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Animus: algumas reflexões1

Silvana Parisi

Sinopse: O artigo apresenta algumas reflexões sobre os conceitos de anima e animus, em


especial, sobre o animus, à luz das mudanças sócio culturais da contemporaneidade que
alteraram as relações familiares e os papeis de homens e mulheres. Essa reflexão baseia-se
em textos selecionados de C. G. Jung e de alguns teóricos junguianos que realizaram revisões
sobre o tema, na busca de diferenciar e compreender o animus para além de preconceitos de
gênero e culturais. Apresenta também a funcionalidade do conceito na prática analítica e na
compreensão da dinâmica de relacionamento amoroso entre homens e mulheres.

Palavras-chave: anima, animus, gênero, psicologia analítica, eros, mulheres.

Resumen: El artículo presenta algunas reflexiones sobre los conceptos de anima y animus,
en particular, el animus, a la luz de los cambios socio-culturales en el mundo contemporáneo
que han alterado las relaciones familiares y los roles de hombres y mujeres. Esta reflexión se
basa en textos seleccionados de C. G. Jung y algunos teóricos junguianos que llevaron a cabo
una revisión sobre el tema, tratando de diferenciar y entender el animus más allá del género
y los prejuicios culturales. También se presenta la funcionalidad del concepto en la práctica
analítica y en la comprensión de la dinámica de las relaciones de amor entre hombres y
mujeres.

Palavras clave: anima, animus, género, psicologia analítica, eros, mujeres.

Abstract: The article presents some reflections on the concepts of anima and animus, in
particular on the animus in the light of socio-cultural changes that have altered contemporary
family relationships and the roles of men and women. This reflection is based on selected
texts of C. G. Jung and some Jungian theorists who conducted reviews on the subject, seeking
to differentiate and understand the animus beyond gender and cultural biases. It also presents
the concept of functionality in analytic practice and understanding of the dynamics of love
relationships between men and women.

Keywords: anima, animus, gender, analytical psychology, eros, women.

Desde sempre, a questão do animus esteve presente em minha vida, de forma


inconsciente em boa parte do tempo. Na adolescência, meus primeiros diários traziam um
personagem masculino, para quem eu contava tudo e com quem dialogava, trocando a cor da
caneta. Ele me questionava, censurava, elogiava. Anos mais tarde dei-me conta de que era
uma primeira aparição do animus em uma forma incipiente e espontânea de imaginação ativa.
O que teria feito uma garota de seus doze anos criar este personagem, um confidente para
quem se dirigia e com quem conversava? A que necessidade da alma estaria servindo? Algum
tempo depois, deixei de nomeá-lo, passei a conversar comigo mesma, achava aquilo muito
infantil e “ele” deixou de existir neste formato. Passei a encontrá-lo projetado nas minhas
paixões e relacionamentos amorosos, nas minhas autocríticas, nas certezas e incertezas, nas

1
Capitulo do livro: Feminino, masculino e relacionamento amoroso: uma leitura junguiana. Org:
Durval L. Faria. 2017. E Book
minhas batalhas, derrotas e vitórias, na assertividade e em minha agressividade. “Ele” esteve
nos bastidores de escolhas, decisões, reflexões e vicissitudes de meu caminho, das alturas aos
abismos.

Na clínica, observo a presença e atuação do animus nas inúmeras mulheres com quem
trabalho individualmente ou em grupos. Vejo sua força, poder destrutivo e numinosidade.
Pergunto-me sempre como ajuda-las a se relacionar, transformar ou pelo menos atenuar seus
efeitos negativos, liberá-las do seu jugo e integrar seus conteúdos. A partir da prática, cada
vez mais a constatação de que a questão anima/animus se constitui no “opus major” da
individuação.

Possivelmente é um dos temas mais controvertidos da obra junguiana, frente às


grandes mudanças que alteraram radicalmente as relações familiares e os papeis tradicionais
de homens e mulheres. No caso especifico do animus, é necessário um olhar que contemple
a vida das mulheres na atualidade que é bem diversa da época em que Jung formulou estes
conceitos. O leque de possibilidades de escolha à disposição das mulheres hoje em dia é
incomparavelmente mais amplo do que há um século atrás. Penso ser uma tarefa dos
junguianos na atualidade a tentativa de diferenciar e compreender o animus para além de
preconceitos de gênero e culturais. Evidentemente, estes questionamentos não serão
esgotados nesse artigo, mas espero que possam servir de estímulo para mais reflexões sobre
o tema. Escolhi comentar algumas citações do próprio Jung sobre o conceito de
anima/animus e, especificamente do animus, em diversos momentos de sua obra em uma
tentativa de dialogar com outros teóricos junguianos. Veremos também a funcionalidade do
conceito e sua atuação na prática.

