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Apont ament os sobre o confisco nos crimes de t ráfico de ent orpecent es e de lavagem de din…
Olavo Pezzot t i
BULLET ALT ERAÇÕES NA LEGISLAÇÃO DE @BULLET ALT ERAÇÕES NA LEI DE LAVAGEM @BULLET A INV…
Adolfo Rocha
Lavagem de dinheiro: o conceito de produto indireto da infração penal
antecedente no crime de lavagem de dinheiro*
Gustavo Badaró **
RESUMO: O artigo tem por objeto analisar o conceito de produto indireto da infração penal
antecedente, como objeto do crime de lavagem de dinheiro, na figura básica do caput do
art. 1º da Lei nº 9.613/1998, com a redação dada pela Lei nº 12.683/2012. Pretende-se
demonstrar que, no caso de mescla de bens, a aplicação simplista da teoria da conditio
sine qua non é insuficiente para delimitar, em níveis razoáveis, a responsabilidade penal,
sendo necessária a adoção de limites normativos à imputação do crime de lavagem de
dinheiro.
PALAVRAS-CHAVE: lavagem de dinheiro – produto do crime – mescla de bens
1. INTRODUÇÃO
*
Artigo originariamente publicado, sob o mesmo título, em Revista dos Tribunais – Caderno Especial, São
Paulo, v. 967, p. 73-93, maio 2016.
**
Livre-Docente, Doutor e Mestre em Direito Processual Penal pela USP. Professor Associado do
Departamento de Direito Processual, Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Advogado
Criminalista e Consulto Jurídico.
No caso do produto, isto é, a utilidade diretamente obtida com o resultado
da infração antecedente, há uma total ilicitude do bem, produto ou valor, sendo inconteste
a possibilidade de lavagem de dinheiro.
Adota-se, pois, o padrão mais usual com que o tema é tratado. Ainda que
com variações terminológicas, costuma-se decompor o crime de lavagem de dinheiro em
três fases comunicantes denominadas, segundo a tipologia proposta pelo GAFI,3
ocultação, dissimulação e integração. De modo muito simples, a primeira é aquela na qual
se procura tornar os bens ilícitos menos visíveis; a segunda tem por objetivo distanciar o
dinheiro de sua origem ilícita; e a terceira se dá quando se converte o capital ilícito em
lícito.
1
Paolo Bernasconi, Schweizerische Erfahrungen bei der Untersuchung und strafrechtlichen Erfassung der
Geldwäscherei, in: Macht sich Kriminalität bezahlt? Aufspüren und Abschöpfen von Verbrechensgewinnen,
Arbeitstagung des Bundeskriminalamtes Wiesbaden, von 10-13, november, 1986, Bundeskriminalamt
Wiesbaden, 1987, p. 165 e segs., apud Isidoro Blanco Cordero, El Delito de Blanqueo de Capitales, 2. ed.
Navarra: Aranzadi, 2002, p. 55-56) refere-se à lavagem de dinheiro em primeiro grau (“Money laundering”)
considerada como verdadeiro branqueamento de capitais, entendido como conjunto de atividades por meio
das quais se libera os bens contaminados, num curto período de tempo, de seu rastros de origem delitiva; e
lavagem de dinheiro de segundo grau (“recycling”), como conjunto de operações por meio das quais os
bens já lavados uma vez são posteriormente tratados até que não seja mais possível demonstrar sua conexão
com um crime concreto, e que seja considerado um lucro legal.
2
André Zund (Geldwäscherei: Motive-Formen-Abwehr, Der Schweizer Treuhänder, 9/1990, p. 403 e segs,
apud Blanco Cordero, El Delito de Blanqueo ..., p. 57-59) foi o criador do “Kreislufmodel” que procura
descrever a circulação do dinheiro mediante uma analogia com o ciclo da água na natureza: (1) precipitação,
para se referir à produção do dinheiro em cédulas, normalmente de pequeno valor; (2) filtragem, ou primeira
depuração dos valores obtidos, normalmente transformando o dinheiro em cédulas maiores; (3) rios
subterrâneos, em que há constituição de um concurso com empresário, convertendo o dinheiro em outras
formas patrimoniais; (4) lagos subterrâneos, para relacionar a lavagem com a preparação da remessa dos
valores para o exterior; (5) nova acumulação em lagos, em que a preparação para a legalização, colocação
dos bens ou valores em mãos dos especialistas; (6) estação de bombeamento, com a reintrodução do
dinheiro no mundo financeiro legal; (7) estação de depuração, em que há uma segunda depuração,
normalmente envolvendo “testas de ferro”; (8) aplicação ou aproveitamento, em que há transferências e
investimentos, depois de já superadas as barreiras dos sistema financeiro; (9) evaporação, com a
reintegração do dinheiro no país de destino; e, por fim, (10) nova precipitação, com o investimento na
manutenção da organização criminosa.
