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Resumo
O objetivo deste ensaio consiste em analisar a relação entre os micros e pequenos
empreendedores e o grande capital, seja pelo uso mediado pela tecnologia,
especialmente os apps para smartphones ou ainda por atuarem massivamente na esfera
da circulação. Foi realizada uma análise da produção científica brasileira que se
dedica/dedicou ao tema e também foram investigados os relatórios elaborados pelo
Global Entrepreneurship Management (GEM), pelo SEBRAE e pelo IBGE. A análise
consistiu em contrapor as justificativas desenvolvimentistas de empreendedorismo
como motor do crescimento econômico a partir da bipartição entre empreendedor por
necessidade versus por oportunidade. Percebemos que, no Brasil, ambos estão
relacionados muito mais com uma saída para o desemprego do que uma chance de criar
um negócio de alto impacto, não havendo, portanto, sustentação para o empreendedor
inovador schumpeteriano. Por fim, concluímos que há uma relação de dependência
entre grande e pequeno capital, o primeiro se vale do segundo para realizar o valor e/ou
rebaixar o capital variável, contudo, a troca é desigual, visto que o pequeno, como, em
geral, não produz mais-valor, é apenas remunerado pela realização, terminando não
conseguindo acumular.
Palavras-chave: Capital; empreendedorismo; crítica economia política; micro e
pequeno negócio.
Abstract
The purpose of this essay is to analyze the relationship between micro and small
entrepreneurs and great capital, either through the use mediated by technology,
especially smartphone apps or even to act massively in the sphere of circulation. An
analysis of the Brazilian scientific production dedicated to the topic was carried out and
the reports prepared by Global Entrepreneurship Management (GEM), SEBRAE and
IBGE were also investigated. The analysis consisted of opposing the developmental
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INTRODUÇÃO
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são raros, sendo fruto, muito mais de uma série de venturas do que necessariamente,
uma estrada comum. Não por acaso, no Brasil, a maior parte dos negócios são micros e
pequenos, o que faz com que a área da pesquisa de empreendedorismo esteja
intrinsecamente relacionada com os micros e pequenos empreendedores (MPE)
(FILLION, 1999; BARROS; PEREIRA, 2008; WADHWANI, 2010).
Diante desse contexto, nosso objetivo neste ensaio consiste em analisar a relação
entre os micros e pequenos empreendedores e o grande capital, seja por meio da
tecnologia, especialmente os apps para smartphones ou ainda por atuarem
massivamente na esfera da circulação (MARX, 2014).
A mediação da tecnologia tem profunda relação com o que tem sido nominado
Indústria 4.01 ou Quarta Revolução Industrial ou ainda Smart Factory (DREHER, 2016;
COSTA, 2017) assim, o smartphone foi aludido por nós como um ícone desse novo
estágio produtivo, por ser o canal que liga trabalhador-capitalista-consumidor. De
acordo com Schwab (2016) as principais alterações provenientes dessa nova Revolução
Industrial consistem na alteração das expectativas dos clientes; produtos mais
inteligentes e produtivos; novas formas de colaboração e parcerias; uma transformação
do modelo operacional e conversão em modelo digital. Seus pilares são, assim, a
Internet das coisas e serviços (IoT e IoS) e o Big Data (COSTA, 2017). Esse futuro
em contradição com a condições de vida e trabalho dos que só
tem a força de trabalho para vender. O processo de valorização do valor encontra seus
obstáculos diante das próprias contradições, e na luta diária contra si mesmo e para si
mesmo o capital se metamorfoseia para continuar vivo e devorando todo o trabalho que
conseguir (MARX, 2013). De maneira, ainda que a compreensão das coisas do mundo
seja post festum, aparentemente a Indústria 4.02 tem modificado e pretende continuar
transformando as relações capitalistas, sem mudar, obviamente, suas bases estruturais:
exploração do trabalhador livre pelos capitalistas e mediação do Estado.
