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MANUAL PRÁTICO

TERAPIA COGNITIVO
COMPORTAMENTAL
AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA
DO ADULTO: PRINCIPAIS
INSTRUMENTOS

Desenvolvimento cognitivo de adultos


Na fase adulta, o período considerado após a adolescência (18-20 anos), estudos
geralmente demonstram que o indivíduo atinge a maturidade física e cognitiva,
sendo o período de definição de carreira e escolhas afetivas, o qual culminará na
formação de família e saída da casa dos pais. No entanto, percebemos um movi-
mento atual no qual alguns indivíduos adultos apresentam características compor-
tamentais semelhantes ao da adolescência, mesmo após os 30-40 anos de idade,
ainda moram com os pais, não têm uma carreira profissional definida e não cons-
tituíram família ou relações afetivas estáveis. Esta ocorrência é denominada por
alguns autores de adultescência.
A adultescência nos faz questionar se a fase adulta é realmente a fase que culmina
na maturidade cognitiva e emocional dos indivíduos ou, ainda, quais os fatores so-
cioculturais, cognitivos, comportamentais e individuais associados ao período adulto
que podem levar indivíduos a apresentarem um padrão cognitivo e comportamental
semelhante ao de adolescentes. Estes questionamentos nos levam as pesquisas de-
senvolvidas no âmbito da Psicologia do Desenvolvimento e das Neurociências, cujas
contribuições têm sido fundamentais para compreensão das muitas fases do desen-
volvimento humano, como os estudos de Piaget, neo-piagetianos e Kegan.
A epistemologia genética de Piaget forneceu a abordagem construtivista sobre a
qual as teorias do desenvolvimento infantil foram fundadas, em que se pensa que
os bebês progridem por estágios cognitivos distintos até atingirem a maturidade
no início dos 20 anos. No entanto, agora está bem estabelecido que a cognição

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continua a se desenvolver após o início da idade adulta, e várias teorias neo-piage-
tianas surgiram na tentativa de caracterizar melhor o desenvolvimento cognitivo
adulto. Por exemplo, a Teoria Construtiva do Desenvolvimento de Kegan (TCD) ar-
gumenta que os processos de pensamento usados por adultos para construir sua
realidade mudam ao longo do tempo, e alcançar estágios mais elevados de desen-
volvimento cognitivo envolve tornar-se objetivamente consciente de emoções e
crenças que estavam anteriormente no “reino do subconsciente”.
Nos últimos anos, as neurociências têm mostrado um interesse crescente nos subs-
tratos biológicos e mecanismos neurais que abrangem o desenvolvimento cognitivo
de adultos, porque distúrbios psicológicos e psiquiátricos podem surgir das defici-
ências nestes. Isso inclui o processamento autorreferenciado, um campo que distin-
gue entre ter experiências conscientes e estar ciente de si mesmo tendo experiências
conscientes; teorias cognitivas, que é a consciência objetiva de possuir estados cogni-
tivos, como pensamentos e crenças e a compreensão de que outros possuem estados
afetivos, cognitivos e comportamentais que podem ser diferentes dos nossos.
As estruturas corticais, como o córtex pré-frontal medial e giro cingulado, assim
como o lobo temporal, estão associadas a tarefas cognitivas, emocionais e com-
portamentais. Percebe-se que as deficiências no desenvolvimento cognitivo e afe-
tivo do adulto podem resultar em diversos transtornos, dentre estes, a depressão,
transtornos de ansiedade, afetivos, de personalidade, entre muitos outros. Assim,
preencher as lacunas entre a psicologia do desenvolvimento, a neurociência e a
modelagem tem implicações potenciais para a prática clínica dos psicólogos, prin-
cipalmente para os profissionais que se propõem à realização de avaliação neurop-
sicológica em adultos.

Avaliação neuropsicológica para adultos


Avaliações neuropsicológicas são solicitadas especificamente para atender deman-
das em razão de traumatismos cranioencefálico, acidente vascular cerebral (AVC),
déficits cognitivos por abuso de álcool e outras substâncias psicoativas (SPA), ou
em estágios iniciais de algum tipo de demência, ainda por intoxicações e infecções.
A ideia principal é entender como as diferentes áreas e sistemas do cérebro estão
funcionando associadas às funções cognitivas e comportamentais.

