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Curso: Pós-Graduação em Psiquiatria | Disciplina: Casos Clínicos Interpretados II

CASO 18 [adaptado a partir de um caso real]

Identificação: A.C.S., sexo feminino, 45 anos, natural e procedente de São Paulo/SP, sem
emprego, sem religião, ensino médio completo.

Motivo da consulta: "Continuar o tratamento."

História da crise atual:


Há 3 anos A.C.S. utilizou um massageador com infravermelho para se masturbar e evoluiu
com dores em baixo ventre. Por este motivo procurou um ginecologista e levou um resultado de
Papanicolau que demonstrou alterações NIC II em seu colo de útero. Passou por colposcopia,
biópsia e finalmente conização, que foi realizada com sucesso deixando as margens livres e
ficando a paciente curada.
A. acredita que os "raios infravermelhos do massageador fizeram com que os átomos se
espalhassem e, com isso, as células pré-cancerígenas se difundiram pelo seu reto, vagina,
intestino, pele e todo o corpo”. A paciente mantém essa crença apesar de ter feito diversos
exames, todos com resultados normais (sic), e por ter passado pela avaliação de 12
ginecologistas. Ela justifica isso pelo fato que “as células NIC II são pré-cancerígenas e por isso
os exames trazem resultados normais".
Atualmente a paciente não sente mais as dores em baixo ventre, mas ainda acredita que
as células pré-cancerígenas estão nesse local e as culpa por suas dores em membros inferiores
e por suas diminutas manchas em pele.
Diz que seu caso é "único na medicina" e que quando morrer de câncer quer que "seu
corpo seja levado para uma autópsia para ser estudado".
Por tudo isso que está acontecendo, A. diz estar em “estado depressivo” e justifica isso
por estar angustiada, ansiosa pela melhora, triste a maior parte do tempo, com vontade de sumir
e de morrer. Não vê alegria em nada, está com apetite aumentado, mas nega alterações no
sono.
Há aproximadamente um ano e meio, A. tentou autoextermínio três vezes por preferir
"dormir do que passar por isso". Foi internada nessas três vezes e a cada internação foi-lhe
prescrito algum tratamento que não se recorda. Teve uma quarta internação voluntária: "eu quis
me internar pois não aguentava mais, se não me internasse eu iria me matar”.
Tinha um planejamento de estudar, passar em um concurso, mas devido as preocupações
com a doença teve que adiar esse projeto.
Estava trabalhando até há 2 semanas, porém, pediu demissão por sentir muitas dores em
pés e por isso não conseguir ir trabalhar. Diz que essas dores são causadas pelo câncer que
está se espalhando pelo corpo.
Atualmente acorda por volta das 10 horas da manhã, assiste televisão, mesmo não
gostando mais de nenhuma programação. Depois disso dorme novamente e acorda para
almoçar. Diz estar desanimada e não ter prazer em fazer as atividades do cotidiano, não gosta
de sair de casa. A única atividade que gostava de fazer era trabalhar.
Iniciou tratamento no serviço psiquiátrico há aproximadamente um ano, sendo prescrito
inicialmente olanzapina 10 mg/dia em associação com fluoxetina 20 mg/dia. Fez uso irregular
dessas medicações, sendo a fluoxetina suspensa e a olanzapina reajustada para 20 mg/dia.
Paciente nunca aderiu ao tratamento e ficou meses sem voltar ao psiquiatra. Na consulta de hoje
foi prescrito novamente olanzapina 20 mg/dia para a paciente reiniciar o tratamento.

Curva vital:
Nascida de parto normal, sem intercorrências, com desenvolvimento neuropsicomotor
normal. É a segunda de uma prole de quatro.
Na sua infância sempre foi muito nervosa, irritada, apresentando dificuldade na
socialização. Nos seus primeiros dias de aula não aceitou ficar no colégio, fazendo de tudo para
ir embora até conseguir o que queria.
Diz que tinha manias. Tinha que colocar e tirar a saia 10 vezes ou então acender e apagar
o interruptor várias vezes para que ninguém morresse. Nunca contou isso para os seus pais e
tal comportamento passou desapercebido e sumiu com o passar da infância.
Quanto aos estudos, nunca teve dificuldade, concluiu o ensino médio sem repetências.
Aos 23 anos começou a trabalhar como secretária num sindicato e após 1 ano saiu por mudança
na diretoria. Depois disso teve trabalhos diversos, como vendedora, auxiliar administrativa e de
cobrança, atendente de telemarketing. Disse que sempre gostou de estudar e trabalhar.
Se casou aos 17 anos e teve 1 filho. Esse relacionamento terminou após 4 anos devido
ao alcoolismo do esposo. Seu segundo casamento foi aos 33 anos, ficando casada por 12 anos.
Teve outro filho nesse relacionamento. Terminou por ser "muito nervosa" e por isso ter muitas
brigas com ex-esposo.
Sempre foi muito evangélica, frequentava a igreja várias vezes por semana. Isso mudou
nos últimos anos. Com tudo que tem passado começou a "duvidar de Deus" e deixou a religião
de lado.
Constelação familiar:
Sem comorbidades psiquiátricas na família.

Antecedentes Pessoais:
Nega comorbidades, TCE, epilepsia, alergias.

Exame físico:
BEG, corada, hidratada, acianótica, anictérica, afebril.
ACV: RCR, 2T, BNF s/ sopros. PA: 110x60 mmHg.
AR: MVF s/ RA, eupneica.
Abdome: atípico, RHA+, normotenso, indolor à palpação, sem visceromegalias ou massas
palpáveis.
Membros: sem edema.

Exame psíquico:
Apresentação: vestes em alinho, higiene pessoal adequada, colaborativa com a entrevista,
chorosa.
Plano intelectivo: Nível de consciência normal, normovigil, orientada auto e alopsiquicamente.
Inteligência e memória normais. Velocidade do pensamento normal, com forma normal e
conteúdo delirante. Sem alterações na sensopercepção.
Plano afetivo: humor hipotímico (anímico). Nexos afetivos preservados. Sem alteração na
consciência do eu. Insight ausente.
Plano volitivo: hipobúlica e apragmática. Psicomotricidade normal. Sugestionabilidade e
impressionabilidade aumentadas. Fraco controle dos impulsos.

Medicação em uso:
Olanzapina 10 mg (2 comprimidos ao deitar).

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