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Resenhas

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grande parte dos nossos alunos: muitos ras respostas para essas questões. No
LOPES, Eliane Marta Teixeira. As deles sofrem com a falta de moradia, entanto, para compreender o presente,
origens da educação pública: a alimentação, vestuário adequado, bem podemos buscar no passado elementos
instrução na revolução burguesa como se ressentem da ausência de um a fim de elaborarmos um entendimento
do século XVIII. Belo Horizonte: apoio familiar que lhes permitiria uma de fenômenos que atravessam o tem-
Argvmentvm, 2008, 152 p. (Col. formação escolar mais proveitosa e po. Isso é o que Eliane Marta Teixeira
EDVCERE, 7) sustentável. Nesse contexto, o relacio- Lopes faz em As origens da educação
namento professor-aluno “vai de mal a pública.
pior”, é permeado de violências, e nos Eliane Lopes, hoje também psi-
É comum, entre as professoras sentimos “nadando contra a maré”. canalista, tem uma longa e respeitável
e os professores que se têm dedicado Mergulhados em um cotidiano es- carreira como professora e pesquisa-
ao trabalho desenvolvido na educa- colar desgastante, perguntamo-nos: de dora. A autora que outrora se sentara,
ção básica hoje, perguntar-se, com que modo a educação pública no Brasil como aluna, nos bancos do Colégio
frequência, como é que chegamos ao tornou-se o que é hoje? Por que a esco- Estadual, na Universidade Federal de
estado de coisas ao qual assistimos la pública não tem sido, muitas vezes, Minas Gerais (UFMG), na Pontifícia
sem cessar, nas escolas públicas de um espaço de formação reconhecida- Universidade Católica de São Paulo
um modo geral. O que vemos (e ex- mente importante para muitos jovens? (PUC-SP) e também na École des Hau-
perimentamos), praticamente em todo Por que, em grande medida, a escola tes Études, em Paris, foi também pro-
o país, é, cada vez mais, as péssimas pública não tem sido o lugar em que fessora titular de história da educação
condições de trabalho nas quais as alunos se apropriariam de instrumentos na UFMG e é atualmente professora
educadoras e os educadores tentam de- os quais lhes possibilitariam uma for- emérita da mesma universidade e do-
senvolver um trabalho, minimamente mação sólida para lutar por uma mu- cente da Universidade Vale do Rio Ver-
digno e responsável; os baixíssimos dança significativa de suas condições de de Três Corações, em Minas Gerais.
salários oferecidos aos profissionais de vida e também da sociedade? De São seus, entre outros, os livros: Da
da educação; as escolas sem estrutura onde vem a já tão conhecida desvalo- sagrada missão pedagógica (2003), A
adequada para receber seus alunos e rização de professores e professoras? psicanálise escuta a educação (1998),
funcionários. Acrescentem-se a isso as Baseados em fatos presentes, é prová- Colonizador-colonizado: uma relação
próprias condições sociais em que vive vel que muitos leitores tenham inúme- educativa no movimento da história

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(1985). Ao longo de sua trajetória pro- der de vista o momento da recepção do No primeiro capítulo do livro,
fissional, publicou ainda vários artigos, estudo de Lopes no Brasil, nos anos da “O contexto histórico”, encontramos
capítulos de livros, apresentou traba- abertura política. Nessa direção, Faria delineado o período sobre o qual Elia-
lhos em congressos, fez conferências e Filho considera seu caráter inovador no ne Lopes se debruça: o momento “em
palestras, preocupando-se sempre com campo da história da educação – hoje que surgiu a escola, [...] o momento da
as questões que, em diferentes tempos e, ainda mais, nos anos de 1980 – res- Revolução Francesa, [as] crises que a
e espaços, envolveram a educação dos saltando a “radical desnaturalização geraram [...] [os] períodos que atraves-
sujeitos sociais. Mas é como historia- do discurso pedagógico e das políticas sou” (p. 23). Mas, não pense o leitor
dora da educação que Eliane Lopes tra- educacionais” feita pela pesquisadora, que aí encontrará apenas um cenário
ta das origens da educação pública no e também a sua “maneira diferente de em que a trama histórica se desenrola-
seio da Revolução Francesa, no século entender a pesquisa em história da edu- rá; um cenário independente do objeto
XVIII. Sua pesquisa é de grande valor, cação e de construir o texto historio- investigado por Lopes, uma vez que,
pois nos ajuda a compreender também gráfico”. Trata-se, nas palavras de Faria tal como destaca Faria Filho, estudar as
o que aconteceu em nosso país e em Filho, de uma “dissertação em ação”, “Origens da educação pública” signifi-
nosso estado, já que o Brasil e o estado construída de uma forma criativa; de ca estudar também a Revolução Fran-
de Minas Gerais são herdeiros diretos “um trabalho datado”, mas não “supe- cesa, a história da França, articuladas
do momento estudado pela pesquisa- rado” (Faria Filho, 2008, p. 14). sempre com os problemas apresentados
dora; nas suas palavras, “herdeiros dos Na “Introdução”, Eliane Lopes por Eliane Lopes, seja por seu traba-
ideais revolucionários de Liberdade e apresenta a origem do problema a partir lho docente, seja pela realidade que a
Igualdade, e da própria idéia de escola do qual ela desenvolveu sua investiga- envolvia. Desse modo, no Capítulo I,
pública, universal, gratuita, leiga e ção, assim como os objetivos que pre- graças à habilidade de Lopes para fazer
obrigatória” (p. 20). tendia alcançar com a realização da pes- (re)aparecer o passado em uma narrati-
Antes de tratar, contudo, mais de- quisa, a delimitação do objeto que seria va clara e objetiva, vemos reconstruída
tidamente do livro, é importante tecer investigado, o plano geral do trabalho. a sociedade francesa do Velho Regime,
algumas considerações sobre alguns Como é comum no campo da pesquisa, no século XVIII, seu funcionamento e
aspectos de sua produção e dos dois o estudo de Lopes nasceu de uma difi- as transformações pelas quais passou.
