1) É NECESSÁRIO MANDADO JUDICIAL PARA BUSCA VEICULAR?

Como regra, a busca em veículo é equiparada à busca pessoal e não precisa de


mandado judicial para a sua realização.

Segundo o artigo 244 do Código de Processo Penal, a busca pessoal


independerá de mandado, quando houver fundada suspeita de que a pessoa
esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam
corpo de delito.

Ou seja: havendo fundada suspeita a busca é permitida independentemente de


mandado judicial.

Obviamente, eventual arbitrariedade ou abuso de poder por parte do agente


público poderá ser objeto de medida correcional ou judicial.

Meu conselho: filme toda e qualquer diligência de busca veicular (sim, a


filmagem de agentes públicos é permitida).

2) DESOBEDECER ORDEM POLICIAL É CRIME?

Sim, configura crime de desobediência (art. 330 do Código Penal), cuja pena
prevista é detenção de 15 dias a 6 meses + multa.

3) QUAL CRIME HÁ EM ESGUICHAR LEITE MATERNO EM UM POLICIAL?

A meu ver, há crime de desacato (art. 331 do Código Penal), cuja pena prevista
é detenção de 6 meses a 2 anos, ou multa.

Quanto ao crime de desacato em si, temos a sua prática quando há, por parte
do agente, uma atitude (verbal ou gestual) de menosprezar, menoscabar,
achincalhar, aviltar ou humilhar um funcionário público que está no exercício
da função (in officio) ou até fora dela, mas desde que, neste último caso, o ato
se dê em razão dela (propter officium).

O ato de desacatar pode se dar por via verbal, via gestual (mostrar o dedo do
meio, a famosa “dedada”) e também por ato físico (por exemplo, cuspir na
cara, jogar um papel no rosto, etc).

Assim, esguichar leite materno nos policiais, com intenção de desrespeito,


equivaleria a um "cuspe" (não estou dizendo que o leite materno tem o mesmo
valor que um cuspe, estou equiparando a forma de conduta).

20.
ANÁLISE 8

Outra informação importante: no crime de desacato, a vítima é o Estado, não


o/s funcionário/s público/s contra o/s qual/is foi desferida a ofensa.

Isto é importante sabermos, porque se no crime de desacato a vítima fosse o


funcionário público, haveria tantos crimes de desacato quanto o número de
funcionários públicos ofendidos dentro de um mesmo contexto.

Exemplo: se o sujeito desacatasse 3 policiais militares, haveria 3 crimes de


desacato.

Porém, como a vítima no crime de desacato é o Estado, o agente só comete um


crime de desacato, ainda que, dentro de um mesmo contexto, tenha
desacatado vários policiais.

Exemplo: ainda que o sujeito desacate 3 policiais militares, há apenas 1 crime


de desacato.

E se a vítima no crime de desacato é o estado, os policiais militares são o quê?


São testemunhas.

Isto é relevante? Muito.

Se fossem vítimas, não estariam sujeitos a cometer crime de falso testemunho


(art. 342 do Código Penal), caso mentissem em depoimento.

Como testemunhas, porém, caso mintam em depoimento, cometem crime de


falso testemunho.

4) CASO A MULHER TENHA REALMENTE ASSUMIDO, FALSAMENTE, A CULPA,


HÁ CRIME POR PARTE DELA?

Sim, há o crime de autoacusação falsa (art. 341 do Código Penal), cuja pena
prevista é detenção de 3 meses a 2 anos, ou multa.

Neste crime, a pessoa faz uma falsa confissão: ela se acusa, perante a
autoridade, de crime inexistente ou praticado por outrem.

5) QUAL CRIME NO CASO DE DISPAROS DE ARMA DE FOGO?

O crime previsto no artigo 15 da Lei 10.826/03, cuja conduta incriminada é a


seguinte:

"Disparar arma de fogo ou acionar munição em lugar habitado ou em suas


adjacências, em via pública ou em direção a ela, desde que essa conduta não
tenha como finalidade a prática de outro crime."

Pena prevista: reclusão de 2 a 4 anos + multa.

21.
ANÁLISE 8

6) ARMA DE FOGO ENCONTRADA NO INTERIOR DE VEÍCULO, SE ILEGAL,


CONFIGURA CRIME DE PORTE OU POSSE?

Configura PORTE.

Posse se dá APENAS no interior de uma residência, nas dependências desta


(exemplos: quintal, garagem) ou no local de trabalho se você for o titular ou
responsável legal do estabelecimento ou empresa.

Se a arma estiver dentro de um carro e o carro estiver na rua, é PORTE.

Se a arma estiver dentro de um carro e o carro estiver na garagem da


residência da pessoa, é POSSE.

7) O CALIBRE .38 É CONSIDERADO DE USO PERMITIDO, RESTRITO OU


PROIBIDO?