3
GAFI, Rapport demandé par les chefs d’Etat lors du Sommet de l’Arche. Collection des rapports officiels,
París, 1990.
operação, transformar o produto direto do crime em proveito de natureza diversa, isto é,
seu produto indireto, pela primeira sub-rogação.
Essas fases, contudo, embora possam ser separadas, para fins didáticos,
não podem ser analisadas independentemente, pois, como destaca Tigre Maia, “a
reciclagem é um ‘processo’ suscetível de análise com os instrumentos da ciência
econômica ou da ciência jurídica mas dificilmente desdobrável em fases distintas (...).
Com certeza, as definições legislativas que tentam decompor o processo em fases
cronológica e logicamente distintas são destinadas à inadequação”.4
4
Rodolfo Tigre Maia, Lavagem de Dinheiro. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 37.
5
Nesse sentido: Rodolfo Tigre Maia, Lavagem de dinheiro. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 65; Marco
Antonio de Barros, Lavagem de Capitais e Obrigações Civis Correlatas. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2007,
Por outro lado, se um bem, direito ou valor, é ilícito, mas em relação a ele
são praticados atos sem aptidão de ocultar ou dissimular sua origem, localização,
disposição, movimentação ou propriedade, não haverá conduta típica de lavagem de
dinheiro.
Evidente que, em tais casos não se disputa que há bens, direitos ou valores
ilícitos acrescidos ao patrimônio do criminoso e que, se houver ocultamento ou
dissimulação de sua origem, natureza, procedência etc. estará caracterizado o crime do
art. 1.º da Lei nº 9.613/1998.
p. 60; Guilherme de Souza Nucci, Leis penais e processuais penais comentadas. 4 ed. São Paulo: Ed. RT,
2009, p. 827, Willian Terra de Oliveira, Dos Crimes e das Penas, in Cervini, Raul; Oliveira, Willian Terra
de; Gomes, Luiz Flavio. Lei de lavagem de capitais. São Paulo: Ed. RT, 1998, p. 326; Pierpaolo Cruz
Bottini, Dos tipos penais, in Gustavo Henrique Badaró; Pierpaolo Cruz Bottini, Lavagem de Dinheiro:
aspectos penais e processuais penais, 2 ed. São Paulo: RT, 2013, p. 65-66.
disponibilidade em dinheiro ou valor em contas correntes ou aplicações financeiras, e
continuará exatamente com o mesmo dinheiro ou valor, após deixar de pagar o tributo.
Seus ativos se manterão inalterados. Por outro lado, é de se considerar que ocorrendo o
fato gerador previsto em lei, o valor do tributo deveria ser recolhido ao Fisco, com a
consequente redução patrimonial do contribuinte. O não pagamento do tributo, portanto,
implicará que, ilegalmente, seu patrimônio não seja reduzido. Assim, seria um mero jogo
de palavras considerar-se que o crime tributário não gera uma vantagem economicamente
aferível ao sonegador.
6
Nesse sentido, na doutrina italiana: Cristiano Cupelli, El reciclaje en el Código Penal italiano, In Miguel
Abel Souto; Nielson Sánchez Stewart (Coords.), IV Congreso Internacional sobre Prevención y Represión
del Blanqueo de Dinero. Valencia: Tirant Lo Banch, 2014, p. 208, aponta a corrente restritiva como
prevalecente. Nesse sentido posiciona-se Simone Faiella, Riciclaggio e crimine organizzato
transnazionale. Milano: Giuffrè, 2009, p 68-69.
