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Feminismo Junguiano - Capítulo 4R
Feminismo Junguiano - Capítulo 4R
Feminismos junguianos?
Eis então que agora resolvi… contar o meu mito pessoal. Eu posso
somente… “contar histórias”. Se as histórias são “verdadeiras” não
vem ao caso. A única questão é se o que eu vou contar é a minha
fábula, a minha verdade.
(Jung, Memórias, sonhos, reflexões, 1963)
Demaris S. Wehr
À primeira vista, o livro de Demaris S. Wehr publicado em 1987, Jung and
Feminism: Liberating Archetypes (Jung e feminismo: liberando os arquétipos, em
tradução livre), parece adotar uma perspectiva enviesada e reducionista de
ambos os temas. Ela cria uma oposição entre “feminismo” (definido, nesse
contexto, como gênero contextualizado culturalmente) e Jung/ junguianos para
quem, segundo ela, “o feminino é de fato biológico, inato e até ontológico [para
ser]”.
Uma redução da teoria de Jung para o essencialismo biológico,
praticamente desacoplando gênero da influência cultural (implícito no uso da
palavra “ontológico”), pode até ter o consentimento de Jung em seus momentos
mais preconceituosos e de parte do “feminismo junguiano” discutido no capítulo
3. Wehr cita Ann Ulanov na “irredutibilidade” do princípio feminino, mesmo se
estiver sujeito a algum nível de distorção cultural.
Porém uma oposição tão direta entre feminismo, entendido como
culturalmente construtivista com relação a gênero, e teoria junguiana, entendido
como completamente essencialista e conservadora, não se mantém após um
cuidadoso grau de escrutínio do trabalho de Jung (veja o capítulo 2), e nem é
justo para com alguns expoentes do feminismo junguiano metafísico do capítulo
3. A própria Wehr comenta sobre isso depois, ao analisar os arquétipos de Jung
permitindo mais nuances.
A maior contribuição da obra de Wehr está na forma como ela faz ligações
entre insights da teologia e a sociologia do conhecimento. Isso possibilita que ela
leia a descrição do processo arquetípico de conferir gênero como um retrato
condicionado socialmente conforme vivenciado na cultura patriarcal. Ela
interpreta grande parte dos relatos do próprio Jung com relação a gênero como
um espelho de estereótipos culturais. O perigo inerente à teoria de Jung é que
relatos de expressões arquetípicas em uma cultura patriarcal sejam lidos como
verdades atemporais sobre as mulheres. A criação do feminismo junguiano
“grande teoria” (termo meu, não de Wehr) do princípio feminino é um exemplo
de como ideias socialmente contingentes podem ser solidificadas em códigos
rígidos e restritivos.
No entanto, Wehr não é em primeiro lugar uma crítica feminista
materialista, como seu posicionamento relacionado à teologia feminista parece
indicar. Ela busca uma união produtiva entre Jung e o feminismo fazendo uso do
potencial da psicologia junguiana para explorar experiências religiosas de forma
positiva. Ademais, ela percebe o potencial da psique junguiana para tratar as
pessoas prejudicadas pelo patriarcado.
Sem empregar as palavras, Wehr desenha um “feminismo junguiano,”
mantendo apenas os aspectos mito-pessoal de Jung. Ela dá valor ao Jung que
oferece uma psique criadora de sentido, intrinsecamente religiosa, criativa e
culturalmente engajada. Ela distingue esse Jung do “grande teórico” que fez
pronunciamentos reducionistas sobre as mulheres.
Naomi R. Goldenberg
Naomi R. Goldenberg tem uma abordagem fascinante a Jung; partindo de uma
perspectiva feminista, ela aguçadamente acusa os “junguianos” de simplificarem
a complexidade textual dos escritos de Jung. Ela efetivamente acusa grande parte
dos estudos junguianos de reduzir Jung apenas à sua “grande teoria”, um ponto
com o qual concordo.
Ao contrário das feministas junguianas tradicionais, Goldenberg não
encontra nenhum potencial redentor na teoria do arquétipo transcendente,
talvez por considerá-lo ainda determinante em termos de gênero. Ao argumentar
que “acadêmicos feministas precisam examinar a própria ideia de arquétipo no
pensamento junguiano se pretendem confrontar o sexismo em sua base”, ela
parece sugerir que a cultura não tem um papel a desempenhar no gênero
psíquico para os junguianos. Essa posição não é uma consequência sine qua non
da teoria dos arquétipos, como já demonstrei. Para Goldenberg, a alternativa
para desafiar a noção de Jung do arquétipo é ou aceitar o sexismo patriarcal
como imutável ou buscar os arquétipos “femininos” (como no feminismo da
deusa). Essa última opção não lhe agrada, pois desacopla o gênero das condições
culturais.
Goldenberg parece ter caído na armadilha, que ela própria identifica, de
ler Jung exclusivamente na sua modalidade dogmática, e portanto perde as
possibilidades de seus arquétipos andróginos, que são representáveis somente
através de imagens arquetípicas influenciadas pela cultura.
Sua tentativa de encontrar um feminismo junguiano acaba com a mesma
posição adotada por James Hillman e sua psicologia arquetípica. Ela dá fim ao
arquétipo transcendente propriamente dito, substituindo-o pelo arquétipo
enquanto imagem. Apesar de referências a Hillman, a ênfase de Goldenberg é
bastante diferente ao insistir em manter a imagem arquetípica como um veículo
de expressão cultural. Cultura e história desempenham um papel formador nas
imagens geradas pela psique. Esse feminismo junguiano é uma junção de três
elementos: o desafio a Jung enquanto mestre teórico, a ênfase na psique como
sendo criativa e religiosa e, em terceiro lugar, um forte papel da cultura em
moldar subjetividade e gênero.
Resumo e conclusão
LEITURA RECOMENDADA
Hillman, James. “Anima,” Spring: A Journal of Archetype and Culture (1973), 97-132.
Hillman, James. “Anima II,” Spring: A Journal of Archetype and Culture (1974), 113-146.
Textos envolventes e persuasivos que repensam a anima de Jung de maneira simpática à
análise feminista.
Hillman, James. Archetypal Psychology: A Brief Account (Dallas, Tex.: Spring Publications
Inc., 1983).
Uma introdução acessível à psicologia arquetípica; inclui uma bibliografia completa das
obras de James Hillman publicadas até 1983.
Barnaby, Karin e D’Acierno, Pellegrino (editores). C. G. Jung and the Humanities: Towards
a Hermeneutics of Culture (Londres: Routledge, 1990).
Um compêndio fascinante com textos influentes de outros psicólogos arquetípicos como
Paul Kugler e a teórica arquetípica feminista Carol Schreier Rupprecht, e uma debate de
mesa redonda que inclui Robert Bly.
Tacey, David. Remaking Men: Jung, Spirituality and Social Change (Londres: Routledge,
1997).
Diz tudo que você precisa saber sobre o movimento mitopoético masculino e o que tem
de errado com ele. Uma leitura acessível e uma tentativa convincente de juntar os
estudos dos homens acadêmicos e a teoria junguiana progressiva.
Wehr, Demaris S. Jung and Feminism: Liberating Archetypes (Boston: Beacon Press,
1987).
Excessivamente simplifica uma “oposição” entre Jung e o feminismo. Termina com um
argumento valioso em prol de sua integração ao pensamento feminismo nas ciências
humanas.
Samuels, Andrew. Politics on the Couch: Citizenship and the Internal Life (London:
Profile Books, 2001).
Uma leitura fascinante e otimista sobre a junção da psicologia e da política. Muito
acessível e combina as abordagens política e psicológica de gênero.