Sendo a arma de calibre .38, o crime é o de porte ilegal de arma de fogo de uso
permitido (art. 14 da Lei 10.826/03), cuja pena prevista é reclusão de 2 a 4
anos + multa.

ATENÇÃO:

Em JULHO de 2023 o calibre 38 passou a ser restrito.

Contudo, em NOVEMBRO de 2023 voltou a ser permitido.

Em suma, hoje (fevereiro de 2024) está, de fato, como calibre permitido.

22.
ANÁLISE 9

CRIANÇA TEM ÓRGÃO


GENITAL DECEPADO PELO
PADRASTO, E FAMÍLIA PEDE
AJUDA PARA TRATAMENTO.
[Alerta de gatilho]

Segundo notícias (fonte: G1), um garoto de 5 anos de idade teve o órgão genital
decepado pelo padrasto, de 26 anos, no município de Canindé, no interior do
Ceará.

O caso foi descoberto após a vítima dar entrada no Hospital Instituto Doutor
José Frota (IJF), em Fortaleza, com o órgão dilacerado e parte dele em um
isopor.

À época, em entrevista ao radialista Davi Oliveira, o delegado Daniel Aragão, da


Delegacia Regional de Canindé, relatou que foi comunicado do crime pelos
profissionais de saúde da unidade, que desconfiaram das versões
apresentadas pela mãe.

"A criança chegou a falar que teria sido o padrasto que fez isso com ele.
Juntando essa informação com outros Boletins de Ocorrência que chegaram
aqui na delegacia, desse mesmo ano de 2023, disponibilizados pela família,
que não concorda com esse tipo de situação. Vimos que essa criança já vinha
sofrendo maus-tratos. Inclusive, no relatório médico apresentou que a
criança tinha cicatrizes recentes e antigas", falou o delegado Daniel Aragão.

O garoto teve o órgão genital reimplantado no mesmo dia em que deu entrada
no hospital e ficou internado na unidade em recuperação.

Porém, agora ele precisa fazer uma cirurgia completa de reconstrução para
ficar sem sequelas.

Atualmente o menino mora com o pai e os irmãos.

A família é humilde e não tem condições de pagar os custos, por isso estão
fazendo uma campanha para arrecadar R$ 150 mil.

Sobre o caso, ALGUNS esclarecimentos JURÍDICOS:

Que história estarrecedoramente triste!

Do ponto de vista jurídico-criminal, o crime cometido pelo padrasto é o de


lesão corporal.

Quanto ao nível, a PERÍCIA precisará responder se houve INUTILIZAÇÃO ou


DEBILIDADE de FUNÇÃO (reprodutora e/ou sexual).
23.
ANÁLISE 9

Tendo ocorrido INUTILIZAÇÃO, seria caso de LESÃO CORPORAL GRAVÍSSIMA


(art. 129, § 2º, inciso III, do Código Penal), cuja pena prevista é reclusão de 2 a 8
anos.

Caso não tenha havido inutilização, mas sim DEBILIDADE permanente, seria
caso de LESÃO CORPORAL GRAVE (art. 129, § 1º, inciso III, do Código Penal),
cuja pena prevista é reclusão de 1 a 5 anos.

Quanto à mãe da criança, esta tinha o DEVER LEGAL (art. 13, § 2º, "a", do
Código Penal) de evitar o fato, DESDE QUE pudesse.

Assim, se constatado que ela podia evitar e não evitou, ela cometeu o mesmo
crime do padrasto, não por ter praticado a ação, mas sim por ter se omitido
quando não poderia ser omissa.

Deste modo, ela responderia pelo crime de lesão corporal (grave ou


gravíssima, como explicado alhures), sendo responsabilizada pela via da
omissão imprópria, na condição de agente garantidora.

24.
ANÁLISE 10

EM JOÃO PESSOA/PB, MÃE E


AVÓ SÃO PRESAS SUSPEITAS
DE FILMAR E VENDER
VÍDEOS DE PORNOGRAFIA
INFANTIL COM MENINA DE 11
ANOS.
Eis um daqueles acontecimentos que são uma verdadeira catástrofe
humanitária.

O fato comentado hoje é estarrecedoramente triste.

É um daqueles casos que faz com que a gente fique alguns % mais descrente
com a humanidade.

[Alerta de gatilho]

Bom, vamos lá:

Segundo notícias, a mãe e a avó de uma adolescente de 13 anos foram presas


suspeitas de filmar e vender vídeos de pornografia infantil com a menina,
que tinha 11 anos à época do crime.

De acordo com o delegado Reinaldo Nóbrega, da Delegacia de Repressão ao


Crime Organizado (Draco) da Paraíba, as investigações da operação
começaram em 2022, após uma denúncia de moradores da comunidade onde
a família mora, no Bairro das Indústrias.

