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ISSN: 1696-8352
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo apresentar o teletandem como um contexto
telecolaborativo no qual são desenvolvidas parcerias que proporcionam o
desenvolvimento de relações dialógicas. Para atingir esse objetivo, iremos discutir como
os pressupostos de Bakhtin e Freire podem contribuir para refletirmos a respeito do
tandem como um fenômeno dialógico que pode conduzir os interagentes a algo
colaborativo e, consequentemente, aprimorar suas competências linguísticas de forma
mais efetiva.
ABSTRACT
This present work aims to introduce teletandem as a telecollaborative context in which
partnerships are formed, fostering the development of dialogical relationships. To achieve
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this objective, we will discuss how the assumptions of Bakhtin and Freire can contribute
to reflecting on tandem as a dialogical phenomenon that can lead interlocutors to
something new and, consequently, enhance their linguistic competencies more
effectively.
1 INTRODUÇÃO
O pensamento de Bakhtin e seu Círculo destaca a relevância do diálogo na
formação de significados, defendendo que estes não são fixos, mas construídos por meio
da interação social. No contexto do teletandem, o diálogo é essencial para que os
participantes aprendam o significado de palavras e frases em uma nova língua.
Paralelamente, Freire (2014) compartilha a visão de que a aprendizagem deve ser um
processo dialogado, com professor e aluno colaborando na aquisição do conhecimento.
Ambos os filósofos enfatizam a importância da interação humana na construção do
conhecimento, conceito reforçado no teletandem, onde o diálogo é crucial para o sucesso
na aprendizagem de uma nova língua.
No teletandem, a responsabilidade pela construção do conhecimento na nova
língua é compartilhada pelos participantes, resultando em um ambiente de aprendizagem
mais participativo e colaborativo. Essa abordagem promove a colaboração, equiparando
os participantes na troca mútua de conhecimentos linguísticos e culturais. Telles (2009)
estabelece três princípios fundamentais para o teletandem: a não mistura de línguas
durante as interações, a reciprocidade na troca de conhecimentos sem envolver questões
financeiras, e a autonomia, que pode variar dependendo se o teletandem é livre ou
institucionalizado.
Além disso, Rammé (2014) destaca sete regras de ouro do tandem, incluindo a
importância de deixar as decisões sobre o processo de ensino-aprendizagem nas mãos dos
parceiros de interação, a reciprocidade ao longo da atividade, o estabelecimento prévio
do número total de sessões, a alternância dos idiomas no início de cada encontro, a
adaptação das atividades às necessidades dos participantes, a testagem prévia de
materiais, e a preparação de um kit didático.
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uma realidade desafiadora tanto para o professor, quanto para seus educandos.
Levando o pensamento de Freire (2014) em consideração, compreendemos que o
teletandem é um contexto que nos coloca diante de uma nova realidade a ser enfrentada
por alunos e professores de línguas adicionais. Nessa realidade, os papéis do professor e
dos educandos são modificados, dando lugar a uma vivência única experienciada por cada
participante do processo de forma intensa e com desafios que as paredes da sala de aula
não são capazes de proporcionar, pelo menos não na mesma medida que esse contexto de
interação proporciona.
É a partir do diálogo entre, pelo menos, duas culturas diferentes que o teletandem
acontece, por isso o contato entre os interagentes pode se constituir como uma forma de
estabelecer relações entre situações políticas, éticas, epistemológicas, pedagógicas etc.,
que estão na base do referido processo de ensino-aprendizagem.
Diante de tal contexto os participantes do diálogo tomam consciência de que os
enunciados proferidos pelos participantes são oriundos de uma base material, ainda que
esse debate não seja trazido à tona, as questões levantadas ao longo da interação nos fazem
perceber uma dimensão diferente daquela que apresentamos nos livros didáticos, na nossa
condição de professores. “No conteúdo da visão estética não encontraremos a ação‐ato
daquele que vê” (BAKHTIN, 2010, p. 56), pois ela é desprovida de uma base dialógica
calcada na realidade do sujeito e apresenta somente formas lapidadas de estruturas
técnicas e teóricas. Nesse sentido, entendemos o livro didático como um produto teórico
dotado de um “realismo ingênuo” (Bakhtin, 2010), que apenas se aproxima do real.
É importante destacar que o livro didático, mesmo sendo um produto da atividade
estética, pode fazer parte do existir, através de um ato de transposição didática mediada
pelo professor para aproximá-lo da realidade do aluno. Em acordo com o que assevera
Souza (2014, p. 691), “Para Bakhtin, o produto da atividade estética pode fazer parte do
existir por meio de um ato histórico na percepção estética em atividade”.
Na interação em teletandem é a própria realidade do outro que o aprendiz enfrenta,
são os problemas sociais do outro que lhe são apresentados, de forma particular, porém
capaz de revelar as várias possibilidades de vivências no país do qual seu companheiro
de interação faz parte. É nesse diálogo sustentado por uma base material que serão
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A educação autêntica, repitamos, não se faz de “A” para “B” ou de “A” sobre
“B”, mas de “A” com “B”, mediatizados pelo mundo. Mundo que impressiona
e desafia a uns e a outros, originando visões ou pontos de vista sobre ele.
Visões impregnadas de anseios, de dúvidas, de esperanças ou desesperanças
que implicitam temas significativos, à base dos quais se constituirá o conteúdo
programático da educação. (FREIRE, 2018, p. 116).
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características que nos são comuns e aguçam a percepção de que nossas diferenças
existem e podem ser levada em consideração de maneira respeitosa.
