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A importância do fósforo na dieta de vacas de leite

As pressões de mercado exigem uma eficiência cada vez maior no uso dos fatores de produção e no
controle dos custos da atividade leiteira. A garantia de resultados nesse quadro tem se traduzido pelo
incremento na produtividade animal com práticas zootécnicas que reduzam as perdas de nutrientes sem
alterarem os gastos com a exploração. E dentre os nutrientes que causam um significativo impacto
econômico e ambiental destaca-se o fósforo (P). Somente o manejo adequado do rebanho e do programa
de alimentação pode reduzir as excreções desse elemento, o que beneficia o ambiente ao diminuir a
quantidade de fósforo e nitrogênio a ser reciclada para as áreas de agricultura ou de pasto, sem
comprometer o desempenho e a rentabilidade animal.

O fósforo desempenha diversas funções vitais no organismo do animal, estando relacionado com a
secreção de leite, metabolismo energético e de aminoácidos, transporte de ácidos graxos, síntese de
fosfolipídios e de proteínas. Como resultado, o fósforo está envolvido no metabolismo celular, no sistema
enzimático e no sistema tampão (constituinte da saliva). No organismo do animal, cerca de 80 a 86% de
fósforo encontra-se nos ossos e nos dentes, sendo o restante distribuído nos tecidos moles. O fósforo, na
forma fosfato, é absorvido no intestino delgado, sendo que o processo de absorção é mediado pela
vitamina D.

Diversos alimentos podem ser utilizados na dieta do animal para atender as exigências de fósforo. Os
teores em gramíneas forrageiras tropicais variam de 0,8 a 3 g de P/kg de matéria seca. Certamente, em
termos de fósforo, tais níveis não permitem elevados desempenhos (ganho de peso ou produção de leite)
na ausência de suplementação com outras fontes de fósforo, entretanto, tem-se observado que em
pastagens tropicais bem manejadas os teores de fósforo tendem a ser mais elevados (2 a 3 g de P/kg de
MS), o que reduz, mas não elimina a necessidade de fornecimento suplementar de fósforo.

Os componentes fosfatados nos suplementos minerais e nos concentrados utilizados em rações para gado
de leite (farelo de soja, farinha de peixe, etc.) apresentam de uma maneira geral uma elevada
disponibilidade de fósforo (tabela 1). Quando alimentos concentrados são incorporados na dieta em níveis
de 10–20%, eles tendem quase sempre a atender ou até mesmo a superar as exigências de fósforo dos
animais. Este efeito obviamente está vinculado ao tipo de alimento e aos fatores inerentes ao próprio
animal (nível de desempenho, idade, etc.). Disponibilidade de fósforo em diversos ingredientes para
mistura mineral.

Tabela 1
Fonte de fósforo Disponibilidade (%)
Fosfato dicálcico 93-95
Fosfato monocálcico 95-98
Fosfato monoamônico 95-100
Fosfato diamônico 95-100
Fosfato monosódico 95-100
Fosfato desfluorinatado 88-91
Farinha de ossos autoclavada 80-82
Farinha de peixe 90-95
Fosfato de rocha 25-35
Farelo de soja 94-96
Farelo de canola 94-96
Forragens – lavagem inicial com água 66
Forragens – após 72 horas de incubação 80
Fonte: Adaptado de Chase (1998).

Cerca de 50 a 70% do fósforo contido nos grãos de cereais e em outros alimentos concentrados, como o
farelo de soja e de algodão, encontram-se na forma de fitato, que é uma forma de fósforo indisponível
para monogástricos. Entretanto, os microorganismos do rúmem são capazes de produzir a enzima fitase,
tornando o fitato disponível para absorção nos ruminantes. Estudos conduzidos com bovinos em
crescimento e vacas de leite têm atestado que 95–100% do P-fitato é hidrolisado num período de 24
horas de incubação com fluído ruminal. Portanto, não há necessidade de correção para o fitato em dietas
de ruminantes, embora alguns técnicos e pecuaristas ainda insistam nessa tarefa.