“Por incrível que pareça, com a evolução das investigações, e para espanto
nosso, quem coadunava com esse tipo de situação era a mãe e a avó dessa
criança. Foi deflagrada a primeira fase da operação, no final de 2022, e a
gente apreendeu um equipamento de mídia. A partir da análise dele a gente
chegou até essa segunda fase, com a prisão de seis pessoas”, disse o
delegado.

(Fonte: G1)

Sobre o caso, ALGUNS esclarecimentos JURÍDICOS:

Do ponto de vista jurídico-criminal, o ocorrido é uma verdadeira salada mista


dentro do Código Penal e, principalmente, dentro da parte criminal do Estatuto
da Criança e do Adolescente.

Por motivos óbvios, somente posso tecer comentários acerca das informações
a que tive acesso, ou seja, o que foi noticiado.

25.
ANÁLISE 10

Posso, sim, por motivos didáticos e de liberdade de cátedra, elaborar algumas


conjecturas para ilustrar os mais diversos cenários criminais advindo do caso
em comento.

Vamos por partes:

Com relação às filmagens, há o crime previsto no artigo 240 do Estatuto da


Criança e do Adolescente, cuja pena prevista é reclusão de 4 a 8 anos + multa.

Ambas (mãe e avó da criança) são coautoras deste crime.

Com relação à venda, há o crime previsto no artigo 241 do Estatuto da Criança


e do Adolescente, cuja pena prevista é reclusão de 4 a 8 anos + multa.

Ambas (mãe e avó da criança) são coautoras deste crime.

Como os vídeos eram destinados à satisfação de lascívia alheia, há o crime


previsto no artigo 218 do Código Penal, cuja pena prevista é reclusão de 2 a 5
anos.

A este crime se aplica um aumento de pena de 1/2 porque foi praticado por
ascendentes da vítima e também se aplica um aumento de pena de 1/4 porque
houve concurso de pessoas (art. 226, incisos I e II, do Código Penal).

Ambas (mãe e avó da criança) são coautoras deste crime.

Com relação a quem adquiriu os vídeos, há o crime previsto no artigo 241-B do


Estatuto da Criança e do Adolescente, cuja pena prevista é reclusão de 1 a 4
anos + multa.

Para este delito, a lei criou uma possibilidade de diminuição na pena (1/3 a 2/3)
caso o material adquirido seja de "pequena quantidade", nos termos do artigo
241-B, § 1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Um detalhe importante: aos crimes cometidos contra criança ou adolescente,


não importa em que lei estejam previstos, não se aplica nenhuma disposição
da Lei 9.099/95 (exemplo: suspensão condicional do processo), conforme
preconiza o artigo 226, § 1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Quanto a ANPP (acordo de não persecução penal) em crimes que vitimam


crianças e adolescentes, o tema ainda não está pacificado.

Minha opinião é que este, como regra, não deve ser possível, haja vista o
elevado grau de reprovabilidade de condutas como essas, sob a justificativa de
não ser necessário e suficiente para a repressão e prevenção do crime, a partir
da análise do caso concreto.

26.
ANÁLISE 11

CADELA É MORTA A TIROS


POR POLICIAIS MILITARES
DURANTE ABORDAGEM EM
RESIDÊNCIA EM MG.
Olha, eu perdi as contas de quantas mensagens recebi com pedidos para
comentar este caso.

Foram bastantes (não está como advérbio, logo vai para o plural).

É o que sempre digo: todos têm suas limitações, suas fraquezas, e meu
sentimento por cachorros é uma das minhas fraquezas.

Mas tenho um compromisso maior do que minhas fraquezas: com as pessoas


que me acompanham e que confiam no meu trabalho.

Daí, resolvi comentar este caso.

[ATENÇÃO: ALERTA DE IMAGEM FORTE]

Contexto do caso, segundo o G1:

Uma cadela foi morta a tiros por policiais militares durante uma abordagem
em uma casa no Bairro Leblon, em Uberaba.

A equipe teria recebido denúncias de que aparelhos eletrônicos furtados


estavam sendo comercializados no imóvel, onde o animal, que se chamava
Pandora, morava.

Apenas um jovem de 22 anos estava na residência no momento dos disparos.


O caso foi registrado no dia 26 de dezembro de 2023 e os itens da denúncia
não foram encontrados.

Duas ocorrências foram registradas, uma contando a versão da testemunha e


outra contando a versão dos militares.

O g1 também entrou em contato com os tutores do animal e com a Polícia


Militar (PM).

Sobre o caso, ALGUNS esclarecimentos JURÍDICOS:

Olha, tem muito conteúdo jurídico importante sobre este caso. Irei me ater ao
conteúdo jurídico, independentemente de qualquer outra coisa, beleza?

27.
ANÁLISE 11

Vamos lá.

1) A POLÍCIA PODE ENTRAR EM UMA CASA SEM CONSENTIMENTO DO


MORADOR E SEM ORDEM JUDICIAL?

