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NUTRIÇÃO
FUNCIONAL
Brazilian Journal of Functional Nutrition
ISSN 2176-4522
ano 17. edição 71
www.vponline.com.br
RECEITA
Tortinha de Legumes com
Taioba
Nitrato: suplementação,
fontes dietéticas e efeitos na performance
Interpretando a
dosagem da vitamina B12
Nesta nova edição, importantes atualizações científicas nas áreas de Nutrição Clínica,
Nutrição Esportiva e Fitoterapia contribuirão para a prática clínica de nossos
leitores.
Em Nutrição Esportiva, uma esclarecedora revisão acerca do papel do nitrato
na performance esportiva, proveniente de fontes alimentares ou suplementares,
mostrará ao profissional dessa área que a ação desse componente pode ir além
da vasodilatação: se bem aplicado, pode potencializar o desempenho em exer-
cícios de alta intensidade e curta duração. Ainda sobre nutrição e esporte, uma
atualização sobre o papel da vitamina D no esporte abre evidências de sua atuação
como importante estratégia para o processo de hipertrofia muscular.
Em Nutrição Clínica, uma revisão sobre a interpretação da dosagem da vitamina
B12 incita discussões importantes para a prática clínica. A adequada interpretação
das dosagens de vitamina B12 é essencial para os âmbito preventivos e terapêuticos
das doenças correlacionadas à deficiência dessa vitamina, prevalente especialmente em alguns grupos
de risco, como crianças, idosos, gestantes e veganos.
Em Fitoterapia, trazemos um estudo de caso com a aplicação clíni-
ca de Astragalus membranaceus, com resultados iniciais interessantes
sobre a modulação do sistema imune.
Na sessão de Gastronomia, uma receita nutritiva, prática e saborosa
que valoriza nossa biodiversidade: tortinha de legumes com taioba.
Dando continuidade à séria sobre Agroecologia, a matéria desta
edição mostra um tema preocupante e de grande relevância, acerca
do risco de extinção das abelhas, que tem como uma das causas o uso
excessivo de agrotóxicos.
Excelente leitura!
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Coordenação e Autores
Conselho Editorial
Ana Cláudia Poletto
Nutricionista pela Universidade Estadual do Centro-Oeste (2002) e mestre em Ciências, com ênfase em
Fisiologia Humana pela Universidade de São Paulo (2006). Pesquisadora (doutoranda, desde 2007) do
programa de Fisiologia Humana da Universidade de São Paulo. Tem experiência na área de Fisiologia
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Nutricionista e Educadora Física. Diplomada pelo The Institute for Functional Medicine (USA) em 2007. Editora
Científica da Revista Brasileira de Nutrição Funcional. Diretora da VP Centro de Nutrição Funcional. Docente
convidada dos cursos de pós-graduação em Nutrição Clínica Funcional e Nutrição Esportiva Funcional da VP
Centro de Nutrição Funcional em parceria com a Universidade Cruzeiro do Sul. Autora dos Livros “Nutrição
Clínica Funcional: dos Princípios à Prática Clínica”, “Nutrição Clínica Funcional: Obesidade”, “Nutrição Clínica
Funcional: Modulação Hormonal” e “Tratado de Nutrição Esportiva Funcional”. Colaboradora do livro
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“Suplementação Funcional Magistral: dos Nutrientes aos Compostos Bioativos”. Membro do The Institute
for Functional Medicine – USA. Coordenadora científica dos cursos de pós-graduação em Nutrição Esportiva
Funcional da VP Centro de Nutrição Funcional em parceria com a Universidade Cruzeiro do Sul.
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Coordenação e Autores
Anna Cecília Queiroz de Medeiros
Nutricionista pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Mestre em Ciências da Saúde pela
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Docente da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Experiência na área de Nutrição, com ênfase em Nutrição e metabolismo de nutrientes nos diversos estados
fisiológicos.
Fernanda Serpa
Diretora e Docente da Empresa Nutconsult. Nutricionista pela Universidade do Estado do RJ/UERJ. Título de
residência em Clínica Médica no Hospital Universitário Pedro Ernesto/UERJ. Pós-graduada em Nutrição Clínica
Funcional da VP Centro de Nutrição Funcional em parceria com a Universidade Cruzeiro do Sul. Docente
convidada dos cursos de pós-graduação e extensão da VP Centro de Nutrição Funcional em parceria com
a Universidade Cruzeiro do Sul. Mestre em Clínica Médica - IPPMG/UFRJ. Nutricionista Militar do Corpo de
Bombeiros do RJ. Nutricionista Municipal do Hospital Souza Aguiar.