As crenças, costumes, gastronomia, dança, arte, religiosidade, ou seja, tudo que
permeia a vida dos indivíduos, como pode ser constatado nos trabalhos de Alves (2021),
Gabriel (2018) e Bragagnollo (2016). Aprender uma língua levando em conta esses
processos promove a união entre vida e cultura como sugerido por Bakhtin (2010) ao
abordar a realização de atos responsáveis. Este caminho é a base para a inclusão da
responsabilidade especial à responsabilidade moral defendida por Souza (2014).
Considerar todos os aspectos da vida e do viver do outro é uma condição
indispensável para a imersão em um nova língua e cultura, porquanto não podemos
simplesmente ignorar o outro, como se ele não existisse. Esse é o desafio do professor de
línguas adicionais, ir além do ensino teórico e estrutural da língua e envolver o aprendiz
no universo de um povo. Desse modo, a próxima seção se dedicará à discussão sobre
como o teletandem pode ser uma ferramenta didático-pedagógica para a realização de
atos responsáveis de um modo não-indiferente.
1
Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/12/151217_brasil_latinos_tg Acesso em
17 de Jan. 2023.
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2
Descontinuado após a introdução do novo ensino médio.
3
Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/crise-migratoria-venezuelana-no-brasil Acesso em 17 de
Jan. 2023.
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É a tomada de consciência que pode acontecer através do teletandem que irá gerar
uma atitude responsiva e responsável diante do outro. É perceptível que, dessa forma, o
processo de ensino- aprendizagem não compreenda apenas o aprender o idioma do outro,
mas o enxergar o outro de um lugar que ele mesmo não pode se ver, determinando uma
não-indiferença em relação a ele. Aquele com quem aprendo não é um simples
transmissor de conhecimento, mas um ser diante do qual eu me encontro em um dado
momento e que estabeleceu comigo uma relação real. Conforme afirma Ponzio (2010,
p.22),
4
Disponível em: https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/2021/01/19/doacao-da-venezuela-e-rede-de-
solidariedade-levam-oxigenio-para-manaus Acesso em 17 de Jan. 2023.
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Diferente de um material criado para ensinar e/ou aprender uma língua, diferente
de assistir uma aula expositiva de um professor, aprender com o outro em teletandem,
assumindo a posição de tutor do seu idioma e aprendiz do idioma dele, nos coloca em
uma posição para a qual não existe álibi, uma vez que o outro produz gêneros do discurso
e aguarda de mim uma resposta da qual eu não posso me furtar, diante da fala, gesto,
expressão, do outro, o eu irá responder com um enunciado, com outro gesto, com outra
expressão ou até mesmo usando um outro gênero. Essa resposta pode até não ser
materializada, porém ela existe, conforme afirma o próprio Bakhtin,
Os dois centros de valor colocados por Bakhtin estão presentes nas interações em
teletandem, pois os interagentes possuem um centro de valor distinto e se deparam com
o do outro, é diante deste centro que eles agem responsavelmente. Sendo ambos latino-
americanos, suas individualidades são calcadas na mesma base material, a saber o
colonialismo que dominou os países nos quais eles vivem, esse fato histórico os coloca
em uma determinada posição, diante da qual eles podem ou não agir. Destacamos, no
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entanto, que “Desta responsabilidade sem álibi se pode certamente tentar fugir, mas
mesmo as tentativas desalienar‐se desta responsabilidade testemunham o seu peso e a sua
presença inevitável”. (PONZIO, 2010, p. 23).
A realidade dos países latino-americanos anteriormente colonizados e que hoje
ainda sofrem as consequências da dominação, bem como as várias tentativas de
intervenção pelas grandes potências mundiais são a base material na qual estão assentadas
as relações existentes entre os países latinos e os demais países do mundo. Diante de tal
realidade, nenhum falante de espanhol ou português pode fugir, mas é preciso um
movimento no qual possamos conhecermos um ao outro para que exista um deslocamento
em busca de uma educação libertadora (FREIRE, 2018). Um dos caminhos para conhecer
o outro é por intermédio da sua língua e para que isso ocorra são criados vários meios,
entre eles destacamos o potencial integrador do teletandem como contexto de ensino-
aprendizagem, pelas razões até aqui mencionadas.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As perspectivas de Bakhtin e Freire apresentadas neste capítulo nos levam a
entender que, participamos diariamente do diálogo com o outro, pois as nossas vidas são
constituídas por esse processo que determina quem somos. A partir do teletandem é
possível ampliar a nossa consciência em relação aos discursos do outro que se encontra
em países que utilizam uma língua diferente. Não há um ser divino que possibilite isso,
mas sim nossos atos que buscam esse contato com o outro e a prática da alteridade em
busca de melhorar o ser-evento. Destarte a responsabilidade é nossa, por isso o caminho
para uma educação dialógica e consequentemente libertadora, exige que conheçamos o
outro, suas singularidades e pontos em comum.
Com a variedade de TDIC´s disponíveis hoje, a prática do diálogo com o outro
está ao alcance de mais pessoas. Podemos afirmar isso ao considerar a visão de Lévy
(2011, p.28) que afirmou que o telefone não apena projeta a voz do falante, mas sim a
transporta fazendo com que o “corpo tangível” esteja “aqui”, e o “corpo sonoro” em um
outro lugar. Ampliando essa visão, para os aplicativos de teleconferência entendemos que
estes projetam a nossa imagem para outro lugar, outro país, e isso faz com que possamos
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estar presentes simultaneamente em vários locais. Isso torna o teletandem uma tecnologia
educacional poderosa, no processo de inclusão social, no qual através do diálogo
poderemos contribuir para que os povos latino-americanos possam caminhar para uma
integração cada vez mais plena.
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REFERÊNCIAS
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