Acerca da circulação, ao seu turno, destacamos que 69% dos micros e pequenos
negócios se destinam a "serviços orientados para o consumidor" (GEM, 2017), o que
nos leva a inquirir o papel do empreendedorismo na aceleração da rotação do capital por
meio da realização do valor executado pelos micros e pequenos negócios; as
possibilidades de extração de mais-valor sem a necessidade de adiantar capital em
decorrência da fragilização das relações capital-trabalho mediadas pelo Estado seja por
meio da terceirização, do teletrabalho, do trabalho temporário ou ainda diretamente
entre grande capital e trabalhador no que tem sido chamado de uberização do trabalho
(FRANCO, FERRAZ, 2017), mediado por dispositivos tecnológicos (especialmente
com os smartphones).
Desconfiamos que a questão possa ser um pouco mais complexa que categorizar
o grupo dos empreendedores como "pequena burguesia" ou "classe média", e embora tal
grupo não se configure numa classe em si visto que, assim como demais classes
proletárias vivem da própria força de trabalho , devem ser analisadas em sua
particularidade dentro do capitalismo dependente brasileiro, visto que também exploram
força de trabalho, por outro lado, seu (pequeno) capital da mesma forma é incorporado
1
Não teremos espaço para discutir neste trabalho, restando-nos apenas pontuar que é uma mediação
importante para compreender a complexidade da relação capital-trabalho no mundo hoje.
2
O termo foi cunhado na Alemanha e se refere "a visão do que será uma fábrica no futuro" ou Smart
Factory que " uma f brica que faz produtos inteligentes, em equipamentos inteligentes, em cadeias de
abastecimento inteligentes" cf. Costa (2017, p. 7).
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"o Sistema Qualis foi instituído com o propósito de avaliar a produção científica dos programas de p s-
gradua o stricto sensu, utiliza escalas de pontos para avaliar conjuntamente diferentes critérios, tais
como: normalização, regularidade, projeto gráfico, circulação, visibilidade, origem institucional e
geográfica dos autores, gestão editorial, além da quantidade, proporção e qualidade percebida dos artigos
publicados." (BACELAR; TEIXEIRA, 2016, p. 9).
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(2008) e Mészáros (2016) nos explicam, a ideologia não se restringe a uma mentira ou
falsa consciência, tendo pois uma raiz material que possibilita que seja operada como
um meio para acessar as contradições, conhecer sua natureza e transformá-la. De
maneira que se faz importante compreender materialmente como o empreendedorismo
efetivamente participa do sistema produtivo.
Situando o debate que sustenta a necessidade de um crescimento e
desenvolvimento da economia, a série histórica do crescimento do PIB brasileiro que no
período de 1950-1980, marcou uma taxa média de crescimento de 7,4% a.a., estagnou
em 2,5% a.a., em média, entre 1980-2015. Após uma leve elevação de 4,44% a.a. entre
2004 a 2011, vem apresentando um recuo que soma em média -0,96% nos últimos 6
anos no PIB nacional. Para Prado (2017), embora a produção tenha aumentado, o baixo
crescimento da produtividade das empresas brasileiras (economia dependente,
capitalismo tardio), atrelada a uma breve recuperação do poder de compra da classe
trabalhadora (decorrente da política de salário mínimo indexadas à inflação)
convergiram para as transformações da relação capital-trabalho cujas reformas estão nos
últimos estágios. Ao mesmo tempo, o que tem sido difundido é que os micros e
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pequenos empreendedores têm uma grande contribuição para o PIB (SEBRAE, 2015),
que deveriam, portanto, ser estimuladas.
Marx (2013, 2014, 2017) expõe de maneira totalizante como a valorização do
valor é tanto uma relação social quanto um processo de produção da vida, que não se
limita à esfera da produção - embora tenha nela seu momento preponderante -, sendo
um todo unitário de produção, distribuição, circulação e consumo (MARX, 2011). Ora,
a Indústria 4.0 prevê novas formas de relacionar esses quatro momentos utilizando para
isso a tecnologia digital como meio de produção robusto, ou seja, encontrar caminhos
para ampliar a extração mais-valor, seja reduzindo o capital adiantado, acelerando o
ciclo produtivo ou a circulação, descobrindo novas formas de valores de uso, contudo,
no centro de todo esse movimento está a uberização do trabalho, que marca o novo
estágio da valorização do valor.
