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Era uma casa muito livre

Na colônia Cecília, imigrantes italianos tiveram a breve experiência de uma vida


coletiva e libertária
Helena Isabel Mueller
1/8/2013

Entre os muitos imigrantes italianos que vieram para o Brasil no fim do século XIX, um grupo
se diferenciava. Destacavam-se também entre os anarquistas pois, além de terra e trabalho,
viam na imigração a chance de colocar em prática sua utopia de um mundo novo.

Giovanni Rossi, integrante do movimento anarquista desde a década de 1870, tinha planos de
construir uma comunidade experimental para provar que o anarquismo era viável e prazeroso.
Em 1890, acompanhado de dois casais, embarcou para o Brasil e chegou a Palmeiras, na
região dos Campos Gerais, Paraná, onde tinham recebido terras. Ali nasceu a colônia Cecília ou, como a
chamariam seus habitantes, a Villa Anarchia. No ano seguinte, Rossi já estava de volta à Itália para atrair mais
companheiros e angariar fundos, sementes, instrumentos agrícolas e livros.

A vida na colônia Cecília não era fácil. A dificuldade de comunicação levou a um isolamento doloroso. Foi
complicada a adaptação do plantio ao solo e ao clima diferentes do europeu: as colheitas mal davam para o
sustento dos seus habitantes. Mas a colônia crescia e chegou a ter cerca de 300 habitantes em seu apogeu.
Havia também um espaço para atividades coletivas e culturais, como música e teatro: era a casa libera.

No entanto, a diferença de projetos de vida minou a harmonia. Parte dos imigrantes que chegavam era
enviada pelo governo do Paraná e não compartilhava dos valores libertários. Para os anarquistas, o produto do
trabalho coletivo deveria ser dividido na medida das necessidades de cada um. Para os não anarquistas, a
produção familiar era de sua propriedade. Muitos destes abandonaram a colônia em 1892, levando seus
instrumentos de produção, gado e tudo o que lhes pertencia. A produtividade da colônia foi afetada e a
miséria cresceu. Como ser livre se não se pode satisfazer nem mesmo as necessidades básicas? Nas palavras de
Rossi, faltavam em la Cecilia pão, um bom vinho e mulher com quem pudesse esquentar o corpo.

O amor livre e a posição da mulher na sociedade faziam parte das discussões dos anarquistas desde sempre.
Não foi diferente na colônia Cecília. Rossi descreveu sua solidão e a de outros companheiros solteiros, mas
jamais propôs compartilhar as esposas de seus colegas. No entanto, escreveu sobre sua difícil e dolorosa
experiência de amor livre, compartilhando o afeto de Eleda com Anibale. Ainda assim, a sensação de
liberdade em uma relação amorosa foi gratificante.

A colônia foi encerrada em 1894, mas Rossi perseguiu o ideal anarquista até a morte, em 1943, escrevendo
“romances utópicos”. Se a colônia Cecília não teve sucesso, ao menos o sonho não foi esquecido. Na cidade de
Palmeiras são realizadas hoje em dia atividades ligadas à memória dos “cecilianos”, como círculos de estudos
e festejos.

Helena Isabel Muelleré professora da Universidade Estadual de Ponta Grossa e autora de Flores aos rebeldes
que falharam – A utopia anarquista de Giovanni Rossi. Colônia Cecília (Aos Quatro Ventos, 1999).

Saiba Mais

MELLO NETO, Candido de. O Anarquismo experimental de Giovanni Rossi – De Poggio al Maré à Colônia
Cecília. Ponta Grossa: EPG, 1998.

SOUZA, Nilton Stadler de. O anarquismo da Colônia Cecília. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1970.
Internet

FELICI, Isabelle.A verdadeira história da Colônia Cecília de Giovanni Rossi. Cadernos AEL, vol. 5, nº 8/9
(1998). Disponível
em:http://segall.ifch.unicamp.br/publicacoes_ael/index.php/cadernos_ael/article/view/104

ROSCOCHE, Luiz Fernando. O anarquismo da colônia Cecília: uma jornada do sonho a desilusão. Revista de
Geografia, UFPE, vol. 28, nº 1, 2011. Disponível em:
www.revista.ufpe.br/revistageografia/index.php/revista/article/viewFile/264/338

Filme

La Cecilia (Jean Louis Comolli, 1978)

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