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08/10/2019 ConJur - Lavagem de dinheiro: no que consiste o ocultar necessário ao crime?

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DIREITO DE DEFESA

Lavagem de dinheiro: no que consiste o


ocultar necessário ao crime?
22 de setembro de 2015, 8h05 Imprimir Enviar

Por Pierpaolo Cruz Bottini

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Por mais que existam inúmeras definições de


lavagem de dinheiro, a mais precisa é aquela
prevista na lei, em especial no caput do artigo 1º
da Lei de Lavagem de Dinheiro: “ocultar ou
dissimular” bens direitos ou valores provenientes LEIA TAMBÉM
de infração penal. DIREITO DE DEFESA
Delação precisa de limites para não
A questão central, portanto, para que se defina a ser instrumento de arbítrio
materialidade da lavagem de dinheiro é
identificar no que consiste esse ato de ocultar ou DIREITO DE DEFESA
dissimular bens. Aquele que pratica um crime Descriminalizar o uso de drogas:
patrimonial e esconde o dinheiro em fundo falso questão constitucional (Parte 2)
de parede, que enterra o bem ou que o coloca na DIREITO DE DEFESA
conta de sua esposa pratica lavagem de dinheiro? Aquele que recebe Descriminalizar o uso de drogas: uma
dinheiro ilícito em espécie para dificultar seu rastreamento pode ser punido questão constitucional
pelo delito em comento? Qual a complexidade ou sofisticação dessa
ocultação para que seja caracterizado o crime em questão?
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Há quem sustente que a mera ocultação já revela o crime de lavagem de
dinheiro, uma vez que a lei não exige que os valores “sujos” sejam
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reintroduzidos na economia com aparência de licitude para a consumação
do delito. A realização da 1ª etapa do ciclo de lavagem, o simples “esconder”,
já seria suficiente para a consumação do tipo penal.

Por outro lado, há quem afirme o contrário: a mera ocultação não é lavagem
de dinheiro quando desacompanhada de um ato adicional, seja objetivo, seja
subjetivo, que aponte para a busca de reinserir os bens na economia formal.

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Neste último sentido, merecem destaque alguns votos de ministros


integrantes do Supremo Tribunal Federal na Ação Penal 470 referentes à
lavagem de dinheiro[1], no sentido de que esse crime não se limita a uma
simples ocultação de bens, mas exige algo mais.

Embora essa tese tenha sido vencedora — após julgamento dos embargos
infringentes interpostos —, a natureza deste “algo mais” que se exige da
ocultação na lavagem de dinheiro não ficou clara.

O ministro Peluso manifestou-se da seguinte forma:

“Em síntese, creio não se deva confundir o ato de ‘ocultar’ e


‘dissimular’ a natureza ilícita dos recursos, presente no tipo
penal de lavagem de dinheiro, e o que a doutrina
especializada descreve como estratagemas comumente
adotados para que o produto do crime antecedente — já
obtido — seja progressivamente reintroduzido na economia,
agora sob aparência de licitude, com os atos tendentes a
evitar-lhe o confisco ainda durante o iter criminis do delito
antecedente, em outras palavras, para garantir a própria
obtenção do resultado do delito” (fls.53894 da Ap 470).

Com isso, o ministro entendeu que a ocultação, quando ocorrida durante o


iter criminis — que termina com a consumação do delito — não caracteriza a
lavagem de dinheiro. Aquele que oculta a forma de recebimento na
corrupção, por exemplo, não comete o crime de lavagem de dinheiro porque
tal ato se deu durante a execução, e não após a consumação do delito.

O ministro Luís Roberto Barroso — ao distinguir o crime de lavagem de


dinheiro do crime de corrupção passiva — assentou que:

“O recebimento por modo clandestino e capaz de ocultar o


destinatário da propina, além de esperado, integra a própria
materialidade da corrupção passiva, não constituindo,
portanto, ação distinta e autônoma da lavagem de dinheiro.
Para caracterizar esse crime autônomo seria necessário
identificar atos posteriores, destinados a recolocar na
economia formal a vantagem indevidamente recebida” (fls.31
do Acórdão dos Sextos EI da AP470, sem grifos no original).

Em outras palavras, o ministro parece ter ido além do voto anteriormente


destacado, exigindo não apenas um ato de simples ocultação posterior ao
iter criminis, mas um ato “destinado a recolocar na economia formal a
vantagem indevidamente recebida”, ou seja, um ato específico de
reciclagem, ou destinado à reciclagem.

