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Antonino Ferro

A TECNICA
NA PSICANALISE
INFANTIL

A criança e o analista:
da relação a o campo emocional

AAAMAA

DESENVOLVIMENTO
|DA PSICANA LISE
DIRCio
ELIAS MALLET DA ROCHA BARROs
..nm wm

Traducão
MERCIA JUSTUM

Revisão Técnica
RENZO BIROLLINI

Imago
A. Ferro

cindidas das mentes em sessão (Klein, Rosenfeld), as personificações de tais


partes (Klein, Bion) e papel
o das reciprocàs grupalidades internas (Mellzer) e

dos supostos básicos (Bion), em relação dos bastiðes


(Baranger), mas
acredito
que um excessivo trabalho de bisturi e de microscópio roubaria a
estes conceitos
aquele halo de insaturação que lhes permite um progressivo desenvolvimento.
Também merece um lugar especial, naturalmente, Winnicott, pela riqueza,
a originalidade e a clareza das suas contribuições; basta pensar, entre todas, na
área e no objeto transicional, aos conceitos de holding, de mae suficientemente
capaz, de verdadeiro e falso Self, mas desta forma, este captulo seria outra coisa,
mais uma relexäo sobre os modelos que uma simples introdução à teoria da
PEQUENO MAPA
lalna2aDE ORIENTAÇÃO

técnica do analista ao trabalho.

Gostaria agora de teptar, mesmo que brevemente, definir em linhas gerais o


modelo teórico que viverá, e que eu espero poder mostrar em função nos
capitulos que se seguem.
É um modelo que deriva daquele que me pareceu um encontro lecundo, uma
possivel confluência entre muitas conceitualizaçoes de Bion e dos Baranger.
A idéia mestra poderia ser expressa assim: entre paciente eanalista consti-
tui-seumcamporelacionalcemocional (Baranger M., Baranger W., 1961-62,
1964; Baranger M., Baranger W., Mom, 1983; Corrao, 1986, 1988) nointerior
doqual se criam áreas de resistência da dupla, que somente um urabalho de
working-through do analista pode desfazer, mas isto freqiüentemente ndo basta
exatamente porque a contratransferência éinconsciente, mas se é verdade que
o paciente "sabe sempre o que o analista tem em mente" (Bion, 1983), ele capta
e descreve osseus movimentos de distanciamento e aproximaçâo: o resultado é
que o brotar dos personagens da sessão se coloca como um descnvolvimento de
contratransferëncia dAAaAa do paciente, "melhor colega", que
adquire a função de assinalar continuamente tudo o que acontece no campo,
desde vértices para nós absolutamente desconhecidos, que devemos assimilar e
elaborar para consentir uma autêntica translormação das forças emocionais
presentes e que constituem o pröprio campo (Ferro, 1991a).
Naturalmente este é só um vértice da escuta, e se fosse o único, causaria uma
relação que se dobraria esterilmente sobre si mesma; é um vértice deescuta em
oscilação com aquele dotado de maior referencial externo ("histôrico") em relação
ås comunicações do paciente, e com aquele dotado de maior atenção para com
o mundo interno do paciente com as suas fantasmatizaçðes.
Deste modo se completaria todo um ciclo oscilatòrio entre as Transferencias'

l Naturalmente também a do analista.

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A. Ferro

(Vattimo, 1983)
-
em contraste com as interpretaçoes "lortes", exaustivas, que
(entendidas como repetiçao e como exteriorização) e a Relação, entendida como determinam uma cesura.
desloca-se
dos fatos emocionais pelas duas
juntas; no mentes fundo as
O lugar da assimetria, a dependência do paciente,
tão enfatizada
recscrita fcita
ayuo Transferencias
para as
se colocariam analogicamente a PS como depósitotplorpodo
iranslormativas da Relação, a qual continuaria sempre a
elaboraçdes
necessitar das Transferências para alcançar emoçðes ainda nâo pensadas e
no working-through do analista (Brenman Pick, 1985),
assumir, de transformar,
no continuo trabalho

de "nomear" (dar um nome) às identificações


do paciente, de modulação interpretativa, de
de
projetivas
escuta da modalidade de recepção

das próprias intervençôes (Langs, 1978; Joseph,


1985; Nissim Momigliano,
transformadas; as Transferências entram na modalidade de funcionamento de
personagens que entram na
1984; Molinari Negrini, 1985; etc.), de atenção
aos
dupla muitas vezes com modalidades subterraneas, cujo aspecto mais significa no que
no assumir responsabilidades
tivo são as identilicaçðes projetivas. sessão como resposta verbal do paciente, e
contratranslerência. Sob esta
A decodificação de sign1ficados cede lugar à construção de novas sentidos; concerne continuamentecampo, inclusive a
o

de funcionamento mental do pacien-


histórias se apresenam ao par para serem pensadas, histórias que voltam depois óptica, o analista "depende" da capacidade "trabalhados" da forma e m
elementos de crescimento
a se depositar "História", depois de elaboradas e transformadas (Bezoari,
na te, e deve fornecer-lhe os
será o paciente a depender da
Ferro, 1992; Ferro, 1991b; Barale, 1990). As primeiras reflexoes quegostaria de que o mesmo é capaz de assumi-los, enquanto
analista.
propor, neste ponto, dizem respeito à imporiancia da identilicacão projetiva. capacidade de elaboração e de réverie do
elementos beta provenientes do
entendida de modo fortemente relacional (Bion, 1959, 1962; Baranger M., Será tarefa do analista transformar os
uma simboliza-
paciente, assumindo-os, digerindo-os,
narrando-os e permitindo
Baranger W., 1969; Ogden, 1979, 1982; Sponitz, 1969; Manfredi Turilazzi, 1985; "nascimento de crianças
Di Chiara, Flegeiheimer, 1985; etc.), como algo que permite uma contínua
troca
ção que seja, para expressão de Meltzer (1981a)
usar a

tálamo analítico"; além, obviamente, de proteger paciente


o
de elementos emocionais, que encontrarão, pouco pouco,
a na possibilidade de no compartilhado
acesso às palavras, uma modalidade privilegiada
de expressão. As identificaçðes dos próprios elementos beta.
receptividade em
subterraneo do par, que
O vértice da escuta proposta, que implica isto plena
uma
estabelecem o estatuto emocional especifico e
projetivas , de atenção às transfor
deverd encontrar a capacidade de narrar com sonhos, desenhos, anedotas,
tudo relação a uma função de monitoração do campo,
a nóse ao paciente
o que acontece nas profundezas da
troca relacional. mações das figuras do diálogo analitico, permite que vejamos
iluminados a partir do seu vértice, que ndo reduzam todas as operaçðes a
é considerada como algo que, estabelecido um código,
e se

A interpretação não direto dos personagens evocados


permite a extraçao de um significado (como
um modelo kleiniano, com
as
interpretações na relação, permitindo o uso

"do" paciente, corre o risco às vezes


como peças que se podem mover, embora com a consciëncia da sua plena
contínuas referências à fantasia inconsciente
sentido sempre não exaustivo, em acepção relacional.
de permitir), mas como a proposta de um
retira das emoções do par o impulso Alem disso, a "textualidade" da interpretação é garantia de que todo o halo
vir-a-ser, como diria Bion insaturado, que semantico proposto pelo paciente serå assumido, e nasce da consciência de que
para novos, mais complexos
e articulados significados que veiculam aletos
(Bezoari, Ferro, 1989, 1990, 1991c; Meltzer, 1986a;
Abadi, 1986). a real operação
de alfabetização dos elementos betadecodificação
do paciente é de
o pressuposto
do jogo ou do sonho (ndo importa para toda simbolizaçao (Ferro e col., 1986b); se a significado
Os personagens do diálogo, do desenho,
na sessão) são
testemunhas da "elaboração", leita pelas pode ter (ou ter tido) sentido para as partes neurbticas da personalidade, para
por qual porta entram aquelas partes psicóticas, é somente uma real operação de alfabetização que permite
sao o modo pelo qual se pode
mentes, das identificações projetivas reciprocas,
e

histórias compartilháveis tudo o que


está aconte a sua transformaçdo.
comunicar em imagens e em
do texto
necessidade Eé pontualmente o paciente quem nos descreve continuamente em que
personagens brotam
como
cendo neste seintido os
no par;
medida isto acontece ou é evitado. O paciente nos conta continuamente como
relacional de exprimir cmoçdese afetos.
Íruto da somos para ele, a partir de vértices que nos sâo completamente desconhecidos;
A interpretação é pensada algo construido "a duas vozes",
como

as duas mentes (Bezoari, Ferro, devemos porém ter consciência de que ele nos força a ser de tal modo que o
relação da qual participarão, de modo dilerente, semântica alta- "seu" problema possa entrar no campo muitas vezes justamente por nosso
tero uma potencialidade
1991b). As intervençôes do analista do intermédio.
uma contribuição ativa por parte
mente insaturada, que poderá perimitir
fracas"
paciente. Neste sentido, Bezoari
e eu (1989) falamos de "interpretaçðes Quando funcionamos com boa disponibilidade e permeabilidade, assumimos em
este termo das temáticas
filosólicas do "pensamento Iraco"
extrapolando
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A. Ferro A técnica na psicanálise infantil

identificaçoes projetivas do pacien- XX que mora em Nova York consegue, com a ajuda de um mago, "cntrar" em
grande parte, efreqüentemente interpretamos,de
as

assumir ou ndo tais identificaçðes Madame Bovary de Flaubert, e vive uma história de amor justamenie cm a
te.As modalidades, quaisquer que sejam,
contadas de protagonista; isto porém acarreta eleitos extraordinários lanto no romanee,
projetivas de todo modo nos sdo
novo pelo paciente.
Os personagens que exprimem ou comunicam
tudo isto podem, por sua vez, ser
porque os criticos que o estudavam de repente encontram pela frente um novo
"escritos" por meio de mundos diversos: pelas lembranças infantis, pelosfatos atuais, personagem e novas histórias que quebram o texto codificado, quanto no
diante. quotidiano do senhor Kingelmass, de cuja vida passa a fazer parte Madame
pelo sonho, pelas fantasias e assim por
Então, se um paciente, após uma sessäo em que eu pensava
ter leito uma
Bovary, quando esta lhe pede para ser levada para Nova York. Somente uma
quatro cerejeiras, e que lá definitiva intervençâo do mago permitirá a cada un "retornar ao próprio mundo
boa coleta, sonha que foi ao campo onde pai o tem
mas quejá tinham e às próprias histórias"
encontrou muitas pessoas, todas amigas para dizer verdade,
a