7
Tigre Maia, Lavagem de Dinheiro …, p. 63.
Há, isto sim, manutenção de patrimônio existente em decorrência do não pagamento de
obrigação fiscal. ” (EM item 34). Em outras palavras, não se incluiu o delito fiscal – à
época – como crime antecedente, porque este não gera produto algum, a não ser o
quantum economizado pelo não pagamento.
Em suma, o art. 1º, caput, da Lei nº 9.613/1998, prevê que pode ser objeto
material da lavagem de dinheiro qualquer bem, direito ou valor que seja produto de
infração penal. Não havendo qualquer limitação legal, é de se considerar que o produto
pode ser tanto o efetivo acréscimo patrimonial ilícito, como também uma não redução
patrimonial, que seria legalmente exigível, na medida em que isso gera um valor ilícito
no patrimônio do autor do delito.
8
Nesse sentido: Carla Veríssimo de Carli, Avaliando o nexo entre infração penal antecedente e o crime de
lavagem de dinheiro: o que significa ‘ser proveniente’, direta ou indiretamente, de infração penal. In Carla
Veríssimo De Carli; Eduardo Fabián Caparrós e Nicolás Rodriguez García (Orgs.). Lavagem de Cpaitais e
Sistema Penal. Contribuições hispano-brasileiras a questões controvertidas. Porto Alegre: Verbo Jurídico,
2014, p. 37-38.
9
Nesse sentido: Roberto Lyra, Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1942. v. II. p. 462;
José Frederico Marques, Tratado de Direito Penal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1966. v. III. p. 300; Bento de
Faria, Código de Processo Penal. Rio de Janeiro: Livraria Jacintho, 1942, v. i, p. 194; Eduardo Espínola
O produto direto, ou simplesmente, produto da infração, é “corresponde o
resultado útil imediato da operação delinquencial”,10 como por exemplo, ou veículo
furtado, ou um dinheiro roubado. Já o Ao produto indireto, também chamado de
“provento da infração ou proveito do crime” corresponde o resultado útil mediato da
operação delinquencial”, isto é, o benefício obtido pelo delinquente, decorrente da
utilização ou transformação econômica do produto direto do crime. Continuando no
exemplo anterior, seria, v.g., o numerário obtido com a venda do veículo furtado, bem
assim o imóvel comprado com o dinheiro roubado.
Como explica Sérgio Pitombo, “os bens alcançados por meio do produto
da infração penal, sejam producta sceleris, sejam fructi sceleris, marcam-se pela
proveniência ilícita”. 11
Filho, Código de Processo Penal Brasileiro Anotado. 6 ed., Rio de Janeiro: Borsoi, 1965, v. II, p. 374;
Rogério Lauria Tucci, Sequestro prévio e sequestro no CPC: distinção, Revista Brasileira de Ciências
Criminais, v. 5, p. 137-147, jan./mar. 1994, p. 143; Na doutrina estrangeira: Vincenzo Manzini, Trattato di
Diritto Penale Italiano. Nuova edizione, Torino: UTET, 1950, v. III, p. 355.
10
S é r g i o M a r c o s d e M o r a e s P i t o m b o , Do sequestro no processo penal brasileiro. São Paulo:
Bushatsky, 1973. p. 9.
11
Do sequestro ..., p. 10.
12
Direito Penal: Parte Geral. 3 ed., Rio de Janeiro: Forense, 1967, t. 2, p. 211. No mesmo sentido posiciona-
se Giuseppe Bettiol (Direito Penal. trad. e notas Paulo José da Costa Jr. e Alberto Silva Franco, 2 ed. São
Paulo: RT, 1977, v. I, p. 229), para quem o objeto material do crime é: “aquela porção do mundo exterior
sobre a qual incide a atividade delituosa. Assim, a coisa material no delito de furto, o corpo humano, no
delito de homicídio ou de lesões”.
13
Como explica Luis Jiménez de Asúa (Tratado de Derecho Penal: El delito. 5 ed. Buenos Aires: Losada,
1950. t. III, p. 111): ““En suma: el objeto material o de la acción, es toda persona cosa que forma parte del
tipo descriptivo en la ley. Podemos decir, por ende, que científicamente, el objeto material y el cuerpo del
delito pueden identificarse, pero no con sus instrumento”.
