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CAPA: KLÉVISSON VIANA

22 Concurso Paulista de Literatura de Cordel


Tema: livre

Flor da Poesia
( 12 Lugar)

A Maldição das Serpentes no Velho Chico

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LITERATURA DE CORDEL
Autor: Flor da Poesia

A Maldição das Serpentes no Velho Chico

Num município bahiano


De nome Pilão Arcado
Na fazenda da Cotia
Sítio do Pau Envergado
Morava um velho matuto
De nome Chico Malhado

Esse velho era viúvo


E só tinha duas filhas
Era a Joana das Grotas
E Josefa das Presilhas
As moças eram festeiras
Andavam por muitas trilhas.

o velho Chico Malhado


Era abestalhado e "broco"
Também além de ser surdo
Enxergava muito pouco
Mas vivia no roçado
Plantando e arrancando toco

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Ele vivia socado Até a casa de um médico
Na roça a semana inteira Esse vaqueiro correu
Plantando milho e feijão E logo o soro antiofídico
Melancia e macaxeira Na hora ele recebeu
Suas filhas ajudavam O vaqueiro se salvou
Vendendo tudo na feira. Mas o cavalo morreu!

Na roça do velho, havia Esse velho se gabava


Perto da cerca acolá De ser um grande vidente
Uma cratera coberta Dizia também que era
Com folhas de gravatá Encantador de serpente
Era aonde a cascavel E não deixava matar
Do bosque, morava lá. A cobra mansa ou valente.

Todos temiam passar Sempre levava consigo


Por ali fora de hora Um imagem de São Bento
Falavam: - Naquela toca Dizendo ser protegido
Um bicho malvado mora Por ele à todo momento
É a grande cascavel Pois tinha o corpo fechado
Que a todos apavora! Contra bicho peçonhento.

Um vaqueiro vinha um dia As filhas do seu Malhado


Correndo atrás dum garrote Puseram uma tabela
Passou por perto da moita Avisando do perigo
A cobra tacou-Ihe o bote Ali perto da cancela
Picou ele e o cavalo Mas quem não sabia ler
Que já disparou no trote. Caia numa esparrela!

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I
As filhas tinham saído
Elas disseram: - Papai Para a casa.de um vizinho
Nós vamos agora lá Ele pegou a vasilha
Meter fogo e por abaixo E saiu devagarinho
A moita do gravatá Se batendo pelos matos
E matar a cascavel Pelas sobras do caminho.
Perto da cerca acolá.
A cascavel já estava
Disse o velho: - Minhas filhas Saindo para caçar
Não mexam com a cobrinha Porem pressentindo o velho
Pois ela está entocada Começou a chocalhar
Em propriedade minha. Ele nada ouviu, e fez
E vive ali desprezada A cobra mais se assanhar.
Sem companhia e sozinha.
Ele conseguiu passar
Não deixo matar a cobra Sem a cobra lhe morder
Nem que me paguem dinheiro! Chegou no canto da roça
Elas disseram: - Papai Seu feijão pôde colher
Pense no senhor primeiro. Voltou pela mesma trilha
Tem vez que o feitiço vira Sem o perigo prever.
Por cima do feiticeiro!
A cascavel furiosa
Então num sábado à tarde Só balançava o chocalho
Quando chegou do mercado Com forca que parecia
O velho trouxe uma carne Ferreiro batendo o malho
Para fazer um guisado O velho ainda pensou
Foi buscar feijão de corda Voltar por um outro atalho.
Bem no fundo do roçado

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Porem vendo escurecer Um vaqueiro que passava
Disse: - Eu quero chegar já Procurando um boi perdido
E voltou pela vereda Cortou pelo outro lado
Da moita do gravatá E viu o velho estendido
Nisto a cobra deu-lhe um bote Pegou ele com cuidado
Pior do que mangangá. Pra também não ser mordido.

