Você está na página 1de 20

Curso Online: Formulação de dietas

para bovinos de leite

Módulo 4

Módulo 4 – Balanceando Carboidratos


Prof. Dr. Marcos Neves Pereira
Médico Veterinário – UFLA/MG

Texto escrito pelo Engenheiro Agrônomo MSc. Alexandre Mendonça Pedroso para a
AgriPoint, a partir das aulas preparadas pelo Prof. Dr. Marcos Neves Pereira.

INTRODUÇÃO

Os carboidratos (CHO) são a principal fonte de energia para os microrganismos do


rúmen, constituindo-se no nutriente de maior participação individual (70-75%) nas dietas
de vacas leiteiras. Além da importância quantitativa, o que confere a este nutriente alto
impacto sobre o custo de produzir leite, também merece consideração o reflexo dos
mesmos sobre a composição do leite.

O balanceamento dos carboidratos da dieta deve considerar que estes nutrientes


dividem-se em dois grandes grupos. Os de degradação lenta e que ocupam espaço no
rúmen e os carboidratos com alta velocidade de degradação. Os carboidratos de
degradação lenta são medidos quimicamente como Fibra em Detergente Neutro (FDN).
Os de degradação rápida são os Carboidratos não Fibrosos. Uma distinção terminológica
importante é a diferença entre CNF e Carboidratos não estruturais (CNE), similar à
diferença entre FDN e Carboidratos Estruturais, conforme já abordado no Módulo 1.

Os carboidratos também representam um elo entre a dieta e o programa


agronômico de produção de forragens: leite baseado em cana é leite oriundo de sacarose;
leite baseado em silagem de milho ou sorgo é leite oriundo de amido, leite baseado em
pastagens tropicais é leite oriundo de fibra; leite à base de subprodutos fibrosos pode
reduzir a necessidade de produção de forragem por unidade de leite produzido.
Outro ponto que deve sempre ser considerado quando o assunto é carboidratos é
sua estreita relação com alguns problemas metabólicos, como a acidose ruminal,
problema normalmente associado à redução do teor de forragem das dietas, com
concomitante aumento no teor de CHO rapidamente degradáveis, o que também pode ter
um grande impacto sobre a lucratividade de sistemas de produção de leite.

RELAÇÃO FORRAGEM:CONCENTRADO

Na década de 70 a relação entre forragens e concentrados foi inicialmente


utilizada para descrever os carboidratos. Desta prática advém conceitos ainda
ocasionalmente vigentes, como o de que vacas leiteiras deveriam consumir dietas com 40
ou 50% da matéria seca oriunda de forragens.

Este conceito é falho, pois não considera diferenças de valor nutritivo entre
forrageiras. Uma forrageira de baixa qualidade não resulta em resposta produtiva similar à
de uma forrageira de alta qualidade e, portanto, necessitaria ter menor inclusão dietética
quando da formulação de dietas idênticas nutricionalmente. A relação entre forragens e
concentrados também não considera o processamento físico das forragens (tamanho das
partículas). O conceito não consegue diferenciar a resposta ao fornecimento de um feno
com partículas longas, da resposta à mesma forrageira moída finamente. Outra falha seria
a desconsideração da natureza dos concentrados. Concentrados ricos em subprodutos
fibrosos não são idênticos a concentrados ricos em amido ou outro carboidrato de
degradação rápida no rúmen.

CARBOIDRATOS FIBROSOS E CARBOIDRATOS ESTRUTURAIS

Carboidratos estruturais são aqueles que dão sustentação às plantas, definindo


sua estrutura física, podendo ser fibrosos ou não. Considera-se fibra todo alimento de
degradação lenta e que ocupa espaço no rúmen (medido como FDN). Quimicamente é
representada por hemicelulose, celulose e lignina. A Fibra em Detergente Ácido (FDA)
seria a FDN subtraída da hemicelulose. O teor dietético de FDA tem pouco valor prático
na formulação de dietas, tendo valor na predição do conteúdo de energia de forrageiras.