Código Penal, distinguindo conceitualmente o produto do crime (producta sceleris), o
proveito do crime (fructus sceleris) e instrumento do crime (instrumenta sceleris).14
Até mesmo pela redação do tipo penal do art. 1º, caput, da Lei 9.613/1998,
em que há referência a bens “provenientes, direta ou indiretamente” da infração penal, é
tranquila a consideração de que tanto o produto direto, quanto o produto indireto do crime,
podem ser objeto material da lavagem. Ou seja, o resultado diretamente obtido pelo delito
antecedente (p. ex.: o dinheiro furtado de um banco), quanto o seu proveito ou provento
(p. ex.: certa quantidade de ouro adquirida com o dinheiro furtado). Em outras palavras,
podem ser branqueados tanto o producta sceleris, isto é, o produto um crime quanto o
fructus sceleris, como o proveito da infração. Tais considerações são tranquilas na
doutrina nacional.15
14
Deixa-se de analisar a questão do instrumento do crime, porque irrelevante para o presente estudo, bem
como porque a doutrina é tranquila no sentido da impossibilidade de o instrumenta sceleris ser objeto
material da lavagem de dinheiro. Nesse sentido: Tigre Maia, Lavagem de Dinheiro ..., p. 62; Bottini, Dos
tipos penais, in Badaró; Bottini, Lavagem de Dinheiro ..., p. 71; De Carli, Avaliando o nexo entre infração
penal antecedente ..., in De Carli; Fabián Caparrós e Rodriguez García (Orgs.). Lavagem de Capitais e
Sistema Penal … , p. 27. Na doutrina estrangeira: Blanco Cordero, El delito de blanqueo de capitales …,
p. 242; Juana Del Carpio Delgado, El delito de blanqueo de bienes en el nuevo Código Penal. Valencia:
Tirant lo Blanch, 1997, p. 103; Carlos Aranguez Sánchez, El delito de blanqueo de capitales, Barcelona:
Marcial Pons, 2000, p. 205; Andrea Castaldo; Marco Nadeo, Il denaro sporco. Prevenzione e repression
nella lotta al riciclagio, Padova: CEDAM, 2010, p. 150.
15
Nesse sentido: Pitombo, Lavagem de dinheiro …, p. 106-107; Marcia Monassi Mougenot Bonfim e
Edilson Mougenot Bonfim, Lavagem de Dinheiro. 2 ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 42. Na doutrina
italiana: Faiella, Riciclaggio e crimine organizzato transnazionale …, p. 65; Gaetano Pecorella, verbete
“Denaro (Sostituzione di), in Digesto delle Discipline Penalistiche, Torino: Utet, v. III, 1989, p. 376; Marco
Angelini, verbete “Riciclaggio”, in Digesto delle Discipline Penalistiche, Torino: Utet, Aggiornamento,
2005, p. 1403 Em outros ordenamentos jurídicos, contudo, o tema gerou polêmica, como por exemplo, na
Espanha, em que a caracterização da lavagem de bens que eram resultados de substituição ou conversão
prévia, recebeu a seguinte consideração de Fabian Caparros (E. A. Fabian Caparros (Consideraciones de
urgencia sobre la Ley Orgánica 8/1992, de 23 de diciembre, de modificación del Código penal y de la Ley
de Enjuiciamiento Criminal en materia de tráfico de drogas, in Anuario de Derecho Penal e Ciencias
Penales, 1993, p. 606.): “queda en el aire una cuestión realmente importante con es determinar qué quiere
decir la norma cuando exige que teles bienes procedan de alguno de los delitos de drogas expresado en los
artículos anteriores. Ante la ambigüedad de la ley, habrán de ser los tribunales los que decidan sobre si será
necesario que tal procedencia sea inmediata – y, así, por ejemplo, el dinero derivado directamente de la
Também tem se admitido que o “preço do crime”, isto é, a recompensa ou
outra vantagem que o autor de um delito recebe como retribuição econômica para cometer
o crime ou pelo crime já praticado, pode ser objeto da reciclagem.16 Por exemplo, o preço
pago ao matador, ou o valor recebido pelo funcionário público corrupto. Todavia, para
que o preço do crime seja suscetível de caracterizar objeto da lavagem de dinheiro, deve
ter expressão econômica, isto é, ser suscetível de ser valorado economicamente. Mais do
que isso, tem que ser passível de comércio ou circulação econômica. Não poderia ser
lavado, por exemplo, favores sexuais que um policial criminoso recebesse de uma mulher,
para não a prender em flagrante delito.17
venta de estupefacientes – o si también podrán ser objeto del delito aquellas ventajas económicas por las
que hayan sido sustituidos los beneficios directos – y así, por ejemplo, los valores patrimoniales adquiridos
con ese dinero” De se observar que, a referência dizia respeito ao tipo penal que tinha como objeto material
“bienes que procedan di tales delictos” (CP, art. 344 –bis, h). Posteriormente, com a Lei Organica 10/95,
o novo Código Penal de 1995, passou a prever o crime no art. 301.1, referindo-se a bens “que tengan su
origen” em um delito grave.