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A avaliação geralmente é recomendada quando há sintomas ou queixas envolven-
do memória e ou atenção. Isso pode ser sinalizado por mudanças na concentração,
organização, raciocínio, memória, linguagem, percepção, funções executivas, coor-
denação ou personalidade. A mudança pode ser em razão de uma série de causas
físicas, neurológicas, psicológicas ou genéticas. A testagem será útil para entender
a situação específica.
Os objetivos da avaliação neuropsicológica geralmente são identificar prejuízos de
áreas cerebrais em alterações neurológicas; diferenciar síndrome neurológica e psi-
cológica; diferenciar alterações cognitivas de prejuízos por privação cultural ou ainda
identificar prejuízos cognitivos referente ao uso abusivo do álcool e outras SPA.
Uma avaliação neuropsicológica comum envolverá a verificação das seguintes fun-
ções: inteligência; habilidades executivas de nível superior (por exemplo, sequen-
ciamento, raciocínio, resolução de problemas); atenção e concentração; aprendi-
zagem e memória; linguagem; habilidades visuoespaciais; habilidades motoras e
sensoriais; humor e personalidade; comportamento; emoções; entre outras. Algu-
mas habilidades podem ser medidas com mais detalhes que outras, dependendo
da demanda do paciente.
A estrutura da avaliação neuropsicológica inclui uma entrevista (anamnese) com
o paciente, e se necessário com alguém próximo (familiares, amigos); observações
do comportamento; planejamento da avaliação; escolha e aplicação dos instru-
mentos; análise e integração dos resultados; elaboração do documento psicológico
e entrevista devolutiva.
Na anamnese, o terapeuta coleta informações do paciente acerca da história do
desempenho escolar e ocupacional do paciente, dos aspectos psicossociais e socio-
afetivos, da identificação e administração de medicações e outras drogas, da qua-
lidade do sono e demais hábitos de vida do paciente, bem como do histórico de
doenças e habilidades cognitivas e comportamentais afetadas.
Também é realizada a verificação das razões do encaminhamento do neurologis-
ta ou de outros profissionais de saúde, dos prejuízos neurológicos, dos resultados
dos exames de imagem (tomografia computadorizada, ressonância magnética)
ou eletroencefalograma.
As observações do comportamento do paciente têm como objetivos principais
identificar e compreender as reações comportamentais em relação a determinados

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eventos; as mudanças na personalidade, de discurso e do humor; a apresentação e
o cuidado pessoal; as habilidades de orientação temporal e espacial, clareza e flui-
dez na expressão do discurso (ideias e fala).
A testagem neuropsicológica é a etapa da seleção e aplicação dos instrumentos psi-
cológicos e neuropsicológicos de acordo com as informações coletadas nas etapas
anteriores. Assim, as funções cognitivas e seus respectivos testes podem ser:
z Inteligência: O conceito de inteligência tem sido um tópico amplamente debatido
entre os membros da comunidade psicológica há décadas. A inteligência foi definida
de muitas maneiras: habilidades de nível superior (como raciocínio abstrato geral,
representação mental, resolução de problemas e tomada de decisão), capacidade
de aprender, conhecimento emocional, criatividade e adaptação para atender às
demandas do ambiente de forma eficaz.
A mensuração da inteligência pode ser feita através da Escala de Inteligência
Wechsler para Adultos – WAIS III1, um dos mais importantes instrumentos para
avaliação clínica da capacidade intelectual tem por objetivo avaliar a capacidade
intelectual, o funcionamento cognitivo global do indivíduo. Pode ser utilizado
para mensurar a avaliação de rendimento escolar, problemas de aprendizagem
e identificação de indivíduos com deficiência intelectual ou com superdotação e
altas habilidades, além de diagnóstico diferencial de transtornos neurológicos e
psiquiátricos que afetam o funcionamento mental.
z Atenção: É um processo de seleção para um evento externo ou interno que deve
ser mantido em um certo nível de consciência. Não é uma habilidade estável,
é flutuante, não sendo sustentada continuamente, muitas vezes é reduzida
durante uma tarefa. A atenção é uma função cognitiva complexa e essencial
para o comportamento humano e pode ser mensurada através da coleção TEADI,
TEALT, TEACO-FF2.
O Teste de Atenção Dividida (TEADI) fornece uma medida referente à capacida-
de da pessoa dividir a atenção, ou seja, a capacidade do indivíduo para procurar
mais de dois estímulos simultaneamente. O Teste de Atenção Alternada (TEALT)
avalia a capacidade que o sujeito tem para focar a atenção ora em um estímulo,

