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Órgãos, tecidos e células do sistema imunológico e sua ontogenia

O sistema imunológico é formado por uma rede complexa e coordenada de


órgãos, tecidos, células e moléculas que tem como função mais abrangente
reagir a substâncias estranhas (antígenos) com a finalidade de manter a
homeostase do organismo. Nesse texto, primeiramente, abordaremos os
conceitos das linhas de defesa do sistema imune para facilitar a compreensão
da relação entre os seus componentes. Em sequência, veremos a origem e a
função das células imunológicas e por fim, a organização do sistema imune em
órgãos e tecidos.

A primeira linha de defesa do sistema imune é a chamada imunidade inata ou


natural. Que é definida como uma resposta rápida e estereotipada a estruturas
compartilhadas por micróbios relacionados. A diversidade de seus receptores é
limitada e codificada pela linhagem germinal. Além disso, a imunidade inata
não tem “memória”, ou seja, ela reage da mesma forma em todas as infecções.
(Abbas e cols., 2008; Medzhitov e Janeway, 2000). A segunda linha de defesa
é a imunidade adquirida ou específica. Essa resposta é caracterizada por ser
mais lenta e estimulada pela exposição prévia a agentes infecciosos. Sua
diversidade é alta e codificada por recombinação somática de segmentos
genéticos, por isso tem alta capacidade de distinguir diferentes moléculas.
Também possui a habilidade de “lembrar” e reagir de forma mais intensa a
infecções subsequentes de um mesmo patógeno. As duas linhas de defesa
conversam entre si e podem atuar de forma simultânea (Abbas e cols., 2008).

Uma vez que já conhecemos os conceitos de imunidade natural e adquirida,


vamos passar as células que atuam nessas respostas. As células do sistema
imune compartilham a mesma origem das outras células sanguíneas, os
eritrócitos e as plaquetas, sendo as imunes chamadas em conjunto de células
brancas ou leucócitos. A fonte dos leucócitos vai mudando à medida que o
indivíduo se desenvolve, no início, o saco vitelino e o mesênquima para-aórtico
são os responsáveis pela produção de todas essas células. Em sequência, o
fígado e o baço assumem essa função até que o tecido hematopoético
presente na medula óssea, principalmente dos ossos chatos, passa a ser
responsável por essa produção. Na puberdade, a medula do esterno, das
vértebras, dos ilíacos e das costelas, é a principal fonte das células imunes
(Abbas e cols., 2008).

Esse tecido hematopoético é o gerador das células tronco hematopoéticas


pluripotentes que darão origem aos precursores das células imunológicas
(Murphy e cols., 2010). Dessas células pluripotentes são originadas duas
linhagens principais, a mielóide e a linfóide. A linhagem mielóide engloba a
maioria das células da imunidade inata e vai dar origem aos fagócitos
mononucleares, aos granulócitos e aos mastócitos. Além disso, origina também
os eritrócitos e as plaquetas, que não serão abordados. A linhagem linfóide dá
origem aos linfócitos (linfócitos T, B, NK e NKT), dentre os quais se encontram
as células que atuam diretamente na imunidade adquirida (Abbas e cols.,
2008).

Em relação à linhagem mielóide, o progenitor mielóide comum dá origem a


duas linhagens particulares, a granulocítica e a monocítica. A linhagem
granulocítica dá origem aos granulócitos: (neutrófilos, eosinófilos e basófilos) e
aos mastócitos. Já a monocítica dá origem aos fagócitos mononucleares
(monócitos/macrófagos e células dendríticas). Veremos abaixo uma breve
descrição das principais características de cada célula.

Os neutrófilos têm como características a presença de núcleo com três a cinco


lóbulos e seus grânulos não se coram com corantes básicos ou ácidos,
permitindo distingui-los dos eosinófilos e basófilos (Murphy e cols., 2010). Eles
são os leucócitos circulantes mais numerosos, estão envolvidos nas etapas
iniciais da resposta inflamatória e tem capacidade fagocitária. Estão entre as
primeiras células que migram dos vasos para os tecidos atraídos por
quimiocinas, como a Il-8 e são ativados por vários estímulos como proteínas do
complemento e derivados bacterianos. Possuem três classes de grânulos e
podem gerar as chamadas “armadilhas extracelulares neutrofílicas” (NET, do
inglês neutrophilic extracellular traps). Os componentes das NETs são as
substâncias dos grânulos e moléculas nucleares que anulam fatores de
virulência e destroem bactérias extracelulares (Cruvinel, 2010).

