Você está na página 1de 12

20/04/2019 Conflito entre os Poderes: pode o Supremo criar o crime de homofobia?

- JOTA Info

ANÁLISE

Con ito entre os Poderes: pode o Supremo criar o crime


de homofobia?
Em um momento de acirramento e tensões institucionais, a escolha do meio-termo, normalmente, é sempre
o melhor caminho

ANDRÉ LUIZ MALUF


ROGÉRIO GRECO
WILLIAM DOUGLAS

12/02/2019 15:23

Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil (14/09/2014)

Foi pautado para o próximo dia 13/2/2019 o julgamento da ADO 26 e do MI 4.733


onde se busca o provimento que conduza à criminalização especí ca de todas as
formas de homofobia e transfobia, especialmente (mas não exclusivamente) das
ofensas (individuais e coletivas), dos homicídios, das agressões e discriminações

https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/conflito-entre-os-poderes-pode-o-supremo-criar-o-crime-de-homofobia-12022019 1/12
20/04/2019 Conflito entre os Poderes: pode o Supremo criar o crime de homofobia? - JOTA Info

motivadas pela orientação sexual e/ou identidade de gênero, real ou suposta, da


vítima”.

Inicialmente pede-se na ação que o STF entenda que a Lei do Racismo (7.716/1989)
tipi ca práticas homofóbicas por analogia.Em caso negativo, os autores
argumentam que haveria omissão inconstitucional do Congresso em criar um tipo
penal especí co com base no art. 5º, XLI (“a lei punirá qualquer discriminação
atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”), de modo que pugnam pela
criação de tipo penal especí co para a homofobia via STF.

O parecer da PGR caminha em sentido convergente e ampliativo, pugnando para que


o STF aplique a Lei do Mandado de Injunção (13.300/2016) e, além de xar prazo
para o Congresso legislar (art. 8º, I), atue ainda para “estabelecer as condições em
que se dará o exercício dos direitos, das liberdades ou das prerrogativas reclamados
ou, se for o caso, as condições em que poderá o interessado promover ação própria
visando a exercê-los, caso não seja suprida a mora legislativa no prazo determinado”
(art.8º, II), por meio da utilização do “conteúdo do projeto de lei 122/2006 ou dos
dispositivos do projeto de Código Penal do Senado (que prevê, no art.487, o racismo
e os crimes resultantes de preconceito e discriminação, “quando praticado por
motivo de discriminação ou preconceito de gênero, raça, cor, etnia, identidade ou
orientação sexual, religião, procedência regional ou nacional ou por outro motivo
assemelhado, indicativo de ódio ou intolerância”.

Em outras palavras: busca-se reconhecer uma analogia da homofobia ao crime de


racismo e, caso tal pedido não seja provido, busca-se a declaração de uma omissão
e por consequência uma atuação criativa do STF para que este legisle criando um
tipo penal não previsto, utilizando por analogia um projeto de lei ainda em
tramitação.

Data maxima venia, partindo de uma análise vertical e comparada, tanto o pedido
inicial quanto o parecer da PGR afrontam diretamente o texto da Constituição, as
normas básicas do Direito Penal e os alicerces fundamentais do Estado de Direito,
ainda que se cogite de uma atuação criativa via sentença manipulativa aditiva.

+JOTA: Assine o JOTA e não deixe de ler nenhum destaque!

1. Da impossibilidade de analogia in malam partem


Pede-se na ação, inicialmente, que se entenda que a Lei do Racismo (7.716/1989)
tipi ca práticas homofóbicas.

https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/conflito-entre-os-poderes-pode-o-supremo-criar-o-crime-de-homofobia-12022019 2/12
20/04/2019 Conflito entre os Poderes: pode o Supremo criar o crime de homofobia? - JOTA Info

Ocorre que alei é bem clara: “Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou
preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”.

Não há previsão de homofobia. Trata-se de conduta atípica.

Neste sentido o próprio STF: “Proferir manifestação de natureza discriminatória em


relação aos homossexuais não con gura o crime do art. 20 da Lei nº 7.716/86,
sendo conduta atípica”(STF. 1ª T. Inq 3.590/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 12/8/2014
– Info 754).