Em O Eu e o Inconsciente, Jung (O.C. VII/2: §302) define anima/animus como um


complexo psíquico semiconsciente, cuja função é parcialmente autônoma. Nesse texto, Jung
coloca a anima como compensatória à persona:

A persona, imagem ideal do homem tal como ele quer ser, é compensada
interiormente pela fraqueza feminina; e assim como o indivíduo exteriormente faz o
papel de homem forte, por dentro torna-se mulher, torna-se anima, e é esta que se
opõe à persona (...). Portanto, o contrário da persona – a anima – também permanece
totalmente no escuro e se projeta. (JUNG, O.C.VII/2: §309)

Entretanto, como aponta Stein (2004) o encontro com anima/us representa uma
conexão mais profunda do que a da sombra; é mais do que o inverso da persona. Além disso,
se pensarmos a persona como um importante instrumento de adaptação da psique ao mundo
externo e social, vemos que a noção de anima/us como sendo o contrário da persona, acabaria
sendo datada. A persona socialmente valorizada depende do ambiente, cultura e época a que
pertencemos. A esse respeito Hillman (1990) assinala que a tarefa hoje é descobrir quais
descrições de anima são apropriadas nesse momento, já que é governada por outros mitos.

Jung desenvolve o conceito de anima/animus em textos posteriores, principalmente


em Aion (O.C.IX/2) em que sintetiza e define novamente os conceitos de anima/us,
concebendo-os como imagens arquetípicas.

O fator determinante das projeções é a anima, isto é, o inconsciente representado pela


anima. Onde quer que se manifeste: nos sonhos, nas visões e fantasias, ela aparece
personificada(...). (JUNG, O.C IX/2: §26).

Mais adiante complementa:

Como, porém a anima é um arquétipo que se manifesta no homem, é de supor-se que


na mulher há um correlato, porque do mesmo modo que o homem é compensado pelo
feminino, assim também a mulher o é pelo masculino (§26)

Só essa definição já deu margem a discussões no meio junguiano. Vou mencionar de


forma bastante simplificada algumas dessas ideias. Hillman (1990) pondera que anima e
animus, sendo arquétipos, não poderiam ser localizados exclusivamente dentro da psique de
um ou outro sexo, questionando também a noção descrita por Jung (O.C XVII) de que as
mulheres já possuem alma (anima) só por serem mulheres. Propõe que a anima como
arquétipo seja separada da noção de contra-sexualidade. O que se pressupõe das concepções
de Hillman é que anima e animus existem tanto em homens como em mulheres.

Samuels (1989) concorda com a ideia de anima e animus existirem igualmente para
homens e mulheres. Acrescenta que “vivemos cada vez mais no mundo da anima, num
mundo animado” (SAMUELS, 1989: 270) considerando todas as mudanças culturais
contemporâneas.

Young – Eisendrath (2002) faz uma revisão do conceito de anima/animus à luz da


visão contemporânea de gênero. Concebe anima e animus como complexos psicológicos do
sexo oposto em cada um de nós (que, como todo complexo, tem um núcleo arquetípico).
Assim, o complexo contra-sexual é o produto de um eu que é de um determinado gênero, ou
seja, é um Outro contra-sexual, um não-eu. A autora faz uma clara diferenciação entre sexo
e gênero com o que concordam outros teóricos junguianos: que a noção de gênero é flexível
e, portanto, não há um princípio universal de gêneros. Considero pertinente e atual sua
afirmação:

Quando o gênero é fortemente dicotomizado e o mundo é dividido em dois,


masculino e feminino, então o indivíduo tende a defender o eu desprendendo o
complexo contra-sexual por inteiro, vendo-o exclusivamente nos outros. Existem
muitos sintomas disso num nível cultural mais amplo (YOUNG- EISENDRATH,
2002: 222).

Para Demaris Wher (1994) temos que considerar as origens sociais do animus
negativo; ela prefere nomear esse aspecto do animus de “opressão internalizada”.

Em geral há um consenso sobre a relevância e o pioneirismo da teoria de Jung com o


conceito de contra-sexualidade, e a consequente visão sobre o potencial de cada sexo para
desenvolver aspectos de seu oposto.

Convém mencionar que, ainda em Aion, Jung (O.C. IX/2: §27) faz a ressalva: “se
trata de um trabalho pioneiro que deve contentar-se com seu caráter provisório”. De certa
forma, essa frase o “resguarda” parcialmente de algumas críticas de feministas e teóricos
junguianos, mas também oferece um convite ao aprofundamento.