no sonho, Outro exemplo dos diferentes níveis existentes entre diálogo dos persona
colhido todos os frutos, e se ele contar também que licou desgostoso,
gens, texto narrativo, possiveis novas histórias e entrelaçamentos, é encontrado
lato
não tanto porque nåo tinham sobrado cerejas para ele, mas porque aquele
lhe irava o prazer de levá-las ele mesmo aos seus colegas de escola, penso que emJacques lefataliste de Diderot, onde o diálogo dos dois personagens principais
o paciente me está sinalizando um meu excesso de atividade interpretativa, que é interrompido quer por acontecimentos reais externos, quer por terem que
Ihe tira o da colheita, do trabalho e sobretudo da partilha (Winnicott,
gosto vigiar continuamente onde levam os cavalos que eles montam, ou sobretudo
pelas intervenções do autor dirigindo-se ao leitor, que, a cada vez que aparece
1971b).
E são estes sentimentos, o prazer de "ser ele a levar os presentes aos amigos", um novo personagem, acena a todas as tramas e histórias que cada um deles
"a desilusåo" etc., que deverei tocar, renunciando a toda explicitação posterior, tornaria posslvel narrar.
eu mesmo fizesse toda a colheita das cerejas.
que mais uma vez faria com que
Torno a reafirmar que este vértice de escuta não pode ser
constantemente o Mas voltando a nós, as narrações do par através dos personagens servirão
se deve para transformar as emoções subtensas e para consentir novas aberturas de
único, pois se incorreria numa relaçdo voltada para si mesma, enquanto
poder realizar uma contínua oscilaçdo dos vértices de escuta, da história, do mundo sentido (mais do que decodificações de significado): a sessão será assemelhável
interior, das fantasmatizações e deste vértice que considero privilegiado entre todos, a um sonho de contratransferência' que ajudará o analista a regular o
próprio
do que arranjo mental e interpretativo (Barale, Ferro, 1987, 1992) para encontrar as
especifico, e de maior espessura psicanalitica, isto é, volto a repetir, a escuta entre
o paciente diz (ou ndo diz) como algo que narra continuamente o que acontece funçoes especificas de que o paciente necessita.
as duas mentes na sessdo, vértice que devemos compartilhar para alcançar o paciente E depois de uma rigida interpretação de transferència que Maria me fala da
onde estiver. avó que "a obrigava a usar o colete apertado": uma interpretação decodificadora
Trata-se de orientar-se, como acontece em narratologia para os é um engaiolamento da comunicação, e faz assumir um sentido de maneira forte,
personagens,
através de "uma hierarquia de códigos simultaneamente ao trabalho" (Hamon, excluindo todos os outros.
1972). Enquanto a insaturação em construir os sentidos, junto com o paciente, é
Outra oscilação que gostaria de evidenciaré a que concerne a alternância de garantia de fertilidade; se uma criança me fala de "Henrique", este pode ser o
um olhar ampliado e de um focalizado: é o jogo de luzes diferentes que pode irmão do paciente (histórico referencial)/uma parte cindida do paciente/ o modo
os movimentos
iluminar, algumas vezes, o campo na sua totalidade (portanto de chamar o analista na transferência/ uma parte cindida do analista etc., mas
derivados da interaço entre os grupos internos do par, os "personagens da se o
deixo "Henrique" e o considero um agregado funcional, é tudo isto acrescido
sessão" no seu entrar em cena, movimentar-se, aparecer, sair, transtormar-se) e, da indicação de uma particular modalidade de luncionamento do par, que
outras vezes, um dos pares ou das relações do campo, assumidas, naquele
momento, como as mais significativas; este último lato causará uma cesura e

fenômenos relacionais de campo, que se


uma transformação de todos os
1No sentido de que somente o paciente pode continuamenie sinalizar-nos onde estamos onde e
vamos, somente ele pode ajudar-nos a desbloquear os "bastioes" (Baranger, 1961-62) e tornar-nos
agregarão de modo diferente. conscientes da contratransferencia através da apresentação do que acontece ao par, lornecendo
O efeito "forte" de transformação do campo é descrito de modo muito oponto,como faz o parceiro secreto do homonimo livro de Conrad, com o lançamento do chaptu
O Caso Kingelmass, um conto de W. Allen: um homem do século (Gaburri, 1987a). [A citada obra clássica de Joseph Conrad foi publicada pela Imago Editora no
sugestivo em
volume Mocidade e o Parceiro Secreto, Coleçao Lazuli, 1994|

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A lécnica na psicanalise infantil
A Feno

esta, transformada relação, volta : redepositar-se e a estruturar aquela


pela
entrada em cenade "llenrique" |ara ser explicitada: poderia tratar-se, identidade. Como as cisoes
continuidade mítica que está nas bases do sentido de
a
comporta
clima mais qucnie e inimo luncionamento de par que
por excmplo, daqucle
no
e os "personagens" respondem
às necessidades de espacializar os aletos e os
e "nomeaclo" justamcnte por meio da entracda de "Henrique". verdadeira atividade distribuidora dos
eventos psiquicos, assim a "história",
Tinhamos entenclido, Bezoari (Bezoari, Ferro, 1992), o agregado fun-
c eu
fatos mentais e emocionais.
cional' como o brotar, no liálogo analiuico, de imagens, personagens e seqüên- aletos no eixo do tempo, permite "datar"
apresenta como "depósito
analista ela se de bagagens" onde
Tambem para o
cias narrativas quc com o seu aparccimento, modificação e dissolução, latos psiquicos do hoje, pesados
demais pelas
visualizam verdadeiras holografias* animadas, as mutáveis modalidades de pode deixar decantar e sedimentar nao resolvidas: é o que
implicaçoes relacionais e contranslerenciais ainda
rclaçao cm sessão. paciente "você com sua mäe linha este tipo
tais acontece cada vez que dizemos ao
O scu estatuto, andlogo dle produção onírica de par, conlere a
sabe-lo, aquele tipo
ao uma
de relação", esquivando-nos de procurar
no hoje, talvez sem

liguras do dlialogo a valor de um primeiro nível de simbolização compartilhada, de funcionamento que descrevemos... por
outro lado, Michel Strogoff de Verne
encontram represcntação o campo emocional e os elementos que nelcC continuar a ver.
em que também precisou mostrar-se cego, para poder
se movem: cxperiências emergirâo, por uranslormações sucessivas, aletos
destas
Todorov (1971), a propósito do gênero policial,
examina sucessivamente: o
e significados mais bem delinive1s. romance
de suspense. O
romance de enigma (o policial), oromance noire o romance

Se visto a partir de um vértice, o par analitico lala só e sempre de si mesmno histórias: a do crime e a das
presença de duas
e do reciproco luncionamenio; Lodos os ouros possiveis níveis, que
de outros deenigma caracteriza-se pela história não agem, limitam-se a

investigações.. os personagens da segunda


vértices é óbvio e (fantasmáticos "do paciente",
necessário que existam
miticos da fora da primeira história, já
adquirir informações; além disso, postos para
história, reais da pleno valor enquanto depósito de uma
história etc.), tém
acontecida, não lhes acontecer nada... dificilmente
pode
se poderia pensar que
tercialidade em relação ao par, não obstante essa mesma função esteja já morto. Têm-se duas
o investigador possa ser ameaçado, ferido ou mesmo

libertada do setting e dos "personagens" da sessão. a outra


de histórias pela frente, quais está ausente mas é real, enquanto
uma das
Não posso deixar de lembrar o que já foi dito a respeito da necessidade a esse modelo encontra-
está presente mas não é significativa. Em forte oposição
uma hierarquia de códigos (e de modelos?) contemporaneamente
ao traballho, as duas histórias
o romance noir: policial em que
mos, explicitado por Todorov,
para ajudar-nos na compreensão da sessäão. se fundem, ou melhor, a primeira
é cancelada em favor da segunda. O delito a
Um úlimo comentário para ver qual o lugar a designar respectivamente para e narração coincidem.
a narração, unma vez que ação
ser investigado não precede
a "história" e para a "narração". substitui a curiosidade, a
Neste não há um mistério, um enigma, o suspense
Se as micro-histórias que se desenvolvem em cada sessão concernem,
com0
arrisca a incolumidade
às rêveries do analista, no hic situação se constrói.. tudo é possfvel, e o investigador
do paciente de
quer que aconteçam, à comunicação
e
se não a vida... assim a segunda história,
a do presente, ocupa o espaço
numa história que deve poder ser
et nunc da sessão, as mesmas se organizam máxima importância. Todorov descreve também uma terceira categoria: o ro-

compartilhada e construida em conjunto. mantém do romance de enigma o mistério e as


duas
mance de suspense, que
como história do par)
A "história" (entendida como história referencial ou a uma pura
histórias, uma passada e uma presente, mas não reduz segunda
a

dualidade se de um lado é o depósito


se coloca como garantia de separação existe a
e e, de maior relevo;
aquisição de dados. A segunda história, fato, tem u m

(mitico) onde se a translerência, de outro


inspira lado é tambémo lugar em que curiosidade a respeito do passado, mas prevalece o suspense sobre o que
acontecerá: o mistério é somente um ponto de partida, e o interesse principal

perde a sua imunidade,


no
geral Gestalten que emergem
1 Agregados enquanto as iguras lo
lcxto manilestado, e em as
fica a cargo da segunda história; ademais, quem investiga
sintesc de clementos heterogëneos (verbais, emocionais, pois se expöe a todo tipo de perigo. É esse ülimo o modelo que, uransposto à
campo analitico, sao consituidas pela Funcionais porque as formas desta
provenicnics scja do analisando seja do analista.
corporais)
variável geometrica combinatória são
correlatas ao funcionamento mental do par e ds necessida-
questão da "história" psicanálise, considero mais criativo; diferente seja da
em o
des comunicativas do momenio (Bczoari, Ferro, 1991 b).
iécnica que, valendo-se de lones
óptica
luminosas coerentes, assepsia de psicanálise monopessoal, feita de reconstruções, de estruturas
uma
2 Holografia: a hologralia é uma investigadas, descobertas pelo analista-Poirot, seja de uma fusionalidade que
objeto sobre uma única chapa, seja
a
iridinesional de um
permitc scja o registro lotográlico com perspectivas
negue a separação e a diferenciação, mais do que das histórias, das vivências,
do incsmo ohjeto. A aplicação
sucessiva rcconstruçao sc1npre iridimensioInal tridinensional: criar-se-ia
de u n cincma holográlico
maiorcs e aqucla voltada para a real1zaçáo com todos os cleitos devidos dos afetos das mentes.
cena representada
uma ihusdo complcta da
u m a situaçâo que produz

1 uma real prescnça de objctos (Denisjuk, 1979)