O Ministro Barroso ressaltou que seria razoável que houvesse uma lei tipi cando
condutas que envolvessem manifestações de ódio (“hate speech”), todavia, essa lei
ainda não existe: “(…) de modo que eu acho que vulneraria princípios que nós
consideramos importantes se a própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
punisse criminalmente alguém sem que uma lei claramente de na essa conduta
como ilícita”.

Consignou ainda que o comentário do parlamentar no caso teria sido


preconceituoso, de mau gosto e extremamente infeliz. Aduziu, entretanto, que a
liberdade de expressão não existiria para proteger apenas aquilo que fosse
humanista, de bom gosto ou inspirado. E ainda: “De modo que, no plano das ideias,
eu diria que o desvalor da proposição aqui em discussão ultrapassa todos os limites
do erro, mas, a meu ver, não ingressa na esfera do crime”.

Corroborado pela Ministra Rosa Webber: “Conforme Vossas Excelências, forte no


princípio do nullum crimen, nulla poena sine lege e a partir da taxatividade do art.20 da
Lei nº 7.716/89, concluo pela atipicidade da conduta e também aplico o art. 386, III”.

E ainda o Ministro Fux: “De sorte, Senhor Presidente, que eu também acompanho
integralmente o voto de Vossa Excelência, com esse acréscimo – digamos assim –
que é histórico no Direito Penal, na máxima de Feuerbach, que não há crime sem lei
anterior”.

Qualquer interpretação fora do texto viola a legalidade (art. 5º, caput, da CF), que é
princípio caro ao Direito Penal e é também um Direito Fundamental do cidadão.

É sem dúvida odiosa qualquer conduta que crie ou estimule preconceito ou


discriminação contra a população LGBT, mas não há previsão legal para tal conduta
na Lei de Racismo como crime, sendo inviável pela via judicial analogia in malam
partem, devendo o autor responder nos termos dos crimes já previstos de injúria e
difamação, bem como na esfera civil.Do contrário, estaríamos legitimando, pela via

https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/conflito-entre-os-poderes-pode-o-supremo-criar-o-crime-de-homofobia-12022019 3/12
20/04/2019 Conflito entre os Poderes: pode o Supremo criar o crime de homofobia? - JOTA Info

judicial, uma afronta àgarantia da legalidade, regra comezinha do Direito e


fundamento basilar do Estado.

2. Da inexistência de omissão inconstitucional do art. 5º,


XVI
A doutrina italiana e a jurisprudência da Corte Constitucional da Itália de longa data
exigem, para a con guração da omissão inconstitucional, que haja um comando (a
rimme obbligate), ou seja, um dever previsto pela Constituição no sentido de atuação
do Legislativo (CRISAFULLI, Vezio. Lezioni di Diritto Costituzionale, II, Padova, 1984) e
não uma mera faculdade do legislador.

A norma utilizada como pressuposto para a con guração da omissão é o art. 5º, XLI:
“a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades
fundamentais”. Não se está diante, portanto, de uma omissão inconstitucional
passível de controle via ADO ou MI.

Sendo a nalidade do Direito Penal a proteção dos bens essenciais e o convívio em


sociedade, deverá o legislador fazer a sua seleção.

Não se nega que a Constituição condiciona a atuação do Legislativo, já que sua


supremacia e e cácia são cogentes (CHAVES, André Luiz Maluf;DOUGLAS, William;
ARAÚJO, Eugênio Rosa de. Omissão Inconstitucional e Revisão Geral Anual. Impetus,
3ª ed.,2017, p. 62). A Carta, portanto, deve sim orientar a atuação do legislador na
seleção dos bens mais relevantes a serem protegidos.

Contudo, no caso vertente, não há comando especí co e determinado, mas sim um


dever geral de proteção conforme a conveniência e oportunidade do legislador para
selecionar aqueles bens jurídicos mais relevantes que merecem a tutela do Direito
Penal.

