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AS AÇÕES S A L M A N A K H A T A R , C A P. 3
de Campos Guimarães
“ESCUTANDO” AS AÇÕES
Comunicação não verbal
“acting in”
“enactment”
“ESCUTANDO” AS AÇÕES - COMUNICAÇÃO NÃO
VERBAL
As associações do paciente, verbais e não verbais, revelam e reconstrói as narrativas
inconscientes que contribuem para seu sofrimento!
O paciente não recorda coisa alguma do que esqueceu e reprimiu, mas expressa-o
pela atuação (acting it, acting out). Ele o reproduz não como lembrança, mas como
ação; repete-o, sem, naturalmente, saber que o está repetindo. Por exemplo, o
paciente não diz que recorda que costumava ser desafiador e crítico em relação à
autoridade dos pais; em vez disso, comporta-se dessa maneira para o médico.
“ESCUTANDO” AS AÇÕES – ACTING IN
Meyer Zeligs (1957) traz o conceito de acting in para diferenciar de acting out
São atos inconscientes ATUAÇÕES
Nas etapas precoces do desenvolvimento psíquico não existe ainda uma linguagem verbal
articulada, e, muitas vezes, não vamos encontrar palavras que deem conta, suficientemente, das
sensações e sentimentos para compor uma interpretação transferencial. A palavra se mostra, pois,
insuficiente, sendo o ato a única maneira de expressão possível ao paciente em determinado
momento do processo e de acordo, também, com o momento em que se encontra a dupla ou a
interação dos dois psiquismos. Sendo assim, o acting fica definido como uma ação feita no lugar
do pensamento.
Ocorrem por repressão do trauma (repetir, recordar e elaborar- Freud)
Ou pela vivencia ter sido anterior à aquisição da linguagem (aspectos muitos primitivos – terror
sem nome- Bion, 1962) sensação de vazio e desamparo, sem saber bem os motivos. Sensações
absorvidas entre zero e cinco anos. Não nomeadas e jogadas no inconsciente. Dores!!
“ESCUTANDO” AS AÇÕES – ACTING IN
acting out – atuações fora da sessão
acting in – atuações dentro da sessão – movimentos corporais, fantasias primitivas de
memórias reprimidas, algo é colocado em ação ao invés de palavras.
Deste modo, o acting in pode ser uma forma de resistência ou a única possibilidade
de comunicação (períodos pré-verbais sem representação psíquica)
Importante “escutar o valor comunicativo do “acting in”
Zeligs (1960) considerou “acting in” como ponto médio entre o “acting out” e a
associação livre.
“ESCUTANDO” AS AÇÕES – ACTING IN
No acting o sujeito passa de uma representação, de uma tendência, ao ato
propriamente dito ou à dramatização e encenação de conflitos primitivos dos quais
não se lembra e que, para não lembrar, atua ou recria as questões primitivas
dolorosas, estando elas tecnicamente referidas à transferência.
Tais expressões são veiculadas fortemente pela identificação projetiva em pacientes
cuja capacidade ainda está limitada por ansiedades persecutórias primitivas ou,
mais gravemente, por aqueles instalados no que John Steiner (2000) conceitua
como organizações patológicas em estruturas limítrofes.
“ESCUTANDO” AS AÇÕES – “ENACTMENT”
As realidades psíquicas encenadas no acting e no enactment estão intimamente
relacionadas, numa tessitura que é inconsciente e ainda indizível por ser de natureza
pré-verbal. A palavra, portanto, mostra-se insuficiente e não alcança conter
sensações e percepções dolorosas, estas precisando ser expressas através
de atuações e recriações no setting analítico.
Comunicação não verbal – acting in – enactment
Nesse cenário pré-verbal e verbal, recriam-se as questões primitivas e as dores
psíquicas que deverão ser revividas e sentidas pela dupla para que ocorra
tratamento, sendo as fantasias inconscientes, conceito tradicional de Susan Isaacs
(1949), os elementos nucleares da realidade psíquica que constituem o cerne das
noções de acting e, mais recentemente, de enactment.
“ESCUTANDO” AS AÇÕES – “ENACTMENT”
Duas perspectivas:
1- colocar as fantasias em ações ao invés de em palavras. Uma forma de
descrever o acting in de Zelig (1957). Vive sozinho essa fantasias
2- quando o paciente inconscientemente induz o analista a viver no setting sua
fantasia transferencial. Vivenciada pela dupla. Contratransferência fica muito
intensa.
As "falhas" do analista quando se engana em relação a horários, esquece de
alguma sessão, troca nomes, usa tom de voz sedutor, impaciente, irônico etc.
Essas situações se tornavam produtivas quando a dupla as reconhecia e
discutia, Cassorla (1985).
“ESCUTANDO” AS AÇÕES – “ENACTMENT”
Retomando, então, a partir dos anos 80, surge o conceito
de enactment ou recriação ou realidade psíquica em cena, entendido como um suceder
de vivências não suficientemente contidas pela palavra, ora confusionantes, ora
ainda inconscientes, da dupla paciente-terapeuta (Boesky, 2000; Cassorla, 2001;
Steiner, 2000; Tuckett, 2000).
Anteriormente, Bion (1959) já enfatizara que o afastamento da realidade é uma
ilusão, não um fato, e emerge da identificação projetiva, sendo de tal maneira
predominante no funcionamento psíquico dos pacientes, que parece não ser fantasia,
mas fato.
“ESCUTANDO” AS AÇÕES – ACTING IN E
ENACTMENT
Tanto o acting quanto o enactment são integrantes fundamentais e inevitáveis do
processo analítico e auxiliam positivamente o andamento do tratamento de pacientes
portadores de patologias limite, apesar de, muitas vezes, serem de difícil
compreensão e, aparentemente, negativos para o processo.