Quando o velho foi picado Pôs o velho em seu cavalo


Esborrachou-se no chão Dizendo: - Ele não cai,
Espalhando por ali Mas pelo jeito que está
A vasilha com o feijão Dessa vez o velho vai!
E não chamou por São Bento Joana e Zefa das Presilhas
No momento da aflição. Aguardavam por seu pai.

Existe até um ditado Disse o vaqueiro pra elas:


Que ouço ó povo dizer - O velhote foi picado
Num momento triste desse Por uma vil cascavel
Só Deus pode socorrer. Numa moita do cercado
Ninguém chama por São Bento E a cobra ficou lá
Depois da cobra morder. Dentro do mato fechado.

o velho Chico Malhado Vendo o estado do velho


Pelo chão se contorcia Muita gente ali chorou
Quanto mais ele gritava Disse uma filha: - Ele mesmo
Mais a cobra lhe mordia. Aquela cobra criou
Ficou ele ali gemendo "Contra o próprio feiticeiro
Deitado na terra fria. o feitiço se virou!"

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I
Nosso pai era devoto Com vários dias depois
De São Bento de Viseu O velho estava em pé
Mas ao ser acometido Comendo feijão de corda
Do seu santo se esqueceu
Ou então fez o pedido II Tomando leite e café
Até dançando forró
Depois que a cobra mordeu! f. Para limpar o chulé.

Vamos mandar Nicolau Então as filhas do velho


Fabricar quarenta velas Logo após no outro dia
E uma cobra de cera Organizaram em seguida
Com pintinhas amarelas Uma grande romaria
Mas somente se o velho E conduziram seu pai
Não esticar as canelas. Numa completa alegria.

Todos ali concordaram As chegarem nos milagres


E mandaram fabricar Comendo muita poeira
As velas e tal cobra Puseram nos pés do santo
De cera, para levar Velas e a cobra de cera
Aos milagres de São Bento Depois de paga a promessa
À cem léguas do lugar. Entraram na brincadeira.

Mas antes levaram o velho Como todo mundo sabe


Num posto, em Pilão Arcado Em festa de romaria
E lá o soro antiofídico Os romeiros se espalham
No mesmo foi aplicado E alguns caem na folia
Em pouco tempo o veneno Tem até mulher da vida
Estava neutralizado. Convidando a freguesia.

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o velho Chico Malhado Depois de picar os dois
Juntou-se a outros casais A cobra se escondeu
E ao lado de uma dona Na moita do gravatá
Foram para os matagais Que era o refúgio seu
A mulher que estava grávida
Sem prever que o perigo
No mesmo instante morreu.
E estava perto demais!

Chegaram ao pé duma moita Com sete dias depois


Já na hora de voltar
Enorme de gravatá
Sem o velho aparecer
Onde outra cascavel
Começaram a procurar
Mais feroz, morava lá
Foram até na polícia
A bicha estava no bote
Para na busca ajudar.
Esperando uma preá.
As filhas Joana e Josefa
Os dois ali se abraçaram
Estavam para morrer
Qual numa lua de mel
Vendo o tempo se passar
Sem ouvir o chocalho
Sem o velho aparecer
Da infame cascavel
Mas aonde o velho estava
E os dois não se livraram
Daquele animal cruel. Ninguém sabia dizer.

Mas um homem que cortava


O velho ficou no chão
Gravetos entre uns bambus
Na hora que foi picado
Bem perto daquela moita
E disse: - Escapei de uma
Mas agora estou ferrado Avistou uns urubus
Na moita do gravatá
E logo bateu as botas
Devorando corpos nus
O velho Chico Malhado