momentos da publicação d’As origens culdade, de uma demanda detectada por A enorme diferença social, os
da educação pública. O livro é fruto da ela, relacionada ao conjunto de obras de privilégios de que gozavam o clero e a
pesquisa de mestrado da autora, reali- história da educação universal, no coti- nobreza, o empobrecimento crescente
zado na UFMG, produzido entre fins diano de seu trabalho como professora das camadas populares, a exploração
dos anos de 1970 e o início dos anos de de história da educação geral. Segundo dos trabalhadores, a fome engendraram
1980, época na qual muitos pesquisa- Lopes (p. 19), nos livros a que estudan- a reivindicação da maior parte da po-
dores estavam envolvidos pelas teorias tes e professores universitários tinham pulação francesa pelo pão. Essencial,
marxistas. Esse fato, além de nos fazer acesso, na década de 1970, geralmente essa reivindicação “aguçou a sensibili-
pensar sobre o teor da análise do pas- se relatavam, “cronologicamente, os dade política, e as camadas populares
sado, empreendida pela pesquisadora, principais fatos históricos, seguidos desfraldaram a bandeira da Revolução”
leva-nos, imediatamente, para o autor dos fatos da educação ou das mais (p. 34). O que se vê na França, em
do prefácio da primeira edição, lançada importantes tendências do pensamento 1788, é um quadro de crise agrícola; da
em 1981. Paulo Freire, em seu breve pedagógico”. No entanto, os autores não produção industrial, no setor manufa-
texto introdutório à obra, convida os estabeleciam “a real relação entre a edu- tureiro de têxteis; da esfera financeira:
leitores à “convivência” com o livro, cação e a sociedade em um determinado e ainda: alta no custo de vida; desem-
afirmando ter-se “‘encontrado’, a cada período histórico ou em uma determina- prego; queda no poder aquisitivo no
página, com a sensibilidade históri- da formação social”. Daí a necessidade campo e na cidade, nas possibilidades
ca de Eliane”. Por sua vez, Luciano de realizar uma pesquisa para conhecer de lucro; crise de subconsumo. Havia
Mendes de Faria Filho, professor da a educação criticamente por meio de seu uma grande insatisfação na sociedade;
Faculdade de Educação da UFMG, na papel na história, “feita pelos homens os conflitos e antagonismos entre as
apresentação da nova edição do livro reais, atuantes e condicionados por um classes e no interior delas mesmo se
de Eliane Lopes, cujo lançamento determinado desenvolvimento das for- acirravam. Além disso, “uma nova
ocorreu em 2008, indica os muitos mo- ças produtivas e do modo de produção filosofia, uma nova concepção de mun-
dos de ler o estudo da autora, sem per- que a elas corresponde”. do ia se formando” (p. 38). Veiculada

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pelos iluministas, essa filosofia “se revolucionário, com a influência das a liberdade de pensamento e opinião.
opunha aos princípios de autoridades “luzes”, escrevia-se sobre a elaboração A instrução, dessa forma, impediria
e tradição, às diversas formas de desi- de um plano de educação nacional para que um indivíduo “ignorante” ficasse
gualdade, aos privilégios e às arbitra- a juventude, a reforma da educação “dependente – por conseguinte, menos
riedades da administração monárquica” pública, a responsabilidade do corpo livre – daquele que sabe. Nesse sen-
(p. 38). Dessa maneira, estava pronto docente na formação dos cidadãos, as- tido, a instrução impediria o domínio
o cenário para ser deflagrada a revo- sim como a respeito de uma educação de uma classe sobre a outra” (p. 75).
lução, o que ocorreu de fato em 1789. eficiente que se estendesse a todas as Vê-se que, para filósofos e políticos
Fim do Velho Regime, liquidação do classes, da elaboração de livros ele- da época, a instrução teria um caráter
sistema feudal, abolição de distinções mentares e da sua adoção, da expansão salvador e todo-poderoso... (p. 76).