Mandados de criminalização expressos de fato existem, como no caso do racismo,


terrorismo e crimes hediondos (art. 5º, XLII, XLIII, XLIV), onde a Constituição resolveu
por opção do Constituinte Originário trazer para o seu corpo um tratamento especial
prima facie sobre as outras condutas que poderiam ser criminalizadas. Nestes
casos, há sim, um dever de legislar.

Entretanto, extrair da norma geral (XLI), como querem os autores do MI e da ADO


supra, um comando vinculante para o Legislativo atuar de forma especí ca criando
um novo tipo penal sob o pretexto da proteção de um bem que a parte considera
relevante, e ainda pela via judicial transversa, é derrubar qualquer ideia de reserva
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/conflito-entre-os-poderes-pode-o-supremo-criar-o-crime-de-homofobia-12022019 4/12
20/04/2019 Conflito entre os Poderes: pode o Supremo criar o crime de homofobia? - JOTA Info

legislativa, separação dos Poderes e discricionariedade política na condução da


política criminal.

3. Da cláusula pétrea da legalidade (art. 5º, XXXIX, art.


60, §4º, IV) e violação da taxatividade e
fragmentariedade penal
A criação de tipo penal, por excelência, é matéria de reserva do Legislativo, de
competência da União (art. 22, I). Trata-se de decisão política da proteção de
determinado bem jurídico pelo Direito Penal.

A ideia, portanto, é de respeito ao princípio da fragmentariedade (GRECO, Rogerio.


Curso de Direito Penal, v.1. Impetus, 2017, p. 109/110) e, sobretudo, da legalidade, já
que conforme o art. 5º,XXXIX – “não há crime sem lei anterior que o de na, nem
pena sem prévia cominação legal”.

A reserva legal do tipo penal, portanto, que deriva da legalidade, é garantia maior do
cidadão contra arbítrios do Estado (GRECO,op. cit., p. 144).

Julgados da 1ª e da 2ª Turma do STF caminham na mesma linha: “Princípio da


legalidade estrita, que deve ser observado em se tratando de norma penal
incriminadora. De fato, em se tratando de normas penais incriminadoras, não há falar
em analogia ou qualquer outro método de integração com o escopo de
incriminar”(RHC 95.782, Rel. Min. Luiz Fux, j. 2/8/2011, 1ª T., DJe 18/8/2011) e
também: “Na esfera penal não se admite a aplicação da analogia para suprir lacunas,
de modo a se criar penalidade não mencionada na lei (analogia in malam partem),
sob pena de violação ao princípio constitucional da estrita legalidade” (HC 97.261,
Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 12/4/2011, 2ª T., DJe 3/5/2011).

Ressalte-se ainda a obviedade de os princípios da legalidade penal e da reserva legal


serem cláusulas pétreas e garantias fundamentais do cidadão (art. 60, §4º, IV), já
que, evidentemente não se pode ser punido por condutas não previstas em lei.

4. Separação dos Poderes (art. 2º, art. 60, §4º, IV) e a


Corte Constitucional italiana: impossibilidade de criação
de tipo penal via sentença aditiva
O pedido de atuação criativa para que o STF atue con gura evidente sentença
manipulativa aditiva.

https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/conflito-entre-os-poderes-pode-o-supremo-criar-o-crime-de-homofobia-12022019 5/12
20/04/2019 Conflito entre os Poderes: pode o Supremo criar o crime de homofobia? - JOTA Info

A sentença aditiva (clássica ou tradicional) surgiu diante da omissão do Parlamento


italiano em conformar a antiga ordem infraconstitucional com a Constituição de
1947 (MALUF, André Luiz. Omissão Legislativa Inconstitucional e a Tipologia das
Sentenças Aditivas: novas re exões à luz do direito italiano. RJLB, Universidade de
Lisboa, 2018, p. 1.259).

