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IMUNOLOGIA

Felipe Valle Fortes Rodrigues


Células mediadoras
da resposta imune
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve aprender os seguintes tópicos:

 Listar os principais tipos celulares envolvidos na resposta imune.


 Estabelecer os agrupamentos de mediadores celulares das respostas
inata e adaptativa.
 Reconhecer a função de cada linhagem celular linfoide e mieloide.

Introdução
Uma das referências mais antigas ao conceito de imunidade foi feita
em Atenas, em 430 a. C. Tucídides, um historiador ateniense, relatou
que indivíduos que já haviam se recuperado da peste foram capazes
de cuidar dos doentes sem recair. Desde então, numerosos estudos
destacaram a complexidade e importância do sistema imunológico.
O sistema imunológico inato é a primeira linha de defesa contra patóge-
nos invasores, compreendendo vários mecanismos de barreiras físicas
aos componentes celulares. Após o reconhecimento de um patógeno,
o sistema imunológico inato fornece resposta imunológica para reduzir
a infecção e, na maioria dos casos, o sistema imunológico adaptativo
é fundamental para conferir proteção mais duradoura. Ao contrário
da imunidade adaptativa, o sistema imune inato não está confinado
somente aos vertebrados e está presente em todas as plantas e animais.
De fato, para sermos capazes de nos defender contra o microambiente
dinâmico que nos rodeia e que está em constante mudança, povoado
por numerosas e potencialmente infecciosas comunidades microbianas,
vários membros do sistema imunológico interagem para criar e manter
uma resposta imune sob medida.
Há grande sinergia entre o sistema imune adaptativo e sua contra-
parte inata, e defeitos ou inabilidades em qualquer dos sistemas podem
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provocar doenças ente elas inflamação, doenças autoimunes, distúrbios


de imunodeficiência e reações de hipersensibilidade.
Assim, neste capítulo, você aprenderá a origem das células do sistema
imune e como essa sinergia é possível. Como maestros, os receptores
coordenam citocinas e células para proteger nosso organismo e manter
a homeostase corporal.

Tipos celulares envolvidos na resposta imune


Uma resposta imune intacta inclui contribuições de muitos subgrupos de
leucócitos. Os diferentes subgrupos de leucócitos podem ser discriminados
morfologicamente por uma combinação de colorações histológicas convencio-
nais e pela análise do espectro cluster de diferenciação (CD). Assim, é possível
observar algumas dessas diferenças em lâminas histológicas, mas a tecnologia
hoje nos permite um segunda confirmação dos achados normalmente a partir
de citometria de fluxo ou imunofluorescência para verificar os CD (DELVES
et al., 2010; ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2019).
Sabendo como vemos em laboratório as células, temos que compreender
sua origem e a sua correlação com a resposta imune. O sistema imunológico
é composto de órgãos que controlam a produção e a maturação de células de
defesa; dessa forma, podemos produzir mais células quando há demanda e
ao mesmo tempo em que mantemos o número suficiente para a vigilância.
A medula óssea e o timo são os chamados órgãos linfoides primários. Os
secundários principais incluem os gânglios linfáticos, o baço, as amígdalas.
Nos órgãos linfoides secundários, as células de defesa mantêm contato cons-
tante com o mundo externo e possíveis patógenos e organismos invasores
(DELVES et al., 2010; ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2019).
O timo apresenta como característica a sua degradação ao longo do tempo,
sendo bem desenvolvido em tamanho e celularidade em crianças e reduzindo
suas funções ao longo dos anos. Esse órgão fica localizado na parte superior
da cavidade torácica, acima do coração. Os linfócitos T são diferenciados e
selecionados no timo e passam a reconhecer quais estruturas presentes nas
superfícies celulares são próprias e quais não são próprias. Ao entrar em contato
com um corpo não próprio, as células T se transformam em células T efetoras
(DELVES et al., 2010; ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2019).
A população de linfócitos T inclui, entre outros, as células T citotóxicas
(CD8), que podem destruir células infectadas por patógenos, e células T au-
xiliares (CD4), outro tipo de linfócitos T que dão suporte e comando a outras
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células do sistema imunes. Na infância, o tecido do timo também produz dois


