A Revolução Industrial no século XIX mudou profundamente a
sociedade européia, configurando as classes sociais opostas: capitalistas x proletariado, aumentando assim, a exploração do trabalho assalariado. Com o processo de industrialização estabelecido diversas teorias surgiram para propor soluções ao problema da desigualdade social, algumas apresentavam alternativas não- violentas outras, enfatizavam a necessidade da violência. Para os pensadores Marx e Engels, somente por meio da luta de classes que as contradições do modo de produção capitalista poderiam ser superadas; seria necessário que as forças produtivas do sistema capitalista estivessem no auge de seu desenvolvimento para que as condições sociais levassem a um fenômeno histórico mundial, uma revolução proletária a partir da qual se abriria a possibilidade de uma sociedade sem classes. O materialismo dialético ganha importância para a teoria do conhecimento a partir do desenvolvimento do conceito de ideologia. A palavra ideologia tem interpretações diversas, entretanto é possível discernir dois significados gerais: 1º- assume uma conotação negativa, uma visão distorcida da realidade com o objetivo de justificar uma relação de poder, sendo um obstáculo que nos impede de ver a realidade; 2º - assume uma conotação positiva, pode ser traduzido como visão de mundo, não pode ser descartado, mas nos da condições para que nossa consciência possa dar conta da realidade a ser conhecida. Marx e Engels escreveram o livro A ideologia alemã, em 1948, que não foi publicado. Esses filósofos idealistas acreditavam que tudo aquilo que pode ser objeto de conhecimento dá-se como produção da consciência de um sujeito. O mundo só existe em função de um sujeito que o pensa e, ao pensar o mundo dá-lhe existência. Hegel foi um filósofo alemão sintetizou o espírito de seu sistema na frase: “Todo racional é real e todo real é racional”. Segundo ele a própria crítica ao conhecimento já se coloca como uma forma de conhecimento. Hegel elimina a necessidade da coisa em si e postula a identidade entre pensamento e realidade, colocando esta na dependência daquela. E é contra esse postulado que se ergue a crítica do materialismo dialético ao idealismo alemão.
Uma das principais características do pensamento de Marx e
Engels era aproveitar o que achavam importante nos autores que criticavam; da economia política inglesa, que possuía um caráter marcadamente liberal Marx e Engels importaram o conceito de trabalho, do socialismo utópico francês, incorporaram a crítica à sociedade burguesa. Marx e Engels incorporaram o conceito de dialética, mas invertendo completamente as premissas do idealismo hegeliano: não é mais o pensamento que cria a realidade, mas são as condições materiais de uma dada sociedade que servem de substrato para a formação de determinadas formas de consciência. A realidade social é marcada pelo conflito de classes: capitalistas versus trabalhadores assalariados. É chamado de alienação um conjunto de conhecimentos, crenças, valores, hábitos, etc., que é produzida pela classe dominante e assumida pela classe dominada, a classe dominada assume a ideologia da classe dominante. O materialismo dialético é importante para a História, primeiro porque nos fornece uma nova chave para discernir o que conta ou não como conhecimento histórico, segundo essa teoria nos fornece uma nova maneira de interpretar o desenrolar do processo histórico. Na visão do materialismo dialético, o que importa é a base econômica, que é caracterizada pelas relações de produção (capitalista e proletariado) e pelas forças produtivas (terras, máquinas, tecnologia, etc.). As instituições sociais, a política, igreja, família, escola etc. constituem a superestrutura, são determinadas pela base econômica, de modo que, quando esta se modifica, todo o resto se modifica, assim, o grande problema da historiografia tradicional é o de ocupar-se com as questões políticas, esquecendo-se da estrutura econômica que torna possível a configuração política. Para Marx o que conta para a História é a economia, não a política. Mas de que modo a relação entre base e superestrutura pode ser aplicada ao nosso entendimento acerca do processo histórico? As relações de produção que caracterizam cada estágio do desenvolvimento das forças produtivas, não são estáveis, mas configuram uma oposição dialética. A História, na perspectiva do materialismo dialético, é entendida como sendo a História da luta de classes. Após a morte de Marx e Engels, o legado teórico do materialismo dialético serviu de inspiração para a Revolução Russa. Após 1954 houve uma renovação na história do materialismo dialético: a Nova Esquerda. Os historiadores dessa tendência não negaram o legado marxista, mas acolheram os elementos culturais em suas análises das sociedades do passado. A historiografia marxista ficou limitada ao estudo dos aspectos econômicos das sociedades do passado e os aspectos culturais ou políticos eram interpretados como resultantes necessários da estrutura econômica vigente em determinada época. A abordagem do materialismo dialético acerca do conhecimento não se coloca de modo radicalmente diferente da abordagem do positivismo. O positivismo e o materialismo dialético fundamentam suas respectivas compreensões de cientificidade numa filosofia da História (a história como sucessão de estágios- religiosos, metafísicos e cientifico).