Gilberti Hübscher
Nutricionista. Mestre e Doutora em Fisiologia Cardiovascular pela UFRGS. Especialista em Gestão e Saúde
pela PUC-RS, Gestão em UAN pela UNISINOS e em Saúde da Família pela ULBRA (RS). Docente convidada
dos cursos de pós-graduação em Nutrição Clínica Funcional da VP Centro de Nutrição Funcional em parceria
com a Universidade Cruzeiro do Sul e dos cursos de graduação em Nutrição e pós-graduação em Saúde e
Trabalho da Feevale (RS). Membro do Instituto Brasileiro de Nutrição Funcional (IBNF).
Sandra Matsudo
Médica Especializada em Medicina Esportiva pela Escola Paulista de Medicina - UNIFESP. Doutorado e pós-
doutorado em Ciências pela Escola Paulista de Medicina - UNIFESP. Diretora Geral do Centro de Estudos do
Laboratório de Aptidão Física de São Caetano do Sul - CELAFISCS. Coordenadora geral do Projeto Longitudinal
de Envelhecimento e Aptidão Física de São Caetano do Sul. Coordenadora pela IUHPE dos Cursos de Atividade
Física e Saúde Pública - Agita Mundo. Professora Titular do Curso de Educação Física do Centro Universitário
FMU. Editora Executiva da Revista Brasileira de Ciência e Movimento. Autora dos Livros: “Avaliação do Idoso
- Física e Funcional”, “Envelhecimento e Atividade Física” e “Obesidade e Atividade Física”.
Revista Brasileira de Nutrição Funcional
Valéria Paschoal
Nutricionista. Mestre na área de Nutrição e Pediatria pela UNIFESP – EPM. Editora Científica da Revista
Brasileira de Nutrição Funcional. Coordenadora científica e docente convidada dos cursos de Nutrição
Clínica Funcional e Nutrição Esportiva Funcional da VP Centro de Nutrição Funcional em parceria com a
Universidade Cruzeiro do Sul. Diretora da VP Centro de Nutrição Funcional. Autora dos Livros “Nutrição
Clínica Funcional: dos Princípios à Prática Clínica”, “Suplementação Funcional Magistral: dos Nutrientes aos
Compostos Bioativos”, “Nutrição Clínica Funcional: câncer” e “Tratado de Nutrição Esportiva Funcional”.
Coordenadora da Comissão Científica do Instituto Brasileiro de Nutrição Funcional (IBNF). Membro do The
Institute for Functional Medicine – USA. Nutricionista do CSA Brasil (Community Supported Agriculture -
Agricultura Sustentada pela Comunidade). Membro do conselho consultivo da CNTU (Confederação Nacional
dos Trabalhadores Liberais Universitários Regulamentados).
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Coordenação e Autores
Lista de Autores
Cristiane de Oliveira Cravo
Nutricionista Clínica Funcional. Mestre em Fisiopatologia Clínica Experimental pela UERJ. Pós-graduada
em Nutrição Clínica Funcional pela Universidade Cruzeiro do Sul em parceria com a VP Centro de Nutrição
Funcional. Docente de graduação da Universidade Castelo Branco. Docente convidada dos cursos de pós-
graduação Universidade Cruzeiro do Sul em parceria com a VP Centro de Nutrição Funcional. Docente de
pós-graduação pela UERJ.
Gabriela Pimentel
Nutricionista graduada pela Universidade Federal de Santa Catarina. Pós-graduada em Nutrição nas doenças
crônico não transmissíveis pelo Albert Einstein. Pós-graduada em Nutrição Clínica Funcional pela Universidade
Cruzeiro do Sul. Pós-graduada em Fitoterapia Funcional pela Universidade Cruzeiro do Sul. Docente dos
cursos de pós-graduação em Fitoterapia Funcional Universidade Cruzeiro do Sul. Atua em atendimento
clínico nutricional em consultório.