Aqui, a teoria é linda.

Isto porque a Constituição é clara:

Ela afirma que a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo
penetrar, EXCETO em casos de prestação de socorro, desastre, flagrante delito
ou cumprimento de ordem judicial (neste caso, durante o dia).

Ou seja:

Somente pode haver ingresso dentro da casa de alguém, sem este alguém
permitir, nas seguintes situações:

- Para prestar socorro (em qualquer horário)

- Em caso de desastre (em qualquer horário)

- Para prender em flagrante delito (em qualquer horário)

- Para cumprir ordem judicial (desde que durante o dia, aqui compreende-se
"dia" como sendo o horário entre 5h e 21h, nos termos do artigo 22, § 1º, III, da
Lei 13.869/19)

Compreendido até aqui? Se sim, prossigamos.

"Alexandre, e como os policiais devem interpretar se há ou não uma situação


de flagrância, que autorize ingresso em domicílio independentemente de
mandado e sem consentimento do morador?

Aqui, juro, não quero julgar a dificuldade encontrada pelos policiais quando do
exercício da profissão. Algumas coisas que estudamos na teoria são difíceis de
averiguar na prática.

Contudo, como professor, meu compromisso é com a teoria e com a


jurisprudência dos Tribunais Superiores (STJ e STF).

E quanto à jurisprudência dos Tribunais Superiores, notadamente do STJ,


temos uma tendência bastante (aqui está como advérbio) clara:

O STJ vem endurecendo - e muito! - sua jurisprudência acerca do que pode ser
considerada uma verdadeira identificação de estado de flagrância a fim de
justificar o ingresso domiciliar à revelia do morador.

28.
ANÁLISE 11

Alguns exemplos de quando o STJ considerou como ilícitas situações de


violação domiciliar:

a) Quando a abordagem é motivada por denúncia anônima, sem diligências


prévias (REsp 1.871.856)

b) Quando é motivada por fama de traficante do suspeito (RHC 126.092)

c) Quando é motivada por tráfico praticado na calçada (HC 611.918 e REsp


1.886.985)

d) Quando é motivada por atitude suspeita e nervosismo (HC 561.329)

e) Quando é motivada por cão farejador (HC 566.818)

f) Quando é motivada por perseguição a carro (HC 561.360)

Ou seja: a JURISPRUDÊNCIA é cada vez mais cristalina no sentido de que os


agentes policiais precisam de circunstâncias flagranciais bastante (aqui está
como advérbio) robustas para proceder ao ingresso domiciliar à revelia do
morador.

2) O POLICIAL QUE ATIROU CONTRA A CADELA RESPONDE CRIMINALMENTE


POR ESTE FATO?

A resposta aqui é mais complicada do que parece.

Há dois cenários possíveis: responder ou não responder.

Em tese, sem considerar contextos, se um cachorro me ataca eu posso me


defender (e existe possibilidade que nesta defesa o cachorro morra):

Em estado de necessidade (caso o cachorro tenha atacado por seu próprio


instinto, sem estar sendo usado como arma de uma agressão humana);

ou

Em legítima defesa (caso o cachorro tenha sido instado por um humano,


sendo, neste caso, instrumento da agressão de um humano).

Em ambos os casos, obviamente, há requisitos que devem ser observados para


que se configurem.

Na hipótese de estado de necessidade, isto dependeria de o PM não ter sido o


causador do perigo.

Se foi, ele não pode alegar estado de necessidade em sua defesa.

Na hipótese de legítima defesa, isto dependeria de o PM estar diante de uma


agressão injusta.
29.
ANÁLISE 11

Se estava diante de uma agressão justa, ele não pode alegar legítima defesa em
sua defesa.

Daí, algo será IMPRESCINDÍVEL nesta análise.

A investigação precisará chegar à conclusão de se o ingresso no domicílio por


parte dos PMs foi LÍCITO ou ILÍCITO.

Se foi LÍCITO, o PM não responde pela morte do cachorro, sendo caso de


estado de necessidade ou legítima defesa, a depender do que expliquei alhures
sobre as diferenças entre uma situação (estado de necessidade) e a outra
(legítima defesa).

Se foi ILÍCITO, o PM responde pela morte do cachorro.

Daí, se foi ILÍCITO, averiguaríamos (futuro do pretérito, antigo condicional):

Se o cachorro atacou por seu próprio instinto, não há estado de necessidade


porque o PM deu causa à situação ilícita que ensejou a situação de perigo.

Se o cachorro atacou sendo instado por algum humano, não há legítima defesa
porque o PM, ao dar causa a uma situação ilícita, não estaria diante de uma
agressão injusta, mas sim diante de uma agressão justa.

30.
ANÁLISE 12

EM ATIBAIA/SP, APÓS
DESCOBRIR TRAIÇÃO,
MULHER CORTA PÊNiS DO
MARIDO E O JOGA NA
PRIVADA.
Brasil: streaming que não cobra mensalidade.