1 Fonte: https://www.larpsi.com.br/kit-wais-iii-escala-de-inteligencia.html
2 Fonte: https://www.vetoreditora.com.br/produto/1997750/colecao-teaco-ff-teste-de-atencao-concentrada

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ora em outro, ou seja, a capacidade de alternar a atenção. O Teste de Atenção
Concentrada (TEACO-FF) avalia a capacidade de uma pessoa em selecionar ape-
nas uma fonte de informação diante de vários estímulos distratores num tempo
pré-determinado.
z Funções executivas: São processos cognitivos complexos necessários para planejar,
organizar, orientar, revisar, regular e avaliar o comportamento necessário para
se adaptar de forma eficaz ao ambiente e atingir objetivos. O Teste de Trilhas
Coloridas3 é um dos testes mais utilizados para mensurar tanto a atenção sustentada
e dividida, quanto a flexibilidade cognitiva e rastreamento.
z Linguagem: É uma função cognitiva de alto nível que desenvolve processos de
simbolização relacionados à codificação e decodificação. A linguagem se refere à
produção de sinais falados ou escritos que simbolizam objetos, ideias, entre outras,
de acordo com a própria convenção de uma comunidade linguística. O Teste de
Fluência Verbal4 avalia a memória semântica através da fonêmica e semântica,
conforme as variadas idades e escolaridades dos indivíduos adultos.
z Memória: A memória é um sistema cognitivo complexo que pode ser dividido
em duas grandes categorias – memória de longo e curto prazo – cada uma destas
categorias apresenta diversas subdivisões que favorecem desde o armazenamento e
evocação de lembranças do passado, quanto às habilidades sociais em determinados
contextos. É a nossa capacidade de codificar, armazenar e recuperar com eficácia
informações aprendidas anteriormente ou experiências anteriores.
Um dos instrumentos mais usados na avaliação da memória é o Teste de Apren-
dizagem Auditivo Verbal de Rey (RAVLT)5, que utiliza uma lista de palavras sim-
ples, de alta frequência no português brasileiro, com etapas de evocação imedia-
ta, evocação tardia e tarefa de reconhecimento. O objetivo é avaliar a memória
declarativa episódica e fornecer informações sobre as medidas de aprendiza-
gem auditivo-verbal, índices de interferência e de retenção de informações e
memória de reconhecimento.

3 Fonte: https://www.livrariadopsicologo.com.br/livro-ttc-teste-de-trilhas-coloridas-bl-protocolo-de-
registro-3127010102894,rab009.html
4 Fonte: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-18462008000400004
5 Fonte: https://www.vetoreditora.com.br/produto/2107599/colecao-ravlt-teste-de-aprendizagem-auditivo-
verbal-de-rey

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z Habilidades visuoespaciais: Orientação é a habilidade que permite a consciência de
si mesmo e do ambiente ao redor o tempo todo. Orientação espacial é a capacidade
de lidar com informações relacionadas com a origem, onde se encontra em um
determinado momento, para onde vai, entre outras.
z Habilidades visuoconstrutivas: requerem a coordenação de habilidades motoras
finas com habilidades visuoespaciais e incluem não só a percepção de objetos e
execução de movimentos, mas também o planejamento e a organização mental,
capacidades essenciais para o desenvolvimento de habilidades cognitivas mais
complexas.
Estas habilidades podem ser avaliadas pelo teste das Figuras Complexas de Rey6,
cujo objetivo é verificar o modo como o indivíduo apreende os dados percep-
tivos que lhe são apresentados e o que foi conservado espontaneamente pela
memória. As Figuras de Rey avaliam a atividade perceptiva e a memória visual,
nas fases de cópia e reprodução de memória.
z Personalidade e aspectos socioafetivos: Personalidade se refere às diferenças
individuais em padrões característicos de pensamentos, sentimentos e
comportamentos. O estudo da personalidade concentra-se em duas áreas amplas:
uma é a compreensão das diferenças individuais em características particulares
da personalidade, como sociabilidade ou irritabilidade. A outra é entender como
os vários aspectos de uma pessoa se unem como um todo.

