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UNINOVE – Universidade Nove de Julho

Instituto de Ciências Humanas


Curso de Psicologia

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TEORIAS DA PERSONALIDADE
Análise Psicológica do Filme “O Contador de Histórias”

São Paulo
2023
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UNINOVE – Universidade Nove de Julho
Instituto de Ciências Humanas
Curso de Psicologia

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TEORIAS DA PERSONALIDADE
Análise Psicológica do Filme “O Contador de Histórias”

Trabalho acadêmico apresentado à


disciplina Teorias da Personalidade em
Psicologia, da Universidade Nove de
Julho, sob orientação da Profª. Aline Vieira
Coelho.

São Paulo
2023
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Introdução

O presente trabalho tem como objetivo analisar o contexto histórico vivido por
Roberto Carlos Ramos, protagonista do filme “O Contador de Histórias”, seguindo os
conceitos principais da Psicologia Analítica, de Carl Gustav Jung (1875-1961).
De acordo com Feist e Roberts (2015), a Psicologia Analítica é uma concepção
dinâmica que investiga a vida mental na interação entre forças opostas conscientes e
inconscientes. A partir desse conceito, os autores também enfatizam que o ser humano tem,
enquanto propósito, alcançar a individuação e a realização ao longo da vida por meio do
equilíbrio das funções psicológicas, sendo regido pelos pensamentos conscientes e pelos
inconscientes pessoal e coletivo, explicados mais adiante.
Para a Psicologia Analítica, segundo Feist e Roberts (2015), a personalidade se
constitui da apresentação pessoal de características aceitáveis socialmente, estando situada
entre a tríade pensamento-biologia-social, resultando no comportamento dos indivíduos. Jung
desenvolveu uma teoria complexa sobre a personalidade que envolve diferentes estágios e
conceitos. Uma parte fundamental de sua teoria é a ideia de autorrealização. Para entender a
relação entre os estágios da personalidade e a autorrealização, é importante considerarmos o
ego - sendo o centro da consciência, a parte da personalidade que lida com a realidade
externa, o "eu" consciente que percebe e toma decisões racionais -, o inconsciente pessoal -
domínio das experiências pessoais, memórias, traumas, complexos individuais, emoções
reprimidas e aspectos não reconhecidos da personalidade – e o inconsciente coletivo –
composto por elementos compartilhados pela humanidade, como arquétipos, símbolos e
padrões universais, que influenciam o comportamento e a experiência.
Em relação aos arquétipos, segundo Feist e Roberts (2015), para Jung:

Arquétipos são imagens antigas ou arcaicas que derivam do


inconsciente coletivo. Eles são similares aos complexos, uma
vez que são coleções de imagens associadas carregadas de
emoção. Mas, enquanto os complexos são componentes
individualizados do inconsciente pessoal, os arquétipos são
generalizados e derivam dos conteúdos do inconsciente coletivo
(FEIST e ROBERTS, 2015, p. 73).

Enquanto conceito, os arquétipos destacados para a análise da narrativa a seguir são a


sombra e a anima que, enquanto definição, apresentam aspectos insconscientes ligados à
repressão, escuridão, figuras masculinas e femininas.
Para Jung, conforme Feist e Roberts (2015):
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A sombra, o arquétipo da escuridão e da repressão, representa aquelas
qualidades que não desejamos reconhecer e tentamos esconder de nós
mesmos e dos outros. A sombra consiste em tendências moralmente
censuráveis, além de inúmeras qualidades construtivas e criativas que, no
entanto, somos relutantes em enfrentar (FEIST e ROBERTS, 2015, p. 75,
apud. Jung, 1951/1959a).

O lado feminino dos homens se origina no inconsciente coletivo como um


arquétipo e permanece muito resistente à consciência. Poucos homens
tomam conhecimento de sua anima, porque essa tarefa requer grande
coragem e é ainda mais difícil do que tomar conhecimento de sua sombra.
Para dominar as projeções da anima, os homens precisam superar barreiras
intelectuais, analisar os recônditos distantes de seu inconsciente e perceber o
lado feminino de sua personalidade. (...) Jung acreditava que a anima se
originava das experiências precoces dos homens com as mulheres – mães,
irmãs e amantes – que se combinavam para formar uma imagem
generalizada de mulher. Com o tempo, esse conceito global foi incluído no
inconsciente coletivo de todos os homens como o arquétipo anima (FEIST e
ROBERTS, 2015, p. 75).

Conforme Feist e Roberts (2015), Jung argumentou que a busca da autorrealização


envolve a integração do conteúdo do inconsciente coletivo na consciência. Sendo assim,
jornada em direção à autorrealização envolve a expansão da consciência. Isso começa com o
reconhecimento e integração dos conteúdos do inconsciente pessoal, incluindo os complexos
e as sombras (aspectos reprimidos da personalidade). Ao lidar com essas partes obscuras da
psique, o indivíduo começa a se tornar mais completo. Além disso, a autorrealização requer a
exploração e a compreensão dos arquétipos e símbolos do inconsciente coletivo. Jung
acreditava que os arquétipos representam padrões fundamentais que moldam o
comportamento e a experiência humanos. Integrar esses elementos pode levar a uma maior
compreensão de si mesmo e do mundo.
A busca da autorrealização também envolve a jornada em direção ao "self" (ou si
mesmo), que é o centro da personalidade para Jung. O "self" representa a totalidade da psique
e é o objetivo final da autorrealização, implicando uma harmonização e o equilíbrio dos
elementos conscientes e inconscientes da personalidade. A autorrealização, de acordo com
Jung, não é apenas uma jornada de autodescoberta, mas também uma busca contínua para se
tornar a pessoa mais autêntica e completa que se pode ser (FEIST e ROBERTS, 2015).