Os eosinófilos são caracterizados por seu núcleo bilobulado e seus grânulos se


coram por eosina, ou seja, são acidófilos. Já os basófilos apresentam núcleo
irregular e grânulos que se coram por hematoxilina. Os mastócitos
amadurecem nos tecidos e seus grânulos são ricos principalmente em heparina
e histamina. Os basófilos e mastócitos possuem uma origem comum, já foram
identificados precursores que dão origem às duas células no baço (Arinobu,
2005) e na medula óssea (Qi e cols., 2013). As três células desempenham
papéis funcionais bastante similares. Elas estão envolvidas em processos de
doenças alérgicas e na eliminação de parasitos extracelulares (inclusive
helmintos) através da citotoxicidade celular dependente de anticorpos (CCDA).
Seus receptores FceRI se ligam a IgE liberando seus grânulos, cujo conteúdo
causa lesão tecidual aos parasitos (Cruvinel e cols., 2010; Abbas e cols., 2008,
Sasaki e cols., 2016). Eosinófilos estão envolvidos também em processos
inflamatórios de reações de fase tardia da hipersensibilidade imediata (Abbas,
2008).

Já conhecemos as células da linhagem granulocítica, agora veremos as da


linhagem monocítica. A primeira célula do sistema de fagócitos mononucleares
a deixar a medula e migrar para o sangue são os monócitos. Essas células são
incompletamente diferenciadas e só vão se tornar maduras ao entrarem nos
tecidos, passando a macrófagos fagocíticos. Dependendo do tecido no qual
residem, os macrófagos recebem denominações distintas como os macrófagos
alveolares nas vias aéreas, as micróglias no sistema nervoso central, os
osteoclastos nos ossos e as células de Kupffer no fígado. Os macrófagos têm
como função neutralizar, fagocitar e destruir partículas e também processar e
apresentar antígenos aos linfócitos T (Murphy e cols., 2010).

Outra célula que também está relacionada à linhagem dos fagócitos são as
células dendríticas. Elas deixam o sangue e só terminam a maturação ao entrar
nos tecidos. Elas apresentam longas projeções membranosas e secretam
citocinas em resposta a micróbios. No entanto, a principal função da célula
dendrítica é apresentar antígenos a um tipo de linfócitos (os linfócitos T) e
iniciar a resposta mediada por células T efetoras. Outras células
apresentadoras de antígenos (APCs) como os macrófagos, também
apresentam antígenos aos linfócitos T, mas somente quando o linfócito já está
ativado. Dessa forma somente a célula dendrítica inicia a resposta imune
específica. Assim tanto macrófagos quanto células dendríticas possuem um
importante papel tanto na imunidade natural quanto na conexão entre a
imunidade natural e a adquirida (Abbas e cols., 2008).

Agora vamos passar a linhagem linfóide. O progenitor linfóide dá origem aos


linfócitos, que são as únicas células corporais com a habilidade de ligar e
diferenciar especificamente uma enorme variedade de moléculas. Essas
habilidades conferem as duas principais características da imunidade
adquirida: especificidade e memória. Os linfócitos inativos (naïve) são
pequenas células arredondadas com núcleo grande e citoplasma escasso.
Essas células consistem em distintas populações com funções bem diferentes,
mas que são morfologicamente indistintas. Existem cinco classes de linfócitos:
linfócitos T (TCD4+, CD8+ e reguladores), linfócitos Tγσ, linfócitos B (B1, da
zona marginal e foliculares), células NK (do inglês natural killer) e células NKT.
Abaixo veremos as principais características dessas distintas classes (Abbas e
cols., 2008).

Os linfócitos T são assim chamados por que se desenvolvem no timo após os


precursores deixarem a medula óssea. Os receptores de células T (TCR, do
inglês t-cell receptor) reconhecem peptídeos estranhos apresentados por APCs
ou células infectadas. Esses receptores, na maioria dos linfócitos, são do tipo
αβ. Após a ativação da célula Tαβ naïve, ela prolifera e se diferencia em um
dos três tipos de linfócitos efetores: linfócitos T citotóxicos CD8+, que
reconhecem antígenos na superfície de células infectadas ou células tumorais
destruindo-as; linfócitos T auxiliares CD4+, que reconhecem antígenos
apresentados por APCs e secretam citocinas que estimulam as células B e
ativam os macrófagos; e células T reguladoras, que suprimem a função de
outras células T, regulando a resposta. No entanto, uma pequena
subpopulação possui TCRs do tipo γσ, os chamados linfócitos Tγσ. Esses
linfócitos possuem uma especificidade limitada para todos os tipos de
moléculas e funcionam tanto como citolíticos quanto auxiliares na imunidade
inata (Abbas e cols., 2008).

Outro importante tipo de linfócitos são os linfócitos B, seus receptores ou BCRs


(do inglês B-cell receptor) são da classe das imunoglobulinas, que quando
secretadas são chamadas de anticorpos. As células B são responsáveis pela
imunidade humoral, sendo ativadas por antígenos tanto ligados quanto
solúveis. Uma vez ativadas e produzindo anticorpos elas são chamadas de
plasmócitos. As imunoglobulinas são incrivelmente diversificadas e específicas
para inúmeros tipos de moléculas e possuem várias funções como ativação do
complemento, CCDA e receptor de antígenos. Vamos, então, conhecer as
classes de linfócitos B. Os linfócitos B B-1 são derivados das células
hematopoéticas do fígado fetal e são encontrados no peritônio e nas mucosas
em adultos. Enquanto que as células da zona marginal e foliculares são
derivadas da medula óssea. As células B B-1 se desenvolvem mais cedo
durante a ontogenia do que outras células B e apresentam uma diversidade
menor do que estas. Essas células são uma fonte de produção rápida de
anticorpos contra patógenos. As células B da zona marginal são
funcionalmente similares às B-1, no entanto são encontrados no seio marginal
no baço. As células B foliculares compõem a maioria das células B maduras e
possuem receptores altamente diversos. Tanto as células B quanto as T, após
se diferenciarem podem gerar uma população de células de memória que
sobrevivem em estado quiescente por muito anos depois que o antígeno foi
eliminado. Essas células são responsáveis pela resposta mais rápida em uma
próxima infecção.

