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INFLUÊNCIA DE FATORES EMOCIONAIS NO DESEMPENHO

COGNITIVO

Raquel E. Gonçalves de Souza


Luciana Brooking T. Dias (Neuropsicologia)

NEUROPSICOLOGIA
A Neuropsicologia é o estudo das relações entre o cérebro e o
comportamento. Sendo assim, o neuropsicólogo atua investigando as alterações
cognitivas e comportamentais associadas às lesões cerebrais. É válido mencionar
que a Neuropsicologia utiliza em seu estudo conhecimentos oriundos das várias
disciplinas acadêmicas que configuram o campo das neurociências e de atuação
profissional do psicólogo (HAMDAN; RIECHI, 2011).

Quanto ao objeto de estudo da Neuropsicologia, Haase et al. (2012)


ressaltam de forma ampla, e, especificamente, a expressão comportamental,
emocional e social das disfunções cerebrais, os déficits em funções superiores
produzidos por alterações cerebrais, as inter-relações entre cérebro e
comportamento, cérebro e funções cognitivas.

INFLUÊNCIA EMOCIONAL E COGNITIVA


A ansiedade é um mecanismo de defesa enviado ao corpo como forma de
proteção a situações adversas ou de perigo, podendo ocorrer mesmo na ausência
de perigo. Isso ocorre devido a antecipação que fazemos, gerando assim, certos
sintomas considerados “automáticos” (CRUJO; MARQUES, 2019).

De acordo com Margis et al. (2003) quando ocorre o desencadeamento da


ansiedade no corpo, há uma maior secreção de adrenalina, entre outras alterações
em um processo de adaptação caracterizado e, consequentemente, produzindo
diversas manifestações sistêmicas com distúrbios fisiológicos e psicológicos. Essa
resposta que o cérebro dá, envolve aspectos cognitivos, comportamentais e
fisiológicos, com a intenção positiva de melhorar a percepção, processar de forma
mais rápida as informações a fim de buscar soluções da maneira mais rápida
possível e gerando condutas adequadas. Porém, ultrapassado o limite dessas
reações poderá causar o efeito rebote e desorganizador, gerando assim crises de
ansiedade, depressão, por exemplo. Para avaliar o nível cognitivo que o indivíduo
é afetado dependerá de como o indivíduo filtra e processa informações e avalia
sobre as situações ou estímulos relevantes/agradáveis/aterrorizantes (MARGIS et
al. 2012).

Então, é possível afirmar que ansiedade está presente em todos os


indivíduos, inclusive em determinada intensidade é natural, e em diversas faixas
etárias. É de grande importância, no momento de avaliação neuropsicológica,
observar o comportamento da criança e do adolescente. ao avaliar uma cognição,
principalmente relacionada à atenção. É importante ter a ideia de que são
suscetíveis a alterações e interferências emocionais de modo a fornecer um tipo de
resposta do indivíduo. Esse nível de interferência pode ser avaliado
quantitativamente, na avaliação neuropsicológica.

O melhor momento para isso é o da entrevista com os pais e a sessão livre,


a qual serão feitas perguntas sobre questões comportamentais do cliente, como
perguntar na sessão livre para os pais sobre o relacionamentos interpessoais dentro
e fora da família; e para a criança/adolescente, o que costuma a fazer no dia-a-dia e
suas reações a frente disso, sem esquecer de observar o comportamento durante a
sessão livre, como a forma de lidar com frustração e seu foco em cada atividade.

Estados de ansiedade influenciam na cognição, principalmente na


concentração e atenção. Atenção é uma função cognitiva pela qual selecionamos e
processamos uma quantidade limitada de informação de todas as informações
capturadas por nossos sentidos, nossas memórias armazenadas e outros processos
cognitivos. O que o indivíduo presta atenção é o que está ativo na memória de
trabalho. O conjunto de informações processadas entre respostas relevantes e
irrelevantes vai afetar no rendimento do indivíduo, ao resolver uma tarefa (DIAS,
2005).