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A. Ferro

Falo de uma "história" verdadeira do ponto de vista afetivo e por isso passivel
de continuos remanejamentos e transformaçoes (como nos lembra Barale, 1990,
ao referir-se às micro-histórias à espera de pensabilidade, ou de outras possibili-
dades de sentido obstrultdas pela histôria dominante, jacentes como potenciali-
dades insaturadas do mundo intermo).
E claro que a "historia", na sessão, entra em oscilação com a "relação": assim
como respeitamos as cisòes de um paciente, respeitamos também os seus
deslocamentos no tempo, sempre conscientes de que existem somente sentimen-
tos do presente, e que se pode saber somente sobre eles, como nos lembra O DESENHO
freqdentemente Bion; acredito porém, que os "escudos térmicos" das cisðes e do
tempo devem ser respeitados como avalistas do universo afetivo do paciente (e
do analista); renunciando a eles nos acharemos na situação ou de dois núcleos
sincréticos e incomunicáveis, ou na indistinção de um sincicio. Podemos obter
um exemplo do diferente lugar na "história'" de uma
"lembrança" de um caso Devemos a Balconi e Del
Carlo Giannini (1987) um rico e articulado volume
clinico citado por Miler (1981), a propósito de pacientes que invadiam a vida sobre o desenho infantil, ao qual remeto tanto para as noticias históricas
privada dos próprios analistas com continuos, irrefreáveis telefonemas notur- quanto
nos; em vez de assinalar ao paciente uma insuficiente tolerância à frustração até
para o aprofundamento das modalidades em que se entrelaçame se desenvol-
vem, nos casos clínicos descritos, a
atenção ao desenho ea evolução das
a hora da sessão seguinte de análise, ou outros defeitos
(modelo estrutural), a terapêuticas. relações
autora sugere a utilidade de ser
capaz de perceber, no comportamento dos Gostaria no entanto de acenar
pacientes, a encenação ativa de um destino suportado passivamente por seus alguns marcos no que concerne o desenho
a
na análise infantil, o primeiro dos
quais é o que o pcqueno Hans (Freud, 1908)
pais, citando como, após uma dessas interpretaçoes, foi verbalizada a antiga acrescenta à girafa
recordaçao uraumática: o pai da paciente era um artista de sucesso e voltava para desenhada pelo pai, o "laz xixi" da prôpria girafa; depois os
desenhos da análise de
casa tarde da noite, quando a filha
já estava dormindo; gostava então de tirá-la
Richard, conduzida por Klein (1961); e por último o
extraordinário livro de Winnicott (1971a) sobre
da cama, fazer com ela brincadeiras belíssimas e excitantes, até litteram tanto o estatuto de um rabiscos, que sanciona ante
os
que ele ficava campo bipessoal, quanto a criação de
com sono, e colocava novamente a menina na
cama, pretendendo que voltasse tórias compartilhadas com os micro-his-
a dormir. Mas por que me pergunto não inverter o vértice de escuta e não Neste
pequenos pacientes.
capítulo prescindirei de todos aqueles trabalhos que
-

repensar esta cena como uma descrição pontual do modo pelo qual a paciente
desenho como teste, ou com modalidades de abordagem consideram_o
vive a hora de análise, e do funcionamento das duas mentes durante a sessão: altamente formalizadas,
para os quais remeto às numerosas obras ricas e
existe, isto é, a vivència de um analista que chega tarde e que se coloca de modo completas sobre o argumento
(Dolto, 1948; Widlocher, Engelhar, 1975;
Widlocher,
1965; etc.).
excitante demais, como se ele necessitasse descarregar, tanto que depois de ter Também fora de níveis de
acordado e "excitado" a menina/paciente, deixa-a novamente sozinha e desilu- modalidades pelas quais pode
leitura muito-formalizados, são diversas as
ser visto
desenho.
o
dida. Por que não extrair úteis ensinamentos no hoje sobre como aproximar-se Uma primeira modalidade poderia ser a de considerar
desenho como uma
o
da paciente, sobre como interpretar para obter um efeito diferente, até mesmo
representação do tipo de relações presentes no mundo emocional
pressupondo que o efeito de um analista tào excitante poderia derivar justamente numa certa medida aproximando-se também da da criança,
da sua própria disponibilidade para assumir as identificaçoes projetivas da realidade
acontece em algumas modalidades de leitura do desenho da familia. tal como
externa,
paciente que o tornam daquela maneira; maneira que necessita, porém, ser A figura 1éo desenho de uma gémea, Franca,
repensada e transformada no working-through do analista, para poder escrever irmà para ir à escola em classes que acabou de se separar da
uma história nova e diferente.
diferentes; no
luga: da gêmea há uma mancha,
uma
espéciede buraco. Se considerado
Mas voltarei a tudo isto a propósito do diálogo, dos modelos da mente e do mesmo dentro deuma sessão de análise, o
desenho poderia sinalizar um "buraco de
estatuto dos personagens na sessão de análise. cega, algo à espera de compreensâo", uma mancha
"pensabilidade" (Tagliacozzo, L982).
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A'Crr
A técnica na psicanálise infantil

Tigura T
Figura 2

No desenho quase igual, (ig 2) que laz a outra gemea, Lisa, a mesma inancha
em tal ópica, necessário
parcece pesar sobre o plano de apoio, quase calapulando Lisa do contato com o o desenho (como de restoo jogo) na análise infantil;
observar a técnica utilizada por Klein ao interpretar os desenhos de R:chard.
mesmo.
Numa scssåo, o mesmo descnho poderia scr pensadocomno aspalavras Esta modalidade de considerar o desenho se estabilizou ao longo de dois
CXCessivamente (gravosas) c pesadas do analista, que lazem perder o contato e x o s . Um deles continua prevalentemente a colocar em evidência a Jantasia
isolam a criança do plano do contato relacional
Toda aproximação interpretativa do dcsenho depende. pois, do vértice de inconsciente, com a sua referência corpórea, subtensa no desenho ' (mesma
modalidade usada nas interpretações do material verbal, onde pode seimpre ser
leitura contexto: considero que dentro da relaçâo analitica, eé exclusi-
e do
vamente deste vértice que olharei o desenho, é assemelhavel a uma "fotografia buscada e explicitada a fantasia inconsciente profunda do paciente), como algo
onirica da vigilia" que, enquanto tal, fotograla por um
vértire desconhecido que se atém å criança enquanto tal,e ao seu mundofantasmático que encontra,
uma verdade relacional e aletiva do par e do campo, à espera, porém, de umn
pna folha de papel, uma possibilidade de exteriorizaçãoè na transferência,uma
desenvolvimento narrativo; isto é, algo que não está ali_para ser decodificado
possibilidade de projeção. Tal modalídade enriqueçeu-se ao considerar os
.n simbolos"contidos.no.desenho como.otecet,a trama do funcionamento mental
(não porque não seja possivel faz-lo, mas porque devemos perguntar-nos o da criança..
um conjunto de ingredientes para
histórias
para que serviria), mas que é O outro eixo, por sua vez, desenvolveu-se mais centrado na mentalização
possiveis de serem contadas, um promotor de histórias,
um
"pré-textc à das fantasias de transferência da criança, prescinde da referència corpórea,
espera de réverie e narrações. Diria quase pausa
a de imagem de uma gravação portanto o que seráinterpretado é o tipo de funcionamento mental existente
desenrolar-se o movimento, e a retomar
de video, à espera de que r e c o m e c e a naquele momento, entendido porém como uma projeção dos fantasmas da
corpo uma história. criança sobre o terapeuta, que permanece substancialmente neutro, e cujo peso
Mas voltemos um pouco atrás: como possivel considerar o desenho
dizia, é
da vida mental não entra no campo que contribui para criar, conforme as delesas
mundo interno da criança, capaz de fazer visualizar que
o
comoumna brecha no que põe em ação e, sobretudo, através do gradiente de permeabilização (Rosen-
esteja acontecendo nele, conforme os movimentos de transferência do hic et nunc. feld, 1987) ås idenuificações projetivas provenientes do paciente.
Naturalmnente loi Klein quem indicou de modo completo esta maneira de ver O desenho será usado com um sonho em relação ao qual se pode solicitar

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A técnica
A. Ferro na
psicanálise infantil

associações, que seräo pensadas comopaciente sobre o desenho, para poder


do

colocar em palavras, o mais completamente possível, aquilo que já está na


à dc um intérprete.
imagem do desenho espera
Modalidades, poderíamos dizer com Todorov (1971), que implicam a refe-
consinta uma tradução, com a constituição de um canto
rência a um codigo que
c de contracanto que corem paralelos um ao outro. 3
Lembrando sempre que nos encontramos todos sobre os ombros do peque-
em relação
Hans e de Richard, valorizaria outras possibilidades abordagem
no
de
ao desenho: refiro-nme em particular àquelas que, deixando ao fundo uma
referencia kleiniana, inspiram-se quer no conceito de "campo", definido pelos(

Baranger com Mom (1961-1962, 1983)


e
por Corrao (1986) (e que implica, pela
situação analítica, como já capítulos anteriores, em ser concebida
toi dito nos
como uma Gestalt da qual o analista fazZ parte e que concorTe para determinar ino
com a própria história, o próprio mundo interno, o próprio funcionamento
,o próprio arranjo detensivo; campo dinmico que se estrutura por meio nyereniooe de
men
do jogo cruzado das identilicações projetivas, no respeito do acordo e do b
contrato analitico), quer em Bionquando reconhece ao paciente a capacidade de Bi a
assinalar ao analista o seu funcionamento mental(do analista!); assim concebi-
do, o desenho faz referência às modalidades atuaise eletivas do funcionamento o
mental do par, da situação bipessoal emjogo, da forças emocionais do campo Figura 3
membros par, não do mais como fantasias de transfe-
pertencentes ambos
a os

rência, mas como verdadeiro fotograma onírico do funcionamento.mental de par brotar visivel por meio.da narração do funcionamento mental do par analitico
naquele momento, de um vértúce particular freqüentemente desco
mesmo se e durante a sessão,
nhecido para nós, que devemos compartilhar e assumir para alcançar o paciente Considero, pois, o desenho como algo que remete ao funcionamento mental
do par naquele momento, a um
onde ele está (Ferro, 1992). problema presente, e que se coloca como
"bastião" (Baranger) que é também o
Essa modalidade permite não só reconhecer no desenho a presentifi- ponto de portida para soluções transfor
derrubada a ilusão de mativas e criativas para o par.
cação dos movimentos emocionais do par, mas,
da angústia, con-
poder encontrar imediatamente o ponto de emergência
sente poder construir todos Os desenvolvimentos narrativos possíveis junto
DESENHO DO PACIENTE
com o paciente.
Exatamente como na anális dos adultos, as ir1tèrpretações "Iracas (Bezoa1i,
O desenho e a construção de uma história: Francesca
Ferro, 1989) permitem, graças justamente å sua insaturação, a tormação pro-
gressiva.de um sentido.compartilhado. Uma menina, filha de pais que desde
de tradução, logo nie parecein "Irágeis", aprescnta
O desenho, de estáüco necessitado de um código
e e uma

anima-se como uma espécie de teatro aletivo e pode tornar-se um teatro gerador estranho sintoma, causa de muitas consultas e
um
investigaçdes diagnósticas
desenvolvimento construtivo que as que porém não levaram a nada. Francesca, que tem dez anos, durante várias
de significado-sentido" (Mellzer, 1984), no

duas mentes sabero fazer com ele.


horas ao dia grita desesperadamente, sem inierrupção, isto lhe aconiece somene
Nesta óptica, os personagens, as coisas, os lugares do desenho ser o quando está em casa, mantendo um comportamenio adequado e "nornal" nas

Nem ela nem os pais sabem explicar tal lenomeno


verdadeiras hologralias do funcionamento mental do par, semelhantes
nisso ao
l ulSLancias de vida.
delinimos (Bezoari, Ferro, 1991b) o db T No seu primeiro encontro
comigo, Francesca laz um desenlho (lig 3)
conceito de "agregado funcional", como

46 47
A técnica na psicanálise inlontil
A Ferro

Figura 5

sintoma, o seu funcionamento mental. Mas o que dizer-lhe


a sua história, o seu

dizë-lo, de modo que possa lhe ser úil?