A pectina é um carboidrato estrutural, mas é de degradação rápida no rúmen, e


portanto não é considerado fibroso. Farinhas de origem animal também têm FDN, mesmo
não sendo células vegetais - não têm Parede Celular.
CARBOIDRATOS NÃO FIBROSOS E CARBOIDRATOS NÃO ESTRUTURAIS

O balanceamento de carboidratos evoluiu para o uso da FDN e dos Carboidratos


não Fibrosos (CNF) na formulação de dietas. A fração mais digestível dos CHO não está
contida na FDN. Os CNF incluem os açúcares, amido, pectina, e outros CHO de reserva
menos importantes. A fração CNF é calculada por diferença, segundo a formula abaixo.

CNF = 100-(FDN+PB+EE+Cinzas) ou

CNF = 100 - (PB+EE+(FDN -PB na FDN)+Cinzas)

A fração FDN-PB representa a proteína indigestível contida na FDN. A primeira


equação é a de maior uso prático, mas a segunda é teoricamente mais correta, pois faz a
correção para o nitrogênio associado ao resíduo da digestão em detergente neutro. A
secunda equação evita com que este nitrogênio seja contabilizado duas vezes, como PB
e como FDN.

Já os carboidratos não estruturais (CNE) são determinados em laboratório, por


métodos enzimáticos, e incluem apenas o amido e os açúcares. As concentrações de
CNF e CNE não são as mesmas para muitos alimentos, de forma que não devemos
utilizar esses termos como se fossem idênticos, como mostra a tabela 1. Na fração CNF
de forragens ensiladas também existe alta proporção de ácidos graxos voláteis (AGV). A
química dos CNF deve ser considerada pelo nutricionista quando da caracterização dos
diferentes alimentos. Microorganismos ruminais digestores de carboidratos são bem
específicos quanto ao substrato preferencial. Por isto mudanças no perfil de carboidratos
dietéticos, seja fibroso ou não fibroso, requer tempo de adaptação da flora ruminal para
que seja detectada resposta produtiva ao novo substrato.
Tabela 1. Carboidratos não fibrosos e não estruturais de alguns alimentos.
Composição do CNF
FDN CNF CNE Açúcares Amido Pectina AGV
Alimento --------------------------------- % da MS ---------------------------------
Silagem de alfafa 51.4 18.4 7.5 0 24.5 33.0 42.5
Feno de gramínea 60.0 16.6 13.6 35.4 15.2 49.4 0
Silagem de milho 44.2 41.0 34.7 0 71.3 0 28.7
Milho grão 13.5 71.8 70.6 20.9 80.0 0 0
Casca de soja 66.6 14.1 5.3 18.8 18.8 62.4 0
Farelo de soja 9.6 34.4 17.2 28.2 28.2 43.6 0
Adaptada de NRC (2001).

EXIGÊNCIA DE FIBRA E CARBOIDRATOS NÃO FIBROSOS

Os ruminantes requerem um teor mínimo de FDN na dieta para manter a fisiologia


ruminal e a saúde do animal. Por exemplo, em dietas formuladas com forragem, milho e
farelo de soja se recomenda incluir no mínimo 25% de FDN total (a soma da FDN oriunda
de forragens com a FDN oriunda de concentrados) na matéria seca dietética, desde que a
dieta contenha no mínimo 19% de FDN oriundo de forragens na matéria seca (FDNF).