hormônios, timosina e timopoietina, que regulam a maturação das células de
defesa nos gânglios linfáticos (DELVES et al., 2010; ABBAS; LICHTMAN;
PILLAI, 2019).
Os linfonodos (também chamados gânglios linfáticos), que compõem o
sistema linfático, são órgãos linfoides secundários importantes para a home-
ostase de líquidos nos tecidos e das respostas imunológicas. Os linfonodos
funcionam como se fosse um sistema de cisternas no corpo, filtram e limpam
o fluido linfático (linfa) a caminho dos vasos linfáticos maiores, mantendo
vigilância sobre tudo o que passa, como se fossem a polícia de fronteira. Eles
contêm diferentes células de defesa, que interceptam os patógenos e testam os
antígenos solúveis e aqueles associados a células dendríticas, e, com isso, pos-
sibilitam sua apresentação à imunidade adaptativa (CRUVINEL et al., 2010).
O baço, outro órgão linfoide secundário, está situado no abdome superior
esquerdo, abaixo do diafragma. No feto, o baço é considerado o principal
produtor de células sanguíneas e de defesa. Após o nascimento, essa função
passa para a medula óssea e o baço torna-se o principal responsável pela
remoção de células sanguíneas lesionadas, senescentes e microrganismos
opsonizados. Assim, esse órgão armazena grande quantidade de macrófagos
que também podem ser liberados no sangue para atender a quimiotaxia presente
nos tecidos. O baço também possui linfócitos T e B residentes para responder
a possíveis infecções nas células atacadas pelos macrófagos, que são grandes
apresentadoras de antígeno (DELVES et al., 2010; ABBAS; LICHTMAN;
PILLAI, 2019).
A diferenciação das células que compõem o sistema imunológico inicia a
partir da célula-tronco hematopoiética, presente na medula óssea, amadurecem
e são transformadas em células progenitoras mieloides e progenitoras linfoides.
O progenitor linfoide comum se diferencia nas quatro principais populações
de linfócitos maduros: células B, células T, células natural killer (NK) e células
dendríticas. Esses subconjuntos de linfócitos podem ser discriminados por
fenótipo de superfície.
As células B são fenotipicamente definidas pela sua expressão do receptor
da célula B para o antígeno Ig ancorada à membrana. Foram definidos sub-
conjuntos de células B que diferem nos tipos de antígeno a que respondem e
nos tipos de anticorpos que produzem.
As Células T são definidas pela expressão da superfície celular do TCR,
uma proteína heterodimérica transmembrana que se liga ao antígeno processado
exibido pelas células apresentadoras de antígeno (APC). Existem em vários
subtipos e funcionalidades diferentes associadas a isso e à classificação via CD.
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As células NK são definidas morfologicamente como grandes linfócitos


granulares, distintos pela falta de TCR ou Ig de superfície que reconhecem
sua célula infectada por vírus ou tumor alvos usando uma coleção complexa
de receptores ativadores e inibidores da superfície celular. As células NK-T
compartilham características tanto das células NK quanto das células T (MES-
QUITA JUNIOR et al., 2010).

As células NK são muito importantes na imunidade inata e são também bastante


complexas em sua ativação. Nos links a seguir, você pode encontrar artigos sobre as
células NK e sua importância patológica.

