Você está na página 1de 7

Traumas e a Escrita Expressiva

Jean Alessandro

Articule sua história


Se aproprie do seu sofrimento
Use o seu sofrimento em vez de ele te usar

A escrita vai te salvar…

Em 2020 eu quei em um processo depressivo muito intenso. Eu buscava terapeuta atrás de


terapeuta e nunca conseguia ter a percepção de que eu era entendido. Eu chegava na sessão com
tudo organizado, uma série de pontos previamente organizados, e ao sair da sessão, estava triste e
desmoralizado por não conseguir tocar em nenhum dos pontos que eu havia anotado.

Eu estava sendo redirecionado cada vez que um olhar, tom de voz, ou expressão corporal dos meus
terapeutas era emitida. Eu mudava a linha do discurso, um pouco por conta de querer evitar
assuntos delicados que eram visivelmente desviados por uma expressão e um pouco por conta de
uma espécie de efeito Hawthorne, o efeito que faz uma pessoa se comportar de forma diferente por
que está sendo observada (todo paciente em geral quer agradar seu terapeuta dizendo que ele está
melhorando, especialmente quando o terapeuta deixa muito claro que não faz o menor sentido você
não estar bem, como no meu caso da época).

Então como eu ia chegar ao ponto que eu tinha identi cado fora da sessão? Eu sentia que estava
quase chegando lá, porém quando começava tentar explicar isso para alguém, me fugiam as ideias,
os raciocínios e eu entrava em colapso.

Desisti da terapia certo dia. Voltei para casa e sentei no computador e comecei a escrever livremente
sobre o que me vinha. Eu sabia que poderia encontrar uma resposta para o que estava acontecendo,
mas não sabia como, e quando eu estava com um problema muito caótico eu costumava sentar e
escrever sobre ele, repassar várias vezes os argumentos, re nar várias vezes todos os detalhes e assim
conseguia resolver ele. Eu sentei e escrevi durante quase uma tarde toda. Escrevi e li tudo aquilo e
lembro que a última frase era: "acho que não vai ser a terapia que vai me salvar, mas sim a escrita”

Então eu entrei em contato com a escrita expressiva antes de saber que isso era chamado de
escrita expressiva. O nome da técnica me veio depois de ter testado ela e aprovado sua e cácia.
Sendo bem sincero eu diria que, antes de ter conhecido a Daniela, que me estabilizou de uma forma
impressionante, pois foi o único relacionamento que eu ja tive que considero saudável, quem me
salvou mais foi a escrita expressiva. Se quiser, tem alguns estudos abaixo que mostram a e cácia
dela.

A naturalidade e o trauma

A ideia da naturalidade do trauma se tratar de vermos como funcionaria um processo de


contaminação de resposta emocional. Imagine um puma atacando uma ovelha numa montanha. A
ovelha certamente marcará o cenário, marcará que cores esta ali, guardará na memória o local, e
certamente esse local estará engatilhando respostas posteriores de medo e ansiedade nessa ovelha.
Vamos falar mais disso na aula 009 e 010, mas por enquanto guarde essa imagem. A naturalidade
do trauma é armazenar informações de forma emocional, límbica, em formato de memórias
implícitas, ou nÃo declarativas. Aquelas memórias que não podemos falar sobre.

antinatural - oantinatural@gmail.com - IP: 191.185.145.122


fi
fi
fi
fi
fi
Antinaturalidade do trauma seria o ato de narrar o trauma, gerar, em cima daquela camada de
engramas de medo e ansiedade - que provavelmente seriam registrados muito mais por áreas
límbicas (amígdalas cerebrais, por exemplo) - uma nova camada de engramas mais corticais. Seria
você articular aquela experiência de forma que o seu cérebro passe a tratar aquela informação com
uma comunicação mais intensa entre o córtex e o sistema límbico. Seria você fazer um processo de
"migração cerebral” da memória do evento do trauma. Em vez de, toda vez que se pensa naquilo e
se fala naquilo ativar circuitos de medo e raiva, que se façam ativar circuitos responsáveis por
entendimento do fato pela linguagem, pela memória declarativa.

Os meus pacientes que não conseguem narrar um trauma, geralmente são os que vão apresentar
mais debilidade emocional. Quanto menos se consegue tratar sobre o assunto - seja de forma verbal
ou seja pela escrita - mais isso signi ca que o assunto não foi de fato processado por áreas que geram
uma compreensão sobre o fato, que geram uma articulação sobre aquilo, que geram um
signi cado sobre aquilo. Basicamente você teria só o sofrimento cru, sem uma camada de
entendimento em cima dele. Quando você tem isso, em geral, você tem um trauma passado
"ativado".