Além do fósforo da dieta, o ruminante recicla grandes quantidades desse elemento como fosfato
inorgânico na saliva, cuja secreção diária em bovinos chega a proporcionar de 30 a 60 g de fósforo. Por
outro lado, é bastante conhecido o fato de que no início da lactação as exigências das vacas de leite,
principalmente daquelas de maior mérito genético, são aumentadas. Também é bem aceito que neste
período ocorra uma intensa mobilização das reservas de energia e de cálcio (Ca). Não existe nenhum
mecanismo direto para a mobilização do fósforo, como no caso do Ca, porém, dada a íntima relação
desses dois elementos nos ossos, a mobilização do cálcio invariavelmente resulta na mobilização de
fósforo. Segundo estimativas, a mobilização do fósforo dos ossos, durante o período do início da lactação,
encontra-se ao redor de 500 à 600 g. EXIGÊNCIAS DE FÓSFORO VARIAM DE ACORDO COM CADA
FASE ANIMAL

Para as vacas em início de lactação, a elevada demanda por fósforo aumenta a absorção deste elemento
no trato digestivo, ao mesmo tempo em que as exigências de cálcio repercutem na maior mobilização de
fósforo a partir dos ossos. Com o objetivo de assegurar um consumo adequado de fósforo no início da
lactação (o pico no consumo de MS é posterior ao pico na produção de leite), as recomendações de
fósforo são maiores nesta fase, o que pode gerar um excesso desse elemento no organismo do animal.
Em outras palavras, é possível que no início da lactação os níveis de fósforo na dieta não precisem ser tão
elevados, visto que o excedente não utilizado pelo animal seja excretado principalmente nas fezes e no
leite e, em menor quantidade, na urina.

A relação do fósforo consumido com o fósforo excretado salienta a importância da exata determinação das
exigências desse elemento pelos animais e ainda sinaliza que o dimensionamento adequado da
quantidade de fósforo a ser fornecida na dieta é fundamental para baratear os custos das rações e/ou
suplementos e reduzir as perdas de fósforo para o ambiente. As recomendações de fósforo para vacas em
lactação diferem bastante quanto aos seus componentes (disponibilidade, manutenção e produção de
leite) entre diferentes países (tabela 2). Como resultado, para uma maior produção de leite as
recomendações de fósforo variam em função do sistema adotado. Essa inconsistência nas tabelas
nutricionais pode ser atribuída à disponibilidade do fósforo no organismo do animal e às exigências de
manutenção.

Tabela 2
Componentes para determinação das exigências em fósforo para vacas de leite, de acordo com diversos
sistemas

Disponibilidade Manutenção Manutenção Prod. leite Prod. leite

Sistema (%) (g/kg PV)* (g/kg PV)** (g/kg (g/kg


leite)*** leite)**

EUA 50 0,0143 0,0286 0,990 1,98


Inglaterra 58 0,0252 0,0420 0,905 1,56
Holanda 60 0,0120 0,0207 0,900 1,50
França 70 0,0434 0,0620 0,875 1,25

Alemanha 70 1 g/kg MS varia 1,000 1,43


* PV - peso vivo do animal.
** correção da exigência em função da disponibilidade de fósforo.
*** leite corrigido para gordura.
Fonte: Adaptado de Tamminga (1992) e de Knowlton & Kohn (1999).

Muitos estudos têm subestimado os valores de disponibilidade de fósforo porque a sua verdadeira
digestibilidade só pode ser medida sob condições de deficiência do elemento. Neste sentido, os valores de
disponibilidade de fósforo adotados pelo NRC (1989), de 50%, têm sido contestados e as informações
mais recentes têm apontado que um valor de disponibilidade de 70% seria mais razoável. Já as
exigências de fósforo para manutenção variam bastante em função da tabela nutricional adotada. O
Sistema Alemão (tabela 3), que assimilou trabalhos desenvolvidos na Universidade de Bonn, inovou o
dimensionamento das exigências de manutenção de fósforo ao mudar a base de cálculo de g de P/kg de
peso do animal, encontrado nos outros sistemas de recomendação de fósforo, para g de P/kg de MS
consumida.

Tabela 3 Exigências em fósforo de acordo com o Sistema Alemão (1993)

Exigência
Componente

P secretado no leite 1 g/kg de leite


P depositado no útero durante os dois últimos 2,0-2,5 g/dia
meses de gestação
Acréscimo de P durante o crescimento 7,4 g/kg de ganho
Perda inevitável de P (manutenção) 1 g/kg de MS consumida
Fonte: KirchgeBner (1993, citado por Satter & Wu, 1999).
O NRC (1989) calcula as exigências de fósforo das novilhas através de equações baseadas no peso do
animal. Estas equações refletem o decréscimo na disponibilidade de fósforo com o avanço na idade.
Assim, o estudo assume que em bezerros a disponibilidade de fósforo é de 90%, diminuindo para 55% em
animais com mais de 400 kg de peso. Para vacas em lactação, o mesmo estudo assume uma
digestibilidade constante de fósforo de 50%. Tendência semelhante foi apresentada pelo sistema inglês
(ARC, 1980), que mostrou trabalhos em que disponibilidade do fósforo em bezerros sob amamentação era
de 94%, porém, para o animal com 14 meses de idade e para o animal adulto este valor caía para 78% e
58%, respectivamente.