https://qrgo.page.link/LPS5R

https://qrgo.page.link/KkosM

O progenitor mieloide comum dá origem a diferentes tipos de granuló-


citos, chamados assim pelos números de grânulos no citoplasma, visíveis
na microscopia ótica — neutrófilos, eosinófilos, basófilos e mastócitos, os
quais desempenham funções imunes proeminentes —, e também dá origem
aos monócitos e macrófagos (DELVES et al., 2010; ABBAS; LICHTMAN;
PILLAI, 2019).
Os megacariócitos, também originados dos progenitores mieloides, origi-
nam as plaquetas, mediadores imunologicamente significativos que expandem
seu repertório para além de seu papel na hemostasia.
A determinação do papel dos granulócitos pode ser inferida a partir do que
é secretado na liberação dos seus grânulos e na acumulação em condições pato-
lógicas específicas. Por exemplo, os neutrófilos produzem grandes quantidades
de espécies reativas de oxigênio que são citotóxicas para patógenos bacterianos.
Eles também produzem enzimas que parecem participar na remodelação e
no reparo dos tecidos após a lesão. Os neutrófilos se acumulam em grandes
quantidades em locais de infecção bacteriana e lesão tecidual e possuem
capacidades fagocíticas proeminentes. Assim, fica claro que desempenham
um papel importante na depuração de patógenos microbianos e no reparo de
lesões teciduais (DELVES et al., 2010; ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2019).
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Monócitos e macrófagos também são altamente fagocíticos para mi-


crorganismos que ativam seus receptores e/ou que foram marcadas para
eliminação por ligação de anticorpos ou complemento. Eles podem ser
mobilizados logo após o recrutamento de neutrófilos e persistem por mais
tempo em locais de inflamação crônica e infecção. Essas células usam a
produção de óxido nítrico como um dos principais mecanismos para matar
patógenos e também produzem grandes quantidades de citocinas, como
IL-12 e interferon gama, dando-lhes um papel regulador nas respostas imu-
nes adaptativas. Dependendo da sinalização, os macrófagos podem adotar
vários fenótipos, tanto pró-inflamação quanto com perfil que visa mais a
resolução do processo inflamatório. Macrófagos são capazes de produzir
grandes quantidades de IFN-γ, IL-6, IL-12 e TNF e expressam potentes
atividades pró-inflamatórias e antibacterianas. Em contrapartida, os macró-
fagos activados são induzidos por IL-4, IL-10 ou IL-13 a adquirir atividade
anti-inflamatória por meio de produção própria de IL-10, o antagonista do
receptor IL-1 e fator de crescimento transformador β (TGFβ) (DELVES et
al., 2010; ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2019).
Os eosinófilos são facilmente reconhecidos pelos grânulos citoplasmáticos
proeminentes que contêm moléculas tóxicas e enzimas que são particularmente
ativas contra helmintos e outros parasitas.
Basófilos e mastócitos são células morfologicamente similares que repre-
sentam linhagens distintas. Em virtude da expressão da superfície celular de
receptores de alta afinidade para IgE, eles são os principais iniciadores das
respostas imediatas de hipersensibilidade, liberando histamina e mediadores
que estimulam inflamação, edema e contração do músculo liso (ABBAS;
LICHTMAN; PILLAI, 2019).

As células-tronco hematopoiéticas são capazes de se renovar e se diferenciar em


células especializadas do tecido sanguíneo e do sistema imune. São coletadas via
medula óssea ou ainda cordão de sangue umbilical, e apresentam grande importância
no tratamento de doenças onco-hematológicas e imunológicas na substituição da
população celular doente, como é o caso das leucemias. No link a seguir, você poderá
ler um artigo que aborda importantes fatores sobre esse tópico.

https://qrgo.page.link/x4X9J
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Mediadores celulares das respostas inata