Os pacientes, por exemplo, que não conseguem articular minimamente uma autobiogra a (e isso
não é comum com pacientes que sofreram muitos traumas) geralmente tem muita di culdade de se
organizar psicologicamente em relação ao tempo. Eles geralmente se sentem muito travados no
passado. Há um di culdade muito grande em tratar o passado como passado, tratar o seu eu do
passado como algo que já foi, e ver a possibilidade que se apresenta no futuro de se desenvolver em
questão de personalidade e conquistas. Geralmente essas pessoas estão travadas numa autoimagem
de culpa, remorso, medo e vergonha. Isso gera sinais tão fortes que parece que silencia todas as
percepções de possíveis oportunidades e caminhos para mudar a natureza da sua experiência.

Uma das coisas que implementei com alguns pacientes é uma anamnese escrita por eles nas
primeiras sessões. Obviamente alguns dos pacientes não conseguem fazer isso (tanto mais
debilitados pro algum transtorno ou problema, mais têm di culdade de fazer até mesmo atos
simples de mudança para o próprio bem), mas os que conseguem fazer entram com um domínio
muito maior sobre eles mesmos. Sentem que sua vida está mais “sob controle", ou sobre
entendimento, ou que as coisas pelo menos tem uma lógica.

James Pannembecker

James é um Psicólogo social. Isso é um fato interessante, pois ele estava treinado a ver as coisas sobre
outro viés que não o viés clínico. Isso torna ainda mais interessante a ideia de ele ter esbarrado nesse
conhecimento sobre o efeito de uma articulação sobre experiências emocionais.

James estava estudando a somatização (quando o corpo começa a manifestar sinais e sintomas de
algum problema emocional ou psicológico. Ele rodou um questionário com 800 pessoas, onde uma
das perguntas era se a pessoa já tinha sofrido algum abuso. As pessoas que respondiam que sim
apresentavam mais somatizacões do que as que respondiam que não. Até aqui tudo óbvio.

O detalhe vem quando começamos a aprofundar melhor. As pessoas que respondiam sim (que
tinham sofrido abuso) e que tinham mais sintomas eram justamente as pessoas que escreviam no
questionário que esse trauma havia cado em segredo. A ideia que apareceu posteriormente foi de

antinatural - oantinatural@gmail.com - IP: 191.185.145.122


fi
fi
fi
fi
fi
fi
fi
que não era a publicização do fato que havia tornado ele mais tolerável, mas a articulação
linguística sobre o fato. Como veremos na aula 010, áreas do cérebro que são responsáveis por causa
e efeito, por entendimento linguístico, por entender signi cado de emoção estarão pouco ativadas
tanto durante um trauma forte quanto depois dele (a não ser que se faça ativamente algo).

Geralmente, quando você fala sobre algum trauma com alguém, seu cérebro começa a integrar
processos e tornar eles coesos, ele começa a tornar experiência em narrativa. Aquela memória
emocional e implícita do trauma - ativada geralmente pelas amígdalas cerebrais, começa a passar
para o hemisfério mais esquerdo do cérebro, começa a ser narrada pelas áreas responsáveis pela
fala, começa a se tornar uma construção ativa de outras estruturas neurais corticais. Os fatos
emocionais (som, cheiro, medo, imagem) que estavam desintegrados, isolados, se tornam uma
estrutura narrativa coesa.

Chegamos ao ponto muito comentado aqui dentro do antinatural:


Você transcendeu o seu trauma.

O seu Self, uma estrutura mais complexa do que a estrutura de resposta emocional inata, o seu
córtex pré-frontal, usam a memória do trauma para contar uma história sobre ele. Se forma uma
nova camada de engramas, de conexões nervosas. Você começa a modi car a função das redes
neurais e começa a criar conexões que não existiam forma novas memórias.

Depois que você conta uma história sobre seu trauma ele passa a ser uma história e não mais só um
trauma. Quando você consegue narrar seu sofrimento ele começa a ter um uso. Você (seu self)
começa a usar seu sofrimento, em vez de você ser totalmente refém e usado por ele.

Uma das minhas pacientes descobriu uma relação com uma pessoa com traços de psicopatia através
das nossas sessões de escrita terapêutica. Na escrita, as memórias começaram a se organizar melhor,
as parte obscuras da relação, que eram mascaradas pela culpa e pela vergonha (características
comuns às vitimas de abusadores), começaram a tomar uma forma mais robusta.

Como fazer sessões de escrita expressiva?