P

e como
do tempo que me
Prolongando-se o meu atormentado silncio (a percepção
dilatar-se bem além dos poucos instantes realmente transcorridos).
parecia
Francesca, num momento, justapõe o segundo desenho ao primeiro: a "menina
Neste ponto, tenho de
uma espécie
bidimensional" ao "bosque sem pessoas". faz
Francesca, animando-me: "Me diga, o que
Figura 4 uma
a
iluminação e pergunto
de
.nte de i.ntos sign1ilicados do bosque onde näo h menina sozinha num_ bosque sem pessoas?". "GRITA", é a clara resposta desta
T rl possnveis
Francesca, que logo depois começa a desenhar (lig.
uma outra menina 5),
l leline i menin.t. pul.ido por arvores, raposas, serpenies, vez vista de frente, com efeito
tridimensional e com um olhar intenso.
Si
poi dlinle ussivCis intcrprclaçócs, mas
T'eiso ci pcrgunto me
a sessäo, mas também porque
eiesC O desenho fica incompleto porque termina
1.zer delas, e nenliuma me parece satislatória. as angústias de Francesca
us it.nese.pdeii.I será necessário ainda um longo trabalho antes que
um progressivo mal-estar por
Enquanto i s ) , < i t o crescer dentro de mim possam encontrar a sua completa expressão, e antes que possam ser
traduzidas
e sinto o impulso de sair do impasse
no saber cucontr.I pal.ivt.as dequadas, em palavras (note a ausência da boca, que permanece não desenhada, mas que
dizcndo alguma c01sa, qu.alquer coisa encontrará no tempo e nos desenhos seguintes
um lugar próprio). Esta breve
lazendo um segundo desenho (lig. 4),
Lranccsca pureee siUO meu socoiro
rendas crochës, seqüência clinica, tirada de Bezoarie Ferro (1991c), parece-me ilustrar, de forma
espessura, vestida de
e
de perlil, sem
simples, alguns aspectos do entrelaçamento dinámico entre experiëncias afctivas
nenina
que mostra
uma

muito lormal e coinportada e sobre os quais

- diante desse desenho, nâo sei e cognitivas que caracteriza o campo analitico (Corrao, 1988),
Mas tamhem -

ou, talvez. por isso mes1no


gostaria de concentrar a atenção.
a bidimensionali
decidir-me a intervir Vém a minha mente pensamentos sobre Em presença de Francesca do seu primeiro desenho, desde logo se me
e
dade do desenho, sobre a sua falta de profundidade.
Fico tentado a dizer alguma oferece a possibilidade de reconduzir a mensagem da paciente cujos elemen- -

minhas vivencias de angústial desencorajamento,


colsa, uulizando tambem as
tos gráficos e verbais aparecem bem estruturados a um universo de significa
Francesca, com
paralisias que certanmente penso tëm aver justamente com
49
48
A Ferro
A tecnca na ppse anale mfantil

dos que me e familiar, restituindo, pois, a Francesca uma interpretação-tradução


Mas isto não me parece adequado nem ao meu desejo de aproximar-me do ponto
de vista da menina, nem à minha responsabilidade para com ela (o que faria
Francesca com um manual de botánica e zoologia que lhe explicasse os conteú-
dos do bosque?)
Alrouxando os
laços
com meus 0s
referenciais
teoricos, começo a sentir, por
minha vez, o risco de perder-me. Modelos (e pais) "fracos" nos expöem, pois, ao
T
medo de pensar e de nos encontrarmos "sozinhos" no bosque, onde modelos
fortes" fariam com que nos sentissemos seguros, mas que nos deixariam ver do
bosque somente o que já estivesse preligurado por eles
O segundo desenho aguça em mim o contraste entre o lervilhar de
emoçõces
cada vez mais inquietantes e um pensamento formal incapaz de contë-las c
cxprimi-las. O drama da "dupla vida" de Francesca está se atualizando dento de
mim, no espaço-tempo da sessäão.
Mas é justamente essa
avizinhação, em sintonia con o gesto da menina que
A
avizinha os dois desenhos, que dá partida a uma nova organização do campo da
experiéncia. No "bosque-sem-pessoas" da turbulncia cimocional aconteceu um
encontro, nåo estamos mais sós. As emoções dispersas e
e
nome, quet sem

podiam somente ser gritadas para lora, estão agora incluidas rum espaço
compartilhado e translormadas numa cxperiéncia quc se pode começar a contar:
uma micro-história toma corpo hic ct nunc permitira, arav s da
no e
integração
das micro-histórias das sessões seguintes, construir uma "história" compartilha-
da. Esta narrará e tornará pensáveise comunicáveis emoçðes e aletos antes
mudos ou incontidamente "gritados" para lora de lorma
privados de sentido compartilhavel
desorganizada, c

A construção de um sentido afetivo: Marco

Marco é um
garoto de ollo anos, no nosso
primeiro encontro laz um desenho
(fig. 6) em branco e preto, sem nenhuma cor, assim como Marco me aparecc
como que "apagado" no seu terninho cinza. Experimento a sensação de estar
perdido. Sou tentado pela "oralidade devoradora" do tubardo c por outros
possiveis signilicados "simbolicos", mas me contém a ideia de que tais interven
çoes somente aumentarian a sensação de
perdido estar
Guiado pelo penoso sentimentodo "cstar perdido", penso quc encontrarmo-
nos, estabelecermosum contato, seria ja vgumacoisa., e lhe digo que o desenho
me parece
apropriado a nossa situação, que na real1dade pouco sabemos um do
outro, como pouca é a parte do desenho sobre a agua. muta, ao conträrio, é a
parte submersa, como as coisas a serem descobertas

50
A Ferro
A técnica na psicanálise nfantil

Em resposta ao meu comentano, acresccnta ao desenho o cscalandrista c o


navio. Digo-lhe quc estâ se animando numa aventura em que será posslvel
descobrir coisas, e acrescenio, olhando o navio, que aqui talvez haja um
tesouro, pensando, cem nivel conscienie, e1n alguma coisa cscondida no mes1mo.
E Marco que me s1nalhza ter apreendido a implicaçâo aletiva da minha frase
animase improvisadamen.c, colore vivamente todos os animais, constroi um
semaloro que, alternando os s1na1s vermelhos e verdes, me indicará o acerto das
hipoicses quc propore1 em seguida
cstupefato, maus do que pela uransformação
Estou em technicolor do nosso
filme de aventura, pela reviravolta de vértice que me sugere em
relação ao
tubarao: há algo que procura sair, libertar-se, embora ainda retido
pelo tubarão..
de que náo ha nenhuma decodificaçâo de significado "do"
Gostaria sublinhar
dcsenho, mas cmocional-aletiva que começa, no par, a partir da
históna
uma

ativaçãa de emoçðcscalctas através das identilicações projetivas que tecem


"aqucle tesouro" que adquire vida durantea sessåo
O que conta não a cxplicitação de necessidades mas, com
Bion, a "realização"
dcpré-conccpçóes" a espera dec sercm experimentadas numa atualidade relacional.
Tudo isso pode acontecer se se realiza uma
experiëncia emocional significativa,
ünica c irrepelivel, que adquira através do
trabalho mental (rêverie) no interior do
par, lora de toclo csquematismo ou código que assinalariam somente, disponibili-
clade de "instrumentos", mas nåo de Figura 7
cspaços mentais e emoções.

"...que a cachorrinha daquela menina tinha sido


envenena-
história dilacerante
em scguida tinha-lhe fraturado a
coluna vertebral... foi
Odenhw como despontar narrativ0: Mariclla da, e um trauma

curada... mas não poderá ter filhos, senão morre...". Uma estúpida obtusidade
distância de algo "excessivo"
Mariclla e uma menua de oito anos, cra a delesa que tinhamos acionado para tomar

prolundamentc marcada por uin em relação à capacidade das mentes de tolerar o sofrimento.
1auma. a nde teve um acídente vaseular cerebral que a paralisou e en seguida
A obtusa Clarabela, a obtusidade dos adultos, a_própria_obtusidade do
a
tornou violenta, mpulsiva,
separs-la do naridoe da-lilha
scm oon' role, de tal modo que foi necessário
"campo nos primeiros momentos do nosso encontro, nada mais eram do que as
No nosso primeiro encontro Mariclla parece estênica, forte, defesas, ou melhor o "bastião" que nos protegia do sentimento de que ela tivesse
segura de si,
substituiu, asiim o parccc, a mâe pela nova companheira do pai e pela irma sidoenvenenada na prápria.parte mais vivae natura, "a cachorrinha,e que ela
maior... na escola obtém resultados brilhantes. 1ambem losse uma menina fraturada, com o terror de no poder dar à luz
Faz um descnho (lig. 7) que ine impressiona pela falta de graça, lembra-me pensamentos ou emoçðes senão morreria (de dor): foi a realização de tudo isso,
a vaca Clarabela, percebo que nme conta o modo como nos comportamos, nos juntocom Mariella.que nos.permitiu programar.anecessidade.de umaanálise
primeiros dialogos do cncon1ro, num lalso registro, pseudo-adulto, não sei ainda
como dizer isso tudo, quando me dou conta de que falta o nariz à figura do
O working-through como lugar de assimetria: Franco
desenho. Chamo-lhe a atcnção para isso, Mariclla responde que é "para nao sentir
cheiros desagracdávc1s
Franco, de nove anos., no começo da sessão desenha um avião; descreve-o à
Nao posso deixar de colhere de colocar em palavras o seu medo de uma
medida que desenha os particulares, e começa a colori-lo (lig. 8).
nossa renuncia a "sentir" algo de desagradável; imediatamente me conta uma

52
53
A. Ferro
A técnica na
psicanálise infuntil
de Franco,ou melhor, de suas
partes incontinentes que, em conluio com as
minhas, tinham levado à atuaço
interpretativa.
Essas partes estavam agora em contlito com as
lunçôes do pensamento..
No texto, com Franco, falamos de conllito entre uin
cxército violento e
que parte ao ataque impensadamente e um exërcito impulsivo
capaz de "pensar" antes de realizar os planos.
regular, bem organizado,

