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Caso Família Lima

Há mais ou menos dez meses, a família Lima mudou-se para Pedra Azul. Ana Maria e suas
duas filhas foram morar na casa dos fundos, na propriedade de Joana, sua irmã. A
mudança foi necessária porque o marido de Ana Maria faleceu há um ano e já não havia
mais dinheiro para continuar na antiga casa da família. Desde então, a família Lima foi
cadastrada pela Agente Comunitário de Saúde (ACS) Rosalina na UAPS Pedra Azul e Ana
Maria tornou-se uma usuária frequente da unidade. Em uma segunda-feira, logo às sete
horas da manhã, Ana Maria já estava na porta da UAPS. Foi acolhida pela equipe e
solicitou uma consulta para sua filha mais velha, Luciana. Contou que ela voltou a ter crises
epiléticas e precisava passar no neurologista com urgência. Como Luciana não estava
presente, a equipe marcou uma consulta para ela na quinta-feira seguinte, à tarde, com o
Felipe, médico da família que atendia na unidade. Ana Maria reclamou, pois achou a data
muito longe e a consulta nem era com o neurologista, como ela queria. Por isso, ela
chegou até a ser um pouco agressiva com Rita, enfermeira da equipe, dizendo que, na
época em que tinha convênio, tudo era melhor…
Na consulta com o médico Felipe, Luciana aparentava estar cansada. Tinha epilepsia há
mais ou menos seis anos e, desde o início, fez o acompanhamento da doença com o
neurologista que atendia pelo convênio. À época, fez diversos exames, mas não soube
informar ao médico Felipe que tipo de epilepsia tinha. Disse que atualmente fazia uso de
antiepilético e há um ano e meio estava sem acompanhamento. Relatou que há alguns
meses voltou a apresentar crises mais frequentes (uma a duas vezes por mês) e negou ter
interrompido o medicamento (no momento dessa resposta, Felipe ficou em dúvida se ela
estava sendo sincera, porque Luciana ficou um pouco pensativa antes de responder).
Luciana contou também que começou a apresentar dores de cabeça muito fortes havia um
ano, muitas vezes ao longo do mês, e que isso era um fato novo. Ela relatou, ainda, que há
uns seis meses teve uma forte dor no dente do fundo, que dava vontade de bater a cabeça
na parede. No momento, o médico observou um inchaço na região do dente molar superior,
que tem uma restauração extensa e bem antiga. Felipe não encontrou nenhuma alteração
no exame neurológico. Ficou um pouco apreensivo com o reinício das crises epiléticas e não
tinha muito claro se devia, já naquele momento, aumentar a dose do antiepilético. Decidiu
encaminhá-la ao neurologista e ao cirurgiãodentista da UAPS. Em relação à dor de cabeça,
pediu à Luciana que fizesse um diário da dor (mostrou a ela como preencher o papel) para
poder ter mais informações. Além disso, pediu alguns exames de sangue para saber como
estava o nível do medicamento para a epilepsia. Ao final da consulta, Felipe explicou à
Luciana que iria acompanhá-la de perto: “Qualquer coisa, pode vir falar comigo” –
aconselhou o médico. Avisou, ainda, que o agendamento do retorno seria em 45 dias, assim
que os exames estivessem prontos, dando tempo à Luciana para fazer o diário da dor. Na
reunião da equipe, foi comentado que Ana Maria, quando ia à unidade de saúde, não perdia
oportunidade para saber como estava o encaminhamento de Luciana. Em uma dessas idas,
foi perguntado se Ana Maria estava cuidando dela ou se só se preocupava com a filha.
Estimulada pela ACS Rosalina, Ana Maria decidiu marcar uma consulta com a enfermeira
Rita, apesar de achar uma bobagem. Para ela, “só médico sabia tratar”. Ainda assim, ela foi
à consulta de enfermagem e então descobriu que não vem se dedicando muito ao cuidado
da sua própria saúde. Relatou que se sente muito sozinha e que sente muita saudade de
seu marido. Disse ter medo de se relacionar de novo, por isso não fez mais o exame
papanicolau. Relatou que tem uma gastrite nervosa e que está um pouco preocupada, pois
viu sangue nas suas fezes, está emagrecendo e sente também dores abdominais. Com
essas informações, a enfermeira Rita realizou o papanicolau, orientou sobre autoexame de
