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Imunidade Inata

A imunidade inata ou natural, como linha de frente da nossa defesa, é


responsável por detectar e destruir rapidamente os microorganismos com os
quais nos deparamos diariamente. Nesse texto, veremos primeiramente o
conceito de imunidade natural e as características dos seus receptores.
Veremos ainda os componentes do sistema imune inato e qual o papel desses
componentes na eliminação dos patógenos. Terminaremos destacando os
mecanismos de recrutamento de componentes imunes para os locais de
infecção e de fagocitose de microorganismos, devido a grande importância
desses fenômenos para a imunidade natural.

Então o que é imunidade inata? A imunidade inata é definida como uma


resposta rápida e estereotipada a estruturas compartilhadas por micróbios
relacionados. Essa imunidade é mais antiga e está presente tanto nos
vertebrados como em plantas e invertebrados. Os mecanismos utilizados para
reconhecer e eliminar o invasor já existem antes que a invasão ocorra, por isso
agem tão rápido. O reconhecimento das moléculas do invasor (antígenos) é
feito por receptores cuja diversidade é limitada e codificada pela linhagem
germinal (Abbas e cols., 2008; Medzhitov e Janeway, 2000). Esses receptores,
apesar da pouca diversidade, podem distinguir o “próprio” do “não-próprio” uma
vez que reconhecem padrões moleculares comuns aos microorganismos que
não são expressos por células humanas (Murphy e cols, 2010). Além disso, a
imunidade inata não tem “memória”, ou seja, os componentes reagem da
mesma forma em todas as infecções. (Abbas e cols., 2008; Medzhitov e
Janeway, 2000).

Mas, como esses componentes reconhecem as moléculas de microorganismos


invasores e as diferenciam das células próprias? Na imunidade inata esse
reconhecimento acontece através de receptores de reconhecimento de
padrões (RRPs) que se ligam aos padrões moleculares associados a
patógenos (PAMPs). Com dito acima, esses RRPs são codificados na linhagem
germinativa, por isso uma dada linhagem celular apresenta receptores
idênticos e com especificidade limitada para estruturas comuns aos micróbios.
Esses receptores podem estar associados a células, como os receptores
semelhantes a Toll (TLR; ligante: moléculas bacterianas e virais) e os
semelhantes a NOD (NLRs; ligante: peptideoglicanos bacterianos); ou podem
ser moléculas solúveis como as pentraxinas (ligante: fosfatidiletanolamina
bacteriana), as colectinas (ligante: manose de vírus bactérias e fungos) e as
ficolinas (ligante: moléculas da parede de bactérias gram-positivas). A ligação
desses receptores pelos seus ligantes ativa vias de sinalização que vão afetar
a expressão gênica de mediadores da imunidade natural como as citocinas. Os
RRPs juntamente com as proteínas efetoras circulantes, que veremos mais a
frente nesse texto, são considerados como o ramo humoral da imunidade inata.
Os ligantes reconhecidos pelo sistema imune natural não são encontrados em
células de mamíferos, indicando que esse sistema evoluiu de forma que os
seus componentes reconheçam e se liguem apenas a patógenos e não a
células próprias.

Mas afinal, quem são esses componentes? O sistema imunológico inato é


composto por barreiras epiteliais, células efetoras e proteínas efetoras
circulantes que atuam juntas na defesa do organismo. As barreiras epiteliais
fornecem não só uma barreira física a entrada de microorganismos, mas
também barreiras químicas e microbiológicas que produzem condições
adversas ao crescimento microbiano (Murphy e cols., 2010). A superfície
epitelial da pele e dos tratos gastrointestinal e respiratório possui células unidas
pelas junções ocludentes que impedem a entrada de patógenos. Há ainda a
presença de linfócitos intraepiteliais (que serão abordados mais adiante), a
produção de ácidos graxos pela pele, o baixo pH do intestino e as enzimas
como a pepsina (intestino), lisozima e fosfolipase A (saliva e lágrimas) que
impedem o crescimento de patógenos. Além disso, os epitélios (e outras
células como alguns leucócitos) produzem peptídeos antibacterianos e
antifúngicos de duas diferentes famílias, as defensinas e as catelicidinas.

As defensinas são peptídeos de 29 a 34 aminoácidos que contém três laços


dissulfeto na cadeia e dependendo da posição desse laço elas são chamadas
α, β ou ϕ. Diferentes células produzem diferentes defensinas, como exemplos,
as células de Paneth, nas criptas do intestino delgado, produzem α-defensinas
ou criptidinas e o epitélio da língua produz β-defensinas. Essas moléculas
possuem ação direta sobre o patógeno ou podem ativar células envolvidas na
resposta inflamatória. Em humanos, as catelicidinas são representadas pela
LL-37 expressa pelas células epiteliais da córnea e da conjuntiva. Também
apresentam toxicidade direta para vários patógenos além da ativação de outras
células que atuam na destruição desses microorganismos (Abbas e cols., 2008;
Murphy e cols., 2010; Karadag e cols., 2017).