Hugo Comparotto
Graduado em Nutrição e Metabolismo pela FMRP-USP (SP, 2011). Especialista em Obesidade e Emagrecimento
pela Universidade Gama Filho (SP, 2013). Especialista em Nutrição Esportiva Funcional pela Universidade
Cruzeiro do Sul (SP, 2013). Consultor científico e desenvolvimento de novos produtos na Atlhetica Nutrition,
First e Cuida Bem. Responsável pela Equipe Hábitos Nutrição Clinica e Esportiva – Cia Athletica Ribeirão
Preto – Ribeirão Preto - SP e Academia Acqua – Araraquara – SP. Palestrante e professor de pós-graduação
em nutrição esportiva
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Cristiane de Oliveira Cravo
Resumo
A vitamina B12 pertence à família de compostos denominados de cobalaminas, caracterizada como uma substância hidrossolúvel
sintetizada exclusivamente por micro-organismos, sendo as fontes dietéticas para seres humanos os alimentos de origem animal. É
uma vitamina envolvida em diversas reações bioquímicas como cofator enzimático, incluindo a formação de hemoglobina e reações
de metilação. A prevalência de deficiência de vitamina B12 na população em geral pode ser superior a 20%, sendo mais evidente em
crianças, idosos, gestantes e pacientes pós-cirurgia bariátrica. Tal deficiência pode caracterizar um fator de risco para lesões no sistema
cardiovascular, neurológico e no metabolismo ósseo. Considerando a importância das funções biológicas atribuídas à vitamina e a
prevalência de sua deficiência e doenças associadas, a adequada interpretação das dosagens de vitamina B12 em humanos é primordial
para o diagnóstico nutricional da B12, que deve ocorrer de forma aliada à anamnese alimentar e semiologia completa, utilizando a teia
de inter-relações metabólicas preconizada pela nutrição funcional.
Abstract
Vitamin B12 belongs to the family of compounds called cobalamins, characterized as a water-soluble substance synthesized exclusively
by micro-organisms, and its dietary sources for humans are foods of animal origin. B12 is a vitamin involved in several biochemical
reactions as an enzyme cofactor, including the formation of hemoglobin and methylation reactions. The prevalence of vitamin B12 defi-
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ciency in the general population may be higher than 20%, being more evident in children, elderly, pregnant and patients after bariatric
surgery. This deficiency may characterize a risk factor to cardiovascular, neurological and bone systems. Considering the importance
of the biological functions of vitamin B12 and the prevalence of its deficiency and associated diseases, the adequate interpretation of
vitamin B12 dosages in humans is essential for the nutritional diagnosis of B12, which should occur in a way associated with food
anamnesis and complete semiology, using the matrix of metabolic interrelations advocated by functional nutrition.
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Interpretando a dosagem da vitamina B12
A
A vitamina B12 faz parte de uma família de origem animal, como produtos lácteos, carnes,
de compostos denominados genericamente de fígado, peixes e ovos, que adquirem a vitamina
cobalaminas. É a única dentre todas as vitaminas indiretamente das bactérias2,5,7,13. Seu processo
que contém uma molécula orgânica complexa e um digestivo depende de um trato gastrointestinal
elemento-traço essencial – o cobalto – que, na B12 íntegro, mastigação adequada e secreção efetiva
purificada, está ligado a um grupo cianeto, o que de ácido clorídrico e enzimas digestivas, para
lhe confere a denominação de cianocobalamina. liberação da vitamina de sua matriz alimentar
Dependendo dos outros compostos ligados e posterior absorção ileal. Esse processo leva
à molécula, pode ser encontrada também na algumas horas, e várias proteínas são necessárias
forma de metilcobalamina, hidroxicobalamina, à sua realização: inicia na boca e depende
aquacobalamina e deoxiadenosilcobalamina1-4. da ligação da B12 a uma proteína produzida
Quimicamente, o termo vitamina B12 refere-se nas glândulas salivares e células gástricas,
à hidroxicobalamina e cianocobalamina, sendo a denominada haptocorrina (também conhecida
metilcobalamina a forma predominante no soro e como proteína R, transcobalamina I ou holo-Hc).