Nesse contexto, é importante que analisemos a continuidade (relação capitalista)
sem perder de vista as descontinuidades (Indústria 4.0) e é necessário, igualmente,
investigar a particularidade do capitalismo dependente brasileiro em relação ao cenário
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aqueles que já empreendem e aqueles que desejam fazê-lo. Foi possível que os
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por Nogami e Machado (2011), a partir de um estudo empírico, foi que nos municípios
onde há maior proporção de trabalhadores conta-própria, o índice de desemprego é
menor, mas que este tipo de empreendedorismo, quando comparado ao crescimento do
PIB no local, revela um impacto negativo. Por isso, eles alertam
Em primeiro lugar, o conjunto destes trabalhadores muito heterogêneo tanto
na natureza das atividades que exercem, quanto na motivação para
empreender. Profissionais liberais misturam-se aos camelôs e artesãos;
empreendedores inovadores (schumpeterianos) a proprietários-gerentes.
Outra limitação a medição do conjunto de negócios existentes e não do
fluxo de novos negócios. Apesar das limitações, o conceito de empreendedor
equivalente a trabalhador por conta-própria continua sendo muito utilizado na
investigação científica. (BARROS; PEREIRA, 2008, p. 981)
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Nessa rota, fica latente um dos papéis que o Estado cumpre na luta de classe,
carteira de
trabalho, que faz com que a atividade seja regida pela Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT), cuja proposição consiste em garantir proteção ao trabalhador, que seria
4
do contrato social mais emblemático do capitalismo: relação
capital-trabalho. Neste sentido, com o aumento do trabalho informal, o que podemos
observar é a crescente fragilidade das já limitadas garantias trabalhistas, o que empurra
os salários de médio para baixo, mas, contudo, retira a mediação do Estado, o que
poderia ser uma possibilidade de percepção da condição de exploração, se, por outro
lado, a extração do mais-valor não estivesse tão sofisticada como no caso dos motoristas
do Uber, por exemplo (além de diversos outros) que por não terem uma relação de
trabalho clássica (patrão, folha de ponto, colegas, etc.) desenvolve uma reprodução da
força de trabalho relativamente apartada da produção geral do mais-valor extraído pelo
capitalista.
Formal ou informal, assim, corresponde à forma como o contrato entre
capitalista e trabalhador é estabelecido, se a compra e a venda da força de trabalho
possuem um registro com fins legais para atender as normas jurídicas do país ele é
formal, se não, ele é informal. Não obstante, nem todo instrumento jurídico que medeia
a compra e a venda da força de trabalho garante acesso a todos os direitos trabalhistas.
Assim, na medida em que a informalidade é ensejada, a relação de troca mercantil da
força de trabalho permanece, contudo, o acesso aos direitos é diferente, assim, de um
modo geral, há perda de direitos de um grupo em relação ao outro, e neste caso
consolida-se a precarização das relações trabalhistas.
O entendimento dos limites da "formalidade" da venda da força de trabalho é
relevante na medida em que se apresenta por um lado, como uma necessidade
contingente da classe trabalhadora, em busca de melhores condições para reproduzir a
própria existência, bem como reduzir o mais-trabalho. Por outro lado, o direito (do
trabalho, inclusive) é forma ideológica de manutenção do modo de produção capitalista
(MASCARO, 2016; SARTORI, 2016) e como Marx (2010) argumenta, um aumento
geral de salário não seria útil aos trabalhadores [tomando a emancipação humana por
horizonte] e mesmo a atuação sindical é prejudicial, na medida em que a luta é por
conseguir meios mais amenos de exploração, e não por emancipação. Formal e
informal, portanto, se relaciona com condições de reprodução da existência e com a
organização e luta da classe trabalhadora.