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Desenvolvimento

O filme brasileiro "O Contador de Histórias", lançado em 2009, é baseado na vida de


Roberto Carlos Ramos, um ex-morador de rua que vivia nas favelas de Belo Horizonte, se
tornando um contador de histórias renomado. O filme é uma cinebiografia que narra a jornada
de superação e redenção do protagonista, interpretado por Marco Ribeiro.
Aos 6 anos, Roberto foi deixado por sua mãe para ser interno em uma instituição
oficial, que visava a formação de crianças em médicos, advogados e engenheiros, conforme
insinuava a propaganda. Entretanto, a realidade era bem diferente, o que fez com que Roberto
aprendesse as regras de sobrevivência no local. Ele cresce com dificuldades de aprendizado e
se torna um adolescente rebelde e envolvido com a criminalidade.
Pouco depois de completar 7 anos, ele é transferido, passando a conviver com crianças
até 14 anos. Aos 13, ainda analfabeto, Roberto tem contato com as drogas e já acumula mais
de 100 tentativas de fuga. Considerado irrecuperável por muitos, recebe a visita da psicóloga
francesa Margherit Duvas, interpretada por Maria de Medeiros, que o trata com respeito e
dignidade. Reconhecendo o potencial do jovem, a profissional inicia o processo de
recuperação e aprendizagem de Roberto. Com o apoio dela, ele consegue superar as
dificuldades, aprende a ler e escrever e, eventualmente, se torna um contador de histórias
talentoso, capacitado a inspirar e educar outras pessoas através de suas narrativas.
O filme explora a jornada de transformação pessoal do protagonista e como ele ajuda a
melhorar a vida de muitas crianças e jovens em situações semelhantes às que enfrentou em
sua infância, uma história comovente sobre resiliência, educação e a capacidade de superar
adversidades. A narrativa destaca a importância do cuidado e da educação na vida de crianças
em situações desfavorecidas. Ele enfatiza o poder das histórias como uma forma de conexão e
inspiração, mostrando como a determinação de um indivíduo pode mudar sua própria vida e a
vida daqueles ao seu redor.

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Considerações Finais

Entendendo o contexto no qual Roberto está inserido e sua jornada de


desenvolvimento pessoal e do seu vínculo com a psicóloga Margherit, à luz dos conceitos da
Psicologia Analítica de Jung, compreendemos que o protagonista, ao longo do filme, é
retratado como um menino de rua que vive à margem da sociedade, demonstrando
comportamentos rebeldes e desafiadores. Seu ego, na fase inicial, é predominantemente
influenciado por forças inconscientes, representadas por suas experiências traumáticas nas
favelas de Belo Horizonte, agindo de acordo com os impulsos do inconsciente pessoal.
Roberto é exposto a inúmeras experiências traumáticas na infância, que moldam seu
inconsciente pessoal, marcado pela sombra. Essas memórias e emoções reprimidas são
elementos que afetam seu comportamento e sua visão de mundo. A interação com Margherit
na instituição marca o início de um processo de conscientização e integração desses conteúdos
inconscientes.
O protagonista projeta muitos dos conflitos vividos em seu comportamento em forma
de projeções, sendo a projeção um conceito-chave na Psicologia Analítica, onde os indivíduos
atribuem a outros sentimentos e emoções que estão reprimidos em si mesmos (Feist e Roberts,
2015). Margherit, ao reconhecer essas projeções, desempenha um papel crucial em ajudar
Roberto a confrontar seus traumas e complexos.
A relação entre Roberto e Margherit desencadeia o processo de individuação do
sujeito em questão, representando a busca pela realização do "self" mais autêntico e completo.
Margherit atua como uma figura guia, encorajando Roberto a olhar para dentro de si mesmo,
compreender seus próprios conflitos e se tornar consciente de seu próprio potencial. Ela o
ajuda a começar a integrar os aspectos reprimidos de sua psique. O laço entre ambos também
envolve a exploração de símbolos e arquétipos do inconsciente coletivo. Margherit representa
o arquétipo da mentora ou figura materna, que auxilia o protagonista em sua jornada de
crescimento e transformação, também marcado pela anima. Os contos que Roberto conta e a
forma como Margherit os usa como ferramentas terapêuticas demonstram a presença de
símbolos universais que podem influenciar a psique.
À medida que Roberto cresce e se torna um contador de histórias renomado, ele
começa a explorar os elementos do inconsciente coletivo. As histórias que conta e as lições
transmitidas incorporam arquétipos e símbolos universais, que têm o poder de tocar as
pessoas em um nível profundo. Sua jornada em direção à autorrealização envolve a integração
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desses elementos compartilhados pela humanidade em seu próprio entendimento da vida.
A busca de Roberto pela autorrealização envolve a harmonização e equilíbrio de seus
aspectos conscientes e inconscientes. Conforme ele compartilha suas próprias histórias e
experiências, ele não apenas se cura, mas também inspira e ajuda outros jovens em situações
difíceis. Ele se torna um exemplo vivo da realização de seu "self". Sua jornada é uma busca
contínua para se tornar a pessoa mais autêntica e completa que ele pode ser, alinhando-se com
o objetivo da Psicologia Analítica.

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BIBLIOGRAFIA

FEIST, J; ROBERTS, T. A. (2015). Teorias da personalidade. Tradução: Sandra Maria


Mallmann da Rosa. 8ª ed. – Porto Alegre : AMGH.

JUNG, C. G. (1954/1959a). Archetypes and the collective unconscious. In: Collected works
(Vol. 9, Pt. 1).

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