a deoxiadenosilcobalamina no citosol5. Esse complexo chega ao intestino e é degradado
Estudos epidemiológicos realizados em países pelas proteases – presentes no suco pancreático
industrializados e em desenvolvimento mostraram secretado no duodeno durante o processo digestivo
que na população em geral há uma prevalência –, e a cobalamina livre é, então, ligada ao fator
de deficiência de vitamina B12 superior a 20%, intrínseco (FI) produzido pelas células parietais do
sendo mais evidente na infância, em idosos, estômago, formando um novo complexo resistente
gestantes e pacientes submetidos às cirurgias às enzimas proteolíticas da luz intestinal1,2,5, que
gástricas6-11, podendo estar relacionada aos hábitos posteriormente se liga a receptores específicos das
alimentares com menor ou nenhum consumo células epiteliais do íleo terminal, onde a vitamina
dos alimentos fontes, hipocloridria, mastigação B12 é, enfim, absorvida e lançada na circulação
inadequada, uso crônico de medicamentos ligada a um transportador plasmático capaz de
com finalidade de inibir a secreção ácida ou levá-la até o tecido alvo2.
mesmo doenças autoimunes e presença de No sangue, a vitamina B12 encontra-se ligada
polimorfismos que podem levar à inativação a pelo menos duas proteínas transportadoras: a
ou deficiência na síntese de fator intrínseco, haptocorrina (HC) – que, além de ser sintetizada
interferindo na biodisponibilidade da vitamina, pelas glândulas salivares, também tem sua síntese
podendo levar a graves transtornos hematológicos, pela mucosa gástrica e células mieloides – e a
cardiovasculares e neurológicos7,9,11. A partir transcobalamina II (TC-II), considerada a proteína
desta análise, o diagnóstico precoce do status da transportadora fisiológica, sintetizada pelos
vitamina B12 através de análises laboratoriais com enterócitos, hepatócitos, células endoteliais e
maior sensibilidade e especificidade é necessário monócitos (Quadro 1). Essas proteínas apresentam
para prevenir os danos decorrentes da deficiência, meias-vidas específicas e diferentes graus de
muitas vezes irreversíveis12. Entretanto, para tal, é associação, uma vez que somente 10% da
imprescindível a compreensão da bioquímica da transcobalamina está saturada com apenas 10
cobalamina e suas vias metabólicas. a 30% da vitamina B12 circulante, enquanto a
A vitamina B12 é uma substância hidrossolúvel, haptocorrina é uma glicoproteína quase totalmente
sintetizada exclusivamente por micro-organismos, saturada com a B12, transportando a maior parte da
sendo a fonte natural na dieta humana os alimentos vitamina, cerca de 70 a 90% da B12 plasmática14-16.
Quadro 1. Resumo das propriedades mais importantes das proteínas transportadoras de cobalamina
no plasma
TCII HC
Local de síntese Fígado, endotélio dos enterócitos, monócitos Glândulas salivares, mucosa gástrica, células mieloides
MW 38 kD 60 kD
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A cobalamina, após captação celular, é essencial manutenção da bainha de mielina. Além disso,
em diversas reações bioquímicas, funcionando a conversão da homocisteína em metionina
como cofator para duas enzimas: metionina sintase pela enzima dependente de B12 promove a
(MS) e L-metilmalonil-CoA mutase (Figura 1). A desmetilação do 5-MTHF, que é regenerado a
metionina sintase, enzima presente no citosol, é tetrahidrofolato (THF), completando o ciclo e
responsável por catalisar a reação do metabolismo permitindo maior retenção de ácido fólico nos
de um carbono, que envolve a metilação da tecidos para realização efetiva de suas funções,
homocisteína – um metabólito intermediário do incluindo síntese de DNA e divisão celular2,17,18.
metabolismo da metionina – na ressíntese de Outra importante função da cobalamina, desta
nova metionina, tendo o 5-metiltetrahidrofolato vez na forma ativa de adenosilcobalamina, envolve
(5-MTHF) – forma ativa do ácido fólico – sua participação como cofator de uma enzima
como doador de grupamento metil (-CH3) e a mitocondrial denominada L-metilmalonil-CoA
metilcobalamina como cofator da MS2,5,17. Após mutase que catalisa a conversão de metilmalonil-
metilação da homocisteína, a metionina formada CoA, proveniente do metabolismo do ácido
é metabolizada pela enzima metionina adenosil propiônico, a succinil-CoA. Esta reação é de
transferase (MAT) formando S-adenosilmetionina grande importância na reutilização do propionil-
(SAMe), repondo os estoques desse metabólito CoA para obtenção de energia através do ciclo
considerado o único doador de grupamentos metil do ácido cítrico e para síntese de grupo heme na
para numerosas reações de metilação, incluindo formação de hemoglobina2.