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I
Um preposto do governo
o homem saiu correndo
Nessa mesma ocasião
Por dentro dos matagais
Pediu para o motorista
E deu a triste notícia
Levar no carro um caixão
Para alguns policiais Que seria despachado
Trazendo logo o legista
Para o sul, em avião.
Para os trâmites legais.
Puseram logo o caixão
Foi feito o levantamento Dentro da carroceria
Dos corpos ali no chão Do caminhão que levava
E levados em seguida O povo da romaria
Em grande putrefação E o que tinha dentro dele
Sendo logo sepultados Ninguém ali não sabia.
Os dois no mesmo caixão.
O caminhão deu partida
As filhas do falecido Saindo em grande carreira
Acompanharam seu pai Puxando até cento e vinte
Para a ultima morada Em reta, curva e ladeira
Dizendo:- Sua alma vai O caixão se embalançava
Viver lá na eternidade Entre nuvens de poeira.
Longe do mal, que nos trai!
No momento que o carro
Depois que tudo acalmou-se Fez uma grande manobra
Prestes a noite cair O caixão bateu nas pernas
Os romeiros se ajeitaram Do romeiro "Zé da Obra"
No carro, a fim de partir Ele ai gritou: - Meu povo,
Sem imaginar que o pior Senti um cheiro de cobra!
Ainda estava por vir!

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-14 -

I
Nisto o caixão se quebrou
Não estava ele mentindo
E as cobras se soltaram
Porque naquele baú Misturadas aos romeiros
Haviam quarenta cobras, Na ribanceira rolaram
Cascavel e surucucU Saíram picando o povo
Cobra preta e jararaca Pois na hora se assanharam.
E, a tal jararacuçu.
Foi um sufoco tremendo
Essas cobras venenosas No momento da virada
Iriam pela manhã Se ouvia cabra gritando,
Mandada por avião Outro de perna quebrada
Ao Instituto Butantã Uma velhinha gritou:
Mas nesse alarme fatídico
- Me acode rapaziada!
Deixou o povo tantã!
A velhinha foi picada
As filhas do velho Chico Por coral..e cobra preta
Diziam trincando os dentes A turma tirou a pobre
Se as cobras se soltarem Gemendo duma valeta
Vão provocar acidentes Mas ela não resistiu
E cairá sobre nós E bateu a caçoleta!
"A maldição das Serpentes"
As cobras se espalharam
Nesse instante o caminhão Pra dentro dos matagais
Que ia em grande carreira
E os romeiros levados
Perdeu o freio ao passar
Para vários hospitais
Numa curva da ladeira Porém só houve uma morte
E virou no mesmo instante
Naqueles lances fatais.
Rolando na ribanceira.

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.I
Quando correu a notícia
Dentro de Pilão Arcado
Todo mundo comentava
O triste fato passado
As moças sentiam a morte
Do seu pai Chico Malhado.

Elas deram todo o sítio


FIM
De graça pra seus parentes
Porém eles rejeitaram
Dizendo por entre os dentes:
_ "É pra não cair em nós"
LITERATURA DE CORDEL
A maldição das serpentes!

Elas então viajaram


Pra bem longe do lugar
Foram morar em São Paulo
Construíram um novo lar
Dizendo: - Em Pilão Arcado
Só iremos passear!

O sítio do velho Chico


Não voltou mais o que era
Os campos não floresceram
Na volta da primavera.
Até as cobras voltaram
E a casa virou tapera!

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I
ANTONIO ALVES DA SILVA conquistou o
primeiro lugar do 2Q Concurso Paulista de
Literatura de Cordel tema livre com o
pseudônimo Flor da Poesia. Nasceu em Mata
de São João, BA, no dia 7 de junho de 1928.
Morou em Salvador e Rio de Janeiro e :
começou a escrever e a publicar folhetos aos
18 anos de idade, por intermédio do alagoano
Rodolfo Coelho Cavalcanti (1919-1986), que
deixou 1.466 cordéis. Ganhou, por três vezes
seguidas, concursos de poesia popular
promovidos pela Fundação Cultural do Estado
da Bahia. É casado e tem seis filhos.

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Apoio Cultural Realização

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GOVERNO DO ESTADO DE
SECRETARIA DOS
TRANSPORTES METROPOLITANOS SÃO PAULO.
RESPEITO PUAS PISSOAS

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