O materialismo dialético não abandona o posicionamento realista,
afinal é esta realidade, concreta, material, que se supõe dever ser transformada, mas garante uma abertura maior na compreensão de como se dá o processo do conhecimento.
A Fenomenologia – Capítulo 5.
São os escritos de Husserl que servem de fundamento para a
fenomenologia como método de análise e tradição filosófica. Os filósofos Martin Heidegger, Jean-Paul Sartre e Maurice Merleau-Ponty, inspirando-se em Husserl constroem novas e fascinantes teorias. Heidegger em sua obra Ser e tempo, as implicações da fenomenologia para o conhecimento histórico se colocam de modo explícito e instigante. Edmund Husserl coloca seu pensamento como uma forma de reação ao psicologismo, tendência filosófica inspirada no positivismo. John Stuart Mill e Herbert Spencer situaram o conhecimento no âmbito da psicologia. Husserl coloca em evidência as incongruências da abordagem psicologista do conhecimento, pois a consciência não pode ser confundida com os mecanismos nervosos e cerebrais que servem de suporte orgânico ao pensamento, mas deve ser entendida como um fluxo temporal de vivências, algo diverso do físico ou fisiológico. Assim, a fenomenologia se ocupa das coisas mesmas e de seus respectivos significados tais como aparecem em nossa experiência. A fenomenologia de Husserl apresenta a possibilidade de um conhecimento objetivo com base no concreto, na experiência subjetiva individual. Segundo ele, é necessário distinguir o ato de conhecimento (que é subjetivo e pode variar de pessoa para pessoa) do objeto conhecido (que dependendo do caso, pode ser universal e necessário). Husserl chama o ato pelo qual a consciência visa um objeto de noesis, e o objeto visado pela consciência de noema, ou seja, um mesmo objeto pode ser visado de formas diferentes. O conceito de intencionalidade é fundamental para compreender o sistema desenvolvido por Husserl. Embora essa palavra faça parte de nosso vocabulário cotidiano, na abordagem fenomenológica tem uma conotação diferente. Os filósofos medievais perceberam a diferença significativa entre intencionalidade moral e intencionalidade intelectual, ou seja, enquanto a relação da vontade com seu objeto são imediata, a do intelecto é medida pela representação mental do objeto. Já Descartes, entendia que o único conhecimento imediato era aquele que o sujeito tinha de si mesmo. Husserl toma o conceito de intencionalidade e o utiliza como fundamento da fenomenologia. Para Husserl não existe uma consciência “em si”, independente das vivências intencionais. Consciência é sempre consciência de alguma coisa, está sempre tendendo a um objeto. Um dos problemas do sistema filosófico de Husserl diz respeito à realidade do mundo exterior, ou seja, não negar ou afirmar a existência do mundo, mas concentrar-se mais na descrição do conteúdo das vivências. Em oposição a Husserl, Heidegger afirmava que o ser humano é um ser-no-mundo, portanto, devemos interpretar todas as nossas atividades em suas relações contextuais com as coisas do mundo. A filosofia de Heidegger ocorre com uma descrição fenomenológica da estrutura e atividade do Dasein, ser humano. Segundo ele, as atividades práticas, como o uso do martelo, são o modo mais elementar de nos relacionarmos com as coisas que se apresentam a nós como instrumentos. Nos