É importante compreender como restrições nutricionais são entradas em uma


planilha computadorizada para formulação de dietas. Restrições aos nutrientes e
ingredientes podem ser colocadas como mínimo (Ex: quero pelo menos 17% de PB na
dieta), máximo (Ex: quero no máximo 1% da MS da dieta como uréia), como igualdade
(Ex: quero exatamente 0,35% da MS de determinada mistura mineral) ou com limites
mínimo e máximo (Ex: quero o Ca dietético entre 0,8 e 1,2% da MS). Tanto a exigência de
FDN como a de CNF são definidas como mínimas, ou seja, há necessidade de se prever
na dieta uma exigência nutricional de FDN maior do que X e uma de CNF maior do que Y.
O teor de FDN mínimo, define o teor máximo de CNF que pode ser incluído na dieta. Da
mesma forma, o teor mínimo de CNF, define o teor máximo de FDN. Não há necessidade
de definir limites máximos para FDN e CNF. Isso ocorre por que os teores de PB, EE e
cinzas variam pouco entre dietas. Via de regra, as dietas de vacas leiteiras contém cerca
de 70% de CHO e 30% de PB+EE+Cinzas. Logo, o limite mínimo de FDN
automaticamente limita o máximo de CNF, e vice-versa.
Outro fator importante que sempre deve ser lembrado é que o perfil dos CHO da
dieta pode apresentar variação significativa, principalmente em relação à taxa de
degradação ruminal (Kd), extensão total de degradação e taxa de passagem pelo rúmen
(Kp). Pode haver grandes diferenças no tamanho de partículas entre diferentes forragens
(fibra), bem como na sua habilidade de se ligar a cátions no rúmen. Dentre os CNF, o tipo
de composto, métodos de processamento, teor de umidade, e características do amido
também influenciam de forma decisiva seu processo digestivo, e conseqüente utilização
pelos animais. A tabela 2 mostra as variações na digestão ruminal do amido entre
diferentes fontes de CNF.

Tabela 2. Digestão ruminal do amido.


% do amido
Núm. de
consumido e
Alimento Variação experimentos
digerido no
revisados
rúmen
Trigo 94 1
Cevada 88 1
Milho de alta umidade 89-90 89.5 +/- 5 2
Milho floculado a vapor 79-94 84.5 +/- 1.3 10
Milho seco amassado 61-93 79 +/- 3.3 10
Milho inteiro 52-75 63.5 +/- 5.6 13
Sorgo floculado a vapor 61-96 78 +/- 3.1 4
Sorgo seco e amassado 39-86 62 +/- 4 15
Velocidade de fermentação: Aveia > Trigo > Cevada > Milho > Sorgo.

No caso do milho, as variedades normalmente cultivadas no Brasil apresentam


baixa disponibilidade ruminal, pois são de alta vitreosidade (milho flint), conforme já
abordado no Módulo 2 deste curso, e ilustrado nas figuras 1 e 2 e tabela 3. Em milho flint
existe uma matriz protéica que limita a acesso de enzimas microbianas ao amido do
endosperma. Em milho dentado a matriz protéica é mais esparsa, tornando o endosperma
farináceo. Maiores teores ditéticos de CNF devem ser requeridos quando o milho é do tipo
flint, desde que o amido é de menor fermentabilidade no rúmen. Esta é uma limitação
séria nas dietas brasileiras, já que milho é um importante alimento energético por aqui.
Figura 1. Degradação ruminal de milho duro ou macio em 3 estágios de maturação..

41.1
45
86.2

100
40
73.3

90
De gra da çã o e m 24 hora s

65.0
35

Re síduo de 72 hora s
61.4
80
70 30

42.3
60 25

16.9
50
20
40 19.0
15
30
10

4.8
20

3.7
1.9

1.2
10 5
0 0
De nta do 1/2 Linha do Linha prê ta De nta do 1/2 Linha do Linha prê ta
inicia l Le ite inicia l le ite

Flint De nta do Flint De nta do

Adaptado de Pereira et al. (2004)

Figura 2. Relação entre vitreosidade e digestibilidade de grãos de milho.

90
ruminal do amido
% de degradação

80
70
Brasileiros
60
50
40
30 40 50 60 70 80

% de endosperma vítreo

Adaptado de Correa et al. (2002).


Tabela 3. Comparação entre híbridos de milho cultivados no Brasil e EUA.
EUA Brasil P<
Taxa fracional de degradação do amido (%/h) 19,4 7,0 0,001
Fração A rapidamente degradável (% do amido) 31,0 6,1 0,001
Degradação efetiva no rúmen (% do amido) 77,4 48,5 0,001
Vitreosidade (% do endosperma) 47,0 73,2
Adaptado de Correa et al. (2002).