Por outro lado, o ritmo de ganho de peso das novilhas também influencia as exigências em fósforo. De
uma maneira geral, considera-se que teores de fósforo entre 0,23–0,31% da MS da dieta são adequados
para esta categoria do rebanho, sob condições normais de consumo de matéria seca. Esses valores ainda
sugerem que pastagens tropicais bem manejadas são capazes de suprir grande parte das exigências de
fósforo dos animais em crescimento.

EFEITOS REAIS DO FÓSFORO SOBRE PRODUÇÃO E REPRODUÇÃO

O fósforo é frequentemente fornecido em excesso, em quantidades que não trazem nem benefícios e nem
prejuízos à saúde e desempenho dos animais. Um dos motivos que leva o pecuarista a superdimensionar
o fornecimento desse elemento em dietas é o conceito de que a falta de fósforo esteja relacionada com
problemas de reprodução. Até os efeitos do fósforo sobre o ambiente tornarem-se preocupantes, o
fornecimento de fósforo acima das exigências dos animais era tido como um “seguro barato” para um
bom desempenho reprodutivo do rebanho. Entretanto, muitos dos estudos que relacionaram o fósforo
com baixo desempenho reprodutivo foram conduzidos em situações de baixos níveis de fósforo na MS da
dieta (abaixo de 0,20%).

A literatura mostra consistentemente que o fósforo não deve influir de maneira negativa sobre a
reprodução se os seus níveis na dieta forem de 0,25% da MS, isto é, superiores às exigências de fósforo
pelos microorganismos do rúmem. Níveis inferiores a estes reduzem o crescimento microbiano e a síntese
de proteína microbiana e possivelmente têm efeito deletério sobre a digestibilidade da dieta. A menor
digestibilidade da dieta reduz o status energético do animal, que pode repercutir negativamente sobre a
reprodução. Além disso, a pesquisa não tem demonstrado benefícios na produção de leite para o
fornecimento de fósforo acima dos níveis recomendados nas tabelas de exigências nutricionais.

Em resumo, para rebanhos comerciais que seguem as exigências de fósforo na dieta recomendadas pelos
diferentes sistemas de nutrição, dificilmente se observarão problemas de reprodução e/ou produção de
leite devido a falta de fósforo. Ao contrário, o fornecimento de fósforo em excesso comumente verificado
nas dietas comerciais abre um leque muito grande para o pecuarista, no sentido de reduzir os custos de
produção (reduzir os níveis de fósforo na dieta para aqueles recomendados nas tabelas de exigência
nutricional) e o impacto ambiental do fósforo, através da redução da excreção deste nutriente nas fezes.
Para situações de pastejo torna-se imperativo o bom manejo da pastagem, observando conceitos
relacionados a reposição e manutenção da fertilidade do solo, intensidade e freqüência de desfolha e
suplementação de fósforo no cocho.

O principal problema do fósforo, em termos ambientais, diz respeito à poluição da água. O fósforo
apresenta baixa solubilidade e mobilidade no solo não sendo, portanto, prontamente lixiviado. Assim, o
fósforo se concentra na camada mais superficial do solo e quando ocorre a erosão e/ou o escorrimento
superficial, ele é levado para mananciais ou outras superfícies de água. Se o produtor não controlar os
níveis de fósforo no solo quando usa o esterco e/ou fertilizantes e não levar em consideração o valor da
forragem no suplemento, haverá problemas para o ambiente e nos custos de produção. Basta lembrar
que cerca de 50% dos custos dos suplementos vitamínicos-minerais fornecidos em dietas para vacas de
leite são devidos ao fósforo.

Por outro lado, o assunto “fósforo” tem sido foco de discussões que sugerem que as quantidades de
fósforo aplicadas ao solo (esterco + fertilizantes) sejam limitadas ao montante do elemento passível de
ser absorvido pelas culturas. Sabe-se também que a maior concentração de animais em áreas cada vez
mais reduzidas em conjunto com a repetida aplicação do esterco na mesma área propiciam um elevado
potencial de perda de nutrientes para o ambiente, repercutindo em problemas de ordem ambiental, social
e econômica. Nesse contexto, a sociedade está cada vez menos tolerante às atividades que promovem
um impacto negativo sobre o ambiente, sinalizando que os empreendimentos pecuários não conseguirão
evitar por muito tempo as despesas relacionadas com a proteção do ambiente, como já acontece na
Europa e nos EUA.