Ainda no âmbito teórico, vamos ver como Jung apresenta especificamente o animus:

Em O eu o Inconsciente:

Na mulher, a figura compensadora é de caráter masculino e pode ser designada pelo


nome de animus. Se não é simples expor o que se deve entender por anima, é quase
insuperável a dificuldade de tentar descrever a psicologia do animus. (JUNG,
O.C.VII/2: § 328)

Mais adiante, continua:

O mais importante e interessante para a mulher é o âmbito das relações pessoais,


passando para o segundo plano os fatos objetivos e suas inter-relações. O vasto campo
do comércio, da política, da tecnologia, da ciência, enfim, todo o reino do espirito
utilitário aplicado do homem é relegado à penumbra da consciência feminina; por seu
lado, ela desenvolve uma consciência ampla das relações pessoais, cujas nuanças
infinitas em geral escapam à perspicácia masculina. (§330)

Nestes trechos, as afirmações de Jung retratam nitidamente seu momento histórico-


cultural, com uma visão bastante estreita e limitante quanto aos interesses femininos, como
era mesmo a perspectiva em geral da vida das mulheres. Novamente ele reconhece sua
dificuldade maior em descrever a psicologia do animus em comparação com a anima. Parece
até que se justifica antecipadamente, intuindo futuras críticas.

Sua visão, sem dúvida, é a partir de fora, de um homem falando sobre a experiência
da mulher e principalmente (como no parágrafo a seguir), de um homem que parece ficar
incomodado com a manifestação desse aspecto. Samuels (1989) considera que Jung via a
anima como uma figura mais agradável do que o animus: muitas vezes, em seus escritos a
anima parece suavizar o homem, tornando-o mais amoroso, enquanto o animus seria
responsável pelas declarações agressivas e obstinadas das mulheres. Nesse sentido, a
descrição de animus feita por Emma Jung (1995) é muito mais solidária e fiel à experiência
das mulheres, pois apresenta o animus visto a partir de dentro.

Em Aion:

Como a anima corresponde ao Eros materno, o animus corresponde ao Eros paterno


(...). No homem, o Eros que é a função de relacionamento, via de regra aparece menos
desenvolvido do que o Logos. Na mulher, pelo contrário, o Eros é a expressão de sua
natureza real, enquanto que o Logos muitas vezes constitui um incidente deplorável.
Ele provoca mal-entendidos e interpretações aborrecidas no âmbito da família e dos
amigos porque é constituído de opiniões e não de reflexões (JUNG, O.C.IX/2: §29).

Como vemos, Jung relaciona eros à psicologia das mulheres e logos aos homens. Uma
crítica frequente feita a Jung é que não se pode mais restringir a feminilidade à função de
eros:

À luz da tomada cada vez mais intensa de consciência das mulheres a respeito de si
mesmas, começaram a acumular-se evidencias crescentes de que o conceito Eros-
Logos não é adequado para abarcar toda a ampla gama de dinamismos masculinos e
femininos (WHITMONT, 1991:149).

Whitmont sugere a terminologia de Yin e Yang para falar de masculino e feminino


pois estariam menos contaminados com questões de gênero e presentes tanto em homens
quanto mulheres. Descreve também um aspecto dinâmico e estático em cada um dos polos
(Yin estático e dinâmico, Yang estático e dinâmico). Sem dúvida esta é uma visão mais
abrangente do que dizer que o feminino é regido exclusivamente por eros e o masculino por
logos. Nesse sentido, pode-se perguntar, como ficam as mulheres de hoje que são guerreiras
em seus trabalhos e em suas casas? O fato de terem um dinamismo mais ativo ou mais yang
em suas personalidades seria fruto do animus? Seriam vistas como possuídas pelo animus,
ou identificadas com o animus? Ou seriam características de um aspecto mais dinâmico
inerente ao próprio feminino, como mostram as imagens arquetípicas das deusas virgens
Ártemis e Atena? Eis um tema que mereceria mais discussão.

Outro questionamento interessante é que associar eros a feminino seria inadequado


ou no mínimo incompleto, já que eros é um deus masculino, um daimon. Hillman (1990) é
bem claro ao distinguir a anima de eros: “Alma é o alvo da flecha, o material combustível do
fogo, o labirinto no qual ele dança” (HILLMAN, 1990: 36)

Mesmo que seja necessária uma revisão conceitual à luz das transformações na
atualidade, é na prática (tanto a prática psicoterapeutica, quanto a observação da vida e das
relações humanas) que as ideias de Jung se revelam mais uteis; é indiscutível sua
funcionalidade. Penso que os questionamentos teóricos só serão fecundos se servirem
efetivamente para auxiliar homens e mulheres a lidarem com anima e animus em seu
processo de individuação, principalmente se pudermos absorver as novas ideias mais atuais
sobre gênero, sem os estereótipos e a visão tendenciosa que Jung apresentou em vários
trechos, principalmente em relação à mulher e ao animus.