A disponibilidade de carboidratos de degradação rápida no rúmen determina a


síntese de proteína microbiana e o aporte de proteína metabolizável para o animal. A
excreção de proteína no leite responde à disponibilidade de CNF no rúmen e limitações
de CNF podem reduzir a produção de proteína microbiana. A exigência nutricional mínima
de CNF é aquela capaz de manter o aporte de energia para o animal e para os
microorganismos do rúmen. A tabela 4 mostra os efeitos de diferentes teores de CNF na
dieta de vacas leiteiras, sobre o consumo e desempenho dos animais. A excreção de
proteína no leite é usada para definir o limite mínimo de CNF na dieta. Nestas dietas,
baseadas em alfafa e milho de alta digestibilidade (dentado), a redução no teor de CNF
para valor inferior a 30% da MS por inclusão de subprodutos fibrosos reduziu a proteína
no leite, indicando que pode ter havido redução na síntese de proteína microbiana no
rúmen.
Tabela 4. Efeitos do teor de CNF sobre o consumo de nutrientes, produção e composição
do leite.
CNF na dieta (% da MS)
Ingrediente 40,7 35,4 30,4 24,8
Alfafa 47.5 47.5 47.5 47.5
Subprodutos (1) 3.4 13.4 25.8 37.4
Nutriente
FDN 28.2 32.9 37.4 42.9
FDNF 20.5 20.5 20.5 20.5
Amido 32.9 28.5 24.0 17.6
Resultado
CMS (L) (Kg/dia) 27.6 27.2 26.7 25.8
Cons. FDN, % do PV (L) 1.14 1.30 1.45 1.62
Prod. Leite, Kg/dia 40.2 39.7 39.7 39.5
Proteína no leite, Kg/dia (L) 1.23 1.20 1.20 1.16
Proteína no leite, % (L) 3.07 3.02 3.02 2.95
Adaptada de Batajoo & Shaver (1994).
(1) = resíduo de cervejaria + casca de soja + farelo de trigo
(L) = efeito linear

Há que se questionar se as recomendações disponíveis para teor de CNF,


geradas a partir de dados americanos e europeus, servem de fato para o Brasil. De
qualquer forma, a seguinte regra é válida na grande maioria das situações:

• CNF máximo = 45-50%

• CNF ótimo = 38-40%

• CNF aceitável = 35-38%

• CNF mínimo = 25-30%

Em dietas de baixo teor de CNF a fonte de amido deve ser de alta disponibilidade
ruminal (milho de alta umidade, cevada, farinha de trigo, farinha de milho, mandioca). Em
dietas ricas em fibra e, portanto, com baixo CNF, a suplementação com proteína em
forma não degradável no rúmen (PNDR) pode compensar a queda na síntese de proteína
microbiana, conforme mostra a tabela 5.
Tabela 5. CNF e PNDR - (54 vacas alimentadas por 10 semanas).
Ingrediente 1 2 3 4
Azevém 39.8 39.0 39.2 40.3
Subprodutos fibrosos (1) I I
Fontes de amido (2) I I
Fontes de PNDR (3) I
Prod. Leite, Kg/dia 26.7 28.0 25.2 28.0
Teor Gordura no leite, % 3.70 3.34 3.90 4.03
Prod. Gordura no leite, g/dia 1000 900 980 1110
Teor PB no leite, % 3.33 3.30 3.14 3.29
Prod. PB no leite, g/dia 890 920 790 920
Adaptada de Sloan et al. (1988).
(1) = farelo de trigo, polpa de beterraba, polpa de citros, farelo de gluten de milho, casca de soja
(2) = cevada, mandioca, farinha de trigo
(3) = farinha de carne, farinha de peixe, glúten de milho