Segundo notícias (fonte: metrópoles), uma mulher de 34 anos confessou ter


cortado o pênis do marido e jogado o órgão em uma privada.

Ela se entregou à polícia na sequência.

De acordo com o boletim de ocorrência, a mulher disse à polícia que, no dia do


aniversário dela, descobriu uma traição do marido com uma sobrinha dela de
15 anos de idade.

Em depoimento, ela disse que simulou que teria uma relação sexual com o
marido, amarrou as mãos dele usando uma calcinha e, quando ele estava com
pênis ereto, cortou o órgão usando uma navalha.

Em seguida, a mulher tirou uma foto do pênis e, depois, o jogou dentro da


privada.

Ela deu descarga com a intenção de que o órgão genital não fosse
reimplantado.

Ainda de acordo com o boletim de ocorrência, o homem saiu à procura de


socorro, enquanto a mulher encontrou com o irmão e foi à delegacia de
plantão de Atibaia, onde confessou o crime.

A mulher foi indiciada por tentativa de homicídio.

Sobre o caso, ALGUNS esclarecimentos JURÍDICOS:

Há muita informação jurídica importante para abordar neste caso.

Vamos por partes:

1) CORTAR O PÊNIS DE UM HOMEM É CRIME DE TENTATIVA DE HOMICÍDIO?

Do ponto de vista teórico, somente há crime de tentativa de homicídio quando


há o animus necandi (dolo de matar).

Esse dolo pode ser direto ou eventual, claro.

Na hipótese de tentativa de homicídio, enxergo, em um primeiro momento, as


qualificadoras da dissimulação (art. 121, § 3º, III, do Código Penal) e do recurso
que impossibilitou a defesa da vítima (art. 121, § 3º, IV, do Código Penal).
31.
ANÁLISE 12
Caso, entretanto, tenha havido "somente" animus laedendi (intenção de
lesionar), o crime é de lesão corporal consumada.

Na hipótese de lesão corporal, esta seria gravíssima, por ter ocasionado perda
de membro (art. 129, § 2º, III, do Código Penal), tendo como pena prevista
reclusão de 2 a 8 anos.

Assim, uma das principais teses defensivas para quem for defender esta
mulher PODE ser descartar a intenção homicida.

Mas até isso precisa ser visto com cuidado.

Isso porque se o crime for tentativa de homicídio o julgamento, quando/se


ocorrer, será no TRIBUNAL DO JÚRI, mediante 7 pessoas comuns (jurados).

Caso o crime fosse lesão corporal gravíssima, o julgamento competiria a um


juiz de direito.

E em um caso como esse, considerando o CONTEXTO, não seria impossível uma


absolvição por motivo de CLEMÊNCIA.

Jurados podem absolver alguém por CLEMÊNCIA, um juiz de direito, contudo,


não pode.

2) A APRESENTAÇÃO ESPONTÂNEA NA DELEGACIA IMPEDE A PRISÃO?

Prevalece o entendimento de que a apresentação espontânea de uma pessoa


na Delegacia, após cometimento de um crime, IMPEDE que haja autuação em
flagrante.

Contudo, a apresentação espontânea NÃO IMPEDE que haja prisão


PREVENTIVA, caso haja ordem judicial neste sentido.

3) HÁ CRIME NA RELAÇÃO SEXUAL ENTRE O HOMEM E A ADOLESCENTE DE 15


ANOS DE IDADE?

Se foi consensual, não há crime algum.

Isto porque, no Brasil, a idade para consentimento válido quanto a atos sexuais
é quando a pessoa possui idade igual ou superior a 14 anos.

Caso a pessoa possua idade inferior a 14 anos, quem com ela praticar qualquer
ato sexual comete crime de 3stupro de vulnerável (art. 217-A do Código Penal).

4) A CONFISSÃO DA MULHER TRAZ ALGUM BENEFÍCIO?

Bom, aproveito o ensejo da notícia trazida para escrever algumas informações


bem importantes sobre CONFISSÃO no Direito Criminal:

Conceitualmente e em síntese, podemos associar a confissão ao ato de admitir


ou reconhecer algo, inclusive porque o termo confissão vem do latim confiteri,
que significa, justamente, admitir ou reconhecer.
32.
ANÁLISE 12

Convenhamos, entretanto, que a confissão pode se enquadrar em vários


contextos, com fundamentos distintos e consequências também distintas.

Uma confissão no âmbito de uma terapia (confissão terapêutica), por exemplo,


está associada à ideia de autocrítica, levando a um processo de desconstrução;

Uma confissão perante um padre (confissão religiosa), por exemplo, está


associada à ideia de admitir algum pecado, levando a um perdão divino, aos
que creem;

Uma confissão em um processo penal (confissão criminal), por exemplo, está


associada à ideia de alguém admitir que praticou determinada infração penal,
levando à principal consequência jurídica de uma confissão criminal:
atenuação de pena.