Existem ainda outras duas populações de linfócitos, as células matadoras


naturais (NK do inglês natural killer) e as NKT. Os linfócitos NK são
responsáveis pela destruição de células infectadas por vírus ou danificadas.
Eles são componentes da imunidade inata por possuírem baixa diversidade de
receptores. Já os linfócitos NKT compartilham características dos linfócitos T e
dos NK e são responsáveis por suprimir ou ativar respostas imunes naturais e
adquiridas.

Agora que já vimos todas as células que compõe o sistema imune vamos
conhecer a organização desse sistema em órgãos pelo corpo. Como dito, a
principal fonte das células imunes é a medula óssea dos ossos chatos. As
células da linhagem mielóide após deixarem a medula vão para o sangue e
ficam circulando até serem recrutadas para algum sítio de infecção ou de
lesão. No entanto as células da linhagem linfóide formam tecidos organizados
dentro de ambientes de células não linfóides, chamados de órgãos linfóides.
Uma vez que existe esse ambiente anatomicamente definido torna-se mais
eficiente o encontro entre os linfócitos e as APCs. Os tecidos linfóides são
classificados em primários, nos quais os linfócitos são gerados e atingem a
maturidade fenotípica e funcional; e secundários, nos quais as respostas a
antígenos estranhos são iniciadas e desenvolvidas (Abbas e cols., 2008).

Os órgãos primários são a medula óssea, na qual são gerados todos os


linfócitos e as células B sofrem maturação e o timo, onde os linfócitos T se
tornam funcionais. Os órgãos secundários são o baço, os linfonodos, o sistema
imunológico cutâneo (SALT, do inglês skin-associated lymphoid tissue) e o
associado às mucosas (MALT, do inglês mucosal-associated lymphoid tissue).
O SALT é constituído de linfócitos e APCs, além de outras células como os
queratinócitos que podem produzir citocinas favorecendo a eliminação de
patógenos que entram pela pele. O MALT que está presente nos tratos
gastrointestinais e respiratórios forma uma barreira a entrada de antígenos
ingeridos ou inalados. Nesse tecido também existem altas concentrações de
linfócitos e APCs (Murph e cols., 2010). O baço é o local onde geralmente
ocorrem as respostas a antígenos provenientes do sangue. Os linfonodos e o
sistema linfático constituem uma rede de capilares que transportam a linfa, esta
é formada pelo líquido dos espaços entre as células. Assim os antígenos que
entram pela pele, trato gastrointestinal ou respiratório são recolhidos até o
linfonodo próximo onde poderá se encontrar com uma célula imune e ativá-la.

Como foi demonstrado o sistema imune é composto por várias células, tecidos
e órgãos que se relacionam para garantir a defesa do organismo contra
agentes estranhos. Erros nesses mecanismos celulares podem levar a eventos
catastróficos para o individuo, como as doenças autoimunes, doença de
Alzheimer, esclerose múltipla, transtornos do espectro autista e tantas outras
enfermidades. Por isso é tão importante compreender os processos
imunológicos para que possamos encontrar soluções para essas questões.

Referências:
ABBAS, A. K. ; LICHTMAN, A . H. ; PILL AI, S.Imunologia celular e molecular. 6.ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.

Arinobu Y, Iwasaki H, Gurish MF, Mizuno S, Shigematsu H, Ozawa H. Developmental checkpoints of the basophil/mast
cell lineages in adult murine hematopoiesis. Proc Natl Acad Sci U S A. 102:18105e10. 2005.

Cruvinel M, Mesquita Júnior D , Araújo J , Catelan T , Souza A , Silva N , Andrade L. Fundamentos da imunidade inata
com ênfase nos mecanismos moleculares e celulares da resposta inflamatória. Rev Bras Reumatol. 50(4):434-61.
2010.

Medzhitov R e Janewa Jr C. Innate Immune Recognition: Mechanisms and Pathway. Immunol Rev, 173, 89-97.
2000.

Murphy K, TRavers P, Walport M.Mark. Tradução Ana Paula Franco Lambert e cols. Imunobiologia de Janeway.. –
7.ed. – Porto Alegre : Artmed, 2010.

Qi X, Hong J, Chaves L, Zhuang Y, Chen Y, Wang D. Antagonistic regulation by the transcription factors C/EBPa and
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Sasaki H, Kurotaki D, Tamura T. Regulation of basophil and mast cell development by transcription factors Allergology
International 65: 127e134. 2016.

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