EXIGÊNCIAS EM FIBRA

Para que as vacas leiteiras possam exprimir todo o seu potencial produtivo, a
manutenção de certo nível de fibra longa na dieta é vital para estimular a mastigação e a
salivação, bem como a motilidade ruminal. O NRC (1989) prevê uma exigência mínima de
FDN total (forragem + concentrado) em 25% da MS da dieta. Destes, 75% devem ser
oriundos de forragem (18,8% de FDN oriundo de forragem na dieta). Essa é uma forma
para garantir certo tamanho de partícula na dieta, o mínimo necessário para manter a
função ruminal. Porém, o método é imperfeito, pois não diferencia forragens com
diferentes processamentos e armazenamentos. Apesar de falho, é o utilizado atualmente
para controlar o tamanho de partícula. Não existem recomendações práticas utilizáveis
em formulação para tamanho de partícula em mm, por exemplo, o que seria uma
exigência nutricional de fibra fisicamente efetiva. Este conceito será mais discutido a
seguir.

Esse método do NRC (1989) diferencia a FDN oriunda de forragem da FDN


oriunda de concentrados, mas não confere efetividade ao FDN oriundo de alimentos
concentrados. Essa exigência como proporção também não é ideal, como ilustra o
exemplo abaixo. Considere duas dietas hipotéticas, com diferentes teores de FDN:

1) 25% FDN - 18,8% FDNF (75%)


2) 35% FDN - 18,8% FNDF (54%)

A dieta 2 é melhor do que a 1, do ponto de vista de acidose ruminal (mais FDN,


menos CNF), mas não atende à exigência de ter 75% do FDN total oriundo da forragem.
A recomendação de balanceamento de fibra do NRC (1989) é questionável, apesar de ser
parcialmente mantida no NRC (2001).

A figura 3 mostra a composição ideal de uma dieta altamente energética segundo


o NRC (1989). Por este modelo nutricional esta dieta seria capaz de maximizar o
consumo de nutrientes sem causar distúrbios digestivos nos animais.

Figura 3. Dieta de alta energia segundo o NRC (1989) – composição


bromatológica e proporção de ingredientes.

47%
PB
EE
Cinzas
18%
FDNF
FDNC
CNF
3%

7%
6%
19% CNF = Carboidratos não fibrosos
= 100 - (PB+EE+FDN+Cinzas)
Mas será que uma dieta como a ilustrada abaixo é impossível de ser utilizada?

34%

16%
Mas será que uma dieta como a ilustrada abaixo é impossível de ser utilizada?

1% Fontes Protéicas
Min+Vit
Forragem
Milho
49%

E a dieta mostrada abaixo? Será impossível de ser utilizada? Pelo NRC (1989) ela seria
impossível, mas ela funciona na prática.

18%

5%
1%
32%

Fontes Protéicas
Min+Vit
Subprodutos
Forragem
44% Milho
EFETIVIDADE DE FIBRA

A partir do final dos anos 90, introduziu-se o conceito de efetividade da fibra. A


grande vantagem desse conceito é permitir a comparação de fontes de FDN numa
mesma escala. Dentro deste contexto, é possível comparar subprodutos fibrosos e
forragens, e forragens com diferentes graus de processamento. O teor e origem do FDN
dietético passa a ser determinado por economicidade.

Nem sempre se quer trabalhar com alto teor de forragem na dieta. A relação entre
forragens e concentrados é definida por uma série de fatores. Em algumas situações
específicas, pode ser interessante minimizar o teor de forragem na dieta, como por
exemplo:

• Quando a quantidade disponível é limitada

• Quando a qualidade é baixa, mas há alta exigência em energia

• Quando o custo por nutriente é alto com relação a outros alimentos

• Para permitir redução no capital e no trabalho de produção

• Para maximizar a quantidade de leite por unidade de forragem produzida

Fator de efetividade do FDN

Esse fator é medido empiricamente, utilizando variáveis que respondem ao perfil


de carboidratos da dieta, tais como mastigação, camada de fibra longa do rúmen (mat),
motilidade ruminal, teor de gordura no leite, pH ruminal e perfil de AGV no rúmen

FDN fisicamente efetivo (peFDN)