e adaptativa
Muito antes de os mecanismos de reconhecimento inato serem descobertos,
percebeu-se que antígenos purificados, como proteínas, por exemplo, muitas
vezes, não tinham uma resposta imune se colocados em experimentos contro-
lados, ou seja, não eram percebidos e, portanto, não eram imunogênicos. Em
vez disso, a indução de fortes respostas imunes contra proteínas purificadas
requeria a inclusão de constituintes microbianos, como bactérias mortas ou
extratos bacterianos. Na verdade, o que era necessário era ter a partícula para
ativar os receptores em vários tipos de células do sistema imune, de modo
que podemos dizer que deve haver a percepção do sistema imune sobre o que
lhe for imunogênico e a comunicação ao resto do sistema imune (MURPHY;
TRAVERS; WALPORT, 2010; ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2019).
Macrófagos, neutrófilos e células dendríticas são importantes classes de
sensores células que detectam a infecção e iniciam respostas imunes, produ-
zindo mediadores infamatórios, embora outras células, até mesmo células do
sistema imunológico adaptativo sistema, possam desempenhar essa função.
Assim, as células do sistema inato apresentam receptores genéricos.
Temos os receptores de reconhecimento de padrões, do inglês pattern re-
cognition receptors (PRRs), os quais reconhecem moléculas simples e padrões
de estrutura molecular conhecidos como padrões moleculares associados a
patógenos, do inglês pathogen associated molecular patterns (PAMPs), que
fazem parte de muitos microrganismos, mas nós não expressamos. Tais estru-
turas incluem oligossacarídeos ricos em manose, peptidoglicanos e lipopolis-
sacarídeos da parede celular bacteriana, bem como DNA não metilado comum
a muitos patógenos. Esses exemplos são conservados durante a evolução,
tornando-os excelentes alvos de reconhecimento. Alguns PRRs são proteínas
transmembrana, como os receptores tipo Toll, do inglês Toll like receptors
(TLR), que detectam PAMPs derivados de bactérias ou bactérias extrace-
lulares que foram fagocitadas. Outros PRRs são proteínas citoplasmáticas,
como os receptores do tipo NOD, que detectam invasão bacteriana. Outros
receptores citoplasmáticos detectam infecção viral através de diferenças nas
estruturas e localizações do mRNA hospedeiro, como a família de receptores
citoplasmáticos RIG (MURPHY; TRAVERS; WALPORT, 2010; ABBAS;
LICHTMAN; PILLAI, 2019).
Células fagocóticas, como macrófagos e neutrófilos, possuem o receptor
fMet-Leu-Phe (fMLF), um receptor acoplado à proteína G que detecta a
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presença de bactérias reconhecendo polipeptídeos bacterianos específicos,


que se ligam ao receptor e ativam vias de sinalização intracelular que direcio-
nam a célula para se mover em direção à fonte mais concentrada do ligante.
Como bactérias podem ser bastante móveis, as células fagocíticas conseguem
persegui-las. A sinalização através do receptor fMLF também induz a produção
de espécies reativas de oxigênio no fagolisossomo, já preparando para quando
alcançar a bactéria e fagocitá-la (DELVES et al., 2010).
Uma célula imune dentro de um determinado microambiente pode res-
ponder a sinais recebidos através de seus receptores de modo parácrino ou
autócrino. A linguagem das citocinas é fundamental nessa comunicação.
As citocinas são pequenos fatores solúveis com funções diversas que são
produzidas por muitos tipos de células como parte de um padrão de expressão
gênica que pode influenciar e regular a função do sistema imunológico. Após
a ligação da citocina no seu receptor, diferentes tipos de tirosina-quinases
da família Janus (Jak) associadas ao receptor são ativadas, fosforilando
as cadeias receptoras e permitindo o recrutamento e a ativação de outras
quinases e fatores de transcrição, como os da família STAT. Isso promove
a rápida translocação dessas proteínas para o núcleo e a estimulação da
transcrição do gene alvo (MURPHY; TRAVERS; WALPORT, 2010; ABBAS;
LICHTMAN; PILLAI, 2019).
As citocinas podem ser divididas em grupos de proteínas a partir de
similaridade de função ou cadeias proteicas dos receptores. O grupo de
citocinas pró-inflamatórias relacionadas à IL-1 consiste de IL-1α, IL-1β e
IL-18, citocinas muito envolvidas em processos que envolvem febre e ativação
de linfócitos. Outro grupo são as citocinas que utilizam uma cadeia γ comum
no seu receptor, IL-2, IL-4, IL-7, IL-9, IL-13 e IL-15, sendo consideradas
também pró-inflamatórias por ativarem e diferenciarem linfócitos. As que
utilizam a cadeia β comum, IL-3, IL-5 e fator estimulante de colônia, são
normalmente produzidas por linfócitos T ativados e estimulam granulócitos,
macrófagos, mastócitos, eosinófilos, basófilos e megacariócitos na medula.
A IL-10 possui um grande efeito anti-inflamatório, impedindo a produção
de muitas das citocinas anteriores e pode ser produzida por várias células,
como monócitos, linfócitos T e macrófagos M2. Outras moléculas agem
como sinalizadoras, como o interferon gama, que estimula macrófagos, ou
as quimiocinas, que são citoquinas quimiotáticas pequenas que regulam
a migração de leucócitos por meio de interações com receptores que têm
homologia estrutural e funções sobrepostas, podendo ligar-se a mais de um
receptor (MURPHY; TRAVERS; WALPORT, 2010; ABBAS; LICHTMAN;
PILLAI, 2019).
8 Células mediadoras da resposta imune