e privilégios antigos foram alguns dos do número de escolas. Os documentos Alguma semelhança com o que, muitas
resultados do movimento revolucioná- analisados pela autora ainda tratavam vezes, acontece nos dias de hoje, no
rio. A igualdade civil expressava-se na do estabelecimento de escolas para os pensamento corrente de uma boa par-
Declaração dos Direitos do Homem e dois sexos e de “um programa mínimo cela da sociedade?
do Cidadão (1789), pela qual se procla- nas escolas primárias” (p. 71), da sub- Cabe ressaltar, entretanto, como
mava também “o direito do homem às sistência dos professores, do controle bem o faz Eliane Lopes, que aqueles
liberdades, o direito do cidadão à sobe- de seu trabalho e de sua competência. que veem na instrução uma maneira
rania” (p. 48). É importante ressaltar, Vale destacar que, em alguns documen- de fazer com que os sujeitos nasçam e
entretanto, que a Revolução Francesa, tos analisados por Eliane Lopes, alguns permaneçam iguais se apoiam em uma
apesar de democrática, tendo em sua professores apareciam ligados a pa- legislação que defende a propriedade,
frente as camadas populares, inclusive róquias, e suas despesas deveriam ser fonte basilar da desigualdade social.
a massa rural, foi, em verdade, uma pagas pelas comunidades; em outros, No lugar de reconhecer a ordem econô-
revolução burguesa. Conforme Lopes, denunciava-se o desdém com que eram mica como motor da desigualdade, na
“a maioria burguesa se aplicou em en- tratados, exortava-se a valorização da França de fins do século XVIII, preo-
fraquecer o mais possível a instituição profissão (p. 81), propunha-se uma cupada com os seus próprios interesses,
monárquica. Com a monarquia extre- salário mais elevado para os docentes a burguesia preferiu ver na diferença
mamente debilitada e o povo sob tute- (p. 95). Quanto à instrução secundá- entre os indivíduos, em suas virtudes e
la, a Assembléia Constituinte cuidou ria, a demanda do Terceiro Estado, em seus talentos, a origem da desigual-
de regenerar as instituições da França composto pela burguesia, mas também dade social, que seria, portanto, na-
em benefício da burguesia, firmando-se pelas camadas populares urbanas e tural. Daí a conveniência de dividir a
nos princípios da Revolução” (p. 49). camponesas, relacionava-se a outras instrução “em diversos graus. De modo
No segundo capítulo, é abordado demandas desse grupo social, o Tercei- que as potencialidades fossem igual-
“O momento revolucionário e seu dis- ro Estado, de extinção de privilégios; mente, mas também individualmente,
curso pedagógico”. Nele, Eliane Lopes pretendia-se que as crianças desse setor atendidas. [...] sendo os indivíduos
analisa os discursos pedagógicos, de- da sociedade francesa se beneficiassem diferentemente dotados, segue-se que
cretos, projetos e relatórios elaborados da mesma educação recebida pelas a sociedade deveria ser diferentemente
nos diferentes momentos da Revolução crianças da nobreza. hierarquizada” (p. 77).
Francesa. No final do Antigo Regime, A instrução pública era consi- Na conclusão do livro, “As re-
crescia a necessidade de um novo sis- derada um poder. Logo, deveria ser, lações entre o contexto histórico e os
tema de estudos e de educação para o conforme a Constituição Francesa de discursos pedagógicos”, Eliane Lopes
povo francês. A demanda por uma refor- 1789, comum a todos os cidadãos e “evidencia a conexão entre as idéias
ma no aparelho escolar era uma questão gratuita, ao menos em relação ao que discutidas nos dois capítulos anteriores
que não gerava antagonismos entre as seria indispensável para todos. A am- e estabelece as relações entre educação
diferentes classes sociais da França. Tal pliação da instrução e a reformulação e sociedade” (p. 23). Mostra como a
unanimidade possibilitou e obrigou, se- de seus conteúdos eram fundamentais, burguesia, “facção do Terceiro Estado”
gundo a autora, “a Revolução a ter a pu- pois a instrução estaria ligada ao exer- (p. 124), foi-se fortalecendo a partir
blicização da instrução constantemente cício, pelos cidadãos, de direitos ga- das contradições do feudalismo, desde
na pauta de suas discussões” (p. 73). rantidos pela Declaração dos Direitos o século XII. Nascidas dessas contra-
Às vésperas da Revolução do Homem e do Cidadão, tais como a dições, as formas econômicas foram-se
Francesa e mesmo durante o período igualdade e a liberdade, especialmente impondo e “criando uma nova visão

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de mundo” (p. 124), que caracteriza das quais ela foi trazida” (p. 138), tor- que abre a primeira edição do livro e
a burguesia e se funda no conceito de nou-se condição para que o capitalismo da minha experiência como professora
liberdade, a partir do qual se desenvol- se desenvolvesse e se implantasse defi- da escola pública e como estudiosa
veram os conceitos de individualismo nitivamente. da história da educação, convido os
e de igualdade. Daí, a reivindicação Como podemos ver, o livro de leitores deste texto a “conviver” com o
do Terceiro Estado “para educar-se Eliane Lopes é, antes de tudo, uma livro de Eliane Marta Teixeira Lopes,
e educar” (p. 124). Dessa maneira, a grande “aula” a respeito da escola da a se sensibilizar e a se “encontrar” nas
burguesia, que lutava pela consolida- Revolução Francesa, mas também a suas páginas.