Em outras palavras, num futuro não muito distante os investimentos relacionados com o manejo do
esterco, negligenciadas até o momento por desconhecimento ou com o objetivo de reduzir as despesas,
deverão ser incorporados nos custos das propriedades. Aspectos como o manejo e armazenamento do
esterco, bem como os métodos de aplicação deste esterco no campo, são imprescindíveis para otimizar a
eficiência do sistema de produção e minimizar o impacto ambiental associado com a produção de
ruminantes. Torna-se interessante salientar que a concentração de um grande número de animais em
áreas relativamente pequenas cria dificuldades no manejo do esterco, porém, mesmo em explorações de
pequeno e médio porte esses problemas existem.

Texto baseado em artigo escrito pelo prof. Moacyr Corsi e pelo doutorando Geraldo Bueno Martha Júnior,
ambos do departamento de Produção Animal da Esalq-USP. Martha Jr. é bolsista da Fapesp-Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.

OS RISCOS DE FONTES ALTERNATIVAS


O fosfato bicálcico é o suplemento alimentar de fósforo mais nobre e mais amplamente usado no mundo para
fornecer aos animais teores de fósforo de alta qualidade. Existem também os fosfatos agrícolas e os fosfatos de
rocha, geralmente vendidos com preços inferiores aos do fosfato bicálcico. Por isso, é grande a tentação de se usar
na alimentação animal tais fontes não convencionais de fósforo, cujo uso deve ser restrito às plantas.
O problema é que a fabricação de fertilizantes não obedece às normas exigidas para garantir alto grau de pureza
nos produtos, para que possam ser empregados com segurança nos suplementos e nas rações animais. Para a
produção de fosfato bicálcico, emprega-se ácido fosfórico purificado, o que resulta um resultado com baixos níveis
de flúor e de outros contaminantes. Já a indústria de fosfato agrícola emprega fosfato bruto de rocha (alto teor de
flúor) e não aplica processos de purificação.
O fosfato supertriplo, por exemplo, nada mais é do que o resultado da reação do ácido fosfórico não tratado
sobre a rocha fosfórica bruta, ambos de uso agrícola, carregando, portanto, todas as impurezas dos produtos
originais. Se as impurezas não afetam as plantas, o mesmo não se pode dizer dos animais, os quais são afetados,
prejudicando o seu metabolismo. Os fosfatos agrícolas contém elevado e variável nível de contaminantes e baixa
biodisponibilidade de fósforo para os animais, ou seja, grande parte do fósforo ingerido é eliminado por meio de
fezes e da urina para o ambiente.
O excesso de fósforo no solo e nas águas tem efeito negativo nos ecossistemas, resultando na eutrofização dos
mananciais, com crescimento de algas, redução do oxigêncio da água e morte de peixes e outros organismos. O
impacto ambiental é tão negativo que resultou em rigorosa legislação restritiva à pecuária de diverssos países.
Houve grande redução dos rebanhos suínos na Holanda e fechamento, ou transferências para outros estados, de
dezenas de produtores de leite da Flórida (EUA). A Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnica-USP vem
desenvolvendo extenso estudo físico, químico e biológico de diferentes tipos de fosfatos para avaliar riscos e
benefícios na dieta animal.
De 1993 a 1999 foram avaliadas 54 amostras do Brasil, EUA, Alemanha e Israel, de fosfatos para alimentação
animal, fosfatos agrícolas, fosfatos de rocha, entre outros. Os estudos avaliaram vários tipos de fosfatos agrícolas,
concluindo que contém altos níveis de impurezas, particularmente flúor, ferro, magnésio, enxofre, bário, titânio e
tório, sinais de toxicidade e biodisponibilidade de fósfato variável. Considerando que as rochas fosfálticas são
empregadas diretamente na produção de fertilizantes sem passarem por um processo de purificação, causam
preocupação os níveis de outros elementos tóxicos, além do flúor, como o cádmio e vanádio.
Já os fosfatos feed-grade apresentaram alto grau de pureza química e alta biodisponibilidade de fósforo. A
inclusão de fosfatos com altos teores de flúor na dieta animal resulta em menor ganho de peso, menor ingestão de
alimentos, pior conversão alimentar e comprometimento da mineralização óssea e da resistência óssea à
fraturas. Existem registros de intoxicação e morte por flúor em rebanhos bovinos na Nova Zelândia, resultado da
ingestão de fosfato supertriplo empregado na adubação.

Felix Ribeiro de Lima, professor-doutor do departamento de Nutrição e Produção Animal da Faculdade de Medicina
Veterinária e Zootecnia da USP, campus de Pirassununga-SP.

FONTE:

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