No link a seguir, você encontra um artigo da Revista Brasileira de Alergia e Imunopato-


logia sobre a função e interação celular das citocinas em maiores detalhes.

https://qrgo.page.link/TiK4S

Função da linhagem celular linfoide e mieloide


Vários tipos de células participam no sistema de defesa dos organismos. Em
adultos, eles quase todos originam, multiplicam e diferenciam-se na medula
óssea e são encontrados no sangue, em que ficam circulando ou migram para
o tecido. Neste tópico, você encontrará os detalhes sobre a origem e a função
efetora dessas células.

Mastócitos
Os mastócitos são células de citoplasma abundante e que contêm grânulos
ricos em histamina e outras substâncias relacionadas à permeabilidade vas-
cular (normalmente responsável pelo edema na imflamação), como heparina
e prostaglandinas. Essas células podem ser distinguidas com a coloração
histológica por azul de toluidina e são amplamente distribuídas no corpo,
mas são particularmente concentradas em locais que estão em contato com
antígenos, como o tecido conjuntivo epitelial do tecido respiratório, intestinal
e o sistema urinário.
Temos dois tipos distintos de mastócitos que diferem em sua morfologia,
coloração histoquímica e localização. O tipo 1 é abundante no tecido da maioria
dos órgãos, pode ser obtido da cavidade peritoneal de roedores e foi o primeiro
a ser descobertos, de modo que há muito conhecimento sobre eles. O outro
tipo é geralmente referido como mastócitos de mucosa porque foi observado
predominantemente no tecido da mucosa. A infecção por parasitas induz forte
acumulação de mastócitos e eosinófilos nos tecidos; quando há parasitas nas
mucosas, ocorre uma rápida resposta e expansão da população de mastóci-
tos no local. Tanto os mastócitos da mucosa quanto os mastócitos do tecido
conjuntivo são originários da medula óssea e são liberados no sangue como
células imaturas ou ainda não plenamente diferenciadas. Eles são residentes
em tecidos e não circulam em seu estado totalmente granulado, sendo envol-
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vidos em vários processos fisiológicos e patológicos, e a diferenciação ocorre


por meio de interações célula-célula ou por mediadores presentes no tecido.
Mastócitos estão presentes nos locais em que o corpo está em contato com
o “mundo externo” e a capacidade de diferenciar-se no tecido ou na mucosa
aumenta sua efetividade, pois permite o direcionamento de função dependendo
do que está sendo sinalizado naquele local. Além disso, caso ocorra depleção
ou falta de células, pode ocorrer uma rápida reposição, pois os precursores
estão disponíveis no sangue, ou seja, não precisa ocorrer a expansão a partir
da medula (MURPHY; TRAVERS; WALPORT, 2010; ABBAS; LICHTMAN;
PILLAI, 2019).