mama, cuidados com alimentação e saúde mental e perguntou se ela gostaria de participar
do grupo de Terapia Comunitária. Falou também que ia marcar uma consulta com o médico
Felipe para avaliar o sangramento nas fezes e as dores abdominais. A enfermeira pediu à
ACS Rosalina para incentivar Ana Maria a participar da Terapia Comunitária e aconselhou o
médico Felipe a falar com ela após a reunião. Na semana seguinte, o médico Felipe marcou
uma consulta de encaixe para Ana Maria. Ela o contou que o sangramento nas fezes está
acontecendo já há algum tempo e que, quando tinha convênio, fez endoscopia. Ela mostrou
o exame, que acusava gastrite leve, e contou que foi encaminhada para gastroenterologista,
mas daí o marido morreu, ela perdeu o convênio e não se preocupou mais com sso. Além
disso, ela relatou que estava emagrecendo. O médico a interrompeu e questionou:
– E na sua família, tem alguém que teve alguma doença grave?
– Sim. Meu pai teve infarto e minha mãe câncer nos ossos – respondeu Ana Maria.
– Bom, vou solicitar um exame de sangue e lhe encaminhar para o gastroenterologista, pois
eu não posso pedir exames mais específicos. Mas é importante a senhora voltar aqui caso
piore, tá bom? Vou também marcar um retorno em 30 dias – concluiu o médico Felipe.
Voltando à situação de Luciana, filha de Ana Maria... ela marcou consulta de emergência
com Júlio, o cirurgião-dentista da unidade, que prescreveu medicamento para dor e
inflamação. Posteriormente, ela compareceu ao Centro de Especialidades Odontológicas
(CEO), aonde foi indicado tratamento específico para sua condição. Depois de 45 dias,
Luciana voltou à UAPS para a consulta com o médico Felipe, levando o diário da dor, e
contou que não teve novas crises nesse tempo entre as consultas. Felipe verificou no
prontuário de Luciana a lista de problemas apresentados na primeira consulta e também o
plano de cuidados que havia combinado com a usuária. Viu o diário da dor, os resultados
dos exames e concluiu que estava tudo bem, exceto pelo nível do antiepilético no sangue,
que estava abaixo do recomendado. Naquele momento, perguntou novamente à Luciana
sobre o uso do medicamento e ela contou que, após a morte do pai, deixou de tomar a
medicação corretamente. Além disso, havia começado a namorar e tinha medo de o remédio
fazer mal. Felipe explicou a necessidade do uso correto do medicamento, principalmente
para o tratamento da epilepsia, e esclareceu que o antiepilético que ela usava não traz efeito
colateral para as relações sexuais. Informou que, pelo diário da dor e pelo jeito como as
dores de cabeça se apresentavam, ela tinha enxaqueca. Falou um pouco sobre a doença e
a medicou. Mesmo sabendo que as crises haviam voltado devido ao uso incorreto da
medicação, Felipe resolveu manter o encaminhamento ao neurologista para tentar não
quebrar o vínculo com Luciana e também com Ana Maria. Após três meses, Luciana voltou à
unidade para nova consulta com o médico Felipe, trazendo uma tomografia
computadorizada de crânio e uma carta do neurologista, que orientava quanto ao seu
diagnóstico e ao seu acompanhamento. Felipe anotou todas as informações no prontuário
para não perder a continuidade do cuidado. Durante a consulta, ele sentiu que Luciana
confiava no seu trabalho e que queria ouvir sua opinião sobre o exame. Ambos ficaram
satisfeitos, porque1Luciana estava sem novas crises desde então...
Quanto à Ana Maria, Felipe soube, pela ACS Rosalina, que o seu exame de sangue estava
pronto e que ela havia passado pelo gastroenterologista, que pediu um exame do intestino.
Em seguida, Ana Maria foi internada para fazer uma cirurgia e depois quimioterapia,
sem retornar à UAPS para acompanhamento.

 O que chamou a atenção de vocês nesse caso da Familia Lima?


 Que elementos você identifica na condução do caso que caracterizam
o desenvolvimento de um trabalho em equipe?
 Em quais momentos você identifica que os profissionais atuaram de
modo mais colaborativo para construírem uma proposta de cuidado
para Ana Maria e Luciana?

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