Conforme o Direito italiano são condições para prolação de sentenças aditivas


(MALUF, op. cit.,2018, p. 1.265/1.266):

I – ausência de matérias reservadas à discricionariedade do legislador (pré-


requisito);

II – impossibilidade de realizar interpretação conforme;

III – existência de uma omissão inconstitucional ou de uma incompatibilidade


frontal entre a lei existente e a Constituição que somente possa ser resolvida através
de adição de conteúdo normativo, já que a declaração de inconstitucionalidade
geraria um vazio perigoso;

IV – existência de uma solução constitucionalmente obrigatória (a rimme obbligate);

V – iter procedimental: reconhecimento da insu ciência do texto, abstrata criação e


posterior adição de conteúdo; por m, deve estar contido no dispositivo do acórdão
que: a norma será inconstitucional (por omissão) – enquanto não estabelece…, ou
não prevê… ou omite… ou não inclui… ou exclui… algo que deveria incluir para ser
compatível com a Constituição.

Como já ressaltado, não estaria presente um dos pressupostos para a con guração
de uma manipulação aditiva, já que não haveria omissão inconstitucional e além
disso, não estaria preenchido o primeiro pré-requisito: a ausência de matéria
reservada à discricionariedade do legislador.

A doutrina italiana há muito a rma que as sentenças aditivas não têm o condão de
interferir no caso de reservas absolutas do legislador tal como ocorre no campo da
criação de infrações penais, da instituição e majoração de tributos e da xação de
remuneração de servidores públicos (MALFATI, Elena; PANIZZA, Saulle; ROMBOLI,
Roberto.Giustizia Costituzionale. 4ªed., Giappichelli Editore, Torino, 2013, p. 136).

A Lei nº 87, de 1953, que regulamenta a atuação da Corte traz no seu art. 28 uma
cláusula de self-restraint, criando um limite a sua intervenção, de modo a fazer com

https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/conflito-entre-os-poderes-pode-o-supremo-criar-o-crime-de-homofobia-12022019 6/12
20/04/2019 Conflito entre os Poderes: pode o Supremo criar o crime de homofobia? - JOTA Info

que a Corte Constitucional italiana respeite a discricionariedade/faculdade do


legislador.

Ao analisarmos a jurisprudência da Corte Constitucional da Itália, berço das


sentenças aditivas, podemos veri car sem qualquer di culdade,que é pací ca a
impossibilidade de criação de tipo penal, em razão da indevida intromissão em
matéria de reserva legal discricionária do Legislativo, sob pena de violação da
separação dos Poderes (e.g., sentença 279, de 2013), tampouco é possível criação
aditiva no caso de ausência de omissão (e.g.,sentenças 259, de 2009, e 138, de
2010).

Ainda que se argumentasse, como faz o parecer da PGR, no sentido de aplicar a Lei
do Mandado de Injunção – que traz a corrente concretista intermediária no art. 8º, I
e II –não estão con gurados os pressupostos para a prolação de uma sentença
aditiva. Não é juridicamente possível aplicar um projeto de Código Penal e um
Projeto de Lei, ainda em tramitação, como sucedâneos de tipo penal inexistente, sob
o argumento da existência de uma omissão.

Tal raciocínio, data maxima venia, desvirtua toda uma construção de quase cem
anos da Corte Constitucional e da doutrina italiana, sem os cuidados teóricos
devidos com base em uma interpretação isolada de um dispositivo que não foi
criado com essa nalidade.

A Lei do Mandado de Injunção passará por um grande teste e é importante que se


saia bem em sua primeira participação, sob pena de prejudicar todo o sistema de
controle das omissões e retirar a sua incipiente força institucional.

Repita-se: não há omissão inconstitucional total ou parcial a ser colmatada pelo STF,
e ainda que houvesse, tratar-se-ia de matéria sujeita à reserva absoluta do
Legislativo, resguardada pelos princípios da legalidade estrita e da separação dos
Poderes.

5. Da indevida interferência nas políticas criminais


A ideia de política criminal passa pela decisão política do Estado da forma de
atuação contra a criminalidade, as condutas a serem criminalizadas e as medidas
alternativas, preventivas e administrativas.

Pensemos no caso do usuário de drogas. O legislativo resolveu despenalizar


conforme o art. 28 da Lei de drogas, prevendo admoestação verbal e multa.

https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/conflito-entre-os-poderes-pode-o-supremo-criar-o-crime-de-homofobia-12022019 7/12
20/04/2019 Conflito entre os Poderes: pode o Supremo criar o crime de homofobia? - JOTA Info

Indaga-se: Poderia o STF declarar que a pena deve ser outra? Ou mais: poderia o STF
criar um novo tipo penal da Lei de Drogas?