algumas essenciais para modulação de genes e
Figura 1. Reações envolvendo a vitamina B12, desde sua absorção intestinal até sua captação celular
e o metabolismo de homocisteína no citosol e metilmalonil-CoA na mitocôndria das células
Cobalamina ligada a proteínas
(vitamina B12 de origem alimentar)
Hidrólise (HCl)
Estômago CBL-HC
Proteases
CBL
Fator instrínseco (FI)
CBL-FI
Intestino AMN
Megalina CUBN
RAP
CBL Livre
Sangue CBL - TC II
TC IIR
CBL - TC II
N5-Metil-THF Homocisteína
AMS Metil-CBL
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CBL: cobalamina; HC: haptocorrina; FI: fator intrínseco; TC II: transcobalamina II; TC IIR: receptor de transcobalamina
II; MTHFR: metilenotetrahidrofolato redutase: MS: metionina sintase; MCM: metilmalonil-CoA mutase.
Fonte: Adaptado de Cozzolino5
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Interpretando a dosagem da vitamina B12
A realização de todas essas funções essenciais apenas a fração ligada à holo-TC pode ser captada
da cobalamina depende da sua adequada captação pelas células e exercer suas funções metabólicas?
pelas células, portanto, é de fundamental De fato, muitos autores questionam os testes
importância a análise criteriosa e fidedigna do diagnósticos existentes, especialmente quanto à
status intracelular da vitamina B1211,18. Entretanto, dosagem de vitamina B12 sérica usada há muitos
a bioquímica da cobalamina torna essa análise anos e que apresenta como referência valores
complexa, uma vez que a sua maior parte entre 185-1.000 pg/ml (137-740 pmol/l), sendo
circulante está ligada a holo-c, considerada inerte valores acima de 500 pg/ml considerados ideais11.
por não existir um receptor celular específico para Embora seja o teste mais comumente utilizado por
esta proteína, enquanto apenas 10 a 30% da B12 ter menor custo e ser mais conhecido, apresenta
plasmática está ligada a transcobalamina II (holo- limitações de sensibilidade e contradições
TC), a única glicoproteína capaz de promover quanto à especificidade, uma vez que representa
a entrada específica da cobalamina em todas as o valor total da vitamina circulante, incluindo
células do corpo, ou seja, a fração biologicamente a fração inerte ligada à haptocorrina, além de
ativa da vitamina2,19. sofrer influência direta das concentrações de
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Diante disso, considerando a análise bioquímica proteínas ligantes, sendo, portanto, um indicador
predominante atualmente para se avaliar o status da pobre dos níveis de vitamina B12 que está
B12 na prática clínica, surge um questionamento: efetivamente disponível para a célula. Desta
por que dosar a vitamina B12 sérica total, se forma, a sua análise só tem eficiência quando
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Cristiane de Oliveira Cravo
as quais altas concentrações proteicas e baixos complexo B, como folato, piridoxina e riboflavina,
valores de pH, e pode ser afetada em casos de uma vez que seu metabolismo é dependente
inflamação, insuficiência renal e/ou hepática e, destas vitaminas, cujas deficiências também
portanto, não deve ser usada como marcador do levam a quadros de hiper-homocisteinemia, sendo
status de B12 neste casos2. sua análise pouco específica para detecção de
Considerando as vias metabólicas dependentes deficiência de B122,11,22,23. Outro fator importante
de B12, a carência funcional desta vitamina de se analisar envolve o fato de que, nos países
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Interpretando a dosagem da vitamina B12
onde a adição de ácido fólico nas farinhas e 40% dos pacientes com metástases no fígado,
nos produtos enriquecidos é obrigatória, a mostram elevação plasmática de B1214. No caso
elevação nos níveis de HCT > 20 mcmol/L em dos tumores hepáticos, o mecanismo implicado
pacientes com função renal normal pode indicar na gênese da elevação dos níveis séricos de B12
disfunção da metionina sintase em resposta à baixa envolve diminuição do clearance do complexo
disponibilidade de B1222. haptocorrina-B12 pelo fígado doente – que
Outra análise que contribui para o diagnóstico expressa menor quantidade de receptores de
de deficiência de B12 envolve o fato de que nesta HC e apresenta menor vascularização – e pelo
deficiência ocorrem alterações hematológicas aumento da liberação de transcobalamina devido
típicas, caracterizadas por diminuição da à degradação excessiva dos hepatócitos, enquanto
hemoglobina em um quadro de anemia, que tem que nos demais tumores o aumento dos níveis
como um dos principais aspectos a presença de plasmáticos de B12 pode ocorrer pela maior
hemácias imaturas e macrocíticas, representando síntese de TC pela célula tumoral ou pelo aumento
uma anemia megaloblástica, detectada no na HC devido a indução pela leucocitose28,29.