anos 1930, a fenomenologia se expande para Áustria e Alemanha. Jean Paul Sartre mantém o entendimento de Husserl de consciência como sendo a consciência de objetos, afirma que o “Eu” não é senão uma seqüência de atos da consciência, nos quais se destaca o exercício da liberdade de escolha. Afirma também que a essência precede a existência, para ele o ser humano individual é, a princípio, sem essência, constituindo-a ao longo de sua vida de acordo com as escolhas que faz. “Eu”, portanto, sou resultado das minhas próprias escolhas. Seguindo Husserl, Heidegger e Sartre, Merleua-Ponty desenvolve uma nova linha nos estudos fenomenológicos. Incorpora insights da psicologia experimental, enfatizando o papel do corpo na vivência de experiências, rejeitou as teorias associacionistas e intelectualistas de sua época em favor do conceito de corpo vivido. Merleau-Ponty chamou as coisas do mundo de em-si- mesmas-para-mim. As reflexões fenomenológicas fornecem sua contribuição para pensarmos a História ao problematizar a questão do tempo, para interpretar as questões sociais Portanto, a partir do pensamento de Heidegger, passamos da fenomenologia do tempo à fenomenologia da História. Na filosofia de Heidegger, o homem deve ser entendido como um ente cuja essência define-se a partir das possibilidades que se atualizam em sua existência aqui e agora. Dessas possibilidades a mais primordial e angustiante é a morte, entretanto o ser humano pode fugir da angústia distraindo-se com as preocupações do mundo e vivendo uma vida inautêntica, ou pode assumir a consciência da morte como algo certo, mas indeterminado e lançar-se ao futuro numa vida autêntica. Heidegger, fala de um modo de vida inautêntico, no qual, para refugiar-se da angústia, o ser humano entrega-se ao palavrório, à curiosidade e à ambigüidade. O homem não é um ser temporal, possui também uma história, que se dá quando o ser humano apropria-se da herança das gerações passadas e lança-se ao futuro na repetição do passado que, enquanto presente, coloca-se como um momento de possibilidades de ser. Em Heidegger, a História nem sempre se identifica com a historiografia. Segundo a perspectiva heideggeriana, a História só pode ser verdadeiramente histórica, enquanto se busca no presente uma repetição do passado orientada pra o porvir no horizonte existencial do ser-para-a-morte. Kierkegaard repudia o sistema hegeliano porque este dissolve o existente singular em conceitos abstratos. Kierkegaard caracteriza o modo de vida estético como aquele em que buscamos um prazer após o outro, sempre em busca de novidades e sempre sob a ameaça do tédio. Dilthey, autor de Ser e tempo assumiu a idéia de que o homem é um ser histórico e de que a problemática existencial tem de ser resolvida em função dessa historicidade. Em Dilthey a historicidade humana é somente o meio pelo qual podemos discernir um método apropriado para as “ciências do espírito” em oposição a “ciências da natureza”. Paul Ricoeur salienta a importância da intratemporalidade, isto é, o modo mais apropriado para representar a realidade histórica e, o mais sujeito a tornar-se presa dos objetos representados. A fenomenologia torna-se importante para a História em função de sua problematização do tempo e, em especial, do tempo histórico.
O Cenário pós-modernista - Capítulo 6.