As seduçoes da interpretação "simbólica": Marina

Marina, menina de seis anos, no


primeiro encontro comigo laz um desenho
(tig. 9) que parece sugerir uma intinidade de leturas de conieüdos: ali se
poderiam descobrir com facilidacde "scios. "pnis". "mamilos", combinados de
modo a lazer pensar em
confusôcs geogralicas (Meltzer. 1967)
"pênis-mamilo", "Irente-atrás. Mas (qul seguu. cntre as Vatias direçdes de
"seio-nadegas".
interpretação? Enquanto penso (perguntandr-e desorent.ado que emaranha-.
dos internos pode conter Marina),
Figura 8 e aprupa ManA que nul1ca o caninho,
associando espontaneamenie ao desenho que*nio sabe se lhe lembra mais umn

de que lala pirulito com


palitinho,
o seu as orelhas ou
trduba de elelante". Isso
e a um
Pergunto-me me
aquele avião, posso pensá-lo e interpretá-
como
poderia orientar escuta sobre lantasias corporeas. ila bywlard.aule seio/penis.
a
lo, mas, alem de interpretaçoes baseadas código de leitura de conteúdos,
num
Mas, ouvindo ressoar nas paBavras da menina uinhas proprias mceiezas,
as
nada me vem em mente, sou ento tomado por um senimento de mal-estar ao sou
induzido a colher sobretudo
ver as linhas feitas
avião, para colori-lo de modo mimético, e penso:
no as qualicdades mentas da comunicaçlo hu et no

"Mas aquelas sâo rachaduras da fuselagem, das asas, eu nunca subiria num nunc, isto é, pergunta que Marina
a la: suhie devonhec ido
se
a sua lrente e. o

avião com tais rachaduras..." sobre tipo de relação possivel com eleSeii un n.list.t stullhedor e deiuso,
o

Com o qual possa ter um bom contato, vu unm


n.st iento e nsv, e
E somente nesse momento que me lembro de uma minha incontinência
interpretativa da sessão anterior, quando não tinha sido capaz de "manter
partirá ao ataque.com as suas interpretagoes* Is egund.a rveulualul.ule sei.a
mais claramente representada num qu:adrunw oque Min.i 11.1. n
dentro" algo qu necessitava ainda de tempo para ser dito sem que tivesse efeitos
seguinte, Tecortando-o da revista Miukey (lig 10
traumáicos sobre ele.
Quadrinho que me conlirmará a uilidade de ler-me ld texto dle Marna ilu
Ligo os dois latos e penso que Franco está me falando de como, estando bem ajudá-la a colocar-se perguntas c lornmular respostas, dependendo de conmo
no início do nosso trabalho, ele senterachar-a sua contiança-no-nosso veieulo", interagirei com ela, se de modo leve c terno, ou pesado e obtuso
e decomo procuraaomesmo Lempomimetizaryesconder-de-si-mesmo,essa-crise
de confiança
Decido que tudo isso não pode ser comanicadodiretamente a Franco, porque O desenho e
ofuncionamento mental do par: Marcello
seria "demais" para as atuais capacidades digestivas da sua mente e que, continuan-
do a acompanhá-lo no seu texto narrativo onde comparece agora um conlito entre Marcello, num momento importante da análisc, creio que nme laz entender
duas posições dilerentes, tenho que conseguir reconquistar aquela ordem mentale muito bem os dois dilerentes
portanto interpretativa que seja capaz de "soldar" as rachaduras da contiança...
funcionamentos
mentais c o n que me acliego a ele,
por meio de um desenho (lig,H no quah uma metade representa eu sentado
Percebo ao mesmo tempo a existëncia de um problema de "impulsividade" diante dele, segurando um
livfo, e ele soz1nho la~endo bip-bip coim o brinqucdo
como a que tinha sido por minm atuada, ao assumir as identilicações projetivas eletrônico que, para qualquer èventualidade, urazsempre no bolso, parcce dizer

54
A Ferro A técnica na psicanálise infant1

ECONHEÇO
ISTO NAOINTERPRET
E NADAI
E ASSIM.. OES AINDA MAIS
SSAN

AlDEMIMI

Figura 10

Tigura 9

quc se cu cstou com o lvio ds teornds e dos sinmbolos, ele volta a ser o menino
mecanico, cletrônmco Na outra melade da
cstendida como uma ponte cn sua direçio, e
ligura eu estou com uma mão
cle lala comigo.
Um outro
particular no
prineiro c.Jso, as minhas costas cstá uma tabela
onde esia cscrito, P'ROBLEMAS RESOLVIDOS
O, como que dizcndo,
=

"Assim nao lazcmos nenhuun acredito:


progresso", no segundo caso está assinalado:
PROBLEMAS RESO, o ieso l VIDOS) nao esta na
pågina, e cmbaixo- a
marca de i i i n s cScrilos
E assim que os
problemas jpidem se Iesolvid0s, parece sugerir Marcello,
mas ha ambém emoçdo,
uma
bip-bip do menino mecânico, mas
nio mais o
o

RISO a expressao da emucho, que so SSun a distäncia pocde ser cxpressa, de


Marcello criança (que se sente ouvido r comprccndida Não s0, inas tambm o
arroz, ccreal-al1nento muilo mportanme na longa estrada que conduz à saida Figura 11
a jnorexIA, (qune lora um ds notuvos que levaram Margello à análise.
NAalenie, iu. t . le
c.ampo, v-desenhó remete a dois lunciona
nts L
paraum autênticaprocessade.simbolização emocional compartilhada, pelo qual
d p.u, cm usilaç.uo cnire eles: o anguloso e robotizado, e o se permitaa Marcello assumir asemoçoesque permanecerammuitotempa, para
"cdomo"taletuosO, u sej., dus muud.alidades. com.que aS menies interagem ele,inacessiveis como os alimentos.
10 2L s U n e m tunbem tod.is ias nlormaçðes.prcciosas para ajudar o
anaista rseu n n kng th ugh, deslocan a0SClação para a direita da ligura:
Desenho e rêverie: Massimo

INI RISt) VDOS-RISOTITem it.li.to Toda aproximação. ao.desenho-baseada num código qualquer de leitura
2Ri, Cn
ualino, ,ti:

56 57
A tecnica
A. Ferro na
psicanálise mfanil

ao pleno permeabilizar-se a cle, único camullada e


inesperadamente entre as estruturas metálicas de
corresponde a uma defesa em relação um tanque de guerra. A cada vez, será a frente du veiculo de
um navio ou de
de novo sonhado: nesta óptica.não-podem0s
pré-requisito para que possa ser
o painel de comando, o
desembarque, ou
ressoara dentro dc nós, sobre qual detalhe que se conligurara quase secretamente como rosto de
(ormular nenhuma lci sobre como menino que procura emergir, estruturar-se, ser reconhecido, cm
ativará a nossa capacidade de retverie. no meio aos

Um dia Massimo laz um desenho qual representa a entrada da casa onde aspectos autistico-mecanizados de Stefano.
signilicados, com a Até surgiro desenho de um Pinocchio (lig 14). ainda
moro: o meu apartamento como o imagina; cu procuro
desaruculado, anda
descodilicar os simbolos, depois muito necessitado de Geppeto, e (quc parcce
tentaçao de recorrer às teoriaseà
tentativa de capz de mostrar o sofrunento
Massimo contunua diligente o perleito através do "grosso espinho no coração" de que lalara Stclano,
consigo renunciar a entender e a recordar, desenhando-o no
desenho, até que ao escrever a legenda do que desenhou se inerrompe para alto à direita na ligura.
"... mas como se chamam aqueles ali no canto CAN.. CAN... Transiormaçoes irreversivcis e estáveis Se vislas sub a eptica do trabalho de
perguntar-me:
CANteiros", c escreve em azul essa palavra, diferentemente de todas as outras anos, que podem serconsicderados nào sonicnte em relaçio as
mudanças do
da legenda, cescritas em preto. mundo interno e do modo de lunconar de Stclano, inas tambenm como a
palavras
Assim que entendo o pedido de ajuda que o menino Massimo laz chegar até expressão das modilicações no modo de nterag1r das menies de pacienme e
analista na sessão: desde as imod:al1dades de cIconro I S mecauzadas e
mim através do desenho do Massimo arquiteto, ele pode começar a falar-me do
seu gato, e de como este sofre quando é deixado c í casa. conroladas, passando pclo emerg1r cde ua espontnedade uw.aw, ale realizar
É a ultima sessão semana,
da e também a primeira vez que Massimo faz Cpoder comparlilhar um pleno contato com a
enarosulnetwque cOmpa
refcrência à dor pela separação. a iniegraçao Camudanga
Massimo, menino sem necessidades, ou cujas necessidades ele sempre
acreditou poder satisfazer sozinho, sente a lalta de alguém. Mas isto é possivel
somente depois que me sentiu sintonizado e receptivo ao seu pedido de ajuda, O DESENHO COMO EMERGfNCIA
que nenhuma teoria me teria feito perceber.
Gostaria de descrever agora ouiras situaqões, lenm daquel m.is noral da
criança que laz o desenho na sala de analise, ou que o traz, siluaçðcs nas quais
o desenho e as transformaçðes no tempo: Stefano o desenho passou igualmenie a lazer parte, nmesino. que de modas dilerenies. da
analise do pacienle.
Até aqui privilegiei o desenho como foLograma onirico do instante relacional
algo que ressalta as microuransformações durante a sesso, como se pode Desenho do analista Jeito em sessão Renata
observar na seqüência das figuras e no diálogo, onde se veem claramenie as
transformaçðes instáveis e reversiveis do instante relacional, que mudam com a
vertente não Quando vcjo pela primeira vez Renato, ele me lembra um ilhote de bisão, c
mutação da ordem emocional do par; há no entanio juma outra
menos importante, a das uransformaçðes estáveis e irreversiveis.consideradas
em se mostra logo como tal, na contenção quase muscular (Biclk, 1968) auravés da
hiperatividade que atua para se proteger de cat 1strölicos dissolvimenios no
periodos longos. nada.
A seqüencia dos três desenhos sucessivos de Stefano acontece no periodo
Nada que eu possa Ihe dizer lem eleito sobre a sua corrida,
de dois anos de terapia. qualquer que
Nesses desenhos, quase de engenheiro, começam a abrir caminho traços
seja o nivel da minha lala. Ao conrario, as mnhas ntervençocs pareccm
aos poucos vão
incitá-lo como se as minhas palavras lossem a elas
humanos, a principio muito mecanizados e rigidos (lig. 12), que projeteis,
e em
resposta
pega cubos de madcira e os alira contra 1m, atUScando alng1r-me e
assumindo o aspecto do rosto de um menino (lfig. 13), que parece mostrar-se
machucar-me.
Tento dizer-llhe que me sinto um cov-boy conm os mdios
que giram ad seu
também redor quanto atüranm uns conura os ouluos Mas nada
1 N.T.: AlU... AlU... em italiano t o inlcio da palavra aiuola que quer
dizer canieiro, mas e
consegue lazë-lo parar. O
o inicio da palavra AlIUto, que quer dizer socorro, ajuda

59
58
A Ferro A técnica na psicanálise infantil

CAMINHÕES PARA TRANSPORTES SALA DE INFOR


PORTAS BLINDADAS MAÇÕES
-= PORTÕES DE ENTRADA SALA DË MANUTEN:
PORTAS NORMAIS
ÇÃO DOS LINGOTES
CAMERAS DE TV x= CAIXAS Figura 13
SALA DOMICRO SALA DOSALARMES perimetro da sua corrida compreende tambem a sala de espera: de cabeça baixa,
ESCRITÓRIOS **

continua a trotar.
DIREÇÃO Começo a dizer-me que seria preciso uma paliçada para contë-lo, e me sinto
tentado a fazé-lo fisicamente, pelo menos dentro dos limites da sala.
ENFERMARIA"
Encontro-me porém sempre sentado no meu lugar desenhando, numa das
folhas preparadas para ele, uma paliçada. Pára, mais curioso que interessado.
Toma por sua vez um lápis e diz, fazendo
Figura 12
grossos sinais sobre o perimetro
da paliçada: "E eu a arrebento, arrebento", e desenha uma
espiral vermelha; eu
Ihe digo que parece um vento, uma tromba de ar, ou talvez Nuvem
Vermelha,
que arrebenta todas as paliçadas.