Neste sentido, o Código Penal (art. 65, III, "d") diz que a "confissão sempre
atenua a pena".

Beleza até aqui? Se sim, prossigamos.

Segundo a doutrina, existem vários tipos de confissão.

Alguns dos mais importantes são:

Confissão extrajudicial: quando ocorre fora de um processo criminal (em


Delegacia de Polícia, por exemplo).

Confissão judicial: quando ocorre dentro de um processo criminal, perante um


juiz de direito.

Confissão simples: se dá quando o investigado ou réu confessa tudo que lhe foi
imputado, sem ressalvas.

Exemplo: o sujeito confessa que matou a vítima.

Confissão qualificada: se dá quando o investigado ou réu confessa a prática da


infração penal que lhe é atribuída, contudo adiciona à confissão algum
elemento que exclui o crime ou o isenta de pena.

Exemplo: o sujeito confessa que matou a vítima, mas afirma ter feito isso em
legítima defesa.

Confissão parcial: o investigado ou réu não confessa tudo que está sendo
atribuído, apenas uma parte.

Exemplo: o réu foi denunciado por furto qualificado pelo rompimento de


obstáculo (art. 155, § 4º, I, do CP). Ele confessa a subtração do bem, mas nega
que tenha arrombado a casa.

Confissão retratada: ocorre quando o investigado ou réu confessa a prática do


delito e, posteriormente, se retrata, negando a autoria.
33.
ANÁLISE 12

Exemplo: durante um inquérito policial, Fulano confessa o crime, mas em juízo


volta atrás e se retrata, negando a imputação. Ou seja: o cara confessou na
fase do inquérito policial e em juízo voltou atrás.

Daí, por um tempo, a jurisprudência oscilou, dizendo que a atenuante da


confissão seria cabível em alguns tipos de confissão (a simples, por exemplo),
mas em outros não (a retratada, por exemplo).

Visando dar fim à controvérsia, o STJ editou a súmula 545, que diz:

"Quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do


julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no artigo 65, III, d, do Código
Penal."

Com esta súmula, o STJ quis dizer o seguinte:

Não importa o tipo da confissão, se ela for útil ao juiz quando por ocasião da
sentença o réu terá direito à atenuante.

Posteriormente à súmula, o STJ deixou ainda mais amplo o seu entendimento


sobre o cabimento da atenuante da confissão.

Isto porque começaram a surgir bastantes apontamentos no sentido de que se


o juiz não mencionasse expressamente uma confissão (de qualquer dos tipos)
na sentença, o condenado não teria direito à atenuante.

Assim, o STJ demonstrou entender que o agente faz jus à atenuante da


confissão, ainda que o juiz não a mencione expressamente na sentença!

Um dos ministros (Ribeiro Dantas) afirmou, julgando o Recurso Especial nº


1.972. 098, que "o artigo 65, inciso III, d, do Código Penal estabeleceu que a
confissão é uma das circunstâncias que sempre atenuam a pena, de modo
que o direito subjetivo à diminuição surge no momento em que o réu confessa
(momento constitutivo), e não quando o juiz cita sua confissão na sentença
condenatória (momento meramente declaratório)."

Assim, a 5ª turma do STJ fixou o seguinte entendimento:

"O réu fará jus à atenuante do art. 65, III, “d”, do CP quando houver admitido
a autoria do crime perante a autoridade, independentemente de a confissão
ser utilizada pelo juiz como um dos fundamentos da sentença condenatória,
e mesmo que seja ela parcial, qualificada, extrajudicial ou retratada."

(STJ. 5ª Turma. REsp 1.972.098-SC, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em


14/06/2022, informativo 741)

34.
ANÁLISE 13

EM RECIFE/PE, IDOSO DE 80
ANOS É PRESO APÓS SER
FILMADO TOCANDO AS
PARTES ÍNTIMAS DE UMA
MENINA DE 5 ANOS.
Mais uma da série: é possível subsolo em fundo de poço.

Segundo notícias (fonte: g1), um idoso de 80 anos foi preso em flagrante por
tocar as partes íntimas de uma menina de 5 anos, no bairro do Arruda, na Zona
Norte do Recife.

O crime foi filmado e publicado nas redes sociais (óbvio que não postarei o
vídeo).

Nas imagens é possível ver o idoso, que não teve o nome divulgado, sentado
em uma cadeira na calçada e pedindo para a criança se aproximar.

Quando ela chega perto, ele toca as partes íntimas da menina.

Sobre o caso, ALGUNS esclarecimentos JURÍDICOS:

Com relação a toques em partes íntimas de crianças ou adolescentes com


idade inferior a 14 anos, a jurisprudência é remansosa (tranquila) no sentido de
que há crime de estupro de vulnerável (art. 217-A do Código Penal).