As emoções, atitudes, objetivos e intenções podem ser ativados sem a


participação consciente, influenciando assim no modo de pensar e agir dos
indivíduos. O fator de estresse podem contribuir para o desempenho cognitivo
insuficiente de alguns sujeitos. De acordo com LeDoux (2001) a tarefa da
Neuropsicologia em entender a relação dos aspectos conscientes, emocionais e da
cognição são fundamentais a partir do momento em que fatores biopsicossociais
influenciam o comportamento. De acordo com o autor, os estímulos, considerados
subliminares, afetam a consciência e desencadeia efeitos emocionais e, assim, no
desempenho da cognição, principalmente da atenção. O autor sugere que
estudiosos da área façam experimentos, pois isso pode contribuir para o auxílio na
diminuição de doenças como ansiedade, fobias, depressão e facilitar em relações
de aprendizagens e relações sociais. Damásio, em sua obra O erro de Descartes
(1996) fala sobre as emoções e os processos cognitivos, constituindo a ideia de
que as emoções, sendo trabalhadas de forma efetiva em terapia, pode ser o segredo
para que questões cognitivas sejam resolvidas no cliente.

De acordo com a Dra Amorim, do Instituto Paulista de Déficit de atenção,


a ansiedade e o TDAH têm sintomas em comum, por prejudicar a capacidade de
concentração, levando a distrações, como o esquecimento, agitação mental e até
mesmo física. Porém, advém de causas muito diferentes. É importante que se faça
um diagnóstico diferencial (AMORIM, 2019).

CASO CLÍNICO
“R”, como será chamado aqui como forma de sigilo, chegou ao SPA com
solicitação própria e sobretudo da família, tendo como motivo principal a suspeita
de déficit de atenção. A solicitação de “R” baseou-se principalmente por sua
ansiedade e inquietação.

“R” é um adolescente do sexo masculino de 17 anos, estuda o 3º ano do


Ensino Médio. “R”, é sociável e tem muitos amigos. Seu dia a dia é comum, de
acordo com ele, porém citou que seu sono é ruim/conturbado. Outra questão citada
por “R”, é que, sem motivo aparente, sente um vazio (chamado de “oco”, por ele)
em sua barriga, considera uma sensação muito ruim e diz que essa sensação surgiu
gradativamente, de um ano até aquele momento. Além disso, observou-se
agitação, inquietação, agressividade, palpitações, desconforto ao dormir, sensação
de “oco” no estômago e, algumas vezes, de se ver fora de si em momentos não
específicos.

“R” fez acompanhamento médico e uso da medicação de Ritalina, devido à


falta de atenção na escola e Gardenal, devido às convulsões que teve quando
criança. A falta de atenção de R surgiu por volta de seus 5 anos. A mãe o
considera agitado e muito ansioso, com um nível médio/alto de agressividade
quando é contrariado. Fora isso, é muito tranquilo.

Em suas crises de ansiedade atuais, “R” diz que a meditação o ajudou


muito. Já fez psicoterapia mas teve que parar por questões financeiras. Agora,
quando necessário, ele guia sua própria meditação quando se sente ansioso.

Procurou-se avaliar o funcionamento cognitivo geral de “R” a fim de


verificar hipótese de TDAH. assim, foram aplicados tais testes em “R”:
Instrumento de Avaliação Neuropsicológica Breve Infantil (Neupsilin); Tarefa de
Stroop; Inventário de depressão de Beck (BDI); Figuras complexas de Rey; Teste
de Trilhas; Bateria Psicológica para Avaliação da Atenção (BPA); Teste de
Fluência Verbal; Inventário Fatorial de Personalidade (IFP II); e Teste dos cinco
dígitos (FDT).

O cliente apresentou funcionamento cognitivo global dentro do esperado para a


sua faixa etária. Manifestou desempenho médio-inferior no índice de memória e
atenção. No Neupsilin, ao observar seu Escore Z, percebeu-se um bom desempenho na
contagem inversa verbalizando os números solicitados integralmente, bem como, na
repetição de sequência de dígitos. Porém, ao avaliar, pelo BPA, sua atenção
concentrada, dividida e alternada, observou-se uma pontuação média inferior, com o
total geral sendo médio inferior. Nos aspectos atencionais, sua sondagem e vigilância se
encontram alterados, e o processamento automático está lentificado. O cliente lentifica
quando uma atividade demanda mudança do processamento automático para o
controlado. Quando terminava uma tarefa na qual era concedido um determinado
tempo, indicava o término da atividade com gestos ou atitudes singelas. Ao avaliar o
Stroop, que avalia a atenção e o controle inibitório, observou-se em todas as condições
uma alteração.
No que diz respeito às funções executivas, pôde-se observar que a memória de
trabalho está preservada, porém classificada como média inferior pois há certo
comprometimento em sua capacidade de planejamento, organização, controle inibitório,
flexibilidade cognitiva e autorregulação emocional.
Ao mensurar as questões comportamentais pelo Inventário Fatorial de
Personalidade (IFP II) foi observado um indício moderado de depressão com sintomas,
assim como a ansiedade, a qual os comportamentos habituais ditos na entrevista e
sessão livre foram ditos pelo cliente. Também foi observado um nível de sentimento de
aprisionamento, tendo como hipótese a aparente superproteção da família,
principalmente da mãe; e agressividade, principalmente ao ser contrariado.
Ou seja, os resultados dos testes levaram a uma perspectiva inferior à
média do que se é esperado para sua idade. No caso do paciente “R” foi observado
que suas questões cognitivas também são influenciadas por fatores emocionais.