Contudo, os fenômenos que poderiam ser entendidos como prejudiciais ao
tratamento, dependendo do encaminhamento técnico são positivos e úteis para o
desenvolvimento das terapias de referencial psicanalítico (Sandler, 1987; Limentani,
1969, 1981; Britton, 1999; Steiner, 2000).
“ESCUTANDO” AS AÇÕES - “ENACTMENT”
Processos de simbolização em áreas primitivas, organizações defensivas patológicas e comunicação
inconsciente entre os membros da dupla analítica.
Enactment crônico aos conluios duais.
Enactment agudo às situações em que esses conluios são desfeitos.
Ainda candidato, na década de 1980, atendia K, uma sofrida jovem. Durante as sessões me sentia
invadido por queixas e lamentações que, inicialmente, se referiam a sintomas corporais e à busca desesperada
de tratamentos médicos, depois substituídos por queixas em relação a pessoas significativas incompreensivas.
Tentava compreender o que havia para além das lamentações, com pobres resultados. Minhas
intervenções eram atacadas ou desvitalizadas. Sentia-me frente a uma espécie de muro protegido por
metralhadoras que me fuzilavam. Percebia minha impotência e K se queixava dela também. No entanto, havia
momentos em que K parecia aproveitar o trabalho analítico.
(CASSORLA, 2013)
“ESCUTANDO” AS AÇÕES - “ENACTMENT”
Em determinado momento me surpreendi dando um soco no braço da cadeira
enquanto interrompia K dizendo-lhe que ela não me escutava e não me deixava
falar. Senti-me perplexo e assustado ao ouvir o barulho do soco e a irritação em
minha voz.
K assinalou, ironicamente, que eu havia ficado nervoso. Mais controlado, lhe disse
que sim, ela tinha razão, eu era humano. E acrescentei: "ainda bem que você tem um
analista que fica nervoso, e que se não fosse isso eu estaria com medo de você e
você não teria analista". A sessão terminou em seguida, sem condições para
conversarmos sobre o que havia ocorrido.
Quando K saiu me senti envergonhado e culpado. Estava certo que minha função
analítica havia sido destruída e que havia maltratado K. Receava que ela não mais
voltasse. E tratava-se da paciente escolhida para minha primeira supervisão oficial...
“ESCUTANDO” AS AÇÕES - “ENACTMENT”
Mesmo perturbado pude imaginar o que ocorrera. K havia projetado elementos não
pensáveis dentro de mim que, em forma complementar, se "engancharam" a aspectos meus
não suficientemente elaborados. Considerava-me responsável pela situação e não tinha
clareza sobre os aspectos de minha contratransferência que haviam sido "atuados". Essa
situação seria nomeada, anos após, enactment agudo.
No dia seguinte, me surpreendo com K chegando à sessão. Minha satisfação inicial foi
seguida de apreensão. Tinha certeza que K se vingaria. Mas ela estava calma, suas
associações eram produtivas, eu me senti analiticamente potente. A sessão foi satisfatória,
como há muito não ocorria.
Nas sessões seguintes minha surpresa aumentou. K, emocionada, lembrou-se de situações
traumáticas ocorridas durante sua vida, envolvendo separações, abandonos e intrusões. Essas
lembranças foram estimuladas pela situação descrita com a qual se articularam. Sua
ressignificação somada a construções hipotéticas ampliou a rede simbólica do pensamento1.
“ESCUTANDO” AS AÇÕES - “ENACTMENT”
A surpresa, ainda que agradável, me intrigou. Desde então venho me dedicando a sua
compreensão. Parti de conceitos que me pareciam próximos, tais como contratransferência
complementar, identificação projetiva massiva, contraidentificação projetiva, atualizações,
tela beta e outras formas de comunicação primitiva. O primeiro trabalho, apresentado na
SBPSP em 1985, foi publicado 10 anos após (Cassorla, 1995).
Revendo a situação fui capaz de perceber que o enactment agudo (o soco na cadeira) se
seguiu a um conluio dual de violência e submissão mútuas que havia tomado, antes, o campo
analítico (enactment crônico). K me atacava e eu me submetia a esses ataques, sem dar-me
conta suficiente do fato. Minha paciência parecia masoquista. Por outro lado, eu submetia K à
impotência de minha função analítica. Ambos os membros da dupla analítica se sentiam
prolongamento um do outro (Cassorla, 1997). Tempos depois chamaria esse conluio enactment
crônico. Percebi, também, que o enactment agudo indica a liberação do analista do conluio
dual. O paciente entra em contato com o fato de que o analista é outra
pessoa. (CASSORLA, 2013)
ESCUTAR AS AÇÕES EM DIFERENTES MOMENTOS
Enquanto organiza a primeira sessão,
Quando o paciente chega para a primeira sessão,
Durante a consulta inicial,
Durante a fase intermediária da análise,
Durante a fase de término da análise.
ENQUANTO ORGANIZA A PRIMEIRA SESSÃO
AKHTAR, Salman. Escuta Psicanalítica: metodos, limites e inovações. São Paulo: Blucher,
2016.
CASSORLA, Roosevelt M.S.. Afinal, o que é esse tal enactment?. J. psicanal., São
Paulo, v.46, n.85, p.183-198, jun.2013. Disponível em
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
58352013000200017&Ing=pt&nrm=iso>. Acessos em 9 maio 2023.
GUS, Mauro. Acting, enactment e a realidade psíquica "em cena" no tratamento
analítico das estruturas borderline. Rev. bras. psicanál, São Paulo , v. 41, n. 2, p.
45-53, jun. 2007 . Disponível em
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0486-
641X2007000200005&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 11 maio 2023.