Eosinófilos
Os eosinófilos são leucócitos multifuncionais implicados na patogênese de
numerosos processos inflamatórios, sendo mais classicamente conhecidos
pela atuação contra parasitas, infecções helmínticas e doenças alérgicas. Os
eosinófilos podem ser recrutados em resposta a diversos estímulos a partir da
circulação para focos inflamatórios, onde modulam respostas a partir de uma
série de mecanismos. Recrutamento e ativação de eosinófilos por citocinas,
imunoglobulinas e complemento pode levar à secreção de uma matriz de
citocinas pró-inflamatórias, quimiocinas e mediadores lipídicos. Essas mo-
léculas têm efeito na regulação de sistemas de adesão, ativação e regulação
de permeabilidade vascular, secreção de muco e constrição do músculo liso.
Eosinófilos podem iniciar respostas imunes específicas de antígeno, agindo
como células apresentadoras de antígenos (APCs). Sob condições normais,
a maioria dos eosinófilos migram para o trato gastrointestinal, onde nor-
malmente residem dentro da lâmina própria de todos os segmentos, exceto
o esôfago. Esse recrutamento constante de eosinófilos gastrointestinais é
regulado pela expressão constitutiva de um quimiotaxico específico, chamado
de eotaxina 1. Além de tráfico para o trato gastrointestinal, sob condições
de homeostase, eosinófilos também estão presentes no timo, no tecido de
glândulas mamárias e útero. O tráfico de eosinófilos para locais em que há
processo inflamatório ativo depende de várias citocinas, dentre as quais a
IL-5 e as eotaxinas são as mais eficientes em regular seletivamente o tráfico
de eosinófilos. A IL-5 regula o crescimento, a diferenciação, a ativação e a
sobrevivência de eosinófilos e fornece um sinal essencial para a expansão
e a mobilização de eosinófilos da medula óssea para os pulmões após ex-
posição a alérgenos (MURPHY; TRAVERS; WALPORT, 2010; ABBAS;
LICHTMAN; PILLAI, 2019).
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Neutrófilos
Em humanos, os neutrófilos respondem por 50 a 70% de todos os leucócitos e são
a primeira linha de defesa do hospedeiro contra uma ampla gama de patógenos,
incluindo bactérias, fungos e protozoários. Além de muito impactantes como
matadores de patógenos e presentes na fase aguda da resposta inflamatória, os
neutrófilos também podem moldar o local da inflamação a partir da comunicação
com monócitos, macrófagos e células dendríticas. Os neutrófilos são células
efetoras rápidas capazes de fagocitose, recrutamento de outras células efetoras
e apoptose. Eles têm quatro mecanismos primários de ataque a patógenos:
fagocitose, geração de rajadas oxidativas, liberação de grânulos e formação de
neutrófilos. Os grânulos primários de neutrófilos são vesículas especializadas
com membrana, bastante semelhantes aos lisossomos, e contêm uma série de
agentes antimicrobianos chamados defensinas que agem sobre bactérias e fungos.
Esses grânulos primários são induzidos a se fundir com fagossomos após a
célula ter englobado um microrganismo, ajudando a matar o alvo. Neutrófilos e
macrófagos também possuem catelicidinas, que são peptídeos inativos compostos
de dois domínios ligados e processados antes da secreção. Nos neutrófilos, os
peptídeos inativos da catelicidina são armazenados em grânulos secundários
(ou tipo dois). A catelicidina é ativada quando se funde ao fagossomo junto
aos grânulos primários. As armadilhas extracelulares de neutrófilos (NETs, do
inglês neutrophils extracelular traps) são uma forma de morte celular única
dos neutrófilos em que ocorre a destruição dos grânulos internos e do próprio
núcleo, sendo a cromatina não condensada liberada no meio extracelular envolto
no conteúdo dos grânulos e efetores antimicrobianos, formando realmente como
se fosse uma rede que aprisiona patógenos, visando otimizar a morte de bacté-
rias e fungos do meio extracelular (MURPHY; TRAVERS; WALPORT, 2010;
ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2019).