16
Nesse sentido, admitindo a possibilidade de o preço do crime ser objeto de lavagem de dinheiro: Tigre
Maia, Lavagem de Dinheiro ..., p. 63; é aceita por Antonio Sérgio Pitombo, Lavagem de dinheiro …, p.
109. Na doutrina estrangeira: Aranguez Sánchez, El delito de blanqueo de capitales…, p. 204; Faiella,
Riciclaggio e crimine organizzato transnazionale …, p. 65. Em sentido contrário, não admitindo a lavagem
do “preço do crime”: Pecorella, verbete “Denaro (Sostituzione di) …, p. 376
17
Angelini (verbete “Riciclaggio”…, p. 1403) observa que no caso de uma prestação pessoal é muito difícil
imaginar que, mesmo tendo proveniência criminosa, seja suscetível de lavagem de dinheiro, por ausência
de dimensão econômica.
18
Carpio Delgado, El delito de blanqueo de bienes …, p. 99.
O grande problema, para a imputação da lavagem, não é o caso de produto
direto do crime, mas de seu proveito ou produto indireto.
19
Para Gustavo Fabián Trovato (La recepción de las propuestas del GAFI en la legislación penal argentina.
In Miguel Bajo Fernández e Silvina Bacigalupo (Eds.), Política criminal y blanqueo de capitales. Madrid:
Marcial Pons, 2009, p. 71), analisando o art. 278.1.a do CP argentino, afirma que “La acción debe recaer
sobre un determinado objeto. Al decir ‘los bienes originarios o los subrogantes’ el texto da a entender que
es indiferente que la operación de lavado recaía sobre las cosa directamente derivadas del delito o sobre los
bienes que hubieren entrado en el patrimonio en el lugar de la cosa originaria”.
Isso porque, posta a premissa da possibilidade de uma ilicitude indireta, é
necessário cogitar de alguma forma de limitação desse efeito à distância. Depois de uma,
duas, três, quatro ... sub-rogações, o bem continuará a ser ilícito? No caso de mescla, a
mistura de bens ou valores ilícitos com outros lícitos gera uma contaminação destes, pela
natureza espúria daqueles? Em caso positivo, em qualquer proporção?
20
Lavagem de Dinheiro ..., p. 62. Com base no posicionamento de José Manuel Palma Herera, Los Delitos
de Blanqueo de Capitales. Madrid: Edersa, 1999, p. 363-36, Bonfim e Bonfim (Lavagem de Dinheiro …,
p. 43) adotam posicionamento semelhante: “Na hipótese de mescla, será objeto material da lavagem apenas
a parte que procede de um dos delitos, não o bem, direito ou valor em sua totalidade. No caso de
transformação, ao revés, os bens, direito ou valores mantêm a origem delitiva, independentemente da perda
ou não da identidade do bem. Por fim, nos casos de substituição, o bem de origem lícita, que toma o lugar
do daquele de origem criminosa, adquire o mesmo caráter delitivo, sem contar que esse bem (de origem
delitiva, que foi substituído por um de procedência lícita) permanece contaminado, não havendo
saneamento. A contaminação atinge o bem substituído e o bem substituto”.