ção de seu poder econômico e político respeito da nossa escola pública, como
durante a Revolução Francesa, por destaca Carla Boto, professora de fi- Referências bibliográficas
meio da instrução, tornar-se-ia também losofia da educação da Universidade
hegemônica, uma vez que consolidaria, de São Paulo (USP), no “Posfácio” FARIA FILHO, Luciano Mendes
na sociedade, seu modo de pensar, sua da edição de 2008 do livro de Lopes; de. Apresentação ou dos muitos
ideologia. uma grande “aula” sobre como se pode modos de ler um livro. In: LOPES,
Ainda que burguês, é importante realizar uma investigação, sobre o Eliane Marta Teixeira. As origens
notar que os discursos pedagógicos modo de escrever a história da educa- da educação pública: a instrução na
em torno da publicização da instrução ção. Assim, As origens da educação revolução burguesa do século XVIII.
traziam em si e revelavam “aspirações pública é altamente recomendável para Belo Horizonte: Argvmentvm, 2008
e pretensões da classe subalterna” os estudantes universitários que se in- (Col. Edvcere, 7).
(p. 127), visto que o proletariado não teressam pela história da educação ou LOPES, Eliane Marta Teixeira.
tinha ainda seus interesses separados se dedicam a pesquisas nesse campo do Colonizador-colonizado: uma
dos interesses da burguesia. Somando- conhecimento. É também importante relação educativa no movimento d
se a isso, perversamente, a classe para aqueles cujos esforços de investi- a história. Belo Horizonte: Ed. da
burguesa, no século XVIII, foi criando gação se concentram no período com- UFMG, 1985.
mecanismos por meio dos quais permi- preendido pela história moderna. ______. (Org.). A psicanálise escuta a
tia “à classe subalterna a reivindicação Mas o mérito de Eliane Lopes educação. Belo Horizonte: Autênti-
de seus interesses, articulando-os em por essa sua produção está, sobretudo, ca, 1998
torno dos seus próprios, de tal forma no fato de sua obra atingir um público ______. Da sagrada missão pedagó-
que” acabassem “por constituir-se em bem mais amplo do que aquele especí- gica. São Paulo: Universidade São
interesse geral” (p. 128). Logo, por fico, de historiadores e pesquisadores. Francisco, 2003.
meio da instrução, a burguesia poderia Uma vez que a temática tratada, com
não só disseminar sua visão de mundo rigor e sensibilidade, relaciona-se à Juliana Ferreira de Melo
e de homem – como se fosse a visão educação pública, tema que envolve Professora da rede estadual de Minas
da maioria –, como também legitimar diversos problemas do nosso tempo, Gerais, doutoranda em educação
seu poder. a obra de Lopes não só pode como pela Universidade Federal de Minas
Segundo a lógica burguesa, ca- deve ser apreciada por educadoras e Gerais (UFMG)
beria “à instrução tornar os cidadãos educadores que experimentam, a cada E-mail: ferreirademeloj@gmail.com
‘mais’ iguais” (p. 129), já que, mesmo dia, o desafio de ensinar, sobretudo, na
proclamados iguais, os indivíduos não escola pública atual. O livro de Eliane
o são, tendo em vista a desigualdade Lopes merece ser lido, portanto, por
econômica existente entre eles. Assim, todos os professores e as professoras TOMAZI, Nelson Dacio. Sociologia
embora a instrução seja concebida que, acreditando na construção de para o ensino médio. São Paulo:
“como veículo de liberação e de igua- uma sociedade mais justa, igualitária, Atual, 2007, 256 p.
lização”, ela foi (ainda não é, nos dias democrática, buscam incansavelmente
atuais?), no século XVIII, na França, conhecimentos e maneiras de garantir,
um “veículo de dominação de classe”, com seus alunos, a cidadania, sem O livro em questão surge em
porque foi (não é?) “assentada sobre a discriminar e excluir os sujeitos so- um contexto ao mesmo tempo muito
desigualdade econômica” (p. 129). A ciais, tratando a diversidade como uma especial e desafiante para a história da
instrução, um direito de todos, “porque massa igual, uniforme. Valendo-me sociologia no ensino médio no Brasil.