Monócitos
Os monócitos desempenham um papel importante na defesa imunológica,
na inflamação e na homeostase, sentindo seu ambiente local, eliminando
patógenos e células mortas e dando início à resposta adaptativa, bem como
fornecendo um conjunto de progenitores que contribui para células dentríticas
inflamatórias e reabastecendo alguns macrófagos teciduais. Os monócitos
também contribuem para o reparo tecidual.
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Semelhante a outros tipos de células com funções primárias e proge-


nitoras, os monócitos são uma população celular heterogênea e plástica,
com funções dependentes do contexto atribuídas a diferentes subconjuntos.
Os monócitos compreendem uma variedade de células fagocíticas e capazes
de apresentar antígenos. O monócito distingue-se por origem e função.
Classifica-se em monócito quando está circulante no sangue; ao entrar
no tecido, diferencia-se de acordo com o local em: macrófagos alveolares
(pulmões), macrófagos peritoneais, células de Kupffer no fígado, macró-
fagos fixos da medula óssea (osteoclastos), células dendríticas no tecido
linfático. Hoje, também se estuda uma população específica de células
derivadas de monócitos que têm função supressora sobre linfócitos T.
Monócitos desempenham diversas funções atribuídas geralmente à presença
de múltiplas subpopulações de monócitos respondendo à ativação em uma
variedade de contextos ao longo do tempo. Uma compreensão completa
da homeostase, da função e do potencial de diferenciação de subconjuntos
de monócitos humanos de indivíduos saudáveis e no contexto de diversas
doenças é muito estudada hoje (MURPHY; TRAVERS; WALPORT, 2010;
ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2019).

Células dendríticas
As células dendríticas (CD) detectam patógenos invasores devido à sua
expressão de uma variedade de sensores para componentes derivados de
patógenos, seja na membrana plasmática (por exemplo, receptores Toll-like,
TLR) ou no citosol (por exemplo, NOD como receptores). Em vez de servir
para destruir diretamente patógenos, as CD adotam uma abordagem muito
mais sofisticada. Eles agem para comunicar a presença de patógenos ao
sistema imune adaptativo, iniciando respostas antígeno específica. As CDs
realizam essa função, organizando cuidadosamente o aparato proteolítico no
sistema endossomal-lisossomal (catepsinas e outras hidrolases lisossomais),
bem como no citosol (proteassoma) e no retículo endoplasmático (ER), para
degradar parcialmente as proteínas derivadas do patógeno para produzir
peptídeos, que são carregados em moléculas MHC. Os complexos peptídeo-
-MHC resultantes são transportados para a membrana plasmática, onde são
apresentados às suas células T, que são, então, ativadas e induzidas a proliferar
e a se tornar células efetoras potentes (células T citotóxicas) ou células que
auxiliam no progresso geral do sistema imunológico. Embora outros tipos de
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células (por exemplo, macrófagos, células B) possam apresentar antígenos,


as CDs são as principais responsáveis por iniciar todas as respostas imunes
específicas de antígeno (MURPHY; TRAVERS; WALPORT, 2010; ABBAS;
LICHTMAN; PILLAI, 2019).
É importante ressaltar que as CDs também são responsáveis por manter
a tolerância imunológica, assegurando, sob condições normais, que as
células T efetoras não sejam produzidas contra os antígenos próprios das
células e tecidos do hospedeiro. Na ausência de infecção, as DCs conti-
nuamente encontram e apresentam antígenos próprios para as células T.
Nessas condições, as células T efetoras não são induzidas a proliferar,
mas é favorecida a produção de células T regulatórias imunossupressoras
(Tregs) (MURPHY; TRAVERS; WALPORT, 2010; ABBAS; LICHTMAN;
PILLAI, 2019).