Já o ministro Teori Zavascki enfrentou o tema nos seguintes termos:

“À luz dessas premissas teóricas, tem-se que os fatos narrados


na denúncia – o recebimento de quantia pelo denunciado por
meio de terceira pessoa – não se adequam, por si sós, à
descrição da figura típica. Em primeiro lugar porque o
mecanismo de utilização da própria esposa não pode ser
considerado como ato idôneo para qualifica-lo como “ocultar”;
e ademais, ainda que assim não fosse, a ação objetiva de
ocultar reclama, para sua tipicidade, a existência de um
contexto capaz de evidenciar que o agente realizou tal ação
com a finalidade específica de emprestar aparência de licitude
aos valores. Embora conste da denúncia a descrição da

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ocorrência de crimes antecedentes (contra o sistema


financeiro nacional e a administração pública), bem como a
afirmação de que o embargante ‘consciente de que o dinheiro
tinha como origem organização criminosa voltada para a
prática’ desses crimes, ‘almejando ocultar a origem, natureza
e o real destinatário do valor pago como propina enviou sua
esposa (...) para sacar no caixa o valor de (..), ela não descreve
qualquer ação ou intenção do réu tendente ao branqueamento
dos valores recebidos” (fls.43 do Acórdão dos 6os Embargos
Infringentes)

Assim, o ministro expõe que a ocultação deve trazer consigo a finalidade


específica de emprestar aparência licita aos valores decorrentes do crime.
Não se trata de um ato objetivo, mas de um elemento subjetivo especial,,
uma intenção  implícita no tipo penal, que deve ser identificada para
materializar a lavagem de dinheiro. A mera intenção de esconder é atípica.
Nos parece a posição mais adequada.

Mas, ainda que os fundamentos e requisitos expostos pelos ministros citados


tenham suas peculiaridades — e até divirjam em certos pontos — parece
haver um denominador comum entre todos: a mera ocultação não basta
para a tipicidade da lavagem de dinheiro. É preciso algo mais, seja um
estratagema para reintroduzir o bem ilícito na economia realizado após o
iter criminis anterior (ministro Peluso), seja um ato posterior destinado a
recolocar na economia formal a vantagem indevidamente recebida
(ministro Barroso), seja a identificação de um contexto capaz de evidenciar
que o agente realizou a ação com a finalidade específica de emprestar
aparência de licitude aos valores (ministro Teori).

Note-se que nenhum deles exige a reintrodução dos valores ilícitos na


economia, uma vez que o tipo penal não impõe tal circunstância. Porém,
todos destacam a necessária demonstração desse algo a mais do que a mera
ocultação, seja um ato objetivo, seja uma finalidade específica revelada
naquele contexto.

Portanto, o ato de enterrar o produto do crime, de escondê-lo em paredes


falsas, ou na casa de terceiros — ainda que seja ocultar — não parece
característico da lavagem de dinheiro, uma vez que qualquer movimentação
desses valores (desenterrar, retirar do esconderijo, buscar na casa de
terceiro) fará com que retornem ao status quo ante, à natureza original, de
produtos sem origem lícita[2]. Ou seja, não são atos com capacidade
potencial de facilitar a reintrodução dos bens na economia formal.

Afinal, se o mero ocultar caracterizasse a lavagem de dinheiro, a única


diferença entre esse crime e o de favorecimento real (CP, artigo 349) seria a
possibilidade de incriminar o autor do crime antecedente no primeiro e a
inviabilidade dessa operação no último, fato que não justifica o significativo
aumento de pena de 1 a 6 meses de detenção (favorecimento) para 3 a 10
anos de reclusão (lavagem de dinheiro).

A diferença de penas indica uma distinção qualitativa entre a lavagem de


dinheiro e o favorecimento real, um plus que confere gravidade maior
àquela. E esse plus é justamente a intenção de lavar, de reciclar, de
completar as três fases necessárias ao branqueamento do capital — para
usar a definição do ministro Teori Zavascki. A lavagem é uma espécie de
favorecimento real qualificado pela intenção de ocultar os bens através de
sua reciclagem. Não se trata mais do simples escamoteamento para tornar
seguro o proveito do crime, mas da ocultação ou dissimulação que indique

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uma tentativa — presente ou futura — reintegração do produto do crime à


economia com aparência de licitude.

Por isso, o tipo penal de lavagem — na forma do caput do artigo 1.º —


apresenta-se como assimétrico, pois o elemento volitivo não recai apenas
sobre os elementos objetivos do tipo (dolo), mas se estende à reinserção do
capital na economia formal. Ainda que tal reintegração não seja necessária
para a consumação tipo, é imprescindível a demonstração da vontade de
alcançá-la, no plano subjetivo. Do contrário, haverá apenas favorecimento
real, desde que o autor da ocultação seja distinto daquele que cometeu o
crime antecedente.

* Trecho de palestra proferida no Seminário Internacional sobre “Combate à


lavagem de dinheiro e ao crime organizado”, organizado pelo STJ, AMB, CJF e
Instituto Innovare.

[1] Aqui tomamos por base a decisão dos ministros em relação ao réu João
Paulo Cunha — no entanto, tal decisão trata da questão da ocultação de
forma genérica, de forma que pode ser considerada como paradigma nessa
questão.
[2]Da mesma forma, para Bonfim, Lavagem de dinheiro, p. 29: “a ocultação
de um bem ou de determinada quanta de origem ilícita, sem a finalidade de
inseri-los nos sistemas econômico e financeiro, não configura lavagem de
dinheiro, podendo caracterizar outro ilícito penal (v.g., receptação ou
favorecimento real)”.

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Pierpaolo Cruz Bottini é advogado e professor de Direito Penal na USP. Foi membro do
Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e secretário de Reforma do
Judiciário, ambos do Ministério da Justiça.

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