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Um despertar tardio

O eu que somos verdadeiramente pode ser destruído pelos eus que não

somos. Por isso, é importante sair em busca de si. Uma das pistas do nosso eu

está em nossos sonhos.

São eles que nos fazem chegar à nossa definição. Sonhos amadurecem, mas

não prescrevem. Mas vale distinguir sonhos de ilusões. Os primeiros se

relacionam com o eu mais profundo, enquanto os segundos dialogam com o

ego.

É possível saber quem somos?

A pergunta “é possível saber quem sou?” cruzou séculos da história da

epistemologia do ser e não tem resposta simples,mas, parte da solução da

questão, pode estar em Deus.

As busca por Deus e por si não são distintas. É se conhecendo que se conhece

Deus, e vice-versa. A espiritualidade é o desdobramento da religião que mostra

que Deus está onde as pessoas estão realizadas.

A filosofia está no antes de tudo

Somos seres metafísicos, capazes de ir além do materialmente dissecado. A

intuição humana exige a busca pelo que está além do alcance dos olhos. Essa

visão é uma herança das narrativas míticas da antiguidade e da filosofia

ocidental.
O ímpeto para conhecer a si ganhou corpo com Aristóteles e os filósofos

gregos. A busca filosófica por sentido é natural e acontece sempre que

procuramos nomear pensamentos e sentimentos.

Onde mora o eu?

Fábio de Melo enfatiza que a filosofia está acima de tudo. Entretanto, na busca

pelo eu, a moderna neurociência também tem um papel importante. Por isso, o

estudo do cérebro ajuda na investigação de si.

Afinal, “eu” e “mente” são conceitos que se fundem. O mistério se mantém ao

perceber que, ao examinar cada parte do cérebro, é impossível localizar onde

mora o eu.

O lugar do eu na filosofia

Se a neurociência envolve cérebros explorando outros cérebros, na filosofia

temos mentes investigando o ato de pensar. O “eu” é uma evolução no


conceito do “ser”. Ainda assim, o conceito só passou a ser plenamente

estudado com René Descartes.

O filósofo francês defendia que mente e corpo eram de naturezas distintas. No

entanto, a neurociência evoluiu o entendimento de Descartes ao mapear a

mente como parte do cérebro.

O eu como si mesmo
O centro da psicologia é o eu. A terapia serve para solucionar conflitos em si

mesmo. Ainda assim, a existência do eu não é consumada na psicologia. O

substituto dos psicólogos para o eu é o “self”, trabalhado pelo psiquiatra Carl

Jung.

Embora o eu não tenha comprovação científica, todos o experimentamos de

forma incontestável. Alguns, como o neurocientista Oliver Sacks, defendem

não só a existência de um eu, e sim de vários.

Sou muitos, mesmo sendo um só

O eu foi alvo de vários debates e polêmicas ao longo da história, apesar de sua

existência. Nós o experimentamos e sentimos. Todos nós sabemos a diferença

entre o eu e o outro.

Cada ser humano tem um núcleo que não muda e é fiel a si. Autenticidade é o

traço de quem se relaciona com o eu substancial e deixa o eu acidental em

segundo plano.

O que nos constrói ou destrói são as escolhas


que fazemos

Todos estamos condenados a escolher. Estamos limitados pelo tempo e pelo

corpo, o que torna as decisões necessárias. Encontrar o eu substancial passa

por conhecer os papéis que surgem como fruto das nossas escolhas.

Um eu acidental é a roupagem que segue a necessidade da época. Porém,

pode ser consequência dos papéis que os outros atribuem para nós. Quanto

menos nos conhecemos, mais suscetíveis ficamos a eles.


Os eus que nos chegam pelos conselhos

O eu substancial também é influenciado pelos conselhos dos outros. Uma parte

de si encontra o autoconhecimento como um reforço promovido pelo entorno.

Contudo, alguns conselhos negam e dissociam nossa essência.

Ainda assim, os incorporamos graças à fragilidade emocional. Uma pessoa

pode ver outra sem enxergá-la de fato. Por isso, oferece um eu que não

corresponde à sua verdade pessoal.

O eu imposto, impostor

Um exemplo de eu imposto é o que desincentiva o nosso lado mais frágil, em

chavões como “homem não chora”. Isso faz com que um eu acidental frio tome

o lugar do eu substancial.

Às vezes, o eu substancial pode encontrar uma vazão violenta ao ser

suprimido. Buscar a essência de si é desafiador. Em alguns casos, exige

enfrentar as versões de si impostas pelos próprios pais.