21
De Carli, Dos crimes: aspectos objetivos …, in De Carli (Org.), Lavagem de Dinheiro …, p. 268.
mesmo”.22 Tal solução, contudo, seria de difícil aplicação no direito brasileiro, ante a
regra expressa da acessoriedade limitada, que afasta a necessidade de que seja punível a
infração antecedente, para a caracterização da lavagem de dinheiro (Lei nº 9.613/1998,
art. 2º, § 1º, parte final).
22
Manuel Cobo del Rosal e Carlos Zabal López-Gómes, Blanqueo de capitales. Madrid: CESEJ, 2005, p.
109. Solução semelhante é proposta entre nós, embora ainda mais restrita, por Bonfim e Bonfim (Lavagem
de Dinheiro …, p. 43), que consideram que “o bem somente perde sua origem delitiva nos casos em que o
delito prévio não é mais considerado crime, por uma lei posterior (abolitio criminis)”.
23
A teoria foi desenvolvida em famoso trabalho, Barton, Stephan. “Das Tatobjekt der Geldwäsche: Wann
rührt ein Gegenstand aus einer der im Katalog des § 261 I Nr. 1-3 StGB bezeichnet Straftaten her?”, In
Neue Zeitschrift für Strafrecht, vol. 4, 1993, pp. 159ss. Uma análise ampla da tese de Barton pode ser
consultada em Blanco Cordero, El delito de blanqueo de capitales ..., p. 287 e segs..
24
Barton, Stephan. “Das Tatobjekt der Geldwäsche ..., p. 160.
25
Muito basicamente, segundo tal teoria, toda as condições que, do ponto de vista causal, tenham
concorrido para a produção do resultado, são igualmente necessárias para que esse aconteça e, portanto,
equivalentes. A fórmula da conditio sine qua non significa que uma condição constitui uma condição causal
do resultado, quando suprimindo-a mentalmente, o resultado não ocorreria tal como aconteceu.
26
Barton, Stephan. “Das Tatobjekt der Geldwäsche ..., p. 160.
Um criminoso obtém a importância de 1000 DM do tráfico de drogas. Esse
valor constitui um bem que é produto de um delito.
Primeira transformação: o criminoso mescla esse dinheiro com o seu
dinheiro (não ilícito). Com isso, forma-se a importância de 10.000. Esse novo
valor seria considerado proveniente do tráfico de drogas, porque nele estariam
misturados os 1.000 DM.
Segunda transformação: O criminoso compra um carro, cujo preço no
valor de 100.000 DM, pelo qual paga utilizando os 10.000 DM. Esse novo
bem (o veículo) procede de um fato criminoso, porque uma parte do seu preço
foi pago com dinheiro procedente do tráfico de drogas.
Terceira transformação: o criminoso vende o automóvel, após algum
tempo, por 50.000 DM. Tanto o veículo, como os 50.000 DM passarão a ser
considerados bens originados de um delito, porque não poderiam ser
pensados, sem as transformações anteriores.
Quarta transformação (referente ao veículo): o novo comprador utiliza o
veículo por algum tempo e, depois, quando já não mais tem serventia, vende
para um “ferro-velho” por 50 DM: tanto os destroços ou peças do carro, como
os 50 DM seriam considerados bem originários do tráfico de drogas. Por outro
lado, com relação aos 50.000 da terceira transformação, todas as transações
em que uma parte desse dinheiro seja utilizada, gerariam bens que teriam sua
origem no tráfico de drogas.
27
Barton, Stephan. “Das Tatobjekt der Geldwäsche ..., p. 1601-162, citado por Blanco Cordero, El delito
de blanqueo de capitales ..., p. 290-291.
ponto de vista de um observador objetivo e prudente, que se colocasse ex ante, no
momento da ação, com todos os conhecimentos da situação que dispunha o autor da ação,
somados àqueles que poderia ter tido o observador, seriam consideradas adequadas para
produzir o resultado. Por outro lado, faltará relação de adequação quando o resultado,
com base em um “juízo de previsibilidade objetiva” ou um “juízo de prognóstico”, era
totalmente improvável.
28
Barton, Stephan. “Das Tatobjekt der Geldwäsche ..., p. 162, citado por Blanco Cordero, El delito de
blanqueo de capitales ..., p. 293.