Macrófagos
Macrófagos são fagócitos profissionais envolvidos na reciclagem de eritrócitos,
remoção de células em apoptose e restos celulares, remodelação tecidual e
resposta a lesões e infecções. Eles são incrivelmente plásticos, mudando
rapidamente sua fisiologia em resposta ao microambiente circundante. Os ma-
crófagos podem ser classificados em dois fenótipos opostos: pró-inflamatórios
M1 e anti-inflamatórios M2.
Além disso, existem subconjuntos de macrófagos residentes especia-
lizados cujos fenótipos são únicos e adaptados à sua localização, como,
no fígado, as células de Kupffer, osteoclastos na medula e macrófagos al-
veolares. A ativação com um agonista do receptor tipo Toll, em resposta
a lipopolissacrídeo bacteriano, conjuntamente com interferon-γ, promove
a diferenciação a M1. Essa população de macrófagos tem uma capacidade
melhorada de apresentar antígeno, produz grandes quantidades de óxido
nítrico, secreta quantidades de quimiocinas e citocinas pró-inflamatórias e
promove a expansão de linfócitos T via MHC-II. Portanto, os macrófagos
M1 são vitais na defesa contra bactérias. A exposição a IL-4 ou IL-13 pro-
duzida principalmente por células T CD4+ promove a diferenciação em M2.
Esses macrófagos estão envolvidos na resposta a parasitas e fungos, além
de expressarem quantidades elevadas de arginase e proteínas relacionadas
com a matriz extracelular. Portanto, os M2 têm a capacidade de limitar a
inflamação e jogam um importante papel no reparo/remodelamento teci-
dual e na cicatrização (MURPHY; TRAVERS; WALPORT, 2010; ABBAS;
LICHTMAN; PILLAI, 2019).
Células mediadoras da resposta imune 13

Células NK
As células natural killer (NK) apresentam atividade citolítica espontânea contra
células sob estresse, como células tumorais e células infectadas por vírus.
Elas também secretam várias citocinas, como interferon-γ, fator de necrose
tumoral α, fator estimulante de colônias de macrófagos e um vasto número de
quimiocinas. A ativação e a função efetora da célula NK é bastante complexa
e discutida ainda hoje, sendo dependente da integração de sinais derivados
de dois tipos distintos de receptores ativadores e inibitórios. Assim, primeiro
ocorre a verificação de receptores ativadores e inibitórios entre a célula-alvo
e a NK; se o resultado for ativador, os grânulos da NK juntam-se à membrana
da NK e ela joga seu conteúdo diretamente no citoplasma da célula-alvo,
degranulando principalmente perforina e granzima (MURPHY; TRAVERS;
WALPORT, 2010; ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2019).

Linfócitos T e B
Os linfócitos T e B estão envolvidos na resposta imune adquirida ou antígeno-
-específica, uma vez que são as únicas células do organismo capazes de reco-
nhecer e responder especificamente a cada epítopo dos antígenos. As células
B têm a capacidade de se transformar em plasmócitos e são responsáveis pela
produção de anticorpos. Assim, a imunidade humoral depende das células B,
enquanto a imunidade celular depende das células T.
Genericamente, do ponto de vista morfológico, os linfócitos T e B são indis-
tinguíveis, pois ambos são pequenos e com núcleo grande com heterocromatina
densa e citoplasma com pouco volume. Quando são ativados, podem crescer,
aumentando, assim, seu citoplasma e o número de organelas. Os linfócitos
apresentam receptores para reconhecimento de antígeno receptor tipo T para
os linfócitos T e tipo B para os linfócitos B, com diferentes especificidades.
Os genes que codificam essas estruturas sofrem uma série de recombinações
de DNA, o que lhes confere uma imensa diversidade fenotípica. A ativação
e diferenciação das células T é dependente da confluência de três fatores:
interação do receptor de célula T com o peptídeo apresentado pela molécula
HLA; sinalização através de moléculas coestimulatórias; e participação de
citocinas que iniciam a expansão clonal. Tanto células apresentadoras de
antígeno quanto anticorpos podem ativar o receptor de linfócito B, que induz
uma intensa sinalização celular que muda a expressão celular do linfócito de
acordo com sinais acessórios ao estímulo do receptor (MURPHY; TRAVERS;
WALPORT, 2010; ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2019).
14 Células mediadoras da resposta imune

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Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para
esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual
da Instituição, você encontra a obra na íntegra.

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