todos participaram das lutas no interior das palavras de Paulo Freire, na carta O fato de ter-se tornado disciplina obri-

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gatória no ano de 2008,1 nas três séries mente delicada. Segundo um estudo as demais Ciências Humanas [...],
do ensino médio, após décadas de ten- do Ministério da Educação (MEC),3 o tem como objetivo compreender
tativas de retorno, ao lado da filosofia, país tem 20.339 professores de socio- e explicar as permanências e as
e reivindicada por tantas entidades logia atuando nas escolas, no entanto, transformações que ocorrem nas
nacionais representativas, publicações só 12,3% (2.499) são licenciados na sociedades humanas e até indicar
como essa são muito bem-vindas. Au- área. Em filosofia, o número atual é algumas pistas sobre os rumos das
xilia na trajetória de discussão para os de 31.118, sendo 23% (7.162) com a mudanças. (Tomazi, 2007, p. 6)
caminhos da formação humanística de licenciatura específica. Para que todas
nossa juventude. as escolas de ensino médio do país Com habilidade de mestre e
Temos cerca de noventa cursos tenham aulas nessas duas disciplinas é experiência de quem tem prazer em
superiores de ciências sociais em todo preciso ter 15 vezes mais professores ensinar, apresenta de forma muito dire-
o país, que repensam de alguma ma- de filosofia e 40 vezes mais de sociolo- ta e didática a relação entre conceitos
neira a formação do estudante em sua gia. Esses números expressam uma das como indivíduo e sociedade, trabalho
relação entre bacharelado e licencia- várias consequências que resultaram no e sociedade, abordando historicamente
tura após a aprovação da lei, seja para banimento da filosofia e da sociologia teorias clássicas e contemporâneas. De-
apoiar ou não a integração desses dois na formação da juventude brasileira no fine e trabalha muitas outras questões,
níveis de ensino. Os cursos que já pos- campo das chamadas humanidades. como desigualdades sociais ou poder e
suem a dupla habilitação em bacharela- Fora do ensino médio desde política, ideologia e cultura, mudança e
do e licenciatura (como o da Pontifícia 1971, por determinação da ditadura transformação, comparando realidades
Universidade Católica de Campinas – militar, a obrigatoriedade da sociologia contraditórias.
PUC-Campinas) ou a opção de forma- e da filosofia é um avanço e uma con- Ao fazê-lo, apresenta autores
ção em licenciatura rediscutem a sua quista inegáveis, mas abre a necessida- reconhecidos das ciências sociais,
atuação na formação do professor de de de uma nova etapa de desafios para indicando em cada capítulo livros de
sociologia que irá atuar com alunos de todos os que historicamente defen- outros sociólogos que também se dedi-
ensino médio, baseando-se em diversos deram a volta dessas disciplinas para cam à delicada tarefa de dialogar com
aspectos, sejam teóricos, práticas de o ensino médio. Importa igualmente o leitor, estudante ou não, para que
estágios supervisionados, culturais, ou nesse momento a produção e o acesso possa pensar criticamente a sociedade
mesmo legais. É o caso, por exemplo, a um maior número de materiais didáti- em que vive. Sugere o autor ainda, em
das Orientações Curriculares Nacio- cos representativos de sociologia, para “Leituras e atividades”, exercícios com
nais2 em Sociologia, para as 24 mil es- que possamos contribuir com a melho- filmes, poesias e trechos de obras que
colas de ensino médio de todo o país. ria da qualidade de ensino nas escolas, auxiliam na compreensão e no desen-
Um dos grandes problemas atuais daí a importância do livro indicado volvimento de conceitos ao final de
do ensino médio é a falta de professo- nesta resenha. cada unidade.
res em várias áreas de conhecimento, Nelson Dacio Tomazi divide o
como tem noticiado amplamente a livro em sete unidades, com temas cen- [...] uma das preocupações da Socio-
mídia, discutindo inclusive muitas trais para o iniciante ao estudo da socie- logia é justamente formar indivíduos
das razões dessa crise nas escolas. A dade. Situa a importância dos conteúdos autônomos, que se transformem
situação da sociologia é particular- selecionados ao lado de outras áreas de em pensadores independentes...
conhecimento das ciências humanas, percebendo o que se oculta nos
1
Projeto de lei sancionado pelo presidente seja em história, ciência política, antro- discursos... ou, mais importante,
da República em exercício, José Alencar, em 2 de pologia, economia, entre outras. que tenham a capacidade de fazer
junho de 2008. A nova lei altera o artigo 36 da lei n. as próprias perguntas para alcançar
9.394/96, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação O que se pode dizer, inicialmen- um conhecimento mais preciso da
Nacional (LDB). te, é que a Sociologia, assim como sociedade à qual pertencem.