61
A. Ferro A técnica nu
psicanúlise infantl

Responde, permanecendo parado: "Desenha mais


pal1çadas" Eu executo
colocando-me o
problema se csta é uma
atuação minha, mas no meio
procuro desesperadamente pensar. Qucbra as paliçadas ccm tempo
o
costumeiro
redemoinho colorido. Digo que parece que nao haja
diquc que possa fazé-lo
parar
Continuo lazer paliçadas, nun1 perimetro descnlho
a e
algo como uma mes
Elc, com uma hidrográfica vermelha mão, dircçao parede desenha
ra vai em a e
sobre um azulejo "uma cabana de indio" Eu
digo "Um ugar para Nuvem
Vermelha".
E na minha folha de
papel desenho una cabana, um Indo e um menno
redemoinho de vento; enquanto isso pe1so cm coino
ele nha o couer
derrubado no chão não só o conteüdo da caixa de
brnquedos, mas tanbem
cadeiras, móveis etc.: parece um campo de batalha, penso t,imbem
qur a me
me contou
que nas Irequentes crises pantoclásticas de Renato a unie.l coIsa
qur
o faz
parar são os desenhos animados.
Aproxima-se e, utilizando como folha de papel nao mais os azulejos masa
superlicie da mesa, desenha por sua vez um menino indio que recolhe tudo que
cai de um cesto conm a
ajuda do amigo caranguejo braços que pinçanm com sem
machucar... continua o desenho... mas
enquanto os dois amigos trabalham
Juntos atiram contra eles... chega um outro ciclone..
A sessão vai em lrente.. mas
dispomos agora daqueles personagens que
criamos juntos no nosso desenho animado,
pclo qual podemos dar nomc e
colocar em história o que acontece na salae entre as nossas duas mentes, como
pressuposto necessário para o reconhecimento, a narraçào e a translormaçio
das emoçðes.e.das aletos neste sentido recentemente Lussana (1991) Lalou da
evolução cntre uma modalidade interpretativa kleiniana e uma de tupo bionano.
Poder-se-ia discutir se o meu desenhar foi uma auuaçio, problema ja trat.ado
recentemente por
Schlesinger (1989), ao qual acrescentana que
talve: o mpe
dir-se
uma liberdade nas emergências seria sacrilicar rigor lormal1stico que ao o

pode ser, ao contrário, comunicado e translormado aunda que por meos


excepcionaise aparentemente imprôprios. porque no fundo.as.meus desenhos
testemunham antes de mais nada a necessidade de descarga (como na corrida
muscular de Renato), o não poder pensar sulicientemente, e a cxigéncia de uma
Contençao, de um limite, uma vez posto oqual, poderiam em seguida acontecer
as
translormaçóes e os
compartilhados processos de pensamento.
Inúildizer que considerei todos os personagens da sessåo como lunçdes e
hologralias do par e das trocas emocionais do mesmo, tambm como pontos e

de partida para a narração de emoçóes aletos que, de


modal1dades incontunen-
e

tes,viravam para a pensabilidade e a comunicabil1dade verbal1zada, no fundo


Figura I4 0S protopersonagens.ao nascer testemunham aqueles
que ja detini como "agre
62 63
A tecnica na psicanal1se nfantul

translor
talvcz seja preciso olerecer o exercicio capacidades
gados lunconas, ds quais volarea lalar nolunal do capltulo, e no capitulo de
raiva de mim..,
sobre dalogo fora de csquemas interpretativos rigidos
madoras da mente do analista na sessao, os
nós, mas de desespero para
Cpréconstituidos, grades de
certeza para

tome corpo alguma coisa produzida pela


pacienies. devo então csperar que de Carlo no
Snhar o denho a manhu negia de Carlo nossas
sonho
duas mentes juntas, cómo confirmará um posterior

sala, aparece "algo de horrivel que eh nascem os cabelos e os pélos,


qual, numa
uma lorma",
Carl enm menno le sete anos que está procurando conter, dar lugar, se tiver alguém quc se acupe dee de perto cresce e assume

que porém,
distungir os proprios senumentos que antes eram violentamente evacuados. um outro sonho em que "um negrinho
cntra na lloresta para
a esse seguirá
Tem na sessao uma furiosa cnse de ciùmc, em parte ligada aos sinais da conhecer os animais que ai vivem".
passagem no horario anternor de um outro menino pela sala de análise. às vezes, uma defesa contra a expansão
As interpretações podem então ser,
Antes da explosão de ciume ele tinha feito um desenho, do qual me tocara evitar reconhecer as nossas próprias partes
mais animais e
da mente, para et al., 1989).
nova capacidade de conter nas
mnargens do mesmo as (os sentimentos?) cores, nossas partes recusadas (Neri
primitivas, os nossos "monstros",as encontro
a
troca de identilicações
c no qual inquictara uma mancha negra sobre a qual não soubera o que
me reativar justamente no e na
que podem se criação de um campo emo-
pensar partes escuras? destTuUvas? projetivas com paciente, como pressuposto pela
o

Caulo tem a crise de ciume. Eu "interpreto", ineficazmente, a sua füria, a sua os afetos.
cional e pela capacidade de verbalizar
desenho (com as mesnmas cores)
no
1.aiva,o cume pela passagem na sala de algum outro, de modo predominante- A distância de meses, Carlo me faz um um
como uma matrioska,
menie v o . porquc no sei como lazé-lo parar enquanto grita e joga tudo no sete anos que contém,
qual há um menino grande de fazer aniversárioe
chào mas que está para
menino pequeno de um ano e meio,
não lora
Depois. passada a crisc, Carlo me diz textualmente: Nãoé assim que vocé me cresce.. no lugar da mancha negra: agora-é uma
parte criança, que
não fara possivel reconhecer), que
deveJalar. quandocstou mal, Jicocom maisraivaainda; vocë deve medar algo de possivel pensar antes (e cujas neessidades ciúme
sCu, que nme Jaça entcnder tu nao estou so, quc vocé nào está bravo comigo, assim se estrutura e toma "corpo" no/lugar
da mancha negra. Não se tratava de
"torrão" de neces_sídades infantis que precisava
de destrutividade, mas de um
CU SOLLLDniC acao ou

Tco muito impresionado com


que meafirma, interrogo-me sobre o que ser "formado" e em seguida reconhecido.
me pede. sobre por que me diz que sâo inelicazes, e mesmo nocivas, interpreta-
çõcs tão dirctas, e penso no que fazer com ele...
A noue tenho um sonho. n sala de análise das crianças vejo algo de negro Desenhar o sonho: a chave de Salvino
que cam1nha, cscorrega quasc, sobre a parede, não entendo o que é... aproximo
me c uma, "mancha negra" quc parece caminhar... não, é uma barata cada vez Salvino, de doze fase adiantada da análise, e não consegui-
anos, está numa

nosso trabalho (isto ligado


também
maior.. nao sei conmo comportu-me. parcce-ine no ter os instrumentos, caute mos ainda estabelecer uma data de final do
fatos históricos da vida do paciente); quando
fica preocupado com
losamente pego uma vanhae começo a cnlrenta-la... golpeio-a como posso, a particulares
terminar análise, tem u n sonho em
perceba a sua necessidade de
a
cada ve: mais lote. cada rez mais inunlmenic... a barata se enlurece cada vez que eu não
chaves que mudaram "na cabeça,
porta agora pode ser aberta, graças
a
mais c gcnne que uma
Assn que l do nne digo que o sonho me ajuclou a recuperar quanto era embora mantenham o mesmo corpo".
o sentido do seu sonho,
traz-me
maneha nega, um buraco Preocupado em não conseguir exprimir
meaçadur. para m m de compreensão,
uma zona
talve: de nao "pc1sabil1dade da menic de Carlo, mas também uma zona escura folhas de papel onde se atormentara desenhando "chaves
com cabeça muda-

chamava de "cabeça" a parte dentada


Cnao pensada da nossa relaçao. c o quanto eu me delendia dela atacando-a com da, mas com o mesmo corpo, em que
uma composição interna dilerente,
e "corpo"a parte fixa da chave;
era então
pscudo-nterpretacoes de caraier evacuador e delensivo.
Talve: nào scja cntio questio de interpretar tãoativamente o ciúme e raiva,
a uma denteação diferente que lhe permitia abrir a porta do luto e do fim da
de Carlo, c sobre o caminho que ele análise.
mas cp1ecIso iclletur sobie as palavras necessidade de lazer-me ver concretamente as
cntender que não está com O desenho respondia à
mesmo ind1ca dizendo n c De-nmc ulge de v c u . Jaça-me
4 Ferro

uturaçao interna, que cle temia nao losse


mudanças de composição e
est que eu

ainda capaz e seguro de ver

Desenho de contratransferència fora da sessdo

Uma ha tempos em supervisâo para a psicoterapia de uma


psicoterapeuta
durante um periodo de ausência do traz-ime
criança muito pequena,
A
mesmo,
conheci
sessao de uma menina de oito anos. psicoterapeuta, que como muto

atenta aos problemas do setting. conta-me, scm tdar importância, que ja hà dois
anos começa esta terapia dando à menina quatro balimhas e licando com ouiras

si; das suas, cla da duas an nina duas.