Esse fator foi primeiramente definido por Mertens (1986) como "roughage value",
que era a fração retida em peneira de 1,18 mm. O peFDN é determinado por
características macro-físicas da fibra e poderia ser mensurado nos alimentos por
avaliação de variáveis do animal como a mastigação, a camada de fibra longa no rúmen e
a motilidade ruminal. O conteúdo de peFDN de um alimento é calculado pelo teor de FDN
analisado quimicamente e multiplicado pelo fator de efetividade físico (pef) da fibra
naquele alimento:
peFDN = FDN * pef

O tamanho de partículas não é um indicador preciso de efetividade física. Um


exemplo prático é a cana-de-açúcar. Cana bem picada tem menor tamanho de partícula
do que a silagem de milho, conforme ilustrado na tabela 6. Entretanto a mastigação por
unidade de consumo e de FDN não cai em dietas com cana (Tabela 7). Para avaliar
corretamente o alimento é preciso medir a resposta animal.

Tabela 6. Diferenças no tamanho de partículas de cana-de-açúcar e


silagem de milho.
Grandes Médias Pequenas
Cana-de-açúcar 12.5 32.3 55.2
Silagem de milho 13.6 66.9 19.2
% de partículas retidas nas peneiras do separador Penn State (% da MS total)

Tabela 7. Mastigação por unidade de consumo em dietas à base de cana-


de-açúcar e de silagem de milho.
Silagem de Silagem de
Cana
Milho Milho
Forragem 46.2 46.2 46.2
FDN de forragem 20.1 19.9 19.6
FDN total 26.9 27.9 27.0

Mastigação (min/Kg MS 32.1 30.1 33.6


Adaptada de Correa et al. (2003)

FDN efetivo (eFDN)

A efetividade da fibra está ligado às características tanto macro-físicas como


“químicas” do alimento. Algumas variáveis resposta poderiam ser utilizadas para
mensurar a efetivade da fibra, dentre elas a % de gordura do leite, o pH ruminal e o perfil
de AGV no rúmen (Acetato/Propionato). O conteúdo de FDN efetivo de um alimento
(eFDN) é calculado multiplicando seu teor de FDN analisado quimicamente pelo fator de
efetividade daquela fibra (ef).

eFDN = FDN * ef
Para utilizar bem o conceito de fibra efetiva no campo é bom compreender como
os valores de ef são calculados para cada alimento. O fator de efetividade de um alimento
é medido em experimentos de curta duração e com dietas com baixo conteúdo de
forragem. A metodologia vem de Madison (Wisconsin): Armentano & Pereira (1997).

Nestes experimentos se formula uma dieta com teor adequado de forragem


(controle positivo, CP).Também se formula uma dieta acidogênica com baixo conteúdo de
forragem (controle negativo, CN). Na dieta teste, com o subproduto fibroso que se quer
avaliar, é incluída quantidade suficiente deste alimento capaz de elevar o conteúdo de
FDN desta dieta para teor similar ao teor na dieta PC, como ilustra a figura 4.

Figura 4. Fator de efetividade do FDN.

25

20

FDN 15
(%MS)
10

0
Controle negativo Dieta teste Controle positivo

FDN teste FDNF

A forragem padrão, da qual a FDN de forragem se origina, é a silagem de alfafa,


por ser uma forrageira típica do meio-oeste norte americano. Qualquer variável resposta
poderia ser avaliada (mastigação, pH ruminal, mat, perfil de AGV, etc). A resposta em %
de gordura no leite tem sido utilizada para definição do ef do alimento, pois a resposta
animal em % de gordura no leite ocorre tanto à variação na FDN dietética oriunda de
forragem quanto a variação na FDN oriunda de concentrados.
A resposta em % de gordura no leite por unidade de aumento na FDN do alimento
teste, proporcionalmente à resposta por unidade de aumento no FDN de silagem de
alfafa, define o fator de efetividade da FDN naquele alimento, conforme mostrado na
figura 5. Logo o ef de um alimento seria a resposta induzida neste alimento
proporcionalmente à resposta induzida por silagem de alfafa.