4
Ao classificar a classe trabalhadora como o lado mais fraco, que precisa da proteção do Estado, a
burocracia estatal cum
aquele que produz o valor o trabalhador vê-se impotente diante das leis, da ordem, da necessidade de
reprodução da própria existência, semelhante a situação apontada por Marx (2012) na França de Luís
Bonaparte.
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por não dispor de capital suficiente para mobilizar a reprodução (ou por atuarem na
esfera circulação), como pela composição orgânica do seu (pequeno) capital, que se
destina ao pagamento do capital variável, embora a massa de extração de mais-trabalho
seja inferior aos níveis praticados pelos setores produtivos. Não sendo possível,
portanto, acumular mediante o ciclo do capital, pois não basta produzir, é preciso
reproduzir o capital para que a acumulação aconteça. Observemos no gráfico 1 que as
microempresas apresentam um índice de mortalidade substancialmente superior às dos
outros portes.
Alguém pode questionar porque as MEI tem mortalidade inferior aos pequenos e
a causa principal, ao tomarmos o modo de produção capitalista, é que por trás do CNPJ
do MEI há um trabalhador desempregado ou informal que não tem outra alternativa
para subsistir é o caso do empreendedor por necessidade supra-abordado, isto é, não se
configura numa relação de D-M-D', trata-se, pois, da realização de alguma atividade de
baixa complexidade6 cujo rendimento vem do valor produzido pelo próprio trabalho e
vendido para outros trabalhadores; assim, quando encerram as atividades é porque não
conseguem sequer continuar desempenhando o trabalho que vinham fazendo. Nas
médias e grandes a perspectiva é outra, pois há capital investido, mas isso é outro
assunto. Marx, desde os Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844, havia atinado
para a concorrência de forças desproporcionais entre pequenos e grandes que faz do
primeiro o equivalente a um trabalhador. Para ele
O pequeno capitalista, tem, portanto, a escolha: 1) ou consumir totalmente
(aufessen) o seu capital, posto que ele não pode mais viver dos juros;
portanto, deixar de ser capitalista; ou 2) montar ele próprio um negócio,
vender mais barato sua mercadoria e comprar mais caro do que o capitalista
mais rico e pagar um salário elevado; portanto, arruinar-se, dado que o preço
de mercado, mediante a pressuposta elevada concorrência, já está baixo
demais. Se, ao contrário, o grande capitalista quer derrubar o pequeno, tem
perante este último todas as vantagens que o capitalista, como capitalista, tem
perante o trabalhador. Os ganhos menores lhe são compensados através da
6
As 10 atividades com maiores registros no MEI são: Comércio de vestuário e acessórios; barbeiro,
cabeleireiro, manicure/pedicure; pedreiro; cozinheiro (marmitaria, salgados, doceria); lanchonete;
depilador, esteticista, maquiador; promotor de eventos; eletricista; vendedor ambulante de produtos
alimentícios (churrasqueiro, pipoqueiro, sorveteiro); panfleteiro, promotor de vendas. Conforme Central
do MEI disponível em https://centraldomei.com/top-10-cnaes-mais-utilizados-pelo-microempreendedor-
individual-mei/ Acesso em 21 jun. 2018.
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Em seus estudos mais desenvolvidos, em O Capital, especialmente no Livro II, Marx aponta que não a
vantagem do grande capitalista não é pela quantidade de capital, i.e., que não é uma questão de grandeza,
mas do ciclo de rotação que envolve tanto a produção quanto a circulação do valor.
8
É uma organização global sem fins lucrativos com a missão de multiplicar o poder de transformação
dos empreendedores . Seja lá o isso signifique.
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Disponível em http://burocraciaparatudo.com.br/
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trabalhador por conta própria ou o tradicional pequeno empresário (estilo de vida) não
Referências
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