c come cla mesma as ouras
tantas para
e guarda duas para depois da
a menina, por sua vez. com: obalinhas
sessão.
Enquanto isso eu, que já estou espantado com esse comcço, nào digo nada
somente penso comigo mesmo no domador de um circo que, antes de entrar no
picadeiro, sinta tanto medo das feras que Ihes de sedativos, reservando tambem
para si mesmo uma dose, que dividirá depois, considerando mais urgente
sedar
as feras.
A sessão se desenrola com os desenhos, feitos pela menina, de um homem
e de uma mulher, que ela furará depois repetidamente com a ponta aguda dos
terapeuta intcrpreta alguma coisa referente à diferença dossexos..e a
lápis... a Figura 15
angüstias de castraço por causa dos lápis que se quebram (enquanto isso cu
penso nas punhaladas de Brutus, ou melhor, de um bruto). a terapeuta
parece ecoar na cab:ana com Janelasolhos esbugallhados e porta-boca cscan-
evidentemente não pensa, está paralisada pelo terzór.. poderia dizer que cla não
carada,aterrorizada, que teme nào conseguir acollhere conier a pequena
é capaz de fazer o proprio trabalho, mas nåo ¬ assim, porque eu a vi agir com
selvagem; preocupada cm ser sobrepujada por el. teme ser desorganizada
competencia em situaçoes diferentes e dificeis.. se olho para o material da como continente.
menina, é claro que existe uma furia homicida para com a terapeuta (me e pai?)
Um comentário caberia ainda: nào sao tio signilicativos nem a atuação da
... mas se olho a dupla posso entender mais: há justamente uma paralisia do
terapeuta (as balinhas), nem as atuaçóes interpretaluvas (as interpretaçoes
balinhas calmantes, terror que
pensamento, o terror que faz com que se dêem delensivas), massim o nao ter pocdido pensar sue deverunctabolizar esses fatos.
faz dizer coisas absolutamente insensatas diante da füria da menina, füria que A propósito, não posso deixar de lembrar o conto de um mcu pacicnte
cresce tanto mais quanto mais a terapeuta se defende.. psicótico, não me recordo se irado da sua histor. lamliar ou se de um lilme
me mostra a este ponto um desenho que ela
Quase por acaso, a terapeuta que narrava sobre um pugilista violenussimo cujus advers.urtos costumavam
mesma fez (fig. 15) depois daquela sessao: uma menina selvagem, negra, com a mandar-lhe jovens moÇas para que o cxtcnuassem, le modo quc depois, no
lança e a cabeça cheia de penas vermelhas (uma cabeça em chamas?) está diante ringue licasse mais låcil para cles: inuul d1zer que me reconhec1 no meu cativante
de uma cabana de folias queé desenhada com duas janelas dos lados,no alto,
amansá-loe no deslerrar, somente quando sentua a situação sob controle, os
e com uma porta no centro; diz a terapeuta: "Parece a casa de um dos porquinhos
meus golpes intepretativos, mas essa acdvertencia do paciente me ajudou a
na história dos três porquinhos e o lobo.. a casinha de palha". elaborar quâo grande era o terrorque sentia em relaçào a ele.
Eis a chave de leitura que a própria lerapeuta fornece: há unma pequena
Deveria disso claramente como as-delesasdo analista, por sua vez, estrutu-
selvagem canibal, violenta, primitiva, e a. terapeuta, cujo rosto assombrado ram e modilicam o campo, cim consequènc1a, o cslorço conttauranslerencial e

66 67
A lecnica na psicanalise infantil
Ferro

disponibilidade a compartilhar com a paciente a "assombrada admiração" por


todos os cometas que, parafraseando uma sugestiva metáfora de Di Chiara
(1990), podem aparecer na sala de análise.

Te ho po AS PALAVRAS COMO "DESENHO" NA RELAÇAO,


NA ANALISE DOS ADULTOS

Gostaria de evidenciar, por intermédio de um breve exemplo clinico, como


as "palavras" dentro da sala de análise sao semelhantes a desenhos dentro da
relação, coma intenção de sublinhar assim a capacidade de transformação das
linguagens e dediminuiras diferenças.cntreandlise de crianças e de adultos.
Foi Tiziana quem fez pensar claramente no texto verbal de uma
me
sessao
como um quadro desenhado por meio de palavras, num periodo em que eu
a máxima atenção à comunicaçao, entendida naquele momento como comuni
dava
cação a ser considerada primordialmente na transferência, e como tal necessita
da de uma constante explicitação.
Tiziana é desde menina "noiva" de um joveme promissor aluno da Academia
de Belas Artes, com o qual vive uma relação muito intensa.
Na análise, o noivo "pintor" apresentar-se-á em dois modos: às vezes será o

próprio analista nos seus afrescos interpretativos, na urdidura e na composição dos


próprios enunciados, outras vezes será uma parte da paciente que oscila entre duas
modalidades.de.organização, uma narcisista-destrutiva, a outra criativa.
Figura 166 Anarcisista será"o noivo que destróiosquadros quefaz" (nesse periodo
paciente nao trará nenhum sonho), a criativa, "o noivo que pinta e que conserva
a

auto-analitico torna neccssar1as alinaçocs de um insurumento submetido conti osquadros" (a paciente trará os próprios sonhos à análise). Mas, por sua vez,
nuamente a solicitaçoes: os personagens da sessão, desenhos, sonhos, lornecem isso refletirá duas modalidades de interpretação do analista (num jogo infinito
de remetimento de espelhos): a narcisista (Brenman, 1977), que destrói os
constantementeocasiðcs c meios paraesse tipo detrabalho.
"quadros", simplesmente porque estimula a inveja e a cómpetitividade da
O "desenho" na análise dos adultos paciente, e a criativa, resultado de uma ligação (O) com a paciente.
Como tempo, Tiziana colherá das quadrosdo noivo, das minhas interpretaçðes,
Encontramos um precc dente cláss1co na belissima análise de Susan, condu- doseu mundo interior, a qualidadeea tonalidade emocional; "o noivo pinta segundo
zida por Milner (1969). combinações de cores": é assim que a tonalidade afetiva das interprctaçoes será
Tambem Fachinelli (1983) propos, recentemente, um material gráfico trazi- colhida no seu todo, dar-se-4 atenção ao delinearse, ao organizar-sc, ao diversiñicar
do por um pacicnte durante a análisc. Como isso não ocorre freqüentemente,
sedas própriassensações. dasquaisteráquaseumapercepção.cromatica,e
num segundo tempo "o noivo passará a uma técnica fîigurativa".
somente
parece-me útil acrescentar um outro testemunho através do desenho (fig. 16) de
Então, minhas interpretações, será possivel colher também
uma paciente adulia, onde se nota uma propensão intempestiva de minha parte
a descobrir signil1cados antes mesmo que emoções e aletos tenham encontrado
das
descritivo, e das prôprias emoções, também o elemento tigurativo.
o
conteüdo
um livre trânsito. Nos dois iempos do desenho é evidente a mudança de Percebo assim as
qualidades da minha pintura verbal, o ajuste de tons, certas
expressào do rosto, da alegrna pulsante a desilusão triste, enquanto que de minha caracteristicas das minhas cores, e vou à "escola de pintura" da paciente, que me

parte veio uma resposta ind1cadora de ruminação intelectual mais que de


69
68
A Ferro A técnica na
psicanúlise mfantl

fazer quadros que correspondem cada


vez melhor ao que ela experi- buem em
igual medida o analista e o
ensina a pacientc, mesmo cabendo primeiro
ao a
menta e sente durante a sessåo.
aprende
responsabilidade pela modulaço dos aconicimen:os do
campo. A conjugaçao
paciente também vem à minha "escola pinura" e por
de sua vez
desses pontos de vista
Mas a permitirá o modo de ver cxposto no
próximo parágrafo.
comigo como passar do cromaismo puro
das sensaçdes a uma técnica figurativa,
das prôprias emoçðes e sentimentos.
que comporte o reconhecimento eadescriçao
Dois sonhos de Tiziana testemunham esse percurso. O DESENHO DE PALAVRAS NO CAMPO
vermelhos
No primeiro aparece uma mulher da Renascença com os cabelos
associa Fanny Ardant; segundo, cu dou a uma andorinha
(euma trança), qual
à no
Parece-me cada vez mais possivel assemelhar toda a
uns flocos para construir o ninho. E assim que sonha o sucesso de um processo parte dialogada cle uma
sessão a um desenho de caracteristicas
peculiares: uma continua mobilidade de
de formaçao de um "lugar" onde possa guardar os próprios pensamentos e todos os componentes, como num
sentimentos ardentes, problema que nos empenhara pormuitotempo, desde que quadro vivo.
O setting fornece a moldura, as emoçôes da
me trouxera um "paste!" do noivo que mostrava uma menina alita com um rasgo dupla proporcionam a tela e as
tintas, as palavras têm função de agrcgaçâo c organização das
no abdome, ou melhor, uma lämina branca, que indicava a falta de ütero: de útero mesmas, al que
delas derive uma lorma, uma estrutura no mais das vezes como
para as crianças, de lugar mental para sentimentos e paixöes.
contos, histórias, alternadamente do reino animal,
personagens,
Apequena releição ("pastéis" seråo por muito tempo os trabalhos do noivo) vegetal, ou mineral, c assim
por diante... mas estas liguraçoes, quc variam de acordo como estado
serão os flocos com que construiremos a sua capacidade de pensar e viver emocional
e das relações do
par, nada mais são do que o único modo de quc as mentes
emoçöes com autonomia... que após anos de extenuantes evacuativas "tortas de
chocolate", será vista ocupada em misturar, mexer, provar novos ingredientes e
dispõem para narrar o que acontece entre elas, sobretudo por meio da roca de
novas modalidades de relação, na sua cozinha afetiva: até fazer as crêpes, com
identilicações projetivas cruzadas.
E fascinante seguir, nesta
as quais entre raiva (crepa!) ...e dor (crepo!) se constituirá a capacidade de criar óptica, a entrada em sessão de um
"personagem",
algo de novo, fruto de trabalho e de pensamento.
o seu
movimentar-se, transformar-se, sair de cena para se ver
substituído, ou
acrescentado por um outro
"personagem" (de uma anedota,
de uma lembrança,
Como se vë, a atenção do analista para com o hic et nunc da relação, a
de uma história, de um sonho...), mas
interpretação é certamente modulada pela resposta do paciente quanto a"velo sempre para dar forma e cor a tudo que
acontece no funcionamento mental do
par naquele momento.
cidade-distància" (Meluzer. 1976), mas é sempre uma interpretação direta e
explícita da relação.
Modelos diversos interagem de modo muilo diferente em
dros vivos" das sessões; mesmo relação aos "qua-
Os próprios pacientes me sugeriram que esa modalidade
seria de escuta entram na construço
aqueles com
pretensões de maior neutralidade
"estreita demais", quer pela proximidade.às vezes excessiva que pode gerar com do campo, considerando também o
fato de que muitas
a ativação de fantasias de
indistinção, quer no que diz respeito à liberdade
vezes as
interpretações se colocam como delesas da mente do analista, contra a
da dupla trabalha e quota de dor mental que não pode ser assimilada ou
criativa que propria liberdade da mente do paciente de
à Como resultado dessa
translormada.
gerar "pensamentos", que não recebem continuamente a "não-confirmação" que conceitualização, o analista assume plena
o inevitável deslizamento de
plano e de sentido da interpretação forte e univoca
bilidade e consciëncia da responsa
própria vida mental, do modo em que ela se apresente,
ao estruturar o
freqüentemente comporta. campo emocional, afetivoe
vida, entre as muitas histórias lingüistico com o paciente, e ao dar
Abre-se então perspectiva a de
considerar as interpretações diversamente, possiveis, àquela única e irrepetivel derivada
conjugando o que deriva das conceitualizações de Bion em relação à "insatura- daquele encontro analitico, todos os
com
ções especilicas. E
enriquecimentos criativos e as mutila-
isto vale durante toda uma
ção" e ao "Lempo" necessário para comunicar uma intuição, com o que deriva cada subunidade da mesma,
se
análise, vale igualmente para
do assunto forte "de dupla" dos Baranger, isto é, o considerar a situação analítiea semana ou hora
E um modelo que seja.
como sendo constituida por um campo bipessoal para cuja estruturação conri que comporta a pergunta: "O
estrutura no campo?".. não como que eu tenho a ver com o que se
coação a repetir, ou lantasmas do
projetados, mas sim como sinalizações por parte paciente
del:s, do que está aconiecendo,
N.T.: em italiano, uin jogo de palavras cnure pasto (rcleição) e pastcll1 (cdiminutivo cle p.isto). mesmo que de um vértice no
2 N.T.: novo jogo de palavras com crepes e crepa (morrc) crepo (Imor ro) Isto,
momenlo desconheciclo para nós
com a consciência de que o lluxo de inlluëncia e
reciproco não somente
70
A técnica na psicanálise infantil
Femo
como no
do analista interpretações comida/criança,
ao assumir as
anal1sta inllucncia este,. por sua vez, inlluencia o analista, numa dependente de depender
mas deve ser o analista capaz
mas
o o pacienic,
circulandade nào so do "dialogo analitico", como diria Nissim Momigliano (1984), fundo é aceito pelas partes neuróticas,
Se um paciente disser: "Meu pai fica
mas também,c sobretudo, na continuae reciproca troca de identilicações projetivas. das necessidades emocionais do paciente. nos
família, nunca
conosco em
Nesta opica, o pacicnie "mclhor colega (Bion, 1980) cxerce a função demais no trabalho, demais no hospital e pouco
certamente
muito nos coloca sobre os joelhos", não será
contramcstre quc nos conta de novo e conunuamente tudo o que acontece de toma pela mâo e menos
funcionamento mental
solicitação de um
a
erotizaçáo que estará em jogo,
mas
de vista SecT1a nsensalo, creio cu, usar este plano de leitura a
menos (explicita-
nt interprete e trabalhe
plu.nclo , mo incce sugeiir Tangs (1975-1978), o capitão responsável diferente por parte do analista, para que
escutando mais também o nível manifestado do paciente,
sunalizaçðcs para útil mente), acolhendo e e lica
pela ona. puso, deve aprovetau cssas manter a rota
funcionando como o pai que acompanha
que consenie que as partes psicóticas da respeitando o seu texto, e
paia a navegagto in e, aquela
aletuosamente por perto, mais do que
como pai sempre
no trabalho.