2
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Secre-
taria de Educação Básica. Ciências humanas e suas 3
BRASIL precisa de professores de filosofia O livro pode ser considerado
tecnologias. Conhecimentos de Sociologia, Brasília, e sociologia. O Estado de S. Paulo, 21 jul. 2008. “aberto”, por possibilitar escolhas,
v. 3, p. 101-132, 2006. Disponível em: <http://www. Disponível em: <http://www.andifes.org.br/index2. tanto do professor como do aluno, para
mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/book_volume_03_in- php?option=com_content&do_pdf=1&id=182>. aprofundar os temas fundamentais e
ternet.pdf>. Acesso em: 5 fev. 2009. Acesso em: 5 fev. 2009. clássicos através de certos conheci-

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mentos sugeridos. Cremos que essas de publicação, mas vai além, mape- intelectuais brasileiros em nada dimi-
opções vão variar muito, dependendo ando alguns de seus mais importantes nui a contribuição do livro de Tomazi,
da cultura local, da série de ensino, da desdobramentos e expoentes nos prin- na tentativa de explicitar o papel de
condição social, da idade ou da etnia, cipais países do mundo. brasileiros que buscam explicar e inda-
por exemplo, daqueles que tiverem O Brasil, igualmente, surge com gar, continuamente, sobre nosso lugar
acesso ao livro. expressivos representantes da disci- no mundo e na história do país de uma
O autor favorece a ida a diferen- plina; antes, porém, revela processos perspectiva crítica e democrática, dis-
tes tipos de materiais e recursos didá- históricos que valorizam uma longa cutindo didática e criticamente certas
ticos, científicos ou artísticos, desde luta pelo reconhecimento da sociologia posições obscurantistas e totalitárias
os livros impressos das estantes das no sistema de ensino do país, como o que sufocaram tantas vezes o desen-
bibliotecas até as bibliotecas virtuais da primeira tentativa de inclusão da volvimento de nossas potencialidades
das universidades, ou rede de mídias disciplina na reforma educacional de políticas, sociais e culturais na história
eletrônicas, alternativas ou não. Benjamin Constant, em 1891. E ainda humana e nacional.
Engana-se quem julgar que este na década de 1920, quando a sociolo-
repete o conhecido Iniciação à sociolo- gia foi sendo implantada regulamente Doraci Alves Lopes
gia, organizado por Nelson Dacio To- em colégios de vários estados brasilei- Pontifícia Universidade Católica de
mazi (2. ed., São Paulo: Atual, 1993). ros. Gilberto Freyre e Fernando Aze- Campinas
Permanecem conceitos ou autores, vedo, na década de 1930, figuram entre E-mail: doraci@puc-campinas.edu.br;
como Marx, Durkheim ou Weber, mas aqueles intelectuais que se dedicaram doracilopes@hotmail.com
a habilidade e a forma como trabalha ao reconhecimento dessa disciplina nos
com esses e outros cientistas sociais in- colégios, produzindo conteúdos para os
dispensáveis é um destaque que merece futuros estudantes do ensino superior CARRETERO, Mario. Documentos de
ser feito. da época, tal como Tomazi vem fazen- identidad. La construcción de la me-
Para o ecletismo de imagens, de- do no presente. moria histórica en un mundo global.
senhos ou fotos, reproduções de obras Mas o professor e o aluno ainda Buenos Aires: Paidós, 2007.
de arte e informações, Sociologia para têm a oportunidade de ver o que pode
o ensino médio contou com diferentes ser considerado uma homenagem a
equipes de pesquisas, tanto iconográ- tantos outros autores e obras nacionais Qual é o significado social da
fica, artística, como para ilustrações que raramente são mencionados em prática pública do ensino de história?
e mapas. Temos ao final uma longa e livros de sociologia voltados para o Como a educação histórica interfere
representativa bibliografia, nacional ensino médio, como as obras de Sér- sobre a identidade, o posicionamento
e internacional, além de uma relação gio Buarque de Holanda, Caio Prado político e o comportamento público dos
de sites, outra de créditos e fontes Junior, Florestan Fernandes, Antonio indivíduos? Como as representações do
das imagens, que reforçam a ideia de Candido, Octavio Ianni, Francisco de passado são assimiladas, e que efeito
possibilidades em aberto para se criar Oliveira, Marialice Foracchi, Heleieth têm sobre a vida dos cidadãos? Essas
percursos diversos de conhecimentos Saffioti, José de Souza Martins, entre categorias de perguntas instigam os
a serem explorados no cotidiano das outros não menos ilustres. didatas da história (cuja formação ori-
salas de aulas, lugar privilegiado para O autor indica tantos intelectuais ginal, via de regra, é a de historiadores)
a formação autônoma do indivíduo. porque está preocupado em apontar a desde o momento em que uma fratura
Portanto, local para propiciar a capaci- diversificação da própria disciplina a epistemológica descolou o ensino da
dade de perguntarmos sobre a realidade partir daqueles que construíram e cola- concepção de mera vulgarização do
do mundo, seguindo a proposta de boraram não só para a institucionaliza- saber científico. O ensino de história,
Tomazi. ção dessa área de conhecimento, mas elevado à condição de problema, passou
Por último, sublinhamos o com a própria identidade das ciências a ser percebido como fator fundamen-
“Apêndice”, uma novidade muito bem- sociais no Brasil. Claro que em cada tal de mobilização política, religiosa e
vinda para os que querem conhecer a região do país haverá quem lamente social nas mais diversas culturas. Nos
origem histórica da sociologia, não só a falta deste ou daquele nome, como anos de 1970, o historiador Marc Ferro
internacional, mas também nacional. o de certas presenças femininas, além articulou uma grande equipe e produ-
O autor sintetiza as correntes teóricas daquelas constantes do livro. Mas esse ziu o estudo Comment on racconte la
principais, como é tradição nesse tipo desafio de nomear ou deixar de nomear histoire aux enfants: a travers le monde

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entier, publicado em 1981, traduzido no Em contrapartida, não podemos dizer vale a leitura do livro, inclusive como
Brasil pela Ibrasa como A manipulação que há uma ruptura com o trabalho estímulo para o desenvolvimento de es-
da história na escola e nos meios de anterior, pois, de certa forma, o estudo tudos análogos para a nossa realidade.