Vimos como as barreiras epiteliais contribuem para a defesa do organismo,


agora veremos quais as células compõe o sistema imune inato. A linhagem que
dá origem as principais células da imunidade inata é a mielóide. O progenitor
mielóide comum dá origem a duas linhagens particulares, a granulocítica e a
monocítica. A linhagem granulocítica dá origem aos granulócitos: (neutrófilos,
eosinófilos e basófilos) e aos mastócitos. Já a monocítica dá origem aos
fagócitos mononucleares (monócitos/macrófagos e células dendríticas).
Veremos abaixo uma breve descrição das principais características de cada
célula.

Os neutrófilos têm como características a presença de núcleo com três a cinco


lóbulos e seus grânulos não se coram com corantes básicos ou ácidos (Murphy
e cols., 2010). Eles são os leucócitos circulantes mais numerosos, estão
envolvidos nas etapas iniciais da resposta inflamatória e tem capacidade
fagocitária. Possuem três classes de grânulos e podem gerar as chamadas
“armadilhas extracelulares neutrofílicas” (NETs). Os componentes das NETs
são as substâncias dos grânulos e moléculas nucleares que anulam fatores de
virulência e destroem bactérias extracelulares (Cruvinel, 2010). Os eosinófilos
são caracterizados por seu núcleo bilobulado e seus grânulos se coram por
eosina, ou seja, são acidófilos. Já os basófilos apresentam núcleo irregular e
grânulos que se coram por hematoxilina. Os mastócitos amadurecem nos
tecidos e seus grânulos são ricos principalmente em heparina e histamina. As
três células estão envolvidas em processos de doenças alérgicas e na
eliminação de parasitos extracelulares (inclusive helmintos) através da
citotoxicidade celular dependente de anticorpos (CCDA) e da liberação de seus
grânulos, cujo conteúdo causa lesão tecidual aos parasitos (Cruvinel e cols.,
2010; Abbas e cols., 2008, Sasaki e cols., 2016).

Já conhecemos as células da linhagem granulocítica, agora veremos as da


linhagem monocítica. A primeira célula do sistema de fagócitos mononucleares
a deixar a medula e migrar para o sangue são os monócitos. Essas células são
incompletamente diferenciadas e só vão se tornar maduras ao entrarem nos
tecidos, passando a macrófagos fagocíticos. Dependendo do tecido no qual
residem, os macrófagos recebem denominações distintas como os macrófagos
alveolares nas vias aéreas, as micróglias no sistema nervoso central, os
osteoclastos nos ossos e as células de Kupffer no fígado. Os macrófagos têm
como função neutralizar, fagocitar e destruir partículas e também processar e
apresentar antígenos a um tipo de linfócitos (os linfócitos T) (Murphy e cols.,
2010). Outra célula que também está relacionada à linhagem dos fagócitos são
as células dendríticas (DC). Elas apresentam longas projeções membranosas e
secretam citocinas em resposta a micróbios. No entanto, a principal função da
célula dendrítica é apresentar antígenos aos linfócitos T e iniciar a resposta
mediada por células T efetoras. Outras células apresentadoras de antígenos
(APCs) como os macrófagos, também apresentam antígenos aos linfócitos T,
mas somente quando o linfócito já está ativado. Dessa forma somente a célula
dendrítica inicia a resposta imune específica. Assim tanto macrófagos quanto
células dendríticas possuem um importante papel tanto na imunidade natural
quanto na conexão entre a imunidade natural e a adquirida (Abbas e cols.,
2008).

Além das células da linhagem mielóide vistas acima, algumas células da


linhagem linfóide são consideradas componentes do sistema imune inato
devido a baixa diversidade de seus receptores: os linfócitos Tγσ, as células B
B-1 e as B da zona marginal, as células NK e NKT. Os linfócitos Tγσ funcionam
como os linfócitos T só que na imunidade inata. As células B B-1 e as B da
zona marginal são uma fonte de produção rápida de anticorpos contra
patógenos. Existem ainda outras duas populações de linfócitos, as células
matadoras naturais (NK do inglês natural killer) e as NKT. Os linfócitos NK são
responsáveis pela destruição de células danificadas ou infectadas por vírus. Já
os linfócitos NKT compartilham características dos linfócitos T e dos NK e são
responsáveis por suprimir ou ativar respostas imunes naturais e adquiridas.
Assim, os linfócitos Tγσ, as células B B-1, B da zona margina e NKT podem ser
consideradas componentes tanto da imunidade natural quanto adquirida
(Abbas e cols., 2008).