1personaliedade enham
quelas "eahzaçdes" quc nunca tiveram. na sessão gera,
são múltiplas as
Se depois de una sesäo considerada muito intensa pelo analista, a pequena Nos quadros vivos que o emparelhamento
interferências e os incômodos, no mais
das vezes gerados justamente pelo
paciente contar que a rmazmha teve uma congestão e perdeu os sentidos depois como o grande
assumidor
de ter comido "nsoto" demais em poucos miinutos, isto será um sinal, para o analista que, fundo, funciona (e deve funcionar)
no
tal, coloca-se como veiculo
analista, de quc uma carga cmocional intensa demais e condensada (risoto: das identificaçðes projetivas do paciente e, enquanto chamará
em cena de um dado
funcionamento mental que o paciente
riso'/alimento, riso/emoçao) laz com que a "lunção" irmåzinha perca os sentidos de entrada
do "Z.
(desimaiar/ perdcr as ligaçocs), c que deverá ser reduzido o regime interpretativo depois de modo "X", ou através personagem no recebimento da
um choque campo, é o
Mais que a interpretação que gera
c relacional,. para que nao ocorram "perdas de
signilicados" sinalização do paciente sobre o que
acontece que permite uma modificação gradual
Sc uma outra pequena priene sonhar que cobras se aproximam dela, enquanto dos "personagens" da sessão como
a mae Ihe diz para nâo se preocupar, c que o pai a colocou ao volante de um caro das intervenções, e, portanto, a transformação
do par enquanto trabalha (Ferro, 1991, 1992a,b).
muito veloz c, mais, que cnconrou no caminho o analista, que quase a atropelou, expressões do clima emocional
V sobre o diálogo.
Masveremos melhor tudo isso no Capitulo
jogando em cima dela a propua lilha, separando a paciente da mão da mäe, o analista
não poderá deixar de se perguniar o que ativa as cobras, onde estão o pai que Ihe
coloca à disposição um carro veloz demais, ou a mae que não entende o perigo;
ALGUMAS REFLEXOES
pensará ainda, que sua propria ilhajogada sobre a menina foi uma sua interpretação
"certa", mas pensada sozinho e jogada sobre a paciente: como, de fato, interpretara clínicas propostas, porque
"o irmão que tinha raiva dos sulistas" como uma parte agressiva da paciente, que Deixarei sem comentário posterior as seqkências
acredito que o pode
modelo subtenso ser facilmente inferido das situações
tunha raiva do analista, ainda não era o momento, havia no campo uma menina que
necessitava que a mae mantivesse ali aquele "irmo perigoso". descritas.
Todo esse nivel intratextual, ou subtextual, não será certamente interpretável Gostaria somente de acenar com algumas possibilidades de ver, também através
de dos desenhos statu nascenti, os "agregados funcionais" (como no exemplo dos
para o paciente, por esta óptica, toda a sessão não será mais que um sonho ou das transformações Robô Pinóquio),
contratranslerência que ajudará o analista a regularo próprio estado mental e personagens do pequeno bisão, ou do avião,
o desenho como
no sentido de que existe sempre um vértice do qual se pode olhar
interpretativo para reencontrar aquelas funçoes especificas de que o paciente
"agregado funcional", e somente sobre eles eu gostaria de dizer algo mais.
necessita, por exemplo "uma máe que a conserve perto", que os
entenda perigos
da pressa, das associaçôes velozes demais e talvez imprôprias, de partes cindi-
Se é verdade que a troca entre analista e paciente é mais ampla do que a
verbal, e que ao lado das palavras existem outras modalidades de comunicação
das: c depois, por que deveriam ser somente dos pacientes?
Aqui se inverlc o conceito de dependëncia: näo deve mais
ser o paciente (especialmente através das identificações projetivas de um e de outro, sobre um
e sobre outro), isto leva a uma consciência sempre maior de que não é sempre
tão imediata a possibilidade de atribuir a um dos dois membros do par analítico
Vide nota da uradutora p 56 as partes e os luncionamentos cindidos, e como estes determinam os aconteci-
2 A mesma pacicnle, apos uma nunha interprclação que combinava duas partes cindidas precoc
nente, ten o que delin1re1 "uin audiograna onurico" e ouve rcalmente as vozes dessas "partes" mentos da sessão. Rosenfeld (1987) ressalta a capacidade do paciente de sonhar
que "lalam dentro da sua cabcça

72
13
A técnica
A Ferro
na
pucanalse mfal

mundo real... Problema que pode ser zerado


da mente do analista e, alem disso, as intcrferências que estas considerando personagem, o
o
as partes cindidas desenho, ou também toda comunicaçáo do paciente.
a
na sua ordem mental e inierpretativa. em oscilação com os outros, a
por um vértice, mantido
podem deieminar lembrado ou nâo ao acordar, é considerado partir do qual e possivel consiclcrar
O sonho da noite, que pode
ser somcnic
como a amostra de um procedimento
continuo personagens (ou narraçóes) relacionadas coin a sessão, dramaticainenie
Bion, e retomado por Mellzer, cena, sunção e precipitado variávcl do
cin
por luncionamento do par No
seja quando dormimos, seja quando estamos acordados. lundo,
que acontece

na sessao està presente um


funcionanento onirico das duas agregado funcional não exprimiria nada mais quc o coneito ao do
o

Assim, também
bastiao, como é descrito pelos Baranger um lluir cde oposo
fluxo reciproco de estlmulos c de identificações comunicação variàvel em
mentes que se sonham no contraste com um
conhecer os derivados desse "sonho" em vigilia como precipitado estático, marmorizado, de idenuficaçóes
projetivas, podemos vas
reciprocas, que cristaliza situação como no impasse ou ao assuinir projeli-
a
e, em
emergem nas imagens, nas associaçðes, nas narmaçðes
lantasias, nas
fruto de identificações projetivas que papéis,
oniricos da vigllia", verdadeiras obriganm urna pos1ção fixa (Gear et al
a
algumas situaçðes particulares, nos "Totogramas 1976).
no exterior (vide Cap. V).
imagens do sonho projetadas Naturalmente, tudo isso vale para o desenho, para o
Nesta optica, os personagens, as narraçðes, as lembranças, os desenhos, por jogo, para os compo-
sessão, podem repensados por um vértice como
nentes dialogados onde será ainda mais lácil mos1rar este
ponto de vista em ação
exemplo, cevocados durante a ser
"sinteses de funcionamento" do par naquele momento, que mudam e se trans
o seu contínuo interagir dependendo das
formam continuamente, segundo e

qualdades do mesmo.
Pensamos, com Bezoari, conlorme o que já escrevi na nota 3 do Capítulo I,
no termo "agregado luncional". para delinir numa área quase transicional,
a nem

sempre clara atrnbuiçâo da composição de um personagem' a um ou outro


ator/autor da cena analitica: sua parte minha parte s u a parte projetada... Sua
parte projetada e assumida por mim ou assumida por mim mais alguma coisa
minha c quanto de mim., isto é, o conjunto dos problemas postos pela
concepcdo forte e relacional das identilicaçdes projetivas e do assumir um papel
como tem aparecido nos trabalhos já citados, a este propósito, no Capitulo l1.
Estas são, todas, variaçóes de formas e de atribuiçöes que necessitam
frequentemente permanecer por muito tempo indeterminadas, antes que se
possa explicar o seu estatuto relacional cxplicitável (ademais, não é a explicitação
desse estatuto que conta, mas como aos poucos essas "formas" se transformam
no jogo das interaçoes mentais).
Estamos habituados a pensar em termos de partes cindidas e abusamos por
muito Lempo daquelas feias interpretações como "e uma parte de você que,
como se fosse possivel uma funçao espelho do analista, de tal modo que não
estruture o campo que ajuda a delinir... com todos os problemas relativos a
como considerar os personagens trazidos à sessão, se do mundo exterior, se
partes do mundo interior, se aspectos próprios projetados em personagens do

vale tanbem para nartação arliculada,


1 Falo de "personagem" porque e mais sunples, nas uma
um sonho, uma leinbrança, uma anedola
de
2 N.T. em itallano parte pode
signilicar "papel"de personagem
o
"partc" ou um
todo.
3 Ou nas
inversoes de fluxo partes de mim assumidas
projetadas e voce, por coim quanto de seu?.
c assim ao inlinito

4 15

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