Em outras palavras, a atuação criativa do STF no caso da ADO e do MI em comento


prejudica toda a ideia de política criminal do Estado.

Podemos citar o caso julgado pelo STF de presos em condições degradantes.

O RE teve seu julgamento iniciado em 3 de dezembro de 2014 com votos favoráveis


à indenização proferidos pelos Ministros Teori Zavascki e Gilmar Mendes. Na sessão
de 6 de maio de 2015 o Ministro Luís Roberto Barroso proferiu seu voto-vista
favoravelmente mas criou uma solução polêmica, qual seja, que a indenização fosse
conferida não em pecúnia, mas em remição da pena, a ser scalizada pelo juízo de
execuções penais. A compensação em dinheiro deveria ocorrer subsidiariamente.

Sua proposta (aditiva) ainda trouxe os cálculos: um dia de redução para cada três
dias de cumprimento de pena em violação grave e remição mínima de um dia para
cada sete de cumprimento no caso de violações brandas. Ademais, a rmou que a
indenização por pecúnia deveria ocorrer subsidiariamente, somente em havendo
impossibilidade de gozo da remição, como no caso de o preso já estar em liberdade.

O Ministro Teori a rmou que a solução criativa seria obstada pela violação do
princípio da legalidade (já que o Judiciário não poderia proferir sentença aditiva).

1
O Ministro Barroso mencionou exatamente o caso do governo da Itália que após
sanções da Corte Europeia de Direitos Humanos, tomou medidas e cientes de
ampliação do sistema carcerário, penas alternativas e propriamente a remição de
um dia de pena para cada dez cumpridos em condições degradantes, resguardando
ainda a indenização diária de 8 euros no caso de impossibilidade de remição.
2
Entretanto, tais medidas foram adotadas pelo Governo e pelo Parlamento italiano ,
não pela Corte Costituzionale. Vale dizer que o próprio Tribunal Constitucional na
sentenza 279, de 2013, assentou que não poderia fazer uma sentença aditiva ao art.
147 do Código Penal italiano, pois não se trata de comando a rimme obbligate de
modo que proferiu decisão de inadmissibilidade sequer adentrando ao mérito.

6. Da inaplicabilidade do princípio da proporcionalidade:


vedação da proteção insu ciente e vedação do excesso
Poder-se-ia argumentar que a não criminalização da homofobia pelo Legislativo
violaria o princípio da proporcionalidade no viés da proteção insu ciente.

https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/conflito-entre-os-poderes-pode-o-supremo-criar-o-crime-de-homofobia-12022019 8/12
20/04/2019 Conflito entre os Poderes: pode o Supremo criar o crime de homofobia? - JOTA Info

Neste sentido o próprio STF em relação à proibição do excesso: “Controle e


constitucionalidade das leis penais. Mandatos constitucionais de criminalização. A
Constituição de 1988 contém um signi cativo elenco de normas que, em princípio,
não outorgam direitos, mas que, antes, determinam a criminalização de condutas
(CF, art. 5º, XLI, XLII, XLIII, XLIV; art. 7º, X; art. 227, § 4º). Em todas essas normas é
possível identi car um mandato de criminalização expresso, tendo em vista os bens
e valores envolvidos. Os direitos fundamentais não podem ser considerados apenas
como proibições de intervenção (Eingriffsverbote), expressando também um
postulado de proteção (Schutzgebote). Pode-se dizer que os direitos fundamentais
expressam não apenas uma proibição do excesso (Übermassverbote), como
também podem ser traduzidos como proibições de proteção insu ciente ou
imperativos de tutela (Untermassverbote). Os mandatos constitucionais de
criminalização, portanto, impõem ao legislador, para o seu devido cumprimento, o
dever de observância do princípio da proporcionalidade como proibição de excesso
e como proibição de proteção insu ciente” (HC 104.410, Rel. Min. Gilmar Mendes, j.
6/3/2012, 2ª T., DJe 27/3/2012).