29
Barton, “Das Tatobjekt der Geldwäsche ..., p. 163, citado por Blanco Cordero, El delito de blanqueo de
capitales ..., p. 295.
30
Barton, “Das Tatobjekt der Geldwäsche ..., p. 163, citado por Blanco Cordero, El delito de blanqueo de
capitales ..., p. 295.
Barton parte de uma premissa econômica, analisando a situação do ponto
de vista da correlação entre a parte limpa e a parte suja do dinheiro. Tal correlação foi
denominada “nível de significância”, que irá variar de caso para caso, considerando,
ainda, a natureza dos bens e o nível absoluto do valor considerado e da parte ilícita
mesclada. Será o nível de significância que determinará quando a totalidade dos bens
mesclados será considerada apta ou não a ser objeto do crime de lavagem de dinheiro.
Tal limite não é fruto de uma simples escolha aleatória ou, muito menos,
uma proposta de criação doutrinária de um bill de indenidade. Há um sentido teleológico
em tal proposta. As regras de prevenção e repressão à lavagem de dinheiro têm por
objetivo evitar que o delinquente possa desfrutar do lucro da atividade criminosa,
31
Barton, “Das Tatobjekt der Geldwäsche ..., p. 163, citado por Blanco Cordero, El delito de blanqueo de
capitales ..., p. 297.
32
Barton, “Das Tatobjekt der Geldwäsche ..., p. 163, citado por Blanco Cordero, El delito de blanqueo de
capitales ..., p. 297.
33
Barton, “Das Tatobjekt der Geldwäsche ..., p. 163, citado por Blanco Cordero, El delito de blanqueo de
capitales ..., p. 297. O mesmo ponto de vista é defendido, na doutrina espanhola, por Carlos Áranguez
Sánchez, El delito de blanqueo de capitales ..., p. 210. Para uma análise da posição de Barton, na doutrina
nacional, cf.: Carla de Carli, Dos crimes: aspectos objetivos, in Carla Veríssimo De Carli (Org.), Lavagem
de Dinheiro. Prevenção e Controle Penal, 2 ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2013, p. 267-268. Solução
semelhante é defendida por Aranguez Sánchez, El delito de blanqueo de capitales …, p. 211-212, embora
sem uma quantificação numérica. Mais ampla é a proporção da correlação defendida por Carsten Leip, Der
Straftatbestand der Geldwäsche: Zur Auslegung des § 261 StGB . Berlin, 1995 p. 109-110, apud, Blanco
Cordero, El delito de blanqueo de capitales ..., p. 297, nota 336) que, partindo da normativa relativa aos
impostos, conclui que um bem parcialmente contaminado deve ser considerado ilícito em sua totalidade,
quando a parte manchada constitua mais de um quarto da totalidade do valor.
inclusive “reinvestindo” parte dos seus ganhos sujos para aprimorar ou ampliar sua
atividade criminosa. Mas não é, nem pode ser objetivo de tal normativa impedir a
circulação de bens e valores de uma parte significativa da economia.34
A solução acima proposta vai além dos efeitos patrimoniais da perda dos
bens ou valores objeto da lavagem de dinheiro, situando-se, no plano da própria
atipicidade da conduta, com a não ocorrência da lavagem de dinheiro.
Não é tudo.
Nesse sentido, a Convenção de Viena, no art. 5.6.b, prevê que, nos casos
de mescla, só poderão ser objeto de confisco os bens até o valor do produto de origem
ilícita que foi misturado a bens lícitos.35
34
Barton, “Das Tatobjekt der Geldwäsche ..., p. 163, citado por Blanco Cordero, El delito de blanqueo de
capitales ..., p. 297.
35
O art. 5.6, da Convenção de Viena, de 20.12.1998, Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias
Psicotrópicas, promulgada pelo Decreto nº 154, de 26.06.1991, ao tratar do confisco de bens estabelece
que: “a) Quando o produto houver sido transformado ou convertido em outros bens, estes poderão ser objeto
das medidas, mencionadas no presente Artigo, aplicáveis ao produto. b) Quando o produto houver sido
misturado com bens adquiridos de fontes lícitas, sem prejuízo de qualquer outra medida de apreensão ou
O tema é tratado, entre nós, por Pierpaolo Bottini que, no caso de produto
indireto nega aplicação da teoria da conditio sine qua non no caso de mescla de bens, e
propõe que a questão seja resolvida “sob a perspectiva da proporcionalidade, pautada
pela ideia da contaminação parcial” somente se reconhecendo a contaminação dos bens
“na proporção do valor de dinheiro sujo nela envolvido”,36 sendo a outra parte
considerada lícita.