Outro componente inato são as proteínas efetoras circulantes encontradas no


plasma e em líquidos extracelulares, a imunidade mediada por essas proteínas
é chamada humoral. Algumas dessas proteínas são conhecidas como sistema
do complemento. Anticorpos ligados a superfície de um microorganismo ativam
esse sistema e provocam reações proteolíticas seqüenciais gerando
fragmentos de complemento que recobrem o microorganismo e o marcam para
a fagocitose por macrófagos. Existem três vias de ativação do complemento,
no entanto todas culminam em quebra de precursores que liberam porções
ativas. Ao final, fragmentos do complemento opsonizam o micróbio marcando-o
para a destruição ou podem formar o complexo de ataque a membrana (MAC)
que causa lise microbiana. Além das proteínas do complemento temos as
citocinas, que são proteínas secretadas por células imunes tanto inatas quanto
adquiridas. As citocinas podem ser categorizadas em três tipos, a que nos
interessa nesse texto são as chamadas “mediadoras e reguladoras da
imunidade natural”. Essas citocinas são produzidas principalmente por
fagócitos mononucleares em resposta a infecções. Receptores como os TLRs
na superfície de macrófagos reconhecem os PAMPs e isso estimula essa
célula a sintetizar e secretar citocinas. As principais ações das citocinas
englobam aumento da expressão de moléculas de adesão pelo endotélio, o
que favorece o recrutamento de outras células imunes no caso de
microorganismos extracelulares; ativação de macrófagos para destruição de
organismos fagocitados; inibição de replicação viral; ativação de células Nk;
dentre outras (Abbas e cols., 2008; Mrphy e cols., 2010). Alguns exemplos
dessas citocinas são o fator de necrose tumoral (TNF) e Interleucina-1 (IL-1)
que ativam células endoteliais favorecendo a coagulação e a inflamação.

Até aqui conhecemos os componentes do sistema imune inato e como eles


reconhecem e eliminam os invasores. Agora vamos imaginar que um patógeno
acaba de invadir um organismo e vamos entender como os componentes do
sistema imune inato saem do sangue, chegam até o local da infecção e
eliminam os parasitos. Células como neutrófilos e monócitos ficam circulando
no sangue até que haja uma sinalização de infecção. Essa sinalização,
mediadas normalmente por citocinas, aumenta a expressão de moléculas de
adesão no endotélio, as selectinas. Os leucócitos expressam um ligante que
reconhece as selectinas no endotélio, no entanto a afinidade selectina-ligante é
baixa (Kd =100mm). Assim os leucócitos vão ligando e desligando as selectinas
o que favorece o rolamento dos leucócitos pelo endotélio vencendo a força de
cisalhamento do fluxo sanguíneo. Quimiocinas (pequenas citocinas) produzidas
nos locais de infecção são transportadas até o endotélio onde se ligam aos
leucócitos em rolamento, essa ligação aumenta a afinidade de uma proteína na
superfície do leucócito, a integrina, pelo seu ligante no endotélio. Ao mesmo
tempo, a expressão desses ligantes, como a molécula de adesão celular
vascular 1 (VCAM-1)) e a molécula de adesão intercelular 1 (ICAM-1), também
é aumentada pela ação de citocinas. Assim os leucócitos interagindo com o
endotélio através das integrinas aderem de forma estável permitindo sua
transmigração através do endotélio para o local de infecção. Neutrófilos e
macrófagos ao chegarem ao local de infecção são capazes de ingerir os
patógenos através de um processo denominado fagocitose. Inicialmente,
receptores na superfície dessas células são capazes de reconhecer de forma
direta ou indireta os patógenos. A região da membrana que reconheceu o
patógeno começa a se redistribuir se fechando em torno do micróbio, gerando
um fagossomo. Esse fagossomo vai sofrer uma fusão com o lisossomo, uma
organela celular cujo interior é repleto de enzimas, formando o fagolisossomo.
Dentro do fagolisossomo, o micróbio será destruído por intermediários reativos
do oxigênio e do nitrogênio e enzimas proteolíticas (Abbas e cols., 2008).

Como vimos, a imunidade inata é a primeira linha de defesa do organismo e


apesar de não possuir a alta especificidade da imunidade adquirida, ela é
capaz de responder rapidamente e reconhecer vários tipos de motivos
compartilhados por micróbios. Além disso, a imunidade inata possui um papel
fundamental na ativação da resposta adquirida, acentuando a magnitude da
resposta específica e influenciando a natureza dessa resposta (Abbas e cols.,
2008).

Referências
ABBAS, A. K. ; LICHTMAN, A . H. ; PILL AI, S.Imunologia celular e molecular. 6.ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.

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Cruvinel M, Mesquita Júnior D , Araújo J , Catelan T , Souza A , Silva N , Andrade L. Fundamentos da imunidade inata
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Karadag R, Bayram N, Oguztuzun S, et al. An investigation of human beta-defensins and cathelicidin expression in
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Murphy K, TRavers P, Walport M.Mark. Tradução Ana Paula Franco Lambert e cols. Imunobiologia de Janeway.. –
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Sasaki H, Kurotaki D, Tamura T. Regulation of basophil and mast cell development by transcription factors Allergology
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