Não se nega a possibilidade de o STF declarar a inconstitucionalidade de normas


penais com fulcro na proibição do excesso. Evidente que a criminalização de um
furto não poderia prever pena mais grave do que um homicídio quali cado. Seria
absolutamente desproporcional. Entretanto, a jurisprudência do STF caminha
apenas neste sentido. Não há casos de criação de tipo penal com base no princípio
da vedação da proteção insu ciente. E nem poderia.

Quando se fala em proteção insu ciente em matéria penal estamos diante de


mandados de criminalização expressos, como no caso do racismo, terrorismo e
crimes hediondos onde a Constituição resolveu por obra do Constituinte Originário
trazer para o seu corpo uma proteção especial prima facie sobre as outras condutas
que poderiam ser criminalizadas. Nestes casos, sim, há uma dever de legislar.

Como a rma o Ministro Gilmar em seu voto: “As normas constitucionais brasileiras
referidas explicitam o dever de proteção identi cado pelo constituinte e traduzido em
mandatos de criminalização expressos dirigidos ao legislador.(…)O Tribunal deve
sempre levar em conta que a Constituição confere ao legislador amplas margens de
ação para eleger os bens jurídicos penais e avaliar as medidas adequadas e
necessárias para a efetiva proteção desses bens”.

Em outras palavras: fora destes casos expressos não é conferido ao Judiciário a


possibilidade de compelir o Legislativo a atuar com base em um princípio aberto que
poderia albergar qualquer crime, caso assim entendesse o STF conforme seu juízo
de conveniência e oportunidade.

https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/conflito-entre-os-poderes-pode-o-supremo-criar-o-crime-de-homofobia-12022019 9/12
20/04/2019 Conflito entre os Poderes: pode o Supremo criar o crime de homofobia? - JOTA Info

O controle da proibição insu ciente pelo Tribunal deve ser feito “com observância da
ampla margem de avaliação, valoração e conformação conferida constitucionalmente
ao legislador quanto à adoção das medidas mais adequadas para a proteção do bem
jurídicopenal. Uma eventual declaração de inconstitucionalidade deve basear-se na
patente inidoneidade das medidas escolhidas pelo legislador para os objetivos
perseguidos pela política criminal”.

A possibilidade de controle, portanto, necessita obrigatoriamente que haja uma


patente inidoneidade de medidas, o que não ocorre no caso, eis que, como visto, o
bem jurídico já possui respaldo no ordenamento quando prevê a conduta de injúria e
difamação, bem como a possibilidade de responsabilidade civil.

Seria teratológico permitir via construção judicial a criação de um tipo penal que
ainda está sendo debatido em um projeto no Parlamento, espaço democrático por
excelência. O que impediria o STF de dar vida a outros projetos de lei que tipi cam
crimes? Por que não o Projeto de Código Penal Inteiro? Por que não a criminalização
da injúria contra de cientes, ou contra pessoas que cultuam religiões de matriz
africana? A isonomia, que ao m e ao cabo se busca proteger, restaria violada.

Em verdade a criação de tipo penal é que seria, aí sim, evidentemente


desproporcional.

E mais: O que impediria uma reação do Legislativo? Será preciso o Congresso mover
esforços para uma reversão legislativa no sentido de dizer que não é crime algo que
não é crime? Relembre-se que o art. 49, XI, determina que é competência exclusiva
do Congresso Nacional zelar pela preservação de sua competência legislativa em face
da atribuição normativa dos outros Poderes.

Há um evidente con ito que não deveria sequer ser admitido. Seria o caso, conforme
a Corte italiana, de uma decisão de manifesta infondatezza, ou seja, trata-se da
ausência do mínimo de fundamento jurídico que sustenta a dúvida da
(in)constitucionalidade (MALUF, op. cit.,p. 1.255).