Os administradores de nossa fragilidade original

O início da vida é marcado pelos limites, o que faz com que os pais tenham um

papel central na formação do eu. No entanto, a criação de filhos é uma tarefa

exigente e tem seus próprios desafios.

Às vezes, os pais oferecem aos filhos eus que os negam. Isso gera erros, já

que escolhas condicionadas não são livres. Muitas vezes, os próprios pais

agem condicionados pela criação que tiveram.


O limite original

É preciso aprender a lidar com os próprios limites. A fragilidade humana não

pode ser superada. Mesmo atletas precisam se submeter a limites físicos.

Embora o ser humano seja sublime, tem seus limites emocionais.

O autor enfatiza que viver dói, desde o nascimento. Os primeiros momentos

são pautados por contrações. A vida começa com as limitações e a

vulnerabilidade máxima do recém-nascido.

Do ser indivíduo ao ser pessoa

O autor diferencia “indivíduo” de “pessoa”. “Indivíduo” é impessoal, sem

distinção. Já “pessoa”, é único. Nascemos indivíduos, sem capacidade de

perceber a diferença entre si e o outro.

Ao crescer, nos vemos como seres únicos capazes de cuidar. Por isso, nos

reconciliamos com a própria fragilidade, nos abrimos para o amor e nos

tornamos pessoas.

Os cárceres do indivíduo

O eu depende da vida social e das experiências com o outro. O entorno pode

ajudar na travessia de indivíduo para pessoa. Ainda assim, as mudanças da

sociedade tornaram o mundo menos disposto para as relações.

Surgiu uma indisposição para vínculos exigentes. A contemporaneidade trouxe

o estilo de vida dos condomínios e criou obstáculos à intimidade. Contudo, a

busca por privacidade não pode reforçar a indisposição à vida social.


O ineditismo do eu

Já passamos da metade deste microbook e o autor nos revela que o início da

vida é marcado pela individualidade e pela fragilidade. Os recém-nascidos são

incapazes de distinguir entre si e o outro. Só que, em algum momento, o eu se

declara único.

A partir daí, percebe-se como apenas parte do universo, em vez de ser o

centro dele. O autoconhecimento é a porta de entrada para desvendar a

estrutura que traz a consciência de si.

O eu da pessoa

Alguns saberes são intuitivos. O eu está na categoria deles. Entretanto, ao

encontrar um eu, os outros são rejeitados. A busca por si é relacional e está

pautada na interação com as pessoas e com o mundo.

Por isso, os eus acidentais podem ser trazidos pelos outros e sua influência

pode afastar ou aproximar você da sua verdade pessoal. Chegar ao ser que
somos envolve dificuldades e contribuições.

O conhecimento do eu como um processo


maiêutico

A essência do eu é uma busca “maiêutica”, uma ideia de Sócrates em que a

verdade seria alcançada por meio de perguntas e respostas. Assim, o

autoconhecimento é estimulado pelos outros.


Nesse sentido, a interação com o outro também deve ser questionada. Esse

movimento é chamado pelo autor de “pastoreio do eu”, porque o eu cuidando

dos seus relacionamentos é como um pastor tutelando suas ovelhas.

O pastoreio do eu

Pastorear é o mesmo que cuidar. Em nossa vida, existem “vozes pastoras”, de

pessoas que nos influenciam como os pastores fazem com as ovelhas. Essas

vozes vêm das autoridades afetivas.

Jesus, por exemplo, é a voz pastora de seus seguidores. Ainda assim, na vida,

temos exemplos familiares. Uma avó pode ser a autoridade afetiva de uma

neta. O pastoreio do eu passa também pela voz do próprio coração.

O eu que desvendamos

A voz do coração é o centro do ser. Por isso, só é possível fazer uma boa

investigação de si com honestidade. O autor recorre às diferenças aristotélicas


de essência e aparência para concluir que somos essencialmente humanos.

Por isso, passíveis de limites e de um desenvolvimento lento. Como uma

semente se torna a árvore que essencialmente é, todas as pessoas precisam

se tornar o que essencialmente são.

O eu na dinâmica do vir-a-ser
Embora tragamos nossa essência, somos influenciados pelo meio em que

vivemos. Por isso, não é só sobre ser, mas sobre vir-a-ser o que realmente

somos e assumir nossa verdade pessoal.

Algumas pessoas contribuem para o desvelamento do eu. Assim, a essência

começa seu desabrochamento. Para isso, é preciso iniciar o embate diário com

o mundo que rejeita a autenticidade do eu.