comunicação, numa interpretação mais de Documentos de identidad também O livro parte da ideia fundamen-
direta de seu conteúdo. Esse livro pode poderia ser enquadrado no campo da tal da distância e convivência conflitiva
ser indicado como uma das bases do psicologia social. entre história escolar e história como
surgimento dos estudos específicos so- A passagem de um a outro cam- disciplina que busca alcançar o conhe-
bre a didática de história, que hoje con- po, mesmo que apoiada num fio con- cimento científico do passado. Esta
gregam pesquisadores das faculdades de dutor – o da aprendizagem histórica –, última vem do paradigma racionalista
educação e departamentos de história ao fornece vantagens e desvantagens ao ilustrado, aspira verdades assépticas,
longo de todo o Brasil. estudo. Entre as vantagens, a con- sem carga moral. Na escola, pelo con-
O livro do espanhol Mario Carre- figuração anterior das pesquisas de trário, dominaria a dimensão afetiva,
tero, publicado na Argentina em 2007, Carretero proporcionaram-lhe um olhar missão de construir identidade, com o
embora com motivações e objetivos atento e uma metodologia de pesqui- que estaria a negar e hostilizar os “ou-
distintos, pode cumprir em parte o sa que não perde de vista os sujeitos tros” que não participam da narrativa
papel que a obra de Ferro teve para concretos – principalmente crianças e canônica sobre a nação no tempo. Em
os anos de 1980. Naquele momento, jovens. Além disso, alguns pressupos- Carretero, a possibilidade de conciliar
tratava-se de identificar o ensino de tos em discussão já estão superados no essas histórias (escolar e científica) é
história como objeto de estudo da his- debate que busca articular o ensino de escassa ou nula, e quem ganha a ba-
tória e da educação, não apenas no que história e a produção de identidades talha pela opinião popular é a história
se refere ao método de ensino, mas so- sociais. Entre elas está a constatação de escolar. A racionalidade da história
bretudo no que se refere ao uso social que determinadas dicotomias aparentes científica não é capaz de gerar identi-
desse conhecimento e as manipulações nesse campo (como afetividade vs. dades e identificações, de acordo com o
ideológicas constatadas na então União racionalidade, romantismo vs. iluminis- autor. Nesse quadro, estamos paralisa-
Soviética, África do Sul, Japão e Esta- mo, formação histórico-cívica e forma- dos num atoleiro, e a obra de Carretero
dos Unidos, entre outros. ção histórico-cognitiva) não se revelam é tentativa de entender esse fenômeno
Nesse momento de aurora do assim tão distintas na prática. Pelo con- e sair desse atoleiro/encruzilhada do
século XXI, as questões para o ensino trário, a tendência é que essas posturas ensino de história.
de história são outras, já que o fim do ou características apareçam não apenas Na introdução, intitulada “O
socialismo real, assim como o recrudes- mescladas, mas até mesmo integradas espelho de Clio”, Carretero expõe seu
cimento do capitalismo real e as grandes nos indivíduos e grupos sociais. pressuposto de que o ensino de história
mudanças no tratamento das diferenças Outro aspecto a destacar antes foi e em parte segue sendo memória
identitárias, realoca os objetivos e as de uma exposição estrutural da obra é histórica. Faz, assim, o trabalho da
estruturas educacionais. Esse é o grande o fato de que ela não considera o caso memória, e não o da racionalização.