Quando se trata de atos libidinosos não consentidos (como apalpamento com


finalidade sexual) temos, em apertado resumo, duas possibilidades de
tipificação penal quando a vítima possui idade igual ou superior a 14 anos:
Se o fato se der mediante violência física e/ou grave ameaça, o crime é estupro
(art. 213 do Código Penal);
Se o fato se der sem violência física e/ou grave ameaça, o crime é
importunação sexual (art. 215-A do Código Penal).
No caso em comento, pelas notícias, não houve violência e/ou grave ameaça
para conseguir o toque, mas isso não importa quando a vítima possui idade
inferior a 14 anos.

Isto porque a terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob o rito
dos recursos repetitivos (Tema 1.121), fixou a tese de que, presente o dolo
específico de satisfazer a lascívia, própria ou de terceiro, a prática de ato
libidinoso com menor de 14 anos configura o crime de estupro de vulnerável
(artigo 217-A do Código Penal), independentemente da ligeireza ou da
superficialidade da conduta, não sendo possível a configuração do delito de
importunação sexual (artigo 215-A do CP).

35.
ANÁLISE 13

Em resumo, o STJ entende que os mesmos atos que configurariam crime de


importunação sexual em pessoas com idade igual ou superior a 14 anos
configuram crime de estupro de vulnerável quando a vítima possui idade
inferior a 14 anos.

Assim, no caso sob análise, segundo o STJ, o crime seria importunação sexual
(art. 215-A) APENAS se a vítima tivesse idade igual ou superior a 14 anos.
Como a vítima tinha idade inferior a 14 anos, o crime é estupro de vulnerável
(art. 217-A).

Com relação à idade avançada do criminoso (80 anos), tem-se que a senilidade
não exclui responsabilidade criminal.

Há, entretanto, uma redução de metade do prazo prescricional nos termos do


artigo 115 do Código Penal.

Ocorre que o prazo prescricional de crimes sexuais praticados contra crianças


ou adolescentes somente começa a correr quando a vítima completa 18 anos,
nos termos do artigo 111, V, do Código Penal, exceto se antes disso for
proposta uma ação penal.

36.
ANÁLISE 14

NO RIO DE JANEIRO MULHER


"SEQUESTRA" BEBÊ EM
MATERNIDADE.
Meu irmão, que história maluca:

Em resumo (fonte: G1), uma mulher tinha, há 5 anos, um "relacionamento"


instável com um Policial Militar casado.

Em dado momento, ela disse para ele que engravidou dele, também afirmou
que engravidou para toda a sua (dela) família.

Daí, quando, na cabeça dela, chegou o "momento" de parir, ela se dirigiu até
uma maternidade.

Chegando lá, tirou fotos não só da recepção como da enfermaria, dizendo para
os familiares que estava se internando para ter a criança.

O desfecho da história é simples: ela retirou da maternidade um recém-


nascido para dar ainda mais veracidade à farsa.

Um vizinho dessa moça fez uma denúncia anônima, e policiais da UPP da


comunidade da Tijuca foram até a casa dela.

Quando chegaram à residência, os PMs flagraram a moça com o bebê no colo.

Ela ainda alegou ser mãe dele, mas acabou presa.

Em seguida, o bebê já estava de volta aos braços dos seus verdadeiros pais,
graças a Deus.

Sobre o caso, ALGUNS esclarecimentos JURÍDICOS:

Em primeiro lugar, é o que sempre digo: trabalhar com Direito Penal é ver
coisas inacreditáveis, afinal se trata de um direito que guarda íntima relação
com a falência humana.

Quem faz algo assim, do ponto de vista moral, é QUALQUER COISA, exceto uma
boa pessoa.

Do ponto de vista JURÍDICO-CRIMINAL, a moça praticou o crime de


SUBTRAÇÃO DE INCAPAZES (art. 249 do Código Penal).

Não é caso do crime de sequestro (art. 148 do Código Penal), por aplicação do
princípio da especialidade (lex specialis derogat generali).

37.
ANÁLISE 14

Seguinte:

O crime do artigo 249, subtração de incapazes, ocorre quando o incapaz é


retirado de quem o tem sob sua guarda em virtude de lei ou decisão judicial.

É óbvio que um recém-nascido está sob guarda dos seus pais em virtude de lei,
daí porque pegá-lo e levá-lo à revelia deles configura o crime de subtração de
incapazes (art. 249 do Código Penal).

Ou seja: o artigo 249 pune a subtração (retirada) do incapaz da companhia dos


pais, a quem a lei o confiou.

Caso o menor não tivesse sido subtraído da companhia dos pais, aí poderíamos
cogitar do crime de sequestro (art. 148 do Código Penal), inclusive este seria
qualificado por haver sido cometido contra menor de 18 anos (§ 1º, IV).