Durante a sessão livre e aplicação dos instrumentos com o paciente em


questão, as impressões gerais foram de um adolescente muito tranquilo, um pouco
tímido e que se interessava em estar ali e a querer melhorar o seu estado,
principalmente no quesito de sua ansiedade e angústia. Porém, em algumas sessões
se mostrou triste e desanimado, e ao perguntar mais sobre isso, ele não quis
comentar. Quanto aos outros encontros, demonstrou uma boa colaboração e
persistência no desenvolvimento das atividades propostas.

CONCLUSÃO

A Neuropsicologia é uma importante área da Psicologia que avalia fatores


que vão além dos fatores psíquicos do sujeito. Este campo contribui com o
trabalho do psicólogo, relacionando os estudos do sistema nervoso,
comportamento e funções cognitivas do sujeito, avaliando diversas questões,
sendo patológicas ou não. Por ser uma área rica em seus estudos e de grande
importância para as pessoas, torna-se escolha de atuação.

São aplicadas tarefas no paciente que avaliam suas questões cognitivas, e,


sabendo do contexto, há uma maior compreensão do que pode estar ocorrendo
com esse sujeito. Muitos comportamentos e escolhas influenciam na cognição.

Assim, ao fazer toda a bateria de testes e tarefas necessárias, é criado um


laudo e é feito um encaminhamento para intervenções adequadas. Devido às
alterações nas habilidades cognitivas e emocionais, fez-se o encaminhamento para
a psicoterapia.

Tudo isso serve de reflexão para os estagiários e futuros neuropsicólogos, a


fim de não irem direcionados a um diagnóstico, por exemplo, de Déficit de
atenção, sem observar todo o seu contexto, pois a ansiedade interfere em diversas
respostas cognitivas.

Referências Bibliográficas
AMORIM, C. (2019) Instituto Paulista de Déficit de Atenção. São Paulo
ANDRADE, V. M.; SANTOS, F. H. e BUENO, O. F. A (2004), Neuropsicologia
hoje, São Paulo; Artes Médicas
BORINE, Monica S. Consciência, emoção e cognição: o efeito do priming afetivo
subliminar em tarefas de atenção. Ciências & Cognição, v. 11, 2007.
BORINE, M. S. (2005), Como as emoções influenciam a nossa vida; o cérebro
emocional, São Paulo; Mudanças, UMESP.
CRUJO, Margarida; MARQUES, Cristina. As perturbações emocionais - Ansiedade e
depressão na criança e no adolescente. Revista Portuguesa de Medicina Geral e
Familiar, [S.l.], v. 25, n. 5, p. 576-82, set. 2009. ISSN 2182-5181.
DAMÁSIO, Antônio R. O erro de Descartes: emoção, razão e cérebro humano. São
Paulo: Companhia das Letras, 1996.
DIAS, Cláudia S. Do stress e ansiedade às emoções no desporto: da importância da sua
compreensão à necessidade da sua gestão. 2005.
EYSENCK, M. W. (1984). A handbook of cognitive psychology. Hillsdale, NJ:
Erlbaum.

HAASE, Vitor Geraldi et al. Neuropsicologia como ciência interdisciplinar: consenso


da comunidade brasileira de pesquisadores/clínicos em Neuropsicologia. Revista
Neuropsicologia Latinoamericana, Canadá, v.4, n.4, p.1-8, 2012.

HAMDAN, Amer Cavalheiro; PEREIRA, Ana Paula Almeida de; RIECHI, Tatiana
I. J. de Sá. Avaliação e Reabilitação Neuropsicológica: Desenvolvimento Histórico
e Perspectivas Atuais. Interação em Psicologia, Curitiba, n.15 (n. especial), p. 47-
58, 2011.

LE DOUX, J. (2001). O Cérebro emocional. Rio de Janeiro; Ed. Objetiva


MARGIS, Regina et al. Relação entre estressores, estresse e ansiedade. Revista de
Psiquiatria do Rio Grande do Sul, v. 25, n. 1, p. 65-74, 2003.

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