mérito do livro, ou seja, oferecer um brasileiro em suas análises, e pode-se Isso em parte se deve ao surgimento
panorama das condições e contradições perguntar, afinal, qual o seu interesse da disciplina, ligada à crise de identi-
entre as demandas sociais por identida- para o leitor nacional. O caso da educa- dade da modernização no século XIX,
de e orientação temporal em variados ção histórica brasileira guarda algumas que é resolvida com saída romântica e
países e num período de aceleradas semelhanças com os casos contempla- nacionalista da qual a história escolar
transformações, que em alguns dos paí- dos na obra, mas as diferenças é que participa. Entretanto, o panorama dos
ses estudados chegam a ser radicais. nos fazem pensar o tempo todo em conflitos surgidos nos últimos anos em
A obra traz um Carretero numa como aqueles temas seriam analisados relação ao ensino de história sustenta
guinada em relação ao que veio produ- de modo distinto, diante da realidade que há uma tensão entre razão crítica e
zindo ao longo de sua vida acadêmica, distinta do Brasil. Não se trata apenas emotividade identitária. Usando a me-
voltada principalmente para os aspec- de dados pontuais, mas do efetivo sig- táfora da madrasta da Branca de Neve,
tos cognitivos da aprendizagem histó- nificado que a história tem – ou deixa que pergunta ao espelho quem é a mais
rica. Agora temos um autor envolvido de ter – no Brasil, compondo um perfil bela, o autor explica que o ensino de
com questões de sociologia e política significativamente diferente, inclusive, história é como um espelho mágico em
da produção de identidades, via produ- da Argentina, que é o país mais próxi- que as perguntas e as respostas estão
ção e reprodução de passados comuns. mo analisado na obra. Esse exercício sob controle; se o espelho deixar de

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cumprir sua função de produção de O primeiro caso é o de países que a opinião pública, afinal a discussão
uma identidade confortável para a so- recentemente saíram do socialismo. Os implícita era a projeção de futuro de
ciedade, será destruído. casos da Estônia e da antiga Alemanha cada sociedade. Além disso, a Espanha
Pergunta Carretero: “¿Por qué la Oriental são estudados como exemplos debate-se com uma crise de representa-
historia sigue asumiendo esta funci- da convivência de uma história de ção sobre a colonização da América e o
ón, romántica y aglutinante, cada día viés humanista e internacionalista – a dado dos abusos sobre seres humanos
más contraria a la vocación crítica história oficial, pró-soviética – que que não aparecem no ensino espanhol,
esgrimida por el discurso escolar con- se desmancha muito antes do fim da mas somente nos países que a Espanha
temporáneo? ¿Se trata de una contra- União Soviética, afinal o seu discurso colonizou. Outro tópico importante é o
dicción o de una articulación fundante chocava-se com a prática imperialista dos conflitos diretos entre nações sobe-
y significativa entre historia, escuela de Moscou. Subjacente a ela manteve- ranas e sua retomada no ensino, o que
y nación de la que no se puede aún se – e depois chegou ao poder – uma por sua vez gerará novos conflitos, por
prescindir?”. Essa é a pergunta funda- subversão da história oficial, de caráter exemplo os recentes debates entre Chi-
mental do livro. nacionalista. Essa subversão, culti- na e Japão sobre o não-reconhecimento,
O contexto dessa discussão é a vada em caráter privado, é dada à luz nos livros didáticos japoneses, das
recolocação das identidades políticas e com a estruturação de governos pós- atrocidades da ocupação militar de re-
subjetivas em escala planetária, diante socialistas. giões da China no contexto da Segunda
do quadro de mundialização de todos Nos Estados Unidos da América, Guerra.
os aspectos da vida. Essa discussão a busca neoconservadora por exce- Trata-se, enfim, de um livro fron-
desenrola-se, segundo o autor, em lência na aprendizagem histórica nas teiriço, de importância garantida para
dois pólos opostos na atualidade: o escolas abre o debate dos National o estudo educacional do deslocamento
humanismo crítico (em busca de uma Standards. Todavia, a configuração das identidades subjetivas e políticas
identidade pós-nacional, no estilo da final dessas orientações curriculares que caracterizam os processos globais,
discussão proposta por J. Habermas) e oficiais – resultantes de amplo e demo- ligados diretamente à problemática
o romanticismo de perspectiva nacio- crático debate – abre-se a uma perspec- atual do ensino de história (mas tam-
nalista. tiva multicultural e questionadora dos bém do tema geral da formação para
A discussão do tema é feita a Estados Unidos como nação branca e a cidadania), colocando em discussão
partir de alguns exemplos que, embora cristã, o que levará neoconservadores perspectivas pós-modernas, críticas e
não cubram todas as categorias ou for- do governo de Bush pai a desestimular multiculturalistas.
mas de produção identitária nos países, (!) a utilização dos Standards oficiais.
fornecem um pano de fundo suficiente- Os casos do México e da Espanha Luis Fernando Cerri
mente diverso para que o desafio que a são muito ricos, porque a discussão Programa de Pós-Graduação em Educação,
obra assume seja expandido e aplicado de conteúdos que se deve ensinar em Universidade Estadual de Ponta Grossa
a outros casos não contemplados. história extrapolou a escola e ganha E-mail: lfcerri@uepg.br

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