1 - Você vai procurar um espaço no seu dia, e um espaço físico que ninguém te interrompa.
2 - Você vai separar um problema que está te a igindo no momento. Se você tem muitos problemas,
escreva todos eles, depois passe um tempo olhando essa lista e se perguntando qual deles
verdadeiramente é o problema mais crítico no momento. O que gera todos os outros. Vá fazendo
perguntas do tipo:
3 - Ser sincero e expressar o que está em você
4 - Ler isso logo depois ou em outro dia.

Eu co ansioso.
Porquê?
Eu desorganizo as coisas.
Porquê?
Tenho muitas coisas para fazer
Porquê?
Me comprometo com muitas

antinatural - oantinatural@gmail.com - IP: 191.185.145.122


fi
fl
fi
fi
Porquê?
Não sei dizer não…

Esse exemplo, você começa achando que seu problema é ansiedade, quando na verdade seu
problema principal é assertividade, saber se posicionar, saber defender seu tempo e dizer não.
Outra forma de descobrir quais são os principais problemas seus é numa estrutura de árvore
também. Exemplo:

Resolvido qual a fonte maior do seu complexo de problemas, você vai sentar e simplesmente expor
seus pensamentos e emoções sobre o que quer que esteja acontecendo no momento.

Você deve fazer de 3 a 5 sessões de escrita expressiva, sobre o mesmo tema, durante em média 30
minutos.

Como escrever?

Pode ser com caneta, pode ser com computador, pode ser até mesmo com o dedo no ar. Inclusive
um estudo mencionado na palestra que coloquei o link abaixo mediu exatamente o efeito de
escrever dessa forma, e a melhora também existe.

O formato não importa muito. O que importa é seu conforto fazendo a técnica. Ela precisa ser
confortável (apesar do tema ser dolorido). Se você gosta de privacidade, escolha um aplicativo estilo

antinatural - oantinatural@gmail.com - IP: 191.185.145.122


monkkee, que tem uma senha e desloga automaticamente em 5 minutos sem atividade do
computador. Se você prefere escrever no papel, guardar ou jogar fora depois, que à vontade.

Escreva sobre fatos, sobre memórias, sobre situações, sobre pendências, sobre qualquer coisa que
esteja “ruminando” no momento. Ou sobre aquele assunto que você não consegue parar de pensar
sobre.

Um cuidado:

Memórias, fatos e situações extremamente intensas ou provenientes de um estado depressivo grave


não são indicados para essa técnica simplesmente pelo motivo de você estar entrando em problemas
emocionais e psicológicos intensos sem ajuda pro ssional.
Jean, eu não tenho como fazer terapia! Eu não tenho como ter acompanhamento nisso!

Ta bem. Você pode fazer a técnica. Não estou dizendo que você não pode - até por que você quem
sabe da possibilidade que diz respeito ao seu comportamento - mas estou dizendo que o mais

Antes da técnica Depois da técnica

Memória do trauma - armazenada mais na amígdala Armazenada mais no córtex e hipocampo em


cerebral (memória sem articulação posterior), signi cados e pensamentos sobre o fato; a memória
memória mais fragmentada por conta da desativação ca mais articulada e coesa por conta da
do tálamo na hora do trauma “frontalizacão” do trauma.

Experiência do Self - Presa no passado. O sujeito O sujeito começa a ir além do que sempre repete
repete incessantemente o evento sem conseguir quando ele lembra do trauma
avançar

História não narrável, não compreensível, não História aceitável, entendível, compreensível.
aceitável

indicado seria você ter esse acompanhamento.

Efeitos da Escrita expressiva:

Melhora do sistema imune - Estresse -


Melhora do desempenho acadêmico -
Melhora o sono -
Melhora a sociabilidade -

Articule sua história pessoal


Se aproprie do seu sofrimento!
Use o seu sofrimento em vez de ele te usar.

referencias—

antinatural - oantinatural@gmail.com - IP: 191.185.145.122


fi
fi
fi
fi
Greenber, Melayne. Expressive writing and health: self-regulation of emotionrelated experience,
Article

https://www.scienti camerican.com/article/you-are-what-you-say/

1. Pennebaker, J. W., & Beall, S. K. (1986). Confronting a traumatic event: Toward an


understanding of inhibition and disease. Journal of Abnormal Psychology, Vol. 95 (3), 274-281.