Figura 5. Cálculo do fator de efetividade do FDN.

3.8 B
a / b = ef CP
3.7
3.6
Gordura 3.5
b
J
do leite
(%) 3.4 Teste
3.3 CN a
3.2 JB

3.1
13 14 15 16 17 18 19 20 21 22
FDN (% MS)

Quando se fala que a ef de um alimento é 0,50, por exemplo, significa que cada
unidade de FDN neste alimento é capaz de induzir uma resposta em % de gordura que é
50% da resposta que seria induzida por unidade de FDN de silagem de alfafa. Ou seja,
teoricamente, 2 unidades de FDN do alimento teriam o mesmo eFDN que 1 unidade de
FDN de alfafa.

A % de gordura no leite é muito utilizada como variável resposta porque responde


tanto à inclusão de FDN de forragem, quanto à inclusão de FDN de concentrados à dieta.
A tabela 8 mostra isso com clareza.
Tabela 8. Respostas a FDN de forragem e FDN de concentrado.
Intersecção FDNF FDNC
CMS, Kg/dia 21.04 0.1135 -0.0490
Prod. Leite, Kg/dia 28.24 0.2020 -0.0723
Teor Gordura no leite, % 2.43 0.0390 0.0181
Teor PB no leite, % 3.61 -0.0190 -0.0005
Prod. Gordura no leite, Kg/dia 0.644 0.0192 0.0039
Prod. PB no leite, Kg/dia 1.010 0.0016 -0.0026
Adaptada de Pereira (1997
Dados de 68 tratamentos em 16 experimentos
Inclinações da reta em itálico são estatisticamente significativas

Diversos experimentos apontam que a FDN de subprodutos fibrosos não estimula


a mastigação (min/d/kg CMS), conforme mostra a figura 6. A razão pode ser seu pequeno
tamanho de partícula. Fibra de subprodutos não é fisicamente efetiva (com excessão de
caroço de algodão não moído). Forragens são fisicamente efetivas.

Figura 6. FDN de subprodutos fibrosos não estimula mastigação (min/d/kg CMS).

29 28.6

28

27 19.5 FDN - 12.6 FDNF

33.4 FDN - 12.8 FDNF


26 25.7
25.5 24.8 FDN - 20 FDNF
25

24

Dados de 26 vacas por tratamento (Pereira et al., 1999)


A tabela 9 valores de ef de diferentes produtos, baseado na % de gordura do leite.

Valores de ef para diferentes alimentos têm sido publicados (Tabela 9). Entretanto
um valor em torno de 0,50 tem sido utilizado para todo FDN oriundo de concentrados. Eu,
particularmente, uso o fator 0,46 para todo FDN oriundo de concentrados. Este fator é
baseado nas regressões na tabela 8: 0,46 = 0,0181 / 0,0390. Entendeu o porque deste
valor ?

Tabela 9. Valores de ef baseados em % de gordura no leite.


Resíduo de cervejaria 0.33
Farelo de trigo 0.46
Sabugo de milho 0.51
Polpa de beterraba 0.51
Farelo de glúten de milho 0.56
Pellet de alfafa 0.56
Casca de aveia 0.64
Caroço de algodão 1.30

Todo FDN de concentrados (Regressão) 0.46

CARBOIDRATOS NO NRC (2001)

O NRC (2001) sugere que o FDNF mínimo para manter função ruminal seria
similar em dietas formuladas com silagem de milho ou alfafa. Usa ef de 0,50 para todo
FDN oriundo de concentrados. A partir de uma dieta com 19% de FDNF e 25% de FDN
total, para cada 1% de redução no FDNF, aumenta 2% no FDN total e reduz 2% no CNF
máximo, conforme mostrado na tabela 10. Note que a primeira dieta é a mesma
preconizada pelo NRC (1989), uma dieta que sabidamente funciona.
Tabela 10 CHO no NRC (2001).
Mínimo de FDN Mínimo de Máximo de CNF Mínimo de FDA
de forragem FDN total na dieta na dieta
19 25 44 17

18 27 42 18

17 29 40 19

16 31 38 20

15 33 36 21
Válido para Dieta Completa contendo forragem com tamanho de partícula
adequado e milho moído como fonte predominante de amido.