O eu negado de Antônia

Antônia, leitora de Fábio de Melo e filha de um pai superprotetor e explosivo,

teve seu eu como mulher suprimido pela figura paterna. Por influência do pai,

não desenvolveu vaidade ou relacionamentos românticos. Quando ele faleceu,

Antônia ficou perdida.

Sua vida foi devotada ao pai e ela nunca havia encontrado a essência de si. O

autor se recorda de que o erro do pai ao suprimir o eu da filha foi fatal, com

Antônia cometendo suicídio pouco tempo depois.

A atribuição de responsabilidades

Ainda que Antônia confessasse seus problemas a Fábio de Melo antes de seu

suicídio, nunca chegou a culpar o pai. Para ela, o pai tinha responsabilidade,

mas não culpa.

O erro foi enxergar a filha como extensão de si. O autoritarismo deixa marcas

principalmente no cerne da liberdade. Para o autor, só se é verdadeiramente

livre quem se livra da necessidade de agradar.

A cultura da negação do eu
A sociedade pós-moderna incentiva pessoas dispersas e superficiais. Isso é

fruto das exigências da pressa. Nesse novo arranjo, os encontros entre

pessoas ficaram fragilizados.

O capitalismo e a pressa reduziram o espaço para o cultivo da vida espiritual.

As pessoas se tornaram estranhas a si. Muito materializadas, pouco

espiritualizadas. Em vez de escutar suas próprias necessidades, fazem

compras para disfarçá-las.

Os eus impostos e as religiões

As estatísticas de suicídios são assustadoras e parte da razão do fenômeno é

a rejeição do eu pelo outro. É o caso da homofobia, uma causa comum de

suicídio. Às vezes, pautada em ideias cristãs.

Fábio de Melo enfatiza que não existe nada nos evangelhos que justifique o

ódio às minorias. Para ele, as pessoas que justificam intolerância com

cristianismo estão longe de entender a proposta cristã.

Sob a proteção da falsa bondade

O discurso religioso pode ser perigoso. Isso acontece porque, em alguns

cenários, os líderes religiosos subentendem que há mais sabedoria neles do

que nos fiéis. Deus passa a ter um mediador.

O autor defende que a religiosidade não pode ser castradora. Afinal, é possível

conhecer Deus olhando para dentro de si, sem depender de mediação. A

religião não pode negar nosso eu.


O pessimismo antropológico como impedimento
para a evolução espiritual

A hipocrisia de alguns discursos religiosos é explicada pela dificuldade de

reconhecer a fragilidade humana. Isso é surpreendente, já que é dela que se

fortalece a experiência religiosa.

Existe na religiosidade um “pessimismo antropológico”, a sensação de não ser

um nada diante de Deus. No entanto, para o autor, não é preciso se

desmerecer para considerar Deus grande.

Do pessimismo às máscaras

Às vezes, para esconder nossos erros e fragilidades, lançamos mão de

máscaras e disfarces. Isso vai desde um discurso moralista até a dissimulação.

Contudo, ao esconder a própria indigência, o religioso reforça a descrença de

si próprio.

O problema é que isso prejudica a fé em Deus. É difícil ter fé sem acreditar em


si. Afinal, para acreditarmos em Deus, é preciso crer que Deus também

acredita em nós.

As máscaras como desdobramentos dos medos

Os medos nunca nos deixam, embora possam ser administrados. Às vezes, se

manifestam por disfarces como agressividade. O medo também pode ser fruto

de eus acidentais.

Ao se manter próximo da própria essência, torna-se mais fácil lidar com

situações amedrontadoras. O medo do abandono não assumido, por exemplo,

pode levar a um eu imposto ciumento.


A vida como lugar terapêutico

O processo terapêutico ajuda na consciência de si. No entanto, o convívio

social nos incentiva a ser reativos em vez de reflexivos. Isso exclui o espaço

para o amadurecimento do eu.

O processo terapêutico reúne na sala os vários eus. Essa sala precisa estar

sempre iluminada para distinguirmos os eus que nos pertencem e os que

devem ser rejeitados.

Notas finais

Encontrar a si mesmo dá trabalho. É preciso se livrar dos eus acidentais e das

imposições colocadas pelos outros. Para os que têm coragem para encarar a

busca da própria essência também encaram a busca por Deus. O livro do

padre Fábio de Melo mostra como a procura filosófica pela verdade pessoal

pode levar a uma vida mais realizada.

Dica do 12min

Conhecer seu eu também pode passar por saber seus talentos naturais e os

traços que precisam ser reforçados. Você pode conferir o microbook “Descubra

Seus Pontos Fortes”, em que os autores revelam especificamente como

descobrir suas fragilidades e as habilidades nas quais é bom.

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