Também não é o caso do artigo 237 do Estatuto da Criança e do Adolescente,


pois este crime exige que haja a finalidade específica de colocação em lar
substituto.

Algo peculiar neste crime de subtração de incapazes (art. 249) é o fato de que
existe possibilidade do juiz deixar de aplicar a pena (perdão judicial), caso o
criminoso restitua, voluntariamente, o menor (art. 249, § 2º).

Obviamente isto não se aplica ao caso dessa mulher, pois ela não restituiu o
menor aos pais, a Polícia Militar que o encontrou.

Quanto à pena, dada a gravidade da conduta (nem consigo imaginar o


desespero dos pais), entendo que esta é muito branda: detenção de 2 meses a
2 anos. Isto, a meu ver, viola o princípio da proporcionalidade por motivo de
proteção deficiente.

Por fim, a meu ver, a prisão em flagrante da mulher foi juridicamente possível
porque prevalece o entendimento de que este crime de subtração de incapazes
é permanente (Mirabete, Fragoso e Régis Prado entendem assim), e crimes
permanentes admitem prisão em flagrante a qualquer tempo.

38.
ANÁLISE 15

EM PRAIA GRANDE/SP,
PROFESSORA É DEMITIDA
APÓS BEIJAR ALUNO DE 14
ANOS DE IDADE.
Segundo notícias (fonte: G1), uma professora de artes foi demitida após beijar
um estudante de 14 anos de idade do 9º ano do ensino fundamental de uma
escola municipal em Praia Grande, no litoral de São Paulo.

Ainda segundo as notícias, a professora contou sobre o beijo por mensagem de


texto enviada a uma aluna. Na conversa, a docente afirmou que queria transar
com ele:

Sobre o caso, ALGUNS esclarecimentos JURÍDICOS:

Do ponto de vista jurídico-criminal, a responsabilidade da professora não é


bem definida.

Por que?

Porque, pelo que li e ouvi, não existe crime de estupro, tampouco crime de
violação sexual mediante fraude.

Daí, o único crime que se torna possível de imputar à professora depende de


análise doutrinária e jurisprudencial.

Vamos por partes:

Considerando que o adolescente já tinha 14 anos de idade, somente existiria


crime de estupro se o beijo fosse dissentido (sem consentimento) ou por
intermédio de fraude.

O Direito Brasileiro considera a idade de 14 anos como sendo a idade na qual a


pessoa passa a ter capacidade jurídica para consentir ou não para com a
prática de qualquer ato sexual.

Assim, qualquer ato sexual com uma pessoa de idade igual ou superior a 14
anos somente é criminoso se foi sem consentimento (crime de estupro, art. 213
do Código Penal) ou mediante fraude (crime de violação s3xual mediante
fraude, art. 215 do Código Penal).

Tendo havido consentimento e não tendo havido fraude, não existe crime
algum.

A situação muda nos casos em que o ato sexual é praticado com quem tem
idade inferior a 14 anos.

Nestes casos, ainda que haja consentimento, existe o crime de estupro de


vulnerável (art. 217-A do Código Penal).
39.
ANÁLISE 15

Assim, considerando a idade do adolescente e a inexistência, pelo que li e ouvi,


de dissenso ou fraude, não há crime de estupro ou de violação sexual
mediante fraude.

Contudo, há a POSSIBILIDADE de ter ocorrido o crime previsto no artigo 216-A


do Código Penal (assédio sexual), cuja conduta incriminada é a seguinte:

"Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento


sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou
ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função."

Daí, indaga-se:

Este crime se aplica com relação a PROFESSORES e ALUNOS?

A lei não é clara quanto a isso.

Não sendo clara, é caso de recorrermos à doutrina e à jurisprudência.

Na doutrina, o tema sempre foi muito dissonante: uns dizendo que esse crime
pode ser caracterizado quando se trata de relação professor x aluno, outros
dizendo que não pode.

Do ponto de vista jurisprudencial, também sempre houve muita discordância.

Contudo, um julgado com considerável força (de uma turma do STJ, a 6ª)
passou a existir, mais especificamente em 2019.

Segundo ele, é POSSÍVEL a ocorrência deste crime em uma relação entre


professor e aluno (EREsp 1759135).

Assim, considerando que uma decisão colegiada de uma das turmas criminais
possui uma força considerável (embora não seja vinculante), existe uma boa
chance de que esse entendimento passe a prevalecer, ao menos por ora, no
tocante às instâncias inferiores.

Ou seja: no caso em comento, para além do contexto que precisará ser


averiguado, as autoridades estatais precisarão decidir se entendem pela
possibilidade deste crime ocorrer dentro de uma relação professor x aluno.

40.
AS MELHORES
ANÁLISES
JURÍDICAS
DOS ÚLTIMOS
12 MESES.

DIREITO PENAL
APLICADO À VIDA REAL -
ALEXANDRE ZAMBONI.

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