Apesar do NRC (2001) incorporar o conceito de fibra efetiva, o que foi um avanaço
proporcionalmente ao NRC (1989), suas recomendações merecem questionamento. As
dietas preconizadas não contêm o mesmo teor de eFDN. Como as dietas não são iso-
FDN, fica impossível incorporar uma restrição dietética mínima de eFDN em uma planilha
para formulação de dietas. Por exemplo, é impossível falar a um computador que a
exigência de eFDN seria 22% da MS quando a FDNF é 19%, mas seria 24% quando a
FDNF for 15% ! A sistemática ainda tem que evoluir. A tabela 11 mostra que o conteúdo
de eFDN não é constante nos valores de exigência nutricional de FDNF e FDN total. Este
cálculo assume que o ef da FDNF seria 1,0 e o ef da FDN em concentrados (FDN total –
FDNF) seria 0,5.

Tabela 11. CHO no NRC (2001) - Assume ef = 0,5 para FDNC


Mínimo de FDN Mínimo de eFDN
de forragem FDN total na dieta
19 25 19+3 = 22

18 27 18+4.5 = 22.5

17 29 17+6 = 23

16 31 16+7.5 = 23.5

15 33 15+9 = 24
PARÂMETROS PARA BALANCEAMENTO DE CARBOIDRATOS

Tenho utilizado os seguintes parâmetros para balancear carboidratos em dietas para


vacas leiteiras:

• Mínimo de FDN de forragem na dieta (16% da MS)

• No ínício da lactação manteria a FDN de forragem acima de 19% da MS

• ef de todo FDN oriundo de concentrado, exceto caroço de algodão, em torno de


0,5 (0,46)

• ef da FDN de forragens = 1

• Mínimo de eFDN na dieta (22% da MS)

• Mínimo de CNF na dieta (30-40% da MS) - depende da fonte de CNF e da


digestibilidade da FDN
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Armentano, L.E. & Pereira, M.N. Measuring the effectiveness of fiber by animal response
trials. Journal of Dairy Science, 80: 1416-1425, 1997.

Batajoo, K.K.; Shaver, R.D. Impact of nonfiber carbohydrate on intake, digestion, and milk
production by dairy cows. Journal of Dairy Science, 77:1580-1588, 1994.
J. Dairy Sci. 1994 77: 1580-1588.

Correa, C.E.S.; Shaver, R.D.; Pereira, M.N.; Lauer, J.G.; Kohn, K. Relationship Between
Corn Vitreousness and Ruminal In Situ Starch Degradability. Journal of Dairy
Science, 85: 3008-3012, 2002.

Corrêa, C.E.S.; Pereira, M.N.; Oliveira, S.G.; Ramos, M.H. Scientia Agricola, 60: 621-629,
2003.

NATIONAL RESEARCH COUNCIL. Nutrient Requeriments of Dairy Cattle – 6th


Revised Edition. Washington, D.C.: National Academy Pess, 381p. 1989.

NATIONAL RESEARCH COUNCIL. Nutrient Requeriments of Dairy Cattle - 7th Revised


Edition. Washington, D.C.: National Academy Pess, 381p. 2001.

Pereira, M. N.; Von Pinho, R. G.; Bruno, R. G. S.; Calestine, G. A. Ruminal degradability of
hard or soft texture corn grain at three maturity stages. Scientia Agricola, 61:, 2004 (no
prelo)

Pereira, M.N. Responses of lactating cows to dietary fiber from alfafa or cereal byproducts.
PhD thesis. University of Wisconsin-Madison. 1997. 186 p.

Sloan, B.K.; Rowlinson, P.; Armstrong, D.G. Milk production in early lactation dairy cows
given grass silage ad libitum: Influence of concentrate energy source, crude protein
content and level of concentrate allowance. Animal Production, 46: 317-323, 1988.

Você também pode gostar