7. A postura dialógica como melhor saída para um


con ito institucional
A ideia de diálogos constitucionais como norte para a solução de con itos entre os
Poderes já guarda grande adesão da comunidade jurídica e há precedentes do
próprio STF neste sentido.

https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/conflito-entre-os-poderes-pode-o-supremo-criar-o-crime-de-homofobia-12022019 10/12
20/04/2019 Conflito entre os Poderes: pode o Supremo criar o crime de homofobia? - JOTA Info

Veja-se o caso de nanciamento de campanhas: “Pronunciamento do STF que não


encerra o debate constitucional em sentido amplo. Diálogos institucionais. Última
palavra provisória” (ADI 4.650, Rel. Min. Luiz Fux, j. 17/9/2015, P, DJe 24/2/2016).

E também: “Teoria dos diálogos constitucionais. Arranjo constitucional pátrio


conferiu ao STF a última palavra provisória (viés formal) acerca das controvérsias
constitucionais. Ausência de supremacia judicial em sentido material. Justi cativas
descritivas e normativas. Precedentes da Corte chancelando reversões
jurisprudenciais (análise descritiva). Ausência de instituição que detenha o
monopólio do sentido e do alcance das disposições constitucionais”(ADI 5.105, Rel.
Min. Luiz Fux, j. 1º/10/2015, P, DJe 16/3/2016.

No julgado dos presos em condições degradantes já mencionado, o Ministro Teori


Zavascki, na sessão de julgamento, propôs que, ao invés de o STF estabelecer a
remição por condições degradantes (decisão aditiva), enviasse tal proposta ao
Congresso como projeto de lei.

A mesma lógica aqui se aplica.

Ressaltamos que a questão sequer deveria ser admitida diante da manifesta


infondatezza já explicitada acima. Entretanto, como alternativa dialógica, poderia o
STF, em vez de estabelecer prazo ou mesmo atuar criativamente (de forma
inconstitucional diga-se), agir em cooperação com o Legislativo por meio do envio
de uma proposta de criminalização do hate speech, ou mesmo da homofobia,
contudo, sem haver vinculação para o Legislativo diante da falta de omissãoa rimme
obbligate.

Criar-se-ia, assim, um fomento ao debate na sociedade civil e no Parlamento


contribuindo para o papel do STF sem violar a separação dos Poderes.

Conclusão
Nos últimos anos o STF, salvo raras exceções, tem se mostrado como um player
moderado na arena institucional do país, mediando con itos entre os demais
Poderes e, às vezes, atuando com maior ativismo em causas moralmente
complexas.

O STF não deve extrapolar suas competências. A prolação de uma decisão aditiva é
um importante instrumento no combate das omissões que não deve ser utilizado de
forma leviana sem critérios, sob pena de prejudicar a força institucional da Lei do
Mandado de Injunção que demorou tanto tempo para ser efetivada.

https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/conflito-entre-os-poderes-pode-o-supremo-criar-o-crime-de-homofobia-12022019 11/12
20/04/2019 Conflito entre os Poderes: pode o Supremo criar o crime de homofobia? - JOTA Info

Esperamos que o STF siga o caminho correto e não crie um con ito sem sentido
com o Congresso.

A postura dialógica tem sido uma constante na atuação da Corte em respeito à


deferência aos demais Poderes. Nesta linha, a proposta feita ao nal do texto, como
ultima ratio, parece a mais adequada ao caso.

Em um momento de acirramento e tensões institucionais, a escolha do meio-termo,


normalmente, é sempre o melhor caminho.

————————————

1 CEDH, Caso Torreggiani et al.v. Itália, j. 8/1/2013.

2 Decreto-Lei nº 92/2014, convertido na Lei nº 117/2014.

ANDRÉ LUIZ MALUF – Advogado na área de Direito Público. Estudou Diritto Pubblico Comparato na
Università di Siena. Bacharel em Direito pela Universidade Federal Fluminense. Foi Subprocurador Geral do
Município de Teresópolis.
ROGÉRIO GRECO – Procurador de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais, Pós-Doutor, Doutor e
Mestre em Direito.
WILLIAM DOUGLAS – Juiz federal e professor

Os artigos publicados pelo JOTA não re etem necessariamente a opinião do site. Os textos
buscam estimular o debate sobre temas importantes para o País, sempre prestigiando a
pluralidade de ideias.

https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/conflito-entre-os-poderes-pode-o-supremo-criar-o-crime-de-homofobia-12022019 12/12

Você também pode gostar