Do contrário, como adverte Blanco Cordero, “el ingreso de una sola peseta
en la cuenta bancaria contagiaría a la totalidad del dinero ingresado, por lo que una sola
unidad podría contaminar millones”.37
confisco preventivo aplicável, esses bens poderão ser confiscados até o valor estimativo do produto
misturado”.
36
Bottini, Dos tipos penais …, in Badaró e Bottini, Lavagem de Dinheiro …, p. 71-72. No sentido de que
apenas os bens provenientes do delito são objeto material da lavagem, Bonfim e Bonfim, Lavagem de
dinheiro ..., p. 43.
37
El Delito de Blanqueo de Capitales ..., p. 296.
A não punição da autolavagem também funciona como fator natural de
restrição de uma eventual contaminação ad infinitum dos valores lícitos pelos ilícitos. É
o que ocorre, por exemplo, na Alemanha,38 França,39 Argentina40 e, até recentemente, na
Itália.41 Nesses sistemas, o tipo penal de lavagem de dinheiro caracteriza uma “fattispecie
a soggettività ristretta”, não imputável ao autor do crime antecedente. Se quem praticou
o crime que gerou o acréscimo patrimonial ilegal, realiza manobras para ocultar ou
dissimular a origem, natureza ou propriedade de tais bens manchados, essa atividade de
branqueamento será considerada somente um post factum não punível.42
6. Conclusão
O art. 1º, caput, da Lei nº 9.613/1998 considera que o bem, direito ou valor
pode ser proveniente, direta ou indiretamente, de infração penal. Pode ser objeto da
lavagem de dinheiro tanto o produto direto da infração, quanto o seu proveito ou produto
indireto. Também pode ser objeto do branqueamento o preço do crime. Por outro lado,
não se incluem em tal conceito os instrumentos do crime utilizados para a prática da
infração antecedente.
Quanto ao produto indireto, a previsão legal de que um nexo causal
indireto permite que sejam considerados como ilícitos os proveitos da infração
antecedente e suas sucessivas sub-rogações, sendo apto a configurar objeto material do
crime de lavagem de dinheiro.
38
O § 261 da StGB exclui os autores do crime antecedente, mediante a utilização da fórmula “bens
resultantes de crime perpetrado por outra pessoa” (die Vortat eines anderes).
39
O Code Pénal, no art. 222.38, prevê a exclusão dos envolvidos no crime anterior: “á justification
mensongère de l’origine des biens ou des revenus de l’auteur d’un crime ou d’un délit ... ”.
40
O Código Penal da Argentina, no 278.1.a, pune a conduta de quem branqueia bens “provenientes de un
delito en el que no hubiera participado ...”.
41
A tipificação do crime de riciclaggio do Codice Penal, no art. 648-bis, inserido pela Lei nº 55, de
19.03.1990, prevê: “Fuori dei casi di concorso nel reato, chiunque ...”. Posteriormente, contudo, a Lei nº
186, de 15.12.2014, instituiu o delito de “autoricilaggio, acrescentando o art. 648-ter. 1 ao Código Penal
italiano: “Art. 648-ter. 1. - (Autoriciclaggio). Si applica la pena della reclusione da due a otto anni e della
multa da euro 5.000 a euro 25.000 a chiunque, avendo commesso o concorso a commettere un delitto
non colposo, impiega, sostituisce, trasferisce, in attività economiche, finanziarie, imprenditoriali o
speculative, il denaro, i beni o le altre utilità provenienti dalla commissione di tale delitto, in modo da
ostacolare concretamente l’identificazione della loro provenienza delittuosa”.
42
Pecorella, verbete “Denaro (Sostituzione di) …, p. 370.
bens e contamine os que dele decorrem, implicando a retirada da circulação econômica
de um significativo conjunto de bens, direitos e valores.