2. Cameron, L. D. & Nicholls, G. (1998). Expression of stressful experiences through writing: Effects
of a self-regulation manipulation for pessimists and optimists. Health Psychology, Vol. 17 (1), 84-92;
Greenberg, M. A., Wortman, C. B., & Stone, A. A. (1996). Emotional expression and physical
health: Revising traumatic memories or fostering self-regulation? Journal of Personality and Social
Psychology, Vol. 71 (3), 588-602; Pennebaker, J. W., Colder, M. & Sharp, L. K. (1990). Accelerating
the healing process. Journal of Personality and Social Psychology, Vol. 58 (3), 528-537; Richards, J.
M., Beal, W. E., Seagal, J. D., & Pennebaker, J. W. (2000). Effects of disclosure of traumatic events
on illness behavior among psychiatric prison inmates. Journal of Abnormal Psychology, Vol. 109 (1),
156-160; Pennebaker, J. W. & Francis, M. E. (1996). Cognitive, emotional and language processes in
disclosure. Cognition and Emotion, Vol. 10 (6), 601-626; Pennebaker, J. W., & Beall, S. K. (1986).
Confronting a traumatic event: Toward an understanding of inhibition and disease. Journal of
Abnormal Psychology, Vol. 95 (3), 274-281; Pennebaker, J. W., Kiecolt-Glaser, J. K., & Glaser, R.
(1988). Disclosure of trauma and immune function: Health implications for psychotherapy. Journal
of Consulting and Clinical Psychology, Vol. 56 (2), 239-245.

3. See Smyth, J. M. (1998). Written emotional expression: Effect sizes, outcome types, and
moderating variables. Journal of Consulting and Clinical Psychology, Vol. 66 (1), 174-184 for a
review of this effect.

4. Esterling, B. A., Antoni, M. H., Fletcher, M. A., Margulies, S., & Schneiderman, N. (1994).
Emotional disclosure through writing or speaking modulates latent Epstein-Barr virus antibody
titers. Journal of Consulting and Clinical Psychology, Vol. 62 (1), 130- 140; Pennebaker, J. W.,
Kiecolt-Glaser, J. K., & Glaser, R. (1988). Disclosure of trauma and immune function: Health
implications for psychotherapy. Journal of Consulting and Clinical Psychology, Vol. 56 (2), 239-245;
Petrie, K. J., Booth, R. J., & Pennebaker, J. W. (1998). The immunological effects of thought
suppression. Journal of Personality and Social Psychology, Vol. 75 (5), 1264-1272; Petrie, K. J.,
Booth, R. J., Pennebaker, J. W., Davison, K. P., & Thomas, M. G. (1995). Disclosure of trauma and
immune response to a Hepatitis B vaccination program. Journal of Consulting and Clinical
Psychology, Vol. 63 (5), 787-792.

5. See Smyth, J. M. (1998). Written emotional expression: Effect sizes, outcome types, and
moderating variables. Journal of Consulting and Clinical Psychology, Vol. 66 (1), 174-184 for a
review of these effects.

6 Morisano, D., Hirsh, J. B., Peterson, J. B., Shore, B., & Pihl, R. O. (2010). Personal goal setting,
re ection, and elaboration improves academic performance in university students. Journal of
Applied Psychology, 95, 255-264.

7 Klein, K. & Boals, A. (2001). Expressive writing can increase working memory capacity. Journal of
Experimental Psychology: General, 130, 520-533.

antinatural - oantinatural@gmail.com - IP: 191.185.145.122


fl
fi
8. Pennebaker, J. W., & Seagal, J. D. (1999). Forming a story: The health bene ts of narrative.
Journal of Clinical Psychology, Vol. 55 (10), 1243-1254. See Smyth, J. M. (1998). Written emotional
expression: Effect sizes, outcome types, and moderating variables. Journal of Consulting and
Clinical Psychology, Vol. 66 (1), 174-184 for a review and research synthesis examining effect size
and moderating factors. Also, Pennebaker, J. W. & Graybeal, A. (2001). Patterns of natural language
use: Disclosure, personality, and social integration. Current Direction in Psychological Science, Vol.
10 (3), 90-93 for a current review of theoretical explanations and directions for further research.

9. King, L. A. (2001). The health bene ts of writing about life goals. Personality and Social
Psychology Bulletin, Vol. 27 (7), 798- 807.

10 Baikie, K. A. & Wilhelm, K. Emotional and physical health bene ts of expressive writing.

Advances in Psychiatric Treatment, 11, 338-346.

11 Pennebaker, J. W. (1997) Writing about emotional experiences as a therapeutic process.


Psychological Science, 8, 162–166.

12 Harber, K. D., & Pennebaker, J. W. (1992) Overcoming traumatic memories. In The Handbook
of Emotion and Memory: Research and Theory (ed. S.-Å. Christianson), pp. 359–387. Hillsdale,
NJ: Lawrence Erlbaum Associates.

antinatural - oantinatural@gmail.com - IP: 191.185.145.122


fi
fi
fi

Você também pode gostar