A personalidade e os aspectos socioafetivos de um indivíduo podem ser avalia-


dos pelo Inventário Fatorial de Personalidade (IFP-II), que tem por objetivo traçar
o perfil de personalidade do indivíduo, com base em 13 necessidades ou motivos
psicológicos, como assistência, intracepção, afago, autonomia, deferência, afilia-
ção, dominância, desempenho, exibição, agressão, ordem, persistência e mudança.
Avalia também os fatores de segunda ordem: necessidades afetivas; necessidades
de organização; e necessidade de controle e oposição.
Laudo, devolução e encaminhamentos
A elaboração do laudo prece a análise dos resultados da avaliação, tanto nos seus
aspectos qualitativos (entrevistas, observações), quanto nos aspectos quantitativos

6 Fonte: https://www.pearsonclinical.com.br/figuras-complexas-de-rey-manual.html

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(testes psicológicos e neuropsicológicos). No laudo deve constar com clareza, objeti-
vidade e coesão textual, a síntese do processo, com a devida identificação da hipótese
diagnóstica (diagnóstico nosológico, diferencial ou sindrômico). No laudo e na en-
trevista devem ser recomendados os devidos encaminhamentos aos outros profis-
sionais (caso necessário) com a devida justificativa. O laudo neuropsicológico deve
ser entregue na entrevista devolutiva com o devido registro do protocolo de entrega.

Exemplo prático7:
Funções executivas em um caso de TDAH adulto: a avaliação neuropsicológica
auxiliando o diagnóstico
z Paciente de 26 anos de idade, cursando ensino superior, com TDAH.
z A avaliação neuropsicológica foi conduzida a partir de anamnese, observações
clínicas, Bateria de Avaliação Frontal, Instrumento de Avaliação Neuropsicológica
Breve NEUPSILIN, Escala de Inteligência Wechsler para Adultos – WAIS-III, Teste
D2, Teste Hayling e o Inventário Beck de Ansiedade.
z Os resultados apontam para disfunções em componentes executivos
como controle inibitório, memória de trabalho, planejamento, flexibilidade
cognitiva, em co-ocorrência com um comportamento procrastinador
de tomada de decisão. Não foram encontrados déficits em fluência
verbal, processamento de inferências e resolução de problemas simples.

7 Para acessar o artigo completo: Michels MS, Gonçalves HA. Funções executivas em um caso de TDAH
adulto: a avaliação neuropsicológica auxiliando o diagnóstico. Rev Neuropsicologia Latinoamerica 2014;6(2).
Disponível: https://www.neuropsicolatina.org/index.php/Neuropsicologia_Latinoamericana/article/view/214

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Sistematizando: Avaliação neuropsicológica na infância e
adolescência (escolares): principais instrumentos

Escala de Inteligência Wechsler


Inteligência
para Adultos – WAIS III
adulto: principais instrumentos
Avaliação Neuropsicológica do

Atenção TEADI, TEALT, TEACO-FF

Funções Executivas Teste de Trilhas Coloridas

Linguagem Teste de Fluência Verbal

Memória RAVLT

Habilidades
visuoespaciais e Figuras Complexas de Rey
visuoconstrutivas

Personalidade e
IFP-II
aspectos socioafetivos

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REFERÊNCIA

1. Miotto EC, Campanholo KR, Serrão VT, Trevisan BT, et al. Manual de
avaliação neuropsicológica - a prática da testagem cognitiva, vol.1. São
Paulo: Menmon; 2018.

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