Voltemos a Jung. Ele explica que a relação entre anima/us é sempre “animosa”, ou
seja, emocional (e, portanto, coletiva). É nesse ponto que se observa sua grande contribuição
para a compreensão das relações amorosas entre homens/ mulheres, especialmente. Nada
mais verdadeiro do que essa bela imagem:

Todas as vezes que o animus e a anima se encontram, o animus lança mão da espada
de seu poder e a anima asperge o veneno de suas ilusões e seduções (JUNG, O.C.
IX/2: §30).

Para o bem, ou para o mal, seja na atração ou na repulsa, no amor ou no ódio, as


projeções de anima e animus comandam em grande parte as relações amorosas, estão nos
seus bastidores: os homens com seus “caprichos irracionais” e as mulheres com suas
“opiniões irracionais”, como bem descreve Jung. O trabalho de retirar as projeções e
conseguir discriminar o que é o outro real e o que é a projeção é o grande desafio dos
relacionamentos. Vale comentar que muito do que Jung escreveu em sua época se baseia em
relações heterossexuais. Mas poderíamos dizer que o mesmo acontece nas relações
homossexuais, uma vez que sempre se projeta o polo oposto (ao eu) no outro exterior.

Na atualidade os papeis não seguem mais o rígido modelo patriarcal, as atribuições


do que antes era exclusividade masculina ou feminina, quase deixaram de existir ou têm
fronteiras bem mais flexíveis. E isso afetou diretamente as relações. Escuto mulheres que se
ressentem de companheiros que dividem pouco as tarefas domésticas; mas também não
querem ficar no papel de “mães” de seus parceiros, seja ao fazer as tarefas por eles, ou
colocando-os de “castigo”. Não querem mais homens-meninos mimados. Ficam no dilema:
se reclamarem, falando suas opiniões ou necessidades (de seu animus? ou delas próprias?),
serão alvo fácil da projeção da bruxa, da anima negativa dos homens. Se não fizerem nada,
seu animus pode atacar internamente, com auto depreciações e autodesvalorização. Ou então,
simplesmente a energia amorosa é drenada e a relação fica “envenenada”, “paralisada”.

As questões das relações nos dias de hoje pedem um posicionamento diferente: a


proteção por trás dos papeis tradicionais já não é mais eficaz. Vejo que uma maior
honestidade tem sido experimentada e até mesmo, poderia dizer, “exigida” entre os casais. E
como ficam anima/ us nesse contexto? Em nome dessa maior honestidade, pode-se trilhar o
caminho de recolher as projeções, o que leva à ampliação de consciência, uma opção não
isenta de crises e dores. Entretanto, essa busca por maior honestidade e abertura não pode
servir de desculpa para “botar tudo para fora” num confronto exclusivamente “animoso” em
que anima e animus expõem suas armas e se perpetuam as projeções mútuas, onde o “outro”
é sempre o culpado, onde o “outro” exterior continua carregando o outro “interior” do
parceiro, cada um querendo ter sempre razão, o que, se não destrói, diminui a possibilidade
de entendimento e crescimento.

Mas é quando Jung dá indicações de como se deve lidar com anima/animus, cuja
função é para dentro, atuando como pontes para o inconsciente e não nas relações exteriores,
que vemos sua aplicação prática e terapêutica. A respeito das “opiniões” do animus diz Jung:

A mulher deve aprender a criticá-las e mantê-las à distância, não com o intuito de


reprimi-las, mas investigar-lhes a procedência: penetrando mais fundo em seu
obscuro recesso, deparará com as imagens originárias (...) (JUNG, O.C.VII/2: § 336).

Na análise de mulheres observo como este se torna o grande desafio: saber discriminar
se a voz que fala internamente é dela mesma ou de um animus, com frequência acusador e
crítico. Emma Jung (1995) e também Irene Castillejo (1973) detalharam com precisão e
sensibilidade a atuação do animus negativo na psique feminina. Apontam que o animus
costuma aparecer para a mulher como uma voz crítica ou autoritária, cheia de “deverias” e
regras, bem como opiniões baseadas no consenso geral, mas não no que a mulher realmente
é ou acredita. É inconfundível perceber a voz do animus negativo sempre que ouço alguma
paciente se desvalorizar, com baixa autoconfiança ou se exigindo em excesso, a ponto de
exaurir suas forças.