Final do século e todo século XX, o diálogo interdisciplinar
intensificou-se: insight da sociologia, economia, psicologia, antropologia, demografia, etc. foram incorporados às reflexões de historiadores, contribuindo para um enriquecimento substancial da disciplina de história. Entretanto nas últimas décadas do século XX, o diálogo com a teoria literária vem sendo recebido como ameaça à identidade profissional do historiador. Há a emergência de uma nova sensibilidade social denominada pós-moderna. Que conceito de classe seria mais apropriado para uma pesquisa historiográfica? Que relações podemos estabelecer entre a história das mulheres e o movimento feminista? A História não é muito diferente das demais disciplinas que tomam o ser humano como objeto de estudo, tais como a psicologia, a geografia, a sociologia, etc. Em todas elas encontramos divergências teóricas, conflitos de interpretações. Mas a História é ou não uma ciência? Segundo Linda Orr questionar a cientificidade da História nos dias de hoje equivale a atribuir-lhe um caráter literário do qual ela tem há muito tentado se desvencilhar. Portanto, segundo Orr a literatura constituiria o outro da História, aquilo que ameaça absorvê-la, comprometendo sua especificidade e autonomia. Hayden White sugere que os aspectos literários sejam, em grande parte, responsáveis pelo fascínio que temos pelos clássicos da historiografia. A História, no século XX no intuito de marcar ainda mais fortemente sue distanciamento frente à literatura, buscou modelos teóricos nas ciências sociais, com ênfase nos aspectos quantitativos. Nas últimas décadas do século XX, a forma narrativa de representação da História contribuiu para que muitos autores percebessem que não é possível dissociar o estilo verbal ou a eloqüência retórica do conteúdo semântico na apresentação de suas pesquisas Em função disso, muitos historiadores propunham não só uma maior abertura a novas formas de escrita da História, como também uma incorporação crítica da teoria literária na pesquisa historiográfica.
Estudos teóricos como os de Hayden White, Paul Ricoeur e
Dominick LaCapra, questionavam os critérios para demarcação das fronteiras disciplinares e buscavam, na teoria literária e na lingüística, insights a partir dos quais fosse possível pensar novas formas de conduzir a pesquisa historiográfica. Uma das teses de White é a de que o valor de um trabalho de historiografia não se deve somente aos procedimentos metodológicos que o nortearam, mas depende também de dimensões pré-figurativas da linguagem. Nas reflexões de Pau Ricoeur, a História não pode abrir mão do tempo, sob pena de perder a sua historicidade e confundir-se com as demais ciências com as quais dialoga, isto é, economia, sociologia, etc. Devido ao seu caráter essencialmente aporético, o tempo não pode ser trabalhado de modo especulativo. Portanto, a História para que permaneça histórica precisa referir-se ao tempo, mas só pode fazê-lo obliquamente resolvendo as aporias de temporalidade de forma poética. Ricoeur chama de intencionalidade histórica a referência ao tempo, implícita no discurso historiográfico. Entretanto, não chega a negar a distinção entre o discurso literário e o discurso historiográfico, porém, identifica um parentesco, ainda que indireto, entre a historiografia e a narrativa de ficção. Diferentemente de White e Ricoeur, LaCapra enfatiza, nos textos que estuda, as “vozes” de contestação que solapam toda tentativa de interpretação visando à apreensão de um significado estável e absolutamente coerente. As vozes de que fala LaCapra teriam implicações para a condução da vida política e social, inclusive a vida dentro das disciplinas acadêmicas. A crítica que LaCapra faz aos historiadores e em especial àqueles vinculados à História social, refere-se ao fato de que estes, em geral, revelam uma propensão a reduzir textos complexos em status de documentos. Textos complexos são aqueles que fazem parte do cânone erudito, como as grandes obras da literatura e da filosofia, acabam recebendo um tratamento reducionista por parte do historiador. Para LaCapra a mistura de gêneros não seria uma coisa necessariamente ruim, pois, na cultura se começa com o híbrido, e os gêneros puros ou disciplinas são o resultado de procedimentos de exclusão, e suspeitos tanto em termos intelectuais quanto sócio-políticos.