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SOLVENTES ORGÂNICOS (VOC) – ESTADO DA ARTE

Antonio Carlos Vendrame

Uma solução sempre possui dois componentes: (1) solvente que dispersa ou dissolve,
podendo ser líquido, gasoso ou sólido e (2) soluto que é o disperso ou dissolvido.
Assim, em termos de química, inúmeras substâncias podem ser solventes. No entanto,
em saúde ambiental e ocupacional o nome de solvente (também é utilizada a
denominação de solvente orgânico) é reservado para substâncias derivadas do petróleo
e, se distribuem em quatro classes:
 Parafínicos – possuem cadeias retas, constituídos por alcanos (apenas ligações
simples entre o hidrogênio e carbono)
 Olefínicos – possuem cadeias retas, constituídos por alcenos (dupla ligação entre
os carbonos)
 Naftênicos - possuem cadeia fechada formada por hidrocarbonetos cíclicos
 Aromáticos – possuem o anel benzênico
Centenas de agentes químicos individuais são utilizados na fabricação de mais de
30.000 solventes de uso industrial (Rosenberg et al, 1997). A nomenclatura dos
solventes confunde! Benzeno não possui qualquer parentesco com a benzina. O benzeno
é um aromático, a benzina é o hexano, um hidrocarboneto de cadeira aberta (alifático).
Segundo dados internacionais, cerca de 50% dos solventes vão para a fabricação de
vernizes, tintas, colas, cosméticos, 20% para a fabricação de sapatos, 10% para a
indústria de agrotóxicos e 10% são usados na limpeza de metais, lavagem a seco,
indústria têxtil e farmacêutica (Buschinelli, 2000).
Quem pela primeira vez associou câncer ao agente ambiental foi o médico inglês
Percival Potts no século XVIII. Naquela época os limpadores de chaminé, na Inglaterra,
utilizavam calças por vários dias, sem trocá-la. Além de que, não faziam uso de roupas
íntimas de forma que toda a sujidade da calça atingia diretamente o saco escrotal. A
região é muito sensível e foram registrados vários casos de câncer do escroto que ficou
associado com a exposição ao benzopireno oriundo das chaminés.
Os solventes são misturas de várias substâncias, especialmente hidrocarbonetos. Como
subproduto do refino de petróleo, os solventes são substâncias ordinárias que não
possuem composição fixa e definida. A composição do solvente variará segundo a
origem do petróleo. Também o processo de refino dará origem a produtos com
composições distintas.
Segundo (Buschinelli, 2000) algumas variáveis influem na exposição ocupacional dos
solventes:
 Pressão de vapor – quanto maior a pressão de vapor, mais força o solvente terá
para sair do estado líquido e passar ao estado vapor.
 Temperatura de ebulição – quanto menor a temperatura de ebulição, com mais
facilidade se volatilizará.
 Superfície de evaporação – quando maior a superfície de evaporação, maior a
quantidade evaporada, por simples razão de geometria.
 Coeficiente de partição óleo/água – os compostos com nenhuma solubilidade na
água (como os hidrocarbonetos alifáticos) são menos absorvidos do que os que
têm hidrossolubilidade (como os alcoóis, cetonas e ésteres).
 Carga física do trabalhador – quando maior a ventilação pulmonar, maior a
quantidade de solvente que alcançará os pulmões.
As propriedades físicas de uma substância interferem em sua capacidade de causar
riscos à saúde humana. Por exemplo, a solubilidade de uma substância em meio aquoso
ou gordura indica se o metabólito solúvel em água pode ser excretado do organismo ou
se a lipossolubilidade poderia favorecer seu armazenamento na gordura do corpo.
Assim, quanto mais solúvel uma substância, maior sua absorção.
Os solventes em geral possuem um grande potencial anestésico que é diretamente
proporcional à sua solubilidade em gordura. Por seu turno a absorção dermal está
relacionada à solubilidade em água e gordura (Rosenberg et al, 1997).
A toxicidade por inalação e o grau de exposição a substâncias líquidas dependerá de seu
nível de volatilidade, ou seja, quanto mais volátil, maior é o risco de exposição por
inalação de seus vapores.
Os solventes também possuem efeitos sinérgicos e potencializadores de outros agentes.
O normal seria esperar o efeito aditivo numa exposição a um produto mais um solvente;
no entanto, este último promove uma sinergização da mistura, proporcionando
resultados superiores à simples adição. E, em outras situações o produto isoladamente
não teria qualquer efeito, mas adicionado de solvente potencializa este efeito.
Os efeitos nefastos dos solventes chegam a alcançar outros agentes que não os
químicos, a exemplo do agente físico ruído. A perda auditiva induzida pelo ruído é
sinergizada pela exposição aos solventes, particularmente tolueno, xileno,
tricloroetileno, dissulfeto de carbono e estireno. Aliás, estudos demonstram que o
tolueno isoladamente produz perda auditiva.
Alguns solventes, ainda que presentes em traços podem ser percebidos por seus odores.
O odor pode servir como indicador da presença de determinada substância nociva.
Porém, nem todas as substâncias químicas possuem odores fortes; por outro lado, nem
toda substância com forte odor é nociva.
Nas substâncias com propriedades de alarme adequadas, o limite de odor é menor que o
limite de tolerância, abaixo alguns exemplos:

Limite de odor Limite de tolerância


Substância
(ppm) TWA (ppm)
Acetona 62 750

Amônia 17 25

Tolueno 1,6 50

Xileno 20 100

Nas substâncias com propriedades de alarme pobres o limite de odor é maior que o
limite de tolerância, conforme exemplos abaixo:

Limite de odor Limite de tolerância


Substância
(ppm) TWA (ppm)
Benzeno 61 1

Tetracloreto de carbono 250 5

Percloretileno 47 25

A exposição aos solventes orgânicos ocorre diariamente em mais de um milhão de


trabalhadores americanos (Baker Jr, 2000). Os efeitos mais comuns dos solventes estão
relacionados com o sistema nervoso central; no entanto, a literatura registra também
efeitos dermais, respiratórios, hepáticos, renais, hematológicos e no sistema
reprodutivo, variando de simples mal estar até câncer (Stacey, 1995; Malachowski,
1999 e Katz et al, 2001).
A análise laboratorial ambiental de um solvente deve levar em consideração a
interferência de outro solvente, com configuração química semelhante, como ocorre
com o benzeno, xileno e tolueno. Por exemplo, na contratação de uma análise de
benzeno, o laboratório analítico deve ser informado que no ambiente existem também
tolueno e xileno (interferentes do benzeno) para que seja fornecido amostrador
compatível com tal necessidade.
Assim, numa análise ambiental de solventes a amostragem não deve se restringir
somente ao BTX (benzeno, tolueno e xileno) ou BTXE (benzeno, tolueno, xileno e
etilbenzeno). É necessário fazer uma análise que cubra todos os agentes químicos
existentes num solvente. A varredura de solventes tem se prestado muito bem a esta
finalidade, mostrando a concentração dos primeiros 20, 30 ou 50 agentes químicos
existentes num ambiente com o uso de solventes. Dispensável alertar que a
interpretação das concentrações frente aos limites de tolerância deve levar em
consideração o efeito combinado destes agentes químicos, conforme equação abaixo:

+ + ⋯+ ≥1

Onde:
C = concentração do agente
LT = limite de tolerância correspondente
Caso a soma das parcelas ultrapassar o valor unitário, o limite de tolerância foi
ultrapassado.
Para a realização de uma varredura de solventes se recomenda a coleta com utilização
da dosimetria passiva. Dentre as várias vantagens da dosimetria passiva estão a
portabilidade do dosímetro e a não utilização de bomba de amostragem, pois o método
se utiliza da difusibilidade das substâncias.
No entanto, para uso da dosimetria passiva é necessário que haja um movimento
mínimo de ar de 25 ft/min em contato com a face do amostrador passivo para uma
coleta adequada. Quando o ar está inerte, ocorre “inanição” porque não há moléculas
novas de contaminantes para que ocorra a difusão.
O controle dos solventes no ambiente deve ser realizado com bastante cautela,
especialmente quanto à substituição do agente. No passado o benzeno foi substituído
pelo tolueno e xileno. Atualmente alguns solventes têm sido substituídos por solventes à
base d’água ou por d’limoneno (solvente natural). Muitas colas a base de solventes têm
sido substituídas por colas a base d’água; no entanto, tais colas contém em sua
composição isocianato.
É possível a substituição dos solventes por biossolventes, tais como soiato de metila,
lactato de etila, d-limoneno. Ou, alternativamente também podemos substituir os
solventes por solventes oxigenados de várias categorias, conforme a seguir:
 Álcoois – etanol, metanol
 Ésteres – acetato de etila, acetato de isopropila
 Cetonas – acetona, MEK
 Glicóis – etileno glicol, propileno glicol
 Éteres glicólicos – butil glicol
 Ester de glicol éter – acetato de butil glicol
 Tintas tais como tintas à base d’água, altos sólidos, sistemas bicomponentes,
tintas em pó, cura UV.

BIBLIOGRAFIA
1. Rosenberg J, Cone JE, Katz EA. Solvents In: Ladou J. Occupational &
Environmental Medicine. 2ª Ed. Connecticut: Appleton & Lange: 1997.
2. Baker Jr EL. Disorders of the nervous system In: Levy BS, Wegman DH.
Occupational Health – Recognizing and preventing work-related disease and
injury. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins: 2000.
3. Buschinelli JTP. Agentes químicos e intoxicações ocupacionais. In: Ferreira Jr
M. Saúde no trabalho – Temas básicos para o profissional que cuida da saúde
dos trabalhadores. São Paulo: Roca; 2000.
4. Stacey NH. Toxicity of solvents. In: Stacey NH. Occupational toxicology.
London: Taylor & Francis; 1995.
5. Malachowski MJ. Health Effects of toxic substances. Maryland: Government
Institutes; 1999.
6. Katz EA, Cone JE. Riscos dos solventes para a saúde. In: Bowler RM, Cone JE.
Segredos em medicina do Trabalho. Porto Alegre: Artmed; 1999.

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