hemograma pelo valor aumentado do VCM Considerando, ainda, que o fígado tem papel
(Volume Corpuscular Médio) acima de 98 fl, importante no armazenamento e transporte da
embora estudos recentes já associem valores cobalamina, não nos surpreende que outras
de VCM > 92 fl à deficiência de B12 e folato, doenças hepáticas estejam associadas também
sendo mais uma análise com baixa especificidade a mudanças nas concentrações plasmáticas de
para detecção de deficiência de B122. Além B12, como em casos de hepatite aguda e cirrose,
disso, o inapropriado tratamento com ácido que, dependendo da severidade, pode aumentar
fólico e a alta ingestão de farináceos e outros em até 5 vezes os valores superiores descritos na
alimentos enriquecidos podem corrigir esses sinais referência14,29.
hematológicos, mascarando a deficiência da B12, Segundo a literatura, as desordens hematológi-
propiciando o desenvolvimento e/ou agravamento cas também podem estar associadas a mudanças
de sintomas vasculares e neurológicos19. nos níveis plasmáticos de B12, com cerca de 30%
Outra condição encontrada na prática clínica dos casos apresentando um aumento em torno de
e ainda pouco descrita na literatura diz respeito 10 vezes, especialmente nas desordens mielopro-
ao aparecimento de altas concentrações séricas liferativas, incluindo leucemia mielomonocítica
de B12, definidas pela faixa superior a 950 pg/ml crônica, síndrome hipereosinofílica primária,
(701 pmol/L) e que, segundo estudos, podem estar síndromes mielodisplásicas, leucemias agudas,
paradoxalmente associadas a sinais clínicos de policitemia vera, trombocitopenia e outras mie-
deficiência, refletindo um prejuízo funcional dessa lofibroses. Esse fenômeno está provavelmente
vitamina15. Os altos níveis séricos podem envolver relacionado a uma elevação na produção de HC
pelo menos 4 mecanismos fisiopatológicos: pelo aumento no número de leucócitos14,15.
aumento direto por excesso na ingestão ou Contudo, não podemos também descartar a
suplementação de B12; aumento nos níveis de prática de atividade física anterior à realização
transcobalamina e haptocorrina, por excesso na do exame como um fator predisponente para o
produção ou prejuízo no clearance; deficiência aumento dos níveis plasmáticos de B12, como
quantitativa ou falta de afinidade da proteína pela visto em um estudo realizado com jogadores de
B12; e liberação das reservas por lesão tecidual15,25. futebol em que após o exercício foi observado um
De fato, a associação entre excesso de B12 aumento significativo nas concentrações séricas
plasmática e neoplasias sólidas vem sendo de B1230. O mesmo foi observado em um outro
descrita e documentada por Carmel et al. 27 estudo, após 1 hora de exercício aeróbico regular. A
desde 1975, e vários estudos vêm apontando a existência de mecanismos adaptativos decorrentes
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relação com carcinoma hepatocelular e tumores do treino pode explicar essas mudanças na B12
hepáticos secundários, câncer de mama, cólon, circulante, provavelmente, pelo aumento dos
estômago e pâncreas 26,27. Por exemplo, 30 a níveis séricos de ácidos graxos livres, provenientes
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Cristiane de Oliveira Cravo
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