Com algumas pacientes às vezes proponho escreverem uma lista com as frases que
costumam ouvir dessa voz interna que as oprime. Peço para começarem com: “Você
deveria...” e em seguida completarem a frase. É impressionante como algumas mulheres
conseguem rapidamente encher uma página com essas falas internas. Já outras apresentam
uma dificuldade muito grande em realizar a tarefa; parece impossível separar essas vozes,
pois estão tão dominadas pelo animus (ou misturadas com ele) que acreditam em tudo que
ele lhes fala, como se fosse verdade absoluta e mesmo que essas falas as coloquem abaixo
do nível do chão. Esse exercício costuma me fornecer uma noção do tamanho da tarefa em
relação à questão do animus e como está a consciência de si mesma e seu processo de
individuação.

Quando a identificação das falas do animus acontece, o animus é personificado e é


mais fácil lidar com ele quando tem um nome, quando se sabe a “quem” se dirigir. Há a
descoberta surpreendente desse “outro” interior que tem uma cara própria, um jeito próprio.
Muitas vezes ele aparece como um juiz severo ou um padre moralista, às vezes é um professor
ou chefe exigente. Ao nomear o padrão de funcionamento negativo, ele começa a se
despotencializar, como no conto de fadas “Rumpelstilstikin”, em que a moça precisa
descobrir o nome do anão com quem fez um acordo nefasto, para poder se livrar dele. Depois
de feita a lista e de aparecer como personagem, muitas vezes peço para escreverem uma carta
para ele e começarem a estabelecer uma relação mais direta e consciente com o animus, um
diálogo interno. Como diz Emma Jung:

Pode-se conversar com eles, recorrer aos seus conselhos ou à sua ajuda, tendo-se
entretanto frequentemente de se defender de suas intervenções inoportunas e de se
zangar com sua rebeldia. E deve-se estar sempre muito vigilante para que essas
formas de aparição do animus não tentem tomar o poder e dominar a personalidade.
(JUNG, 1995:51)

Nesse sentido Jung (O.C IX/2) ressalta a autonomia de anima/animus, pois embora
seus conteúdos possam ser integrados à consciência, em si, como arquétipos, não podem ser
integrados. E devem ser vigiados, aconselha Jung, para não os perdermos de vista. Um
conselho precioso e que procuro seguir. Por exemplo: ler e escrever sobre ele e repensar
antigos trabalhos é uma forma de manter meu animus ocupado e não ocioso, pois, esclarece
Castillejo (1973), ele é o portador da tocha para a mulher, traz luz, foco e ilumina seu
caminho. Mas se a mulher não lhe diz onde colocar a luz, ele a dirige para algum lugar de
qualquer maneira (que pode não ser o lugar adequado para ela!). Pois essa é a função do
animus.

Referências bibliográficas

CASTILLEJO, I. C. (1973) Knowing woman. New York: Putnam’s Sons.

HILLMAN, J. (1990) Anima: anatomia de uma noção personificada. São Paulo: Cultrix.

JUNG, C. G. Obras completas de C.G.Jung, editados por Leon Bonaventure, Leonardo Boff,
Mariana Ribeiro Ferreira da Silva e Jette Bonaventure. O.C. IX/2. Petrópolis:Vozes.

JUNG, C. G. Obras completas de C.G.Jung, editados por Leon Bonaventure, Leonardo Boff,
Mariana Ribeiro Ferreira da Silva e Jette Bonaventure . O.C VII/2. Petrópolis: Vozes.

JUNG, E. (1995) Animus e anima. São Paulo: Cultrix

SAMUELS, A. (1989) Jung e os pós Junguianos. Rio de Janeiro: Imago.

STEIN, M. (2004) Jung O Mapa da alma: uma introdução. São Paulo: Cultrix.

WHER, D. (1994) Animus – O homem interior. In: DOWNING, C. (Org.) Espelhos do Self.
São Paulo: Cultrix, p.46-59.

WHITMONT, E.C. (1990). A busca do símbolo: conceitos básicos de psicologia analítica.


São Paulo: Cultrix.
YOUNG- EISENDRATH, P. (1994) Repensando o feminismo, o animus e o feminino. In:
ZWEIG, C. (Org.) Mulher: em busca da feminilidade perdida. São Paulo: Gente, p.237-252.

YOUNG – EISENDRATH, P. (2002) Gênero e contra-sexualidade: a contribuição de Jung e


além. In: Dawson, T & Young-Eisendrath, P. (Org.) Manual de Cambridge para estudos
junguianos. Porto Alegre: Artmed, p. 216 -230.

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